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Oportunidades internacionais para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida


Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)
Notas para exposição oral na Brazil Conference, BH, 26/05/2023; 14hs.

Existem muitas oportunidades abertas ao Brasil na globalização, em sua inserção à


economia mundial, o que ainda não ocorreu de fato, talvez nem de direito, dados os inúmeros
obstáculos existentes a um processo amplo de abertura econômica e de liberalização
comercial. Mas antes de falar das novas e futuras oportunidades, na verdade já existentes,
podemos falar na perda de oportunidades já incorridas pelo Brasil ao longo de sua história.
O grande economista, diplomata e pensador do Brasil, Roberto Campos, costumava
dizer que o Brasil é um país que não perde oportunidade para perder oportunidades. Isso
começou lá atrás, quando dois dos “pais fundadores” do Estado independente, o jornalista
independente Hipólito da Costa, refugiado em Londres, e o estadista José Bonifácio, o
primeiro membro brasileiro de um gabinete português sob a regência do príncipe D. Pedro,
recomendavam, ambos, que o Brasil se livrasse, imediatamente, do tráfico escravo e tomasse
as providências necessárias para começar a importar imigrantes agrícolas, para se livrar, em
médio prazo, da nódoa da escravidão. Também recomendavam educação pública, a fundação
de uma universidade e diversas outras medidas para desenvolver a nova nação autônoma. Não
foram ouvidos, assim como não foi ouvido Irineu Evangelista de Souza, que pretendia
industrializar o Brasil em moldes ingleses, o que o fez apenas parcialmente, sabotado que foi
por diversos áulicos do regime, que lhe concederam apenas a graça de ser Barão de Mauá.
Assim continuou no resto do Império e na República, cujo traço maior, ademais do
baixo crescimento, foi a preservação de um acerbado protecionismo e a manutenção de uma
introversão inaceitável para um país que dependia do resto do mundo para se lançar em
grandes negócios para o seu próprio povo imigrante, esperançoso de um futuro brilhante na
terra de eleição. As oligarquias fundiárias, os mandarins do Estado, castas patrimonialistas se
congregaram para impedir um deslanche tão decisivo quanto aquele que caracterizou os EUA
depois a guerra de secessão, bem documentado no livro de Robert Gordon, The Rise and Fall
of American Growth, 1870-2014. Depois da semana de arte moderna em 1922, o escritor
Mario de Andrade, um dos seus organizadores, confessou decepcionado num poema que
“progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”. De fato,
nosso lento progresso antes dos anos 1930 foi praticamente uma fatalidade do destino.

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A partir da Grande Depressão – depois de uma recessão severa em 1930-31, mas
superada por uma bem maior, provocada pela Nova Matriz Econômica, em 2015-16 –, o
Brasil passou a crescer impulsionado pela demanda interna, pela substituição de importações,
por um processo de industrialização induzida pelo Estado que pode ser, numa analogia
certamente exagerada, equiparada ao stalinismo industrial conduzido a ferro e a fogo,
praticamente um escravismo moderno, pelo tirano soviético a partir do primeiro plano
quinquenal. Nosso crescimento foi de fato para dentro, com uma diminuição notável do
coeficiente de abertura externa que o Brasil exibia no auge das exportações de café e de outras
commodities; em 1931, começam os controles de capitais que não seriam mais eliminados.
A partir da era Vargas, durante o desenvolvimentismo de JK e, sobretudo, no grande
processo de modernização pelo alto, ao estilo bismarckiano, do regime militar, o Brasil
cresceu de fato, embora preservando não só as iniquidades do passado – a não reforma
agrária, a não educação, o protecionismo e o estatismo exacerbados –, como novas distorções
e desvios de conduta, tanto no plano da democracia política (estrangulada durante 21 anos),
quanto no terreno propriamente econômico, por meio de um novo stalinismo industrial, que
fez do Brasil uma imensa reserva de mercado unicamente para as indústrias locais, nacionais
ou estrangeiras. A indústria automobilística, por exemplo, implantada sob JK, continua a ser,
70 anos depois dos investimentos feitos por montadoras europeias, americanas e japonesas,
uma típica “indústria infante”, da qual falavam Hamilton e List na primeira metade do século
XIX. Cabe também registrar que, no tocante à educação de massa, o Brasil só alcançou o
índice de matrículas no primário – o enrollment rate de crianças de 7 a 11 anos – que era o
das nações mais avançadas (Estados Unidos e Alemanha) no início do século XIX somente no
final do século XX, ou mais ou menos 150 anos depois. E isso apenas no que se refere ao
quantitativo de crianças adentrando no ciclo obrigatório primário; nada a ver com o lado mais
fundamental da qualidade do ensino e da manutenção dos níveis nos ciclos posteriores.
Muito bem, vamos deixar o passado de lado e focar agora nas oportunidades que se
oferecem ao Brasil a partir deste momento, e elas são promissoras, depois de quatro anos não
só de virtual isolamento internacional, mas de quatro anos nadando no sentido contrário ao
das democracias de mercado, no que tange direitos humanos, sustentabilidade, liberdade de
imprensa, enfim, de adesão ao núcleo de temas que frequentam a agenda global mundial,
tanto no plano multilateral, quanto no de blocos (G20, etc.), quanto bilateralmente. Eu
começaria por dizer que oportunidades sempre existem, as mais diversas, em quaisquer planos
possíveis, e que a realidade internacional, assim como a nacional, é sempre cambiante e
incerta, dado o jogo incerto das maiorias políticas (pelo menos nas democracias). Eu também

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diria, preliminarmente, que oportunidades externas não são, ou não deveriam ser, o foco mais
importante nos planos de desenvolvimento de um país, pois que elas existem, aliás
aleatoriamente distribuídas num mosaico mundial de quase 200 soberanias nacionais. É a
partir de dentro que precisa se começar a trabalhar na criação de oportunidades internacionais
de desenvolvimento e inserção na economia mundial.
Eu começaria, por exemplo, por retirar lições de três ou quatro relatórios feitos por
algumas entidades internacionais que nos ajudariam a focar naquilo que é relevante, para o
Brasil, em termos de deficiências nossas numa perspectiva comparativa. O primeiro é feito
anualmente pelo Banco Mundial, e se refere ao Doing Business; o segundo é feito pelo World
Economic Forum, e se chama Global Competitiveness Report (mas o último divulgado foi o
de 2020: https://www.weforum.org/reports/the-global-competitiveness-report-2020/). O
terceiro também é de uma entidade privada, na verdade think tank, e se refere às liberdades: é
o da Heritage Foundation, o World Economic Freedom. Em qualquer um deles, o ranking do
Brasil é muito decepcionante para os brios nacionais. No do Fórum de Davos, por exemplo, o
Brasil aparece num dos últimos lugares quanto à percepção da corrupção e na confiança que
os cidadãos têm do seu próprio governo, assim como nas performances educacionais. No
Index 2023 das liberdades no mundo, a pontuação do Brasil recuou consistentemente a partir
de 2006 no que tange à liberdade econômica, ficando sempre abaixo da média mundial, que já
não é muito alta (59,3 para o mundo, contra apenas 53,5 para o Brasil).
Existem, obviamente, muitos outros relatórios mundiais, temáticos ou simplesmente
informativos, comparando e ranqueando países entre si, num número enorme de indicadores
quantitativos e qualitativos de desempenho relativo nos mais diversos setores de atividades:
destaco os dois relatórios semestrais das entidades de Bretton Woods e o da OCDE, mais ou
menos similares quanto aos nomes: World Economic Outlook, geralmente destacando uma ou
outra área ou problema de interesse momentâneo, agora, por exemplo, com muita ênfase na
questão da sustentabilidade, da energia, ou das ameaças epidêmicas ou turbulências políticas
em países ou regiões, provocando fluxos enormes de refugiados econômicos ou políticos. Não
vale a pena continuar insistindo aqui nas desgraças do mundo e nos seus impactos sobre o
Brasil, por mais que eles existam e sejam relevantes, como, por exemplo a guerra de agressão
da Rússia contra a Ucrânia e seus efeitos sobre os mercados de grãos, de energia e de
fertilizantes. Vamos, ao contrário, deitar o olhar para nossas próprias realidades internas e ver
como o Brasil poderia construir oportunidades para si próprio, a partir de dentro.
Eu alinharia quatro grandes oportunidades “internacionais” para o Brasil, mas que
começam inteiramente dentro do Brasil, pois que só a partir de nossa ativa preparação para

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superar as dificuldades criadas por nós mesmos é que seremos capazes de aproveitar a pleno
essas oportunidades. Elas estão situadas, sinteticamente, nestas áreas:
1) Integração regional sul-americana
2) Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade
3) Promoção da agricultura tropical, alimentos para o mundo
4) Educação: a busca de qualidade pelo benchmark mundial

Em todas essas áreas, as oportunidades existem, elas não são inéditas, surpreendentes
ou desconhecidas de nós e, ainda que a realidade mundial e regional seja sempre cambiante,
quem na verdade constrói as novidades somos, ou devemos ser, nós mesmos, a partir de
decisões propriamente nacionais, mas que nos colocam em confronto e em cooperação com os
demais países, vizinhos ou distantes, com entidades internacionais e órgãos multilaterais. Eu
descartaria, desde o início, certas iniciativas que são julgadas promissoras pelo governo atual
– e que já vinham de suas primeiras encarnações –, que são essas repetidas como prioritárias
nos anúncios de política externa do governo Lula 3: eu me refiro a Brics, a Ibas, a Unasul,
Celac, ou certas coalizões setoriais que aprofundam essa divisão míope que consiste em ver,
de um lado, potências dominantes e, de outro, o fantasmagórico Sul Global, uma coisa que só
existe na cabeça de acadêmicos ou na de alguns personagens governamentais. Vejamos como
concebo as oportunidades nessas quatro áreas.

1) Integração regional
Ortega y Gasset tem aquela sua famosa afirmação, feita mais de um século atrás,
segundo a qual “Yo soy yo, y mi circunstancia”. A circunstância incontornável do Brasil é a
América do Sul e ela não deixará de sê-lo no futuro previsível. E o que é a integração sul-
americana, ainda que recoberta por conexões latino-americanas? Ela está enquadrada em
diferentes mecanismos e agrupamentos, aos quais pertence o Brasil, começando pela
Coordenação da Bacia do Prata, pelo Mercado Comum do Sul, o Mercosul, pelo Pacto
Amazônico – e sua organização posterior, a OTCA – e pela União de Nações Sul-
Americanas, a Unasul, entidade hoje de existência incerta, mas de natureza mais política do
que econômica.
Existem conexões econômicas ou de cooperação, num sentido amplo, entre esses
grupos, como o Grupo Andino, atualmente Comunidade Andina de Nações, cujos membros
possuem acordos comerciais com os países do Mercosul. A Bolívia, por exemplo, que se
coordena com Uruguai e Paraguai num grupo chamado Urupabol, é candidata a ingressar no

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Mercosul, com o qual já assinou um acordo de associação, mas ainda não cumpriu todos os
requisitos. A Venezuela, teoricamente membro da Comunidade Andina de Nações, também
foi admitida – irregularmente sublinhe-se – no Mercosul, mas dele foi afastada por tampouco
cumprir requisitos mínimos de pertencimento. Três países da América do Sul – Chile, Peru e
Colômbia – formam, com o México, a Aliança do Pacífico, uma entidade teoricamente de
livre comércio recíproco, mas bem mais dedicada a seguir os movimentos da Ásia Pacífico.
Registre-se ainda a existência de entidades subordinadas aos blocos, como o Fonplata,
o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, com sede em Cochabamba,
Bolívia, e a antiga CAF, Corporacíón Andina de Fomento, que se mudou de Caracas para
Lima e hoje se chama Banco de Desarrollo de América Latina. Finalmente, temos uma
entidade especificamente dedicada à integração, que é a Aladi, Associação Latino-Americana
de Integração, com sede em Montevidéu, e que sucedeu, em 1980, à antiga Alalc, de 1960,
retrocedendo de um projeto de zona de livre comércio para uma simples área de preferências
tarifárias, de acordo à cláusula de habilitação da Rodada Tóquio (1969) do Gatt.
Não concebo como verdadeira “oportunidade” para o Brasil a evolução institucional
de todos esses grupos, ou outros, já em nível latino-americano, como a Celac, um simples
fórum de concertação política, que se resume a ser mais um palanque do que um verdadeiro
órgão de coordenação de políticas de integração regional. O que eu concebo é a formação
progressiva de uma ampla área de preferências tarifárias, evoluindo em seguida para uma
zona de livre comércio, mas sem a necessidade de grandes conferências diplomáticas ou de
negociações bilaterais ou plurilaterais visando a assinatura de acordos estritamente
formalizados e enquadrados num dos modelos examinados pelo Comitê de Acordos
Regionais da OMC, mas tomando como base jurídica o mecanismo já introduzido no início
dos anos 1960, mais comumente conhecido como SGP, sistema geral de preferências
tarifárias, o que é uma iniciativa puramente voluntária e desprovida de contrapartidas.
O Brasil, como a maior economia da América do Sul, com a indústria e a agricultura
mais avançadas tecnologicamente, deveria poder ter condições de se constituir em base
política, orgânica e estrutural de um espaço economicamente integrado na região, sem
precisar constituir nenhuma outra entidade de coordenação ou de complexa burocracia, e
mesmo sem negociar bilateralmente com nenhum dos países vizinhos acordos de liberalização
comercial recíproca, bastando que o pudesse fazer de maneira voluntária e unilateral. A única
negociação a ser feita seria integralmente no plano interno, consistindo na adoção voluntária
pelo Brasil de abertura progressiva do seu mercado à oferta de bens e serviços dos países sul-
americanos, medida igualmente válida para padrões e normas usadas nesses países.

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2) Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade
Este é um dado da conformação natural e das dotações mega diversas da fauna e da
flora brasileiras que representam um ativo dos mais relevantes para fins negociais no plano de
sua diplomacia total, isto é, multilateral, regional (Amazônia) e bilateral (com foco definido
em projetos de cooperação com os países vizinhos membros da OTCA). Seja como
preservador responsável dessa dotação natural, seja como seu destruidor irresponsável – o que
foi o caso nos anos recentes, sob uma gestão antiambiental –, o Brasil está sob severo
escrutínio dos parceiros mais ativos na agenda da sustentabilidade, tanto a propriamente
ambiental, como recursos naturais, quanto a energética, dado seus impactos no estoque de
recursos nativos.
Uma vez que tenham sido definidas as principais políticas da área ambiental – em
grande medida uma recuperação dos anos de destruição sob o governo anterior –, o Brasil
pode explorar, no bom sentido da palavra, as possibilidades abertas a uma postura cooperativa
em diferentes vertentes da agenda da sustentabilidade, nas três fronteiras de trabalho acima
descritas. No passado, não apenas o governo anterior, mas nas primeiras administrações do
atual partido no poder também, uma postura defensiva e equivocadamente nacionalista na
questão dos recursos de sua imensa biodiversidade obstou à consecução de uma maior
cooperação internacional, e até a investimentos privados, em regiões-símbolo de defesa da
soberania, como a Amazônia. Uma certa paranoia quanto à “biopirataria” afastou possíveis
investimentos externos na região, daí resultando uma postura ultra protetiva que, de fato,
deixou a Amazônia entregue a seus inimigos tradicionais: garimpeiros, madeireiros,
desmatadores, grileiros e exploradores ilegais daqueles recursos, minerais, extrativistas e
agrícolas. Não apenas a preservação, como a exploração racional seriam beneficiadas com
políticas de maior abertura da região à exploração sustentável por agentes econômicos
nacionais e investidores estrangeiros.
Num retrospecto histórico, cabe relembrar que a Amazônia só foi realmente “rica”
quando ela era “internacionalizada”, durante o boom da borracha, por exemplo. A exploração
racional e sustentável dos recursos da biodiversidade pode ser feita numa postura de maior
abertura à cooperação externa, inclusive com capitais privados estrangeiros, ademais dos
projetos científicos já em curso ou novos prováveis que resultariam dessa postura aberta. Por
outro lado, o Brasil tem todas as condições de usufruir em maior escala de créditos de
carbono, em vista de sua matriz energética e emissionista bastante favorável em escala
comparativa internacional; para o que se requer o estímulo a novos projetos potencialmente

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incluídos nesse mercado promissor. Como no plano da integração regional, a iniciativa nesses
setores tem de ser basicamente interna, nacional, ou seja, representada pela melhoria e a
expansão das políticas setoriais ambientais e energéticas num sentido amplo.

3) Promoção da agricultura tropical, alimentos para o mundo


O crescimento da produtividade agrícola nos últimos 40 anos – basicamente desde que
a Embrapa e órgãos subsidiários passaram a fornecer tecnologias, know-how e maquinário – é
sem paralelo no mundo, tanto mais que tudo se fez num ambiente e habitat tropicais que se
julgava especialmente difícil para tais conquistas na escala aqui registrada. De todos os países
habilitados a prover o mundo de grãos e carnes – e seus derivados – compatíveis com o futuro
(aliás presente) aumento do volume populacional e com o aumento de renda disponível para o
incremento dos padrões de consumo alimentar, os Estados Unidos e o Brasil aparecem em
posição preeminente no aumento da oferta nos vários tipos de commodities básicas e de
derivados processados, sendo que o primeiro país o fará mais pelo aumento da produtividade
e o Brasil com o acréscimo da incorporação de terras agricultáveis (sem atingir as áreas de
proteção ambiental já identificadas como espaços isentos de exploração destruidora).
Essa condição de primeiro produtor e exportador mundial dos mais diversos tipos de
produtos alimentícios (e de oferta energética renovável) conferem ao setor agrícola do Brasil
uma responsabilidade única no terreno da agenda ambiental e de segurança alimentar do
mundo. Novamente, o trabalho básico nesse terreno tem de ser feito no plano interno, não
apenas na questão da infraestrutura de transportes, comunicações e energia, mas igualmente
no terreno regulatório (acesso a terras, mão de obra, assistência e créditos), o que deveria
prover, idealmente, as condições ideais para a cooperação ampliada e para a captação de
investimentos diretos estrangeiros. Ainda que se aumente a cooperação e o intercâmbio
tecnológico com parceiros inseridos nesse mesmo mercado alimentar mundial, deve-se
descartar qualquer tentação de formação de carteis ou de grupos manipuladores dos mercados,
como eventualmente se tem sugerido em alguns setores (uma “Opep da Soja”, por exemplo).
A perspectiva estratégica com a qual se deve trabalhar é, no plano multilateral e dos
acordos com grandes parceiros do setor, a de uma liberalização ampliada dos mercados
agrícolas e de energias renováveis, eliminando-se o que ainda resta de protecionismo, de
mercantilismo e de subvencionismo que permanecem recalcitrantes mesmo depois dos
acordos agrícolas da Rodada Uruguai e do pouco que se fez na Rodada Doha, inacabada.
Ainda no plano estratégico de atuação internacional do Brasil nessa vertente, cabe descartar
também qualquer postura ideológica no sentido de se conformar uma frente política de um

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fantasmagórico Sul Global em eventual confronto com países do Norte, como já se fez no
próprio início da Rodada Doha, como se todos os países de um ou outro hemisfério fossem
homogêneos em suas respectivas políticas agrícolas nacionais e posturas negociadoras no
plano multilateral. O pragmatismo diplomático indica ser mais factível a perspectiva dos
mercados abertos à competição do que uma suposta identidade de interesses entre países
emergentes que não resiste a um escrutínio mais cerrado. Nem todos os países avançados são
protecionistas e subvencionistas, nem todos os países em desenvolvimento dispensam os
mesmos pecados mercantilistas e distorcivos.

4) Educação: a busca de qualidade pelo benchmark mundial


Ninguém mais, entre dirigentes bem-informados, acredita na surrada tese de alegada
origem marxista, segundo a qual os países atualmente avançados realizaram sua “acumulação
primitiva” às custas do colonialismo, da exploração da periferia, das “veias abertas” à
dominação imperialista e à dependência tecnológica. O único fator que explica a “grande
divergência” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – alguns persistentemente
pobres – é o diferencial de produtividade entre um e outro grupo de nações, e esse diferencial
se explica, basicamente, pela dotação de um único fator produtivo, o capital humano.
Ora, nesse quesito o Brasil apresenta uma visão contrastante entre um desempenho de
alta qualidade em alguns poucos setores de ponta – na medicina, nas ciências da informação,
no agronegócio, justamente – e resultados deploráveis naqueles setores dependentes de
serviços baseados em mão de obra de formação média. Isto se deve a uma educação de
péssima qualidade no que depender dos primeiros ciclos do setor público, o que deriva
diretamente da formação deficiente dos professores, além da falta de equipamentos e
infraestrutura adequados às necessidades de uma educação que se tornou verdadeiramente de
massa, desde algumas décadas, sem poder igualar recursos e possibilidades com instituições
privadas de ensino. Não apenas o ciclo básico é extremamente deficiente no setor público,
como ocorre um estrangulamento no ciclo médio, que passa a recolher fração menor das
faixas etárias que se dirigem à formação superior.
As oportunidades que se abrem ao Brasil nesse particular, a formação do capital
humano de qualidade, se situam na captura das melhores experiências existentes no plano
internacional, tanto junto a países avançados quanto em países de menor desenvolvimento
relativo. Um retrato perfeito da situação existente nesses diversos países é oferecido pelos
exames do PISA da OCDE, que apresentam um panorama de certa forma similar ao que é
desempenhado pelos relatórios do Banco Mundial no tocante ao ambiente de negócios, o

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Doing Business, ou seja: há uma medição quantitativa e qualitativa dos indicadores de
desempenho dos alunos em língua pátria, matemáticas e ciências elementares, que são os
instrumentos básicos para um bom desempenho no setor produtivo e na criação de riquezas
via inovação. Em outros termos, o Brasil ganharia muito em se aproximar ainda mais, se
possível aceder à OCDE, para aproveitar as minúcias nacionais das políticas educativas dos
países mais bem sucedidos na formação de capital humano de qualidade.
Mas, não só na educação, o imenso laboratório de políticas públicas da OCDE, tanto
macroeconômicas quanto setoriais, é extremamente relevante para o Brasil: em todas as
demais áreas da boa governança, inclusive no tocante à abertura econômica e à liberalização
comercial, dois importantes vetores para uma maior inserção do Brasil na economia mundial,
em especial nas cadeias de valor, que confirmam a interdependência efetiva entre os países.
As oportunidades internacionais para o Brasil existem, portanto, mas elas são basicamente
dependentes de uma mudança radical de sua postura em matéria de políticas públicas, que
deveriam superar o complexo de avestruz, a tendência à introversão e ao protecionismo, com
vistas a se lançar no vasto oceano da interdependência consentida e buscada. Os primeiros
passos sempre precisarão se dados pelo próprio Brasil, para que as oportunidades externas se
frutifiquem nas possibilidades internas. Esta é a minha visão do processo decisório que
deveria impulsionar a ação dos estadistas brasileiros, se eles existem, a partir deste início de
terceiro centenário de nossa independência.

Paulo Roberto de Almeida


Brasília, 4388: 8 maio 2023, 9 p.
Postado no blog Diplomatizzando (23/05/2-23; link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/05/oportunidades-internacionais-para-o.html).

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