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A partir da Grande Depressão – depois de uma recessão severa em 1930-31, mas
superada por uma bem maior, provocada pela Nova Matriz Econômica, em 2015-16 –, o
Brasil passou a crescer impulsionado pela demanda interna, pela substituição de importações,
por um processo de industrialização induzida pelo Estado que pode ser, numa analogia
certamente exagerada, equiparada ao stalinismo industrial conduzido a ferro e a fogo,
praticamente um escravismo moderno, pelo tirano soviético a partir do primeiro plano
quinquenal. Nosso crescimento foi de fato para dentro, com uma diminuição notável do
coeficiente de abertura externa que o Brasil exibia no auge das exportações de café e de outras
commodities; em 1931, começam os controles de capitais que não seriam mais eliminados.
A partir da era Vargas, durante o desenvolvimentismo de JK e, sobretudo, no grande
processo de modernização pelo alto, ao estilo bismarckiano, do regime militar, o Brasil
cresceu de fato, embora preservando não só as iniquidades do passado – a não reforma
agrária, a não educação, o protecionismo e o estatismo exacerbados –, como novas distorções
e desvios de conduta, tanto no plano da democracia política (estrangulada durante 21 anos),
quanto no terreno propriamente econômico, por meio de um novo stalinismo industrial, que
fez do Brasil uma imensa reserva de mercado unicamente para as indústrias locais, nacionais
ou estrangeiras. A indústria automobilística, por exemplo, implantada sob JK, continua a ser,
70 anos depois dos investimentos feitos por montadoras europeias, americanas e japonesas,
uma típica “indústria infante”, da qual falavam Hamilton e List na primeira metade do século
XIX. Cabe também registrar que, no tocante à educação de massa, o Brasil só alcançou o
índice de matrículas no primário – o enrollment rate de crianças de 7 a 11 anos – que era o
das nações mais avançadas (Estados Unidos e Alemanha) no início do século XIX somente no
final do século XX, ou mais ou menos 150 anos depois. E isso apenas no que se refere ao
quantitativo de crianças adentrando no ciclo obrigatório primário; nada a ver com o lado mais
fundamental da qualidade do ensino e da manutenção dos níveis nos ciclos posteriores.
Muito bem, vamos deixar o passado de lado e focar agora nas oportunidades que se
oferecem ao Brasil a partir deste momento, e elas são promissoras, depois de quatro anos não
só de virtual isolamento internacional, mas de quatro anos nadando no sentido contrário ao
das democracias de mercado, no que tange direitos humanos, sustentabilidade, liberdade de
imprensa, enfim, de adesão ao núcleo de temas que frequentam a agenda global mundial,
tanto no plano multilateral, quanto no de blocos (G20, etc.), quanto bilateralmente. Eu
começaria por dizer que oportunidades sempre existem, as mais diversas, em quaisquer planos
possíveis, e que a realidade internacional, assim como a nacional, é sempre cambiante e
incerta, dado o jogo incerto das maiorias políticas (pelo menos nas democracias). Eu também
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diria, preliminarmente, que oportunidades externas não são, ou não deveriam ser, o foco mais
importante nos planos de desenvolvimento de um país, pois que elas existem, aliás
aleatoriamente distribuídas num mosaico mundial de quase 200 soberanias nacionais. É a
partir de dentro que precisa se começar a trabalhar na criação de oportunidades internacionais
de desenvolvimento e inserção na economia mundial.
Eu começaria, por exemplo, por retirar lições de três ou quatro relatórios feitos por
algumas entidades internacionais que nos ajudariam a focar naquilo que é relevante, para o
Brasil, em termos de deficiências nossas numa perspectiva comparativa. O primeiro é feito
anualmente pelo Banco Mundial, e se refere ao Doing Business; o segundo é feito pelo World
Economic Forum, e se chama Global Competitiveness Report (mas o último divulgado foi o
de 2020: https://www.weforum.org/reports/the-global-competitiveness-report-2020/). O
terceiro também é de uma entidade privada, na verdade think tank, e se refere às liberdades: é
o da Heritage Foundation, o World Economic Freedom. Em qualquer um deles, o ranking do
Brasil é muito decepcionante para os brios nacionais. No do Fórum de Davos, por exemplo, o
Brasil aparece num dos últimos lugares quanto à percepção da corrupção e na confiança que
os cidadãos têm do seu próprio governo, assim como nas performances educacionais. No
Index 2023 das liberdades no mundo, a pontuação do Brasil recuou consistentemente a partir
de 2006 no que tange à liberdade econômica, ficando sempre abaixo da média mundial, que já
não é muito alta (59,3 para o mundo, contra apenas 53,5 para o Brasil).
Existem, obviamente, muitos outros relatórios mundiais, temáticos ou simplesmente
informativos, comparando e ranqueando países entre si, num número enorme de indicadores
quantitativos e qualitativos de desempenho relativo nos mais diversos setores de atividades:
destaco os dois relatórios semestrais das entidades de Bretton Woods e o da OCDE, mais ou
menos similares quanto aos nomes: World Economic Outlook, geralmente destacando uma ou
outra área ou problema de interesse momentâneo, agora, por exemplo, com muita ênfase na
questão da sustentabilidade, da energia, ou das ameaças epidêmicas ou turbulências políticas
em países ou regiões, provocando fluxos enormes de refugiados econômicos ou políticos. Não
vale a pena continuar insistindo aqui nas desgraças do mundo e nos seus impactos sobre o
Brasil, por mais que eles existam e sejam relevantes, como, por exemplo a guerra de agressão
da Rússia contra a Ucrânia e seus efeitos sobre os mercados de grãos, de energia e de
fertilizantes. Vamos, ao contrário, deitar o olhar para nossas próprias realidades internas e ver
como o Brasil poderia construir oportunidades para si próprio, a partir de dentro.
Eu alinharia quatro grandes oportunidades “internacionais” para o Brasil, mas que
começam inteiramente dentro do Brasil, pois que só a partir de nossa ativa preparação para
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superar as dificuldades criadas por nós mesmos é que seremos capazes de aproveitar a pleno
essas oportunidades. Elas estão situadas, sinteticamente, nestas áreas:
1) Integração regional sul-americana
2) Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade
3) Promoção da agricultura tropical, alimentos para o mundo
4) Educação: a busca de qualidade pelo benchmark mundial
Em todas essas áreas, as oportunidades existem, elas não são inéditas, surpreendentes
ou desconhecidas de nós e, ainda que a realidade mundial e regional seja sempre cambiante,
quem na verdade constrói as novidades somos, ou devemos ser, nós mesmos, a partir de
decisões propriamente nacionais, mas que nos colocam em confronto e em cooperação com os
demais países, vizinhos ou distantes, com entidades internacionais e órgãos multilaterais. Eu
descartaria, desde o início, certas iniciativas que são julgadas promissoras pelo governo atual
– e que já vinham de suas primeiras encarnações –, que são essas repetidas como prioritárias
nos anúncios de política externa do governo Lula 3: eu me refiro a Brics, a Ibas, a Unasul,
Celac, ou certas coalizões setoriais que aprofundam essa divisão míope que consiste em ver,
de um lado, potências dominantes e, de outro, o fantasmagórico Sul Global, uma coisa que só
existe na cabeça de acadêmicos ou na de alguns personagens governamentais. Vejamos como
concebo as oportunidades nessas quatro áreas.
1) Integração regional
Ortega y Gasset tem aquela sua famosa afirmação, feita mais de um século atrás,
segundo a qual “Yo soy yo, y mi circunstancia”. A circunstância incontornável do Brasil é a
América do Sul e ela não deixará de sê-lo no futuro previsível. E o que é a integração sul-
americana, ainda que recoberta por conexões latino-americanas? Ela está enquadrada em
diferentes mecanismos e agrupamentos, aos quais pertence o Brasil, começando pela
Coordenação da Bacia do Prata, pelo Mercado Comum do Sul, o Mercosul, pelo Pacto
Amazônico – e sua organização posterior, a OTCA – e pela União de Nações Sul-
Americanas, a Unasul, entidade hoje de existência incerta, mas de natureza mais política do
que econômica.
Existem conexões econômicas ou de cooperação, num sentido amplo, entre esses
grupos, como o Grupo Andino, atualmente Comunidade Andina de Nações, cujos membros
possuem acordos comerciais com os países do Mercosul. A Bolívia, por exemplo, que se
coordena com Uruguai e Paraguai num grupo chamado Urupabol, é candidata a ingressar no
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Mercosul, com o qual já assinou um acordo de associação, mas ainda não cumpriu todos os
requisitos. A Venezuela, teoricamente membro da Comunidade Andina de Nações, também
foi admitida – irregularmente sublinhe-se – no Mercosul, mas dele foi afastada por tampouco
cumprir requisitos mínimos de pertencimento. Três países da América do Sul – Chile, Peru e
Colômbia – formam, com o México, a Aliança do Pacífico, uma entidade teoricamente de
livre comércio recíproco, mas bem mais dedicada a seguir os movimentos da Ásia Pacífico.
Registre-se ainda a existência de entidades subordinadas aos blocos, como o Fonplata,
o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, com sede em Cochabamba,
Bolívia, e a antiga CAF, Corporacíón Andina de Fomento, que se mudou de Caracas para
Lima e hoje se chama Banco de Desarrollo de América Latina. Finalmente, temos uma
entidade especificamente dedicada à integração, que é a Aladi, Associação Latino-Americana
de Integração, com sede em Montevidéu, e que sucedeu, em 1980, à antiga Alalc, de 1960,
retrocedendo de um projeto de zona de livre comércio para uma simples área de preferências
tarifárias, de acordo à cláusula de habilitação da Rodada Tóquio (1969) do Gatt.
Não concebo como verdadeira “oportunidade” para o Brasil a evolução institucional
de todos esses grupos, ou outros, já em nível latino-americano, como a Celac, um simples
fórum de concertação política, que se resume a ser mais um palanque do que um verdadeiro
órgão de coordenação de políticas de integração regional. O que eu concebo é a formação
progressiva de uma ampla área de preferências tarifárias, evoluindo em seguida para uma
zona de livre comércio, mas sem a necessidade de grandes conferências diplomáticas ou de
negociações bilaterais ou plurilaterais visando a assinatura de acordos estritamente
formalizados e enquadrados num dos modelos examinados pelo Comitê de Acordos
Regionais da OMC, mas tomando como base jurídica o mecanismo já introduzido no início
dos anos 1960, mais comumente conhecido como SGP, sistema geral de preferências
tarifárias, o que é uma iniciativa puramente voluntária e desprovida de contrapartidas.
O Brasil, como a maior economia da América do Sul, com a indústria e a agricultura
mais avançadas tecnologicamente, deveria poder ter condições de se constituir em base
política, orgânica e estrutural de um espaço economicamente integrado na região, sem
precisar constituir nenhuma outra entidade de coordenação ou de complexa burocracia, e
mesmo sem negociar bilateralmente com nenhum dos países vizinhos acordos de liberalização
comercial recíproca, bastando que o pudesse fazer de maneira voluntária e unilateral. A única
negociação a ser feita seria integralmente no plano interno, consistindo na adoção voluntária
pelo Brasil de abertura progressiva do seu mercado à oferta de bens e serviços dos países sul-
americanos, medida igualmente válida para padrões e normas usadas nesses países.
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2) Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade
Este é um dado da conformação natural e das dotações mega diversas da fauna e da
flora brasileiras que representam um ativo dos mais relevantes para fins negociais no plano de
sua diplomacia total, isto é, multilateral, regional (Amazônia) e bilateral (com foco definido
em projetos de cooperação com os países vizinhos membros da OTCA). Seja como
preservador responsável dessa dotação natural, seja como seu destruidor irresponsável – o que
foi o caso nos anos recentes, sob uma gestão antiambiental –, o Brasil está sob severo
escrutínio dos parceiros mais ativos na agenda da sustentabilidade, tanto a propriamente
ambiental, como recursos naturais, quanto a energética, dado seus impactos no estoque de
recursos nativos.
Uma vez que tenham sido definidas as principais políticas da área ambiental – em
grande medida uma recuperação dos anos de destruição sob o governo anterior –, o Brasil
pode explorar, no bom sentido da palavra, as possibilidades abertas a uma postura cooperativa
em diferentes vertentes da agenda da sustentabilidade, nas três fronteiras de trabalho acima
descritas. No passado, não apenas o governo anterior, mas nas primeiras administrações do
atual partido no poder também, uma postura defensiva e equivocadamente nacionalista na
questão dos recursos de sua imensa biodiversidade obstou à consecução de uma maior
cooperação internacional, e até a investimentos privados, em regiões-símbolo de defesa da
soberania, como a Amazônia. Uma certa paranoia quanto à “biopirataria” afastou possíveis
investimentos externos na região, daí resultando uma postura ultra protetiva que, de fato,
deixou a Amazônia entregue a seus inimigos tradicionais: garimpeiros, madeireiros,
desmatadores, grileiros e exploradores ilegais daqueles recursos, minerais, extrativistas e
agrícolas. Não apenas a preservação, como a exploração racional seriam beneficiadas com
políticas de maior abertura da região à exploração sustentável por agentes econômicos
nacionais e investidores estrangeiros.
Num retrospecto histórico, cabe relembrar que a Amazônia só foi realmente “rica”
quando ela era “internacionalizada”, durante o boom da borracha, por exemplo. A exploração
racional e sustentável dos recursos da biodiversidade pode ser feita numa postura de maior
abertura à cooperação externa, inclusive com capitais privados estrangeiros, ademais dos
projetos científicos já em curso ou novos prováveis que resultariam dessa postura aberta. Por
outro lado, o Brasil tem todas as condições de usufruir em maior escala de créditos de
carbono, em vista de sua matriz energética e emissionista bastante favorável em escala
comparativa internacional; para o que se requer o estímulo a novos projetos potencialmente
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incluídos nesse mercado promissor. Como no plano da integração regional, a iniciativa nesses
setores tem de ser basicamente interna, nacional, ou seja, representada pela melhoria e a
expansão das políticas setoriais ambientais e energéticas num sentido amplo.
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fantasmagórico Sul Global em eventual confronto com países do Norte, como já se fez no
próprio início da Rodada Doha, como se todos os países de um ou outro hemisfério fossem
homogêneos em suas respectivas políticas agrícolas nacionais e posturas negociadoras no
plano multilateral. O pragmatismo diplomático indica ser mais factível a perspectiva dos
mercados abertos à competição do que uma suposta identidade de interesses entre países
emergentes que não resiste a um escrutínio mais cerrado. Nem todos os países avançados são
protecionistas e subvencionistas, nem todos os países em desenvolvimento dispensam os
mesmos pecados mercantilistas e distorcivos.
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Doing Business, ou seja: há uma medição quantitativa e qualitativa dos indicadores de
desempenho dos alunos em língua pátria, matemáticas e ciências elementares, que são os
instrumentos básicos para um bom desempenho no setor produtivo e na criação de riquezas
via inovação. Em outros termos, o Brasil ganharia muito em se aproximar ainda mais, se
possível aceder à OCDE, para aproveitar as minúcias nacionais das políticas educativas dos
países mais bem sucedidos na formação de capital humano de qualidade.
Mas, não só na educação, o imenso laboratório de políticas públicas da OCDE, tanto
macroeconômicas quanto setoriais, é extremamente relevante para o Brasil: em todas as
demais áreas da boa governança, inclusive no tocante à abertura econômica e à liberalização
comercial, dois importantes vetores para uma maior inserção do Brasil na economia mundial,
em especial nas cadeias de valor, que confirmam a interdependência efetiva entre os países.
As oportunidades internacionais para o Brasil existem, portanto, mas elas são basicamente
dependentes de uma mudança radical de sua postura em matéria de políticas públicas, que
deveriam superar o complexo de avestruz, a tendência à introversão e ao protecionismo, com
vistas a se lançar no vasto oceano da interdependência consentida e buscada. Os primeiros
passos sempre precisarão se dados pelo próprio Brasil, para que as oportunidades externas se
frutifiquem nas possibilidades internas. Esta é a minha visão do processo decisório que
deveria impulsionar a ação dos estadistas brasileiros, se eles existem, a partir deste início de
terceiro centenário de nossa independência.