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A queda do muro de Berlim em 1989 foi comemorada como sendo um grande evento do
fim da Guerra Fria e derrocada do comunismo, sobretudo porque era, acima de tudo,
uma implosão deste sistema denominado por Frigotto1 de Socialismo real. A partir
deste evento-símbolo nos anos seguintes assistiu-se ao desmantelamento da União
Soviética e dos partidos comunistas em diversos países do mundo, processo que
continua ainda hoje no comunismo da China que, tendo amenizado os radicalismos da
Revolução Cultural, continua a afirmar sua identidade comunista apesar da crescente
join venture com a economia de mercado. Cuba vem resistindo ao modelo capitalista
apesar da perda do apoio da antiga União Soviética e do bloqueio econômico que sofre
há décadas. Tudo levaria a crer que o pensamento marxista estaria condenado às
prateleiras da História. Efetivamente aconteceu o refluxo dos intelectuais marxistas
frente a esses eventos históricos num primeiro momento de perplexidade.
Posteriormente, porém, ressurgiram das cinzas como críticos do próprio sistema
socialista na sua experiência histórica e mais amadurecidos frente aos erros cometidos
pelo Socialismo Real. Essa primeira grande experiência de partidos e governos
comunistas gerou amadurecimento. E, de outro lado, a derrota histórica do comunismo
não representou a vitória do Capitalismo Real. Este se mostrou no passado e vem se
mostrando no presente como um engodo econômico e político. Para o cenário de Bem
Estar Social e de bens de consumo mostrado por países ricos existe nos bastidores uma
imensa legião de miseráveis. O capitalismo no seu apogeu podia ser enquadrado em
dois segmentos bem visíveis: o capitalismo de centro representado pelos paises ricos
detentores do capital, das tecnologias e da mão de obra qualificada e dos países da
periferia do sistema, pobres, dependentes, fornecedores de matéria prima e mãos de
obra barata. O processo de globalização, da criação dum capital transnacional e o
enfraquecimento dos próprios países enquanto entidades isoladas frente a poderosas
corporações de capital internacional fez com que os problemas “dos bastidores” viessem
manchar o aparente cenário de prosperidade dos chamados países ricos que sentem hoje
a crise do capitalismo como mal distribuidor das riquezas produzidas e acumuladas de
forma injusta. A invasão destes países por “terceiro-mundistas” em busca de emprego
para sua sobrevivência, a ampliação dos tumultos sócio-raciais como os últimos nos
arredores de Paris, os radicalismos sócio-politico-religiosos, o terrorismo, o crescimento
da violência de rua, a intolerância racial e com estrangeiros e o desemprego são apenas
ingredientes novos que começam a se manifestar de forma visível em paises de primeiro
mundo. Nos países de terceiro mundo onde esses contrastes são mais visíveis, porque as
elites aí existentes cooptadas com o capitalismo internacional, mais demonstram o grau
de desigualdades quando contrastam suas mansões, suas roupas de grife, seus carros
1
- Gaudêncio Frigotto - Filósofo e pedagogo brasileiro contemporâneo. Formado em Filosofia e
Pedagogia no Rio Grande do Sul, em 1977 fez seu mestrado na área de Administração de Sistemas
Educacionais pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ e em 1983 fez seu doutorado em Educação:
História, Política, Sociedade na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor da Universidade Federal Fluminense
(UFF).Autor e co-autor de mais de 20 livros e de dezenas de artigos em revistas nacionais
.pt.wikipedia.org/wiki/Gaudêncio_Frigotto
últimos modelos, seu alto padrão de vida com vizinhas favelas onde falta o mínimo de
dignidade nas moradias, na alimentação e no mínimo necessário para uma vida humana.
Os altos muros, os seguranças e a parafernália tecnológica de proteção retratam toda a
violência social do sistema capitalista onde, na partilha dos bens produzidos, as elites se
apropriam de quase tudo deixando para os pobres apenas o necessário para a
sobrevivência.
Pablo Gentile, prefaciando Frigotto2, entende que neste Livro “Educação e Crise do
Capital Real”, um materialismo renovado é capaz de renovar-se3 tendo condições de
pensar e avaliar a crise do capitalismo, pois o que se pretende é que se crie uma
sociedade democrática e igualitária que seja fundamentada nos direitos e que respeite as
diferenças e as diversidades [...] das pessoas comuns, das maiorias, aquelas justamente
condenadas pelo mercado a mais absoluta miséria4. No contexto capitalista a
Educação é elaborada como elemento a serviço da produção.
Frigotto reconhece o colapso do socialismo real, lembrando, porém, que isto não
representa a qualificação do capitalismo como solução. Apesar deste colapso, as teses
marxistas não estão mortas, pois são eficientes ferramentas como contraponto para a
interpretação e avaliação do capitalismo. Entende que o marxismo é a única teoria
capaz de pensar o capitalismo dentro de uma perspectiva histórica e dialética5.
O neoliberalismo tem feito do mercado um deus acima de tudo e que preside todas as
formas de produção de riqueza e da sociedade. A Educação, neste contexto, está
manipulada pelo pragmatismo do capitalismo. No Brasil, numa visão economicista,
adotou-se o conceito do capital humano onde a pessoa é tida apenas como uma das
engrenagens do processo produtivo. Com isso a Educação passa a ser vista como um
negócio onde predomina uma educação dual6 com uma ação para os trabalhadores onde
lhes é ensinado o necessário para produzirem bens e outra para as elites que devem
continuar no comando da sociedade e da economia. Mesmo quando novas e “modernas
idéias” são lançadas como sociedade do conhecimento, qualidade total, educação para
a competitividade, formação abstrata e polivalente7, permanece, porém, por trás destes
termos globais o espectro da teoria do capital humano, ainda que apenas revisada.
.
2
- Gaudêncio FRIGOTTO. Educação e a Crise do Capitalismo Real, São Paulo, Editora Cortez, 1995. p.
12
3
- ibdem. p. 12
4
- ibdem – p. 12
5
- Ibdem – p. 16
6
- Falta da parte do autor uma referência aos “Pioneiros da Educação” no manifesto de 1932 e ainda um
especial destaque à obra de Anísio Teixeira na qual se refere à Educação dual do Brasil, uma voltada para
as elites e a outra para o povo. O pensamento de Anísio possui absoluta atualidade ainda hoje, indicando
que a sociedade brasileira apesar da evolução da economia não mudou essencialmente.
7
- - Gaudêncio FRIGOTTO. Educação e a Crise do Capitalismo Real, São Paulo, Editora Cortez, 1995.
p. 19
A educação é uma prática social e é preciso que se lute para que ela não seja organizada
a partir do Mercado e suas necessidades e dos interesses da burguesia:
8
- Ibdem – p. 30
9
- Ibdem - p. 33
fácil e rápido de restritos grupos. Uma burguesia que sabe ser competente
quando apoiada no fundo publico. Nesta relação mistura-se o jogo de
influências, formação de quadrilhas de corrupção no âmago do aparelho do
Estado, nepotismo e usura10.
Em alguns momentos de nossa história existiram tentativas de fazer com que a educação
estivesse mais livre do controle do capitalismo transnacional como nas décadas de 50 e
inicio de 60. Mas o que efetivamente prevaleceu em nossa história educacional foi o
controle do capital privado. A educação foi estabelecida sobre o conceito de capital
humano que dentro do conceito de educação que acredita que
10
- Ibdem – p. 37
11
- Ibdem – p. 41
12
- Ibdem – p. 47
13
- Ibdem – p. 48
14
- Ibdem – p. 48
Esse novo conceito parecia superar, então, o conceito do capital humano, enquanto
valorizava flexibilidade, participação, trabalho em equipe, competência,
competitividade e qualidade total16. Esses “novos conceitos” pareciam ser, enfim, uma
libertação do homem trabalhador das amarras do sistema de mercado enquanto o
“promovia” como pessoa. Essa percepção, porém, é falsa, porque esses “valores” nada
mais são do que adequação às novas exigências de um mercado e de uma produção
globais onde a eficiência exige nova forma em vista de um único fim nada novo: o lucro
em si.
Frigotto acredita que dentro deste contexto é necessário libertar a Educação da esfera
privada para a pública. Enquanto ela estiver subordinada à esfera do capital ou dos
interesses privados será objeto de manipulação em vista a atender aos seus financiadores
diretos. A função social da educação é a formação humana, isto é, para esta
perspectiva, a de preparar para o tempo livre17. A escola deve ser o espaço onde se vê o
ser humano como sujeito social no desenvolvimento ominilateral de suas possibilidades
históricas18”
15
- Ibdem – p. 54
16
- Ibdem – p. 55
17
- Ibdem – p. 56
18
- Ibdem – p. 57
19
- Ibdem – p. 62
Se for verdade que o colapso abrupto do socialismo real deve ser debitado a
erros brutais dos rumos que a Revolução de 17 foi tomando, transformando os
dirigentes numa “classe de burocratas”, fixados num poder monolítico,
autocrático e violento (é só lembramos o período stalinista), não podemos
esquecer que o mesmo resulta da história da exploração e atraso daquelas
sociedades e, posteriormente da violência permanente do sistema capitalista
mundial.
Efetivamente a Busca do Estado de Bem Estar social a partir da década de 30 teve como
escopo não o homem, mas o próprio sistema capitalista. Foram concessões necessárias
para a sobrevivência do capitalismo mundial. O Neoliberalismo voltou a defender um
Estado Minimalista que apenas garantisse as estruturas necessárias para a produção e
onde “certo desemprego” é salutar para conter os ímpetos de aumento salariais dos
sindicatos, que, em período de crise passam a negociar não os salários, mas a
empregabilidade. O capital coloca aos seus pés em nível de inferioridade a classe
trabalhadora pronta a concessões frente ao desemprego.
Frigotto busca sinalizar saídas para a Educação neste contexto. Uma das idéias mestras
é que a educação deve sair da esfera privada para a publica. Um Estado Minimalista
deixará a cargo das elites econômicas as principais decisões que ainda assim farão
frente à onipotência da economia transnacional. Para ele o socialismo é a alternativa
que pode incorporar o imenso progresso técnico a favor das necessidades e ampliação
da liberdade humana, malgrado o colapso do socialismo real, continua sendo a do
socialismo21. O neoliberalismo trouxe um pesado custo social com o aumento da
exclusão social, a miséria absoluta, a fome, a miséria, as doenças endêmicas e pelo
desemprego e subemprego estrutural que atinge de modo diferenciado os países do
Cone Norte e Sul22. Mesmo o conhecimento, capital hoje supervalorizado, está nas mãos
das grandes corporações privadas. O capitalismo mundial indiferente às questões sociais
como um todo continua a procurar maximizar seus lucros e interesses, mesmo frente à
degradação do nosso planeta. Interessante notar, a guisa de exemplo, que os USA não
20
- Ibdem – p. 69
21
- Ibdem – p. 83
22
- Ibdem – p. 84
Dois grandes erros foram cometidos a partir da segunda guerra mundial. O capitalismo
real colocou sua opção no mercado e no lucro. O Socialismo real divinizou o Estado e
sua burocracia. Foram erros com alto custo. Uma diferença, porém, na visão de Frigotto
redime o marxismo. O erro do capitalismo é estrutural, faz parte de sua essência: a
ambição desmedida pelo lucro como único sentido de sua existência. O erro do
marxismo foi conjuntural, quando optou pelo Estado com sentido de sua existência. Seu
fracasso e sua humilhação mundial têm permitido às novas gerações de marxistas a
remissão deste “pecado da juventude”. Entende Frigotto que a opção fundamental do
marxismo é o homem e é a ele que se subordina toda produção de riqueza.
BIBLIOGRAFIA