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Ondulações na superfície do Ser

Uma entrevista com Eckhart Tolle

por Andrew Cohen Revista EnlightenNext, 2006

Este artigo apareceu pela primeira vez na revista Enligh-


tenNext nº 18, "O que significa estar no mundo, mas não
ser do mundo?"

Andrew Cohen : Eckhart, como está sua vida? Ouvi dizer que você é um pouco
solitário e passa muito tempo sozinho. É verdade?

Eckhart Tolle : Isso era verdade no passado, antes de meu livro The Power of
Now ser lançado. ). Por muitos anos fui um solitário. Mas desde a publicação
do livro, minha vida mudou drasticamente. Agora estou muito envolvido em en‐
sinar e viajar. E as pessoas que me conheciam antes dizem: "Isso é incrível. Você
costumava ser um eremita e agora está solto no mundo." No entanto, ainda sinto
que nada mudou dentro de mim. Ainda me sinto exatamente como antes. Ainda
há uma sensação de paz contínua e me rendo ao fato de que externamente
houve uma mudança total. Portanto, não é mais verdade que sou um eremita.
Agora sou o oposto de um eremita. Isso pode muito bem ser um ciclo. Pode ser
que em algum momento isso acabe e eu me torne um eremita novamente. Mas
agora, estou entregue ao fato de que estou interagindo quase continuamente. Eu
ocasionalmente reservo um tempo para ficar sozinho. Isso é necessário entre os
compromissos de ensino.

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Cohen : Por que você precisa de um tempo para ficar sozinho e o que acontece
quando você tira um tempo para ficar sozinho?

Tolle : Quando estou com as pessoas, sou um professor espiritual. Essa é a fun‐
ção, mas não é a minha identidade. No momento em que estou sozinho, minha
alegria mais profunda é não ser ninguém, renunciar ao papel de professor. É
uma função temporária. Digamos que estou olhando para um grupo de pessoas.
No momento em que eles me deixam, não sou mais um mestre espiritual. Não
há mais nenhum senso de identidade externa. Eu apenas vou mais fundo na
quietude. O lugar que mais amo é a quietude. Não é que a quietude se perca
quando falo ou quando ensino porque as palavras surgem da quietude. Mas
quando as pessoas me deixam, apenas a quietude permanece. E eu gosto muito
disso.

Cohen : Você diria que prefere isso?

Ótimo: Eu não prefiro. Há um equilíbrio em minha vida agora que talvez não
existisse antes. Quando a transformação interna ocorreu há muitos anos, quase
se pode dizer que o equilíbrio foi perdido. Era tão gratificante e tão feliz só de
ser que perdi todo o interesse em fazer ou interagir. Por alguns anos, me perdi
no Ser. Quase desisti totalmente de fazer, fazia apenas o suficiente para me
manter vivo, e até isso era milagroso. Ele havia perdido totalmente o interesse
no futuro. E então, gradualmente, o equilíbrio foi restaurado. Não foi totalmente
restaurado até que comecei a escrever o livro. O que sinto agora é que existe um
equilíbrio na minha vida entre estar sozinho e interagir com as pessoas, entre o
Ser e o fazer, enquanto antes o fazer era abandonado e só existia o Ser. Feliz,
profundo, belo, mas de um ponto de vista externo, muitas pessoas pensaram
que eu havia me tornado desequilibrado ou louco. Algumas pessoas pensaram
que ele estava louco por ter deixado de lado todas as coisas mundanas que ha‐
via "conquistado". Eles não entendiam que eu não queria ou precisava mais
disso.

Portanto, agora há um equilíbrio entre a solidão e o encontro com as pessoas. E


isso é bom. Estou muito atento a isso para que o equilíbrio não se perca. Agora
há um impulso para aumentar o fazer. As pessoas querem que eu fale aqui e
fale ali, são demandas constantes. Sei que preciso estar atento agora, para que
não se perca o equilíbrio, e não me perca no fazer. Acho que nunca vai aconte‐
cer, mas requer uma certa dose de vigilância.

Cohen : O que significaria se perder fazendo?

Tolle : Teoricamente, isso significaria que eu estaria continuamente viajando,


ensinando e interagindo com as pessoas. Talvez se isso acontecesse, em algum
momento o fluxo, a quietude, poderia não estar lá. Não sei; pode estar sempre
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lá. Ou a exaustão física pode começar. Mas agora sinto que preciso voltar à pura
quietude periodicamente. E então, quando o ensinamento acontecer, apenas
permita que ele saia da quietude. Portanto, o ensino e a quietude estão intima‐
mente ligados. O ensino surge da quietude. Mas quando estou sozinho, só há
quietude, e esse é meu lugar favorito.

Cohen : Quando você está sozinho, você passa muito tempo fisicamente parado?

Tolle : Sim, às vezes consigo ficar sentado por duas horas em uma sala quase
sem pensar. Apenas completa quietude. Às vezes, quando saio para passear,
também há uma completa imobilidade; não há rotulagem mental das percep‐
ções sensoriais. Há apenas uma sensação de admiração ou admiração ou aber‐
tura, e isso é lindo.

Cohen : Em seu livro The Power of Now , você afirma que "o propósito final
do mundo não está no mundo, mas na transcendência do mundo". Você poderia
explicar o que quer dizer?

Tolle : Transcender o mundo não significa retirar-se do mundo, parar de atuar


ou parar de interagir com as pessoas. A transcendência do mundo é agir e inte‐
ragir sem a busca de si mesmo. Em outras palavras, significa agir sem tentar
melhorar o senso de si mesmo por meio de ações ou interações com as pessoas.
Em última análise, significa não precisar mais do futuro para a própria realiza‐
ção ou para o senso de si mesmo ou de ser. Não há busca através do fazer, não
há busca por um senso de identidade aprimorado, mais realizado ou mais com‐
pleto no mundo. Quando essa busca não existir mais, você poderá estar no
mundo, mas não ser do mundo. Você não está mais procurando nada com o que
se identificar.

Cohen : Você quer dizer que alguém desistiu de um relacionamento egoísta e ma‐
terialista com o mundo?

Ótimo: Sim, significa que não estamos mais tentando ter um senso de identi‐
dade, um senso de identidade mais profundo ou aprimorado. Porque no estado
normal de consciência, o que as pessoas buscam através de sua atividade é ser
mais completamente elas mesmas. O ladrão de banco está procurando por isso
de alguma forma. A pessoa que está lutando pela iluminação também a está
buscando porque está buscando alcançar um estado de perfeição, um estado de
completude, um estado de realização em algum momento no futuro. Há uma
busca de ganhar algo através das atividades. Eles estão procurando por felici‐
dade, mas no final eles estão procurando por si mesmos ou você poderia dizer
Deus; tudo se resume à mesma coisa. Eles estão procurando por si mesmos e es‐
tão procurando onde nunca podem ser encontrados, no estado normal e não ilu‐
minado de consciência, porque o estado não iluminado de consciência está sem‐

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pre no modo de busca. Isso significa que eles são do mundo – no mundo e do
mundo.

Cohen : Você quer dizer que eles estão olhando para frente no tempo?

Tolle : Sim, o mundo e o tempo estão intrinsecamente conectados. Quando toda


a busca pelo eu no tempo cessar, então você poderá estar no mundo sem ser do
mundo.

Cohen : O que exatamente você quer dizer quando diz que o propósito do mundo
está em sua transcendência?

Tolle : O mundo promete realização em algum lugar no tempo, e há um esforço


contínuo em direção a essa realização no tempo. Muitas vezes as pessoas sen‐
tem: "Sim, agora cheguei", e então percebem que não, não chegaram, e então o
esforço continua. Isso é lindamente expresso em Um Curso em Milagres , onde
ele diz que a ordem do ego é "buscar, mas não encontrar". As pessoas olham
para o futuro para se salvar, mas o futuro nunca chega.

Então, em última análise, o sofrimento surge de não encontrar. E esse é o co‐


meço de um despertar, quando a pessoa percebe que "talvez este não seja o ca‐
minho. Talvez eu nunca chegue onde estou tentando chegar; talvez não esteja
no futuro." Depois de se perder no mundo, de repente, pela pressão do sofri‐
mento, a pessoa percebe que as respostas podem não ser encontradas nas reali‐
zações mundanas e no futuro.

Esse é um ponto importante que muitas pessoas precisam alcançar. Essa sensa‐
ção de crise profunda – quando o mundo como você o conhece e a sensação de
si mesmo que você conhece que se identifica com o mundo, deixa de fazer sen‐
tido. Isso aconteceu comigo. Cheguei muito perto do suicídio e então algo mais
aconteceu - uma morte do senso de identidade que vivia através de identifica‐
ções, identificações com minha história, coisas ao meu redor, o mundo. Algo
surgiu naquele momento que era um sentimento de profunda e intensa quie‐
tude e vitalidade, Ser. Mais tarde eu chamei de "presença". Percebi que além das
palavras, isso é quem eu sou. Mas essa percepção não foi um processo mental.
Percebi que esta vida vibrante, quietude profunda, é o que eu sou.

Anos depois, chamei essa quietude de "consciência pura", enquanto todo o resto
é consciência condicionada. A mente humana é a consciência condicionada que
tomou forma como pensamento. A consciência condicionada é o mundo inteiro
criado pela mente condicionada. Tudo é nossa consciência condicionada; até os
objetos são. A consciência condicionada nasceu como forma e então isso se
torna o mundo. Portanto, perder-se no condicionado parece ser necessário para

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o ser humano. Parece que faz parte do seu caminho se perder no mundo, se per‐
der na mente, que é a consciência condicionada.

Então, devido ao sofrimento que surge da perda, a pessoa se descobre no incon‐


dicionado. E é por isso que precisamos do mundo para transcender o mundo.
Portanto, sou infinitamente grato por ter me perdido.

No final, o propósito do mundo é que você se perca nele. O propósito do mundo


é que você sofra, é criar o sofrimento que você parece precisar para que o des‐
pertar aconteça. E então, uma vez que o despertar acontece, vem a percepção de
que o sofrimento agora é desnecessário. Você chegou ao fim do sofrimento por‐
que transcendeu o mundo. É o lugar livre de sofrimento.

Este parece ser o caminho de todos. Pode não ser o caminho de todos nesta vida,
mas parece ser um caminho universal. Mesmo sem um ensinamento espiritual
ou um professor espiritual, acredito que todos chegariam ao fim. Mas isso pode
levar tempo.

Cohen : Muito tempo.

Tolle : Muito mais tempo. Um ensinamento espiritual existe para economizar


tempo. A mensagem básica do ensinamento é que você não precisa de mais
tempo, não precisa de mais sofrimento. Eu digo isso para as pessoas que vêm
me ver: “Você está pronto para ouvir isso porque você está ouvindo. Ainda exis‐
tem milhões de pessoas que não estão ouvindo. Eles ainda precisam de tempo.
Mas eu não falo com eles. Você está ouvindo que não precisa de mais tempo e
que não precisa mais sofrer. Você tem olhado para trás no tempo, e tem procu‐
rado por mais sofrimento." E de repente ouvir que "você não precisa mais
disso", para alguns, pode ser o momento de transformação.

Portanto, a beleza do ensino espiritual é que ele salva vidas de—

Cohen : Sofrimento desnecessário.

Ótimo: Sim, é bom que as pessoas se percam no mundo. Gosto de viajar para
Nova York e Los Angeles, onde parece que as pessoas estão totalmente envolvi‐
das. Eu estava olhando pela janela em Nova York. Estávamos ao lado do Empire
State Building, formando um grupo. E todo mundo estava correndo, quase cor‐
rendo. Todos pareciam estar num estado de intensa tensão nervosa, de ansie‐
dade. É sofrimento, realmente, mas não é reconhecido como sofrimento. E eu
pensei, para onde todos estão correndo? E, claro, todos estão correndo para o fu‐
turo. Eles precisam chegar a algum lugar, que não é aqui. É um ponto no tempo:
não agora, mas depois. Eles estão correndo para um "depois". Eles estão so‐
frendo, mas nem mesmo sabem disso. Mas para mim, até ver isso me deixa feliz.
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Eu não senti: "Oh, eles deveriam saber melhor." Eles estão em seu caminho espi‐
ritual. No momento, esse é o caminho espiritual dele e faz maravilhas.

Cohen : A palavra iluminação é muitas vezes interpretada como significando o


fim da divisão dentro do eu e a descoberta simultânea de uma perspectiva ou
modo de ver que é inteiro, completo ou livre de dualidade. Alguns que experimen‐
taram essa perspectiva afirmam que a realização final é que não há diferença en‐
tre o mundo e Deus ou o Absoluto, entre o samsara e o nirvana, entre o manifesto
e o não-manifesto. Mas há outros que afirmam que, de fato, a conclusão final é
que o mundo realmente não existe, que o mundo é apenas uma ilusão, completa‐
mente desprovida de significado ou realidade. Então, em sua própria experiência,
o mundo é real? É irreal? Ambos?

Tolle : Mesmo quando estou interagindo com as pessoas ou caminhando em


uma cidade, fazendo coisas comuns, a maneira como percebo o mundo é como
ondulações na superfície do ser. Abaixo do mundo das percepções sensoriais e
do mundo da atividade mental, existe a vastidão do ser. Há um vasto espaço. Há
uma imensa quietude e uma pequena atividade ondulatória na superfície, que
não é separada, assim como as ondas não são separadas do oceano.

Portanto, não há separação na forma como eu a percebo. Não há separação en‐


tre o ser e o mundo manifesto, entre o manifesto e o não-manifesto. Mas o não-
manifesto é muito mais vasto, profundo e maior do que o que acontece no mani‐
festo. Todo fenômeno no manifesto é tão breve e fugaz que, sim, quase se pode‐
ria dizer que, do ponto de vista do não-manifesto, que é ser ou presença atem‐
poral, tudo o que acontece no reino manifesto realmente parece um jogo de
sombras. Parece vapor ou névoa com continuamente novas formas aparecendo
e desaparecendo, surgindo e desaparecendo. Assim, para quem está profunda‐
mente enraizado no não-manifesto, o manifesto poderia facilmente ser cha‐
mado de irreal. Não o chamo de irreal porque o vejo como não separado de
nada.

Cohen : Então é real?

Tolle : Tudo o que é real é ser ele mesmo. Consciência é tudo o que existe, pura
consciência.

Cohen : Você está dizendo que a definição de "real" seria aquilo que está livre de
nascimento e morte?

Toll : Isso mesmo.

Cohen : Então apenas o que nunca nasceu e não pode morrer seria real. E como o
mundo manifesto não está separado do não-manifesto, com base no que você está
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dizendo, no final, alguém teria que dizer que é real.

Tolle : Sim, e mesmo dentro de todas as formas que estão sujeitas ao nascimento
e à morte, existe o imortal. A essência de cada forma é imortal. Até a essência de
uma folha de grama é imortal. E é por isso que o mundo da forma é sagrado.
Não é que o reino do sagrado seja exclusivamente o ser ou o não-manifestado,
mesmo o mundo da forma eu vejo como sagrado.

Cohen : Se alguém simplesmente perguntasse a você: "O mundo é real ou ir‐


real?", você diria que é real ou teria que qualificar a afirmação?

Tolle : Eu provavelmente qualificaria a declaração.

Cohen : Dizer o quê?

Tolle : É uma manifestação temporária do real.

Cohen : Então, se o mundo é uma manifestação temporária do real, qual é a rela‐


ção iluminada com o mundo?

Tolle : Para os não iluminados, o mundo é tudo o que existe. Não há nada mais.
Este modo de consciência limitado pelo tempo se apega ao passado para sua
identidade e precisa desesperadamente do mundo para sua felicidade e realiza‐
ção. Portanto, o mundo é uma grande promessa, mas ao mesmo tempo repre‐
senta uma grande ameaça. Esse é o dilema da consciência não iluminada: ela
está dividida entre buscar satisfação no mundo e por meio dele e ser continua‐
mente ameaçada por ele. Uma pessoa espera se encontrar nela e, ao mesmo
tempo, teme que o mundo a mate, como o fará. Esse é o estado de conflito contí‐
nuo ao qual a consciência não iluminada está condenada, continuamente divi‐
dida entre o desejo e o medo. É um destino terrível.

A consciência iluminada está enraizada e, em última análise, unificada com o


não-manifesto. Sabe o que aquilo é. Quase se poderia dizer que é o não-mani‐
festo olhando para fora. Mesmo com uma coisa simples como perceber visual‐
mente uma forma - uma flor ou uma árvore - se você a perceber em um estado
de grande alerta e profunda quietude, livre do passado e do futuro, então na‐
quele momento ela já é o não-manifesto. Você não é mais uma pessoa nesse
ponto. O não-manifesto percebe a si mesmo na forma. E há sempre uma sensa‐
ção de bondade nessa percepção.

Assim, toda ação surge disso, e tem uma qualidade completamente diferente da
ação que surge da consciência não iluminada, que precisa de algo e procura se
proteger. É aí que entram aquelas qualidades preciosas e intangíveis que cha‐
mamos de amor, alegria e paz. Eles são todos um com o não-manifesto. Eles sur‐
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gem disso. Um ser humano que vive conectado a ela e então age e interage
torna-se uma benção para o planeta, enquanto o ser humano não iluminado é
muito pesado no planeta. Há um peso para os não iluminados. E o planeta está
sofrendo com milhões de humanos não iluminados. O fardo para o planeta é
quase pesado demais para suportar. Às vezes, posso sentir quando o planeta diz:
"Oh, não mais, por favor."

Cohen : Você encoraja as pessoas a meditar, como você descreve, "descansar na


Presença do Agora" tanto quanto possível. Você acredita que a prática espiritual
pode se tornar verdadeiramente profunda e ter o poder de libertar se a pessoa não
abandonar o mundo e o que o mundo representa, pelo menos até certo ponto?

Tolle : Eu não diria que a prática em si tem o poder de libertar. Somente quando
houver rendição completa ao agora, ao que é, essa liberação será possível. Acho
que uma prática não leva você a se entregar completamente. A entrega total ge‐
ralmente ocorre através da vida. Sua própria vida é o terreno onde isso acon‐
tece. Pode haver uma rendição parcial e então pode haver uma abertura, e en‐
tão você pode se engajar na prática espiritual. Mas, quer a prática espiritual seja
retomada após um certo grau de compreensão, quer a prática espiritual seja
feita por si mesma, a prática sozinha não o fará.

Cohen : Algo que descobri em meu próprio trabalho de ensino é que, a menos que
o mundo tenha sido transcendido em algum grau, e a menos que haja uma von‐
tade baseada nessa visão de deixá-lo ir, então a experiência espiritual, não im‐
porta quão poderosa seja não vai levar a nenhum tipo de libertação.

Tolle : Isso mesmo, e a vontade de deixar ir é rendição. Essa ainda é a chave.


Sem ela, nenhuma quantidade de prática ou mesmo experiências espirituais
servirão.

Cohen : Sim, muitas pessoas dizem que querem meditar ou fazer prática espiri‐
tual, mas suas aspirações espirituais não são baseadas na disposição de abrir
mão de algo substancial.

Tolle : Não, na verdade pode ser o contrário. A prática espiritual pode ser uma
forma de tentar encontrar algo novo com o qual se identificar.

Cohen : Em última análise, você diria que a prática espiritual real ou a experiên‐
cia espiritual real visa levar a pessoa a abandonar o mundo, a transcender o
mundo, a abandonar o apego ao mundo?

Tolle : Sim. Às vezes as pessoas perguntam: "Como você chega lá? Parece mara‐
vilhoso, mas como você chega lá?" Em termos concretos, na sua forma mais bá‐
sica, significa simplesmente dizer "sim" a este momento. Esse é o estado de ren‐
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dição - um "sim" total ao que é. Não o "não" interno ao que é. "sim" ao que é, é a
transcendência do mundo. Simples assim - uma abertura total para o que quer
que surja neste momento. O estado usual de consciência é resistir, fugir disso,
negá-lo, não olhar para ele.

Cohen : Então, quando você diz "sim" ao que é, quer dizer evitar nada e enfrentar
tudo?

Tolle : Correto. É acolher este momento, abraçar este momento, e esse é o estado
de rendição, de entrega. Isso é realmente tudo o que é preciso. A única diferença
entre um Mestre e um não-Mestre é que o Mestre abraça totalmente o que é.
Quando não há resistência ao que é, a paz vem. O portal está aberto; o não-ma‐
nifesto está lá. Essa é a maneira mais poderosa. Não podemos chamá-lo de prá‐
tica porque não há tempo nisso.

Cohen : Para a maioria das pessoas que estão participando da explosão espiri‐
tual do Oriente para o Ocidente que está ocorrendo com velocidade crescente nos
dias de hoje, tanto Gautama, o Buda, quanto Ramana Maharshi , um dos vedan‐
tinos mais respeitados da era moderna, eles se destacam como exemplos inigualá‐
veis ​de iluminação plena e, no entanto, curiosamente, em relação a esta questão
do relacionamento correto do aspirante espiritual com o mundo, seus ensinamen‐
tos divergem dramaticamente.

O Buda, o renunciante do mundo, encorajou aqueles que eram mais sinceros a


deixar o mundo e segui-lo para viver uma vida santa, livre dos problemas e pre‐
ocupações da vida doméstica. No entanto, Ramana Maharshi não incentivou
seus discípulos a abandonar a vida familiar em busca de maior foco e intensi‐
dade espiritual. Na verdade, desencorajava qualquer ato externo de renúncia e,
em vez disso, encorajava o aspirante a olhar para dentro e encontrar a causa da
ignorância e do sofrimento dentro de si. Na verdade, muitos de seus devotos
atuais dizem que o desejo de renunciar é na verdade uma expressão do ego, a
própria parte do ser da qual queremos nos livrar se quisermos ser livres. Mas é
claro que o Buda colocou muita ênfase na necessidade de renúncia, desapego,

Então, por que você acha que as abordagens desses dois luminares espirituais
diferem tanto? Por que você acha que Buda encorajou seus discípulos a deixar o
mundo enquanto Ramana os encorajou a permanecer onde estavam?

Tolle : Não há uma maneira de isso funcionar. Diferentes épocas no tempo têm
certas abordagens (diferentes), que podem ser mais eficazes para uma época e
não mais eficazes em outra época. O mundo em que vivemos agora tem uma
densidade muito maior; É muito mais onipresente. E quando digo "mundo", in‐
cluo nele a mente humana. A mente humana cresceu desde a época do Buda,
2.500 anos atrás. A mente humana é mais alta e abrangente, e os egos são maio‐
res. Houve um crescimento do ego por milhares de anos; está chegando a um
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ponto de loucura, com o pico da loucura sendo atingido no século XX. Basta ler a
história do século 20 para ver que foi o clímax da loucura humana, se medida
em termos de violência humana infligida a outros humanos.

Portanto, no tempo presente, não podemos mais escapar do mundo; não pode‐
mos escapar da mente. Precisamos nos render enquanto estamos no mundo.
Essa parece ser a maneira mais eficaz no mundo em que vivemos agora. Pode
ser que na época do Buda, retirar-se do mundo fosse muito mais fácil do que se‐
ria agora. A mente humana ainda não era tão avassaladora naquela época.

Cohen : Mas a razão pela qual o Buda pregou uma vida fora de casa foi porque
ele sentiu que a vida familiar estava cheia de cuidados, problemas e preocupações,
e nesse contexto ele sentiu que seria difícil fazer o que fosse necessário para viver
uma vida. vida santa. Então, em relação ao que você está dizendo sobre o barulho
e a distração do mundo, é exatamente isso que ele estava abordando e por que ele
realmente levava uma vida fora de casa e incentivava outras pessoas a fazerem o
mesmo.

Tolle: Bueno, él dio sus razones, pero al final no sabemos por qué el Buda puso
énfasis en dejar el mundo en lugar de decir como Ramana Maharshi dijo: "Hazlo
en el mundo". He observado que la forma más efectiva ahora es que las perso‐
nas se rindan en el mundo en lugar de intentar retirarse del mundo y crear una
estructura que facilite la rendición. Ya existe una contradicción porque estás
creando una estructura para que sea más fácil rendirte. ¿Por qué no rendirse
ahora? No necesitas crear nada para facilitar la rendición, porque entonces ya
no es una verdadera rendición. He estado en monasterios budistas y puedo ver
con qué facilidad puede suceder ― han abandonado su nombre y han adoptado
un nuevo nombre, se han afeitado la cabeza, llevan sus túnicas...

Cohen: Estás diciendo que un mundo ha sido abandonado por otro. Una identifi‐
cación ha sido dejada por otra; se ha eliminado un rol y se ha asumido otro. En re‐
alidad, nada ha sido abandonado.

Tolle: Eso es correcto. Por lo tanto, hazlo donde estés, aquí mismo, ahora mismo.
No es necesario buscar otro lugar o alguna otra condición o situación y luego
hacerlo allí. Hazlo aquí y ahora. Dondequiera que estés es el lugar (justo) para
rendirte o entregarte. Cualquiera que sea la situación en la que te encuentres,
puedes decir "sí" a lo que es, y esa es la base para cualquier acción posterior.

Cohen: Hay actualmente muchos maestros y enseñanzas que dicen que el deseo
mismo de renunciar al mundo es una expresión del ego. ¿Cómo lo ves?

Tolle: El deseo de renunciar al mundo es nuevamente el deseo de alcanzar un


cierto estado que no tienes ahora. Hay una proyección mental de un estado de‐
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seable para alcanzar ― el estado de renuncia. Es la búsqueda del yo a través del
futuro. En ese sentido, es ego. La verdadera renuncia no es el deseo de renun‐
ciar; surge como rendición. No puedes tener un deseo de rendirte porque eso es
no-rendirse. La rendición surge espontáneamente a veces en personas que ni si‐
quiera tienen una palabra para ello. Y sé que la apertura está ahí en muchas
personas ahora. Muchas personas que vienen a mí tienen una gran apertura. A
veces solo requieren unas pocas palabras e inmediatamente tienen un destello,
una muestra de rendición, que puede que aún no sea duradera, pero la apertura
está ahí.

Cohen: ¿Qué pasa con la llamada espontánea del corazón para abandonar todo
lo falso e ilusorio, todo eso basado en la relación materialista del ego con la vida?
Por ejemplo, cuando el Buda decidió: "Tengo que dejar mi hogar atrás", probable‐
mente sería difícil decir que fue un deseo egoísta, mirando los resultados. Y cu‐
ando Jesús dijo: “Ven, sígueme. Deja que los muertos entierren a sus muertos”.

Tolle: Eso es reconocer lo falso como falso, que es principalmente una cosa in‐
terna ― reconocer las identificaciones falsas, reconocer que el ruido mental, y
lo que había sido la identificación con imágenes mentales como una entidad del
"yo", es falso. Eso es hermoso, ese reconocimiento. Y entonces del reconocimi‐
ento de lo falso puede surgir la acción, y tal vez puedas ver lo falso reflejado en
las circunstancias de tu vida y luego puedas dejarlas atrás o no. Pero el recono‐
cimiento y la renuncia a todo lo que es falso e ilusorio es principalmente
interno.

Cohen: Esos dos casos, el Buda y Jesús, serían ejemplos de poderosas manifesta‐
ciones externas de ese reconocimiento interno.

Tolle Eso es. No se puede predecir qué sucederá como resultado de ese reconoci‐
miento interno. Para el Buda, por supuesto, vino porque ya era un adulto cu‐
ando de repente se dio cuenta de que los humanos mueren, se enferman y enve‐
jecen. Y eso fue tan poderoso que miró dentro y dijo que nada tiene sentido si
eso es todo lo que hay.

Cohen: Pero luego se vio obligado a irse, a abandonar su reino. Desde un cierto
punto de vista, podría haber dicho: "Bueno, todo está aquí ahora, y todo lo que ne‐
cesito hacer es rendirme incondicionalmente aquí y ahora". Entonces, creo que el
resultado podría haber sido muy diferente, podría haber sido ¡Un rey iluminado!

Tolle: Pero en ese momento no sabía que todo lo que era necesario era rendirse.

Cohen: Sin embargo, cuando Jesús estaba llamando a los pescadores para que
dejaran a sus familias y sus vidas para seguirlo y, de manera similar, cuando el
Buda caminaba por las ciudades y llamaba a los hombres para que dejaran todo
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atrás, su entrega fue demostrada en el momento de irse, diciendo "sí" a Jesús o al
Buda y abandonando sus apegos mundanos. Y, obviamente, también estarían sus
apegos internos de abandonar. En estos casos, el abandono no era solo una metá‐
fora de la trascendencia interna; también significaba literalmente abandonarlo
todo.

Tolle: Para algunas personas eso es parte de ello. Pueden abandonar sus entor‐
nos o actividades habituales, pero la única pregunta es si ya han visto lo falso en
su interior. Si no lo han hecho, el abandono externo será una forma disfrazada
de búsqueda del yo.

Cohen: Para mi última pregunta, me gustaría preguntarte sobre la relación entre


tu comprensión de la iluminación o la experiencia de la consciencia no-dual y el
compromiso con el mundo.

En el judaísmo, comprometerse plenamente con el mundo y la vida humana es


visto como el cumplimiento de la vocación religiosa. De hecho, dicen que solo a
través de vivir de todo corazón los mandamientos puede manifestarse en la ti‐
erra el potencial espiritual de la raza humana. El erudito judío David Ariel es‐
cribe: “Nosotros terminamos el trabajo de la creación ... Dios nos necesita por‐
que solo nosotros podemos perfeccionar el mundo".

Muchas enseñanzas de iluminación o no-duales como la tuya enfatizan la ilumi‐


nación del individuo. De hecho, la trascendencia del mundo parece ser el punto
central. Pero nuestros hermanos judíos parecen estar invitándonos a algo muy
diferente ― la espiritualización del mundo a través de la dedicación de hombres
y mujeres en el mundo. Entonces, ¿es cierto que las enseñanzas de la ilumina‐
ción no-dual nos privan de nuestra participación incondicional en el mundo?
¿La noción misma de trascendencia nos roba el cumplimiento de nuestro poten‐
cial para espiritualizar el mundo como hijos de Dios?

Tolle: No, porque la acción correcta solo puede fluir de ese estado de trascen‐
dencia del mundo. Cualquier otra actividad es inducida por el ego, e incluso ha‐
cer el bien, si es inducido por el ego, tendrá consecuencias kármicas. "Inducido
por el ego" significa que hay un motivo ulterior. Por ejemplo, mejoras tu autoes‐
tima si te conviertes en una persona más espiritual y te sientes bien; u otro
ejemplo sería buscar una recompensa futura en otra vida o en el cielo. Entonces,
si hay motivos ulteriores, no es puro. No puede haber verdadero amor fluyendo
en tus acciones si el mundo no ha sido trascendido porque no estás conectado
con el reino del cual surge el amor.

Cohen: ¿Quieres decir acción pura, no contaminada por el ego?

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Tolle: Sí, lo primero es lo primero. Lo que viene primero es la realización y la li‐
beración, y luego deja que la acción fluya desde ahí, y eso será puro, sin man‐
cha, y ahí no hay ningún karma asociado en absoluto. De lo contrario, no im‐
porta cuán altos sean nuestros ideales, seguiremos fortaleciendo el ego a través
de nuestras buenas acciones. Desafortunadamente, no puedes cumplir los man‐
damientos a menos que no tengas ego, y hay muy pocos que no lo tengan, como
lo han descubierto todas las personas que han tratado de practicar las
enseñanzas de Cristo. "Ama a tu prójimo como a ti mismo" es una de las princi‐
pales enseñanzas de Jesús, y no puedes cumplir ese mandamiento, no importa
cuánto lo intentes, si no sabes quién eres en el nivel más profundo. Amar a tu
prójimo como a ti mismo significa que tu prójimo es tú mismo, y ese reconoci‐
miento de unidad es amor.

Fuente: EnlightenNext Magazine, 2006 (Vortex 144)

© NODUALIDAD.info

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