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17ª LIÇÃO
SUMÁRIO
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Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
17ª LIÇÃO
1. Preliminares.
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histórico-social. Assim, compreende-se que a relação entre logos e método postulada pela
juridicidade seja de índole crítico-reconstrutiva.
Por conseguinte, a questão: como deverá mobilizar-se um determinado corte do
sistema jurídico para que possa prático-normativamente solucionar-se um certo problema1
jurídico concreto? É este o objeto da metodonomologia, razão por que pode concluir-se que
os sujeitos a quem está confiada a decisão judicativa de específicas controvérsias
juridicamente relevantes só cumprirão a sua tarefa se lograrem rever-se na máxima nos
scimus quia lex bona est, modo quis ea utatur legitime. Além do mais, daqui se depreende
também que a metodonomologia não tem a ver com a teorética qualificação de certos
conhecimentos (de caráter empírico ou normativo) como verdadeiros, mas com a tarefa
prática de reconstituinte mobilização, ou mesmo da inovadora constituição, no iter discursivo
conducente à decisão judicativa dos respetivos critérios-fundamentos.
Dissemos já: o direito realiza-se através dos juízos decisórios – numa proposta que
procura superar tanto o racionalismo formal extremo, como o decisionismo voluntarista e
irracional. Nesta categoria que dissemos ser o objeto da metodonomologia distinguem-se,
então, duas dimensões: uma dimensão voluntarista, que decorre da decisão – uma vez que
esta é sempre o resultado de um poder, o fruto de uma voluntas, de um querer; e uma
dimensão racional, associada à ideia de juízo, que vai agora entendido em sentido material,
como juízo prático-normativo ou de fundamentação. Isto vale por dizer que a mediação
judicativa implica sempre a subjetividade de um decidente, mas que é tarefa da reflexão
metodológica garantir a racionalização daquela, pela convocação de fundamentos, que a
objetivem (rectius: intersubjetivizem) e que permitam a sua sindicabilidade. Tudo porque uma
decisão, enquanto manifestação de uma vontade-poder remete para a subjetividade apenas,
pelo que se apresenta como causa sui, ou seja, não pode ser criticada, porque é expressão
autoafirmativa de um sujeito; só que, assim concebida, a decisão judicial corre o risco sério
de ser arbitrária, violando o direito. Ora, para que a decisão possa ser aceite, para ser válida,
é preciso que seja tanto quanto possível fundamentada por argumentos de direito – estes sim
passíveis de serem criticados, contrariados e refutados. Ou seja, é necessário um juízo, ou
ponderação prudencial de realização concreta orientada por uma fundamentação
normativamente adequada e circunstancialmente pertinente, mediante a convocação dos
argumentos ocorrentes. Estes argumentos são fundamentos de significação contextual e de
reconhecida validade numa pressuposição intencional.
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Um problema é uma interrogação que emerge no horizonte da experiência culturalmente significativa,
pressuposta que seja uma determinada normatividade – com uma densidade axiológica específica, v.g., de caráter
jurídico – referida a uma factualidade.
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1.2.1. A racionalidade.
O problema da racionalidade pode ser desenvolvido como o problema da disquisição
da racionalidade, preordenada à fundamentação da concludência discursiva do juízo
decisório, em consonância intencional com as prático-problematicamente radicadas e
mimético-poieticamente excogitadas – e, portanto, analogicamente constituendas –
exigências que inervam o específico sentido que pressuponentemente se tiver reconhecido
ao direito.
Em suma, podemos dizer que a racionalidade traduz a relação entre certa posição,
conclusão, ação, decisão e certos pressupostos materiais ou formais, que a sustentam
discursivamente, conferindo-lhe um sentido, explicando-a ou justificando-a.
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casos compreendidos como espécies. Com efeito, estávamos perante uma aplicação de
caráter estritamente lógico-dedutivo: o direito era a premissa maior, os factos constituíam a
menor e da lógico-formal articulação de ambas resultava, tautologicamente, a solução.
Insista-se: o método jurídico pretendia transformar o problema prático do direito num
problema teorético: da perspetiva deste modelo de pensamento, o jurista(-decidente)
resolveria os problemas práticos, conhecendo o direito(-legalidade) pré-disponibilizado pelas
instâncias com legitimidade política para o criarem. Assim, o logos mobilizado pelo referido
jurista era, portanto, teorético, numa dupla aceção: que na forma de conhecer o direito, pois
o que ele pretendia era apreender a lei na sua verdade; quer na forma de o aplicar, nos termos
lógico-aléticos do silogismo judiciário.
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Neste sentido, note-se que foi o idealismo alemão de matriz kantiana o principal
responsável pela redução da juridicidade a um desvitalizado sistema conceitual. A ratio
essendi do direito era agora identificada com conceitos, aparecendo o texto legal como mero
ponto de partida empírico (a ratio cognoscendi) para o respetivo apuramento. Se SAVIGNY, a
partir do sistema jurídico positivo, ainda compreendia o direito como um sistema orgânico de
instituições, o seu discípulo PUCHTA inucleou-o em estruturas lógico-conceituais – a famosa
genealogia dos conceitos não era outra coisa senão a articulação (lógico-dedutivamente)
encadeada das mencionadas estruturas elementares do pensamento, em termos
geometricamente configuradores de uma pirâmide que poderia subir-se até ao princípio
matricial. Por conseguinte, o pensamento deste Autor projetou-se metodicamente na proposta
de uma fundamentação científica – axiomático-dedutivamente polarizada e lógico-
dedutivamente estruturada – das decisões judiciais, redutivamente absolutizadora do caráter
imperativo – aprioristicamente ditado e discursivo-politicamente legitimante – da legalidade.
Em termos analíticos, a lição que mais durou foi a do próprio SAVIGNY e a ele se deve
a noção de interpretação como operação intelectual, de caráter exegético colimada à
desvelação da verdade interior da lei, bem como a acentuação da importância dos elementos
clássicos no processo interpretativo das leis consideradas separadamente. Por fim, note-se
que este Autor chamou a atenção para os problemas da unidade e da universalidade do
sistema jurídico. Com efeito, a ausência de unidade era suscetível de gerar contradições, que
deveriam ser resolvidas no quadro orgânico do instituto concretamente em causa,
considerando especialmente o sentido da sua evolução histórica. Por seu turno, um défice de
universalidade poderia gerar omissões, integráveis por analogia orgânica ou, em casos mais
raros, por criação de um novo instituto jurídico, organicamente consonante com a evolução
histórica do sistema.
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Estado de Direito dos nossos dias, concorreram para a superação do método jurídico,
compreendendo-se, portanto, a abordagem daquele primeiro ponto.
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Por fim, note-se que a Livre Investigação Científica do Direito criou as condições para,
em superação das teses da Escola da exegese, desvelar o direito como algo mais do que um
sistema autossubsistente na sua normativística arquitetura dogmático-formal, mas as aporias
do pensamento de GÉNY acabaram por determinar o involutivo desânimo que perpassa as
suas ultima verba, em que reconhece ser o direito positivo o único direito verdadeiro.
TRANSIÇÃO...
O Movimento do Direito Livre e a Jurisprudência dos Interesses alemãs impuseram uma outra orientação ao
pensamento jurídico: se GÉNY ainda o compreendera teoreticamente, como uma ciência, assumiu-se, finalmente, a
ideia de que o seu problema central era prático e se polarizava na decisão concreta, o que acabaria por determinar
a revisão de certos parti pris bloqueadores (o sistema jurídico passou a compreender-se como material e aberto e
as fontes do direito não puderam continuar a ser político-constitucionalmente tematizadas), com as consequências
arrasadoras para o status quo ante – o direito e o pensamento jurídico apresentam, afinal, uma unidade intencional,
para lá da integração das lacunas manifesta-se, autonomamente, a problemática do desenvolvimento
transsistemático do direito, aquando da racionalizada realização judicativo-decisória da normatividade jurídica é
mister atender a critérios jurídicos extratextuais e a fundamentos translegais, a reflexão metodológica revela-se, ela
própria, normativamente constitutiva.
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Para IHERING, o direito deve o seu sentido a fins societariamente relevantes, conquanto
não deixe também, em termos circularmente dialéticos, de os codeterminar, e
tendencialmente equivalentes, que o vão adequando às exigências de cada campo e
concorrem para assegurar a subsistência da própria sociedade em conformidade com a
comunitariamente radicada ética pragmática e utilitarista. Com efeito, foi este autor que
chamou a atenção para a categoria interesse, que deveria substituir a vontade como elemento
decisivo na constituição do Direito Privado. Assim, apontou, basicamente, o fim como a causa
natural do direito e inscreveu a luta no seu processo genético: cada um, para sobreviver no
palco do mundo, tinha de fazer algo por si, não devendo entregar-se sem oposição às forças
que o desafiavam.
§ Pressupostos metodológicos:
Esta importante Escola alemã, de clara inspiração sociológico-finalista, feriu de
morte o formal racionalismo idealista da Jurisprudência dos conceitos, sublinhando o
imperioso dever de obediência à norma legal.
Com efeito, note-se, no entanto, se perguntarmos, afinal, o que é a lei a que se
deve obediência, a resposta difere significativamente daquela que o pensamento
tradicional nos habituara: a lei é a emblemática expressão da autonomia da
comunidade jurídica (legitimamente representada pelo legislado, enquanto a
designação englobante daqueles interesses da comunidade que obtiveram vigência
na lei) e tem por objetivo solucionar ponderadamente um certo conflito de interesses.
Assim sendo, esta escola centrou.se mais na norma-problema do que na norma-texto,
razão por que se pode dizer que ela veio substituir a legislação, se sentido comum,
por uma genuína legisprudência (hoc sensu: pela formulação ponderada de normas
jurídicas prático-problematicamente fundamentadas).
Deste modo, mais importante do que atender à vontade manifestada pelo
legislador, é considerar os chamados interesses realmente, determinístico-
mecanicisticamente causais da norma e, daí, que em matéria de interpretação, a
Jurisprudência dos interesses legou-nos uma teoria da interpretação jurídica. Ora,
para compreender o sentido normativo da norma, o intérprete deve considerar o
conflito de interesses que a norma interpretanda tivesse dirimido de determinado
modo, impondo-se-lhe depois repensar inteligentemente esse critério, atenta a
singularidade do caso concretamente decidendo. Por conseguinte, note-se a norma já
não era a premissa maior de uma inferência lógica, mas o modelo de uma ponderação
prática; e que o próprio caso se não reduzia a mera espécie conceitualmente
enquadrada e subsumível ao género norma, antes se perfilava como problema com
uma específica relevância normativo-jurídica, que importava apurar através de um
genuíno juízo autónomo de juridicidade sobre o mencionado caso decidendo.
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isto que estes dois polos discursivos eram relacionados por mediação de um juízo
analógico.
Em segundo lugar, a referida vontade normativa viabilizou a chamada
interpretação corretiva – a possibilidade de o decidente desrespeitar frontalmente o
teor semântico-sintático das normas, para respeitar o seu sentido prático-normativo,
ou, rectius, a possibilidade de correção das normas numa sua aplicação contra legem,
mas para respeitar justamente a material vontade normativa contra o teor formal da
norma.
Noutro plano, note-se que a Jurisprudência dos interesses superou definitiva e
concludentemente as inconcludências do conceitualismo, relativamente à questão da
integração das lacunas: as lacunas não eram apenas aparentes, mas reais; o sistema
jurídico não era fechado, nem logicamente pleno, mas inconcluso e omisso na
consideração de muitos interesses igualmente dignos de proteção; a recombinação de
conceitos e a produção de normas a partir de conceitos logicamente inferidos de outras
normas não passavam de falácias retórico-argumentativas e o que importava era
ponderar adequadamente os interesses que não tivessem sido, mas devessem ser,
juridicamente protegidos.
Por outro lado, HECK era bem claro em procurar manter-se em consonância
com o legislador: o decidente não estava impedido de sustentar a relevância jurídica
de interesses marginalizados pelas normas legais pré-objetivadas, mas já estava
vinculado aos juízos de valor das normas não imediatamente aplicáveis.
Neste sentido, note-se os operadores mobilizáveis no processo de integração
de lacunas. O primeiro era a analogia: quando procedesse para o caso omisso a
ponderação de interesses em que radicava a norma diretamente reguladora de um
caso prático-normativamente semelhante, não deveria hesitar-se em lançar mão da
mencionada norma para solucionar o caso não previsto. O segundo era constituído
pelos juízos de valor dominantes na comunidade jurídica, ou pelos juízos de valor do
legislador que fosse possível conhecer: à ciência prática do direito cumpriria esclarecer
o decidente sobre o modo de os investigar. Finalmente, em desespero de causa, o
decidente era remetido para a sua valoração própria e também aqui se esperava que
a ciência do direito lhe fornecesse as ponderações determinante para a decisão
valorativa a que não poderia então eximir-se.
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§ O pensamento jurídico-causal.
Na trincheira de exploração do filão sociológico, merece, desde logo, referência
o pensamento jurídico-causal que, em ordem a uma mais profunda pesquisa das
fontes ou fatores determinantes do direito, considerou não apenas os interesses sem
mais, mas igualmente as próprias sociais situações de interesses e os demais fatores
da vida empírico-socialmente causais quer das decisões do julgador, quer das do
órgão aplicador do Direito, mas mais diversas matérias.
Todavia, do ponto de vista aqui decisivo e tal como a orientação inspiradora,
não logrou distinguir o objeto e o critério de valoração, nem, consonantemente, superar
a funcionalização social do direito, que se lhe deve censurar.
Com efeito, note-se que é nesta linha que se vêm inscrever os diversos
realismos e os vários sociologismos.
§ A jurisprudência das valorações.
As insuficiências que já apontamos às diversas orientações sociológicas
abriram também espaço a outra via discursiva: aquela que foi capaz de substituir o
teleologismo caracterizador das correntes acabadas de mencionar, por uma autêntica
teleonomologia, isto é, pela assunção do compromisso axiológico-prático do direito,
inucleado na sua específica intencionalidade.
Assim, se densificou a chamada Jurisprudência da valoração. Com efeito, a
passagem a uma Jurisprudência da valoração só cobra o seu pleno sentido quando
conexionada com o reconhecimento de valores ou critérios de valoração supralegais
ou pré-positivos.
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§ Teleonomologia.
Os modelos a que aludimos permitem evidenciar certas particularidades da
racionalidade metodológico-jurídica, no entanto, não no-la desvelam integralmente.
Com este objetivo, podemos ficar-nos pela síntese lapidar, a este propósito
excogitada, por CASTANHEIRA NEVES: são quatro as dimensões da racionalidade implicada
pela realização judicativa do direito. Uma validade pressuposta a objetivar-se numa
dogmática, por um lado, e uma problematização praxística a exigir uma mediação judicativa,
por outro lado. As duas primeiras dimensões manifestam-se num sistema normativo; as duas
outras são convocadas por um problema prático. A dialética entre sistema e problema numa
intenção judicativa de realização normativa é, pois, a racionalidade jurídica a considerar.
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18ª LIÇÃO
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19.ª/20ª LIÇÃO
1. A interpretação jurídica.
1.1. O sentido do problema.
1.2. O objeto da interpretação.
1.3. O objetivo da interpretação.
1.3.1. O subjetivismo e o objetivismo.
1.3.2. As orientações mistas e gradualistas.
1.3.3. A interpretação dogmática e a interpretação teleológica.
1.4. Os fatores ou elementos da interpretação.
1.5. Os resultados da interpretação.
1.5.1. O seu sentido e as suas modalidades tradicionais.
1.5.2. A alteração desse sentido tradicional.
1.6. O significado da evolução de cada um dos problemas.
1.7. As linhas de superação da tradicional teoria da interpretação jurídica.
1.7.1. Os elementos normativos extratextuais e transpositivos.
1.7.2. O continuum da realização judicativo-decisória do direito.
1.7.3. A realização do direito como o problema metodonomológico.
1.7.4. Racionalidade e esquema metódico.
2. A integração
2.1. Problema das lacunas.
2.2. Os critérios da integração.
2.2.1. A analogia.
2.2.2. A autonomia constitutiva do julgador.
2.3. Sentido geral do problema do desenvolvimento transsistemático do direito.
3. Proposta unitária, analogicamente inucleada, da problemática da racionalizada
realização judicativo-decisória do direito.
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N.b.: quando se não abordar um tópico, está implícita a remissão para outro tema já abordado.
19ª/20ª LIÇÃO
1. A interpretação jurídica.
A metodologia jurídica constitui hoje um vasto e complexo campo temático. Foi a partir
dos movimentos de orientação prática que tudo se alterou: o pensamento jurídico
metodologicamente comprometido deixou de estar obcecado com o seu estatuto
epistemológico, na ânsia de preencher os requisitos da cientificidade, passando a centrar-se
na problemática da racionalizada – e, portanto, intersubjetivamente, controlada – realização
judicativo-decisória do direito.
Por conseguinte, limitar o âmbito da metodonomologia ao círculo da interpretação
jurídica, será um redutivismo – esta será uma sub-questão daquela que se preocupa com a
pluralidade de dimensões do concreto juízo decisório.
Não obstante, reconhecemos que, no horizonte de um sistema do tipo do nosso, os
mais dos casos controvertidos serão juridicamente decididos por mediação de normas legais,
ou de outros critérios pré-objetivados no corpus iuris – donde, a inevitabilidade e importância
central da interpretação jurídica.
Por fim, dizer que entendemos a interpretação jurídica como a atividade reflexiva
tendente a desocultar o sentido que uma dada norma jurídica (lato sensu) visa exprimir.
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O subjetivismo via a norma como um comando, imposto por uma vontade – centrando-
se, portanto, na determinação da intentio auctoris ou da mens legislatoris. A seu abono, tendo
por pretensão fixar a vontade do legislador histórico, louvava-se na segurança jurídica e no
princípio da separação de poderes, mas podia originar uma inaceitável fossilização do direito
se mediasse um longo período de tempo entre a entrada em vigor da norma interpretanda e
a ocorrência do problema justificativo da respetiva mobilização.
Por seu turno, o objetivismo pretendia apurar o sentido vazado ou condensado na
norma interpretanda – preocupando-se, consequentemente, em aceder à intentio operis, ou
à mens legis. A seu favor, intentando apurar o sentido da lei, concorria para realizar a
historicidade do direito, e, portanto, à sua conformação à vida, mas era suscetível de potenciar
o perigo do arbítrio jurisdicional.
Por nossa parte, observe-se que estas duas orientações radicam em diferentes
conceções do direito: o subjetivismo, inspirado pelo pensamento revolucionário remetia o
direito à voluntas do legislador; e o objetivismo, menos politicamente cunhado e mais
culturalmente marcado, referia o direito a uma logicamente coerente ratio ordenadora.
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1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento
legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi
elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei
um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções
mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
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conceitual, de base legal, de que ela fazia parte; a segunda referia a norma ao fim prático por
ela visado. Assim, diremos ser a interpretação dogmática uma operação sintática e a
interpretação teleológica um manifesto de caráter pragmático.
Ora, assim entendidas e levadas às últimas consequências, a interpretação dogmática
dessoraria ou formalizaria o direito, e a interpretação teleológica instrumentalizá-lo-ia ou
funcionalizá-lo-ia. No entanto, sabemos ser hoje a dogmática uma dogmática de
fundamentação, polarizada nas normativo-juridicamente e prático-problematicamente
redensificantes exigências de validade que cunham o corpus iuris. E também não ignoramos
ser o telos não heterónomo ao direito e suspeito de traduzir uma acrítica cedência a um mero
consequencialismo, nem dissolvente da sua intricada unidade, mas, antes, remeter a uma
genuína teleonomologia, a implicar uma prático-racionalmente controlada, normativo-
juridicamente intencionada e judicativo-decisoriamente inucleada realização dos fins
especificamente constituintes da constituenda normatividade vigente, e viabilizadora da
justeza sistemático-normativa (a aferir ante o corpus iuris) e da justeza problemático-judicativa
(a aferir ante a quaestio disputata) dialeticamente conformadores da solução dos concretos
casos jurídicos decidendos.
Neste sentido, quando adequadamente compreendidas, tanto a (mais imediatamente
racionalizante) interpretação dogmática, como a (mais visivelmente dinamizante)
interpretação teleológica são perpassadas pela dialética sistema-problema – um definiens do
discurso jurídico metodologicamente comprometido – podendo afirmar-se que cada uma
daquelas dimensões encontra na outra a outra face de si própria.
Por fim, observe-se que a orientação propugnada: por um lado, não inviabiliza a
disquisição de uma única solução como a normativamente exigida pelo caso decidendo – não
que ela seja passível de demonstração apodítica, nem que se perfile como a
circunstancialmente determinada concretização de uma ideia regulativa, antes daquela única
que pode considerar-se concludentemente legitimada pela reflexão fundamentante, atenta à
pluralidade de estratos que entretecem o corpus iuris vigente; por outro lado, a teoria do direito
procurou racionalizar o processo de conversão do telos fático, num autêntico telos normativo,
juridicamente pertinente, todavia, não teve êxito na tentativa, pois o seu específico
instrumentarium teorético-científico, embora considere fatores condicionantes do direito, não
se revela a lupa requerida para a captação do seu prático-normativamente decisivo sentido
predicativo.
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atua, antes do mais, mediante o afastamento de todos os objetos, factos, situações, casos,
entre outros, que nela não tenham qualquer arrimo. Por outras palavras, ao traçar as fronteiras
da interpretação a letra da lei identifica logo os candidatos negativos à significação do texto,
isto é, todos os significados que inequivocamente exclui.
Depois, o elemento gramatical intervém num sentido positivo, e com valor meramente
indicativo, na seleção do significado a privilegiar em definitivo – pois que a norma, no final, só
poderá ter um sentido para poder ser mobilizada enquanto premissa maior do silogismo
judiciário. De entre os sentidos possíveis, a letra da lei ajuda agora a escolher os mais naturais
ou imediatos, ou seja, os que mais diretamente correspondem aos usos na linguagem comum
ou jurídica das palavras em causa – candidatos positivos – e, ao mesmo tempo, identifica
aqueles outros sentidos, ainda possíveis (porque permitidos pela letra), mas de uso menos
habitual – candidatos neutros.
Em suma, por referência ao elemento gramatical, teríamos: sentidos excluídos (casos
de certeza negativa), sentidos incluídos (situações em que se verifica uma certeza positiva) e
sentidos menos imediatos ou comuns (em que subsistem dúvidas quanto à sua inclusão,
embora não possam ser excluídos a partida).
Apreciação Crítica
A palavra é, decerto, a desmistificação do absurdo, pois introduz e traduz, num
indiferenciado horizonte integrante de todos os possíveis, a seleção de um (aberto) espaço
de significações racionais. No entanto, a sua ineliminável abertura – decorrente da
impossibilidade de se definirem aprioristicamente as possibilidades instituídas – impõe, no
campo específico da reflexão metodonomologicamente comprometida, a pressuposição das
constituendas exigências predicativas da juridicidade, para vir a ser concreto-
situacionalmente superada, em termos circunstancialmente (normativo-procedimentalmente)
adequados. De outro modo: se a palavra elimina o sem-sentido, nunca anula a
problematicidade do sentido instaurado, razão por que o respetivo advento não é bastante
para que o homem, no munda da vida, se desonere da interpretação prática, nem, no mundo
do direito, para que o decidente epicrítico possa inconsidera a tarefa da interpretação jurídica.
Todavia, a perspetiva tradicional não logrou dar o salto apontado, nem viabilizou o
acesso à inteleção acabada de de desvelar.
Com efeito, a orientação hermenêutico-exegética absolutiza a importância do texto da
norma legal e, dentro deste, da sua base literal. Se, porventura, subsistir uma indeterminação
insuperável ao nível da mera consideração da letra, recorrer-se-á ao espírito do critério
interpretando, constituído pelos restantes elementos interpretativos. No entanto, a apontada
relevância apenas subsidiária do espírito desvela o acentuado caráter determinante da letra;
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e, na medida em que só poderá ser convocado para esclarecer um dos significados possíveis
da letra, manifesta o valor autónomo reconhecido a esta última.
Porém, se recordarmos a natureza metafórica das palavras e, sobretudo, se
compreendermos, prático-normativamente o problema da interpretação jurídica, deixa de
poder atribuir-se à letra da norma interpretanda uma qualquer densidade específica, ou um
qualquer relevo básico, autonomamente determinante da tarefa, pela decisiva razão de que
se trata então de utilizar, em termos juridicamente adequados – uma adequação a instituir
poieticamente e radicada na complexa e singularmente intencionada dialética entretecedor do
cado decidendo e do fundamento-critério da respetiva solução – daquela norma problema.
Neste sentido, não existe uma hierarquia fixa dos vários fatores, apesar de, desde os
estudos levados a cabo pela Jurisprudência dos Interesses, se vir salientando o especial
relevo do elemento teleológico. Ora, note-se que a teleologia da norma foi entendida de modo
diferente ao longo dos tempos: primeiro como ratio legislatoris; depois, como ratio legis;
posteriormente como ratio iuris (entendido como sistema) e, finalmente, como a razão do
direito, enquanto verdadeiro ius (que dá sentido normativo-jurídico à norma). Por sua vez, o
elemento sistemático remete agora para os liames axiológicos e intencionalmente prático-
problemáticos que unificam o direito em vigor e o elemento histórico pressupõe uma
consideração do contexto dogmático e axiológico-normativo em que a norma emergiu, para
além da investigação da sua génese prescritiva.
Em suma, tudo o que foi dito a revelar a incompreensão do sentido do problema da
interpretação jurídica por parte orientação exposta. É que do que se trata, nesta sede, é de
ponderar prudencialmente a eventual relevância jurídica de uma concreta situação da vida,
razão por que, em lugar da meramente reprodutiva-explicativa interposição-aplicação de um
glossário de definições, se impõe a autenticamente reflexivo-performativa pressuposição-
realização de um sentido deveniente. É que verbis igitur nisi verba non discimus e os juristas
têm é que decidir judicativamente problemas específicos, pressupondo um constituendo
conjunto de particulares exigências ou dimensões de sentido; e isto nos desvela o abismo que
entre existe entre a norma e o problema, a propugnar a inadequação de uma qualquer
perspetiva hermenêutico-cognitiva de interpretação, enquanto modus decidendi. Por fim, dizer
apenas que este não é um qualquer sentido (como um hipotético sentido comum): o referente
pressuposto pela interpretação de normas legais é o seu específico sentido jurídico, atenta a
intenção também especificamente jurídica, que devenientemente o constitui.
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isso mesmo, analógico. Assim, qualquer impostação, mais ou menos inovadora, no domínio
do prático-normativo, pressupõe sempre referentes intersubjetivamente partilhados radica
numa inércia interdisciplinarmente estruturada e projeta-se numa dinâmica
interrelacionalmente potenciada – tudo o que, por mediação das revisões, das recorrências e
das reposições que assim, sucessiva e respetivamente, se reconhecem, denuncia a sua
ineliminável analogicidade. Donde, nada mais natural do que assumir a inevitabilidade que
deste modo se deteta, erigindo-a em núcleo da problemática metodonomológica e
estruturando em termos consonantes o modelo (noético noemático) da judicativo-decisória
realização do direito.
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judicativa decisão igual do que justificadamente se perfilar como igual e na exata medida da
mencionada e adequadamente reconhecida relação, isto é, na de ir buscar a sua última razão
de ser a nervuras identificantes) quer na prática quer no direito.
Advirta-se, ainda, ser o círculo de semelhança –a congruência dos recíproca e
concretamente implicados núcleos problemático e referencial do discurso – o pressuposto
irredutível da pertinência prático-normativa do recurso à analogia, ou de uma solução paralela
para dois casos juridicamente equiparáveis. Se, em vez daquele, nos depararmos com um
círculo de diferença (com um conjunto em que se revelem fundamentadamente incongruentes
os dois polos discursivos), se, em lugar da continuidade que o primeiro identifica, se perfilar
ao jurista ao jurista decidente a exclusão predicativa do segundo, intervirá a chamada analogia
inversa – em que a experiência feita se não ajusta à especificidade da experiência a fazer,
mas não deixa de funcionar como instância de controle negativo do juízo, neste último
horizonte – que encontra uma sua exemplar projeção metodonomológica no chamado
argumento a contrario (na exclusão de um caso concretamente decidendo do âmbito de
relevância de um determinado conjunto de fundamentos-critérios, atento o mérito
problemático de um e outro).
Finalmente, sublinharemos que o entendimento do sistema jurídico como uma unidade
de sentido normativo constituída por vários estratos que reciprocamente se condicionam nos
dispensa de insistir em contraposições categoriais tradicionalmente acentuadas, mas que
com ele não se compaginam. Refira-se, a título exemplificativo, aquela que distingue a
analogia de lei ou analogia ou analogia particular (analogia legis), da analogia de direito, ou
analogia total (analogia iuris) – respetivamente, a analogia que opera apenas com uma norma
legal igualmente aplicável a uma situação de facto não regulada por ela, ou com o princípio
(geral de direito) induzido a partir de várias e ajustável tanto à hipótese na lei com às hipóteses
reguladas – pois, em rigor, a analogia, liberta das aporias com que a subverteu a teoria
clássica, em qualquer das suas diversas formulações, é sempre deste último tipo.
Assim adequadamente compreendida, não é um raciocínio apenas operativo no
âmbito da integração das lacunas, revelando-se, antes, um vetor nuclear da própria realização
judicativo-decisória do direito por mediação de redensificantes apoios (critérios ou
fundamentos) pré-disponibilizados pelo sistema jurídico, pois, do que sempre se trata é de
trazer-à-correspondência o mérito problemático de um concreto caso decidendo e a
intencionalidade também problemática de um constituído ou constituendo apoio
circunstancialmente pertinente para a almejada decisão judicativa.
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2. A integração
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Por fim, note-se que esta via do pensamento tradicional, é a via em que afinal se
inscreve o artigo 10.º do CC – confinava a analogia à integração das lacunas, quando nós
igualmente a reconhecemos como a modalidade de raciocínio ajustado ao problema da
judicativo-decisória realização do direito por mediação de critérios jurídicos disponíveis e
circunstancialmente mobilizáveis.
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2.2.1. A analogia.
Até ao momento, vimos a questão da perspetiva do sistema da juridicidade pré-
objetivada; consideremo-la, doravante, a partir do próprio problema jurídico concretamente
decidendo.
A primeira questão será, então, a de determinar quando se está perante um problema
jurídico. Estaremos perante um problema jurídico quando não virmos transparentemente
cumpridas, na experiência que no-lo manifesta, as justificadamente pré-supostas, mas
constituendas, exigências constitutivas da juridicidade. É este o radical do problema
emergente, que, não obstante a respetiva novidade, nos permite qualificá-lo como
juridicamente relevante.
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dos limites que se lhe oponha, é manifesto caber então ao jurista decidente a assunção da
tarefa de, com prudência de juízo e responsabilidade institucional, projetar o mencionado e
constituendo sentido do direito no aludido problema jurídico concreto, em ordem à judicativa
decisão deste último e, decorrentemente, à sua assimilação pelo corpus iuris. A racionalização
de que não pode abdicar-se no exercício – para que a ratio do juízo não seja totalmente
consumida pela voluntas da decisão – e que é pressuposto da controlabilidade (da
intersubjetivamente inucleada objetividade) prosseguida, impõe um esforço tendente a
alcançá-la.
Assim, em primeiro lugar, um problema eventualmente relevante para o direito emerge
sempre num dado quadro sociológico, igualmente densificado por exigências materiais de
caráter jurídico. Depois, o mérito autonomamente reconhecido a esse hipotético problema
jurídico talvez permita referi-lo aos sempre constituendos princípios normativos, positivos e
transpositivos, que mais ou menos se lhe ajustem. E, finalmente, o englobante e deveniente
ethos comunitário – autêntico cadinho em que se vai reconstituindo o sentido último do direito,
tanto na linha das suas manifestações precedentes, especificando-as ou corrigindo-as, como
em fundamentada rutura com elas, superando-as autenticamente – também concorrerá para
viabilizar a prático-normativamente exigível intersubjetivização da subjetividade do decidente,
ou seja, a racionalização das concretas decisões judicativas que deva proferir, radicada na
esclarecida inteleção do constituendo sistema da normatividade jurídica vigente,
E, se lembrarmos que todos os arrimos assim excogitados relevam
metodonomologicamente atenta a respetiva intencionalidade problemática, logo nos damos
conta de que se trata aqui de trazer-à-correspondência o problema jurídico concretamente
decidendo e o problema constitutivo do constituendo arrimo normativo circunstancialmente
pertinente, que ipso facto, nos desvela o caráter analógico do exercício.
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