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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

ENSINO JURÍDICO: EM BUSCA DO HABITUS DE TRANSFORMAÇÃO


Revista de Direito Educacional | vol. 3/2011 | p. 217 - 259 | Jan - Jun / 2011
DTR\2011\2502

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira


Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória.
Secretário-Geral da Abdh. Advogado.

Área do Direito: Educação


Resumo: Este trabalho se propõe a apresentar um novo modelo para o ensino jurídico a
partir da crítica ao habitus proposta por Bourdieu e Passeron e da pedagogia crítica de
Saviani. Na primeira parte do trabalho, após a introdução e delimitação da estratégia
metodológica, desenvolve-se a parte teórica desse estudo, explicando-se a reprodução
do habitus, tal qual criticada pelos sociólogos franceses, a predominância do modelo
dogmático e do casuístico e suas deficiências e a crítica feita pela escola de Saviani. Na
segunda parte do trabalho, é desenvolvida a parte prática, analisando algumas práticas
que permitem verificar a construção de um novo modelo, o qual é sistematizado ao final
do estudo.

Palavras-chave: Ensino jurídico - Pedagogia crítica - Habitus - Dogmática - Casuística


Abstract: This work proposes presenting a new model to the legal teaching since the
critics to the habitus proposed by Bourdieu and Passeron and since the Saviani critical
pedagogy. After the introduction and the methodological strategic delimitation, it is
developed the theoretical part of this study, explaining the reproduction of the habitus as
criticized by the French sociologists, the predominance of the dogmatic and case method
models and their deficiencies, and the critics made by the Saviani school of thought. The
second part of this work develops an analysis of some practices that allow verifying the
construction of a new model, which is systematized at the end of this study.

Keywords: Legal teaching - Critical pedagogy - Habitus - Dogmatic - Case method


Sumário:

1.Introdução - 2.Da reprodução do habitus à sua crítica - 3.Da manutenção do habitus à


sua transformação - 4.Considerações finais - 5.Referências bibliográficas

1. Introdução

Os pressupostos do atual processo de formação do estudante de direito devem ser


superados porque ultrapassados, devendo o conhecimento direcionado apenas para as
técnicas jurídicas e o ordenamento jurídico ser substituído por um que relacione o
conhecimento técnico com a realidade social. Até porque o direito é um fenômeno social,
e, enquanto tal, não se exaure em si próprio.

Trata-se, pois, da necessidade de superação do modelo dogmático. O modelo dogmático


não se confunde, contudo, com o positivismo. O positivismo jurídico tem, em sua
teorização mais comentada e utilizada, aquela formulada por Kelsen, um mérito: a
tentativa de dar ao direito uma cientificidade a partir de um corte metodológico (que se
apresenta a partir do dogma da norma hipotética fundamental) para separar o que é do
que não é jurídico. O dogmatismo jurídico, fundado no positivismo e aplicado ao ensino
jurídico, tem, por sua vez, se aplicado exclusivamente, um demérito: fazer com que o
profissional do direito tenha uma formação despreocupada em relação aos outros
campos do saber que são influenciados pelo ou que influenciam o direito. Dogmatismo
não se confunde, portanto, com positivismo, nem se encontra sob os seus auspícios,
embora tenha nele buscado suporte.

A grande preocupação de uma teorização particular (pura) do direito – e não do direito


puro –, foi atribuir uma cientificidade ao direito. O que a dogmática jurídica fez e faz é
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deturpar o positivismo jurídico – como, ademais, fizeram outros teóricos – para justificar
os seus propósitos. Assim, criou-se um modelo que, aplicado ao ensino jurídico,
direcionou todas as preocupações do estudante de direito para o simples conhecimento
do jargão técnico, que não é padronizado, e de normas jurídicas, insertas em incontáveis
leis.

Ocorre que o positivismo jurídico não foi criado para servir como processo de
ensino-aprendizagem. Essa é tarefa da pedagogia, que, aplicando seu método próprio,
vai se ocupar da teoria e da prática da educação, e, assim, do processo de formação
discente e docente. Desta forma, o que se critica aqui não é o estudo puro do direito, e
sim o apego às leis, o apego exclusivo à normatividade que a pedagogia jurídica da
tradição do direito escrito de família romano-germânica tem. Mas também há que se
criticar o apego exclusivo à casuística adotado pela pedagogia jurídica da tradição do
direito consuetudinário de família anglo-saxã. Estes dois são os principais métodos da
pedagogia jurídica e, quando adotados em suas formas puras, tendem, respectivamente,
ao tecnicismo com o desconhecimento da realidade (ou da prática) e ao praxismo com o
desconhecimento da teoria.

Tanto a dogmática quanto a casuística possuem características que merecem ser


mantidas para um modelo de ensino jurídico. Mas qual seria o equilíbrio entre tais
métodos pedagógicos? A proposta deste estudo reside exatamente em propor um
equilíbrio, um modelo que permita o emprego das melhores práticas de cada um desses
métodos e que proporcione a tão esperada superação do atual modelo de
ensino-aprendizagem jurídico.

O desenvolvimento dessa proposta parte de dois pontos, desenvolvidos na seguinte


ordem. O primeiro traz uma dupla fundamentação teórica para a elaboração da crítica do
modelo atual: parte-se da pedagogia crítico-reprodutivista de Bourdieu e Passeron à
reprodução e legitimação do habitus na sociedade, especificando, em seguida, o ponto
de crítica no ensino jurídico, para, em seguida, cuidar-se da crítica elaborada pela
pedagogia histórico-críticista de Saviani. Há aí, pois, uma dupla fundamentação teórica,
que fornece um alicerce para a crítica ao atual modelo e para a composição do novo
modelo, a partir da análise feita na segunda parte.

A segunda parte traz uma fundamentação baseada nos três habitus identificados na
primeira parte relacionando-os com algumas práticas relatadas na literatura jurídica para
a elaboração de uma proposta de modelo. Para isso, faz-se uma análise crítica do
habitus de manutenção, que propõe a manutenção de algumas práticas necessárias ao
ensino jurídico básico. Em seguida, a partir de alguns relatos, demonstra-se, a partir do
habitus de transição, como nem tudo que é tratado como inovador é capaz de
transformar o paradigma adotado. E encerra-se tal tópico com uma referência às
práticas que podem ser vistas como transformadoras, aquilo a que se chama de habitus
de transformação, que é o modelo proposto neste estudo.

Utiliza-se, na proposição deste novo modelo, uma estratégia metodológica que se ocupa:
em primeiro lugar, com uma exposição teórica fundamentada na crítica de Bourdieu,
Passeron e Saviani à reprodução mecanicista de um arbitrário cultural; e, em segundo
lugar, com a análise de diretrizes legislativa e normativas, bem como de práticas já
verificadas na literatura disponível.
2. Da reprodução do habitus à sua crítica

Esta primeira parte se ocupa da fundamentação teórica tanto para elaborar as críticas ao
modelo de ensino-aprendizagem jurídico usualmente empregado quanto para propor um
modelo alternativo. O primeiro tópico traz a crítica de Bourdieu e Passeron à reprodução
e à legitimação do habitus, delineando-se, quando possível, breve e superficialmente, a
crítica que será feita ao padrão pedagógico geralmente adotado no Brasil para o ensino
jurídico. Essa crítica será mais bem apresentada (e aprofundada) no segundo tópico, que
tratará sobre a tendência dogmática (largamente reproduzida no sistema de ensino
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jurídico brasileiro) e sobre a tendência casuística (que vem sendo implantada). O


terceiro tópico apresenta a pedagogia histórico-criticista, concluindo esta primeira parte
e abrindo espaço para a segunda, onde se desenvolverá o modelo aqui proposto. E, por
fim, um quarto tópico traz as notas conclusivas, que permitem uma transição entre esta
primeira parte do estudo e a segunda.
2.1 O habitus visitado

Como toda proposta que se baseia em uma crítica tem de possuir uma fundamentação,
aqui é apresentado o primeiro fundamento, que é baseado na crítica de Bourdieu e
Passeron à reprodução e à legitimação do habitus.

O habitus é uma noção filosófica que remonta à noção aristotélica de hexis e à noção
tomista de habitus, sendo retomada por Bourdieu para construir uma teoria da ação
baseada na capacidade inventiva dos agentes (Wacquant, 2007, p. 6; 2002, p. 98). Em
Bourdieu o habitus será assumido como “(…) o modo como a sociedade se torna
depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis, ou capacidades treinadas e
propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de modos determinados, que então
as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações do seu meio
social existente” (WACQUANT, 2007, p. 8-9).

Em um discurso de maio de 1983, Bourdieu (1986, p. 40) explicou que o que o levou a
retomar a noção de habitus foi uma tentativa de reagir contra uma tendência de
descrever o mundo social a partir da linguagem normativa, destacando, pois, que as
regras jurídicas não são mais do que o registro de ocorrências sociais produzidas a partir
dos princípios do habitus, o qual é um sistema disposicional da prática, um fundamento
objetivo das condutas regulares, aquilo que faz as pessoas se comportarem de
determinada maneira em certas circunstâncias.

“Nossa vida desenvolve-se em um mundo de normas. Acreditamos ser livres, mas na


verdade estamos envoltos numa densa rede de regras de conduta, que desde o
nascimento até a morte dirigem nossas ações nesta ou naquela direção. A maior parte
dessas regras já se tornou tão habitual que não percebemos mais sua presença. Mas, se
observamos um pouco do exterior do desenvolvimento da vida de um homem através da
atividade educadora exercida sobre ele por seus pais, por seus professores e assim por
diante, percebemos que ele ocorre sob a orientação de regras de conduta. No que diz
respeito à sujeição a normas sempre novas, foi dito acertadamente que a vida inteira, e
não apenas a adolescência, é um contínuo processo educativo” (Bobbio, 2010, p. 15).

Ora, o problema não está no positivismo jurídico, não pelo menos naquele desenvolvido
por Kelsen. Não se pode confundir a pureza metodológica da teoria do jurista de Praga
com o dogmatismo pedagógico que nela busca fundamentação. Ou, em outras palavras,
a teoria pura não é a mesma coisa que o direito puro, já que só este é que propõe o
desligamento do direito da realidade (LOSANO, 2003, p. XVI). O que Bourdieu critica é
exatamente esse desligamento, a noção de que é o direito que explica a realidade, e não
o contrário – um modismo que acabou influindo, e que influi até hoje, no ensino jurídico.
Modismo esse cuja única razão de existir parece ser a sua repetição, ou o que o
sociólogo francês chamou de reprodução, já que “não existe na natureza, ou melhor, na
história das relações humanas, uma relação que seja por si mesma, isto é, ratione
materiae, jurídica”; ou seja, as relações humanas têm as mais diversas naturezas, mas
nenhuma delas é “naturaliter jurídica” (Bobbio, 2010, p. 34-35).

Há que se criticar, assim, a reprodução do modelo pedagógico-dogmático do ensino


jurídico. Modelo este que ainda é muito comum nas faculdades e escolas de direito dos
países de tradição do direito escrito, de que é exemplo o estilo coimbrão da
aula-conferência, e que dá, em geral, à formação do estudante um aspecto formalista e
acrítico (Francischetto, 2010, p. 13). Na pedagogia, pode-se dizer que o modelo
dogmático trata-se de uma tendência liberal tradicional, em que “predomina a
autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer
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comunidade entre eles no decorrer da aula”, de maneira que a escola atua “na
preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade”
(LUCKESI, 1994, p. 56-57).

Em um livro considerado dos mais polêmicos sobre o sistema escolar, coescrito com
Jean-Claude Passeron, Bourdieu tratou sobre a questão da mera reprodução de
conteúdos neste sistema (1996). Nele, os dois sociólogos franceses criticam o modelo de
reprodução que se utiliza de uma transmissão através de um poder de violência
simbólica.

No caso jurídico, essa crítica pode ser vista através do processo de codificação, que
consiste na tentativa de padronização das práticas sociais, no que se pode chamar de
um ordenamento simbólico, feito pelos burocratas do Estado, a fim de se homogeneizar
as condutas, formalizando-as, isto é, colocando-as nas formas preestabelecidas e
impostas, e tornando-as calculáveis e previsíveis ao preço de abstrações e simplificações
(Bourdieu, 1986, p. 41 e 43).

O marco zero, o teorema inicial do livro transmite o tom em que se desenvolve a obra:
“Todo poder de violência simbólica, ou seja, todo poder que logra impor significações e
impô-las como legítimas dissimulando as relações de força em que se funda sua própria
força, acrescenta sua força própria, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de
força” (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 44).

Por este axioma o que se tem é que todo ramo do conhecimento se impõe através de
uma ação simbólica, e que, não fosse assim, ele não existiria objetivamente (Bourdieu;
Passeron, 1996, p. 44). Essa imposição de sistemas simbólicos por ações simbólicas
ocorre através de um poder simbólico, “(…) um poder de construção da realidade que
tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em
particular, do mundo social) supõe aquilo que Durkheim chama de conformismo lógico,
quer dizer, ‘uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que
torna possível a concordância entre as inteligências’” (Bourdieu, 1977, p. 407).

Poder este que usa instrumentos simbólicos para impor ou para legitimar um
determinado sistema simbólico, impondo uma definição do mundo social que melhor
represente o interesse daqueles que detêm o poder simbólico, o monopólio da violência
simbólica. Monopólio este que se traduz no “poder de impor (e mesmo de inculcar)
instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomias) arbitrários (embora
ignorados como tais) da realidade social” (Bourdieu, 1977, p. 408-409).

O poder simbólico, utilizando-se de uma violência simbólica, exerce, portanto, uma ação
simbólica que permite inculcar na sociedade um habitus representativo da tendência em
voga, ou da ideologia dominante. Daí Bourdieu e Passeron (1996, p. 45) afirmarem que
“toda ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de uma arbitrariedade cultural”. Ou seja, as AP
permitem que aqueles que detêm um poder legítimo – ou ao menos legitimado –
imponham ou inculquem o habitus de sua ideologia, o que leva à sua reprodução pela
sociedade.

Acontece que essa violência simbólica, exercida no processo comunicativo-pedagógico,


produz seus efeitos apenas quando não se tem uma clara noção de que ela está sendo
exercida, ou seja, a autoridade pedagógica (AuP) inculca uma arbitrariedade cultural
através das AP sobre os receptores desse processo de imposição, sem que a própria AuP
tenha um conhecimento completo sobre os pressupostos dessas AP, isto é, a AuP possui
uma autonomia relativa sobre o processo de ensino-aprendizagem e o seu conteúdo
(Bourdieu; Passeron, 1996, p. 51-53).

A reprodução é efetivada, portanto, por uma autoridade que ou não tem noção sobre as
relações de força por trás das ações pedagógicas por ela praticadas ou tem uma noção,
mas esta não é muito clara nem objetiva. Logo, a própria AuP reproduz o habitus que
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lhe foi e que continua a lhe ser inculcado. E isso engloba todo o processo de
ensino-aprendizagem, vale dizer: a forma como o professor (AuP) trata o aluno,
afetivamente ou com distância, as repressões aplicadas para comportamentos indevidos
ou não tolerados em sala de aula, o conteúdo escolhido para ministrar, a maneira de
transmitir esse conteúdo e o modo de apurar a compreensão do conteúdo transmitido.

No caso jurídico isso é patente. Não só a maioria das escolas e faculdades de direito se
prendem ao dogmatismo, como também grande parte das (senão todas as) bancas de
concursos e de exames para o exercício da advocacia. Verifica-se, cada vez mais, o
apego ao conhecimento da literalidade da lei e até mesmo, embora ultimamente, ao
conhecimento dos julgados dos tribunais superiores – o que não seria propriamente um
apego ao dogmatismo, e sim ao casuísmo (embora a tradição no Brasil não seja
consuetudinária). Não é à toa que o grande filão do mercado editorial jurídico tem sido o
de manuais voltados para concursos e provas para o exercício da advocacia. Ademais,
deve-se observar como pulularam os cursos preparatórios.

Hoje, o conhecimento jurídico é medido pela quantidade de questões corretas, que


permitirá que o candidato atinja um percentual para que, só então, sua redação ou suas
questões discursivas sejam corrigidas; ou seja, avalia-se primeiro se o candidato sabe
marcar xis e preencher cartões, para só depois se descobrir – e isso quando há tal fase –
se ele é alfabetizado, se sabe escrever e articular argumentos com coerência e coesão.
Não há, pois, a requisição de uma postura crítica. Assim, a autoridade pedagógica é
levada a impor e inculcar, através de uma ação pedagógica, que é carregada de
violência simbólica, um habitus baseado no dogmatismo (e também no casuísmo)
jurídico. É dizer, a autoridade pedagógica ao realizar sua ação pedagógica empreende
um trabalho pedagógico, isto é: “(…) a AP implica o trabalho pedagógico (TP) como
trabalho de inculcação com uma duração suficiente para produzir uma formação
duradoura, ou seja, um habitus como produto da interiorização dos princípios de uma
arbitrariedade cultural capaz de se perpetuar quando terminada a AP e, deste modo, de
se perpetuarem nas práticas os princípios da arbitrariedade interiorizada” (Bourdieu;
Passeron, 1996, p. 72).

O próprio processo de reprodução do habitus tem duas consequências: inculca tanto no


educando quanto no educador o habitus. Existe, pois, uma atitude reflexiva – de reflexo
e não de reflexão – da autoridade pedagógica que ao transmitir o conteúdo de uma
maneira previamente estabelecida impõe a si própria essa repetição como a mais eficaz
ou a melhor, reproduzindo em si mesma o habitus ao reproduzi-lo para o educando.
“Desta forma, à medida que se realiza, o TP produz cada vez mais as condições objetivas
do desconhecimento da arbitrariedade cultural” (Bourdieu; Passeron, 1996, p.78).

A reprodução acaba sendo tão firme e duradoura que a pessoa se torna cultivada por
ela, de modo que toda deliberação sobre sua própria cultura, bem como todas as
perguntas sobre os princípios de sua educação, são fatores endógenos da educação que
ela própria recebeu (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 78).

Bourdieu e Passeron permitem afirmar, nesta linha de raciocínio, que como o processo
de inculcação é reproduzido desde o início da vida do sujeito, quando ele atinge a idade
adulta já é uma pessoa cultivada, e que repete os valores e os princípios que lhe foram
impostos e inculcados. Assim, o trabalho pedagógico, desenvolvido com o passar dos
anos, não faz outra coisa que legitimar tanto a AuP quanto a AP, fazendo com que a
cultura imposta não pareça arbitrária e o processo de ruptura dessa lógica seja
extremamente difícil.

Essa ocultação do arbitrário cultural através do TP tem no ensino obrigatório o seu


instrumento mais eficaz (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 82). Se, em geral, é na infância
que o indivíduo tem os seus primeiros contatos com o mundo e na adolescência que ele
consolida boa parte do que aprendeu e faz as escolhas práticas que determinarão a sua
vida adulta, estas fases seriam, então, as melhores para um processo mais eficaz de
inculcação de um arbitrário (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 87). Assim, quando a
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Constituição Federal (LGL\1988\3) estabelece em seu art. 208, I, que a educação básica
é obrigatória para os indivíduos que tenham entre 4 e 17 anos de idade, contribui para a
legitimação do arbitrário cultural. É esse singelo dispositivo que conjugado com o
conteúdo previamente estabelecido para ser ministrado aos educandos na referida faixa
etária que permite a reprodução de um habitus, que certamente terá um papel
preponderante nas escolhas práticas dos indivíduos.

Mas a realização de um trabalho pedagógico não ocorre tão somente através de uma
ação pedagógica específica e definida. Há ações pedagógicas – e elas são muitas – que
são anônimas e difusas (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 89); como ocorre, por exemplo,
com comemorações festivas como o Natal, a Semana Santa, o Carnaval, dentre outras.

No caso do direito, como houve a inculcação em algum momento da História e que até a
atualidade é reproduzida, seja porque tem lá sua eficácia seja por qualquer outro
motivo, de que é preciso leis (em seu mais amplo e genérico significado), escritas ou
consuetudinárias, para regulamentarem as condutas humanas e tribunais para
estabelecerem o seu juízo como o único válido para aqueles que não o tem, o habitus
reproduzido é o de que se deve recorrer às leis, e quando estas não servirem, aos
tribunais.

A inculcação de um arbitrário cultural, qualquer que seja ele, depende de um sistema de


ensino institucionalizado, que deve “ser capaz de produzir as condições institucionais de
produção de um habitus simultaneamente ao desconhecimento dessas condições” e de
reproduzir esse habitus de forma homogênea, duradoura e ortodoxa, o que é tanto mais
eficaz quando os agentes inculcadores têm “uma formação homogênea”, fazendo uso de
“instrumentos homogeneizados e homogeneizantes”, sistematizando, pois, o processo de
ensino-aprendizagem (Bourdieu; Passeron, 1996, p. 96-99). Em síntese, a reprodução
do habitus e o seu processo de inculcação devem se tornar uma rotina.
2.2 O habitus juridicizado

A rotina reprodutora-inculcadora do habitus baseado em um arbitrário cultural


pré-concebido é visível em duas tendências largamente adotadas no ensino jurídico: a
dogmática (comum nos países de tradição do direito escrito) e a casuística (comum nos
países de tradição do direito consuetudinário). Embora se tenha feito, recentemente,
incursões pedagógicas baseadas no estudo de casos (casuística), o modelo pedagógico
praticado na maioria das escolas de direito brasileiras é fortemente influenciado pelo
dogmatismo.

Há, aliás, a crítica reiterada de que os pressupostos do processo de formação do


estudante de direito estão ultrapassados. Argumenta-se que o conhecimento das
técnicas jurídicas e do ordenamento jurídico, sem haver uma leitura cruzada com outros
ramos do saber e com as práticas sociais, não basta (FRANCISCHETTO, 2010, p. 19).
Isto porque, o direito, enquanto fenômeno social, não se exaure em si próprio. Esse é o
modelo dogmático.

Leia-se: dogmático, e não positivista. Não se pode concordar com argumentos que
atribuam ao positivismo formulado por Kelsen o seu estabelecimento como modelo
predominante ou mesmo único do ensino jurídico, gravitando todo o conhecimento
jurídico em torno do direito positivo. A crítica é equivocada porque o modelo kelseniano
se refere a uma teoria pura – melhor seria dizer particular – do direito, e não ao direito
puro. A defesa de Kelsen sobre uma cientificidade do direito a partir de um corte
metodológico introduzido para separar o que era do que não era jurídico nunca foi uma
defesa de que o profissional do direito não devesse ter preocupações sobre os outros
campos do saber que são influenciados ou influenciam o direito, nem teve por escopo
reduzir a formação do estudante de direito ao mero conhecimento do sistema normativo.

Um argumento favorável ao jurista de Praga está no fato de que ao idealizar uma teoria
pura do direito ele pretendeu tão só conferir ao direito, enquanto objeto de um
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conhecimento científico, a almejada autonomia. Ou seja, realizou-se um corte


metodológico, estabelecendo uma diferença entre o método sociológico e o método
jurídico, já que todas as ciências sociais, e aí se inclui a ciência jurídica também, têm um
único objeto, distinguindo-se apenas pelo método pelo qual são estudadas (Treves,
1989, p. 186).

Ao realizar a diferenciação de métodos, Kelsen fez exatamente o que um pesquisador


faz: delimitar o campo de sua análise. Assim, ele afastou o erro muito comum,
abominado por especialistas em metodologia, de se elaborar uma pergunta sob viés
sociológico e respondê-la com uma construção jurídica (Kelsen, 1969, p. 569). Esse
esforço rendeu o isolamento, embora sem que fosse completo (Treves, 1989, p.
210-211), do objeto de estudo do direito enquanto conhecimento científico – como,
ademais, fazem todas as ciências, quando querem se afirmar autônomas. Mas rendeu
também interpretações equivocadas, dentre elas a de que aos operadores do direito
seria suficiente conhecer o objeto da ciência jurídica, isto é, os enunciados normativos
que permeiam os códigos e as leis.

Um primeiro motivo para o equívoco é de que Kelsen em sua obra reconhecia a


existência de uma pluralidade de ciências relacionadas com o direito, entre elas a
sociologia jurídica, como se pode tranquilamente observar na seguinte passagem do
autor: “Apenas na medida em que se atribui o caráter social a uma regra que expressa
um determinado comportamento similar dos homens em sua convivência, se pode
caracterizar como ciência social ou, se preferir, como sociologia, uma ciência que se
preocupa em determinar as regras da vida jurídica ou as regras jurídicas. Que uma
sociologia assim caracterizada seja teoricamente possível, assim como desejável para
explicar a convivência humana, não se vai colocar em dúvida. (…) Em todo caso, é
necessário deixar claro que uma sociologia do direito é essencialmente diferente, tanto
no que se refere ao objeto como ao método, de uma ciência do direito que tem como
tarefa conhecer o que de fato é senão o que deve ser conforme ao direito, isto é, uma
ciência valorativa e não explicativa, em outras palavras, uma ciência normativa do
direito. Naturalmente, não se pode falar de uma luta entre ambas as disciplinas no
sentido de que só uma delas seja possível e esteja justificada do ponto de vista geral do
conhecimento científico. Aponta-se que é simplesmente inadmissível que se produza
uma confusão na maneira de colocar os problemas que tem cada direção, ou em outras
palavras, há que se evitar o sincretismo dos métodos da ciência normativa do direito e
da sociologia explicativa do direito” (Kelsen, 1992, p. 214-215).

Outra razão que destaca o equívoco é o reconhecimento por Kelsen de que a eficácia do
ordenamento jurídico válido depende da vontade humana, um campo de estudo situado
além dos limites da construção jurídica (Kelsen, 1969, p. 591). Ora, numa ciência do
direito, na forma proposta por Kelsen, não se indagaria sobre os motivos de determinado
comportamento humano, ou ainda, porque o indivíduo agiu contra uma norma jurídica, e
sim se ele violou um preceito normativo, independente de suas motivações. Esse tipo de
pesquisa quanto às razões de um comportamento humano são estudados por outra
ciência que não o direito. Isso, aliás, ajuda a explicar a criação da norma hipotética
fundamental, separando aquilo que é jurídico daquilo que receberia uma influência de
fatores extrajurídicos.

A vontade humana está, portanto, estreitamente ligada com o direito. Entretanto, é um


elemento exógeno, vale dizer, que influencia o direito, mas que não pertence ao seu
objeto de estudo, não pelo menos quando se realiza um corte metodológico baseado em
um método jurídico (Kelsen, 1998, p. 1-2). Como há, em Kelsen, uma delimitação
metodológica que objetiva impedir a influência de outros métodos que não o jurídico no
estudo do objeto da ciência jurídica, fica evidente que esta ciência tem por objeto as
normas jurídicas, e que o estudo das condutas humanas, a partir do método jurídico, só
é possível se elas forem regulamentadas por normas jurídicas (Kelsen, 1998, p. 79).

Disso se depreende que o estudo científico do direito restringe-se às normas jurídicas.


Porém, ele não se reduz a isso. Ora, se o direito fosse restrito ao jargão técnico e às
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normas jurídicas, bastaria que, tendo ocorrido um fato já juridicizado em uma norma
jurídica, esta incidisse, gerando uma consequência jurídica. Disso se teria que apenas a
legislação criaria o direito e que a atividade jurisdicional seria meramente reprodutora.
Se esse fosse o raciocínio de Kelsen, aí sim dogmatismo e positivismo poderiam ser
utilizados como sinonímias. Porém, o próprio Kelsen defendia que não apenas a
atividade legisladora como a atividade jurisdicional criam o direito (2007, p. 251). Isso
explica porque não se pode forçar a extração de uma linha pedagógica de sua obra.

Pode-se, então, afirmar, agora com mais segurança, que o que se critica é o apego às
leis, o apego exclusivo à normatividade adotado pela pedagogia jurídica da tradição do
direito escrito. Mas também há que se criticar o seu oposto, o apego exclusivo à
casuística adotado pela pedagogia jurídica da tradição do direito consuetudinário. De um
e de outro lado, isto é, nos dois métodos principais da pedagogia jurídica, o dogmático e
o casuístico, quando puros ou mesmo preponderantes, tendem, respectivamente, ao
tecnicismo com o desconhecimento da realidade e à praticidade com o desconhecimento
da teoria.

Sem dúvida, o método dogmático nasceu fortemente influenciado pelo positivismo


jurídico (Villoro Toranzo, 1983, p. 370), mas não se encontra, no caso do ensino jurídico,
sob seus auspícios. A dogmática se ocupa de ensinar o direito legislado. O problema é a
sua adoção pura, já que é importante, para a formação dos operadores do direito, o
conhecimento da teoria e da técnica jurídicas, mas não só. Deve-se, pois, reformular o
método. De outro ponto, vê-se o método casuístico, que se baseia na jurisprudência e no
direito consuetudinário. Por este método, cuida-se da análise crítica dos votos judiciais,
ou seja, não se restringe à memorização dos casos judiciais, mas também em sua
crítica. Nele, a formação do estudante de direito é voltada para a prática, sem, no
entanto, permitir ao aluno adquirir um conhecimento jurídico, teórico e técnico: o
método tende a formar um especialista prático, sem lhe dar bases para um
conhecimento mais amplo, que lhe possibilite solucionar outros problemas fora da
casuística (Villoro Toranzo, 1983, p. 372-373). Trata-se de um método que também
deve ser reformulado.

A simples fusão das melhores características de ambos os modelos geraria um


Frankenstein que provavelmente sairia do controle de seu criador e não traria resultados
muito agradáveis. É preciso, então, buscar um equilíbrio que se baseie não apenas na
evolução seletiva das características mais úteis, mas também num processo de mutação
que agregue novas características, também marcadas pela utilidade, produzidas pelos
vários atores do processo de ensino-aprendizagem jurídico.
2.3 O habitus revisitado

O movimento pela busca desse equilíbrio completa-se pela pedagogia histórico-criticista.


Um dos defensores dessa concepção é Dermeval Saviani, que, ao justificar o nome com
que batizou a sua escola pedagógica, afirma-o como a etapa seguinte de uma evolução
das ideias pedagógicas (2003, p. 69). Contudo, não se pode esquecer que toda evolução
baseia-se tanto na crítica feita pela concepção anterior quanto na deficiência revelada
por esta concepção, absorvendo elementos do que lhe é anterior. A pedagogia
savianiana não seguiu trilha diferente. Há que se considerar, pois, a pedagogia
histórico-criticista como complementar à pedagogia crítico-reprodutivista.
Reconhecimento, aliás, dado por Saviani, quando afirma que a visão
crítico-reprodutivista ajudou a impulsionar a crítica à pedagogia tecnicista (2003, p. 66).

“Progressivamente, no entanto, foram tornando-se cada vez mais evidentes os limites da


teoria crítico-reprodutivista. Ela revela-se capaz de fazer a crítica do existente, de
explicitar os mecanismos do existente, mas não tem proposta de intervenção prática,
isto é, limita-se a constatar e, mais do que isso, a constatar que é assim e não pode ser
de outro modo” (Saviani, 2003, p. 67).

Assim, pode parecer, a princípio, que Saviani enxergue na crítica de Bourdieu e


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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

Passeron, uma crítica pela crítica, sem o oferecimento de nenhuma alternativa. E isso
não decorre de interpretação equivocada da obra de Saviani, mas de uma incongruência
nela mesma presente.

Primeiro ele critica a concepção crítico-reprodutivista como uma concepção que, além de
combater qualquer proposta pedagógica que se apresente, não apresenta a sua própria
(Saviani, 2003, p. 91). Depois ele próprio destaca que o conceito de habitus seria
equivalente ao conceito de “segunda natureza” que ele utiliza para explicar a sua própria
concepção de educação (Saviani, 2003, p. 137): “(…) a compreensão da natureza da
educação enquanto um trabalho não material, cujo produto não se separa do ato de
produção, permite-nos situar a especificidade de educação como referida aos
conhecimentos, ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de
elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo singular, na forma
de uma segunda natureza, que se produz, deliberada e intencionalmente, através de
relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens”
(Saviani, 2003, p. 22).

Vê-se, então, que a partir daí Saviani criticaria o crítico-reprodutivismo como uma
concepção que combateria qualquer concepção pedagógica porque todas elas
inculcariam um arbitrário cultural e que por isso mesmo não apresentaria uma
alternativa. E, no entanto, apesar de criticar, Saviani se utilizaria do principal aspecto da
concepção crítico-reprodutivista – o habitus – para formular as bases de sua teoria.
Seria um contra-senso, se Saviani realmente defendesse isso.

Fazer esse tipo de leitura da obra savianiana revelaria falta de atenção à crítica por ele
feita. E isso por conta de pelo menos dois motivos. Um é o reconhecimento pelo autor de
que o tradicional não se confunde com o clássico – enquanto aquele deve ser superado
porque ultrapassado, este deve ser mantido porque proveitoso; assim, avalia Saviani, há
certas características e funções escolares que não podem ser afastadas senão haveria
uma inversão no sentido e no papel desempenhado pela escola (Saviani, 2003, p.
101-102). Outro motivo é que Saviani emprega o habitus com dois sentidos distintos.
Um primeiro sentido de habitus é aquele que engloba os conteúdos essenciais, nucleares
ou principais da escola. Este habitus aproveita o que é clássico na escola, ou seja, o que
é pressuposto para um desenvolvimento histórico-crítico. Dito de outra maneira é
preciso conhecer bem o objeto criticado para que se possa criticá-lo. Eis o primeiro
sentido de habitus na pedagogia de Saviani e que, aliás, é muito próximo ao habitus
descrito por Bourdieu.

Trata-se, portanto, de conhecer o currículo, “o conjunto das atividades nucleares


desenvolvidas pela escola”, e diferenciá-lo do que é extracurricular, isto é, daquilo que
serve para “enriquecer as atividades curriculares próprias da escola, não devendo em
hipótese alguma prejudicá-las ou substituí-las” (Saviani, 2003, p. 16). Nota-se,
portanto, que a pedagogia histórico-criticista não procura romper com o que lhe é
anterior. Há um reconhecimento de que aquilo que é clássico na escola deve ser
mantido.

“Ora, clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim


a atingir. É aí que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas
de organização do conjunto das atividades da escola, isto é, do currículo. E aqui nós
podemos recuperar o conceito abrangente de currículo: organização do conjunto das
atividades nucleares distribuídas no espaço e tempo escolares. Um currículo é, pois, uma
escola funcionando, quer dizer, uma escola desempenhando uma função que lhe é
própria” (Saviani, 2003, p. 18).

É aquilo a que se denomina de “saber escolar”. No sentido de que há um habitus escolar


que deve ser dominado. Vale dizer, o automatismo viabilizado pela
transmissão-assimilação de um saber já sistematizado deve ser inculcado no indivíduo
para que ele domine determinados mecanismos essenciais do processo de
ensino-aprendizagem; com o domínio adquirido sobre o que é nuclear, a pessoa se torna
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

livre por ter adquirido uma habilidade (Saviani, 2003, p. 18-20). Duas habilidades
adquiridas por este habitus inculcado são esclarecedoras: saber ler e saber escrever. Um
sujeito só aprende a ler ou a escrever depois que automatiza determinados atos, isto é,
depois que repete inúmeras e constantes vezes os atos necessários à interiorização das
habilidades que permitem a leitura e a escrita: “o trabalho educativo tem que se
desenvolver num tempo suficiente para que as habilidades, os conceitos que se pretende
sejam assimilados pelos alunos, de fato, convertam-se numa espécie de segunda
natureza” (Saviani, 2003, p. 126-127).

Assimiladas as habilidades e os conceitos, o indivíduo atinge um ponto de


irreversibilidade, em que independente de quanto tempo fique sem ler ou sem escrever
não perderá tais habilidades porque elas já passaram a fazer parte dele próprio. Há,
pois, a necessária aquisição, internalização de um habitus: “a interiorização da
exterioridade e a exteriorização da interioridade” (Wacquant, 2007, p. 8), geralmente
por um processo pré-concebido, deliberado e sistemático. Desse habitus, portanto, a
escola não pode fugir, vale dizer, há um mínimo de arbitrário cultural que deve ser
inculcado e, assim, adquirido.

Um segundo sentido de habitus utilizado por Saviani é contrário ao mecanicismo da


reprodução necessária do habitus mínimo. É esse ponto que diferencia a pedagogia
histórico-criticista da pedagogia crítico-reprodutivista. Enquanto esta considera uma
relação unidirecional em que a sociedade implica a educação, determinando-a de forma
absoluta, aquela traz uma dupla implicação, que é bidirecional ou recíproca, ou seja, a
sociedade implica a educação e a educação implica a sociedade, uma interferindo na
outra, uma determinando a outra (Saviani, 2003, p. 92-93).

Trata-se, portanto, de um habitus de transformação, diferente daquele primeiro habitus


caracterizado pela manutenção. Ou seja, o que Saviani propõe é a passagem do
mecanicismo para o dialeticismo no ensino.

“Em suma, a passagem da visão crítico-mecanicista, crítico-aistórica, para uma visão


crítico-dialética, portanto histórico-crítica, da educação, é o que queremos traduzir com
a expressão pedagogia histórico-crítica. Esta formulação envolve a necessidade de se
compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência,
a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo
compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua
perpetuação. Este é o sentido básico da expressão pedagogia histórico-crítica. Seus
pressupostos, portanto, são os da concepção dialética da história” (Saviani, 2003, p.
93).

Portanto, a pedagogia histórico-criticista parte do crítico-reprodutivismo e vai além dele


ao apresentar alternativas. Só que Saviani não apresenta as alternativas, e sim fornece
um método para que essas alternativas sejam construídas no processo de
ensino-aprendizagem, de maneira bidirecional – da escola para a sociedade e da
sociedade para a escola, do professor para o aluno e do aluno para o professor, e da
teoria para a prática e da prática para a teoria.

“Com efeito, a pedagogia crítica implica a clareza dos determinantes sociais da


educação, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a
educação e, consequentemente, como é preciso se posicionar diante dessas contradições
e desenredar a educação das visões ambíguas, para perceber claramente qual é a
direção que cabe imprimir à questão educacional” (Saviani, 2003, p. 100).

A preocupação com a questão do método é bem clara na pedagogia savianiana. Mas não
do método em si – ou seja, do método pelo método –, e sim do método em sua relação
com o conteúdo, isto é, como transmitir o conteúdo de uma maneira que não seja
mecanicista? Na verdade, a pergunta exata seria como transmitir o conteúdo de uma
maneira que não seja completamente mecanicista?

Se o processo pedagógico “é o processo através do qual o homem se torna plenamente


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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

humano”, vale dizer, é introduzido na cultura que o rodeia (Saviani, 2003, p. 75), então
há uma fase do ensino-aprendizagem que é necessariamente mecanicista. Aprender a
ler, a escrever é, em si, uma atividade mecanicista. Mas, e depois? E depois que essas
habilidades são adquiridas? Será que é preciso perpetuar um habitus que se baseia na
repetição para a interiorização?

“É nesse contexto que emerge a pedagogia histórico-crítica como uma teoria que
procura compreender os limites da educação vigente e, ao mesmo tempo, superá-los por
meio da formulação dos princípios, métodos e procedimentos práticos ligados tanto à
organização do sistema de ensino quanto ao desenvolvimento dos processos
pedagógicos que põem em movimento a relação professor-alunos no interior das
escolas” (Saviani, 2003, p. 119).

Isso tudo deixa muito claro o novo sentido que Saviani dá ao habitus: não mais um
saber acabado, mas um saber em processo, em constante construção, em evolução
histórica, um processo de ensino-aprendizagem em constante mutação para atender à
sociedade e também para mudá-la (Saviani, 2003, p. 78 e 94). E isso pode ser bem
demonstrado na relação-distinção estabelecida por Dermeval Saviani entre o aluno
concreto e o aluno empírico: “Mostro o aluno concreto e apresento o concreto como a
síntese de múltiplas determinações definidas enquanto relações sociais. Portanto, o que
é do interesse deste aluno concreto diz respeito às condições em que se encontra e que
ele não escolheu. (…) Então, os educandos, enquanto concretos, também sintetizam
relações sociais que eles não escolheram. Isto anula a ideia de que o aluno pode fazer
tudo pela sua própria escolha. Essa ideia não corresponde à realidade humana. Daí a
grande importância de distinguir, na compreensão dos interesses dos alunos, entre o
aluno empírico e o aluno concreto, firmando-se o princípio de que o atendimento aos
interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto. O
aluno empírico pode querer determinadas coisas, pode ter interesses que não
necessariamente correspondem aos seus interesses, enquanto aluno concreto. É neste
âmbito que se situa o problema do conhecimento sistematizado, que é produzido
historicamente e, de certa forma, integra o conjunto dos meios de produção. Esse
conhecimento sistematizado pode não ser do interesse do aluno empírico, ou seja, o
aluno, em termos imediatos, pode não ter interesse no domínio desse conhecimento,
mas, a meu ver, ele corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois,
enquanto síntese das relações sociais, ele está situado numa sociedade que põe a
exigência do domínio deste tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da
educação viabilizar o acesso a este tipo de saber” (Saviani, 2003, p. 143-144).

Nessa relação-distinção entre o aluno concreto e o aluno empírico que se podem


vislumbrar os dois sentidos do termo habitus utilizados por Saviani. Então existe um
hiabitus de manutenção e um habitus de transformação. Ou, sob outro aspecto, um rol
de “atividades essenciais que a escola não pode deixar de desenvolver, sob pena de se
descaracterizar, de perder a sua especificidade” e um rol de atividades que enrique essas
atividades essenciais (SAVIANI, 2003, p. 102). Enfim, há um currículo que contempla as
atividades essenciais e, assim, um habitus de manutenção, e há um extracurrículo que
permite a realização de atividades enriquecedoras, permitindo, assim, um habitus de
transformação.
2.4 Um novo habitus jurídico

De tudo o que nesta primeira parte se chamou de embasamento teórico pode-se extrair
que a crítica ao habitus do ensino jurídico na atualidade parte não da substituição de
habitus, mas da complementaridade entre o habitus da manutenção – que no direito é
representado pelo aprender a pensar juridicamente, pelo domínio dos institutos e pelo
domínio dos conceitos jurídicos – e o habitus da transformação – representado pelas
atividades enriquecedoras e agregadoras que permitem ao estudante de direito uma
visão para além da cultura estritamente jurídica. Uma visão mais ampla e mais aberta,
simultaneamente técnica e prática.
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

Por isso a crítica se dirige não apenas à dogmática como também à casuística, pois se
uma restringe o conhecimento prático, a outra limita o conhecimento teórico. Mas não se
pode também pretender elaborar um método misto em que simplesmente se alia a
teoria à prática, sem que os sujeitos do processo entendam muito bem para quê serve
essa relação. Tal hipótese configuraria, ainda assim, um habitus de manutenção, em que
se repetiria mecanicamente um determinado método de ensino-aprendizagem. E isso, na
prática, é mais comum do que se imagina, já que os sujeitos creem que estão praticando
um habitus de transformação – isto é: há um habitus de transformação putativo.

As divagações teóricas produzidas nesta primeira parte do estudo permitem que sejam
analisados muito mais criticamente os métodos usados nos processos de
ensino-aprendizagem jurídico, com o intuito de desmascarar práticas mecanicistas
fantasiadas de críticas. Sempre tendo em mente, no entanto, que no direito, assim como
em outras áreas do conhecimento, há certos atos que precisam ser interiorizados a partir
de um processo automatização, bem assim institutos e conceitos que por serem básicos
devem ser interiorizados. O que não se pode admitir é que o ensino jurídico se limite a
isso.
3. Da manutenção do habitus à sua transformação

Apresentadas as perspectivas teóricas deste trabalho, esta segunda parte se ocupa de


duas análises que permitem a construção de um novo modelo de ensino jurídico. As
análises separam o habitus em três. No habitus de manutenção, ou crítico-reprodutor, é
avaliada a necessidade de permanência de um núcleo de reprodução, isto é, aquilo a que
Saviani chama de saber ler e saber escrever aplicado ao direito. No habitus de transição
são analisadas algumas práticas de ensino jurídico disponíveis na literatura, a fim de
demonstrar que nem tudo pode ser visto como possuindo uma força transformadora de
um habitus fortemente arraigado, como é o caso do habitus do ensino jurídico. Por fim,
no habitus de transformação, ou histórico-crítico, são feitas análises, baseadas na
fundamentação construída no trabalho, que permitem a formulação de um modelo novo
para o ensino jurídico.
3.1 O habitus de manutenção

Pois bem. Em 1955, na aula inaugural dos cursos da Faculdade Nacional de Direito, San
Tiago Dantas pronunciou-se sobre a crise brasileira da educação jurídica. A certa altura
de sua intervenção o jurista afirma que a crise se deve, em grande parte, “ao
alheamento e à burocratização estéril das nossas escolas, que passaram a ser meros
centros de transmissão de conhecimentos tradicionais” (2009, p. 14). A crítica de San
Tiago Dantas, já contundente àquela época continua válida na atualidade e muito mais
séria, haja vista que passado mais de meio século, o ensino jurídico ainda continua em
crise: “O ponto de onde, a meu ver, devemos partir, nesse exame do ensino que hoje
praticamos, é a definição do próprio objetivo da educação jurídica. Quem percorre os
programas de ensino das nossas escolas, e sobretudo quem ouve as aulas que nelas se
proferem, sob a forma elegante e indiferente da aula-douta coimbrã, vê que o objetivo
atual do ensino jurídico é proporcionar aos estudantes o conhecimento descritivo e
sistemático de instituições e normas jurídicas. Poderíamos dizer que o curso jurídico é,
sem exagero, um curso de institutos jurídicos, apresentados sob a forma expositiva de
tratado teórico-prático” (San Tiago Dantas, 2009, p. 16).

A crítica revela que o modelo tradicional de ensino jurídico adota uma postura bancária,
em que o professor, meditando em voz alta, determina aquilo que ele julga que o aluno
deva aprender, doando parte de seu conhecimento, que deverá ser absorvido e repetido
pelo discente (Freier, 1987, p. 58). Trata--se do mais perfeito meio de inculcar um
habitus de manutenção cultural preestabelecido. O aluno não aprende a pensar, nem a
raciocinar juridicamente, e sim recebe um conhecimento já elaborado: “a didática
tradicional parte do pressuposto que, se o estudante conhece as normas e instituições,
conseguirá, com seus próprios meios, com a lógica natural do seu espírito, racionar em
face de controvérsias que lhe sejam amanhã submetidas” (San Tiago Dantas, 2009, p.
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

17). O resultado disso é que a maioria dos estudantes de e formados em direito fica à
deriva, esperando que lhe seja entregue um conhecimento pronto, uma resposta
definitiva.

Criticar o habitus de manutenção não é tarefa fácil. Até porque, como o próprio nome
leva a crer, a manutenção é necessária para que as bases do conhecimento jurídico
sejam fundadas. O que se critica no modelo tradicional do ensino jurídico é o excessivo
apego à exposição de conteúdos que devem ser reproduzidos pelo estudante. Critica-se
um ciclo vicioso que indica “(…) o caminho enviesado a seguir: uma postura dogmática
dos professores e uma postura alienada dos alunos, em favor de um contexto dominador
excludente e díspar da realidade social. Então, ‘em face um ensino jurídico que não
constroi novos saberes, mas apenas reproduz um Direito que a muito nos foi ‘dado’,
tem-se, por um lado, ‘um Direito distante da realidade, que não participa da vida, e, de
outro, uma sociedade que passa por uma evolução paradigmática de valores’” (Martínez,
2000, p. 178).

Dito de outra maneira, o apego à necessidade de que os alunos conheçam exatamente o


que está escrito na legislação, as definições ou concepções majoritariamente adotadas e
o que os principais tribunais pensam, absorvendo esse conhecimento sem saber de onde
ele vem, porque ele é assim e como relacioná-lo com questões que lhes sejam postas
em suas vidas profissionais, mas que não foram abordadas pelos professores e nem se
encontram nos livros jurídicos.

Não que a apreensão de institutos jurídicos, de normas jurídicas e de decisões judiciais


não seja importante. Ela é importantíssima. Só que é insuficiente. Uma pedagogia
jurídica fundada em tal método leva à formação de um operador do direito que consegue
operar apenas leis, códigos e jurisprudências, mas não sabe criar teses jurídicas que
possam atender da melhor forma uma consulta que lhes é feita. Esses estudantes,
formados segundo uma concepção bancária, são aqueles que, grosso modo, diante de
conceitos jurídicos indeterminados, de gráficos e de mapas, ficam sem saber o que
fazer.

O ensino necessário dos conceitos e dos institutos básicos é ainda hoje quase que
totalmente expositivo e sistemático, sem que se ofereça ao estudante a possibilidade de
aprender a pensar e a raciocinar juridicamente, e a treinar esse raciocínio e
desenvolvê-lo, a fim de que possa surpreender em qualquer situação que lhe seja
apresentada, e não que seja surpreendido por aquelas que lhe forem ofertadas. Nos idos
de 1955, San Tiago Dantas havia notado exatamente esse problema: “O ensino é hoje
quase cem por cento sistemático e expositivo, sob a forma que os ingleses denominam
text system. Os casos são ilustrações esporádicas, apresentações sintéticas de decisões,
cuja gestação lógica no espírito do juiz, o mestre mal tem oportunidade de analisar”. “A
nova didática, pelo contrário, inverteria as proporções. O estudo assumiria a forma
predominante do case system, que não é como muitos pensam, estritamente
dependente da práxis anglo-americana dos precedentes judiciais. O objetivo primordial
do professor, a que ele passa a dedicar o melhor do seu esforço, não é a conferência
elegante de cinquenta minutos sobre um tópico do programa, mas a análise de uma
controvérsia selecionada, para evidenciação das questões nela contidas e sua boa
ordenação para o encontro de uma solução satisfatória; o estudo do raciocínio em cada
uma e suas peripécias; o preparo da solução, com a consulta não só das fontes
positivas, como das fontes literárias e repertórios de julgados; e, afinal, a crítica da
solução dada, com o cotejo das alternativas”. “O estudo das normas e instituições viria
em segundo plano, reclamado pela elaboração dos casos, e suprido em grande parte
pela leitura de livros, que dispensam a concorrência das preleções do professor” (2009,
p. 18).

Mas a adoção do case system ou case method, também chamado de casuístico, é o


mesmo que trocar um modelo tradicional por outro: troca-se o dogmático pelo estudo de
casos. Secundarizar o estudo de normas, conceitos e instituições jurídicas, e dar
prioridade ao estudo de caso não consiste em transformação alguma do modelo
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

tradicional.

Talvez uma integração equilibrada entre o modelo casuístico e o dogmático, de modo


que cada um prevaleça onde seja necessário, mas sem descuidar da formação teórica e
prática do estudante, incluído o modo jurídico de raciocinar, se constitua em um primeiro
passo para o abandono do habitus de manutenção, abandonando-se, pois, a reprodução
de práticas de ensino que já são insuficientes para o processo de ensino-aprendizagem
jurídico. Abandono este que resultaria, mais cedo ou mais tarde, na adoção de um
habitus de transformação.

Um habitus de transformação seria, pois, aquele em que se conduziria o


ensino-aprendizagem por um caminho nem excessivamente dogmático, nem casuístico
por excesso. Um modelo, enfim, equilibrado e dinâmico. Mas não só. A transformação,
ou seja, o abandono do crítico-reprodutivismo só ocorrerá quando o ensino jurídico
ampliar o foco, inserindo-se de uma vez na era tecnológica – com o uso das ferramentas
já disponíveis, a fim de, por exemplo, continuar os debates que, certamente extrapolam
os limites temporais das salas de aula –, permitindo que o profissional tenha uma
formação humanística – isto é: que o seu aprendizado não se limite a apenas institutos,
conceitos e peças jurídicos, mas vá além, trazendo para o seu quotidiano conhecimentos
de ciência política, sociologia, antropologia, biologia, medicina, estatística, economia,
literatura, dentre outras possibilidades – e, também, possibilitando que, ao mesmo
tempo em que se tenha um profissional completo, este possa se especializar, obtendo
não apenas o título de bacharel ou bacharela em direito, como também o título de
especialista, por exemplo, em direito empresarial, em psicologia jurídica, em perícia
criminal, em pedagogia jurídica.

Portanto, são duas as fases para que se possa sair do habitus de manutenção e atingir o
habitus de transformação. A primeira fase pertence àquilo a que se pode chamar de
habitus de transição e consiste exatamente em promover um equilíbrio entre os métodos
tradicionais (dogmático e casuístico) de ensino--aprendizagem. A segunda fase se insere
no habitus de transformação, não só atualizando o ensino jurídico, como também
permitindo a formação de um profissional mais completo e ao mesmo tempo
especializado.
3.2 O habitus de transição

Assim, no caminho de um novo modelo de ensino jurídico, outra coisa não pode ser feita
senão a análise de experiências pedagógicas na prática do ensino-aprendizagem jurídico.
Há que se demonstrar, então, através da análise crítica de algumas práticas, primeiro o
habitus de transição e, depois, o habitus de transformação.

O habitus de transição consiste nas práticas que permitem a apreensão e a compreensão


dos conteúdos básicos (conceitos e institutos) do direito através de técnicas e de
métodos clássicos que, por algum motivo, foram postos de lado por técnicas e por
métodos que se tornaram tradicionais. Trata-se, pois, da superação pelo clássico do
tradicional. Um passo muito importante para a instalação e para a efetivação de um
habitus de transformação.

Um mecanismo que possibilita essa superação é a pesquisa. Trata-se de uma técnica


clássica de aprendizagem. Instrumento clássico que visa tirar o estudante de sua
cômoda posição de receptor e reprodutor de conhecimentos, para colocá-lo como sujeito
crítico de seu próprio aprendizado. A pesquisa, como ferramenta de aprendizagem, deve
ser relacionada com o ensino, de modo que enquanto o professor ensina os conceitos e
os institutos básicos do direito, o aluno realiza pesquisas para aprofundá-los: “O ensino
com pesquisa é uma estratégia de ensino e aprendizagem que insere a pesquisa no
cotidiano da sala de aula, fazendo com que seus fundamentos associem-se aos do
ensino” (Oliveira; Esteves, 2010, p. 106).

A pesquisa, individual ou coletiva, é uma técnica clássica de aprendizagem. Trata-se de


um pressuposto tanto para que o docente possa ensinar quanto para que o discente
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

possa aprender. Todavia, infelizmente, professores e alunos têm se acomodado e posto


de lado essa prática necessária: estes não são devidamente incitados a pesquisar ou não
podem sê-lo em virtude das práticas institucionais; aqueles, em geral, se acomodam
com um plano de curso que sempre obteve êxito, e adotando, por vezes, um manual
clássico, ou exercem o magistério como atividade complementar, para renda ou para
marketing pessoal, não se preocupando em desenvolver pesquisas. Os professores
deveriam estar em constante pesquisa, para se atualizarem legislativa, jurisprudencial e
doutrinariamente, sem que seja necessário criar novas teses, e sim adequar o modo de
ver as coisas, de ensiná-las, de demonstrá-las à realidade, de trazer novos pontos de
vista, novas maneiras de se ver os conceitos e institutos, novas inter-relações. E os
alunos, por sua vez, deveriam ser incitados à pesquisa, tanto faz se teórica ou prática,
para relacionar conhecimentos e para fazer experiências, a fim de que possam escolher
em que área irão se especializar, concentrar mais os seus esforços.

Quando se recupera a pesquisa como prática de aprendizagem continuamente aplicada,


o que se tem é um habitus de transição, em que se busca retomar práticas clássicas
enterradas pelo tradicionalismo. É necessário que a instituição instigue, dê o exemplo,
forneça bolsas de pesquisa ou de estudos em número razoável (não em número
diminuto), dê apoio ao aluno pesquisador, e não apenas ao aluno com melhores notas, e
apoie também o professor pesquisador, oferecendo-lhe salários que justifiquem a
pesquisa, e não como atualmente se verifica, os que justifiquem o magistério como
atividade meramente complementar.

É preciso, no entanto, tomar cuidado para que a pesquisa não seja uma mera
reprodução. Há, por exemplo, uma forte tendência dos pesquisadores – melhor seria
dizer compiladores ou citadores – em repetir argumentos de autoridade, sem apresentar
sequer seu posicionamento crítico quanto a eles, que dirá um posicionamento próprio. A
atividade compiladora ocorre, em geral, por uma exiguidade de tempo, já que se requer
cada vez mais uma maior produção em menor tempo, e por uma falta de
amadurecimento de ideias. É a cultura da quantidade, fomentada pelos próprios órgãos
de educação e cultura, em detrimento da qualidade.

Outro mecanismo de superação do tradicionalismo é a oficina jurídica, isto é, uma oficina


de redação aplicada ao direito. Através dessa prática procura-se estimular o aluno a
pensar juridicamente a partir de situações-problema didaticamente adaptadas. Trata-se
de uma prática clássica consistente no treinamento do discente, na repetição da
resolução de problemas distintos, embora com raciocínios de solução muito parecidos,
senão iguais. É uma prática tão antiga e que produz tantos bons resultados que é
utilizada até hoje na matemática, por exemplo: quanto maior o número de problemas
resolvidos pelo estudante, mais ele fica familiarizado com a teoria e com as fórmulas.

Tal instrumento de aprendizagem envolve, em tese, os aspectos da pesquisa. Ao ser


posto diante de uma situação-problema, o discente deve, além de elaborar uma fórmula
(a petição inicial, a peça de defesa, a petição recursal, a sentença, o acórdão etc.),
pesquisar legislação, jurisprudência ou doutrina, a fim de embasar a tese a ser defendida
para solucionar da melhor maneira possível o problema. Assim, o papel do professor é
ensinar a teoria, cabendo ao aluno realizar pesquisas para defender suas teses e repetir
a confecção das peças, a fim de que se familiarize com seus aspectos essenciais.

Não se sabe bem o porquê, mas há uma crença generalizada de que o estudante de
direito só precisa, ou precisa com mais urgência, desenvolver habilidades e atitudes
relacionadas à redação de peças jurídicas, argumentando-se que a resolução de
problemas através de oficinas jurídicas deve ocorrer durante todo o curso de direito, e
que “o momento mais significativo para elaborar um documento jurídico típico do
operador do Direito será quando este conteúdo teórico estiver sendo apresentado aos
alunos” (PEDRA; DIOGO, 2010, p. 39). O fato é: a oficina jurídica é um instrumento de
repetição que visa desenvolver e aperfeiçoar o raciocínio rápido e lógico do estudante de
direito (ZENKNER, 2010, p. 94). Sim, com repetição e treinamento a tendência é que o
raciocínio se torne mais rápido, até porque resolver 300 problemas que envolvam
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

tabela--verdade ou análise combinatória também aguça o raciocínio, tornando-o mais


rápido.

Verifica-se, portanto, que a oficina jurídica não transforma o ensino jurídico, sendo,
muito mais uma maneira de promover uma transição entre o habitus de manutenção e o
habitus de transformação.

Além disso, há que se destacar o desenvolvimento de apenas um tipo de habilidade e


atitude, deixando-se à deriva outros tipos. Tipos interessantes e necessários como o
treinamento da oratória, o conhecimento de contabilidade e de estatística, o
planejamento financeiro e tributário, o gerenciamento de escritório de advocacia e de
processos e o marketing jurídico, para ficar em alguns exemplos que são, quando são,
comparativamente, pouco desenvolvidos e visados. Se o objetivo é formar um
profissional mais completo, não se pode abrir mão dessas e de outras habilidades e
atitudes.

Terceiro instrumento que promove o afastamento de métodos tradicionais, pelo menos


no que se refere ao dogmatismo, é o estudo de caso. Trata-se de estratégia que é o
carro-chefe do ensino jurídico nos países de tradição do direito consuetudinário. O que
há aí é a importação de uma estratégia. A adoção conjugada e equilibrada do
dogmatismo com a casuística é louvável e representa um forte candidato a dar um
pontapé rumo a um novo modelo de ensino jurídico. No entanto, a simples cumulação
entre práticas comuns e por vezes vitoriosas de uma e de outra tipologia não é
suficiente, é preciso que se inclua um elemento que seja diferenciador.

Elementos diferenciadores podem ser, por exemplo, o estudo comparado de sistemas


legais, a observação comparada de soluções dadas por tribunais nacionais distintos para
casos muito parecidos, o contato com outros idiomas (como o inglês, muito utilizado no
meio jurídico). O estudo de casos, desde que sejam casos reais, permite que Tício,
Mélvio, Semprônio e o juiz Hércules se transformem em sujeitos de carne e osso,
abandonando-se aquilo a que se chama text system e adotando-se o case system. Isso é
um avanço em relação ao tradicionalismo dogmático, já que permite ao estudante
perceber que o direito não está apenas nas normas jurídicas positivadas, mas também
nas soluções de casos pela jurisprudência – que o direito é dinâmico, não estático.

O estudo de casos pode ocorrer de diversificadas formas. A mais conhecida é o estudo


de leading cases, isto é, de julgados que inauguram um determinado entendimento. Isso
ocorre, por exemplo, quando se utiliza o caso Marbury vs. Madison para estudar o
controle de constitucionalidade (COLNAGO, 2010). Mas também é possível estudar casos
anônimos, a fim de demonstrar como os institutos e os conceitos jurídicos são aplicados
na prática (OLIVEIRA; KLIPPEL, 2010). Os casos podem, ademais, ser lidos, ouvidos ou
vistos, já que existem gravações, por exemplo, de julgamentos e filmes que retratam
algum caso. No final das contas, a finalidade é a mesma de um estudo de caso
convencional: exemplificar. E se o aluno não realiza pesquisas ou leituras prévias,
limitando--se apenas às anotações de aula e a eventuais experiências de vida, o
resultado não é muito animador. De qualquer forma, o uso de recursos audiovisuais
permite o que um estudo de caso normalmente não faz: a interdisciplinaridade.
Interrelação esta que permite que sejam mais bem compreendidos os conceitos e os
institutos jurídicos, normalmente a partir de seu relacionamento com outros campos do
conhecimento. Essa, sim, talvez seja uma prática transformadora, desde que não seja
esporádica.

Um bom mecanismo de superação envolveria o estudo de caso com a oficina jurídica,


que traz a reboque a necessidade de pesquisa. Tem-se a notícia que já há faculdades de
direito que, ainda que timidamente, têm desenvolvido práticas de aprendizagem desse
tipo. Uma delas é o Formando Soluções implantado pela Faculdade de Direito de Vitória
em 2009, como prática diversificada de avaliação dos discentes do último período do
curso. Trata-se de interessante mecanismo de transição e que poderá, a depender de
seu desenvolvimento futuro, consistir em um instrumento de transformação do ensino
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

jurídico. Em breve síntese, o Formando Soluções consiste em um caso elaborado pelos


professores e possível de ocorrer na prática, de modo que os alunos deverão, através de
pesquisas, estudá-lo e elaborar uma peça jurídica (em geral, um parecer), que forme
uma solução, juridicamente possível e condizente com os interesses do cliente fictício,
para o problema; cliente este que, antes da data marcada com os seus advogados para
a apresentação da solução de seu impasse, lhes apresenta um elemento novo, um
“elemento surpresa”, que poderá modificar a solução criada (Miguel; Motta, 2010, p.
116-121).

No entanto, o Formando Soluções padece de algumas limitações que parecem entravar o


seu desenvolvimento como um verdadeiro mecanismo de transformação do habitus
jurídico. Em primeiro lugar, trata-se de uma prática esporádica, ou melhor: que é
aplicada apenas aos discentes do último semestre do curso, envolvendo o conteúdo das
disciplinas que eles estudaram durante todo o curso, enfocando principalmente o
conteúdo do último período letivo (MIGUEL; MOTTA, 2010, p. 115). Apesar da meritória
interdisciplinaridade entre as matérias do curso – o que é necessário –, a aplicação
restrita aos discentes do 10.º período e o caráter nitidamente substitutivo da atividade –
que entra no lugar da última prova bimestral – isola uma prática que deveria contemplar
toda a graduação, ou pelo menos os dois últimos anos, a fim de formar um profissional
mais completo, que saiba pensar e raciocinar juridicamente, e não apenas aplacar uma
angústia que se verifica no último período do curso.

Em segundo lugar, trata-se de uma simulação. Seria mais interessante para o


aprendizado do discente se o atendimento fosse real, se ele tivesse de defender um caso
real, e apresentar a melhor solução jurídica e legalmente possível para os interesses do
cliente. Como o estudante de direito tem acesso à carteira de estagiário da OAB nos
últimos dois anos, seria muito mais proveitoso que eles praticassem essa atividade à
razão de ao menos um caso por semestre, atuando em conjunto com o Núcleo de Prática
Jurídica (NPJ) e, se possível, com escritórios de advocacia. Mas não apenas atuando
como advogado, até porque faculdades de direito formam professores, pesquisadores,
analistas judiciários, procuradores, juízes, promotores, oficiais etc. Assim, é preciso que
haja expansão do leque de especialidades jurídicas, que os estudantes possam optar por
uma área em que provavelmente desempenharão suas atividades profissionais.

Em terceiro lugar, há dentre os comentários de docentes e de discentes um consenso de


que os casos são muito extensos e que o prazo é exíguo. Isso demonstra claramente que
é um problema o Formando Soluções ser trabalhado em formato de simulação. Sabe-se
que o profissional do direito – assim como outros profissionais, sendo bons exemplos os
engenheiros e médicos, dentre outros – deve se desdobrar para cumprir sua função, em
especial se for autônomo, caso em que normalmente não possui horário de trabalho,
podendo passar a noite em claro e ainda ter uma audiência inadiável no dia seguinte. Se
o propósito é demonstrar pelo menos parcela do dia a dia do profissional, a simulação
não é idônea, já que retira totalmente o fator realidade. E isso gera no estudante a falsa
percepção de que o prazo para elaborar e aprontar a abordagem das questões que lhe
foram apresentadas pelo cliente fictício é curto e que a instituição deveria ou determinar
um prazo maior ou encurtar o caso.

O encurtamento do caso é outro problema diretamente ligado ao fator simulação. Como


os professores têm de corrigir os pareceres dos alunos, na melhor das hipóteses, a
motivação por trás desse comentário, é a de que os docentes têm pouco tempo para a
correção de pareceres muito longos. Verborragia é uma característica ainda intrínseca ao
ramo jurídico: um simples argumento geralmente demanda inúmeras páginas, já que se
entende ser necessário utilizar o maior número de argumentos de autoridade possível;
basta olhar o volume que os autos fazem nos escaninhos dos cartórios e das secretarias
do Judiciário. O jeito de evitar a verborragia é fazer com que o futuro profissional seja
mais crítico, consiga ser criativo e elaborar teses, a fim de defender a melhor solução
para o problema do cliente, ou, se for o caso, demonstrar para o cliente que há várias
soluções que podem ser adotadas e indicar a probabilidade de elas serem
bem-sucedidas.
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

Um quinto mecanismo de superação do tradicionalismo e de transição de habitus é o


estudo de meio, em que os alunos vão a campo colher dados de como o direito é
aplicado, ou não, na prática (Lellis, 2010, p. 25-26; PEREIRA, 2010, p. 57-59). Trata-se
de estratégia em que se entende que os conceitos e os institutos devem ser apreendidos
e entendidos pelo estudante, mas que só isso não basta. Há que se utilizar “um método
de ensino essencialmente participativo” em que as experiências dos alunos sejam
valorizadas e possam contribuir para a construção de cada aula (Lellis, 2010, p. 23).
Portanto, o estudo de meio trabalha com a simples ideia de trazer para o contexto de
sala de aula a vida que se desenvolve fora dela.

Com o estudo de meio, os discentes podem integrar o ambiente acadêmico (sala de


aula) com o não acadêmico. Observando o meio natural e social em que vivem os alunos
conseguem, através das objetivas jurídicas, enxergar com mais precisão a lógica jurídica
na prática, visualizando melhor os conceitos e os institutos apresentados em sala de
aula, abstratamente. Permite-se que o estudante enxergue quando a lei é seguida,
quando ela não é, como as pessoas fazem para burlá-la e como o direito é utilizado para
justificar práticas ilegais ou semi-ilegais.

O estudo de meio permite integrar a pesquisa técnica (legal, jurisprudencial e


doutrinária), à pesquisa de campo e à elaboração de um trabalho jurídico. O professor
deve ter não apenas um papel de coadjuvante – acompanhando, ouvindo, analisando e
conduzindo as discussões (Lellis, 2010, p. 29) –, mas também de sujeito crítico, que se
insere no esforço de compreensão da realidade através das lentes jurídicas, realizando
junto com o aluno a sua própria pesquisa e a sua conclusão. Contudo, tal tipo de
estratégia não rompe com o reprodutivismo, embora se aproxime de fazê-lo. Uma crítica
que pode ser feita é a de que o estudo de meio não permite a interdisciplinaridade. No
entanto, melhor que todas as outras três estratégias, ela é a única que trabalha fora da
simulação e dentro da realidade.
3.3 O habitus de transformação

Verifica-se que há a tentativa de rompimento do habitus de transição para um habitus


de transformação. Todavia, é também perceptível que romper essa barreira requer
muito esforço e perseverança. Pensar estratégias para o ensino jurídico que extrapolem
a mera reprodução de práticas certamente deve começar pelo restabelecimento de
práticas clássicas que foram aos poucos suplantadas por práticas tradicionais. Mas só
isso não é suficiente. Há que se fazer um esforço contínuo de reelaboração de práticas,
através de constantes críticas que permitam o descarte daquilo que não deu certo e o
aperfeiçoamento daquilo que tem potencial para se colocar como elemento de
transformação do habitus jurídico.

Entende-se aqui que um habitus de transformação seria aquele em que o que o modelo
dogmático e o modelo casuístico têm de útil fosse extraído e contemplado por uma
ampliação de foco no ensino jurídico. Ou seja, algo além da mera importação daquilo
que tem obtido sucesso em outras tradições, um ensino jurídico com mais criatividade,
com o uso de ferramentas tecnológicas, com o desenvolvimento de habilidades e
atitudes não apenas técnicas, mas também pautadas numa formação humanística e
axiológica, com a formação de um profissional completo e ao mesmo tempo
especializado, dentre outras possibilidades.

A área do ensino jurídico possui alguns documentos normativos e legais que devem ser
observados. Um deles é a Resolução conjunta do Conselho Nacional de Educação (CNE)
e da Câmara de Educação Superior (CES) n. 9, de 29.09.2004. Tal resolução, que
revogou a Portaria Interministerial 1.886/1994, institui as diretrizes curriculares
nacionais do curso de graduação em direito e possui alguns aspectos interessantes para
o desenvolvimento de um novo modelo de ensino jurídico.

A Res. CNE/CES 9/2004 estabelece a necessidade de adoção, pela instituição de ensino


superior jurídico, de um projeto político-pedagógico (PPP), que abrangerá os perfis do
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

formando, da instituição, da docência e do curso. No art. 2.º, caput e §§ 1.º e 2.º, da


Res. CNE/CES 9/2004 encontra-se uma lista dos elementos básicos de um PPP:
concepção e objetivos gerais do curso de direito, com as respectivas peculiaridades e
contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social;
condições objetivas de oferta; vocação do curso; cargas horárias das atividades didáticas
e da integralização do curso; formas de realização da interdisciplinaridade; modos de
integração entre teoria e prática; formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
integração entre a graduação e os programas de pós-graduação; incentivo à pesquisa e
à extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento
para a iniciação científica; concepção e composição das atividades de estágio curricular
supervisionado, formas e condições de realização; implantação e estrutura do NPJ;
concepção e composição das atividades complementares; obrigatoriedade do trabalho de
conclusão de curso (TCC); concepção das competências e das habilidades que se
pretende que o aluno desenvolva; regime acadêmico de oferta; duração do curso; oferta
de cursos de pós-graduação lato sensu, de acordo com as demandas de desempenho
profissional.

Dentre as competências e as habilidades a serem desenvolvidas pelo discente durante o


curso estão: leitura, compreensão e elaboração de textos, de atos e de documentos
jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
interpretação e aplicação do direito; pesquisa e utilização da legislação, da
jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do direito; adequada atuação
técnico-jurídica em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, e com a devida
utilização de processos, de atos e de procedimentos; correta utilização da terminologia
jurídica; utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão
crítica; julgamento e tomada de decisões; domínio de tecnologias e de métodos para
permanente compreensão e aplicação do direito (art. 4.º da Res. CNE/CES 9/2004).

Mas não se preconiza a formação de um profissional apenas com treinamento técnico. O


art. 3.º da Res. CNE/CES 9/2004 destaca que o curso de graduação em direito deverá
assegurar que o graduando tenha uma sólida formação geral, humanística e axiológica,
com conhecimento técnico, mas também com conhecimento e valorização de fenômenos
jurídicos e sociais, adotando uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a
capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica.

Para isso, deverá ser adotada uma organização curricular adequada. O PPP deverá,
então, estabelecer expressamente as condições para a conclusão e para a integralização
do currículo do curso de direito conforme o regime acadêmico de oferta da instituição de
educação superior (IES). A Resolução exemplifica alguns dos possíveis tipos de regime
acadêmico de oferta: regime seriado anual, regime seriado semestral, sistema de
créditos com matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de
pré-requisitos (art. 6.º da Res. CNE/CES 9/2004).

A organização curricular constante do PPP deve atender a eixos interligados de


formação, que, consoante o art. 5.º da Res. CNE/CES 9/2004, são três: (1) eixo
fundamental, que tem por objetivo a integração do conhecimento com outras áreas do
saber, como, por exemplo, antropologia, ciência política, economia, ética, filosofia,
história, psicologia, sociologia; (2) eixo profissional, em que se deve abranger o enfoque
dogmático, o conhecimento técnico e a aplicação do direito às mudanças sociais,
econômicas, políticas e culturais locais e brasileiras, e também suas relações com outras
esferas nacionais e com a esfera internacional, devendo estar contemplados
necessariamente os conteúdos essenciais sobre direito constitucional, direito
administrativo, direito tributário, direito penal, direito civil, direito empresarial, direito do
trabalho, direito internacional e direito processual; (3) eixo prático, cujo objetivo é
integrar a prática e os conteúdos desenvolvidos nos demais eixos de formação, através,
por exemplo, de atividades relacionadas com o estágio curricular supervisionado, com as
atividades extracurriculares (complementares) e com o TCC.

Esses três tipos de atividades são descritas pela Res. CNE/CES 9/2004. O estágio
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

supervisionado é obrigatório e é descrito pelo art. 7.º, caput, da Res. CNE/CES 9/2004
como indispensável para o processo de consolidação do profissional, de acordo com o
perfil do formando e com as escolhas do aluno (§ 2.º). Tal estágio deverá ser realizado
na própria instituição, no NPJ, que poderá contemplar convênios com outras entidades,
instituições e escritórios, prestando serviços de assistência judiciária (§ 1.º). As
atividades complementares são extracurriculares e tem o objetivo de enriquecer o perfil
do formando, permitindo o desenvolvimento de competências e de habilidades que não
sejam estreitamente técnicas, de modo a permitir a interdisciplinaridade, um
relacionamento mais amplo com o mercado de trabalho e ações junto à comunidade
(art. 8.º, caput, da Res. CNE/CES 9/2004). Por fim, o TCC, é curricular e obrigatório, e
deve ser desenvolvido na forma monográfica (individualmente), de acordo com o
conteúdo fixado pelas IES em função de seus PPP (art. 10, caput, da Res. CNE/CES
9/2004).

Por fim, a Res. CNE/CES 09/2004 estabelece que as IES devam adotar formas
específicas e alternativas de avaliação, interna e externa, sistemáticas, de acordo com os
aspectos que sejam fundamentais para a identificação do perfil do formando (art. 9.º,
caput, da Res. CNE/CES 9/2004). Tais avaliações devem estar previstas nos planos de
ensino, fornecidos aos alunos antes do início de cada período letivo; planos estes que
também conterão os conteúdos, as atividades, a metodologia do processo de
ensino-aprendizagem e a bibliografia básica (art. 9.º, parágrafo único, da Res. CNE/CES
9/2004).

Verifica-se pela sistematização feita logo acima que a própria Res. CNE/CES 9/2004
permite a captura de elementos com potencial transformador do atual habitus do ensino
jurídico. Elementos estes que, aliados a outros não contemplados pela Resolução, mas
que já se encontram sendo explorados como recursos, métodos e técnicas
didático-pedagógicos, permitem que se pense em um novo modelo de ensino jurídico.
Um habitus diferente dos modelos tradicionais, dogmático ou casuístico, também distinto
da simples conjunção desses dois modelos. Um habitus crítico, dialético, em constante
mutação, correndo paralelamente com o desenvolvimento tecnológico e com
mecanismos de interação social e de disseminação do conhecimento, abanando a poeira
acumulada “de séculos passados que ainda jaz sobre a maioria dos métodos pedagógicos
contemporâneos” (Teixeira, 2008, p. 260).

Pode-se tomar como um bom parâmetro de desenvolvimento de um habitus de


transformação do ensino jurídico o desenvolvido pelas Escolas de Direito da Fundação
Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV Direito Rio) e em São Paulo (FGV-Edesp). Nas
Escolas de Direito da FGV concebeu-se “um projeto--empreendimento inovador e
autossustentável” com uma nova pauta de prioridades (Rodriguez; FALCãO, 2005, p. 7).

“É preciso inovar na forma de recrutamento, seleção e capacitação de professores,


rompendo inclusive com a dicotomia tempo integral e tempo parcial. Temos, assim,
professores-referência, professores-gestores e professores de disciplinas. Inovação
também na área da estrutura curricular, diminuindo o peso das aulas em favor das
atividades complementares múltiplas, como permite a lei, tais como o trabalho
voluntário e estágios de também múltiplas práticas jurídico-profissionais. Inovação na
vinculação do aluno com a escola, exigindo compromisso ético, e de tempo integral nos
dois primeiros anos, além do uso intensivo de informática no seu dia a dia. Inovação no
organograma, com a criação de um conselho de mercado e de novos processos
gerenciados pelos professores-gestores. Inovação no financiamento de seus gastos,
através de atividades geradoras de caixa e atividades subsidiadas de criação de bens
públicos. O desafio é integrar as múltiplas possibilidades e limites das diversas áreas
onde a inovação se faz necessária” (Rodriguez; Falcão, 2005, p. 7-8).

A FGV Direito Rio vem desde 2002 adotando posturas inovadoras condizentes com as
suas próprias pesquisas mercadológicas com vistas à criação de diferenciais, a fim de
que os seus discentes e egressos, possam se posicionar melhor no mercado jurídico, de
forma a atender as demandas deste mercado. Assim, a escola de direito da FGV no Rio
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

estruturou-se para atender um determinado nicho do mercado jurídico, atendendo às


seguintes demandas: (a) profissionais na área do direito e economia; e (b) profissionais
públicos com foco no Judiciário (Rodriguez; Falcão, 2005, p. 9). O mesmo movimento se
verifica na FGV-Edesp, cuja proposta foi “montada a partir de um cuidadoso exame
sobre as carências da comunidade jurídica no ambiente urbano, econômico e social em
que se localiza” (Sundfeld et al, 2007, p. 10).

Do que se verifica na descrição do projeto de ensino jurídico adotado pela FGV, pode-se
resumir nas seguintes práticas: (a) a preferência pela recontextualização em vez do
repasse de entendimentos já estabelecidos, rompendo-se inclusive com a prática
enciclopédica de transmissão do conhecimento jurídico; (b) o desenvolvimento de
capacidades e de habilidades analíticas e práticas, com o fornecimento de instrumentos
conceituais e outros recursos para a solução de problemas; e (c) o estímulo ao
engajamento do aluno. Práticas estas implantadas através de uma infraestrutura
adequada, com o uso de tecnologias, de uma pluralidade de técnicas e com aulas
expositivas não apenas informativas (Rodriguez; Falcão, 2005, p. 11-12; Sundfeld et al,
2007, p. 14). Enfim, estabelece-se um ambiente cooperativo-participativo entre alunos,
professores e instituição, adotando-se a lógica de que o aluno é que deve escolher o seu
perfil profissional, não a instituição.

Roberto Mangabeira Unger (2005, p. 23) de certa feita propôs, em um memorando, um


curso de direito organizado em torno de cinco currículos. A ideia de Unger pode ser
aproveitada para a proposição de um novo modelo, muito parecido com aquele adotado
pelas escolas de direito da FGV, embora com algumas diferenças.

O primeiro dos currículos apresentados por Unger é o currículo do direito brasileiro, em


que se abordaria toda a matéria central do direito brasileiro, dividindo-o em grandes
setores, a fim de permitir o ensino integrado de matérias que são tradicionalmente
ensinadas de forma compartimentalizada, ou seja, a fim de permitir a correlação de
matérias. Um grande problema que serve de exemplo é o estudo do direito
constitucional, em que normalmente se estuda a constituição por partes, ao invés de
relacionar os vários temas por ela tratados com outros campos do direito. Nisto vai
também uma crítica às nomenclaturas adotadas, que, em geral, destacam a prática
comum do ensino do direito em compartimentos. Veja-se, por exemplo, o caso do direito
processual. É comum os currículos trazerem uma estrutura dissociativa, isto é, separa-se
o direito processual civil do direito processual penal e do direito processual do trabalho,
bem como das técnicas de arbitragem e de solução negociada de conflitos (mediação,
conciliação etc.). Desperdiça-se tempo, por exemplo, ao se retomar conceitos básicos
(principiologia, condições da ação, pressupostos processuais, participação de terceiros
etc.) que poderiam muito bem ser enfrentados em uma disciplina geral de processo.
Além disso, pode-se apontar a subsidiariedade entre as normas de direito processual;
assim, por exemplo, ao se tratar de execução judicial e extrajudicial, poderia ser
enfrentado tanto o aspecto cível, quanto o penal e o trabalhista.

“Qual deve ser o método predominante no ensino deste currículo? Nem a exposição
doutrinária – instrumento preferido no escolasticismo predominante [dogmático] – nem
o estudo de casos – antiga predileção das escolas de direito nos Estados Unidos –
representam a melhor solução. O método tem de guardar relação estreita com a visão
que anima o projeto pedagógico. Por isso mesmo, nunca pode ser mais do que uma
proposta dirigida ao corpo de professores, que o adotará ou o alterará de acordo com as
ideias de cada um.” “O método predominante que proponho é a combinação de
introduções ou mapeamentos informativos e abrangentes, pelo método convencional de
exposições, seguidas por discussões, com o método intensivo, de aprofundamento
seletivo e analítico de temas exemplares dentro de cada matéria. (…).” “Trata--se de
adaptar ao ensino do direito as práticas características do ensino mais avançado das
ciências. Abandonar-se-ia o enfoque enciclopédico para ter a experiência de domínio
sobre um conjunto de problemas e soluções. (…).” “Com este sistema de
aprofundamento seletivo em alguns temas exemplares dentro de cada disciplina, o aluno
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

ganha oportunidade melhor para pesquisar e pensar. Trava conhecimento com os


materiais da disciplina, as fontes, tanto conhecidas quanto novas, do direito. E colabora
com os colegas, já que este aprofundamento seletivo avança, tipicamente, através do
trabalho em equipe” (UNGER, 2005, p. 30).

O segundo é o currículo das disciplinas de apoio e aprofundamento. Trata--se de


disciplinas que não são jurídicas, mas que complementam e completam o direito. Assim,
por exemplo, as disciplinas como economia, estatística, filosofia, sociologia,
antropologia, contabilidade e administração seriam ministradas, mesmo que de maneira
propedêutica, a fim de que o aluno do curso de direito possa realizar um primeiro
contato, e, caso sinta vontade, aprofunde, por si ou através de atividades e disciplinas
de aprofundamento oferecidas pela instituição.

O terceiro currículo – e aqui se faz uma inversão, pois Unger o chama de quarto – é o da
globalização, introduzindo “o estudante ao direito emergente da economia globalizada”,
o que envolveria não apenas o direito internacional, tanto o público quanto o privado,
como também o direito do Mercosul, da UE, o direito dos organismos internacionais, o
direito marítimo etc., devendo ser “ensinado da mesma maneira que o currículo de
direito brasileiro, por uma combinação de abordagem extensiva e aprofundamento
seletivo” (UNGER, 2005, p. 33).

O quarto (chamado por Unger de terceiro) é o currículo das práticas de direito,


“destinado apenas àqueles que se orientam para uma vida profissional no direito, como
advogados, juízes e membros do Ministério Público” (UNGER, 2005, p. 32). O aluno
poderia optar por cursar ou não tal currículo, de acordo com suas preferências e
projetos. Neste sentido, ao discente poderia ser oferecido – ampliando-se, pois, a
proposta de Unger –, como alternativa, um currículo de práticas docentes e de pesquisa,
destinado, pois, àqueles que se orientam para a vida acadêmica e voltada para a
pesquisa. Assim, dentro do próprio curso de direito o discente escolheria sua
especialização, e a faculdade lhe daria os subsídios para seguir em sua escolha.

Por fim, o quinto currículo, voltado para as alternativas institucionais. Unger entende
esse currículo como voltado para a vida pública ou nos negócios internacionais (Unger,
2005, p. 34). No entanto, aqui se faz uma extensão de seu objeto, com a intenção de
inseri-lo no quarto currículo acima descrito. Entende-se que tais alternativas seriam de
dois tipos: ou seguiriam o currículo das práticas de direito ou seguiriam o currículo das
práticas docentes e de pesquisa. A depender da escolha prévia feita pelo aluno, haveria
o direcionamento pela faculdade para o objetivo do discente.

Assim, havendo a opção pelo currículo das práticas de direito, o estudante faria, neste
momento, outra opção, dentre as três seguintes: (a) direcionar o seu foco para a
atuação nos negócios internacionais, havendo, aí, um aprofundamento na especialidade
escolhida pelo estudante. Nesta opção, o curso se estenderia como uma especialização
obtida, de preferência em escolas especializadas em outros países e com estágios in
company ou em escritórios com tal perfil; (b) direcionar o seu foco para a atuação no
mercado advocatício brasileiro, com a escolha de uma especialidade e preparação para o
Exame da Ordem. Neste caso, o estudante realizaria estágio complementar em
escritórios voltados para a especialidade por ele escolhida. Para tanto, seria necessário
que o Exame da OAB funcionasse como um filtro de especialidades, em que o estudante
que optasse pela especialidade direito do trabalho, ao ser aprovado no Exame da Ordem
recebesse uma carteira profissional que o permitisse apenas atuar em referida
especialidade, sendo-lhe vedado atuar em outras especialidades para as quais ele não
tenha obtido habilitação, mesmo que ele possua uma formação geral de elevado nível; e
(c) direcionar o seu foco para concursos públicos, com a escolha do cargo almejado.
Nesta hipótese, a faculdade manteria convênios com cursinhos preparatórios, a fim de
direcionar a formação de seus alunos. Aqui, enfrenta-se o problema do triênio de
atividade jurídica, que poderia tranquilamente ser contemplado com estágios dos
estudantes nos órgãos para os quais pretendem prestar o concurso. Por outra, havendo
a opção pelo currículo das práticas docentes e de pesquisa, o discente sairia da
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

faculdade com o diploma de bacharel especialista em uma determinada área do direito


oferecida pela faculdade e tendo desenvolvidas habilidades de docência no ensino
superior e habilidades de pesquisa. Neste caso, a docência no ensino jurídico seria
tratada como uma especialidade dentro do mundo jurídico.

Trata-se, como se pode perceber, de um currículo flexível, em que o estudante é


obrigado a cursar uma parte nuclear, rígida, adquirindo uma formação geral, e tem a
faculdade de optar por um currículo de prática jurídica ou por um currículo de docência
jurídica.

“De fato, o currículo fundado apenas no princípio da formação geral, que hoje vigora
entre nós, e executado pelo método de preleções e estudo expositivo, não pode deixar
de produzir, mesmo em relação aos melhores alunos, uma preparação extremamente
superficial. Se queremos dar ao curso, não um caráter de informação, mas de
aprendizagem, se queremos substituir o método de preleções expositivas pelo casuístico,
temos de adotar um currículo que permita intensificar e aprofundar uma parte pelo
menos do curso, – aquela em que o aluno baseará sua atividade profissional futura”
(SAN TIAGO DANTAS, 2009, p. 22).

O habitus de transformação do ensino jurídico há de ser composto pela tríade


participação-conflito-vivificação em oposição à tríade até então praticada de
alienação-sistematização-formalização, “fora desse contexto, qualquer iniciativa está
destinada a sucessos efêmeros, e ao se abrir uma porta a outra estará fechada”
(FALCãO, 2009, p. 76). A participação em oposição à alienação restaura a posição do
professor e do aluno “como pessoas e não apenas como recipientes lógicos”, permeando
todo o processo pedagógico e didático, sem se limitar à sua expressão mais evidente, a
aula dialogada; o currículo flexível com a possibilidade de o aluno escolher sua própria
especialização pressupõe sua participação no processo de ensino-aprendizagem
(FALCãO, 2009, p. 70). Ao invés de se formar um profissional que conhece de tudo um
pouco, mas que não se aprofundou sobre um determinado campo do saber, enfim, um
profissional alienado, que só tem conhecimento do básico, há que se direcionar o ensino
jurídico para um conhecimento cada vez mais especializado, em que o estudante
participa ativamente de sua própria formação jurídica.

Como pré-requisito da participação, tem-se a ausência de formalidades, o que se traduz


em vivificação do processo de ensino-aprendizagem. Tanto o professor quanto o aluno
devem ter liberdade de serem agentes no processo, e não apenas de serem
transmissores e receptores de informações. O estímulo à participação dos discentes e à
cooperação entre estes, os docentes e a instituição pressupõe a existência de conflitos,
em oposição à harmonia produzida pela alienação: “A participação, ao restaurar
estudante e professor enquanto individualidades, explicita necessariamente a
controvérsia, o conflito, o debate, a aula dialogada. A suposição de pessoas iguais pela
natureza racional comum a todos, cede lugar à constatação de pessoas diferentes,
resultado de condições socioeconômicas distintas. A diversidade substitui no processo
didático a regra de semelhança presumida. Não se trata, pois, de apenas estimular a
participação, mas de estimular participação que reconheça as individualidades, as
diferenças de origem social, as controvérsias e os conflitos. Paradoxalmente, o equilíbrio,
a síntese das opiniões divergentes, das experiências trocadas, passa obrigatoriamente
pelo reconhecimento do conflito e da controvérsia” (FALCãO, 2009, p. 72).

O curso de direito da FGV-Edesp é dividido em quatro ciclos, de modo que os três


primeiros (coincidentes, mas não necessariamente equivalentes com os três anos iniciais
do curso) são cursados em período integral e o quarto ciclo (quarto e quinto anos do
curso) poderá ser cursado em regime integral ou parcial, de acordo com a opção feita
pelo discente.

“O regime integral obrigatório nos três primeiros anos é um grande diferencial que
potencializa o rendimento do aluno em seu processo de formação. Ciente desta
peculiaridade do curso desde o seu ingresso, ele não sofre pressões, nem de si mesmo
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

nem de outras pessoas, para definir prematuramente seu destino profissional. O aluno
não padecerá dos danosos efeitos dispersivos que o tempo ocioso lhe produz no início de
uma graduação. Poderá experimentar, com toda intensidade, a riqueza do ambiente
universitário e das atividades permanentes que o curso de preocupa em lhe oferecer
para ocupar todo o seu tempo disponível” (Sundfeld et al, 2007, p. 14).

Utilizando-se dessas propostas da FGV, pode-se partir para um esboço de reforma do


ensino jurídico. Aproveitando-se da divisão do curso em quatro ciclos, a proposta de um
novo modelo parece ficar mais clara.

Os três primeiros ciclos seriam assim divididos. O primeiro ciclo seria composto por
disciplinas propedêuticas, que permitiriam apresentar o aluno aos conceitos e às
terminologias jurídicas. Neste ciclo o aluno entraria em contato, portanto, com
disciplinas que envolvem o conhecimento e o manejo do texto constitucional e da lei de
introdução ao código civil, com a introdução à hermenêutica, à argumentação e à lógica
jurídicas, o conhecimento da história e cultura jurídicas, a familiarização com
metodologias da pesquisa e do estudo, e também com o repertório dos conceitos e das
terminologias jurídicas, além da capacitação do aluno para que possa transitar nos
terrenos do direito (teórico) e da prática jurídica. Este primeiro ciclo seria desenvolvido
no primeiro semestre do curso em tempo integral.

O segundo ciclo, desenvolvido no segundo, no terceiro e no quarto semestres do curso,


seria composto por disciplinas dogmáticas, a fim de fazer com que o discente tenha
“contato com a totalidade da ordem jurídica, ainda que isso deva pagar o preço de não
conferir a cada tema exames exaustivos” (Sundfeld et al, 2007, p. 16). Neste ciclo, o
aluno teria contato com as disciplinas de: (a) teoria geral do direito processual; (b)
procedimentos comuns e especiais de cognição processual (penal, civil, trabalhista,
constitucional etc.); (c) execução processual (fiscal, penal, judicial, extrajudicial etc.);
(d) medidas acautelatórias e antecipatórias; (e) recursos e sucedâneos recursais; (f)
remédios constitucionais; (g) técnicas alternativas de solução de conflitos (arbitragem,
mediação e negociação); (h) a pessoa, os direitos da personalidade, a família e a
sucessão; (i) os negócios jurídicos, as obrigações e os contratos; (j) a responsabilidade
civil e o direito do consumidor; (k) os direitos de propriedade, a cidade e o campo; (l) a
empresa e o trabalhador; (m) o direito penal; (n) o Estado, a burocracia e a
administração pública; (o) tributação e gasto social.

A inovação trazida por estes dois primeiros ciclos é clara: as disciplinas são recriadas e
redistribuídas, como explana Carlos Ari Sundfeld e outros (2007, p. 17): “Muitos dos
cursos dogmáticos tradicionais tiveram sua carga redistribuída em novas disciplinas. Isso
fez com que estas disciplinas ou deixassem de existir nominalmente (…), ou
concentrassem consigo apenas o núcleo fundamental que se julgou adequado transmitir
de maneira uniforme e orgânica (…). A organização dos conteúdos é feita por cortes
propositalmente diversos dos adotados no currículo tradicional, o que gera, dentre
outros, o saudável efeito da necessidade de uma bibliografia variada e a produção (…)
de um material didático atualizado para dar conta do curso. (…)”.

O terceiro ciclo cuidaria do aprofundamento de algumas das disciplinas do segundo ciclo,


ocorrendo, pois, nos dois seguintes semestres (quinto e sexto) do curso. Pressupõe-se, a
esta altura, que o aluno já adquiriu pelo menos um grau satisfatório de maturidade
intelectual e uma maior familiaridade com o mundo jurídico, tendo trabalhado
exaustivamente com o direito positivo e com as suas divergências. Neste sentido,
ocorrerá um aprofundamento teórico do estudante, refinando-se suas competências e
habilidades analíticas e ampliando o seu repertório teórico sobre as matérias já
estudadas no segundo ciclo (Sundfeld et al, 2007, p. 16-17). As disciplinas do segundo
ciclo seriam aqui reunidas de acordo com a sua nomenclatura tradicional em: (a) direito
processual penal; (b) direito processual não penal; (c) direito civil; (d) direito comercial;
(e) direito trabalhista; (f) direito penal; (g) direito constitucional; (h) direito
administrativo; (i) direito do consumidor; (j) direito tributário.
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

O quarto ciclo, que iria do sétimo ao décimo período, seria composto por disciplinas de
especialização, de acordo com a escolha feita pelo aluno, conforme sua opção
profissional (Sundfeld et al, 2007, p. 17). Neste ciclo, o discente poderia optar entre
quatro tipos de currículos: (1) o das práticas de direito com foco em negócios; (2) o das
práticas de direito com foco na advocacia; (3) o das práticas de direito com foco em
concursos públicos; (4) o das práticas docente e de pesquisa em direito. E, além dessas
opções, poderia escolher se cursaria o ciclo com dedicação parcial ou integral,
consistindo a diferença entre uma forma e outra na existência (caso integral) ou não
(caso parcial) de cursos de extensão universitária em disciplinas de outras áreas do
conhecimento humano relacionadas com o direito (estatística, contabilidade, economia,
medicina etc.).

A opção pelo currículo das práticas de direito com foco em negócios permitiria que o
aluno se especializasse na gestão de negócios jurídicos, na gestão de escritórios de
advocacia, no marketing jurídico, na arbitragem internacional, no comércio internacional,
em negociações contratuais, na tributação internacional, no direito internacional público
e privado, no direito comunitário e do Mercosul, no mercado internacional de capitais, no
direito marítimo, além de língua estrangeira, dentre outras matérias relacionadas. Aqui,
além de o estudante se formar bacharel em direito, por ter cumprido nos três primeiros
ciclos a carga horária e as matérias requeridas pelo MEC, ele também obteria um MBA. A
proposta é de que a faculdade mantenha convênios com instituições estrangeiras,
internacionais ou transnacionais que permitam que o aluno se especialize a partir da
vivência prática.

A opção pelo currículo das práticas de direito com foco na advocacia permitiria que o
aluno se especializasse em pelo menos um ramo do direito. Assim, o discente se
aprofundaria, por exemplo, em direito penal, estudando não apenas a fundo as cadeiras
de processo penal e de direito penal, como também um rol de disciplinas de apoio e de
aprofundamento como as de antropologia, sociologia, criminologia, oratória, redação
jurídica, consultoria, práticas judiciárias, dentre outras. Neste caso, o aluno não só
aprofundaria os conhecimentos teóricos como também atuaria na prática, seja em
escritórios de advocacia, seja em um núcleo de prática jurídica instalado na faculdade,
ou mesmo em ambos. Nesta modalidade, o aluno sairia da faculdade como bacharel em
direito e especialista em direito criminal.

A opção pelo currículo das práticas de direito com foco nos concursos públicos traria para
o discente a possibilidade de se preparar para um concurso público determinado ou para
um grupo deles. As faculdades fariam convênios com cursinhos preparatórios e com
órgãos públicos, a fim de que tanto a metodologia própria de estudo fosse aplicada
quanto fossem cumpridos, pelo menos parcialmente, os requisitos, por exemplo, de
prática jurídica, de preferência no órgão em que o aluno almeja exercer sua profissão.

Por fim, a opção pelo currículo da prática docente e de pesquisa encaminharia o discente
para a vida acadêmica, fazendo com que ele tenha contato com disciplinas como
metodologia do ensino superior, pedagogia, didática, metodologia da pesquisa, além do
aprofundamento da especialidade jurídica escolhida. Ao final, o discente se tornaria tanto
bacharel em direito como especialista em uma determinada área do direito.

De maneira geral, o curso de direito poderia ser dividido em dois ciclos, um básico e um
de especializações – aquele abrangendo os três primeiros anos, e sendo
necessariamente integral, e o outro abrangendo os dois anos finais, podendo ser integral
ou parcial. Mesclar-se-ia, pois, um currículo rígido com um currículo flexível: o primeiro
determinado pela instituição em conjunto com os professores; o segundo proposto pela
instituição em conjunto com professores e a partir de convênios, permitindo-se que o
aluno escolha que caminho seguir em sua vida profissional.

Certamente o desenvolvimento desses dois grandes ciclos deve contar com atividades
didáticas variadas, que incluam aulas teóricas a partir da adoção dos debates entre os
sujeitos do ensino e da aprendizagem como metodologia, e também o esforço
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

(autodidata) do aluno no seu próprio aprendizado. Como é comum, e requerido inclusive


pelo MEC, toda disciplina deve contar com um programa, isto é, com aquilo que aquela
disciplina tem de essencial. O papel do professor, ao contrário do que se pensa e do que
se encontra em diversas faculdades, não é o de esgotar todo o conteúdo, e sim o de em
aulas teóricas debater com os alunos alguns dos aspectos essenciais da disciplina,
deixando aos alunos a possibilidade de se posicionarem como agentes de sua própria
aprendizagem, ou seja, de realizarem pesquisas, a partir de propostas de atividades
feitas pela instituição e pelos professores como estudos de caso ou de meio, oficinas
jurídicas e até prática jurídica real. Há que se deixar de lado e de vez o discurso repetido
por alunos e muitas vezes corroborado por professores e até pelas instituições de que
apenas o que o professor ensina ou fala em sala de aula é que deve ser cobrado em
prova ou tem alguma serventia para a vida profissional. Essa é uma postura claramente
bancária e de alienação, que deve ser, portanto, abandonada. Assim, os conteúdos
devem ser “(…) cumpridos de acordo com um roteiro de estudos apresentado ao aluno,
que se compromete a efetivá-lo. O momento em que compartilha a presença do
professor e dos colegas em sala de aula existe para problematizar, levantar e esclarecer
dúvidas, conferir maior precisão a conceitos, medir sua importância etc. A aquisição, por
parte do aluno, do conteúdo previsto no cronograma de estudos é um pressuposto para
as atividades em sala. Não é de inteira responsabilidade do professor. Este, por sua vez,
se compromete a instigar os alunos a levar as problematizações às últimas
consequências, sem preocupar-se em dotar o aluno de certezas. Estas, quando
adquiridas, derivam da descoberta pessoal do aluno”. “Este tipo de postura tem uma
série de virtudes. Dentre elas, duas se destacam: o senso de responsabilidade que
incute no aluno, uma vez que atribui-se a ele, e não ao professor, a obrigação de
cumprir o cronograma; a colocação deste aluno em pé de igualdade com o próprio
professor, pois os encontros em sala de aula com alunos preparados tendem, cada vez
mais, a ser uma disputa pelo melhor argumento, e não uma submissão à autoridade
professoral. Representa um considerável desafio ao docente, que não mais poderá
fiar-se em sua exposição previamente esquematizada, mas terá de se mostrar aberto a
todo o tipo de questionamento” (Sundfeld et al, 2007, p. 21-22).

Além disso, faz-se necessária também a inclusão do aluno, do professor e da instituição


na era digital. O ensino colaborativo e participativo, contraposto ao ensino bancário
alienante, deve dialogar necessariamente com mecanismos e ferramentas que permitam
uma melhor interação dos agentes do processo de ensino-aprendizagem e deles com o
mundo. Esse movimento é, no entanto, ainda hoje muito tímido, como ressalta Bruno
Costa: “(…) duas décadas após a promulgação da Carta Magna (LGL\1988\3) pátria, o
ensino jurídico (…) continua nutrido de um espírito coimbrão, pelo menos quando o
termo é associado ao ensino linear, baseado na autossuficiência e na simples leitura da
lei.” “Por outro lado, nos mesmos vinte anos, as novas formas de comunicação mediadas
por veículos de telemática fizeram emergir diversos mecanismos de interação social,
transformando os meios de produção e de disseminação do conhecimento” (Teixeira,
2008, p. 260).

Em uma época em que as redes sociais (como o Facebook), os blogs, a Wikipedia, as


licenças CreativeCommons, o Twitter, o YouTube, têm estado cada vez mais presentes,
cada vez mais acessíveis, a instituição de ensino superior, ou o professor, ou o aluno que
não estiver familiarizado com estas e outras ferramentas é considerado um verdadeiro
analfabeto digital, situado a anos-luz de um processo de ensino-aprendizagem dinâmico,
colaborativo e participativo. Neste novo ambiente do ensino jurídico, a colaboração entre
aqueles três agentes e o mundo externo (extramuros da faculdade), denominada como
colaboração em massa, é a flecha-guia do habitus de transformação do ensino jurídico.
Trata-se de uma nova maneira de produzir, de socializar e de renovar o conhecimento. A
lição número um em um ambiente desse tipo, segundo Tapscott e Williams (2007, p.
349), é a de que a instituição autônoma, baseada em uma empresa familiar que não se
abre para o mundo externo, está morrendo. A solução é “desenvolver novos tipos de
relacionamento, prever desdobramentos importantes, agregar valor e transformar novos
conhecimentos organizados em rede em valor atraente”, enfim, é abrir fronteiras.
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Ensino jurídico: em busca do habitus de transformação

4. Considerações finais

As críticas e as sugestões apresentadas neste estudo não pretendem traduzir um projeto


já amadurecido. Trata-se apenas de um esboço. O seu leitmotiv é provocar o debate
acerca do ensino jurídico, não apenas bater no lugar-comum de que há uma crise, e sim
demonstrar que o problema por ela gerado continua, não fosse por algumas tentativas
de mudança, quase que intocado.

Se o quadro continuar do jeito que está, não se vislumbra para o ensino jurídico um
futuro promissor. A crise se perpetuará se o seu principal problema não for enfrentado:
se o tradicionalismo, escolástico e por vezes estanque, não for enfrentado, isto é, se os
órgãos governamentais continuarem a perpetrar um modelo rígido de ensino jurídico
(HOMEM DE SIQUEIRA; FABRIZ, 2011).

A escolha cabe, portanto, não só às instituições de ensino, mas também aos órgãos e
poderes públicos ocupados da fiscalização do ensino. E esta escolha indicará se haverá
apenas a reprodução de métodos, técnicas e recursos que se demonstraram
tradicionalmente bem-sucedidos ( habitus de manutenção), se haverá uma tentativa de
romper com o tradicionalismo e com a lógica reprodutivista ( habitus de transição), ou
se haverá uma constante busca por reinventar os métodos, as técnicas e os recursos de
ensino-aprendizagem que, apesar de bem-sucedidos, podem sofrer mutações dignas de
transformá-los em mecanismos ainda mais eficientes e eficazes ( habitus de
transformação). Se a instituição de ensino superior e os respectivos órgãos e poderes
públicos adotarão algum desses três caminhos, trata-se de uma escolha que certamente
dependerá não só de seu projeto político-pedagógico, mas, principalmente, de sua
aplicação prática.

Em um ambiente profundamente marcado pelo formalismo, em que as vestes talares, a


cerimoniosidade, os discursos em terceira pessoa e a disposição física das repartições só
encontram similitude no mundo eclesiástico, a crítica aos dogmas jurídicos, inclusive
aqueles relativos ao ensino-aprendizagem jurídico, parece ainda ser uma heresia cuja
única sanção plausível é arder na fogueira santa. Heresia, no entanto, necessária,
porque se Deus fez o homem, também lhe deu a curiosidade de saber o que é que havia
naquela frondosa macieira. Assim, o ser humano sempre foi inerentemente curioso, e,
como tal, questionador, buscando sempre entender o que não lhe parecia bem explicado
e revolucionar aquilo que lhe parecia ultrapassado.

Com o ensino jurídico tem ocorrido o mesmo. Muito mais que só a técnica ou que só a
práxis, é preciso ter os dois. Mas não basta ter um e simular o outro, é necessário que
haja os dois e que haja uma contínua invenção e reinvenção de práticas, técnicas e
métodos, e que se utilizem recursos que permitam uma revolução no habitus do ensino
jurídico. É preciso que o ensino jurídico seja colaborativo, cooperativo, participativo, que
tanto os alunos, quanto os professores e a instituição atuem em conjunto e se
conscientizem de que são agentes de um mesmo processo de ensino-aprendizagem.

Será que as instituições de ensino superior, os professores e os alunos estão prontos


para isso?
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