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Décimo Segundo Capítulo:


Lógica Dialética-discursiva e Teoria do Direito:
crítica da metodologia jurídica.

12.1 Apontamentos preliminares à metodologia jurídica dialética

O conceito de método não perdeu o seu sentido original, dado pelos gregos:
caminho para se chegar a um fim.1 A questão é: a que fim? A ideia de método aplica-se a dois
momentos distintos, o primeiro está relacionado ao ato de conhecer (momento gnosiológico), o
segundo refere-se à ideia de procedimento (momento procedimental) que deve ser adotado para
processamento de um saber, a fim de desdobrá-lo, aplicá-lo a outros saberes ou à realidade, em
busca de outros resultados.
Os usos dos métodos, tanto com referência à produção de conhecimento quanto à
aplicação para produção de efeitos desejados, fazem-se deveras perigosos se adotados de forma
autoritária, vindo a comprometer os resultados de uma pesquisa ou de uma ação no mundo. O
método se torna autoritário se for entendido como condição da pesquisa. O incondicional
cumprimento de determinada postura metodológica implica limitação da possibilidade de
conhecer, porque lhe imporá um caráter mecanicista, para-inteligente e alienante. O método
pode passar de meio para se conhecer e produzir resultados para meio para se desconhecer e
comprometer resultados.
No entanto, frequentemente, o método é interposto como um deformador da
possibilidade do conhecimento ou, ainda, um condicionador do conhecer. O humano pode ver-
se livre desse mecanicismo, pois é capaz de refletir e ponderar as consequências da aplicação
de determinado método. E isto se refere a uma concepção do que é racionalidade. Durante muito
tempo acreditou-se que a racionalidade se primava pela estrita formalização e, portanto,
mecanização de sua forma de conhecer e de proceder. Mas a razão prática, reconceituada pelos
pós-positivistas, tem convencimento diferente: racionalidade é a faculdade de se posicionar
frente ao o mundo de forma crítica, reconhecendo nele valores, permanentemente em mutação,
sopesando as vantagens e desvantagens da adoção de determinada postura, utilizando-se da
indução, da intuição assim como da dedução.
Explica-se aí a necessidade de uma teoria da metodologia dialética, em permanente
mutação, reconhecendo valores que podem variar de tonos conforme a situação em que se
encontram. A razão prática contemporânea é experimental e crítica, assim como o método
jurídico deve ser, de maneira a não se tomar decisões de forma apriorística, utilizando-se de
procedimentos preconcebidos.
A razão prática tem como fundamento exatamente a práxis, condição do saber e
condição do opinar sobre o existente. Desta forma, a contingência lhe informa, lhe constitui e
a contingência também posiciona o conhecedor. O objeto do conhecimento, assim como o
próprio conhecedor são contingenciais e, dessa forma, também estão coordenados e se
complementam. Não há, pois, objeto sem alguém que o conheça e não há conhecedor que não
esteja pré-posicionado sobre aquilo que conhece. A fratura cartesiana sujeito-objeto não está de
forma alguma fixa, como este supunha, mas sim móvel e indefinida. Todo conhecimento e todo
procedimento devem se dar conta de que sua contingencialidade lhe é fundamental e por isso
devem estar sempre atentos às condições específicas que lhes são apresentadas.

1
NASCENTES. Dicionário etimológico da língua portuguesa, Verberte: Método, p. 514.
2

Conhecimento é, pois, dialético. Conhecer é uma continuidade (continuatio) nos


mesmos termos pensados por Heidegger2 e por Gadamer,3 daí a necessidade de todo
conhecimento se propor aberto às transformações. Não obstante, a continuidade encontra-se
impregnada de rupturas emergentes do processo existencial, histórico e cultural. Este é,
também, um efeito da dialética que nega seus pressupostos a medida que os (re)propõe.
Nesse sentido, uma teoria metodológica dialética do direito deve estar alinhada às
teorias que se desvinculam do pensamento formal e objetivo, postos em curso pelo uso da lógica
formal, através do silogismo. A teoria metodológica defendida por este livro está alinhada à
retórica, à dialética e ao conhecimento como algo relativo, mutante.
Para tanto, observar-se-á, preliminarmente, de forma muito sucinta, algumas teorias
concorrentes de modo favorável ao pensamento metodológico aberto. Ou melhor, teorias que
de uma forma ou de outra trabalham com um método necessariamente dialético. Para tanto,
foram selecionadas duas dominantes vertentes dessa linha de pensamento aplicada ao direito: a
Nova Retórica tratada por Chaïm Perelman e a Tópica sob a perspectiva de Theodor Viehweg.

12. 2. Teses que utilizaram metodologias jurídicas dialéticas

12.2.1 Perelman e o direito como teoria da razoabilidade, da prática e do sopesamento dos


valores.

O polonês naturalizado belga Chaïm Perelman buscava uma metodologia que lhe
permitisse pôr em prática uma lógica dos juízos de valor. Em sua investigação, desenvolvida
na companhia de Olbrechts-Tyteca, chegou à conclusão de que não há lógica específica dos
juízos de valor. Os efeitos dessa conclusão resultaram numa extensa obra interessada nos
caminhos da retórica: Tratado da Argumentação4 e em desdobramento uma miríade de livros e
artigos que levaram esse autor a larga fama na segunda metade do século XX.
Em torno de suas teorias fundou-se verdadeira corrente jusfilosófica, a
denominada Nouvelle Rhétorique, que ganhou status de novo paradigma do direito. As ideias
defendidas pelos retóricos são muito persuasivas por si mesmas e encontraram ninho na crise
do positivismo. As teorias argumentativas tornaram-se, enfim, as principais linhas de pesquisa
do que veio a ser conhecido genericamente por correntes pós-positivistas.
Perelman trabalha, basicamente, com quatro cânones fundamentais, por onde
passam a maioria das ideias de sua defesa:

a) A retórica procura persuadir por meio do discurso.

O pensamento jurídico está necessariamente ligado à teoria do discurso,


desdobrada, entre os retóricos, em teoria da argumentação. Entretanto, a ideia de discurso traz
hoje pesada carga de significados, os quais tanto se remetem à ideia de lógica dialética e práticas
de persuasão quanto à filosofia analítica. O vocábulo ‘discurso’ foi usado largamente por muitos
filósofos de vertentes e entendimentos completamente adversos. De Descartes a Foucault,
fizeram-se embaraçados e também específicos os conceitos os seus multiplexes significados.
No caso de Pereleman, especificamente, discurso está ligado ao pressuposto da persuasão, do
convencimento, por meio do debate. E, por outro lado, ainda é perceptível, em sua teoria, a
ideia de relatividade dos assentamentos ideológicos, imperfeição ou precariedade da faculdade
racional de se impor de forma absoluta. Então, dada às contingências fragmentadas em que se

2
HEIDEGGER. Ser e tempo.
3
GADAMER. Verdade e método.
4
PERELMAN. Tratado da argumentação.
3

dão o universo humano, cabe ao discurso criar tessitura lógica aos acontecimentos; buscar
causas, consequências, correlações. O discurso é o meio pelo qual o humano harmoniza o saber
e compreende os fatos que o cerca.

b) Demonstração versus Fundamentação.

Esse posicionamento se dá basicamente em dois sentidos e consiste em uma das


principais teses desenvolvidas pelos partidários da Nova Retórica: primeiramente, desmantelar
os postulados formalísticos e abstracionistas da lógica apodítica, demonstrando sua
inaplicabilidade ao mundo jurídico ou mesmo as contradições internas referentes ao seu
emprego. O direito exige fundamentação e não demonstração. A demonstração é o que se faz
quando se expõe o caminho lógico percorrido para se chegar a um resultado. Mas o direito não
é matemático. Faz-se imprescindível fundamentar criticamente e axiologicamente seus
postulados. Fundamentar é dar razões, explicar, revelar os motivos e os convencimentos
adotados em uma decisão ou postura. Para isso é preciso sopesar valores e escolher. O agente
jurídico precisa fundamentar criticamente sua escolha. No segundo aspecto crítico, preocupa-
se em afirmar um problema de conhecimento do logicismo: a fragilidade do ato de escolha da
premissa maior entre tantas outras. Os positivistas, por exemplo, são criticados por acharem
que o problema jurídico começaria a partir do exercício do silogismo, mas o problema jurídico,
em sua práxis, mostra que o desafio do direito começa com a escolha da premissa que servirá
na subsunção a ser exercida. Os juspositivistas teriam esquecido ou negligenciado a dúvida
quanto à premissa primeira5.

c) A adesão a uma tese pode ter intensidade variável.

Para os retóricos, não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menos
corretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embate retórico contra a certeza
e contra a objetividade fez-se projetar como teoria do aproximado, do inconcluso, do relativo6.
Como se vê na prática jurídica, os argumentadores não escolhem apenas um argumento e
esperam vencer a demanda apoiando-se somente nele. Os argumentadores usam de quantos
argumentos podem, pois, uma economia de argumentos faz com que eles somados cresçam e
corroborem uns aos outros. Não se espera convencer através de um argumento específico em
qualquer debate gerado pela vida quotidiana ou jurídica, a práxis dos falantes revela que o
argumentador não sabe ao certo qual dos seus argumentos - perante o auditório ou o juiz – será
mais influente. Então, ele busca a quantidade, a diversidade e espera, desta forma, ser mais
persuasivo.

d) A retórica diz respeito mais à adesão do que à verdade.

O espaço da retórica é a persuasão, por isso ela é dada às contingências. É preciso


levar em conta a questão do auditório, criar estratégias para convencê-lo. Argumentar é, pois,
um exercício do próprio raciocinar, de procurar soluções, de inventar e assim se superar. A
interpretação da lei, para ser aplicada ao caso específico, deve ser considerada como uma
hipótese entre tantas mais, e só poderá ser adotada se a sua aplicação resultar uma atitude
razoável e de bom senso. A norma em abstrato não é mais do que uma hipótese que deve ser

5
Note-se que o próprio Kelsen, reconhecido pelo rigor epistemológico de sua teoria jurídica, não pressupôs que o
silogismo jurídico contaria com apenas uma premissa correta, mas várias premissas possíveis. KELSEN. Teoria
Pura do Direito. pp. 390-391.
6
Faz-se mister notar a influência decisiva de Gaston Bachelard sobre a Nova Retórica.
4

submetida ao crivo da experiência. Como explica Perelman, “na ausência de técnicas


unicamente admitidas é que se impõem o recurso aos raciocínios dialéticos e retóricos,
raciocínios que visam estabelecer um acordo sobre os valores e sobre sua aplicação, quando
estes são objeto de uma controvérsia”.7

O método de Perelman, por problematizar a inexorabilidade da axiologia e por estar


voltado para a práxis, é a dialética, entendida, no seu contexto, como a arte da persuasão. Como
afirma, a dialética “se mostra o método apropriado à solução dos problemas práticos, os que
concernem aos fins da ação, que envolvem valores”.8-9
A ideia de razoabilidade é garantida pela proposição de um acordo estabelecido
entre aqueles que dialogam. A racionalidade jurídica assenta seus postulados de forma
democrática e em atenção às especificidades do caso. Não há uma técnica aprioristicamente
concebida aplicável ao direito e, precisamente por esse motivo, há também uma relação estreita
do pensamento perelmaniano e as pretensões deste livro.
A buscar compreender a motivação final de sua teoria, mesmo porque nenhum
discurso existe sem que haja uma ideologia que o sustente, o autor belga alinha-se ao processo
de desconcentração do poder jurídico estatal. De sorte que se infiltra na questão da soberania
posta de cima para baixo, opressiva, supostamente legitimada pelo estrito cumprimento do
formalismo. Para tanto, o pensador da Nova Retórica contesta o princípio da legalidade,
colocando em xeque a supremacia do Legislativo sobre o Judiciário.
A percepção da especificidade do fenômeno jurídico é também o ponto de partida
destes escritos, pois não há possibilidade de se pensar o jurídico em abstrato, de forma genérica.
No direito, cada caso é único e deve ser assim tratado. Todo procedimento jurídico deve guardar
“sua conformidade com o direito em vigor, a argumentação será específica, pois terá por missão
mostrar de que modo a melhor interpretação da lei se concilia com a melhor solução dos casos
particulares”.10
Para os retóricos, o raciocínio jurídico visa explicar (do latim explicatio:
desdobramento) os fundamentos e as causas de uma controvérsia. Nesse processo, ‘desfazer as
dobras’ é mostrar os meandros, as complexidades de cada situação, pois, haverá argumentações
em sentidos diversos, que “procuram fazer valer, em situações diversas, um valor ou um
compromisso entre valores, que possa ser aceito em um meio e em um momento dados”.11
Por fim, o direito está sempre relacionado ao ponderável, ao aceito, por aliar-se ao
bom senso. Perelman, levando em conta as ideias do conhecimento aproximado, do verossímil,
do relativo, expõe que a “argumentação não visa à adesão a uma tese exclusivamente pelo fato
de ser verdadeira. Pode-se preferir uma tese à outra por parecer mais equitativa, mais oportuna,
mais útil, mais razoável, mais bem adaptada à situação”.12
Seu raciocínio prático reconheceu, no direito, a tão negada face aporética que é
peculiar dessa área do conhecimento e precisava ser assumida. Essa preclara posição de
conhecimento do fenômeno jurídico, embora figure como óbvia, havia se tornado estigmatizada
pela visão objetivista que dominou desde Arnauld, Spinoza, Descartes, Pascal, sendo

7
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 139.
8
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 139.
9
Margarida Maria Lacombe, a título de complemento, dispõe: “A partir de então, anuncia uma ruptura com o
cartesianismo e estabelece como paradigma filosófico a concepção relacional e retórica da razão prática. Isso
faz com que a razão seja aceita não do ponto de vista da contemplação, mas do ponto de vista da justificação
das nossas convicções e das nossas opiniões” (LACOMBE, Hermenêutica e argumentação, p. 190).
10
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 185-186.
11
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 184.
12
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 156.
5

predominante durante o período do Estado Liberal e predominante também durante o Estado


Social.

12.2.2 O pensamento tópico: o problema como ponto de partida para discussão jurídica e
a elasticidade dos fundamentos de direito

A apresentação do pensamento tópico aplicado ao direito concorre de modo


favorável à estruturação de um método jurídico dialético. Neste segmento, investiga-se o
pensamento tópico em geral, mas atem-se especialmente à versão antissistemática que lhe foi
concedida pelo jusfilósofo alemão Theodor Viehweg. O legado desse autor, por intermédio da
obra Tópica e Jurisprudência (Topik und Jurisprudenz), fez-se complemento valioso ao
pensamento retórico desenvolvido na segunda metade do século XX, porque serviu como um
dos principais pilares na retomada da lógica dialética no mundo contemporâneo.
Viehweg lança sua teoria, muito original no contexto dos primeiros anos do pós-
segunda guerra mundial, como tese de livre-docência para a recém-reaberta Universidade de
Munique. Sob o título de Tópica e jurisprudência,13 Viehweg entende o estudo do pensamento
tópico aplicado à ciência do direito (ciência do direito, em língua alemã: Jurisprudenz). A tópica
fez-se, pois, reapreciada pelos juristas da segunda metade do século XX, uma vez que o
pensamento sistemático formal, profundamente marcado pela pretensão de certeza, havia
abortado de seu complexo qualquer possibilidade de pensar por meio de opiniões (ex endoxon).
Essa forma de pensar, ou melhor, essa techne do pensamento que se orienta por problemas, a
partir de problemas e em direção a eles,14 constitui uma preciosa herança do pensamento
anterior a Aristóteles, mas que teve esse filósofo grego como seu primeiro e também maior
sistematizador, dada a grande capacidade enciclopédica que lhe é peculiar. Foi Aristóteles que
lhe concebeu o nome de tópica. Os topoi, ou seja, lugares comuns, compõem uma forma de
pensar que tem o propósito de “descobrir um método que nos capacite a relacionar, a partir de
opiniões de aceitação geral, acerca de qualquer problema que se apresente diante de nós e nos
habilite, na sustentação de um argumento” (Tópicos, Liv. I. I). A tópica se constrói a partir de
silogismos dialéticos, que se compõem pelo uso dos topoi, as tais opiniões (pensamento ex
endoxa) de aceitação geral.15
Viehweg fez-se notável porque retomou quase pioneiramente algo que hoje é
matéria de grande interesse: o pensamento retórico. Os antigos, anteriores a Aristóteles, já
desenvolviam esse modo de pensar sob o nome de euresis (radical grego arcaico da palavra
heurística), e posteriormente a Aristóteles esse tipo de pensamento se desenvolveu muito mais,
com Marcus Tullius Cícero que, por sua vez, tornou-se influente nos estudos que dominaram
as letras romanas e perduraram assaz influentes até o século XVI, sob o nome de artes liberales.
O pensamento tópico estava presente em duas das três primeiras disciplinas (trivium) das artes
liberales: Retórica e Dialética.16
Como dito, o pensamento tópico parte do problema e, portanto, tem como
conhecimento prévio apenas um catálogo fragmentado, impreciso e aberto para servir-lhe de
orientação. Essa orientação não deve necessariamente se impor – como se pretende no
pensamento sistemático –, mas pode ou não ser usada. A tópica é arte da invenção, da disputa,

13
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência. Tradução de Tércio Ferraz Júnior, Brasília, 1979. Título original: Topik
und Jurisprudenz.
14
FERRAZ JR. Prefácio. In: VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 3.
15
ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticos anteriores, analíticos posteriores, tópicos,
refutações sofisticas. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2005.
16
As artes liberales eram sete, no total: 1. Gramática; 2. Retórica; 3. Dialética; 4. Aritmética; 5. Geometria; 6.
Música; 7. Astronomia, daí também chamadas de septem artes liberales.
6

a partir do caso, pois esse modo de pensar brota da luta, “a favor e contra, dos móveis em debate:
no lugar do reflexo entra a reflexão”.17
No entanto, o pensamento tópico passou a ser cada vez mais afastado dos estudos
fundamentais a partir do século XVII, como bem observou Viehweg, ao analisar o pensamento
de Vico. Uma vez que o pensamento retórico passou a ser marginalizado em razão de uma
“nova ordem” de produzir o saber, sob a influência do pensamento de Pascal, Arnauld,
Descarstes. Contudo, Vico ainda se posiciona favorável à dialética, mas assim já se colocava,
no século XVII, na contramão do pensamento dominante. Seu convencimento de interpor
conciliação entre o velho e o novo pensamento não foi aceita pela mentalidade que de seu tempo
emergia.18
A quebra do formalismo proposta pela tópica está comprometida com a prudência
(jurisprudência como pensamento específico do direito, como queria Viehweg). O pensamento
dialético é uma forma de pensar por opiniões postas dentro de um procedimento comunicativo
onde o bom senso está presente, porque há que sopesar os argumentos, escolher a melhor
premissa, contraditar e aceitar; então, há uma estreita relação entre o pensamento tópico e as
metodologias dialéticas do direito, porque trabalham com o indefinido e estão diretamente
comprometidas com o problema jurídico.
Segundo Perelman, o grande ganho do pensamento tópico consiste em não opor a
teoria à prática. Como afirma, em vez de se opor o direito à razão e à justiça, os juristas deveriam
se empenhar, ao contrário, em conciliá-los.19
Viehweg, em especial, tem a pretensão de desconstruir a noção sistemática ou
hermética do direito, apontando a elasticidade dos pressupostos que poderiam ser utilizados por
ele. A ideia de univocidade lhe parece indevida, bem como a fundamentação logicista do
direito, baseada num sistema completo e autossuficiente. Para Viehweg, a construção de um
sistema formal nunca se realizou, ainda que sua existência seja pressuposta pelo pensamento
ocidental ainda dominante.20
Há, contudo, algumas inferência que podem ser hauridas do livro Tópica e
Jurisprudência que se fazem perceber quando se aprofunda o estudo sobre a perspectiva
viehweguiana do direito, ou melhor, da visceral reforma que ele pretende levar a cabo no direito.
A compreensão de sua tópica existe, em primeira mão, compreensão da biografia do autor, que
rebelou-se, ainda em meados dos anos 30 do século XX, contra o nazismo e foi perseguido
sistematicamente em sua carreira jurídica até resultar, já durante a guerra, em seu envio para o
cerco de Leningrado, em 1941, quando Viehweg já contava 35 anos de idade. Sobrevivente da
guerra na Rússia, inimigo do autoritarismo, é presumível sua aversão ao autoritarismo.
Viehweg não é apenas um autor antissistemático, no sentido de negar a efetividade
ou mesmo a existência da teoria do ordenamento jurídico, mas vai além, ele nega a autoridade
do Estado para propor e consequentemente impor o direito. Para ele o ordenamento jurídico
não é um sistema fechado, coerente, hierárquico, mas apenas um catálogo aberto, formado por
topoi que podem ser observados ou não, conforme exige a solução do problema.
Os topoi, isto é, estes lugares comuns, podem até ser princípios ou regras de direito,
mas podem ser meras regras diretivas, enunciados, argumentos, desde que tenham considerável
respaldo público ou aceite por parte majoritária de uma comunidade. O direito está, portanto,

17
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 34.
18
Theodor Viehweg conta que Vico havia discutido no início de sua dissertatio que sua intenção era construir uma
conciliação dos estudos antigos (retórica) com o moderno (formalístico): De recentiori et antiqua studiorum
ratione conciliata, ou seja, Da conciliação do tipo de estudos antigo e moderno (Tópica e jurisprudência, p.
19).
19
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 131.
20
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 77.
7

no seio da sociedade civil e não nas mãos do Estado, é formado pelos consensos que emergem
de um grupo social e não elementos hierarquizados, sistematizados, dentro de um quadro
fechado que exige coerência, completude e, sobretudo, que emanam do poder estatal. Os topoi
podem ser valores, regras de razão prática, adágios, máximas aceitas por quase todos, exigindo
apenas que sejam detentores de razoabilidade e abrangente intersubjetividade. O pensamento
tópico é, em primeira dimensão, assistemático e, em segunda, paraestatal.
Por isso, não se pressupõe o direito como algo imposto pela autoridade estatal, de
modo vertical, mas que o direito esteja difuso nos saberes sociais, nas crenças de uma
comunidade. Os topois são saberes comuns e seriam usados eventualmente como técnicas para
escolar ou legitimar soluções a problemas, para tanto, valem-se de racionalidade argumentativa.
Por isso mesmo Viehweg refere-se, ao dispor sobre seu método, a nada mais pretencioso do
que uma techne jurídica.
Outra questão capital é perceber que Viehweg propõe uma inversão de perspectiva
sobre o método instaurado na modernidade, a partir da consolidação da teoria do ordenamento
jurídico. Isso porque, a partir dessa teoria, o problema deve ser submetido a um sistema
preestabelecido, pretensamente neutro e o resultado não seria controlado pelo interprete, mero
operador de procedimentos da “maquina jurídica”, mas um produto. Para Viehweg, todo o
processo jurídico parte do problema e se ajusta a ele com pretensão de se fazer justiça. Há, por
outro lado, uma um catálogo de alternativas a serem selecionadas, sendo que uma ou algumas
delas servirão à solução do problema conforme as contingências e circunstâncias específicas
desse.
É compreensível que para os iniciados no direito contemporâneo, a proposta tópica
pode causar estranheza. Sob a perspectiva atual, habituada à teoria dominante, a metodologia
proposta por Viehweg pode parecer demasiada anárquica, até mesmo inexequível. Entretanto é
preciso levar em consideração que a técnica sistemática, da forma em que é pensada, sob a
égide do paradigma positivista, é muito recente, pois passou a ser dominante no ocidente
somente a partir da primeira metade do século XIX. É preciso levar em conta que o direito
romano não conhecia ordenamento jurídico da forma que se constitui hoje – como um sistema
único, exclusivo e de necessária aplicação - , nem mesmo o medieval, assim como todo período
a que se denomina por antigo regime. A técnica jurídica dominante era essencialmente tópica e
seus resultados não foram, aos olhos dos cultores do direito, de forma alguma, desprezíveis. O
reconhecido e exemplar direito romano operava sem necessidade de sistematicidade auto
referencial, valendo-se mais da prudência, da retórica e da dialética.

12.3 As metodologias dialéticas e seus ganhos.

O que vem a ser uma metodologia jurídica dialética? Essa questão suscita, ao
menos, duas ideias. A primeira é conceitual: pensamento sobre o método jurídico. A segunda
trata de uma ação: se construir pela interação. Estas duas expressões conjugadas remetem à
ideia de um método aplicado ao direito que não está definido, a priori, fechado. Trata-se, pois,
de um método dado às circunstâncias. Parece que é precisamente esse o entendimento que
Gaston Bachelard tem sobre o próprio conceito de método: o discurso sobre o método científico
será sempre um discurso de circunstância.21

21
Ele expõe logo no início de sua L’épistémologie non-cartésienne: “Les concepts et les méthodes, tout est
fonction du domaine d’expérience; toute la pensée scientifique doit changer devant une expérience nouvelle;
un discours sur lá méthode scientifique sera toujours un discours de circonstance, il ne décrira pas une
constituition définitive de l’esprit scientifique’ BACHELARD. Le nouvel esprit scientifique, p. 139. [“Os conceitos
e os métodos, tudo é função do domínio da experiência; todo o pensamento científico deve mudar diante duma
8

Para o pensador francês, o método tem certa conotação ‘ativa’, uma vez que faria
corpo junto à sua aplicação (La méthode fait corps avec son application).22 O rigor
metodológico ou a rigidez e a imparcialidade do método em referência àquilo que ele se projeta
são, por excelência, os pontos cegos das correntes formalistas aplicadas ao direito. O fenômeno
jurídico não suporta uma predefinição de seu conteúdo. E esse é o grande ganho trazido por
Viehweg ao pensamento jurídico em geral: novas circunstâncias implicam novas formas de
compreensão.23
Como se expôs nos escritos deste capítulo, o problema (a demanda jurídica) deve
atuar, como ponto de partida para a discussão jurídica ou, ainda, como guia para o procedimento
jurídico. Quando se tenta raciocinar de acordo com um sistema previamente dado, ou seja,
dentro e a partir de um sistema explícito e fechado, o resultado não é outro senão uma
deformação do próprio problema para atender às conformidades do sistema.
O problema deve ser o cerne da preocupação jurídica, mas a tão difundida e aplicada
teoria do ordenamento jurídico, cega pela intensa luz da ordem, da previsibilidade, em busca
da segurança jurídica, assim não procede. O problema humano queda-se quase como um detalhe
à margem do pensamento preconcebido. Isso porque, para na teoria do ordenamento jurídico,
o problema deve ser apenas inserido num campo no qual a resposta já está previamente dada,
bastando, portanto, apenas encontrá-la. O pensamento sistemático, como explica Viehweg, faz
com que o problema seja trazido para dentro de um conjunto de deduções, previamente dadas,
a partir do qual se infere uma resposta,24 pois o procedimento, segundo o método sistemático,
parte de uma ótica pretensamente totalizante, como se a realidade coubesse dentro do
ordenamento jurídico. O que não está inserido nessa sistematicidade não está no mundo. Veem-
se todos os problemas humanos pelo prisma do ordenamento, e este ponto de vista condiciona
o conhecimento do caso concreto, pois o sistema funciona como critério para seleção de
problemas. A exemplo, eis a explicação de Nicolai Hatmann: “Os conteúdos do problema que
não se conciliam com o ponto de vista são rejeitados. São colocados como uma questão falsa
ou inválida. Decide-se previamente não sobre a solução dos problemas, mas sim sobre os limites
dentro dos quais a solução pode mover-se.25
Esse formalismo aplicado ao direito só foi possível porque os ideais de
sistematização trazidos pela matemática passaram a permear toda forma de pensamento, como
se seu paradigma funcionasse em qualquer área do conhecimento. Mas o direito trabalha com
aporias, com dilemas e não é, de forma alguma, um sistema coerente e sem contradições como
as tábuas matemáticas (tábuas axiomáticas). A matemática é neutra e por esse motivo pode se
comportar de maneira lógica, mas o direito trabalha com valores e estes não se ordenam, mas

experiência nova; um discurso sobre o método científico será sempre um discurso de circunstância, não
descreverá uma constituição definitiva do espírito científico.”]
22
Bachelard ainda dispõe: Même sur le plan de la pensée pure, la réflexion sur la méthode doit rester active.
[Mesmo sobre o plano do pensamento puro, a reflexão sobre o método dever restar ativa]. BACHELARD. Le
nouvel esprit scientifique, p. 140.
23
Dispõe Viehweg: “Quando se produzem mudanças de situações e em casos particulares, é preciso encontrar
novos dados para tentar resolver os problemas. Os topoi, que intervêm com caráter auxiliar, recebem por sua
vez seu sentido a partir do problema. A ordenação com respeito ao problema é sempre essencial para eles. À
vista de cada problema aparecem como adequados ou inadequados, conforme um entendimento que nunca é
absolutamente imutável. Devem ser entendidos de um modo funcional, como possibilidade de orientação e
como fios condutores do pensamento”. VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 38.
24
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 34.
25
HARTMANN, Nicolai. Diesseits von Idealismus und Realismuns, in KantStudien, t. XXIX, p. 163-164, apud
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 35.
9

concorrem entre si ou até se excluem mutuamente. Exatamente por isso, Perelman afirma que
concepções ideológicas diferentes podem resolver conflitos de múltiplas maneiras.26
Não há possibilidade de se pensar o direito de forma abstrata. A teoria do direito
jamais poderá se conceber apenas como ‘teoria’. O direito é um tipo de conhecimento que
trabalha com valores, com intuição, com indução e até com a dedução. Mas sempre com um
pressuposto inarredável: o direito depende das informações casuísticas para ser levado a efeito.
Não obstante, o caso deve ser respaldado, posteriormente, por um dispositivo legal. Contudo,
isso não faz entender que a lei pode ser simplesmente desconsiderada. A lei é a garantia de
intersubjetividade e esta é uma das principais conquistas da Modernidade. Ora, a
intersubjetividade legal não pode ser desrespeitada sem que se tenha como ônus a perda da
democracia. A experiência do fato é a sua gênese, mas a intersubjetividade é sua legitimação
como fenômeno jurídico.
A diferença entre pensamento teórico e jurídico está marcada pela sua natureza. O
jurídico está voltado para o concreto (do latim concretus: aquilo que está condensado,
acontecido no mundo fático e põe-se como problema experimentável), ao passo que o
pensamento teórico está voltado para o abstrato. O direito não está e nem pode ser pensado
apenas em abstrato. Daí emerge a vantagem lograda por Cícero em relação à Aristóteles. Ao
contrário do que havia insinuado Viehweg, o nível da tópica ciceroniana não é inferior ao da
aristotélica.27 Enquanto Aristóteles, em sua Tópica, tem a ideia de ‘problema’ como algo
meramente teórico, Cícero viu a tópica como uma forma de pensamento aplicada à práxis.28
Exatamente como Perelman propõe, ainda nesse sentido, “a superioridade do
pensamento jurídico sobre o pensamento filosófico está em que, ao contrário deste que pode
contentar-se com fórmulas gerais e abstratas, o direto é obrigado a considerar a solução das
dificuldades que surgem quando se trata de aplicar essas fórmulas gerais à solução de problemas
particulares”.29 Então, a teoria metodológica jurídica dialética se justifica exatamente a partir
desta ideia: não há como as escolhas encontrarem-se pré-determinadas; em abstrato elas
simplesmente não existem. O direito precisa experimentar e somente ao fazê-lo poderá
conhecer. Uma teoria do método jurídico dialética é uma proposta de conhecimento do
fenômeno jurídico que exige a experiência do caso para que o fenômeno possa ser pensado. A
partir desse conhecimento condicionado, pode-se evoluir para o processo jurídico que se dará
em função do que foi apurado. Nesse sentido, esta proposta muito se estreita à concepção
teorizada por Friedrich Müller, em sua metódica estruturante.30
Daí o direito trabalhar mesmo com escolhas, pois sua natureza é antinômica,
aporética e dilemática. E aquele que trabalha com essa área do conhecimento não pode evitar
fazer escolhas.31
Como se havia escrito no início deste capítulo, a ideia de método se apresenta em
dois momentos distintos perante às filosofias e ciências em geral. No direito não é diferente: o
primeiro momento estaria diretamente imbricado à teoria do conhecimento - como determinado
dado pode ser conhecido; o segundo momento refere-se à ideia de procedimento ou mesmo
momento procedimental, isto é, como se deve proceder frente a um conhecimento. Este projeto

26
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 163.
27
VIEHWEG. Tópica e jurisprudência, p. 28.
28
Theodor Viehweg assim dispõe: “Este [Cícero] entendeu a tópica como uma praxis da argumentação, a qual
maneja o catálogo de topoi que ele esquematizou bastante. Enquanto Aristóteles trata, em primeiro lugar, ainda
que não de um modo exclusivo, de formar uma teoria, Cícero trata de aplicar um catálogo de topoi já pronto.
Àquele interessam essencialmente as causas; a este, em troca, os resultados” (Tópica e jurisprudência, p. 31).
29
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 165.
30
Cf.: MÜLLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique,; MÜLLER. Métodos de trabalho do direito
constitucional; MÜLLER. Teoria Estruturante do direito.
31
PERELMAN. Lógica jurídica e nova retórica, p. 165.
10

é, originalmente, formulado pelo criticismo kantiano, com as respectivas obras Crítica da


Razão Pura e Crítica da Razão Prática. Mas a tese aqui defendida é reversa aos resultados
encontrados por Kant: nenhuma teoria pura dará conta das ciências sociais aplicadas, porque
elas se estabelecerem em processo dialético com a práxis.
11

Décimo Terceiro Capítulo:

Metodologia Jurídica da Racionalidade e da Autonomia:


valores e particularidades como circunstâncias especiais que informam a prática
jurídica

Há, até aqui neste livro, uma crítica constante aos construtos ideológicos pouco
flexíveis como o contratualismo, o formalismo, o mecanicismo e o determinismo aplicados à
teoria do direito. Como se viu, são resquícios da mentalidade colonizadora que constituiu os
europeus como modelo de ordem e racionalidade enquanto a periferia colonizada procurou
espelhar-se nesse modelo, com pretensão de se atingir o progresso, o desenvolvimento, meta e
paradigma da Modernidade. E, como alternativa, expostas foram teorias que nascem a partir da
dialética, da racionalidade e da argumentação, como mecanismos capazes de questionar a
violência da autoridade, a hierarquização social, a segregação.
Agora se deseja explicar esta guinada epistemológica das concepções e métodos
jurídicos da modernidade cientificista para uma nova forma de racionalidade dialógica. Para
tanto, usar-se-á dos apontamentos de Niklas Luhmann, a partir da obra Sociologia do Direito,
rumo a um leque de propostas alternativas ao positivismo jurídico. Luhmann serviu como
observador de fenômenos da práxis jurídica, dos usos das programações condicionais, da
automatização dos mecanismos jurídicos, das simplificações que negam complexidades ou
omitem paradoxos nas relações tuteladas pelo direito. Neste sentido, seguindo esse autor,
sedimentar-se-á aquilo que se pretende combater, o positivismo jurídico como método e, por
conseguinte, criar-se-ão novas perspectivas, mesmo que ad hoc desse solo, por serem traçadas
à maneira crítica: primeiramente a discussão da teoria dos valores acrescida de alguns
arremates, que não têm sido lembrados quando se discute essa problemática; depois, em
segundo momento, uma discussão do princípio da autonomia conjugado com a ideia de
racionalidade habermasiana. Tudo marcado pela defesa de um método jurídico dialético, aberto,
dedicado às circunstâncias específicas de cada caso.
O fato jurídico exige um procedimento específico que é formado a partir da
dialética entre o saber prudente do direito (norma jurídica intersubjetiva) e as exigências
contingenciais de cada situação. Existe, no direito, uma racionalidade sistemática e não
cercanias de leis para que a aplicação desse seja legítima. Deter a produção e a aplicação desta
racionalidade é o entendimento da expressão “autonomia”, no esteio de Marcelo Galuppo e
Jünger Habermas.
Defende-se, portanto, uma teoria de conhecimento e aplicação do direito que está
em constante (re)construção, caso a caso. O direito não é a priori, parte da prática. Com efeito,
não só porque cada caso é único, mas porque só se interpreta o fato a partir da sua
experimentação e não se interpreta norma senão frente a um caso específico. Não deve haver
método a priori, por consequência desse postulado. O fato jurídico exige procedimento
específico que é formado a partir da dialética entre a intersubjetividade garantida pela norma
legítima e as circunstâncias de fato que a concretizam. Ou, sob outro prisma, o fenômeno
jurídico é dialético, constrói-se casuisticamente com a racionalização prática dos argumentos
envolvidos.
Justifica-se, assim, a necessidade de se flexibilizar a rigidez dos métodos de
conhecimento e a aplicação do direito, para trazer maior aproximação desse com as pelejas
humanas. Busca-se, pois, particularizar a aplicação dos métodos jurídicos e mantê-los atentos
às possíveis exigências peculiares de cada contexto. Pois os mecanismos para a solução de
controvérsias devem primar-se pela sua sapiência e sensibilidade, e não por se caracterizarem
como programas preconcebidos, formais e rígidos.
12

Como recurso discursivo, adotou-se um caso prático para corroboração e


verificação do que se pretende afirmar e defender. Os pressupostos da teoria e práxis darão ao
capítulo reflexão crítica.

13.1 O incêndio na cidade do Serro - Minas Gerais.

Como uma ciência social aplicada sempre exige, eis um caso em que o pensamento
jurídico pode ser levado a efeito. Propõe-se analisar um epsódio do município do Serro, Minas
Gerais, como exemplo. Para tanto, foram utilizadas informações colhidas exclusivamente do
Inquérito Policial promovido pela Delegacia de Polícia do Serro e do laudo pericial do Instituto
de Criminalística da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas Gerais, ambas as
peças anexadas aos autos do processo arquivado na Comarca do Serro.
No extremo sudoeste do Vale do Jequitinhonha, transcorreu caso que a justiça
formal era, à sua tipicidade formalista, insensível. No dia 18 de novembro de 1985, José Maria,
aposentado, incendiou seu próprio corpo, derramando sobre sua cabeça um vasilhame de álcool
e ateando fogo em si mesmo, dentro de sua própria casa, que também se incendiou, pois era
esse também seu objetivo: reduzir a cinzas sua vida, a vida de sua esposa e o de seu imóvel,32
o qual não conseguia recuperar posse frente seu locatário, o Banco Real S.A. Como ficou
registrado, pelas nove testemunhas que depuseram no inquérito, a causa do nefasto foi o
desespero e a impotência para fazer com que o Banco Real reajustasse o valor da prestação
locatícia, de um contrato celebrado há dez anos retroativos à data do incêndio, que impunha,
por sua desvalorização, dificuldades financeiras ao proprietário.33
José Maria havia firmado contrato de locação do imóvel com o Banco Real S.A.
em 1975, dispondo da parte térrea de um sobrado colonial de dois pavimentos, onde, no andar
superior, vivia com a esposa. Nos anos seguintes, em decorrência da desvalorização do preço
ajustado, procurou rever os termos do contrato que lhes eram desfavoráveis. Como não foi
possível, por força da submissão ao pacto alterar o índice de correção monetária acordado, o
proprietário desejava retomar o imóvel para locá-lo à terceiros. Todavia, como previa a lei do
inquilinato a época, assim como a atual, os contratos de locação de imóveis para fins comerciais,
com prazo superior a cinco anos, resguardavam ao locatário a retenção do bem por tempo
indeterminado, desde que se protestasse o direito tempestivamente por meio da nominada Ação
Renovatória, protocolada seis meses antes do término do contrato. Dessa forma, o Locatário
renova o tempo de vigência do contrato, garantindo permanência na posse do imóvel nos
mesmos termos e cláusulas previstas no contrato primitivo. Apenas os locatários que exerciam
atividades lucrativas experimentam tais benefícios, em face da restrição imposta aos locadores,
como forma de proteção à atividade comercial. Nesse sentido, e astutamente omitindo o direito
à Ação Renovatória, dispunha o contrato celebrado entre José Maria e o Banco Real que o prazo
de locação seria de cinco anos, com início em 1º de abril de 1976 e término em 1º de abril de
1981, “podendo ser renovado por igual período a critério exclusivo do Locatário” (Cláusula
Segunda). Não obstante, a forma de correção monetária trouxe maior injustiça: pactuou-se
reajuste anual na mesma proporção em que se elevasse o valor das “Obrigações Reajustáveis
32
“A testemunha (informante), Ana Maria Pereira, presenciou quando o indiciado apoderou-se de um vasilhame
de álcool e junto ao botijão de gás ateou fogo em seu próprio corpo. Daí surgiram as grandes chamas que
incontroladas destruíram o prédio”. Parecer do Ministério Público ao citar o depoimento de Ana Maria Pereira,
tomado pelo Bel. Sebastião Monteiro Pacheco – Masp 203739. (fls. 70).
33
“[...] o início do incêndio começou pelo Sr. José Maria [...], dono do prédio, que segundo informações, vivia
bastante contrariado com os aluguéis que recebia do Banco Real S./A., vinculado a contrato, [...] e por desespero,
inclusive financeiros, como alumia algumas das pessoas que prestaram informações nestes autos, resolveu
colocar fogo”. Inquérito policial. Bel. Sebastião Monteiro Pacheco, fls. 68.
13

do Tesouro Nacional” (Cláusula Terceira), índice desfavorável ao locador, constituindo em


causa do descontentamento do mesmo com a rápida desvalorização da prestação locatícia em
brevíssimo tempo. Há que se lembrar de que a época a inflação brasileira era muito alta.
O sinistro se deu em 1985, quando da segunda Ação Renovatória interposta contra
o Locador, que provavelmente, nesse momento, viu reforçada a impossibilidade de retomar o
imóvel ou mesmo discutir qualquer cláusula contratual ou reajuste da prestação locatícia.
Restaria ao locador ver-se livre da exígua prestação apenas pela venda do imóvel,
o que uma cláusula contratual indireta tornava quase impossível, com respaldo do Código Civil,
art. 1.197, que dispunha sobre a possibilidade de manter-se o contrato de locação intacto,
mesmo no caso de venda à terceiros, se constasse em registro público cláusula neste sentido. E
isso havia necessariamente sido pensado pelo departamento jurídico do Banco Real, pois a
cláusula oitava do contrato celebrado previa o vigor do contrato mesmo em caso de alienação
do imóvel, na pessoa de seu adquirente, sucessores e até herdeiros. Sem deixar margem à
dúvida, o contrato fora propositalmente registrado em cartório.
Como consta no inquérito policial, o Locador havia tentado vender o prédio ao
Banco do Brasil, mas esse negócio não se efetivara, pois, se o preço do aluguel era irrisório e o
contrato de locação não poderia ser rescindido, em que interessaria a compra?34 Como ficou
registrado também, José Maria tentou vender o sobrado para o próprio Locatário, o Banco Real,
mas esse não se pronunciou.35 Tendo o bem por preço baixo mensal, a chefia administrativa do
Banco se sensibilizaria às necessidades de José Maria, comprando o que já detinha por outros
meios?
Mas havia um último fator que tudo agravaria – mais uma vez o direito positivo não
tem como atentar para esse tipo de circunstância: a esposa do Locador, Edelvina, setuagenária,
estava acometida da doença de Parkinson, cifoescoliose e insuficiência cardiovascular. Os
custos com remédios, enfermagem e outros cuidados necessários com o Mal de Parkinson,
doença degenerativa, exigiriam maiores gastos.36
Mas toda esta conjuntura, casal de idosos diante de um banco, acometimento de
doença degenerativa, dificuldades financeiras, fatos que, porventura, no “mundo da vida”
sugeririam alterações no contrato, pois, implicam necessidades humanas, não compõem a
seleção de informações assimiladas pelo “filtro do direito”. O fenômeno jurídico formal se
propõe em termos gerais, abstratos, e é insensível àquilo que é casuístico ou que não tenha sido
previsto na generalidade de hipóteses.

13.2 Simplificação dos processos decisórios segundo Niklas Luhmann: filtro processual,
programações condicionais e desafogamento de atenção e responsabilidade com as
consequências da decisão.

Por força de uma imposição metódica, o direito trabalha com uma seleção de
informações. As informações diversas daquelas aceitas (filtradas) não existem para o mundo
34
Inquérito policial: Depoimento do Sr. Vicente Nunes Mourão, fls. 13.
35
Inquérito Policial: Depoimento do gerente do Banco Real – Agência Serro, Sr. Geraldo Magela dos Reis
Modesto, fls. 12: “Recentemente, o Sr. José Maria havia encaminhado uma carta proposta à Chefia do Banco Real,
sobre a venda do imóvel, cuja reposta até a presente data não chegou.”.
36
Conforme disposto no relatório médico do Hospital de Geriatria e Reabilitação Paulo de Tarso, da rede pública
da Capital de Minas Gerais, onde a esposa foi internada dias depois do incidente: “A paciente Edelvina [...]
ingressou neste hospital em 20/1/86. Portadora de Doença de Parkinson, Cifoescoliose e Insuficiência
Cardiovascular, está mentalmente deteriorada com desorientação em tempo e espaço. Deambula com ajuda de
2 pessoas devido ao avançado estágio da Doença de Parkinson bem como a acentuada deformidade da coluna
vertebral (cifoescoliose) BHte, 6/3/86. Dr. Ivan de Melo – CRM – 11652”.
14

jurídico. A palavra filtro é aqui empregada por inspiração da teoria de Niklas Luhmann, quando
discute a questão do “filtro processual”, pelo qual “todas as idéias jurídicas têm que passar para
se tornarem socialmente vinculativas enquanto direito”37.
Trata-se de “processos de simplificação” do direito, questão alcançada com o estrito
cumprimento dos métodos designados pelo e para o próprio direito. Essas informações de
ordem humana, moral ou valorativa podem ser inclusas ou não na racionalidade jurídica. Podem
até mesmo ser intersubjetivas, de bom senso, razoáveis, mas o que prevalece nas relações
jurídicas ainda é o formal, porque o critério para sua seleção não é sua razoabilidade, mas a
escolha feita pela autoridade jurídica, de modo impositivo.
O recorte científico elaborado por Niklas Luhmann percebe essa necessidade
utilitária do direito e a trata como “desafogamento de atenção e da responsabilidade com
respeito às conseqüências da decisão”. Isso se dá a partir de uma lógica mecânica, deducionista
(se/então), de simplificação. Luhmann não se posiciona criticamente em relação ao fenômeno,
como sempre procede, a buscar construir apenas a partir de uma análise epistemológica do
fenômeno jurídico. Mas o dispõe com muita clareza:

É necessário reconhecer que o estilo da decisão jurídica submetida a programações


condicionais implica necessariamente que junto com o “se” estatui-se também o
“então”, aceitando suas conseqüências sem calculá-las e valorá-las. [...] A
sustentação da decisão não é uma relação valorativa entre as conseqüências, mas a
própria vigência da norma [...]. Isso desafoga o juiz da necessidade de examinar todas
as conseqüências valorativamente de sua decisão, todas as probabilidades futuras, de
verificar a propriedade dos recursos e das alternativas à disposição e de avaliar
valorativamente suas conseqüências secundárias, ou seja: libera-o de considerações
decisórias, cuja complexidade, dificuldade e necessidade de simplificação nos é
demonstrada pela teoria decisória da economia processual. 38

As tais “programações condicionais” descritas por Luhmann se referem ao processo


de tecnicização e automatização do fenômeno jurídico, permitindo uma simplificação dos
processos decisórios, de modo que:

aquele que decide só precisa conhecer seu programa (e eventualmente interpretá-lo),


para então verificar se as informações nele previstas existem ou não. Desta forma,
ele só precisa considerar um pequeno corte da situação e do seu passado relevante
para o programa, permanecendo indiferente quanto ao resto, no que ele é apoiado
pela diferenciação de sistemas processuais especiais para a execução do programa.
Com isso é possível atingir-se consideráveis ganhos de tempo, destacar-se temas para
a obtenção rápida de consenso [...].39

O inquérito policial do incêndio do Serro não foi levado a efeito para apurar a
formalística insensata do direito; ou a desproporção econômica entre o casal de idosos e o
banco; muito menos para perceber criticamente construtos ideológicos como o do
contratualismo. Mas o inquérito dedicou-se a precisar a única coisa que o método jurídico, no
caso criminalista, pode vislumbrar: cometeu-se ou não um ato tipificado como conduta prescrita
proibida. Isto posto, o Ministério Público findou o inquérito ao pedir a “extinção da
punibilidade”, pois o autor do “crime” estaria morto e sua esposa não havia contribuído para a
ação criminosa. O inquérito não chegou, então, a tornar-se propriamente um processo judicial,
sendo arquivado assim que instaurado no Fórum da cidade do Serro.

37
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. p. 8.
38
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. p. 31.
39
LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. p. 30.
15

Contudo, os cidadãos da cidade do Serro, nas semanas seguintes ao incêndio,


passaram a fechar suas contas no Banco Real, que havia se mudado provisoriamente para nova
sede, em rua paralela. Pouco tempo depois, a diretoria da rede bancária decidiu abandonar a
cidade, pois seus negócios tornaram-se inviáveis naquela comunidade.40
Encontra-se, hoje, uma placa em metal fixada na parede do casarão reconstruído,
onde se lê: “Este Edifício foi reconstruído com materiais e tecnologia contemporâneos pelo
Banco do Brasil, pois o original foi destruído num incêndio de 1985”.41

13.3 Valores e particularidades como circunstâncias especiais que revelam o direito

Partindo da picada aberta por Ferraz Jr., enquanto os métodos aplicados às ciências
naturais são meramente explicativos, aos “fenômenos humanos se acrescenta à explicação o ato
de ‘compreender’, isto é, o cientista procura reproduzir intuitivamente o ‘sentido’ dos
fenômenos, valorando-os” 42. Não há possibilidade de compreensão do fenômeno jurídico se
este estiver apartado dos valores que o inflam. Pois não há, nem mesmo, possibilidade de
compreensão de texto sem valores que subsistam dentro da linguagem. E, a partir dessa
cunhagem, jamais haveria uma teoria avalorativa do direito. Nem mesmo a objetivista
metodologia da Teoria pura do Direito, de Hans Kelsen, pressupôs isto. O normativista tcheco
não imaginou, jamais, a ausência de valores nas normas, mas apenas afirmou que a fonte do
direito é a autoridade competente, como anunciador de algum valor. Ele simplesmente postulou
que o fato gerador da norma concentra-se na própria atividade estatal e esta é indiferente à qual
justificativa tenha; a norma se bastaria pela sua validade sistemática e não pela sua
fundamentação. Essa perspectiva confundiu muitos dos interpretes de Kelsen, que,
inadvertidamente, ensinam que ele havia construído uma teoria avalorativa. Ora, o valor está
na norma, abarcado por ela, ou seja, sob sua tutela. Mas não há linguagem que possa ser
compreendida sem valores que a traduzam e nem normas neutras. Neutra seria apenas a postura
do aplicador do direito segundo essa teoria, porque não se deve posicionar criticamente diante
do fato observado, mas apenas sancionar a conduta objetivamente, conforme a previsão legal.
O entendimento de Ferraz Jr. compõe com a perspectiva destes escritos. Todavia,
não dispôs o jurista paulista que o sentido só pode ser captado, ou melhor, compreendido por
meio de critérios específicos para a lida com a complexidade humana: observação de suas
particularidades. Ora, as normas jurídicas só podem ser compreendidas se lidas através dos
fatos que as suscitam.
Se, com a exposição do trágico incêndio no Serro, conseguiu-se demonstrar como
a abstratividade e o filtro (seleção) de informações aceitas pelo direito, por imposição de um
método geral, expõem a sociedade à deformação, precluindo necessidades humanas,43 não se

40
Hoje o Banco Real encontra-se extinto, tendo sido comprado pelo banco espanhol Santander
41
Eis aqui, algumas informações complementares sobre o caso do incêndio no sobrado, apenas a título de maior
compreensão do ocorrido. Uma síntese do relatado pelas nove testemunhas pode ser condensada no
depoimento do vizinho da vítima e comerciante, Raul Clementino Júnior: “José Maria saía pouco e era de pouca
conversa, e segundo informações a situação dele não era boa, que, [...] disse ter rendimentos baixos com o
aluguel do prédio ao Banco Real, com isso, passava sérias dificuldades, inclusive alimentícias, bem como,
medicamentos, etc.” (fls . 15). Ficou também expresso, pois era uma informação aceita por todos que estavam
na rua no momento do sinistro e também por informação dos dois militares que chegaram ao local e procederam
ao salvamento – Elvimar Diniz de Araújo e Wanderson José Ferreira –, que a senhora Edelvina (esposa) resistiu
sair do sobrado, agarrando-se a uma pilastra, pois queria morrer com o marido.
42
FERRAZ JR. A ciência do direito. p. 11.
43
Nos termos teorizados por Miracy Barbosa de Sousa Gustin. Para ela, a nova ordem social passa a ser construída
“tendo em vista a concepção de um processo gradual e progressivo de autonomização do ser humano, faz-se
16

pode aceitar que método seria “um conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones
para julgar a adequação das explicações propostas, critérios para selecionar hipóteses”44, como
está na singela explicação de Ferraz Jr. Tomar a posição do autor é o mesmo que entender o
direito como uma teoria geral e abstrata. Todavia, o direito precisa de métodos específicos a
cada caso. Isto é, no direito, a escolha dos procedimentos empregados deve-se dar
dialeticamente com o caso. Então, os métodos não devem ser “conjuntos de princípios da
avaliação”, nem “cânones”, pois eles não podem vir antes do fato, mas se constituem a partir
do fato, dialeticamente.
Por outro lado, acredita-se que a idéia de mecanização do direito também deva ser
afastada. A operacionalização do direito de maneira formal constitui um dos maiores equívocos
da metodologia a ele aplicada. Pois, como concebe Margarida Lacombe, “o pensamento
jurídico não se conforma com um tipo de raciocínio linear que ignora a dialética e os valores
que informam a hermenêutica” 45.
A questão da sistematicidade é imposição política que viu na aplicação do método
sistêmico a pseudopossibilidade de garantir a previsibilidade e a neutralidade. O direito não
gera, necessariamente, segurança ou previsibilidade pelo simples fato de estar lançado de
antemão, a priori. As decisões jurídicas, por outro lado, ainda são, ou sempre serão, motivos
de apreensão e incerteza. Exatamente nos termos apontados por Ronald Dworkin46. O direito
só gerará alguma segurança se se mostrar como filosofia da prudência, da razoabilidade, do
bom senso.
O que este livro propõe como “metodologia jurídica aberta” é um procedimento
metodológico que se mantém indeterminado, ou seja, uma teoria de conhecimento e aplicação
do direito que está em constante (re)construção, caso a caso. O direito não é a priori, parte da
experimentação, vez que cada caso é único. Não deve haver método a priori, também. O fato
jurídico exige um procedimento específico que é formado a partir da dialética entre o saber
prudente do direito e as exigências contingenciais de cada situação.
Quando se afirma que não há qualquer direito a priori, acredita-se, inclusive, que
não há nem mesmo princípios inspiradores de qualquer argumento jurídico que possa ser
utilizado de antemão, porque não estariam antes, efetivamente a priori. Os princípios são
criados a partir da experimentação jurídica também e deveriam ser chamados de sentidos (como
faz Luhmann). Etimologicamente, princípios significam aqueles que vêm primeiro (do latim:
principes, primo), mas são, na realidade, inconcebíveis como algo que viria antes da
experiência. A experiência informa o conteúdo valorativo dos princípios e também permite que
sejam interpretados. Por exemplo, toma-se um usual dito princípio do direito do trabalho: o da
dignidade do trabalho. Este pressuposto não poderia ter sido imaginado antes que o direito do
trabalho fosse experimentado historicamente e se desenvolvesse, no século XIX, a partir de
seus confrontos, que criaram seu saber normativo. O direito do trabalho passou a ser legislado
a partir da encíclica papal res novarum, da legislação trabalhista de Bismarck, da Carta del
Lavoro de Mussolini, que são, ao seu turno, efeito de conflitos, enfrentamentos.
Não obstante, respeitar as normas jurídicas constitui questão capital para a
Modernidade, vez que a intersubjetividade das regras de direito possibilita a vida social e a
democracia, valor fundamental das sociedades ocidentais, pela inarredável consciência
histórica do valor da legalidade. Mas os procedimentos para conhecimento do fenômeno

indispensável o repensamento das relações tradicionais entre as esferas jurídica e política (Das necessidades
humanas aos direitos, p. 218).
44
FERRAZ JR. A ciência do direito. p. 11.
45
CAMARGO. Hermeneutica e argumentação. p. 251.
46
DWORKIN. O império do direito. p. 4 et seq.
17

jurídico não conflitam com as disposições normativas. E conhecer as circunstâncias do caso


para decidir que normas aplicar, se aplicar, não significa contraditá-las, mas bem usá-las.

13.4 Racionalidade, Autonomia e Alteridade: a dialética que deve forjar o direito

A questão da sistematicidade do ordenamento jurídico não deve se impor por força


de sua materialidade, mas, sim, pela racionalidade que dela pode ser projetada. O pressuposto
de o direito vir a se caracterizar, sobretudo, por sua racionalidade é também o convencimento
de Marcelo Galuppo que, acompanhando o pensamento de Jünger Habermas, apresenta o
entendimento da teoria do “Sistema de Direito”.
Tal teoria é muito apropriada a este contexto porque conjuga esta dita
“racionalidade” com o pressuposto da autonomia. E este amálgama entre razão e emancipação
legitima-se mutuamente, formando o que se pode entender por Estado Democrático de Direito.
Veja como essas idéias se coordenam: Habermas crê que deve haver um mínimo de
racionalidade no discurso do direito que garanta ao ordenamento jurídico mecanismos para que
os participantes (destinatários do direito) de determinada comunidade possam ser também os
próprios autores do seu direito, simultaneamente.
Não pode haver um processo de separação do poder jurídico da comunidade cujo
poder emana. Moram aí as críticas feitas às teorias que, de uma forma ou de outra, insinuaram
a “verticalização” ou simples “separação” do poder. Seja pela teoria da soberania de Thomas
Hobbes ou mesmo nas teorias piramidais do direito dos séculos XIX e XX, de Georg von Puchta
e Hans Kelsen, respectivamente. Seja pela constituição de câmaras legislativas, que lêem na
palavra “câmara” caixa hermeticamente fechada, ou pela figuração de teorias do comando
soberano, como as originais plantadas nos feudos do Lectures on Jurisprudence47 de John
Austin, onde o povo é visto como objeto de um ente que elabora o direito e faz-se obedecido
pelo vínculo institucional coercitivo.
Essa tese em exposição implica, exatamente, a retomada da palavra “autonomia”
no sentido de emancipação política, próxima a sua raiz ideológica. Nesses termos, dispõe
Galuppo que este “é o sentido essencial da ‘autonomia’ que caracteriza a regulação jurídica
moderna: o direito que criamos é legítimo porque visa regular nossa própria vida, ou, dito de
outra forma, o direito que regula nossa própria vida é legítimo porque criado por nós” 48.
Existiria, pois, uma racionalidade e não cercanias de leis para que a aplicação do direito
sistematizado fosse legítimo. “Autonomia” é deter a produção e a aplicação dessa
“racionalidade”.
No caso narrado, o Incendiador não era de forma alguma detentor desse poder,
muito menos a comunidade da cidade do Serro. Suas posições não contavam para a resolução
do conflito e emudecido, sujeitado, colonizado pelas disposições do contrato, cometeu auto-
extermínio. Em desacordo, então, com o pensamento exposto por Galuppo:

Afinal, quem pode decidir que argumentos contam para a solução do caso senão os
próprios envolvidos? E, mais que isso, quem pode decidir quem é envolvido, direta ou
indiretamente, pelo caso a não ser os próprios envolvidos potenciais? Isso significa que
os discursos jurídicos não podem pré-selecionar materialmente nenhum argumento
(como relevante ou irrelevante) ou pessoa (como afetada ou não). O termo
materialmente aqui revela, no entanto, que o direito pré-seleciona formalmente alguns
desses argumentos e pessoas, institucionalizando, pela própria faticidade,
procedimentos para a realização dos discursos jurídicos. 49

47
AUSTIN. Lectures on jurisprudence.
48
GALUPPO. Igualdade e diferença. p. 205.
49
GALUPPO. Igualdade e diferença. p. 206-207.
18

O fenômeno jurídico é dialético, constrói-se caso a caso e com a racionalização dos


argumentos envolvidos. Isto se dá porque existe a partir da comunidade que o encerra e em
função dela.
E não há nada necessariamente novo nesta tese, mas apenas uma releitura da arte
jurídica. Os romanos foram perspicazes para vislumbrar o fenômeno jurídico. Basta lembrar
que houve tempo em que o direito romano experimentou ampla razão prática à responsabilidade
dos magistrados: a época da Lex Aebutia de formulis (149 a.C.). Segundo o jushistoriador
português António Hespanha, durante o período de vigência desta lei, o pretor criava ações não
previstas no direito romano, o que se denominava actiones praetoriae. E cada ação consistiria
numa peculiar fórmula, para conhecer e verificar os fatos axiologicamente. Nesse contexto,
afirma Hepanha: “é a fórmula específica de cada situação, e não a lei, que dita a solução para o
caso em análise. Com isto, a jurisprudência dos pretores autonomiza-se completamente das leis
e torna-se uma fonte imediata de direito”50 .
Ainda conta Hespanha que, em meados do século II d.C., codificou-se o Edictum
Pertetuun, ou seja, solidificaram-se as ações do direito pretório, quando o direito ganhara um
“caráter casuístico que incentiva uma averiguação muito fina da justiça de cada caso concreto,
pois a lei não amarra, de modo nenhum, a inventiva do magistrado, que fica bastante livre para
imaginar soluções específicas para cada situação”51.
Verifique-se que quando da maior opulência de Roma, ao menos os civitas
(cidadãos romanos) puderam gozar de uma metodologia jurídica aberta, dialética, que tinha
seus pressupostos metódicos indeterminados, ou seja, em constante construção.
A teoria antipositivista apresentada não pretende chegar ao limite de um, por assim
dizer, desconstrutivismo jurídico a negar a importância das intersubjetividades para
funcionamento do direito dentro de uma comunidade. Procura-se, tão-somente, flexibilizar a
rigidez dos métodos [marque-se: dos métodos] de conhecimento e a aplicação do direito, a fim
de trazer maior aproximação deste com as pelejas humanas. Busca-se, pois, particularizar a
aplicação dos métodos jurídicos e mantê-los atentos às possíveis exigências peculiares de cada
caso. Pois os mecanismos para a solução de controvérsias devem primar-se pela sua sapiência,
sensibilidade e não por se caracterizarem como programas preconcebidos, formais e rígidos.
Afinal, para que se tenha a garantia da intersubjetividade captada a partir da lei,
pressupõe-se que a justiça estaria assegurada por um vasto campo hermenêutico de
possibilidades, sempre tópicas, comuns àquela comunidade. Fato é que nem sempre uma norma
do ordenamento jurídico satisfaz as necessidades humanas, é preciso, por vezes, pensar
criticamente e por meio de topoi, isto é, enxergar dentro do ordenamento sua melhor leitura. O
jurista não precisa ler os atos humanos através de uma estrita lente normativa, como propunha
Kelsen, mas, sim, transformar as demandas sociais em demandas jurídicas, como propõe João
Maurício Adeodato, por exemplo52. Criar razoabilidade, eis o desafio e também a missão do
direito. E esta é uma questão de racionalidade discursiva.
A visão dogmática está equivocada. Pretendendo-se garantir ao direito uma
sistematicidade própria, a dogmática tradicional o faz a partir de um mau entendimento do que
vem a ser sistematicidade. Não é o texto da norma, na forma de premissas, que determina o que
é ou não jurídico, mas, sim, uma racionalidade específica que pode se aplicar ao caso, tornando-
o fato jurídico.
Na posição dogmática, o ponto de partida é a lei; na tese proposta, o ponto de partida
é a dialética entre as circunstâncias e a racionalidade prudente do direito.

50
HESPANHA. Panorama histórico da cultura jurídica européia. pp. 68-69.
51
HESPANHA. Panorama histórico da cultura jurídica européia. p. 69.
52
ADEODATO. Ética e Retórica. p. 219.
19

É por isso que a definição do que é direito é muito complexa. Pois com a constante
reformulação da racionalidade jurídica haverá, consequentemente, uma igual instabilidade do
que se tem por direito. Este é o dilema a que Perelman se propõe quando pergunta: Haverá
critérios, geralmente aceitos, que permitam distinguir um raciocínio jurídico de um raciocínio
estranho ao direito? E depois responde: “É impossível responder a tais questões sem nos
colocarmos no ponto de vista de uma ideia do direito e da própria sociedade, ou ao menos
tacitamente admitida por ela”53.
Por esse motivo, o método jurídico deve estar sempre aberto, em constante processo
dialético para adaptar-se às circunstâncias específicas de cada caso, de cada sociedade e de cada
tempo. A racionalidade jurídica não comporta o engessamento do dogma. Completa Perelman:
“A lógica jurídica é ligada à idéia que fazemos do direito e se lhe adapta. Por essa razão, uma
reflexão sobre a evolução do direito parece ser uma preliminar indispensável ao exame das
técnicas de raciocínio próprias desta disciplina que os juristas qualificam tradicionalmente de
lógica jurídica”54.
O fenômeno jurídico é um processo de interação em uma sociedade. E, definido
como “processo”, não conta com a estabilidade de poder firmar-se como isso que é, mas aquilo
que está: procedere do latim, ir para frente. O direito pressupõe uma razoabilidade e como tal,
por meio de argumentos, é uma idéia. E como tal, não está em si, mas naquilo que se aplica, in
rebus. Pois é meio e, assim, é método de raciocínio. Dessa forma, deve se manter em plena
dialética com as circunstâncias, de onde tira seu substrato.
O direito não se prima por ser uma norma, prima-se, sim, pelo bom senso, pela
razoabilidade. E só assim pode enfrentar o fato de que cada caso é único e não há possibilidade
de prevalecer critérios silogísticos para suas soluções, vindo do geral ou do abstrato para o
concreto, para o experimentado. Acreditar em um sistema rigorosamente científico para
objetivar a solução dos conflitos “insistematizáveis”, como observou Theodor Viehweg em sua
Tópica e Jurisprudência, é ilusão. O homem não é objetivável e nem o direito é ciência exata.
Nenhuma expressão normativa, pelo fato de ser linguagem, pode prescrever alguma
conduta de forma objetiva. A própria condição semiótica da linguagem faz com que a
possibilidade de entendimento de um texto pressuponha um contexto. A expressão lingüística
em abstrato está aberta e seu conteúdo se concretiza apenas quando o interprete lhe atribui
sentido. A exemplo observe a muito conhecida oração de Fernando Pessoa: “Navegar é preciso,
viver não é preciso”. Para alguns interpretes, essa expressão pode sugerir que concretizar algo
superaria a própria necessidade de viver. Contudo, poder-se-ia contextualizar essa frase de
acordo com o próprio sentido deste capítulo, ao propor que não há precisão e nem objetividade
na vida humana. O conhecimento científico matemático, sim, trabalha com esses fatores, por
exemplo, o cálculo longitudinal e latitudinal preciso e necessário para que uma nau não se perca
no oceano e chegue ao porto desejado. Mas viver não é preciso, não é objetivável e nem
previsível. Na escrita de Fernando Pessoa, “Navegar é preciso, viver não é preciso”.55
A carência de legitimidade das pretensões que objetivaram cristalizar a norma
jurídica e a possibilidade de estabelecer um critério exclusivamente científico como método do
direito não encontram pertinência também na teoria de Robert Alexy:

Valores divergentes sempre aparecem dentro da estrutura geral de uma ordem


jurídica e estes podem levar a resultados divergentes em sua aplicação a casos
concretos particulares. A apelação a verdades evidentes por si ou a leis pré-
ordenadas da natureza é – ao menos do ponto de vista metodológico – um

53
PERELMAN. Lógica Jurídica. p. 08.
54
PERELMAN. Lógica Jurídica. p. 77.
55
Esta frase havia sido originalmente dita por Pompeu, general romano, 106-48 a.C., como conta Plutarco,
Navigare necesse; vivere non est necesse, para encorajar seus marinheiros à guerra.
20

procedimento altamente duvidoso. Além disso, os princípios descobertos


desse modo podem ser aplicados de maneiras muito diferentes. Finalmente, é
possível obter séries de conseqüências normativas opostas de qualquer
julgamento de fato.
[...] Essa conclusão não é desejável na medida em que se refere à legitimidade
da tomada judicial de decisão e ao caráter científico da dogmática jurídica em
sua preocupação com as questões normativas. Mas isso não seria um
argumento para não tomar a decisão, mas um bom motivo para buscar por
soluções alternativas.56

A teoria argumentativa parte do pressuposto de que o conhecimento é sempre


contextualizado, pois nem a neutralidade nem a objetividade podem ser verdadeiramente
apuradas em termos reais. Como assevera Perelman, inspirado no pensamento de Gerhard
Struck, “a refutação fundamental, do ponto de vista dogmático, resulta da constatação de que
nenhuma regra de direito, assim como nenhum valor, é absoluta, e que sempre haverá situações
em que uma regra, seja ela qual for, deverá ser limitada, e em que um valor, qualquer que seja
sua importância, deverá ceder diante de considerações preponderantes na ocorrência”57.
A visão legalista é fruto de um desenvolvimento histórico contaminado pelo ideal
cientificista da Modernidade, que corresponde ao ideal firmado desde o início do século XVII.
E, exatamente por esse motivo, assenta-se perfeitamente à deficiência do direito moderno a
crítica elaborada por Calligaris:
Nossas leis tornaram-se cada vez mais detalhadas, pois há a idéia de que um código
exaustivo garantiria o funcionamento de uma comunidade justa. De fato, essa
proliferação revela a angústia de uma cultura insegura de suas opções morais. Por
sermos indigentes morais, compilados uma casuística da qual esperamos que nos diga
exatamente o que fazer em cada circunstância. O dito legalismo da sociedade,
americana, tão freqüentemente denunciado, é a apenas o sinal dessa indigência.
A tentativa de animar uma comunidade por uma lengalenga de leis testemunha a
fraqueza do vínculo social. Não podemos confiar numa inspiração moral
compartilhada, portanto inventamos regras para ter, ao menos, muitas obrigações
comuns.58

Acreditando-se num sentido evolucionista do direito, esse desenvolvimento poderia


se dar a partir de um crescimento da sensibilidade humana para dirimir, interpretar e sancionar
seus conflitos. Não há um caminho apologético para o direito, ou seja, jamais se deve intentar
qualquer tese definitiva para o fenômeno jurídico. Mas, se nestes tempos há uma deficiência
jurídica a ser apontada, é que o direito precisa libertar-se do pensamento abstrato, formal e dar
atenção às informações particulares, concretas, casuísticas. Afinal de contas, “navegar é
preciso, viver não é preciso”.

56
ALEXY. Teoria da argumentação jurídica. p. 25.
57
STRUCK apud PERELMAN. Lógica Jurídica. pp. 129-130.
58
CALLIGARIS. Terra de ninguém. p. 68.
21

Décimo Quarto Capítulo:

Direito, teoria dos sistemas e pragmatismo


Alguns pesquisadores e sobretudo os profissionais dos diversos ramos do direito
material, eventualmente, questionam se a disciplina de filosofia do direito guarda qualquer
serventia para a prática jurídica. Há quem diga que as disciplinas propedêuticas e críticas, nos
cursos de direito, desperdiçam as aulas a falar sobre assuntos aleatórios, mas não sobre o direito
propriamente dito, ou seja, “o direito em si”. Entretanto, em análise mais atenta, causa
perplexidade pensar o que seria “direito em si”, pois eis que o fenômeno jurídico se constituí a
partir de muitos saberes transversais, oriundos tanto de práticas sociais como do exercício
reflexivo, mas “direito em si” parece inconcebível, mesmo quando se pode observá-lo como
integridade, nos termos propostos por Ronald Dworkin59. Mas a questão vale a pena se
esmiuçada para servir aos iniciados na teoria do direito, como reflexão e crítica.
Existiria, a princípio, um sistema de ideias que poderia definir-se como direito em
seu feudo específico, isto porque o direito tem, como se analisará neste segmento, certo
fechamento operacional, isto é, conta com função e estrutura peculiares60. Por outro lado, ainda
se supõe que este nunca poderia ser concebido a partir de si mesmo, mas sempre a partir das
relações que estabelece com outras ordens, pois nelas tira seus substratos, isto porque o direito
é também sistema linguístico e só pode ser pensado segundo os jogos pragmáticos que o
constrói, que o (re)alimenta e o redefine a todo tempo.
Este capítulo procurará afirmar que discutir os fundamentos do direito é reconhecer
que este sistema se perfaz em relação a outros sistemas e, sem nenhuma contradição
performativa, ainda sim tem seus próprios limites. A princípio, denota-se a unidade do direito
pelo simples fato de que perceber um ente é conceber suas diferenças, ou ainda, reconhece-se
algo quando se denota sua especificidade. Isto já estava nas teorias da linguagem de Platão 61,
mas Niklas Luhmann reconstrói essa ideia a partir da teoria dos sistemas sociais, o que é muito
eficiente para análise dos fenômenos jurídicos.
Entretanto, há que se fazer ressalvas, de imediato, à interpretação luhmanniana. A
unidade e independência sistemática do direito é relativa. Isso se sustenta pela simples
percepção de que o direito é um sistema linguístico e seus sintagmas (unidades léxicas) assim
como sua gramática (sintática) são comuns aos da língua que o nutre, portanto não há como
acrisolar sentidos linguísticos autônomos, por mais que esforços sejam reunidos para isso, pois
os sentidos são e sempre serão pragmaticamente criados para seus usos, em sua concreções
práticas contextuais62.
Para Luhmann, a linguagem não é um sistema autoreferencial, mas sim aquilo que
permite acoplamentos estruturais entre sistemas de comunicação. Por sua vez, os sistemas de
comunicação são aqueles que têm consciência, para esse autor 63. Luhmann não aceita que a

59
A proposta de Dworkin é completamente diferente. O direito para o autor anglo-americano reafirma as questões
que são matérias de direito e devem respeitar seus próprios princípios. Mas este ponto de vista não condiz com a
idéia de que haveria uma área de saber que tivesse como fonte ela mesma. Consultar: DWORKIN, Ronald. O
império do direito.
60
LUHMANN. Sociologia do Direito, vol. II.
61
Refere-se às obras Teeteto e Crátilo, de Platão.
62
Por diversas vezes intentou-se estabilizar os sentidos da linguagem, o que resultou em frustrações constantes.
Vale aqui o exemplo crítico fornecido por Georg Orwell, na obra 1984. O escopo de estabilização dos sentidos
tanto semânticos quanto semióticos foi também a ambição dos positivistas lógicos da primeira metade do século
XX, dentre eles Ludwig Wittgentein, no Tractatus Logico-Philosophicus, e o jovem Hans Kelsen.
63
Luhmann distingue três tipos de sistema: os vivos, os psíquicos ou pessoais e os sociais.
22

linguagem possa ser um sistema próprio, como supuseram Saussure e Chomsky, por exemplo,
a linguagem teria apenas uma função: acoplar via comunicação sistemas entre si.
Quando uma pessoa leiga pensa em direito, logo se remete a diversas crenças sociais
e, sobretudo, implicações diretas de áreas ou sistemas de saberes, como direitos humanos,
regras éticas, cultura e política. Especular, então, como se delimita as cercanias do campo
jurídico frente tantas outras ordens de conhecimento que o compõem e também o contrapõem
é o primeiro objetivo deste capítulo. O segundo é compreender esse fenômeno sob o viés da
filosofia pragmatista, já que se pretende definir o fenômeno jurídico a partir de sua formatação
contemporânea, capaz de caracterizá-lo como sistema autônomo (direito positivo) e, ao mesmo
tempo, demonstrar como de fato se relaciona com seu ambiente e outros sistemas externos. A
filosofia pragmatista permite compreender como o direito se fecha como ordem autopoiética e,
ao mesmo tempo, se abre como ordem alopoiética, sem que haja contradição performativa ao
se afirmar isso.
Esboçar algumas considerações sobre que é direito, em que se funda, que tipo de
problema absorve e, mais precisamente, como se relaciona com a filosofia da linguagem são as
metas gerais aqui empreitadas, que se propõem como mero estudo sobre esses assuntos.

1. Discussões preliminares sobre sistemas e acoplamentos estruturais segundo Niklas


Luhmann.

Ao demarcar as esferas externas que acabam por confluir com o sistema de


pensamento que cunha o direito é necessário trabalhar as relações que o fenômeno jurídico tem
com a cultura, com a moral e com a política. Não obstante, será preciso determinar as relações
entre direito e linguagem, caminhando para uma discussão sobre pragmatismo e, enfim, tecer
algumas características do direito que, na concepção contemporânea, revelam seus usos e seus
sentidos. O presente segmento serve para exercitar alguns entendimentos que tornarão esta
discussão mais profícua, a explicitar alguns conceitos propostos pela teoria luhmanniana, tais
como acoplamento estrutural e sistema autoreferencial.
Pois bem, enfrentar-se-á os conceitos de cultura, moral e política de pronto.
Direito e cultura: Não tem sido levada em conta a importância que a reflexão sobre
a cultura representa para o direito, pelo simples fato de que ela compõe o horizonte sob o qual
o fenômeno jurídico é criado e exercido. Mas cultura não se confunde com direito, porém, pois
é justamente o conjunto de práticas sociais exercidas e compreendidas por grupos sociais, por
ter em efeito fazer que os indivíduos envolvidos guardem certas crenças e assim elaborem suas
identidades. Os membros de uma comunidade, portanto, velam por significados e sentidos
comuns que podem ser reproduzidos ou não, com a finalidade de exercer intersubjetividades e
unir ou marcar diferenças entre os membros dessa sociedade.
Todavia, usualmente, a cultura não desenvolve autocrítica, ou seja, não há
necessária preocupação em refletir sobre efeitos colaterais às comunidades que a pratica. É
cultura, por exemplo, a prática da festa de rodeio. No entanto, o rodeio implica torturas psíquica
e física aos animais. De sorte que rodeio pode ser, inclusive, legal, mas é imoral. Já a rinha de
galo é tanto imoral quanto ilegal, no Brasil, mas tanto rinha como rodeio não deixam de ser
cultura. A cultura como prática irrefletida não está pautada por uma ética do discurso e,
portanto, não analisa consequências, quanto mais seus pressupostos de ação.
Mas os efeitos da cultura, sob um prisma antropológico, são muito importantes por
outros fundamentos, indiferentemente de serem morais, éticos ou legais. Um povo que sofre a
desintegração de sua cultura ou a aculturação perde suas referências e tende à anomia, à
alienação e à violência. Estudos sobre a cultura que partiram das lavras de Herbert Marcuse,
Theodor Adorno, Max Horkheimer, György Lukács e outros pensadores do século XX
23

conduziram a filosofia contemporânea a uma fase mais crítica e complexa. Segundo o


referencial que se criou a partir deles, a sociedade que não protege sua cultura sofrerá da
avassaladora perda de legitimidade, perda dos sentidos e crenças e, portanto, enfrentaria
colapsos e desintegração de sua unidade. A cultura é então responsável por fixar valores, tornar
os membros de uma sociedade capazes de assumir responsabilidades, pois, a partir de seu
exercício, compreendem práticas comuns, atribuem-lhes significados e, portanto, as valorizam.
Senão, leia síntese de Javier Herrero ao dispor que:

A cultura se renova através da reprodução cultural que permite a continuidade e o


crescimento do saber. A sociedade se reproduz através da integração social, i.é, a
coordenação da ação segundo regras reconhecidas intersubjetivamente, e da produção
de solidariedades dos grupos pela aquisição de capacidades generalizadas de ação. A
pessoa se reproduz na socialização, i.é, mediante o processo de formação da identidade
pessoal e da responsabilidade social. Assim, as estruturas simbólicas do mundo da vida
se reproduzem pela ação comunicativa que se estende na dimensão semântica dos
significados simbólicos pela continuidade da tradição e da coerência do saber válido
(racionalidade do saber); na dimensão do espaço social pela estabilização da
solidariedade dos grupos, e na dimensão do tempo histórico pela formação de sujeitos
capazes de responsabilidade64.

Visto isto, como se pode pensar o direito sem se preocupar com o fenômeno da
cultura? Se direito é uma ciência social aplicada, forma seus cientistas se esses são sensíveis e
capazes em compreender a relação humana, interpretá-la e, sobretudo, recriar seus
entendimentos sem destruir seus reais liames. A expressão linguística está, dessa forma,
imbricada à percepção cultural de um povo; Ora, nada mais comum à uma cultura que sua
língua em sentido lado, suas expressões, a sintonia fina de seus sentidos e suas nuances.
Direito e Moral: Há quem defenda que a moral tem foro íntimo. Mas no enfoque
aqui proposto, a moral é entendida como capacidade racional e universal de julgar as ações
humanas. A moral é crítica porque utiliza do confronto de argumentos, buscando a
transparência das motivações e, portanto, a lucidez da razão crítica. Respalda-se, pois, na
capacidade de racionalização dos argumentos sob o fundamento da ética do discurso,
sopesando-os, defrontando-os, sob os auspícios do bom senso e da sinceridade, da capacidade
de reconhecimento dos argumentos contrários e na observação dos fundamentos.
A moral está, então, diretamente ligada à possibilidade-condição da racionalidade,
e mais precisamente da justificação. Vale lembrar de que a razão enfrentou grande crise no
campo filosófico no século XX e este repensar tornou-se, durante as décadas de 20 até 70, uma
espécie de “despensar”, ou impossibilidade de se pensar com lucidez. As formuladas críticas à
razão, puxadas por tantas pontas, como a tomada pelo primeiro Wittgenstein, o Círculo de
Viena, a primeira geração da Escola de Frankfurt, o existencialismo negativo e outras escolas
como a de Sigmund Freud, de Gilles Deleuze criaram a impressão de que o humano é ser sem
livre arbítrio, sem capacidade de uso da razão para sua emancipação.
Todavia, a fusão da filosofia continental europeia, a exemplos de Karl-Otto Apel e
Jürgen Habermas, com a retomada do pragmatismo pierceniano e seus seguidores,
revitalizaram-se a possibilidade razão esclarecida. Fizeram-na a partir de uma releitura
pragmatista de Kant e Hegel, entendendo-os não como meros idealistas iluministas, mas como
primeiros inventores de uma nova forma de pensar a ética. Este renovado idealismo mais
hegeliano do que kantiano, de cunho pragmatista e atento às experiências, tornou-se a base de
uma nova era para a filosofia moral.65 As preocupações de Kant são de ordem prática, ou seja,

64
BOTIN. Racionalidade comunicativa e modernidade, p.21.
65
Sobre o assunto nada mais indicado do que ler Immanuel Kant, de Otfried Höffe. HÖFFE. Immanuel Kant.
24

normativas no seu âmago, de caráter deôntico e não meramente logicista. Junta-se aqui
passagem de Robert Brandon, quando dispõe que:

A natureza e significância da “completa” mudança da certeza cartesiana para a


necessidade kantiana será mal compreendida a menos que se tenha em mente que por
“necessidade” Kant quer dizer “em conformidade com uma regra”. É neste sentido que
ele é autorizado a falar sobre a necessidade natural cujo reconhecimento é implícito a
atividade cognitiva ou teórica, como espécie de um gênero. O conceito chave de cada
uma é obrigação por uma regra. É tentador, mas enganador, entender o uso kantiano da
noção de necessidade anacronisticamente, em termos de discussões contemporâneas da
modalidade alética. É enganador porque as preocupações de Kant são normativas em sua
base, no sentido que as categorias fundamentais são aquelas de modalidade deôntica, de
comprometimento e titularidade, antes que de modalidade alética, de necessidade e
possibilidade como estes termos são usados atualmente. O comprometimento de Kant
com a primazia do prático consiste em ver ambas consciências teórica e prática, atividade
cognitiva e conativa, nestes termos ultimamente normativos. 66

O direito, por sua vez, não é moral. O sistema jurídico compõe-se de fins utilitários
que emergem de necessidades e interesses sociais peculiares, localizados e, por isso, não tem
os mesmos pontos de partida da moral, que é inarredavelmente comprometida com a justiça. O
direito tem seu próprio fechamento operacional por cumprir o equacionamento de interesses
sociais e limites a que as pessoas se submetem, por necessidade e outra forças motrizes, pois o
direito tem como precípua obrigação coordenar as ações humanas, tornando-as expectável e,
em decorrência disso, possível a coexistência dentro de certos limites e tensões.
Enfim, para Luhmann, a moral seria um sistema autoreferencial, de modo que não
é mero acoplamento estrutural, porque determina seus próprios sentidos.
Direito e Política: Antes de iniciar a discussão sobre o que vem ser política, bem
cabe a ressalva de que não há possibilidade de se objetivar o signo política sem fragmentá-lo,
ao menos, em duas acepções preliminares. Suas significações podem se projetar tanto como
campo de práticas específicas da vida macro política, ou seja, exercer a política de esfera
pública, como, também, usá-la de maneira ampla, como exercício de qualquer atividade que
implique relação humana. Na primeira acepção, Luhmann a concebe como autoreferencial, por
ser um sistema perfeitamente distinto, com seus limites, com seus outputs e inputs. Entretanto,
nessa segunda acepção - política em sentido amplo - Luhmann a entende como acoplamento
estrutural, porque compõe o ambiente em que os outros sistemas operam.
A esfera da política, segundo esta significação, não é uma área do conhecimento,
propriamente dita, mas mecanismos pelos quais se movem os interesses humanos. Exercer a
política seria dinamizar os interesses deste ou daquele sistema, com a intenção de convencer ou
direcionar os outros membros de determinada sociedade ou sistema para direção almejada67.
Metaforicamente falando, o exercício da política é como o do vento que empurra as velas do

66
“The nature and significance of the sea change from Cartesian certainty to Kantian necessity will be
misunderstood unless it is kept in mind that by ´necessary´ Kant means ´in accord with rule´. It is in this sense that
he is entitled to talk about the natural necessity whose recognition in implicit in cognitive or theoretical activity,
as species of one genus. The key concept of each is obligation by a rule. It is tempting, but misleading, to
understand Kant´s use of the notion of necessity anachronistically, in terms of contemporary discussions of alethic
modality. It is misleading because Kant´s concerns are at base normative, in the sense that the fundamental
categories are those of deontic modality, of commitment and entitlement, rather than of alethic modality, of
necessity and possibility as those terms are used today. Kant´s commitment to the primacy of the practical consists
in seeing both theoretical and practical consciousness, cognitive and conative activity, in these ultimately
normative terms”. BRANDOM. Making it explicit, p.10.
67
Note-se que Luhmann também concebe a ideia de sistema sem sujeitos. O que foi radicalmente revolucionário
há algum tempo, mas hoje é perfeitamente aceito e a partir desse entendimento muito se tem teorizado e progredido.
25

direito, pois este sem aquela permaneceria inerte. A política, portanto, não se confunde com o
direito, embora o direito seja movido por forças políticas. O direito sem política é letra morta
em página de livros fechados. É possível dizer que o direito é um fenômeno político, mas a
expressão politica o adjetiva, não o define.

2. Autoreferencia versus pragmatismo: dilema entre teoria da linguagem e teoria dos


sistemas.

a) Direito como sistema autoreferencial – a proposta de Niklas Luhmann.

Expostas as três acepções iniciais sobre cultura, moral e política, há que se pensar
o que vem a ser direito. Adjetiva-se o direito por sistema não porque se acredita em sua suposta
unidade, ordem interna e coerência formal, como afirmaram os positivistas dos séculos XIX e
XX. Muito antes pelo contrário, estas características nunca passaram de uma espécie de mito
fundador da teoria do ordenamento jurídico, no discurso utilitarista do direito positivo; o direito
é um sistema porque há uma racionalidade que o permeia e o torna comum a si mesmo.
O direito não possui coerência interna como condição de sua sistematicidade, não
há unidade vez que prescinde dela e nem mesmo obedece a uma só ordem hierárquica, ou a um
só sentido. Não há hierarquia formal, quanto mais material, se a função do direito é trabalhar
com valores. Os valores são reconhecidos através de signos e se estes mudam conforme a
conjuntura experimentada, explodem em várias dimensões semânticas e em construções
sintáticas diversas. O direito é, então, capaz de suportar antinomias perenes e não há tão pouco
lacunas porque é fragmentado por formação. Aliás, se há uma definição abrangente para o
fenômeno jurídico, poder-se-ia dizer que ele é, acima de tudo, sistema antinômico, fragmentado
e complexo.
Mas, ainda assim, é um sistema e, portanto, aceitaria o adjetivo de autoreferencial
atribuído por Niklas Luhmann, isto porque tem fechamento operacional, ou seja, tem estrutura
e função próprias. Este ensinamento vem da primeira fase de Luhmann, que considerava
sistema aquilo que se diferenciasse do ambiente68. Se tivermos a cultura, a moral e a política
como outros sistemas ou em conjunto como ambiente, poderemos definir o jurídico como algo
diverso, como dito, com função e estrutura particularizadas.
Pois bem, restam duas marcantes características que formam o direito: a primeira é
que ele é autoreferente, ou seja, estabelece seus próprios “sentidos”. Assim havia entendido
Luhmann e também não é diferente em Ronald Dworkin, quando afirma que direito é uma
questão de princípios69. A partir de sentidos ou princípios próprios constroem-se fronteiras,
limites que diferenciam o direito de outras ordens.
Além deste fechamento operacional, a função do direito é sua segunda e
fundamental particularidade, pois se concentra, exatamente em reduzir complexidades e negar
paradoxos, facilitando, assim, a coexistência de indivíduos de certa comunidade.
Enfim, se ele tem fechamento operacional, pode então ser chamado de sistema e,
se pode perfeitamente sê-lo, o é por meio de um conjunto de disposições linguísticas. E
exatamente por ser composto por ideias reveladoras de interesses é, ao seu modo, um sistema
aplicável às relações e aos conflitos de determinada sociedade. O direito é, por definição, uma

68
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito, Vol., II.
69
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. Luhmann não usa a palavra princípio, optando sempre pela
expressão sentido. Essa terminologia é melhor, porque princípio, etimologicamente, remete-se à ideia de algo
ulterior ao próprio ordenamento. Entretanto, os sentidos são formados por redes de normas afins, a partir delas e,
portanto, não são ulteriores, mas concomitantes.
26

ciência social aplicada e tem estrutura própria, é autoreferencial por dispor seus próprios
sentidos e tem função específica: reduzir complexidades e dirimir conflitos sociais.
Até aqui a teoria luhmanniana não enfrenta qualquer problema. Mas o direito não
pode ser entendido apenas como sistema imerso em ambiente de maneira tão simples. O grande
dilema consiste no fato de que o direito é, também, um sistema linguístico e este passa a ser o
problema deste capítulo de agora em diante.

b) Direito como sistema linguístico

Assim como qualquer sistema de ideias, linguisticamente proposto, o direito é capaz


de suportar antinomias e não é, de forma alguma, completo ou acabado. O direito não é um
resultado, mas um processo em contínuo movimento. À colação de outros sistemas de ideias,
como a Bíblia, por exemplo, é capaz de sustentar posições antagônicas e mesmo
reinterpretações, acrescendo-lhes inéditas justificações e alternativas diferentes daquelas que,
há certo tempo, pareciam esgotar a hermenêutica de duas disposições. Tome-se um exemplo
bíblico: não se lê em Lucas 13.6, na parábola da figueira estéril, “corte-a e lance-a ao fogo”?
Não é possível sustentar, segundo essa parábola, que se deve ceifar as oportunidades daqueles
que não produzem frutos ou não cumprem o sentido para o qual existem? Mas, no mesmo
sistema de ideias bíblicas, não há a expressão de que se deve “perdoar setenta vezes sete”?
(Mateus 18. 21-35) Ou ainda, em sentido de que os cristãos não devem punir uns aos outros,
João, capítulo 8, “Aquele dentre vós que nunca pecou atire-lhe a primeira pedra”. Não se trata,
propriamente, de dizer que a Bíblia tem contradições internas, mas apenas reconhecer que como
qualquer sistema linguístico permite recriações contextualizadas, pois a linguagem por suas
propriedades inerentes recria o mundo a todo tempo.
Reinventar, recriar, inovar por meio da hermenêutica jurídica é a revelação
fundamental da filosofia analítica, embora esta proposta ainda seja muito pouco cultivada nas
áreas jurídicas70. A linguagem não é algo estático, pronto, mas sim aquilo que está disponível
à recriação contínua e inarredável. Esta questão foi inaugurada por Charles S. Pierce, mas
explicada de maneira sintética pelo segundo Wittgenstein, na proposição número 2 do
Investigações Filosóficas. As ideias de Wittgenstein, em simplificadas expressões de
linguagem, seriam mais ou menos assim: Um pedreiro pede ao seu servente que lhe passe um
tijolo. Logo depois, diz: “Outro”; na terceira vez diz: “Anda”; na quarta: “Agora”; e assim:
“Que está esperando?”; “Dormiu?”, etc. Em todas as expressões ele repete a ideia “passe-me
um tijolo”. Isto prova que há muitas formas de se dizer a mesma coisa com expressões
absolutamente diferentes, dadas aos contextos específicos. O inverso, a operar sem trocar as
expressões vocabulares - e de maneira muito mais sugestiva para o direito - é possível também:
Pense em usar a palavra tijolo para significar coisas diversas. Como, por exemplo, “este tributo
é um tijolo sobre minhas costas”; Ou ainda, “Nelson Mandela é um dos mais importantes tijolos
de fundação da democracia racial”; Ou ainda, “O presidente dos EUA é inteligente tal qual um
tijolo”; etc. É preciso compreender que os signos são passiveis de recriação incontornável. Se
um substantivo concreto como tijolo permite tamanha abertura, que se dirá sobre substantivos
abstratos, como dignidade, ética, justiça, etc71.

70
A partir do final do século XIX a teoria da linguagem começou a enveredar-se por novos caminhos, desvendando
uma série de problematizações sintáticas que passavam despercebidas ao crivo dos linguistas e dos juristas. O
direito, mesmo como parte da linguístistica, demorou a perceber que seria necessariamente arrastado por este novo
tipo de filosofia. Somente a partir dos anos 60 e, sobre tudo, com a influência da Teoria do Agir Comunicativo
proposta por Jürgen Habermas é que se despertaram os juristas para este aspecto do pensamento humano.
71
Esta discussão sobre a pragmática dos sentidos no Investigações Filosóficas de Wittgenstein pode ser encontrada
entre as proposições 2 até 8 e, ainda, da 25 até a 33. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas.
27

Apenas a título de maior especulação sobre a importância deste saber para o direito,
marque-se que a práxis jurídica, mesmo que inconsciente, sempre soube disto. Ora, o direito é
uma ciência social aplicada e, nesta privilegiada condição ou qualidade, é informado pela
realidade que o cerca e o define como tal. Teorias objetivistas do direito, alienadas e
criticamente indolentes, não percebiam este fenômeno, mesmo que tão evidente no direito: os
advogados, juízes, promotores são habilidosos transformadores de sentido. É que a teoria do
direito ensinada nas faculdades até hoje ainda não reconheceu a guinada linguístico-pragmática,
permanecendo enclausurada na primeira metade do século XX. Mas não há receio de que no
campo prático a capacidade de recriar sentidos dos juristas deixaria admirado qualquer
Baudelaire.
A linguagem sempre está encerrada num determinado contexto social e participa da
consciência dos comunicantes para efetivar-se. Toda comunicação é permeada por uma
dimensão intencional e reside aí, naquilo que revela, oculta ou recria. Em outras palavras e
segundo a orientação da linguista Villaça Koch, a linguagem deve ser “encarada como forma
de ação, ação sobre o mundo e dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia,
caracterizando-se portanto pela argumentatividade”72. A autora dispõe ainda, em complemento
a esta ideia supra citada que a linguagem deve ser analisada como capacidade de refletir de
maneira crítica sobre o mundo e em especial sobre a utilização da língua como instrumento de
interação social.
Se pensarmos a relações do direito com o mundo a partir desta teoria, ou seja, a
filosofia analítica, pode-se, enfim, compreender como o sistema jurídico pode ter um
fechamento operacional, e também pode, ao mesmo tempo, abrir-se para o mundo externo,
interagindo com esse, completando-o e sendo completado.

c) Algum aprofundamento sobre a relação do direito com a reviravolta linguístico-


pragmática

Entende-se por sintaxe o estudo da estrutura da sentença (frase). Embora este tipo
de pensamento já compusesse uma das preocupações de Aristóteles, somente com Noam
Chomsky, no século XX, este assunto passou a ser recebido como um decisivo fator para teoria
da linguagem e conseguintemente para ordenação da filosofia em geral. Chomsky cria a
gramática gerativa e a partir daí pode-se pensar numa espécie de filosofia da linguagem ou, ao
menos, renovação da linguagem, conhecida também por gramática transformacional. Estas
duas linhas do pensamento abriram campo para outros desdobramentos hoje muito em voga no
mundo da linguística, sobretudo seguindo os passos de Joseph Greenberg, com sua tipologia
sintática, que também passou a ser denominada de funcionalismo. Fato é que, a partir de
Chomsky e Greenberg floresceu um novo tipo de teoria dos atos de linguagem capaz de juntar
os gramáticos aos filósofos e esses aos juristas. No caso do direito, mais precisamente, o autor
que trouxe melhor investigação foi John L. Austin, a partir de seus atos de fala, previstos no
livro How to do things with words, onde deixou claro suas pesquisas sobre atos performativos,
atos ilocucionários e atos locucionários, e mais profundamente, em uma pesquisa sobre a
linguagem e seus significados a partir da publicação do Philosophical papers.73

72
KOCH, Ingedore Grundeld Villaça. Argumentação e Linguagem, 4ª. ed., São Paulo: Editora Cortez, 1996, p.
17.
73
AUSTIN, John L., Philosophical papers, Oxford University Press, 2a. edition, 1970.
28

Deparou-se, em corolário, com a rica questão do significado, que deu origem aos
estudos da semântica74. A semântica, como dito, interessa ao direito porque as palavras podem
assumir muitos significados, dados seus contextos. A palavra contexto, por sua vez, implica
uma espécie de pensamento sistemático. A teoria da linguagem passou então a trabalhar como
um sistema, dando início ao que veio a se convencionar por estruturalismo. Da mesma forma,
o direito ou mais precisamente a hermenêutica jurídica deve ser entendida a partir de um sistema
complexo, que permeia contextos e experimenta os ganhos da filosofia analítica no campo do
estruturalismo.
Luhmann não entende a linguagem como sistema, mas tão somente como
acoplamento estrutural, porque a linguagem viabiliza o funcionamento dos sistemas sociais, ou
ainda, sob a ótica da ideia de um sistema social, a linguagem, para Luhamnn, liga os indivíduos
formando a sociedade, mas não opera com função própria. Se a linguagem não é sistema e sim
acoplamento que possibilita a comunicação dos sentidos do direito, estes sim definem o direito
como um sistema. Mas observe-se que se a linguagem constrói os sentidos, o faz
pragmaticamente, ou seja, por meio dos usos que faz desses75. A construção dos sentidos se dá
por meio da linguagem e desta forma o suposto sistema autoreferencial do direito nunca se
fecha completamente, mas apenas parcialmente porque comunga com o mundo externo - o
ambiente e outros sistemas, como a cultura, a moral, a política - a formação dos signos que usa
e interpreta. Este fenômeno é a expressão mais precisa do que este capítulo entende por
hermenêutica jurídica.
No estudo dos significados dos signos (semântica), há duas linhas de pesquisa bem
diferentes entre si: a primeira estuda o significado intrínseco da forma linguística que o contem
e o segundo estuda a interação entre a forma linguística de um enunciado e o contexto em que
se encontra. Ao direito contemporâneo interessa essa última linha de pesquisa (para a Escola
de Exegese interessava apenas o primeiro). Como a primeira linha é cunhada como semântica
propriamente dita, o direito não tem como problema o estudo da semântica, mas sim o da
semiótica. Em termos rigorosos de teoria da linguagem o direito trabalha no campo da
pragmática. Neste sentido, pode-se pensar sobre a ideia de concreção, tão relevante para
Friedrich Müller. O direto só ganha realidade ao passo que é pensado a partir do fato concreto.
A norma é apenas um ponto de partida e deve, a partir da experiência, tomar forma e sentido.
Pensar a norma isolada não é propriamente pensar o conteúdo da norma, mas apenas captar seu
texto, indefinido e, portanto, apenas aplicável ao mundo concreto76.
A expressão pragmática ou pragmatismo, num sentido lato, referem-se ao mundo
da motivação das ações, como dispôs Peirce77. Há, entretanto, para os linguistas, o sentido

74
A semântica, termo cunhado pelo linguista francês Michel Bréal, ao seu turno, é o ramo da linguística que
estuda o significado, compondo um seguimento praticamente autônomo da teoria da linguagem e, sem dúvida,
fundamental para a prática hermenêutica jurídica.
75
BRANDOM, Robert. Articulating Reasons.
76
Cf.: MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Ou ainda: MÜLLER, Friedrich. Métodos de
trabalho do direito constitucional.

77
Para o Cambridge Dictionary of Philosophy a palavra pragmatismo está ligada à ideia de conhecimento
experimental (não-metafísico) como instrumento – “a tool to organizing experience satisfactorily” (uma
ferramenta para organizar a experiência satisfatoriamente) -. Dispõe, ainda, o verbete: “Pragmatism, a philosopy
that stresses the relation of theory to praxis and takes the continuity of experience and nature as revealed through
the outcome of directed action as the starting point for reflection. [...] Knowledge is therefore guided by interests
of values. Since the reality of objects cannot be known prior to experience, truth claims can be justified only as
the fulfillment of conditions that are experimentally determined, i.e., the outcome of inquiry”. (Pragmatismo: uma
filosofia que tenciona a relação entre teoria e prática e toma a continuidade da experiência e da natureza revelada
29

específico de estudo sobre a linguagem. Nesse sentido, a pragmática estaria ligada às


problemáticas da semântica formal, ligada à lógica formal. Mais apropriada é a perspectiva
peirceana, aplicada aos contextos que motivam as ações, ganhando realidade ao concretizarem-
se no mundo experimentado. O que resulta na teoria da semântica vericondicional, teoria dos
modelos (situações) que serve ao direito dentro de seu espectro da filosofia ética apontada
inicialmente por Moore e que teve muitos outros responsáveis pelo seu desenvolvimento; no
caso do direito, as maiores influências são Karl-Otto Apel, com sua ética do discurso, lançada
no Transformação da Filosofia e no Estudos de Moral Moderna e Jürgen Habermas,
inicialmente a partir do texto Que é pragmática universal? e sobretudo na sua Teoria da Ação
Comunicativa. O pragmatismo entendido na corrente rortyniana (Richard Rorty) e seus
seguidores não traz contribuições aos interesses deste livro.

3. Relações entre pragmatismo, direito e suas implicações para a teoria dos sistemas
aplicada ao fenômeno jurídico.

O direito, segundo o interesse destes escritos, é perspectivado como um fenômeno


semiótico. A semiótica ou semiologia seria, segundo Villaça, o estudo da produção social de
significados com base em sistemas de signos78. Porque “são examinados como textos que
comunicam significados, e esses significados derivam da interação ordenada de elementos
portadores de sentido, os signos, que estão eles mesmos encaixados num sistema estruturado,
de maneira parcialmente análoga aos elementos portadores de significado em uma língua”79.
Então, se a semiótica estuda o significado que a linguagem, o faz mediante o contexto em que
é empregada, a ideia de contexto deve ser analisada pelo direito de forma cuidadosa, pois reside
aí seu maior desafio.
O direito, como nos adverte Manuel Atienza, não pode ser capturado como uma
atividade monofásica. Há dois momentos distintos. O primeiro é quando a lei é feita e o segundo
é quando a lei é interpretada e aplicada ao caso conhecido, o que pode ser definido pela
expressão concreção. Cada um desses momentos sugere contextos específicos80. O contexto da
feitura das leis não se reconstitui, necessariamente, quando a mesma é aplicada, isso é obvio.
Mas a questão é mais complexa, a interpretação do texto usada pelo juiz não precisa ser,
necessariamente, a mesma interpretação que o legislador tinha em mente. O texto da norma
ganha autonomia, devido ao inarredável fenômeno da simiótica. 81
A lei trabalha a partir de uma série de terminologias que têm grande amplitude
semântica, pois mudam em contextos específicos (questão situacional), assim como mudam
também de interprete par interprete as perspectivas pelas quais o fenômeno se materializa no
mundo. Este é o problema conotativo da expressão legal, que se vê permeada por outros
sistemas não necessariamente jurídicos. Isto significa que palavras particularmente carregadas
de sentido cultural ou político podem se expandir em diferentes interpretações, reconstruindo o
próprio direito sem que este tenha capacidade de definição de seus sentidos de antemão. Isto
porque os sistemas cultura, moral, político e jurídico, no campo linguístico, se permeiam

por meio de um viés direto da ação como ponto de partida da reflexão. [...] Conhecimento é, portanto, guiado pelo
interesse de valores. Desde que a realidade dos objetos não pode ser conhecida senão pela experiência). Cambridge
Dictionary of Philosophy, segunda edição, Cambridge University Press, 1999.
78
TRASK, R. L., Dicionário de Linguagem e Lingüística, título original: Key concepts in language and linguistics,
tradução de Rodolfo Ilari, São Paulo: Contexto, 2004. p. 263.
79
TRASK, R. L., Dicionário de Linguagem e Lingüística, p. 263.
80
Cf.: ATIENZA, Manuel. As razões do direito.
81
Trask aponta o sociolingüista britânico Norman Fairclough, como pioneiro nos anos 80 a propor a “critical
discourse analysis” como teoria da consciência lingüística crítica (critical language awareness). TRASK, R. L.,
Dicionário de Linguagem e Lingüística, p. 31.
30

reciprocamente sem critérios para suas delimitações ou autoreferências. O direito tem pretensão
de ser autorreferente e de ser capaz de estabilizar seus pressupostos linguísticos através de uma
fixação de seus sentidos e expressões, mas isso é ilusório. Nenhum sistema linguístico social é
autoreferente, pois os sistemas se perfazem mutuamente, mesmo que isso seja sempre sutil. Sob
a terminologia utilizada por Luhmann os sistemas linguísticos sociais seriam, então,
alopoiéticos. Mas Luhmann acredita que o direito é autopoiético. Mas sua posição é
contrafactual se analisarmos pragmaticamente quando o direito tematiza expressões como boa-
fé, racismo, prostituição, devido suas delicadas percepções sociais e, principalmente, suas
sempre mutantes composições culturais e morais.
Tomar-se-á, aqui, a expressão prostituição, a exemplo. É possível afirmar que esse
termo tem perdido seu caráter pejorativo? Ao menos, tem-se veiculado, contemporaneamente,
que a prostituta ou prostituto é vítima de contexto social excludente. Há, assim, alguma
consciência de que a sociedade mantém inegáveis mecanismos de guetização da atividade
profissional relacionada ao sexo. A perspectiva desestigmatizadora só é ventilada em termos de
um esclarecimento sociopolítico de alguns grupos por assim dizer ‘progressistas’, ou seja,
apenas onde se fomenta a reflexão crítica como a da racionalidade moral. Embora seja
perceptível que há crescente desestigmatização no senso comum brasileiro, a prostituição
continua alvo de preconceito tanto social quanto de políticas públicas estatais.
Através da moral, que é, por sua vez, crítico racional e opera a partir de uma ética
do discurso, pode infere-se que a prostituição é composta majoritariamente de um grupo social
de menor capacidade aquisitiva, de média e baixa instrução, que não consegue se qualificar para
o mercado de trabalho ou exerce atividades de baixa remuneração.
Vez que esta atividade profissional é desqualificada pelo senso comum, exerce-se
sobre ela uma série de opressões que podem ser captadas no plano da ‘epistemè’82 jurídica
também. Isto significa que os sistemas cultural e moral penetram semanticamente o sistema
jurídico. Há aqui uma interseção de sistemas muito mais complexa do que os meros inputs e
outputs que a teoria luhmanniana pôde descrever.
Há, então, um paradoxo entre cultura e moral quanto à definição do signo
prostituição. Este termo pode ser visto segundo a ótica crítica de fundamentação reflexiva da
ética do discurso, que o enxerga como um problema social que deve ser assistido pelo Estado e
pela sociedade civil porque encerra violência e acaba por correlacionar-se com a prostituição
infantil, vitimando, desta forma, dois grupos de devida proteção: os fragilizados pela tenra idade
e os excluídos economicamente, seja por gênero ou por defasagem de instrução. Mas pode, por
outro lado e paradoxalmente, receber influxos negativos, vindos da cultura, que por sua vez não
reflete consequências e se nutre do senso comum, de maneira preconceituosa. Há razões para
acreditar que, para o direito brasileiro, a prática da prostituição é quase ilícita, a impedir que a
prostituta possa ingressar em juízo para cobrar serviços prestados, mesmo no campo trabalhista
contra seus eventuais empregadores, como, por exemplo, frente a donos de casa de prostituição.
Ou, ainda, contra o Estado, para requerer os benefícios de aposentaria por invalidez, no caso de
contração de uma doença sexualmente transmissível e incurável.
É daí que a linguagem se relaciona diretamente com o problema do método jurídico.
Pois linguagem é uma forma procedimental do pensamento e, portanto, um método de
conhecimento. O direito, em nome da segurança jurídica e da pretensão de previsibilidade,
procura estabelecer o seu próprio fechamento operacional, a predeterminar sentidos em que os
fenômenos socias de tutela jurídica devem ser compreendidos e dirimidos. Mas od sentidos não
se fecham completamente na práxis jurídica, porque são linguísticos e, portanto, instáveis e só
podem ser apreendidos levando-se em conta o contexto a que se inserem.
82
Como disposto antes, essa expressão é utilizada por Foucault para designar certa proposição inconsciente, mas
que atua nos jogos de poder travados entre os sujeitos e sujeitados de uma relação social.
31

Em qualquer nível de significação, quem diz algo o diz porque quer recriar sentidos
e a questão é apenas perceber que jogos de poder subjazem essas operações. Dispõe Villaça
que: “Todo texto caracteriza-se pela textualidade (tessitura), rede de relações que fazem com
que um texto seja um texto (e não uma simples somatória de frases), revelando uma conexão
entre as intenções, as ideias e as unidades linguísticas que o compõem, por meio do
encadeamento de enunciados dentro do quadro estabelecido pela enunciação”83. O direito pode,
desta forma, aprender com a ética do discurso, entrevendo-se com o sistema moral e pode, ao
mesmo tempo, rechear-se da realidade cultural, interpretá-la e expandi-la no sentido de suas
aptidões conciliadoras, solidárias e prudentes.
O poeta Manuel de Barros tinha por hábito fazer poesias em cadernhos que
mandava confeccionar e os armazenava numa larga gaveta de uma cômoda de copa, na sala de
jantar da fazenda onde morava em Mato Grosso. Certo dia, perambulava pela casa refletindo
sobre palavras e viu sua esposa em posse de um de seus caderninhos de poesia, a escrever algo,
inclinada sobre a mesa de jantar. Manoel de Barros esticou os olhos e perguntou-lhe curioso:
“Que você está escrevendo?”. Percebendo o mal-entendido do marido, ela respondeu: “Coisas
da terra, Manoel! Coisas da terra: feijão, arroz, ovos, peixe...”. Então Manoel de Barros retrucou
sereno: “Peixe é da água”.
Quando for preciso, o direito reverterá o sentido, porque é um sistema consciente,
elabora-se por meio dos sujeitos operadores se seus mecanismos. Os sistemas sem sujeito de
Luhmann só podem existir quando não houver linguagem [quando só existirem códigos
objetiváveis]. Linguagem é uma questão humana.Em raciocínio paralelo, Perelman escreveu
que o “aprendizado de uma língua também significa aderir aos valores de que, de modo
explícito ou implícito, ela é portadora, às teorias cujas marcas traz, às classificações subjacentes
ao emprego dos termos”84.
Como restou proposto, direito em si, de fato, não existe. O direito é um fenômeno
complexo e sua formação se dá a partir de outras áreas do conhecimento humano. Não há como
distinguir de maneira estanque os sistemas da moral, da cultura, da política. Por outro lado, é
possível perceber, no direito, seus próprios sentidos e, portanto, certa autoreferência. Desta
forma cria-se algo que é cunhado por hermenêutica jurídica, pois seus sentidos são formados
pelos mesmos signos de outros sistemas sociais, em transformação contínua, perpétua. De sorte
que a epistemologia jurídica é infértil se isolada. O direito pode usufruir da ética discursiva
conquistada pela moral e, desta forma, em sua própria estrutura, aplicar o saber moral na cultura,
modificando-a, tornando-a prudente com referência àquilo que ela relaciona e cria. A linguagem
constrói os sentidos e o faz pragmaticamente, ou seja, por meio dos usos que faz desses sentidos.
A construção dos sentidos se dá por meio da linguagem, desta forma, o suposto sistema
autoreferencial do direito nunca se fecha completamente, mas apenas parcialmente porque
comunga com o mundo externo - o ambiente e outros sistemas - a formação dos signos que usa
e interpreta.

83
KOCH, Ingedore Grundeld Villaça. Argumentação e Linguagem, pp. 21-22.
84
PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica e nova retórica, p. 148.
32

Décimo Nono Capítulo:

Ensaio sobre Teoria da Argumentação sob os Crivos da racionalidade


Pragmática, da Guinada Linguístico Pragmática e do
Discurso do Estado Democrático de Direito

15.1 Exposição da proposta metodológica: Método comparativo crítico e uso de


asserções de teste.
Karl Popper, em sua obra Conhecimento Objeto85, procura instruir critérios que
conseguiriam dar maior rigor em termos de racionalidade à pesquisa científica. Sob a sugestão
de uma de suas metodologias – a teoria das asserções de teste -, nasce este capítulo sobre a
hipótese de que seria possível escolher um número determinado de teorias concorrentes e essas,
a seus próprios turnos, poderiam ser testadas em número determinado de asserções de teste de
modo a saber qual das teorias concorrentes seria a mais racional, isto é, melhor corroborada
segundo tais critérios. Em síntese, seria possível saber qual das teorias seria a mais bem-
sucedida dentre as teorias concorrentes sob aquelas asserções previamente selecionadas.
Entretanto, o presente capítulo não se dispõe a reconstruir teorias a serem testadas, mas
tão somente a discorrer sobre possíveis asserções de teste que poderiam ser usadas para
submeter teorias à concorrência, ou ainda, solucionar problemas ou deficiências de teorias do
direito contemporâneo. O capítulo se limitará, então, a enfrentar apenas algumas perspectivas
que seriam interessantes para se pensar deficiências e vantagens de teorias, mais
especificamente teorias da argumentação. Comparar as teorias propriamente ditas ficará a cargo
do leitor, que poderá tirar suas próprias conclusões, a partir das teorias que conhece e que foram
longamente exploradas neste livro, sobretudo no décimo segundo capítulo.
O método que inspira a trama deste capítulo é, como disposto acima, sugerido por Karl
Popper quando dispõe sobre teorias concorrentes e asserções de teste. Escreve Popper que as
teorias A e B, por exemplo, à luz de uma discussão crítica no tempo t e utilizando-se de
evidências constatáveis e disponíveis por ocasião da discussão, seriam – nas circunstâncias
projetadas – melhores ou piores segundo critérios racionais e verificáveis. Neste caso, a teoria
A seria preferível à teoria B, ou teria melhor corroboração do que essa, segundo critérios ou
objetivos tais86. Ao observar atentamente a proposta de Popper, dizer que uma teoria é melhor
do que outra só é possível se tivermos critérios para servir como pontos de observação para que
sejam comparáveis. Pois bem, propõe-se observar como primeira asserção os critérios de
racionalidade pragmatista (1). A segunda asserção de teste constitui-se da própria superação da
aporia decisionismo versus legalismo (2) e, por fim, a última e terceira asserção é o critério
democracia, como discurso do Estado Democrático de Direito (3).
Sem embargo, se um processo metodológico comparativo se põe em prática, é preciso
atentar para o fato de que as teorias focadas como concorrentes podem oferecer melhores ou
piores soluções para determinado problema, ou ainda, para um limitado feixe de problemas.
Assim, os critérios escolhidos figuram como fiéis da balança das observações que se apura.
Por fim, como aludido, este capítulo é constituído sob a luz do método crítico
comparativo, pois cada teoria será testada sob a eliminação de erros ou apontamento de suas
limitações e vantagens. Isso porque, nas condições de asserção de teste também se constituirá

85
POPPER, Conhecimento Objetivo.
86
POPPER, Conhecimento Objetivo, p.19.
33

um entendimento de democracia, por sua vez crítico de outros entendimentos do que vem a ser
democracia sob outros prismas; Um entendimento do que vem a ser racionalidade pragmatista
aplicada ao direito e, por último, um entendimento sobre um dos problemas da teoria do direito,
a aporia decisionismo versus legalismo. As asserções de teste podem fornecer alguns avanços
à teoria do direito aplicada e discutida hoje. Não porque se conseguiriam fazer progressos no
sentido de teorias melhores, mas porque, dentro do elenco das teorias escolhidas, é possível
estabelecer critérios demonstráveis e, portanto, científicos, sobre a melhor teoria – aquela que
atenda à questão da democracia participativa, que garanta a autonomia e a emancipação da
sociedade, da racionalidade pragmática (tida aqui como critério perspicaz para o entendimento
e fundamento de motivação das ações humanas) e, ainda, o problema gerado pela garantia da
lei como critério que protege a intersubjetividade da sociedade sem que os excessos do
formalismo destruam a capacidade crítica dos agentes de direito.
As teorias jurídicas que sustentam a nomenclatura de argumentativistas constituem
certo desdobramento do pensamento metodológico aplicado ao direito e compõem as
discussões sobre o pós-positivismo jurídico. São, contudo, teorias contra positivistas, mas ainda
sim são teorias ad hoc ao pleito teórico que propôs o fechamento operacional e a
autoesgotabilidade como método para o direito – isto é, o direito positivo propriamente dito,
utilizando das terminologias luhmannianas.

15.2 Sobre a racionalidade pragmatista: primeira asserção de teste.

O pragmatismo é propriamente uma forma de pensar. Portanto, é também uma estrutura


metodológica de reconhecimento de outros saberes ou conceitos porque através de suas lentes
se interpretam outros entes, se estabelecem juízos e se desconstroem contradições
performativas, isto é, confusões de raciocínio. Destarte, o pragmatismo não é uma teoria
propriamente dita, mas um método. Ele não está em si, mas naquilo que observa e para aquilo
que estabelece respectivos usos e fundamentos. Para o propósito específico deste capítulo, o
pragmatismo será abordado segundo a perspectiva de Robert Brandom, isto é, a partir dos usos
e conteúdos dos conceitos. Não é outra coisa que se encontra na primeira oração do livro
Articulating Reasons: “This is a book about use and content of concepts”87
Destarte, as questões deste capítulo estão mais sintonizadas com o pragmatismo
enquanto método porque através dele observar-se-á as infraestruturas racionais de teorias da
argumentação pulverizadas na contemporaneidade. Não é possível dizer qual dentre as
elencáveis concorrentes seria a mais pragmatista. É possível dizer qual seria a mais democrática
ou qual teria melhor fundamento racional, segundo determinados critérios. Então, a questão sob
o prisma do pragmatismo é qual das teorias está mais clara, é mais coerente, tem melhores
fundamentos ou ainda, na linguagem popperiana, é a mais bem corroborada segundo os critérios
especificados. Nesse sentido, bem definida é a proposição de Charles Sanders Pierce ao afirmar
que o pragmatismo vem para nos ensinar como tornar as nossas ideias mais claras.
O pragmatismo não pretende definir a verdade ou a realidade, mas consiste apenas em
um procedimento para apreender os significados das proposições. Seus objetos são seus efeitos
sensíveis, imanentes. Mas isso não quer dizer que o pragmatismo se reduz a uma posição
meramente empirista: o pragmatismo está ligado antes à demonstração do que à verificação;

87
Brandom. Articulating Reasons, p.1.
34

Ora, a concepção dos efeitos é a própria concepção do objeto. E só se tem os efeitos em certos
contextos, ou ainda, para aqueles determinados usos que o observador se propõe ou se projeta.88
A exigência do pragmatismo é de se achar um procedimento demonstrável ou científico
para alçar suas crenças, longe do método da autoridade, que redunda em dogmatismo e longe
do método apriorístico, que redunda em metafísicas. A racionalidade pragmática é, portanto,
circunstancial e inspira-se no desenvolvimento das ciências demonstrativas, consciência
reflexiva (reflective consciousness). A ideia de racionalidade na pós Modernidade não sustenta
mais uma plataforma de saber totalizante ou até mesmo uma despretensiosa visão geral.
A partir desses apontamentos, passa-se em revista o pensamento de Jürgen Habermas,
que hoje representa uma espécie de “convergência de reconhecimento” da filosofia
contemporânea, para que ele sirva de ponto de partida, simplesmente por ser um enciclopedista
crítico do conceito de racionalidade pós weberiana e ter seu próprio entendimento ainda muito
aceito e difundido nas escolas de filosofia e de direito, além de pensar o pragmatismo imbricado
a tudo que escreve.
Para esse filósofo, racionalidade é uma maneira de criticar e também justificar
enunciados. Acredita ainda que estas críticas e justificações se dão pelas análises dos
procedimentos interativos ou comunicativos, com legitimidade universal, pois a racionalidade,
para ele, pode desenvolver-se em termos de uma pragmática procedimental universal. Para
demonstrar este entendimento, analisar-se-á, preliminarmente, o primeiro capítulo da Teoria
da Ação Comunicativa89, que fornecerá um mapeamento geral de seu entendimento, onde já se
encontram superados – ou acoplados – tanto a teoria da racionalidade weberiana quanto as
concepções de Adorno e Horkheimer, esses últimos justapostos por Habermas sob a
nomenclatura de primeira geração de Frankfurt.
Veja o traço, em linhas generalíssimas, da concepção de racionalidade habermasiana.
Preliminarmente depara-se com a concepção de “razão como procedimento”, ou seja, razão
como meio. Trata-se de uma maneira crítica de julgar os atos e os argumentos levantados por
uma determinada comunidade, que atingiria dimensões pragmáticas universais argumentativas,
porque estes atos e argumentos são mecanismos usados para se dizer “sobre” ou “o que é”
racional. São, portanto, mecanismos, procedimentos de razão.
Este processo consiste, então, em ponderação e justificação dos mecanismos adotados.
Esta observação se dá sempre a partir de critérios pragmatistas, resguardados de qualquer
postulado dogmático ontológico-transcendental. A dimensão pragmática dos convencimentos
sustentaria a fé numa racionalidade lúcida, imune à “esclerose de entendimento”90. Por outro
lado, esta mesma pragmática serve como critério – ou fundamento de certeza – da
aplicabilidade e da legitimidade dos meios (procedimentos ou mecanismos) adotados. O
pensamento pragmatista é, portanto, a justificação crítica de legitimidade dos procedimentos.
No caso específico do telos de sua obra, estes procedimentos comunicativos, isso é, a teoria
dos atos de comunicação, implicam revelação do núcleo de sua proposta filosófica: substituir
a racionalidade instrumental (fracassada, segundo a primeira geração de Frankfurt) pela
racionalidade do agir comunicativo.
A razão procedimental, prática, existe como superação do paradigma criado pela
filosofia da consciência, que por sua vez buscava uma teoria totalizante do universo. Logo,
88
Neste sentido, observa-se a superação experimentada por Wittgeinstein do Investigações Filosóficas sobre o
Tractatus Logico-Philosophicus. A filosofia não está presa ao nominalismo assim como a ciência ao empirismo.
As subjetivações construídas no mundo são também reais, mesmo que enquanto apenas subjetivações.
89
HABERMAS. Teoria da Ação Comunicativa.
90
Wolfgang Klein chamou esta esclerose de lerdeza humana. Como dispõe: “meu objetivo não é averiguar em que
consiste a argumentação racional ou correta, mas antes averiguar como argumentam efetivamente os homens,
lerdos como são”. KLEIN. Argumentation und Argument, p. 49 apud Habermas. (HABERMAS, Teoria da Ação
Comunicativa, p.50).
35

como se dispôs antes, esta racionalidade precária, circunstancial, inspira-se no desenvolvimento


das ciências demonstrativas e principalmente na consciência reflexiva. Uma filosofia de
contextos contingentes revela-se pela argumentação, que é peculiar do mundo da vida
experimentado por participantes de uma determinada comunidade91. Por isso, mesmo que, para
Habermas, a racionalidade de um julgamento não implique sua verdade mas apenas sua
aceitabilidade fundada dentro de um contexto dado, é tudo que resta como capacidade
intelectual crítica dos fatos da vida. No mundo da vida há intersubjetividade e práxis: “Através
dessa prática comunicativa eles asseguram a si mesmos, ao mesmo tempo em que suas relações
de vida comum, de uma intersubjetividade do mundo da vida compartilhado. Este mundo da
vida é constituído pela totalidade de interpretações pressupostas pelos membros como um
conhecimento pregresso comum.” 92
De sorte que a teoria da racionalidade contingencial que auxilia e é auxiliada pelas
ciências, orienta-se a partir da sociologia weberiana, se for vista através de seu prisma
sistemático. A razão sistemática tem pretensões de uma teoria da sociedade e, portanto, seu
propósito é de auto justificação racional. Neste sentido, seriam constituidoras dessa forma de
racionalidade as sociologias sistemáticas de Parsons e de Luhmann, porque superam o
funcionalismo e constroem arestas para se superar a dimensão da simples validade. A
racionalidade – consciente de sua falibilidade – tem apenas sua coerência interna como critério
de autoafirmação e se propõe em cooperação mútua com as ciências sociais e a teoria do
discurso.
Esse saber contingencial que tem pretensões de lucidez universal, organiza-se a partir
da ideia de que o saber é confiável desde que justificado. O senso crítico indica que se sabe
algo é porque se sabe o porquê desse conhecimento. Marco Antônio Sousa Alves dispõe que,
“desta forma, é dito irracional àquele que defende suas opiniões de modo dogmático ou é
incapaz de as justificar. A racionalidade de uma emissão ou manifestação depende assim da
fiabilidade do saber que encarnam, logo, na sua susceptibilidade de crítica ou de
fundamentação”93.
Em termos de ganhos da concepção de racionalidade proposta por Habermas, ver-se-á
que seu modo de pensar supera, de uma só vez, dois desafios hegemônicos da filosofia
moderna: o racionalismo metafísico-natural (que no direito manifestou-se como
jusracionalismo) e o racionalismo lógico-instumental (que no direito recebeu a nomenclatura
de juspositivismo). A ideia de racionalidade na Modernidade não sustenta mais uma plataforma
de saber totalizante, mas a consciência de uma partida reflexiva e crítica de postulados de
determinada comunidade. Mesmo que estes postulados particularizados possam ser colocados
para um auditório universal. Esta mudança de paradigma que marca a transição entre as demais
Eras e a Moderna teve como causas não só a tomada do prisma de uma consciência reflexiva
contingencial, mas a influência dos avanços das ciências empíricas e sociais. Para Habermas, a
tarefa da racionalidade é, através da argumentação, reconstruir os pressupostos da pragmática
formal e suas condições para que possa se explicitar o procedimento racional94.

91
HABERMAS. Teoria da Ação Comunicativa, p.13 et seg.
92
“Through this communicative practice they assure themselves at the same time of their common
life-relations, of an intersubjectively shared lifeworld. This lifeworld is bounded by the totality of
interpretations presupposed by the members as background knowledge”. (HABERMAS, Teoria da Ação
Comunicativa. p. 13).
93
ALVES. Racionalidade e argumentação em Habermas, p. 179.
94
Dispõe Habermas: “The theory of argumentation thereby takes on a special significance; to it falls the task of
reconstructing the formal-pragmatic presuppositions and conditions of an explicitly rational behavior”.
(HABERMAS, Teoria da Ação Comunicativa, p. 02). Tradução: “A teoria da argumentação assume assim um
36

Quando Popper afirma “não conheço nada mais racional do que uma discussão crítica
bem conduzida.”95, ele se faz precursor do conceito de racionalidade que dispôs Habermas,
como se lê na teoria do agir comunicativo: “Em contextos de ação comunicativa, chamamos
alguém de racional não só se ele é capaz de apresentar uma afirmação e, quando criticado, é
capaz de fundamentar apontando evidencias apropriadas, mas também se ele está seguindo uma
norma estabelecida e é capaz, quando criticado, justificar sua ação explicando a situação dada
à luz de legítimas expectativas contextuais.”96 São, portanto, os ‘consensos obtidos
comunicavelmente’ (perdoem o neologismo para expressar communicatively achieved
consensus) que concretiza a perspicácia humana para conhecer e escolher, com certo grau de
objetividade. Como dispõe o próprio Habermas, “O mundo ganha objetividade somente
considerando um único e mesmo mundo para a comunidade de sujeitos falantes e atuantes.”97.
Mas como este capítulo já havia disposto, Habermas é um sistematizador de expressivas
propostas filosóficas do século XX. Ele se coloca, no contexto em que surgiu a Teoria do Agir
Comunicativo, como um filósofo que consegue concatenar o pragmatismo e todas as suas
consequências para a teoria do discurso e da argumentação, com a insurreição democrática de
cidadania ativa e crítica em oposição dos processos homogeneizadores do Estado Social.
Por outro lado, nesse arcabouço sobre o significado de pragmatismo, é preciso remontar
ainda quando Horkheimer e Adorno se propuseram a escrever a Dialética do Esclarecimento,
pois suas razões consistiam em indagar por que a humanidade não teria superado seus desafios
básicos, quais sejam, organizar-se de maneira a não gerar dor e horror como até então se via.
Escreveram: “O que nós propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a
humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em
uma nova espécie de barbárie”98. A questão central estaria em perceber “qual o sentido da
ciência” já que ela gerava, num contexto acrítico, a destruição do esclarecimento. Na seguinte
expressão, o Dialética do Esclarecimento resume bem a crise teórica enfrentada pelos autores:
“O que os homens querem aprender da natureza é como empregá-la para dominar
completamente a ela e aos homens. Nada mais importa. Sem a menor consideração consigo
mesmo, o esclarecimento eliminou com seu cautério o último resto de sua própria
autoconsciência.”99.
Contudo, em plena crise da racionalidade, a filosofia pragmatista haveria de renascer tal
qual uma fênix renovada no interregno do primeiro para o segundo Wittgenstein. A razão crítica
da guinada linguístico-pragmática recria a capacidade crítica através de uma nova leitura do
que é linguagem e do que é crítica.
A visão positivista até então inexpugnável começa a mostrar sinais de fraqueza. Por
exemplo, quando Niklas Luhmann dispõe que o direito, como qualquer sistema social, existe
para reduzir complexidades, ele está certo sob o ponto de vista do utilitarismo ou da auto
observação das práticas sociais contemporâneas, isto é, sob um viés observacional científico e

significado especial; Cabe a ela reconstruir os pressupostos e as condições formal-pragmáticas de um


comportamento explicitamente racional”.
95
POPPER, Conhecimento Objetivo, p. 32
96
“In contexts of communicative action, we call someone rational not only if he is able to put forward
an assertion and, when criticized, to provide grounds for it by pointing to appropriate evidence, but
also if he is following an established norm and is able, when criticized, to justify his action by explicating
the given situation in the light of legitimate expectations”. HABBERMAS, Teoria da Ação Comunicativa,
p. 15.
97
“the world gains objectivity only through counting as one and the same world for a community of speaking and
acting subjects” HABERMAS, Teoria do agir comunicativo, pp. 12-13.
98
ADORNO e HORKHEIMER, Dialética do esclarecimento, p. 11.
99
ADORNO e HORKHEIMER, Dialética do esclarecimento, p. 20.
37

ao mesmo tempo positivista, digamos assim. Mas a filosofia pragmática, pós guinada
linguístico-pragmática, e a hermenêutica filosófica gadameriana apontam para rumo diverso: o
direito tem a capacidade de construir complexidades ainda maiores do que as que enfrenta,
porque pode trazer à leitura tantas nuances daquilo que pressupõe que pode passar da condição
passiva de mero estabilizador de expectativas para a de interventor criativo. Desavisadamente,
isso está previsto na própria teoria dos sistemas disposta por Luhmann, quando se vislumbra a
capacidade dos sistemas cognitivos de assimilarem complexidade.
Daí o despertar para a criatividade recolocada pela capacidade pragmática filosófica,
porque toda ação se projeta a partir de uma intencionalidade e, por sua vez, a intencionalidade
está sempre inserida em um contexto específico, original, novo. Não obstante, este contexto
não está determinado pelas circunstâncias naturais do mundo, mas pelas crenças dos seus
interpretes, únicos, peculiares àquela realidade específica, isto é, intérpretes contextualizados
e, sobretudo, inteligentes e criativos.
Ora, se os humanos agem em função de crenças, o mundo pode se recriar, se reinventar
e, portanto, se superar. Hans Joas sustenta que toda ação humana se situa na tensão entre a ação
habitual não-reflexiva e os atos de criatividade. A criatividade, segundo esse autor, é gerada no
âmbito de situações problemáticas que requerem soluções. Logo, a criatividade liberta o
humano porque cria e recria novas formas de ação. Logo, o pragmatismo criativo de Joas supera
a dimensão teleológica da ação, aprisco das teorias juspositivistas. Sua teoria se assemelha ao
conceito de inteligência de John Dewey e também com o discurso pró-criativo desenvolvido
por Theodor Viehweg, quando discorre, no Tópica e Jurisprudênicia, sobre a euresis grega ou
a ars inveniendi romana.100
As leis serão sempre relidas e reinterpretadas de modo inédito, pois isso é inexorável ao
próprio uso da linguagem, sob o viés do pragmatismo. Por outro lado, as interpretações
efetivamente construídas e acabadas estarão sempre correndo para se tornarem obsoletas, dadas
as transformações do mundo que as fixa contexto. Todos os convencimentos tendem a ser
substituídos ou, mais propriamente, tenderem a ser reinventados.101 Que essa questão seja
pormenorizada no sub tópico que segue.

15.2.1 A redescoberta da linguagem segundo os crivos da guinada linguístico-pragmática:

Preliminarmente, é preciso marcar que para Gadamer a linguagem serve como meio em
que se realiza o acordo dos interlocutores e, também, possibilita o entendimento sobre a própria
coisa que se põe à interlocução102. Se a linguagem é o médium que possibilita o acordo, o
“problema hermenêutico não é, pois, um problema de correto domínio da língua, mas o correto
acordo sobre um assunto, que ocorre no medium da linguagem”103. Dessa forma, esse autor
desloca o problema da hermenêutica para a práxis da conversação, para o entendimento, para a
interação.
A possibilidade da interpretação levará à possibilidade de compreensão sobre algo. Mas
a compreensão sempre dependerá de um médium, este não é outro senão a linguagem. Somente
a linguagem pode revelar algo sobre o mundo. Depende dela, portanto, toda a capacidade de
interpretação e compreensão. A linguagem é o pressuposto da compreensão, como também o
pressuposto do sentido. Para que haja linguagem é preciso que haja consciência ou, em outras
palavras, exista um sujeito ou certos sujeitos. Esse sujeito – tome-se na perspectiva singular

100
VIEHWEG, Tópica e jurisprudência, p. XX e segs.
101
Cf. JOAS. The creativity of action.
102
GADAMER, Verdade e Método, p. 560.
103
GADAMER, Verdade e Método, p. 561.
38

aqui - , por sua vez, sempre tem uma intenção e sua intenção é o que move o mundo humano.
Ao passo que sua ação é, também, o desvendar do mundo. O sujeito, ao dizer algo, o faz a partir
de uma intenção que ordena sua fala pragmaticamente. Ao construir sua intenção, usa dos
signos em construções sintáticas que são sempre aplicados aos contextos a que se referem. A
relação entre o contexto, a intenção e a linguagem que os une é aquilo que se denomina ação
pragmática.
A busca pelo sentido é a grande questão da hermenêutica sob o viés da guinada
linguístico-pragmática. Gadamer analisa a busca pelo sentido sob dois aspectos: (a) quando se
defronta texto com intérprete ou (b) quando há conversação. Em ambos os casos, o que deve se
buscar é o sentido que, no primeiro caso, ocorre quando o intérprete consegue trazer à fala
aquilo que o texto lhe mostra; no segundo caso, o sentido é atingido quando os componentes
de uma conversa se compreendem mutuamente e se põem de acordo sobre algo. Em ambas as
situações deve haver interação; tanto do texto com o intérprete quanto entre os que conversam:
eis a conquista do sentido.
O texto só se manifesta quando é captado pelo intérprete. De maneira que o sentido do
texto é revelado pelo intérprete que constrói algo novo conforme as nuances que percebe. Desta
forma, cada intérprete acaba por misturar-se com o próprio texto, trazendo-lhe sua trajetória de
vida, seus valores, aquilo que de forma única lhe revela o sentido do texto. A fusão entre aquilo
que o texto revela e aquilo que o intérprete produz é o que Gadamer entende por sentido. Da
mesma forma, em uma conversação, o sentido é criado por aquilo que está em acordo, efeito
do jogo de linguagem entre os dialogantes. A relação entre uma conversação e a interpretação
para Gadamer é muito estreita. São ações similares embora na interpretação não haja jogos, há
apenas aquilo que o autor deixou de maneira perene. Mas em ambos os casos busca-se o sentido
como algo comum, como efeito da interação, isto é, fusão de horizontes. O texto não está pronto
para dizer o que estaria supostamente dito à qualquer um que o interprete. O texto aguarda o
momento em que aquele que o lê lhe lançará suas próprias luzes. O horizonte do intérprete é a
questão mais determinante para a construção do sentido, pois ele não o toma ou o domina, mas
apenas se adiciona, dentro das possibilidades deixadas pelo texto. Há, como dito acima, o que
Gadamer chama de fusão de horizontes.
Captar o sentido é o objetivo máximo da ação hermenêutica, porque através dele
compreende-se aquilo que deve ser revelado. Quando o sentido é revelado ao intérprete e este
o compreende com lealdade ao que foi posto à interpretação, há o que se chama de sucesso
hermenêutico. A interpretação não se dá na coisa ou no intérprete, mas no momento em que
esses se fundem. Em toda ação hermenêutica há uma fusão de horizontes entre o ato ou a coisa
interpretada e a capacidade do intérprete de trazê-la à compreensão.
No caso da prática jurídica há dois tipos de interpretação textual básicos. A interpretação
do texto escrito (norma texto) e a conversação dialética que se estabelece entre as partes
envolvidas e o juiz. Há, então, na práxis jurídica, dois tipos de ação hermenêutica: a
texto/intérprete e a conversação.
Hermenêutica da conversação é a busca pelo pôr-se em acordo. Isso pressupõe que dois
ou mais sujeitos participem de uma discussão na condição de agentes da mesma ação. A prática
do contraditório, no direito, é o que se pode chamar de conversação. A conversação por sua
vez pressupõe certas regras, porque aqueles que conversam devem entrar em acordo sobe algo.
Como se dispôs antes, este pôr-se em acordo é a questão hermenêutica por excelência, na
perspectiva de Gadamer. Para destrinchar essa ideia, será preciso captar separadamente duas
teses dispostas: o que vem a ser conversação e o que vem a ser acordo.
A conversação não é propriamente controlada pelos sujeitos que interagem nela, mas
perfaz-se a partir dos jogos que se estabelecem entre os participantes, exatamente como havia
39

vislumbrado, anteriormente, Wittgenstein104. Então ela toma caminhos diversos daqueles que
os seus agentes planejam ou desejam, mas acaba por construir um processo próprio. A este
fenômeno Gadamer dá o nome de revelação. Aquilo que é dado à compreensão se revela e não
propriamente é conduzido ou proposto. Dispõe Gadamer: “A conversação é um processo pelo
qual se procura chegar a um acordo. Faz parte de toda verdadeira conversação o atender
realmente ao outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no
sentido de que se queira entendê-lo como está individualidade, mas sim no de que se procura
entender o que diz”105. Gadamer marca, no final dessa citação, que não se deve entender o outro
como aquilo que se objetiva, mas aquele que tem algo a dizer, dentro de sua autonomia para
pronunciar o que pensa. Conversar é trocar e não coletar informações106. Esse é, também, o
ponto de partida para a teoria do agir comunicativo de Habermas, e esta específica comunhão
entre o pensamento de Gadamer e de Habermas serve à estruturação do que se deseja entender
por racionalidade pragmática107.

15.2.1.1 Os limites da interpretação e a questão semiótica:

Embora o sentido seja compartilhado, não se pode pressupor que a linguagem se deixe
captar de forma absoluta. Os intérpretes compreendem os signos segundo seus horizontes, suas
pré compreensões. Cada conceito será assimilado de maneira peculiar, a cada intérprete, a cada
contexto, assim como a situação histórica são fatores condicionantes da interpretação,
inexpugnavelmente. Por isso, o intérprete, por mais crítico e reflexivo que seja, por mais
rigoroso que sejam seus métodos, está submetido à assertiva de Gadamer: “comporta-se da
mesma maneira que todo aquele que, como filho do seu tempo, está dominado acriticamente
pelos conceitos prévios e pelos preconceitos do seu próprio tempo”108. O intérprete não
consegue alcançar o ideal de deixar-se a si mesmo de lado, pois “interpretar significa justamente
colocar em jogo os próprios conceitos prévios, com a finalidade de que a intenção do texto seja
realmente trazida à fala para nós”109.
Há, ainda, que se observar com atenção a dimensão semiótica da linguagem que toda
palavra é polissêmica, assim como toda oração é semiótica. E isso não relativiza em nada a
pretensão de verdade de um discurso. A semiótica é fenômeno decorrente da própria
linguisticidade. Nas palavras de Gadamer: “Compreender um texto significa sempre aplicá-lo
a nós próprios, e saber que, embora se tenha de compreendê-lo em cada caso de uma maneira
diferente, continua sendo o mesmo texto que, a cada vez, se nos apresenta de modo
diferente”110. Ou ainda, com mais precisão: “Onde se trata de compreender e interpretar textos
linguísticos, a interpretação, no médium da própria linguagem, mostra com clareza o que a
compreensão é sempre: uma apropriação do que foi dito, de maneira que se converta em coisa
própria”.111 É exatamente essa a prática jurídica, os operadores do direito usam dos textos
previamente dados, disposições legais, conteúdos de acórdãos, súmulas, de modo a
desentranhá-las de deus contextos originais, a se apropriarem de expressões linguísticas, de
modo a reintroduzirem em novos contextos, transformando-as em coisa própria.

104
WITTGENSTEIN, Investigações filosóficas.
105
GADAMER, Verdade e Método, p. 561.
106
Um processo jurídico se constrói pelo debate, pela contestação. Já um inquérito ou um interrogatório não é
propriamente uma conversação, mas aquele que depõe ou é interrogado é reificado pela relação de fala.
107
Cf. HABERMAS, O que é pragmática universal?.
108
GADAMER, Verdade e Método, p. 577.
109
GADAMER, Verdade e Método, p. 578.
110
GADAMER, Verdade e Método, p. 579.
111
GADAMER, Verdade e Método, p. 580.
40

Com estas explanações sobre como se dá a compreensão segundo a proposta


gadameriana, espera-se que o texto tenha construído suporte para o que deve ser compreendido
sobre linguagem como fenômeno intrínseco à própria realização do direito. A partir disso,
vislumbrar-se-á que as teorias concretistas, como a de Friedrich Müller, por exemplo,
argamassam em suas propostas operacionais maior complexidade e percepção do fenômeno
jurídico em sua práxis. As teorias concretistas já trazem a perspectiva de que o direito trabalha
a partir de textos historicamente concebidos que se submetem ao processo de revelação
hermenêutica. Não obstante, o processo de conversação se instaura como um meio de pôr-se
de acordo, de modo a complementar e sempre de maneira inédita, circunstancial, específica à
realidade em que se contextualiza a interpretação.
Contudo, pela forma bem resumida e superficial que esta proposta foi aqui apresentada,
acredita-se apenas ter suscitado algumas ideias acerca das relações entre direito e linguagem,
de modo a introduzir alguma complexidade sobre o que se deseja concluir através da asserção
de teste “racionalidade pragmática”. Dá-se essa missão por concluída e passa-se a segunda
asserção de teste.

15.3 Decisionismo versus legalismo: segunda asserção de teste.

A aporia entre legalismo e decisionismo é um dos principais problemas filosóficos do


direito na Modernidade tardia. A questão é que, de uma forma ou de outra, essa questão esteve
presente no mundo antigo e medieval, mas transformou-se no pivô do advento dos Estados
Liberais, sob as extensivas aplicações e implicações do princípio da legalidade, momento de
crescimento do legalismo. Depois, os sistemas jurídicos ocidentais penderam ao decisionismo
durante a preponderância dos Estados Sociais e o tema se transformou em polêmica, quando,
por exemplo, do memorável embate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen e é, atualmente,
reconsiderado no sentido de uma posição moderada no contexto dos Estados Democráticos de
Direito112. Contudo, o problema é muito mais complexo do que a singela discussão entre
cumprir os preceitos normativos ou dar maior flexibilidade ao judiciário. Inadvertidamente, a
teoria tradicional do direito restringia esse problema à discussão interna entre as escolas de
direito do século XIX: Escola da Exegese, Escola Livre do Direito e Escola dos Conceitos. Mas
a aporia tem reflexos sobre a própria noção do que vêm a ser as fontes do direito, como condição
do que permite o fechamento operacional e, por outro lado, como limite da própria
hermenêutica jurídica. Expor-se-á, então, brevemente, as duas complexidades que devem ser
entendidas para melhor compreensão do fenômeno jurídico quanto ao embate em estrito
cumprimento de normas e interpretações extensivas dos conteúdos normativos. São elas: a
questão das fontes do direito (15.3.1) e os processos de assimilação cognitiva e limites de
interpretação (15.3.2)

15. 3.1 A questão das fontes do direito:

São fontes do direito aqueles fatos ou aqueles atos aos quais determinado ordenamento
jurídico atribui competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas113. A importância do
problema das fontes do direito consiste em dele depender o estabelecimento da pertinência das
normas, com que o operador do direito lida num determinado ordenamento jurídico: tais normas

112
Em especial, conferir o capítulo 10 do livro A Inclusão do Outro de Habermas: Sobre a coesão interna entre
Estado de Direito e Democracia. Exatamente nesse capítulo Habermas analisa a infraestrutura teórica do Estado
Democrático de Direito, demonstrando que se trata de uma recuperação dos direitos individuais criados na vigência
do Estado Liberal somados às conquistas sociais do Estado Social (HABERMAS, A inclusão do outro).
113
BOBBIO, O positivismo jurídico, p. 161.
41

lhe pertencem ou não, conforme derivem ou não dos fatos ou atos dentre os quais o
ordenamento jurídico faz depender a produção das suas normas. A formular em outros termos,
o problema das fontes do direito diz respeito à validade das normas jurídicas. Ademais, os
ordenamentos jurídicos que atingiram certa complexidade, procuram estabelecer eles mesmos
quais são as fontes do direito, o que significa supor que eles mesmos estabelecem os critérios
de validade das próprias normas. Desta forma, os ordenamentos regulariam as suas próprias
produções jurídicas. Em termos de teoria dos sistemas, Luhmann reconhece esse fenômeno
como autopoiese.
A teoria do direito dispõe-se em fontes delegadas e fontes reconhecidas. Há
reconhecimento ou recepção quando existe um fato social precedente ao Estado ou, de qualquer
maneira, independente desse, produz regras de conduta a que o Estado reconhece - isto é, atribui
-, a posteriori, o caráter da juridicidade ou, em outros termos, que o Estado recepciona. Há
delegação quando o Estado atribui a um órgão diverso daquele portador da soberania, ou
mesmo a uma instituição social não pertinente à organização do Estado, o poder de estabelecer
normas jurídicas para certas matérias e dentro de certos limites estabelecidos pelo próprio
Estado. Esse poder se diz delegado precisamente porque não pertence originalmente à
instituição que o exerce ou cria, mas ao Estado.
Existem, também, as normas negociais, isto é, as normas juridicamente vinculantes
estabelecidas pelas pessoas físicas ou jurídicas para regular os seus interesses por meio dos
contratos e dos negócios jurídicos em geral. Tratam-se, portanto, de normas estabelecidas pelos
sujeitos de direito no âmbito de sua autonomia privada, normas que o Estado se limita, num
segundo momento, a convalidar no plano jurídico.
Num juízo de equidade, o juiz decide segundo sua consciência ou com base no próprio
sentimento de justiça. Ao prolatar o juízo de equidade, o juiz se configura como fonte de direito;
não como fonte principal, mas apenas como fonte subordinada, porque ele pode emitir tal juízo
somente se e na medida em que é autorizado pela lei e, de qualquer maneira, nunca em contraste
com as disposições da própria lei.
Diz-se sobre equidade substantiva, integrativa e interpretativa. Substantiva quando o
juiz supre a norma que falta ao ordenamento jurídico. Diz-se equidade integrativa quando a
norma existe, mas é demasiadamente genérica. E, por fim, equidade interpretativa quando o
juiz define o conteúdo de uma norma. Equidade representa uma brecha na teoria do positivismo
jurídico porque pode ser entendida, também, como um espaço em que se faz valer o senso de
justiça.
Contudo, hermenêutica é criação. Tudo que foi explanado sobre fontes do direito e
ordenamento jurídico até aqui é teoria, a prática é muito mais complexa e não se dá a essas
taxonomias elaboradas pela teorética jurídica.
Sobre a ideia de o direito ser proposto a partir de contingências sociais, ou ainda, pelo
fato de o direito caracterizar-se como ciência social aplicada, ele se reestrutura para fora do que
pode ser chamado de fontes do direito. Isso significa que o direito não tem fontes114, mas apenas
sentidos dominantes.
O juiz, quando decide o caso, ou seja, profere uma sentença, se defronta com uma
multiplicidade de projeções normativas já existentes, dentre as quais ele apenas opta, escolhe
uma ou algumas. Portanto, o direito se daria por um processo de seleção, como processo
vinculativo. Luhmann fala que esta multiplicidade de projeções normativas envolve um “filtro
processual, pelo qual todas as normas jurídicas têm de passar para se tornarem socialmente
vinculativas enquanto direito. Esses processos não geram o direito propriamente dito, mas sim

114
Esta metáfora hidráulica “fontes”, vem, segundo uma explicação oral do professor Antônio Cota Marçal, do
direito romano e está atrelada à ideia do direito natural num sentido cosmológico, daí remeter-se à ideia de que o
direito verteria da natureza, como a água verte da pedra.
42

sua estrutura em termos de inclusões e exclusões”115, conforme o campo de abrangência de um


determinado ordenamento jurídico.
Para Luhmann, o direito resulta de estruturas sistêmicas. No entanto, a “vigência do
direito”, por mais rigorosa que seja a cadeia causal, estará referida a um fator variável: uma
decisão. Por isto as circunstâncias históricas, presumivelmente pré-determinadas, não vinculam
necessariamente a decisão jurídica. Em razão disto, o “critério não está na ‘fonte do direito’, no
ato individual da decisão, mas sim na experimentação constante e atual do direito”116. O direito
não vem do passado como ingenuamente acredita a posição dominante, não é um fenômeno
histórico, mas sim revogável, modificável, capaz de absorver o novo. Explicita Luhmann: “A
constância das possibilidades de modificação mantém a consciência de que o direito a cada
momento vigente é resultante de uma seleção, de que ele vige por força dessa seleção a qualquer
momento modificável. O caráter estatuído significa contingência, significa que a vigência se
baseia no próprio ato de estatuir-se”117 Para Luhmann a função de uma estrutura não prescinde
de regularidade permanente, ela precisa apenas não ser problematizada em suas dimensões
estruturais. Exatamente por esse motivo, o direito é um instrumento de transformação e criação
da própria realidade.
Espera-se, assim, ter conseguido demonstrar como o fenômeno jurídico se comporta em
relação àquilo que delimita seu conteúdo pré-selecionado e pós-selecionado, a concluir uma
breve analise dos mecanismos que desvelam a prática jurídica.

15.3.2 Os processos de assimilação cognitiva e limites da interpretação

O direito teria dois momentos diferenciados mas componentes de um mesmo fenômeno:


as formulações de regras gerais elaboradas pelo poder legislativo e/ou executivo em suas
respectivas competências (primeiro momento) e as interpretações das normas texto e dos fatos
sendo feitas pelos advogados, defensores e promotores de justiça como tentativas de influenciar
as decisões do judiciário e suas decisões propriamente ditas118 (segundo momento). Mas a
atividade interpretativa também tem caráter geral, isto é, os operadores do direito têm pretensão
de formular regras gerais a partir de casos concretos. Por isso a decisão judicial não pode ser
apropriadamente concebida como a ‘lei do caso particular’119, pois ela tem pretensão
generalizante, também.
A prática interpretativa e argumentativa desenvolvida pela advocacia também tem
pretensão de ser a resposta geral para o caso específico, porque se formula a partir do
pressuposto de que produz a interpretação correta para as circunstâncias em questão, isto é, a
mesma argumentação deveria ser formulada para todos os casos iguais. E constatável que o
“juiz submete-se ao princípio da igualdade de forma diferente que o legislador: ele não só tem
que tratar igualmente as mesmas condições, mas também decidir da mesma forma os casos
iguais”120. No entanto, toda decisão judicial assim como toda argumentação advocatícia
genérica traz em si um paradoxo, porque constrói determinações rígidas, quase irretratáveis, o
que é negativo em uma sociedade mutável. Por esse motivo, explica Luhmann: “O processo
decisório da jurisprudência não conhece, portanto, formas institucionalizadas de mudança do

115
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 8.
116
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 9.
117
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 9.
118
Vale lembrar que o Poder Judiciário também pode criar normas gerais, no caso dos mandados de injunção.
119
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 35.
120
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 35.
43

direito, mas apenas técnicas apócrifas de assimilação, adaptação ou alteração e que sejam
compatíveis com a identidade formal das normas”121.

Os juízes e os advogados operam enfrentando frustrações o tempo todo. Isto porque


antinomias e lacunas são fenômenos muito comuns da práxis jurídica e não há efetiva
estabilidade dos pressupostos jurídicos, muito menos segurança jurídica, como bem percebera
Ronald Dworkin122. Portanto, o direito só pode ser institucionalizado enquanto variável,
enquanto sua variação está submetida a processos de aprendizado e assimilação de novas
informações. Por isso as frustrações devem ser revistas no próprio processo judicial, sendo
então os aprendizados absorvidos cognitivamente. Esse aprendizado, então, se dá pela
concreção normativa, renovando-se e reciclando-se a todo tempo. Eis a pertinácia das teorias
concretistas, porque elas se formulam conscientes desses processos, inarredáveis à prática
jurídica.
A diferenciação entre advocacia/judiciário e legislativo se torna mais forte pelo fato de
que a prática dos tribunais precisa enfrentar a realidade, lidando com situações que somente a
experimentação pode revelar. Por isto a situação dos tribunais é assaz diversa da do legislativo.
Enquanto os advogados, promotores e juízes devem resguardar as expectativas sociais adotando
um complexo de leis para criar uma situação jurídica, o legislativo não se importa – tanto –
com o efeito real da concreção das normas. Como dispõe Luhmann: “O efeito real das normas,
a proporção da sua não aceitação e os custos de sua imposição, suas disfunções, os conflitos
comportamentais aos quais elas levam, as ações substantivas por elas provocadas, tudo isso
pode ser registrado cognitivamente pelo legislador, sem maiores indignações”123.

15.4 Sobre o Estado Democrático de Direito: terceira asserção de teste.

Propõe-se a divisão deste segmento em duas empreitadas, na primeira far-se-á um


estudo sobre em que consiste, em termos ideais, a teoria do Estado Democrático de Direito. Na
segunda etapa far-se-á a crítica as inconsistências da teoria do Estado Democrático de Direitos
em razão de suas limitações práticas, o compõe, até certo ponto, a perpectiva decolonial à
proposta mais discutida de democracia nas sociedades contemporâneas.
A teoria do Estado Democrático de Direito representaria grande avanço para história do
Estado e sobretudo para a história da democracia. Pelas suas propostas diligentes, empreender-
se-ia a derrocada da opressão, em função da autonomia, do afastamento da colonização, em
prol da emancipação e do enfrentamento da segregação para dar espaço às práticas de inclusão,
de tolerância e de cidadania participativa.
Uma vez que a história do século XX permitiu reconhecer a ineficácia e os perigos do
Estado Social, teria vindo à tona o Estado Democrático de Direito como resultado do
amadurecimento político, do aprendizado com o diálogo, do reconhecimento das diferenças.
O Estado Democrático de Direito principia quando políticas públicas passam a garantir
meios para que todo e qualquer indivíduo ou grupo social possa ter condições materiais de
reconhecimento e, desta forma, se torne um agente ativo, participante das leis que desse Estado
emanam. De maneira que, o primeiro dever de um Estado que se pretende democrático de
direitos é garantir condições de inserção, integração e respeitabilidade para seus cidadãos e isto
só é possível se houver reconhecimento das dimensões culturais, históricas e políticas que
envolvem os indivíduos de determinada sociedade.

121
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 36.
122
DWORKIN. O império do direito, p. 3.
123
LUHMANN, Sociologia do direito, p. 38.
44

Há, portanto, duas condições básicas sem as quais não podem ser efetivados os Estados
Democráticos de Direito:

a) Garantias de direitos fundamentais que reconheçam os indivíduos como


legítimos membros daquela sociedade e, por conseguinte, portadores de
garantias individuais e coletivas mínimas para sua participação sem que suas
ideias e posturas possam ser objetadas, intimidadas ou oprimidas. Ou, ainda,
garantia às provisões de vida boa e digna.

b) Garantir autonomia de escolha assim como reais condições de participação em


igualdade com os demais segmentos sociais para opinar, criticar e refutar as
discussões públicas de onde vertem os direitos. A autonomia é fundamental
porque nela os participantes se assumem como autores das leis a que estão
submetidos.

A igualdade política é condição de todo o processo democrático, pois é condicional à


possibilidade de participação cívica. Conseguir com que cada indivíduo possa tornar-se capaz
de exercer sua competência comunicativa é o desafio primeiro de uma sociedade que tem
pretensões democráticas.
Para isso, a efetividade de direitos mínimos que garantam a condição de cidadãos
críticos é garantir-lhes que façam parte do sistema de direitos. Os cidadãos devem garantir
mutuamente a possibilidade de criticar, aceitar ou se opor à institucionalização de direitos. A
população deveria ser capaz de engendrar direitos, fazê-los pertinentes e respeitados, pois ela
mais que qualquer outra representa a voz dos cidadãos em sua pluralidade de entendimentos e
posições.
Cada indivíduo deve ser reconhecido como pessoa de direito e, portanto, agente de
direito, construtor das interpretações e dos argumentos de direito, seja na vida pública ou na
prática forense, representado por seus advogados ou pelas instituições jurídicas. Ainda mais se
compuser algum tipo de minoria ou encontrar-se em qualquer desvantagem política, trabalhista,
educacional ou em qualquer dimensão humanitária. O cidadão deverá ser protegido além de
dispor de mecanismos econômicos que diminuam ou anulem as disparidades como cotas,
bolsas, incentivos fiscais e políticas análogas. Aquilo que se chama hoje de políticas de
compensação histórica.
Isso tudo vem a confirmar a proposta de povo como algo fragmentado, complexo, que
não suporta a redução à unidade ou homogeneidade. Este conceito de povo como algo
radicalmente diversificado em pretensões e entendimentos e interesses traduz perfeitamente a
proposta de Friedrich Müller quando questiona negativamente a generalização abstrata que se
faz de um povo, como poder originário. A pergunta: quem é o povo? Não pode ser respondida
pela abstração de cunho homogêneo e redutor. O povo, para Müller, só pode ser entendido
como algo diversificado, heterogêneo e mutante no tempo, infligindo-se, assim, melhor
entendimento do que vem a ser a estrutura política que arqueia a teoria do Estado Democrático
de Direito124.
Entretanto, é preciso assentar crítica à utópica teoria que se apresenta como resultado
acabado da Modernidade [eternamente inacabada, como salientam Alberto Quijano e Walter
Mignolo]. Há paradoxos a serem enfrentados nesta fórmula muito límpida que configuraria o
patamar final da democracia ocidental, com pretensões globalizantes.

124
Cf.: MÜLLER, Teoria estruturante do direito.
45

A democracia pensada por meio de instituições concentradas que, em tese, deveriam


velar pelos interesses dos cidadãos funciona, paradoxalmente, para que a verdadeira
democracia jamais seja atingida. O projeto do Estado Democrático de Direito supôs que as
sólidas instituições de Estado defenderiam a democracia, mas tem-se confirmado, cada vez
mais, que elas funcionam em defesa de interesses próprios, quando não de interesses obscuros.
O que hoje muito de debate é a tese da encriptação do poder político no paradigma do Estado
Democrático de Direito, revestido de falsa legitimidade.125
Por outro lado, a democracia representativa revelou-se incapaz de estabelecer relações
fieis com os eleitores, isto é, o poder originário. Os sistemas políticos encapsularam-se, o povo
não consegue, nos sistemas representativos, exercer suas autonomias políticas e jurídica.
Todavia, é possível sustentar que quanto mais automina popular houver, mais próximo
do ideal de democracia a organização política estaria, também. Há que se lutar por direitos, há
que erguer enfrentamentos políticos a fim de se fazer valer direitos, criá-los e modificá-los.

15.5 Metódica estruturante e racionalismo inferencialista: a complementação teórica


entre Friedrich Müller e Robert Brandom.

Especulo que o leitor ao transcorrer todas as três asserções de teste tenha refletido sobre
teorias da argumentação que conhece e tenha se feito algumas proposições, ou não. Agora, para
concluir o capítulo, analisarei, ao menos, uma teoria da argumentação. A hipótese é a de que
Müller, por meio de sua metódica estruturante, atende bem às três asserções de teste. A teoria
da concreção normativa supera o paradigma legalista, que pressupõe como principal missão do
direito gerar segurança jurídica e isso poderia ser obtido a partir do cumprimento da norma
dada a priori, pretensão formalista. Não obstante, a metódica estruturante supera também o
decisionismo dos argumentativistas que negam a supremacia do legislativo, como, por
exemplo, Chaïm Perelman e Theodor Viehweg, que acabam por conceder ao juiz exacerbada
liberdade de posição perante o caso concreto, sem levar em consideração a intersubjetividade
conquistada pela norma jurídica pré-definida. Viehweg e Perelman subestimam que foi muito
caro à história do direito, na Modernidade, a conquista da intersubjetividade normativa, do
princípio da legalidade.
Faço, então, uma incursão dentro da teoria concretista proposta por Müller. A metódica
proposta por ele procura decompor os processos de elaboração das decisões de direito.126 Para
Müller, a normatividade que decorre de uma norma jurídica não vem tão somente do texto
literal dessa norma, mas de uma tradição em que é compreendida. A normatividade decorre
mais do direito consuetudinário do que de qualquer outra circunstância. Como explicita:
“Mesmo onde o direito positivo dessa espécie predominar, existe praeter constitutionem um
direito (constitucional) consuetudinário com plena qualidade de norma”127. Em outros termos,
não é o texto da norma concretizada que fixa a normatividade, mas uma determinada tradição.

Mas ‘a’ norma jurídica não está pronta nem ‘substancialmente’ concluída. Ela
é um núcleo materialmente circunscritível da ordem normativa, diferençável
com os recursos da metódica racional. Esse ‘núcleo’ é concretizado no caso
individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado
nítido, diferenciado, materialmente enriquecido e desenvolvido dentro dos

125
Cf. SANÍN RESTREPO. Teoría crítica constitucional.
126
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 37.
127
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 39.
46

limites do que é admissível no Estado de Direito (determinado sobretudo pela


função limitadora do texto da norma)128.

A normatividade revela-se na regulamentação de questões jurídicas concretas. Em


expressão forte, Müller critica: “Enquanto forem indicadas como ‘métodos’ de práxis e da
ciência jurídicas somente regras de interpretação, a estrutura da realização prática do direito
terá sido compreendida de forma equivocada”129. A leitura da norma é feita a partir das
vivências, isto é, a partir do mundo experimentado. Isso não significa que o direito vem do
passado, vem daquilo que a tradição impôs de forma imutável. O processo de entendimento,
interpretação e uso das normas advém de uma atmosfera muito mais rica, que é o uso das
experiências, das frustrações, das recém conscientizações hauridas pelos operadores do direito.
Todas estas experiências compõem a história da norma no tempo, sua complexa composição.
Por esse motivo, dispõe Müller que há concreção em dada realidade experimentada e não
propriamente interpretação do texto da norma. E complementa: “O âmbito da norma não é
idêntico aos pormenores materiais do conjunto de fatos. Ele é parte integrante material da
própria prescrição jurídica. Da totalidade dos dados afetados por uma prescrição, do ‘âmbito
material’, o programa da norma destaca o âmbito da norma como componente da hipótese legal
normativa. O âmbito da norma é um fator co-constitutivo da normatividade.130
A norma jurídica se mostra um esboço vinculante de um ordenamento parcial da
comunidade jurídica que representa o enunciado jurídico em linguagem. Os administradores do
executivo, os advogados, a promotoria, o judiciário, são a outra parte da comunidade jurídica
que conjuntamente com o legislativo vão formar aqueles que estabelecerão a normatividade.
O texto da norma não ‘contém’ a normatividade em sua estrutura material, mas por certo
ele dirige e limita as possibilidades da concretização materialmente determinadas. A prática
jurídica tem motivações que se revelam no curso de seu processo de concreção. Estes sim são
o que podemos chamar de fundamentos da argumentação:

A representação e publicação da fundamentação deve, por um lado, convencer


os atingidos, por outro tornar a decisão controlável para um possível reexame
por tribunais de instância superior, para outras chances da tutela jurídica e
com vistas à questão da sua conformidade à constituição. Um outro efeito
consiste na introdução da decisão publicada e fundamentada na discussão da
práxis e da ciência jurídicas e da política jurídicas. [...], a práxis jurídica não
está obrigada à reflexão hermenêutica e a metódica explícita, mas
seguramente à busca de uma metódica que permite representar e verificar
racionalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a
decisão.131

Procurando concatenar os raios da filosofia pragmatista inferencialista original de


Robert Brandom, a partir de sua postura anticlassificatória dos conceitos, com a teoria da
metódica estruturante de Friedrich Müller, poder-se-ia perceber uma série de nuances muito
perspicazes que compõem ambas. A metódica estruturante representa um desdobramento
especial do que se convencionou, nos feudos do direito, pela expressão concretismo, ou seja,
trazer do texto legal informações que, em dialética com a realidade experimentada, tornam-se
compreensíveis. Ou seja, segundo os concretistas, a fusão entre texto e prática possibilitaria a
compreensão do que se pode chamar de norma jurídica, propriamente dita.
128
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 48.
129
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 47.
130
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 44.
131
MÜLLER. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 37.
47

Sob um prisma pragmático e não antropológico, embora esta segunda posição não esteja
totalmente afastada, Robert Brandom procura definir o homem como aquele que tem
consciência, que pensa, que justifica. Isto posto, a capacidade de racionalização, ou melhor, a
possibilidade de justificação dos seus discursos, compõem a excelência humana.
A maneira para se tecer tal proposição é a análise do discurso, sob o prisma do melhor
argumento racional, mas a compreensão dos problemas humanos deve se construir de modo
funcional. Daí Brandom propor que não há mais o que se buscar nas proposições referenciais,
há tão somente conhecimento a partir das proposições inferenciais. O humano é um ser capaz
de produzir inferências sobre o mundo e sobre si mesmo.132
Esta postura inferencial denota também seu potencial heurístico: inferir é criar. Ou
ainda, interpretar é criar (Gadamer). Vê-se aí certa guinada de Brandom (filósofo originalmente
pragmatista) à filosofia continental europeia. Brandom busca a sapiência, afastando-se da
filosofia analítica empirista. Esta asseveração confirma-se ao perceber que seu manancial, em
outros livros, parte fundamentalmente de Hegel.
Ainda assim, sua atenção está voltada para prática discursiva: Brandom deseja analisar
como os conceitos são usados, portanto, suas ressignificações conforme seus usos, seus
empregos. E é precisamente isto que ele vai fazer, a partir dos contextos em que os conceitos
estão inseridos, explicá-los, ou seja, torná-los explícitos.133 Com estas aberturas, Brandom abre
novas perspectivas para filosofia e por consequência para filosofia do direito. Com isto,
também, percebe-se que Brandom não deseja remendar o idealismo alemão, nem mesmo
continuar na picada analítica, mas ir além e por outros caminhos ainda não explorados. O
inferencialismo, termo cunhado por ele, é original e inovador inclusive para metodologia e
hermenêutica jurídicas.
E por força de seu elemento diferencial dos demais métodos filosóficos já intentados,
Brandom não está preocupado em conceituar por meio de classificações (método classificatório
aristotélico – por assimilação), mas sim explicitar (explanar) o conceito (método de
diferenciação) por meio do uso, da prática. Veja que há aí, no mínimo, duas inversões: onde
entrava a classificação agora se tem a explicação pragmática e onde entrava a assimilação
entra a diferenciação. Este último apontamento de contradição é mais inovador e importante
do que o primeiro, porque a pragmática já é perceptível até mesmo nos gregos. Na Ética de
Nicômaco, por exemplo, já há inconfundíveis atestados de filosofia pragmática. Mas Brandom
apresenta um método específico: o mundo sempre pensou por meio da assimilação, agora se
quer não mais a identificação, a semelhança, mas o que distingue e distancia. Brandom tem
uma teoria anticlassificatória e isto sobrepuja qualquer intento, mesmo as próprias
Investigações Filosóficas de Wittgenstein.
Daí pode-se pensar em nova proposta de trabalho para a hermenêutica jurídica. Para
Brandom, o jogo e a compreensão da linguagem (dimensão semântica ou mesmo sintática)
dependem dos usos, das práticas. Ele se pergunta qual o conteúdo de um conceito em
determinada relação prática. O significado é constituído a partir de sua execução no mundo.
Este pensamento não é estranho às linhas traçadas por Müller.
Considerando-se que há uma (per)formance (por formar) no desempenho de um
discurso (e o direito produz discursos), é possível afirmar, a partir de Brandom, que a prática
discursiva vai desenvolver crenças, convicções (beliefs). Assim, para esse autor, é necessária
explanação (explanation) construída a partir da experimentação. A missão das sentenças
judiciais é explanar seus fundamentos (articular suas razões). O método positivista da
subsunção ou método lógico formal silogístico não traduz qualquer explicação porque não

132
BRANDOM. Articulating Reasons, p. 15 e seg.
133
BRANDOM. Making it explicit.
48

explicita, mas simplesmente demonstra o raciocínio empregado e quando muito classifica um


ato humano. Em qualquer das hipóteses silogísticas, não há compreensão do conteúdo do
conceito frente o fato, há apenas uma dedução vazia entre um conceito classificatório e um ato
humano classificado como tal.
Como propõe Brandom, a apreensão do texto em si é mero “platonismo conceitual” e
não há como, a partir da linguagem textual, determinar seu significado, exatamente como pensa
Müller, porque para ele a norma enquanto texto não é sequer norma ainda, mas um mero ponto
de partida. Qualquer texto é semanticamente aberto como também pondera Gadamer. E Müller,
por sua vez, enfatiza saber que este é o sumo desafio da metodologia jurídica.
Tanto Müller quanto Brandom sabem que a intencionalidade está no emprego do ato de
linguagem. Atrás da afirmação há sempre uma (pré)tensão, que se revela e somente pode ser
captada pela prática, ao desdobrar-se. O que está pretendido como uma asseveração (sentença
ou qualquer outro ato jurídico escrito) deve ser, portanto, explicado, fundamentado.
Com isto, procura-se justificar a complementação entre estas duas teorias. Ou melhor,
o esquema desejado neste contexto é entender a teoria inferencialista de Brandom como versão
filosófica paralela à metódica estruturante jurídica de Müller. Mutatis mutantes, desvendar
como a metódica de Müller possibilitaria uma espécie de confirmação prática da filosofia
pragmatista de Brandom.
Então, é possível concatenar os raios da filosofia pragmática inferencialista de Robert
Brandom, a partir de suas posturas anticlassificatórias dos conceitos com a teoria da metódica
estruturante de Müller. Esta última teoria representa um desdobramento especial das teorias de
argumentação concretistas. Isso é o mesmo que trazer do texto legal informações que, em
dialética com a realidade, tornam-se compreensíveis. A fusão entre texto e prática possibilitou
a compreensão de uma perspicaz e realista concepção de norma jurídica, portanto, uma versão
pragmatista de norma jurídica.
Utilizando-se do método comparativo, pois ambos os filósofos partem de uma
perspectiva discursiva racional, com fundamentação pragmática, acentua-se que Müller se
pontua numa perspectiva concretista com certa influência do método gadameriano, enquanto
Brandom propõe a explicação do sentido dos conceitos por meio dos seus usos. Daí Brandom
propor que não há mais o que se buscar nas proposições referenciais, há tão somente
conhecimento a partir das proposições inferenciais. Esta postura denota que inferir é criar,
assim como interpretar é criar, embora sejam formas diferentes de criação.
Para a conclusão, volto à metodologia comparativa popperiana. Postulava o pensador
de Cambridge que se poderia dizer que a teoria A tem um grau de corroboração maior ou menor
do que a teoria concorrente B a partir de asserções de teste, criando-se então uma situação em
que se pode levar a preferir uma teoria em vez de outras.
Será racional escolher a teoria mais bem testada. Será racional no sentido mais óbvio,
como diz Popper sobre essa palavra: a teoria mais bem testada é aquela que, à luz da discussão
crítica, parece ser melhor até agora, e não há algo mais racional do que uma discussão crítica
bem conduzida.134 Entretanto, este texto não é mais do que um exercício discursivo para se
estudar a teoria da norma jurídica valendo-se de autores e postulados da teoria do direito.

134
POPPER. Conhecimento objetivo, p. 32.
49

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