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FICHAMENTOS DE METOLOGIA

FUNDAMENTOS DA METODOLOGIA CIENTÍFICA


Marina Marconi e Eva Lakatos

1. MÉTODOS CIENTÍFICOS (P. 82 e s.s.)


Método é o conjunto de atividades sistemáticas racionais que, com maior
segurança e economia, permite alcança o objetivo de reunir conhecimentos válidos e
verdadeiros, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as
decisões do cientista.
Busca-se compreender as relações entre as coisas, assim como a explicação dos
acontecimentos por meio da observação científica aliada ao raciocínio. O método
científico se propõe a cumprir as seguintes etapas:
 Descobrimento do problema, ou lacuna em um conjunto de conhecimentos;
 Colocação precisa do problema, o que também vale para recoloca-lo à luz de
novos conhecimentos;
 Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema: examinar o
que já se conhece sobre o tema para tentar resolvê-lo;
 Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados;
 Invenção de novas ideias, hipóteses, teorias ou técnicas, ou produção de novos
dados empíricos;
 Obtenção de uma solução;
 Investigação das consequências da solução obtida. No caso de uma teoria, deve-
se buscar prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio;
 Prova da solução: confronto da solução coma totalidade das teorias e da
informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada
como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se à etapa seguinte:
 Correção das hipóteses, teoria, procedimentos ou dados empregados na obtenção
da solução correta. Esse é, naturalmente, um novo ciclo de investigação
(BUNGE, 1980:25)

1.1. Método Hipotético-dedutivo (p. 95)


Popper afirma que o método científico parte de um problema, ao qual se
oferece uma solução provisória (teoria-tentativa), passando-se a criticar a solução com
vista à eliminação do erro. É um processo que, tal como na dialética, renova-se a si
mesmo, dando surgimento a novos problemas. Suas fases são:
 Surgem conflitos a partir das expectativas ou do conhecimento prévio;
 Propõe-se uma solução (conjectura), uma dedução de consequências na forma
de proposições passíveis de teste;
 São realizados testes de falseamento, com tentativas de refutação, entre outros
meios, pela observação e experimentação.
Se a hipótese não supera os testes, está falseada, e exige nova reformulação do
problema e da hipótese.
Einstein diz: “na medida em que um enunciado científico se refere à realidade,
ele tem que ser falseável; na medida em que não é falseável, não se refere à realidade”.
A observação não é feita no vácuo, mas toda observação é precedida de um
problema, uma hipótese, algo teórico. Ou seja, a observação é feita a partir de um
conhecimento prévio ou de nossas expectativas. Nascemos com expectativas e, no
contexto dessas expectativas, é que se dá a observação.
Se a conjectura resistir a testes severos, estará corroborada, não confirmada.
Confirmar uma hipótese é utópico, pois teríamos de acumular todos os casos positivos
presentes, passados e futuros. Coisa impossível. No entanto, diremos que a não
descoberta de caso concreto negativo corroborará a hipótese, o que, como afirma
Popper, não excede o nível da provisoriedade: é válida, porquanto superou todos os
testes, porém, não definitivamente confirmada, pois poderá surgir um fato que a
invalide.

1.2. Método Dialético


Os diferentes autores da dialética materialista não estão de acordo quanto aon
número de leis fundamentais do método dialético. Lakatos e Marconi, em uma tentativa
de unificação, citam:
As quatro leis fundamentais da dialética são: (i) ação recíproca, unidade polar
ou “tudo se relaciona”; (ii) mudança dialética, negação da negação ou “tudo se
transforma”; (iii) passagem da quantidade à qualidade, ou mudança qualitativa; e (iv)
interpretação dos contrários, contradição, ou luta dos contrários.
Ação recíproca: a dialética compreende o mundo como um conjunto de
processos, isto é, não uma como um complexo de coisas acabadas, mas como um
conjunto de processos em constante mudança. As coisas não existem isoladamente, mas
sim como um todo unido e coerente, com os objetos e fenômenos organicamente ligados
entre si, dependendo uns dos outros e, ao mesmo tempo, condicionando-se
reciprocamente. Essa lei leva à necessidade de avaliar uma situação do ponto de vista
das condições que os determinam e, assim, os explicam.
Mudança dialética: o processo de dupla negação não implica ao retorno ao
ponto de partida, mas resulta em uma nova coisa (tese, antítese e síntese). O
desenvolvimento dialético prossegue através de negações.
Passagem da quantidade à qualidade: Em certos graus de mudança quantitativa,
produz-se uma conversão qualitativa (exemplo: se um candidato precisa acertar 50
questões pra passar, com 49 ele é apenas um candidato, mas com 50 ele é aprovado).
Interpretação dos contrários: a contradição é um princípio de desenvolvimento,
pois é inovadora.

2. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS:
O método é uma abordagem ampla, em maior nível de abstração, dos
fenômenos da natureza e sociedade, ao passo em que os métodos (procedimentos) são
etapas mais concretas da investigação, com finalidade mais restrita.

2.1. Procedimento Tipológico (p. 109)


Compara fenômenos sociais complexo para criar tipos ou modelos ideais,
construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno. O tipo ideal não
existe na realidade, mas serve de modelo para a análise e compreensão de casos
concretos, realmente existentes. Contudo, só podem ser objeto de estudo do método
tipológico os fenômenos que se prestam a uma divisão dicotômica (ex: cidade – outros
tipos de povoamento). A ideia é enriquecer o conceito de um objeto / fenômeno.

2.2. Procedimento Funcionalista


É mais um método de interpretação do que de investigação. O método
funcionalista estuda a sociedade do ponto de vista da função das suas unidades, isto é,
como um sistema organizado de atividades.
3. HIPÓTESES
A hipótese é um enunciado geral de relações entre variáveis (fatos,
fenômenos): formulado como solução provisória de determinado problema;
apresentando caráter ou explicativo ou preditivo, compatível com o conhecimento
científico e com consistência tecnológica, e sendo passível de falseabilidade.
O tema de uma pesquisa é o assunto que se deseja provar ou desenvolver.
Determinar com precisão significa enunciar um problema, isto é, determinar o objetivo
central da indagação.
O tema de uma pesquisa é até certo ponto abrangente, mas formulação do
problema é mais específica: indica exatamente qual a dificuldade que se pretende
resolver.
O problema consiste em um enunciado explicitado de forma clara,
compreensível e operacional, cujo melhor modo de resolução é uma pesquisa ou
processos científicos. O problema deve poder ser testado empiricamente.
Para o problema, formula-se uma hipótese, isto é, uma resposta provável e
provisória.
Há muitas formas de formular hipóteses, mas a mais comum é “Se x, então y”
(Se o ITR é um instrumento de estímulo à adoção de modelos agroecológicos de
produção, então ele ajuda a preservar o meio ambiente).

4. PESQUISA
4.1. Delimitação da pesquisa
Delimitar a pesquisa é estabelecer limites de investigação, podendo ser
limitada quanto ao assunto, extensão e uma série de fatores (meios humanos,
econômicos e de exiguidade de prazo – que podem restringir o campo de ação).

5. PROJETO E RELATÓRIO DE PESQUISA


Antes do projeto de pesquisa, deve ser feito um estudo preliminar para verificar
o estado da literatura. A seguir, elabora-se o anteprojeto de pesquisa, cuja finalidade é a
integração dos diferentes elementos em quadros teóricos e aspectos metodológicos
adequados, permitindo também ampliar e especificar os quesitos do projeto, a
“definição dos termos”. Por fim, chega-se ao projeto definitivo.

5.1. Estrutura:
 Apresentação (quem)
o Capa
 Objetivo (para quê? Para quem?)
o Tema
o Delimitação do tema
 Especificação
 Limitação geográfica e temporal
o Objetivo geral
o Objetivos específicos
 Justificativa (por quê?)
 Objeto (o quê?)
o Problema
o Hipótese básica
o Hipóteses secundárias
o Variáveis
 Metodologia (como? Com quê? Onde? Quanto?)
o Método
o Procedimentos

5.2. Teoria de Base:


A finalidade da pesquisa científica não é apenas um relatório ou descrição de
fato, mas o desenvolvimento de um caráter interpretativo. Assim, é imprescindível
correlacionar a pesquisa com o universo teórico existente.

6. DISSERTAÇÃO
A dissertação é um estudo teórico, de natureza reflexiva, que consiste na
ordenação de ideias sobre determinado tema, aplicação de uma teoria existente para
analisar determinado problema.

METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO


Rafael Mafei e Marina Feferbaum
1. Como respondo cientificamente a uma questão jurídica controvertida?
Cabe chamar de científico o método a ser perseguido porque há algo do valor
atribuído ao método das ciências naturais e formais que se busca capturar também no
método para enfrentamento de problemas jurídicos práticos controversos. O ponto de
convergência é a construção de um procedimento para reflexão que seja adequado à
natureza do objeto sobre o qual se pretende refletir e que permita alcançar convicções da
melhor qualidade possível tendo em vista os critérios de qualidade compartilhados para
a área sobre a qual se reflete (fl. 103).
O método que buscamos é um que permita alcançar a melhor fundamentação
possível para a orientação da ação no campo do direito. A natureza da conclusão é
normativa, porque prescreve uma ação. Também os argumentos utilizados para
sustentar a conclusão são de natureza normativa. Os critérios de aferição da qualidade
de argumentos normativos não passam pela indução ou pela dedução, mas pelo apelo
que o conjunto de argumentos apresentados em favor de uma posição exerce em função
da sua capacidade de universalização, da sua coerência interna e do seu poder de
organização de um conjunto de intuições que possuímos acerca de como agir a partir de
um sistema de normas jurídicas.
Assim, o teste de qualidade de um conjunto de argumentos passa pela sua
submissão a críticas que buscam desestabilizá-lo em alguma de suas dimensões: seja
mostrando a sua incoerência interna, seja apontando para a implausibilidade das
orientações para a ação a que conduzem se aplicados a uma situação até então
desconsiderada, ou, ainda, pela sua incapacidade de fundamentar outras orientações
para a ação que entendemos plausíveis.
Não se trata de chegar à conclusão correta, mas de se chegar à melhor
conclusão.
O trabalho de pesquisa deve promover um movimento de proposição e
refutação que constitui o trabalho de pesquisa e a argumentação para a solução de uma
pergunta jurídica controversa (método dialético?).

2. Planejamento e Execução da Pesquisa Jurídica


2.1. Cronograma de Execução (fl. 198)
A pesquisa de fontes pode ser realizada em dois momentos distintos: uma
pesquisa inicial superficial e ampla, e posteriormente complementada, após o
pesquisador estar mais bem habilitado para se debruçar mais profundamente sobre
pontos específicos.

2.2. Pesquisa de fontes e como ler um texto


A pesquisa doutrinária exige que se vá além do uso de manuais. Deve-se focar
em artigos e monografias específicos sobre o tema estudado.
Não basta ler os textos. É preciso tomar notas, fazer resumos, tecer críticas,
pensar em como as fontes podem ser usadas para elaborar propriamente um item do
trabalho científico e assim por diante. Essas atividades só podem ser devidamente
realizadas se algum tempo for disponibilizado para elas.
Deve-se tentar mesclar a leitura do material com a escrita. É importante
esquematizar e organizar tópicos sobre o que se irá escrever.
Ao final de suas leituras, faça a si mesmo (ou imagine-se sendo perguntado
diretamente por seu professor) as seguintes perguntas: Do que fala o texto? Qual é o
tema principal do texto e como o autor o desenvolve de maneira ordenada? Como ele
está dividido e subdividido? Se não for capaz de respondê-las de maneira direta, retorne
ao texto, procurando dar uma resposta objetiva e satisfatória a elas.

2.3. Esqueleto de cinco páginas:


Uma síntese do trabalho que deve conter:
i) Problema de pesquisa: o tema a que se dedicou a investigação;
ii) Hipótese de trabalho: respostas imaginadas a questões que o trabalho
suscite, que servirão para indicar os sentidos que guiarão a seleção de fontes de
pesquisa, a coleta de dados, o estudo de autores e a análise de tudo isso, em busca do
enfrentamento do problema de pesquisa;
iii) Principais fontes do tema pesquisado:
iv) Forma de análise das informações coletadas ao longo da pesquisa: como os
dados foram articulados, os argumentos lidos com o problema de pesquisa e a hipótese
de investigação
v) argumento construído: qual o encaminhamento para o tratamento que
sugerem todos os dados levantados, autores estudados, e como se eles se relacionam
com as hipóteses originais do trabalho
O importante, na fase inicial, é apenas dizer: colocar as coisas no papel,
buscando organizar o muito que se tem na cabeça sobre o tema dentro de uma linha de
raciocínio com começo, meio e fim.
METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA O CURSO DE DIREITO
Marina de Andrade Marconi

MARCONI, M. A. Metodologia Científica para o Curso de Direito. São Paulo,


Editora Atlas, 2000.

1. METODOLOGIA JURÍDICA
1.1. Conceito de Método:
Método é uma série de regras com a finalidade de resolver determinado
problema, ou explicar um fato por meio de uma hipótese ou teorias falseáveis. O
trabalho científico inicia-se com a coleta de dados, sejam eles bibliográficos ou de
pesquisa de campo, relevantes ao problema encarado.
O método jurídico é um procedimento por meio de qual se estabelece um
objeto a ser controlável pelo método, que indicará as bases do fundamento da
sistematização da ciência jurídica.
Os conceitos jurídicos são necessários para a solução de problemas jurídicas,
pois permitem pensar com racionalidade e clareza questões de Direito, ainda que, por
vezes, seja difícil determinar a extensão e os limites de um conceito.
A escolha da metodologia científica está intimamente relacionada com o
sistema de referência da proposição filosófica. Muitas vezes, há grande divergência no
emprego de um ou outro método, a depender da posição assumida, dos critérios,
finalidades e tipo de conhecimento desejado pelo pesquisador.

2. PESQUISA CIENTÍFICA
2.1. Etapas da Investigação Científica
2.1.1. Projeto de Pesquisa
Devem ser respondidas perguntas basilares como: o quê? Por quê? Para quê?
Para quem? Onde? Com quê? Quanto? Quando? Quem?
Devem ser realizados estudos preliminares que permitam verificar o atual
estado da arte sobre o assunto. Tal análise deverá constar no projeto, sob o título
“Revisão da bibliografia”.
2.2. Estrutura
2.2.1. Apresentação (quem?)
A apresentação do projeto de pesquisa responde à questão (quem?), isto é, o
título (deve sintetizar o conteúdo da pesquisa) e quem o escreveu.

2.2.2. Objetivo (para quê? Para quem?):


A especificação do objetivo de pesquisa responde às perguntas: para quê?
Para quem? Engloba:
 Escolha do tema: assunto desenvolvido, devendo expor o pensamento de vários
autores sobre o assunto. O tema é o objeto do estudo. Envolve:
o Delimitação do tema: limites da extensão do sujeito e do objeto, o tempo
e o espaço
o Objetivo geral: Está ligado à visão global e abrangente do tema, dos seus
fenômenos e eventos, e ideias estudadas
o Objetivos específicos: apresentam função intermediária e instrumental,
permitindo atingir o objetivo geral e aplica-lo em situações particulares

2.2.3. Justificativa (por quê?)


Exposição suscinta, porém, completa, das razões de ordem teórica e dos
motivos de ordem prática que tornam importante a realização da pesquisa. Devem
enfatizar:
 Estágio em que se encontra a teoria respeitante ao tema
 Contribuições teóricas que a pesquisa pode trazer
 Importância do tema do ponto de vista geral
 Relevância do tema para casos particulares em questão
 Possibilidade de sugerir modificações no âmbito da realidade abrangida pelo
tema exposto
 Descoberta de soluções para casos gerais ou particulares
A justificativa não apresenta citações de outros autores, pois não é uma revisão
de bibliografia.

2.2.4. Objeto (o quê?)


Abrange:
 Problema: esclarece a dificuldade específica com a qual se defronta e que se
pretende resolver por meio da pesquisa. Para ser cientificamente válido, um
problema deve passar pelo crivo das seguintes questões:
o Pode ser enunciado na forma de uma pergunta?
o Corresponde a interesses pessoais, sociais e científicos, isto é, de
conteúdo e de metodologia? Os interesses estão harmonizados?
o Relacionam-se entre si, pelo menos, duas variáveis, a fim de constituir o
problema em questão científica?
o Pode ser objeto de investigação sistemática, controlada e críticas
o Pode ser empiricamente verificada em suas consequências?
 Hipótese básica: Como o problema é sentido, compreendido e definido,
necessitando de uma resposta “provável, suposta e provisória”.
 Hipótese secundária: afirmações complementares da hipótese básica, que
podem:
o Abranger em detalhes o que a hipótese básica afirma em geral
o Englobar aspectos não especificados na básica
o Indicações relações deduzidas da primeira
o Decompor em pormenores a afirmação geral
o Apontar outras relações que possam ser encontradas
 Variáveis: toda hipótese é o enunciado geral de relações entre, pelo menos, duas
variáveis

2.2.5. Metodologia (como? Com quê? Onde? Quanto? Quando?)


A metodologia é uma abordagem ampla, em nível abstrato mais elevado, dos
fenômenos da natureza e/ou sociedade: indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo,
dialético.
Os procedimentos metodológicos abrangem: empírico, histórico, comparativo,
monográfico (estuda, em profundidade, determinado fato sob todos os seus aspectos),
funcionalista, estruturalista, estatístico ou genealógico.
Os métodos de procedimento têm, uso mais restrito no Direito, são menos
abrangentes e menos abstratos. O Direito, dada sua amplitude, utiliza vários métodos.
Os pesquisadores, ao estudarem um fenômeno jurídico, lançam mão de diversos
métodos, utilizando-se dentro de uma perspectiva, em busca de determinados
resultados.

2.2.6. Embasamento teórico (por quê?)


Elementos de fundamentação teórica da pesquisa e a definição dos conceitos
aplicados.
É importante correlacionar a pesquisa com o universo teórico, optando por um
modelo teórico que sirva de embasamento à interpretação do significado dos dados e
fatos obtidos. Todo plano de pesquisa deve conter premissas ou pressupostos teóricos
sobre os quais o pesquisador fundamentará sua interpretação.
SOCIOLOGIA AMBIENTAL DO DIREITO
Análise sociojurídica, complexidade ambiental e intersubjetividade
Márcio Henrique Pereira Ponzilacqua

1. INTRODUÇÃO
1.1. Preâmbulo
Um direito autorreferente, voltado para a subsunção do fato à norma, bem
como aquele unicamente subordinado aos fins sociais do Estado Constitucional, não
responde mais às demandas sociais, notadamente no campo socioambiental.
No primeiro caso, os conflitos jurídicos permanecem latentes, e confunde-se
Direito com justiça, e no segundo há uma frustração social, pois os direitos
constitucionalmente assegurados não são alcançados.
Os conflitos e direitos socioambientais são de grande relevância para o Direito.
Contudo, não são respostas que podem ser dadas apenas com a análise interna do
Direito. O Direito deve ser aberto e aliar-se a outros saberes acadêmicos, culturais e
sociais para dar conta do desafio.
Apenas uma amplitude antropo-eco-planetária é capaz de considerar o
problema ambiental adequadamente, suplantando os âmbitos local, regional, nacional,
continental e planetário: relação biosfera / humanidade.
A complexidade da questão apenas é mais bem considerada sob uma ótica
transdisciplinar.
A perspectiva global sistêmica (holonomia) só pode ser considerada e analisada
a partir de nosso ponto de visão, pois, como sujeitos participantes do objeto, a análise
fica impossibilitada.

1.2. Descrição da obra


A Sociologia Ambiental do Direito (SAD) propõe um enfoque socioambiental
do Direito. Ela está intimamente associada à complexidade ambiental, está que está
associada à intersubjetividade e Direito.
A intersubjetividade diz respeito às ações, envolvimentos e interferências de
sujeitos diversos nos processos decisórios, inclusive em instâncias jurisdicionais, ou nos
embates e antagonismos dos sujeitos nos campos sociais.
A intersubjetividade vai além da soma ou integração superficial das ações dos
sujeitos. Ela é uma ação coletiva, com múltiplas interfaces, empatias, incongruências,
sendo um elemento interativo. Ela trata da complementariedade e repulsão das ações
individuais em seus confrontos, integrações, sujeições e emancipações.
Os sujeitos envolvidos são muitos: gestores públicos, líderes do agro-
hidronegócios, cidadãos em geral, participantes de grupos organizados, indivíduos e
grupos vulneráveis, magistrados, operadores do direito e acadêmicos. Todos esses
participantes influem relevantemente nas tensões socioambientais.

1.3. O escopo da obra, substrato teórico e teses


O substrato teórico fundamental é a busca de uma construção de uma
sociologia jurídica reflexiva, crítica e dialógica entre obras de expoentes filosóficos e
sociológicos como Pierre Bourdie, Edgar Morin e Edith Stein.
No âmbito da Sociologia do Direito, a ênfase é dada a partir da Sociologia no
Campo Jurídico; no âmbito da filosofia, a perspectiva é a da Fenomenologia, e na
compreensão metodológica e ambiental, a perspectiva é aquela da Teoria da
Complexidade.
A tese principal defendida é a de que, embora haja uma legislação avançada em
matéria ambiental, e alguma soluções adequadas em algumas instâncias jurisdicionais, a
problemática ambiental, como elemento fulcral à sobrevivência, reprodução e interação
natural da espécie humana, e os conflitos socioambientais decorrentes, continuam como
desafio sociojurídica em grande monta, em razão de uma compreensão limitada do
Direito nos âmbitos epistemológicos, ontológicos e sociológicos.
Como teses jurídicas secundárias:
 Os conflitos socioambientais decorrem da escassez de recursos naturais e das
políticas inadequadas de gestão e monitoramento;
 Uma perspectiva jurídica centrada na tradição formalista e patrimonialista não
consegue resolver os problemas socioambientais, pois tais imbróglios transitam
na esfera da multi e transdisciplinaridade, ou seja, são metajurídicos, e requerem
uma perspectiva da complexidade dialógica.
 Há uma crise paradigmática no âmbito das ciências, decorrente: (i) da revisão do
sentido da ciência na contemporaneidade, quer pela rápida transformação por
que passa o acúmulo informativo, que afeta a Ciência do Direito; (ii)
Transformações sociais na organização comunitária e política das sociedades,
com implicações incisivas no campo das ciência sociais; e (iii) a inexistência de
um paradigma hegemônico e referencial nas Ciências do Direito, além da
insuficiência dos sistemas de Direito para responder às expectativas do tecido
social
 Judiciário e Ministério Público, por sua atuação político-administrativa precípua,
têm grandes convergência sobre os elementos éticos, simbólicos e de poder nas
fases dos litígios emergentes

1.4. Método e procedimentos metodológicos


Método e procedimento metodológicos são coisas distintas. O método concerne
às linhas orientadoras a serem perseguidas, tanto campo teórico quanto empírico, e na
interação entre ambas. Os procedimentos dizem respeito à coleta de dados e às formas
investigativas específicas, sendo adaptáveis e cambiáveis segundo o desenvolvimento
da pesquisa.
Por se tratar de uma proposta transdisciplinar, de descrição e análise de
interações dialógicas, o método investigativo escolhido é o da Teoria da Complexidade.
A Teoria da Complexidade trata de desafios trans e interdisciplinares, notadamente no
que diz respeito ao tripe: (i) dialogia; (ii) holonomia; e (iii) recursividade.

2. A SOCIOLOGIA AMBIENTAL DO DIREITO (SAD): NOÇÕES GERAIS,


APLICAÇÕES E TENDÊNCIAS
É necessária uma compreensão integral, dialógica e transdisciplinar dos
fenômenos sociojurídicos e ambientais, que interligue complexos processos globais dos
seres humanos e natureza. As conflituosidades presentes estão cheias de antagonismos e
complementariedades, que também são desafios.
Uma ótica por demais lógico-formal, permeada pela racionalidade
instrumental-cognitiva, não responde aos anseios de qualidade de vida e comunicação
profunda. A perspectiva ambiental das análises sociológicas depende do avanço da
abordagem sociojurídica. O fenômeno do direito deve ser enfrentado sob um viés
ambiental, que abrange desde o momento das discussões ético-normativos para a
elaboração da legislação, sua edição propriamente dita e pela sua aplicação e
consolidação.
Todo esse processo é perpassado de dinâmicas antagônicas e de
complementariedade de várias ordens (cultural, econômico, político, simbólico). São
múltiplos os sentidos e expressões que a norma explicita ou oculta, que precisam ser
minimamente considerados para uma boa interpretação e aplicação do direito.
A compreensão ambiental permite a reflexão do Direito e da Sociologia que
dele se ocupa, daí o título Sociologia Ambiental do Direito (SAD). Distancia-se da
visão de que as Ciências, em particular a do Direito, sejam hermeticamente fechadas e
sem propostas dialógicas com outras disciplinas.

2.1. Qual a natureza da Sociologia Ambiental do Direito? Qual sua novidade?


Na década de 80, no Brasil, emerge a vertente do socioambientalismo, que
conjuga a luta de caráter sociopolítico à variável ambiental.
Setores organizados do setor agrário brasileiro e alguns cientistas se
mobilizaram a favor do Código Florestal de 2012, que tenta associar um mínimo de
proteção com a necessidade de ampliação da fronteira agrícola.
As primeiras décadas do século XXI são ambíguas em matéria de avanço
ambiental, com um avanço da informação e discussão em terno de políticas públicas
ambientais, em contrapartida, sociedade, governos e empresários maquiam ações com
uma linguagem eufemizada e de forte apelo ambiental, mas sem medidas efetivas.

2.2. Noções fundamentais da Sociologia Ambiental do Direito


2.2.1. A Sociologia Ambiental do Direito como Construto Teórico
A SAD é um novo modo de percepção existencial e jurídica. Não se trata de
uma nova disciplina ou ciência, mas de repensar o direito sob uma perspectiva
sociológica de matiz ambiental. No estágio atual, qualquer campo do Direito deve ter no
horizonte as consequências ambientais, ainda que isso não implique em reduzir tudo ao
Direito Ambiental. Sem uma adequada perspectiva antropo-eco-planetária, as
expectativas normativas podem ser desidratadas de seu sentido seu sentido originário e
eficácia.
A SAD busca abrir portas que comportem três dimensões fundamentais: (i)
transdisciplinar; (ii) transcientífisca; e (iii) metanormativa.
Transdisciplinar implica em superar o conceito de “disciplina” por meio do
diálogo nos campos teórico e aplicado. Deve incorporar e ultrapassar as noções de
interdisciplinariedade, que é a possibilidade de comunicação mínima entre as
disciplinas, desde que mantidas as fronteiras tradicionais do saber interno, e da
multidisciplinariedade, entendida como mecanismo de recurso a conceitos e métodos de
mais de uma disciplina, mas pouco interativa. A transdisciplinariedade exige efetiva
interação e comunicação, respeitando o histórico e a tradição evolutiva de cada ciência.
A transcientificidade reconhece os limites das ciências, a despeito de seus
inúmeros avanços, a começar pelo questionamento epistemológico acerca do que é
científico? Como distingui-lo de outros saberes? Assim, a transcientificidade impele ao
diálogo e ao respeito com outros saberes e formas de inteligibilidade do real.
A metanormatividade diz respeito a buscar elementos principiológicos e
minimamente universais para sustentar as normas. Trata-se do significado essencial das
normas.

2.2.2. A Sociologia Ambiental do Direito como Objeto


Atualmente, os clássicos da sociologia do direito, ou quaisquer autores de sua
complexa estrutura teórica e metodológica, precisam ser analisados ou confrontados à
luz da perspectiva da SAD.

3. A Sociologia Ambiental do Direito como perspectiva transversal,


transdisciplinar e transcientífica
A SAD subtrai aos cânones e fixações tradicionais da ciência em razão dos
fenômenos socioambientais. Os fenômenos socioambientais reivindicam a ótica que
ultrapassa os objetos, conteúdos e métodos de uma ciência.
A SAD ocupa-se especificamente dos conflitos socioambientais em sua
perspectiva sociojurídica.

3.1. Os Direitos Socioambientais (DS) e a vulnerabilidade como enfoques


preferenciais da SAD
A SAD não se ocupa de toda e qualidade modalidade de compreensão do
Direito Ambiental, havendo restrições. Cabem na SAD apenas os contornos ambientais
que implicam vulnerabilidades sociais e/ou disputas de apropriação do capital natural
pelos grupos sociais humanos, bem como os direitos consequentes: direitos
socioambientais (DS).
A concepção de DS é ampla: abrange direitos de populações tradicionais, a
relação entre comunidades humanas e meio ambiente em termos de proteção,
preservação ou conservação da natureza, bem como os grupos humanos atingidos pela
degradação ambiental.
São aspectos precípuos da SAD a eficácia das normas ambientais, os efeitos da
jurisdição ambiental na proteção da natureza, a consideração de grupos vulneráveis em
termos socioambientais e a necessidade de políticas públicas que possam considerar a
tensão decorrente do controle de intervenção antrópica no meio ambiente.
São três as dimensões essenciais da SAD:
Antropossocial: o ser humano é considerado um ser relacional, não sendo
negligenciado nem superestimado. A noção sociológica de maior relevo é
“comunidade”, e outros fatores sociais são considerados, como a política, a economia, a
religião, o Estado, e o Direito.
Ambiental e ecológica: a natureza é concebida como um sujeito de direito, na
relação intersubjetiva com os seres humanos e todos os elementos existenciais.
Relacional e intersubjetiva: A SAD procura uma percepção concreta,
participativa e de envolvimento dos sujeitos em relação.

3.2. Objetivos teórico-descritivos


Os elementos teórico-axiais da SAD são:
No plano metodológico: o aporte fundamental é extraído da Teoria da
Complexidade, encetados por Edgar Morin, Maturana e Varela. Ela se caracteriza pelos
seguintes aspectos: (i) holonomia: olhar integral de partes e processo envolvidos; (ii)
recursividade: processos não lineares, sendo que a retroação e resiliências são
constantes e cuja compreensão é fundamental para o desvendamento das questões
abordada; (iii) dialogia: diálogo entre os diversos modos de conhecimento.
No plano filosófico ou da cosmovisão: compreensão da relação entre sujeito e
objeto, a fim de produzir o desvendamento dos modos próprios de ser, revelados na
interação e intersubjetividade.
No plano da sociologia do Direito: o aporte epistemológico é o de Boaventura
de Souza Santos e Pierre Bourdie.
Os elementos descritivos são:
Existencialidade: a existência precede às racionalizações
Dialogia: elementos convergentes e divergentes dos variados saberes e ciências
Dinamicidade: os fenômenos observados são imprecisos, com movimentos,
acelerados, com rupturas, transformação, inconstâncias, enfim, dinâmicos.
Dialeticidade: os fenômenos se perpetuam e se tencionam
Processualidade recursiva: os fenômenos não se resumem à perspectiva de
causa e efeito, de modo que também as ausências e o não ditos são sopesados ao lados
dos elementos explicitados e referidos.
Conflituosidade: O Direito Ambiental não é ordenado e harmônico, sendo
necessário reconhecer as disputas que lhes são inerentes.

3.3. Objetivos aplicado e tendências


A SAD abrange toda uma gama de fenômenos que expressam vínculos entre a
matéria ambiental e o direito, como os direitos ambientais no âmbito de compreensão
dos direitos humanos, conflitos socioambientais, proteção ambiental, hierarquização e
dinâmica de normas ambientais, evolução sociojurídica da eticidade e normatividade
ambiental, usw.

4. TRANSFORMAÇÃO PARADIGMÁTICA NA CIÊNCIA DO DIREITO


Os subsistemas que compõem o macrossistema social, isto é, o econômico,
político, social e o cultural, passam por profundas modificação e crises. No aspecto
político, há uma crise de representatividade; no econômico, um déficit de eficiência; no
social, uma desintegração do tecido social; e no cultural uma crise de “motivação”
(CAMPILONGO, 2011, p. 51-54).
A SAD prefere abordar com mais proximidade os problemas de ordem
intencional e estrutural, cuja compreensão é perpassada pela dialética: os paradoxos
sociais impelem à busca da inteligibilidade.

4.1. O domínio da epistemologia


A epistemologia é o conhecimento das ideais, o estudo da ciência enquanto
aplicação mental para se haurir o conhecimento das coisas e seres.
A atual concepção de epistemologia é estrita e reducionista, atrelada à técnica e
ao positivismo, tendo os demais saberes sido colocados em degrau inferior ao “método”.
Trata-se de disciplina em profunda revisão, marcada pelo paradigma da complexidade.
Muitos mitos da ciência têm sido confrontados, como a da neutralidade
Dada a relevância do Direito como fenômeno social, de controle e de
comunicação, esse debate torna-se importante de ser feito também na Ciência do
Direito.
O que é o Direito? Qual o entendimento dele acerca da SAD? Há sentido nessa
abordagem epistemológica atual?

5. A TRINCHEIRA DA SOCIOLOGIA DO DIREITO: Confrontação


paradigmática operado pelo Direito Socioambiental à ontologia do Direito
A Sociologia do Direito é uma fusão de métodos e abordagens sociológicas
com a compreensão e inteligibilidade dos contornos jurídicos. Ele é interdisciplinar.
Bourdieu enxerga o Direito como o espaço de interação e disputa ente agentes
com habitus comum, isto é, que introjetaram os valores dominantes de um determinado
grupo social e agora os exteriorizam, assumindo estratégias de domínio, acúmulo e
manutenção de capital social, econômico, cultural e simbólico.
No campo ambiental, isso é ainda mais patente: ideias e valores sociais são
instáveis, os conflitos são patentes e latentes, e o capital – econômico, cultural, social e
simbólico – é disputado. Tratam-se de tensões imbricadas e essencialmente interligadas.
Os elementos axiais do pensamento complexo são a dialogia, holonomia e a
recursividade, que não se sucedem linearmente, mas se fundem, no âmbito
paradigmático-epistemológico, em um anelamento de conceitos.
As normas ou o conjunto delas tende à organização e estabilidade, mediante a
consolidação de expectativas de conduta. Contudo, a relação com o tecido social do
qual se origina e ao qual se destina, faz com que se acabe pendendo para a instabilidade,
o que é particularmente verdadeiro em um universo cultural em constante mutação.
Além do mais, o Direito não pode ser reduzido à norma (LUHMANN, 1985, p.
164-165).
Os sistemas normativos tendem à tensão, conforme as expectativas produzidas
são frustradas, e as expectativas tendem a se fragilizar em tecidos sociais multiculturais,
e globalizantes com altos contrastes.
Quando as leis significam uma transformação social, pode haver resistência no
seio social. O inverso é verdadeiro: o ordenamento pode servir de resistência às
mudanças.
O desenvolvimento das sociedades humanas e suas relações ambientais se
tornam mais inteligíveis por meio dos termos retroação e emergência. A retroação
implica na aceleração / ampliação de um desvio, a desencadear um contraprocesso; ou
sua anulação correspondente, que visa inibir o desvio.
PONZILACQUA (2015, p. 86) exemplifica a adoção desse termo no campo
das ciências sociais citando a dinâmica dos movimentos sociais: reivindicações
ambientais pressionam o Poder Público pela adoção de políticas públicas estatais –
retroação positiva, na qual uma comunidade atingida impele um contraprocesso, neste
caso, contra uma política social privatista. De outro modo, políticas públicas
pressionadas pelas classes econômicas dominantes, fazem recrudescer as reivindicações
de movimentos sociais, o que implica na radicalização de alguns de seus membros, e no
seu desprestígio social (outro contraprocesso).
A emergência, por sua vez, é uma novidade, qualidade / propriedade, ela
imprime dinamismo com turbulências, oscilações, flutuações ondas a instabilizar os
sistemas.
Na dialogia, as lógicas antagônicas não são apenas concorrentes, mas também
se retroalimentam. Assim, sem desconsiderar a verdade da dialética, a dialogia percebe
que duas lógicas opostas, embora em combate mortal, também alimentam uma à outra,
como em simbiose (MORIN, 1997, p. 79-80; PONZILACQUA, 2015, p. 87). A dialogia
não suprime a dialética: a dialética está no nível do manifesto, do atual, e considera o
fenômeno. A dialógica considera também o virtual, o paradigma, a lógica e os
princípios. A dialética é necessária para enfocar o processo, e a dialógica para a visão da
complexidade: o atual e o virtual, as partes e o todo, ações e retroações, enfim, os
sistemas e o que vai além deles (PONZILACQUA, 2015, P. 87).

6. CONFLITOS, INTERSUBJETVIDADES, MULTITERRITORIALIDADE E


ESPACIALIDADES NA GOVERNANÇA SOCIOAMBIENTAL
PONZILACQUA (2015, p. 123) entende que a função socioambiental da
propriedade, em tese, é um princípio avançado, mas que pode incorporar sentidos mais
ou menos liberais, mais ou menos emancipatórios, conforme a ótica do aplicador, diante
da ambiguidade semântica da expressão.
O bem ambiental é entendido como um bem de uso comum a todos (art. 225,
CF) e, portanto, um bem socialmente protegido, afeto à coletividade (LEITE &
LAYALA, 2002, p. 51-52).
Convencionou-se que a natureza jurídica do bem ambiental é de “bem difuso”,
pois sua compreensão permite traduzi sua titularidade, simultaneamente, a cada um e a
todos, sem titular identificável e sem ser um objeto divisível (SIRVINLAS, 2012, p.
49).
PONZILACQUA (2015, p. 125) afirma que não há uma oposição essencial
entre bem comum e bem individual, sendo expressões complementares que se sucedem
e se exigem mutuamente.

7. CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico e a Ciência do Direito não podem ser exclusivamente
autopoiéticos, autorreferentes e herméticos, demandando influxos e refluxos hauridos
do exterior.
A pouca eficácia do Direito em conflitos socioambientais pode ser atribuída à
pretensão de onipotência do Direito Estatal, e sua incapacidade de dialogia com
fundamentos de ordem metajurídica. Emerge a necessidade de uma visão concatenado e
aprofundado da complexidade, com base em princípios como a holonomia, a dialogia e
a recursividade.
FUNÇÃO PROMOCIONAL DO DIREITO E AS NOVAS EXIGÊNCIAS DA
PESQUISA CIENTÍFICA EM DIREITO TRIBUTÁRIO
André Folloni e Natália Brasil Dib

A promoção de direitos sociais pela Constituição Federal de 1988 exige novas


perspectivas de estudo do Direito Tributário, que não pode mais ficar restrito à análise
dos limites do poder estatal de tributar. O Estado Democrático de Direito, que se vale da
tributação para efetivar e tutela direitos e garantias individuais, exige que o Direito
Tributário se debruce sobre a realização dos direitos fundamentais.
O Direito Tributário, por muito tempo, ateve-se a aspectos formais do direito
positivo, isto é, às normas que determinam, direta ou indiretamente, a sua aplicação e os
limites ao poder de tributar.
Norberto Bobbio propõe uma função promocional do Direito, na qual o Estado,
por meio da norma, além de tutelar os direitos já conquistados, teria a função de
promover direitos àqueles que ainda não os têm. Assim, o Direito deixaria de ter uma
função tão somente coativa, limitando-se a adotar sanções negativas para o
descumprimento das normas primárias, e passaria a incentivar os cidadãos a adotarem
comportamentos positivos por meio de benefícios (Da Estrutura à Sanção, Norberto
Bobbio).
Bobbio suscita os chamados incentivos tributários, destacando a sua
importância no engajamento social para a prática de ações que beneficiem e sejam
valorizadas pela sociedade, como estabelecido constitucionalmente (BOBBIO,
Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri-SP:
Manole, 2007.).
Para o estudo do Direito Tributário, é essencial levar-se em consideração as
finalidades do tributo no Estado Democrático de Direito, plenamente
constitucionalizado. Os objetivos e valores inferidos da Constituição devem ser
considerados nessa “nova” forma de exame da relação jurídico tributária (GRECO,
Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio (org.).
Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 170).
O DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO E A INTERDISCIPLINARIEEDADE:
Perspectivas, possibilidades e desafios
Jeferson Teodorovicz

Busca-se responder se o Direito Tributário enquanto ciência permite o aporte


interdisciplinar.
A hipótese será confirmada ou não no presente trabalho, que também apresenta
como estratégia metodológica a análise descritiva de diferentes compreensões acerca da
interdisciplinaridade,
A interdisciplinaridade começa a se consolidar a partir do momento em que
determinados epistemólogos passam a defender caminhos alternativos ou substitutivos
ao Paradigma da Modernidade8- (e que impulsiona o processo de especialização
disciplinar, separando e especializando as disciplinas), a exemplo do Paradigma da
Complexidade, do qual é um de seus principais teóricos Edgar Morin.
A complexidade e a transdisciplinaridade buscam confrontar o dualismo e o
reducionismo epistemológico tradicionalmente aplicado nos processos de construção
(mais precisamente, de especialização) disciplinar.
Com o aumento progressivo do interesse sobre o tema, surgiram as primeiras
propostas teóricas, como a de Guy Michaud, que buscou alcançar uma distin- ção
terminológica (e tipológica) em quatro níveis progressivos de interação disciplinar: a)
multidisciplinar; b) pluridisciplinar; c) interdisciplinar; d) transdisciplinar.
a) Disciplina: “Conjunto específico de conhecimentos com sua própria
formação dos mecanismos, dos métodos, das matérias”; b) Multidisciplina:
“justaposição de disciplinas diversas, desprovida de relação aparente entre elas”. Ex.:
Direito + Física + Química; c) Pluridisciplina: “justaposição de disciplinas mais ou
menos vizinhas nos domínios do conhecimento”. Ex.: domínio científico: Matemática +
Física; d) interdisciplina: “o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou
entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente
ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do
processo interativo, cada disciplina saia enriquecida”; e) Transdisciplina: Resultado de
uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas
Todavia, é importante reforçar que, na perspectiva da interdisciplinaridade
frente à Ciência do Direito, o tema encontra compreensíveis restrições, conforme se
observa em Marcelo Neves, cujas reflexões demonstram maior reticência ao
empreendimento interdisciplinar frente à Ciência do Direito brasileiro. Nesse sentido, o
autor questiona eventuais discursos interdisciplinares que poderiam levar a um
imperialismo disciplinar, isto é, a imposição de métodos científicos unilateralmente de
uma disciplina a outra, sem haver trocas recíprocas, ou, por exemplo, caminhando em
direção a uma metadisciplinaridade. Para Neves, a interdisciplinaridade envolve trocas
recíprocas, onde a autonomia das disciplinas é reforçada, mas nunca mitigada.
Pesquisas dedicadas à análise da norma tributária indutora e das funções
(fiscais ou extrafiscais), finalidades ou até mesmo dos efeitos do tributo apresentam
clara vocação interdisciplinar (mesmo que não necessariamente inseridos na
“interdisciplinaridade propriamente dita”, mas em modalidades de interação disciplinar
preliminares à essa categoria), pois especialmente ligada ao aspecto pragmático da
norma tributária.
Por outro lado, a adoção de conceitos ou premissas (ou técnicas metodológicas)
construídas em outros ramos do conhecimento, com reforço ou acréscimo ao trabalho
do jurista, tem sido denominada como interdisciplinaridade auxiliar ou complementar.
Reforce-se, contudo, que, embora não se apresente aqui real oposição à
utilização da expressão “interdisciplinar” para as condutas citadas, identificando níveis
iniciais de interação entre disciplinas (nos casos mencionados, de uma para outra, com
ou sem fortalecimento metodológico na disciplina afetada), reforça-se que estas não
trazem o qualitativo elementar para a caracterização da interdisciplinaridade
propriamente dita, que, conforme construído na epistemologia e na pedagogia
interdisciplinar, pressupõe a construção de uma axiomática comum entre duas
disciplinas afetas a determinado ramo do conhecimento, onde ambas as disciplinas,
reciprocamente, construiriam, para resolver problema comum a ambas, uma
interdisciplina responsável pela zona de intersecção entre as duas primeiras, inclusive
com técnicas ou métodos que não necessariamente se identificariam unicamente com
uma ou outra disciplina. Essa concepção é a tônica comum a respeito da
interdisciplinaridade que todos os seus estudiosos, em maior ou menor intensidade,
tendem a aceitar.
O segundo possível caminho identificado na literatura tributária, e que abre
perspectivas para aproximações interdisciplinares mais rebuscadas, paira sob a Política
Tributária, seja esta entendida como campo de aplicação das premissas construídas na
Ciência das Finanças (ou Finanças Públicas) ou como teoria normativa da própria
Ciência das Finanças (ontológica). A Política Tributária, com perspectiva finalista,
instrumentaliza o Direito Tributário para alcançar finalidades arrecadatórias,
regulatórias, distributivas, desenvolvimentistas, compensatórias, harmonizadoras,
simplificadoras, entre outras.
Já sob a perspectiva da Sociologia do Conhecimento aplicada à Tributação,
menciona-se o ensaio “A teoria do campo científico de Pierre Bourdieu e a ciência do
Direito Tributário brasileiro”, de James Marins, a respeito da difundida teoria do campo
científico de Pierre Bourdieu e suas eventuais relações com a pesquisa e o ensino na
Ciência do Direito Tributário no Brasil, gerando perspectivas de investigação e de
aplicação de teorias desenvolvidas na área da Sociologia do Conhecimento, com
potenciais reflexos no ambiente acadêmico do Direito Tributário brasileiro.

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