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FICHAMENTOS DE DIREITO AMBIENTAL E AMBIENTAL TRIBUTÁRIO

ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO E O CONSTITUCIONALISMO


GARANTISTA
Lucas de Souza Lehfeld e Raul Miguel Freitas de Oliveira

Em uma sociedade de risco (BECK, U. Sociedade de risco: rumo a uma outra


modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. 1 ed. São Paulo: Editora 34, 2010.), não há
como afastar a tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado em decisões
judiciais. A Constituição Federal brasileira é fortemente garantista do ponto de
vista ambiental (FERRAJIOLI, L. Principia iuris: teoria del diritto e teoria dela
democrazia. Roma/Bari: Laterza, 2007.), buscando um Estado Socioambiental de
Direito (SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental:
Constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 2 ed. rev. e atual. São
Paulo: RT, 2012.).
O Estado Socioambiental de Direito é resultante do valor ecológico da
Constituição Federal de 1988, sendo um marco jurídico-constitucional ajustado à
necessidade de tutela e promoção, de maneira integrada e independente, dos direitos
sociais e ambientais em um mesmo projeto político jurídico para o desenvolvimento
humano em padrões sustentáveis (SARLET, FENSTERSEIFER, 2012, p. 45).
A finalidade do Estado Socioambiental de Direito é a sustentabilidade, por
meio da tutela dos direitos sociais, econômicos e ambientais.
O desenvolvimento sustentável envolve uma dinâmica triangular: integração
ambiental e processo produtivo econômico, preservação necessário do meio-ambiente
para presentes e futuras gerações, e exploração racional e equitativa de recursos
naturais.
O fundamento constitucional do Estado Socioambiental de Direito encontra-se
no art. 225, da CF. O referido direito constitucionalmente assegurado é fundamental,
pois incide diretamente na existência humana, uma vez que o ambiente é o conjunto de
condições externas que conforma o contexto da vida do ser humano) - PÉREZLUÑO,
A. E. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constituición. 5 ed. Madrid: Tecnos,
1995.
Sobre o artigo 225, VIII – ver artigo da Lisboa Tax Lab
No âmbito da política econômica, a defesa do meio ambiente também é
princípio de observância obrigatória (art. 170, VI, CF).
O art. 23, CF, disciplinado pela LC n.º 140/2011, bem como o art. 30, I e II, dá
autonomia aos demais entes federados para legislar em matéria ambiental.
Para Boaventura de Souza Santos (1997), a CF traz uma concepção de
desenvolvimento ecossocialista, que se opõe ao do capital-expansionista, no qual o
desenvolvimento social é mensurado, essencialmente, pelo crescimento econômico
contínuo, baseado na industrialização e evolução tecnológicas virtualmente infinitas, em
total descontinuidade entre o meio ambiente e a sociedade. Trata-se de um paradigma
contemporâneo de crescimento econômico em que a economia, o PIB, a atividade
industrial sempre devem crescer e crescer cada vez mais, como se os recursos fossem
infinitos (há contrapontos? Analisar).
Ainda para o sociólogo português, “o desenvolvimento social afere-se ploe
modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, a
nível global, quanto mais diverso e menos desigual; a natureza é a segunda natureza
da sociedade e, como tal, sem se confundir com ela, tão pouco lhe é descontinua, deve
existir um estrito equilíbrio entre três formas principais de propriedade: a individual, a
comunitária e a estatal (SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós
modernidade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1997.. 336) – isso está de acordo com os
princípios axiais da SAD.
Lucas de Souza Lehfeld e Raul Miguel Freitas de Oliveira (já tá no ZOTERO)
afirma que a propriedade é um direito fundamental condicionado ao cumprimento da
função socioambiental da propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII, CF; e 1.228, § 1º,
do CC.
O direito fundamental ao meio ambiente insere-se na complexa realidade, em
que o Direito Ambiental passou a ser considerado ramo autônomo, com princípios,
regras e métodos de interpretação próprio, e, ao mesmo tempo, cararcterizado pela sua
transversalidade, uma vez que outros ramos tradicionais do Direito tratam de normas de
tutela do meio ambiente (Lucas de Souza Lehfeld e Raul Miguel Freitas de Oliveira - já
tá no ZOTERO). Hermes Zanet Jr. (2015, p. 1377-1379) afirma que ais normas
constitucionais ambientais são multifuncionais, pois implicam no reconhecimento de
dimensões objetivas e subjetivas, relacionados a direitos e deveres negativos (ou
defensivos) e positivos (ou prestacionais).
Também Jorge Miranda (MIRANDA, J. Manual de direito constitucional:
direitos fundamentais. 3 ed. Coimbra: Coimbra, 2000, t. IV.) salienta que as normas de
direito ambiental recebem tratamento de duplo alcance: objetivo, pois é elemento
institucional e organizatório do Estado, e subjetivo, pois é um feixe de direitos
fundamentais e de situações subjetivas conexas ou próximas. O uso do termo “feixe”
para descrever a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais ambientais é muito
adequado, pois, como consignam diversos estudiosos do tema, trata-se de direito
atravessado por diversos ramos jurídicos e de outros saberes e ciências. Não se
compreende o direito à uma vida digna, sem o direito à uma atmosfera limpa, à moradia
sem o constante risco de desalojamento por desastres naturais e climáticos extremos, à
segurança alimentar acessível e saudável, à liberdade, etc.
Combinam-se os direitos de primeira dimensão – que exigem do Estado
abstenção em certas situações de cunho individual – com os de terceira dimensão – o
que demanda prestações positivas e atuação do Estado e do Poder Público na tutela de
bens ambientais.
Falar do julgamento na Alemanha (FENSTERSEIFER) e da ADPF 708 (O
STF e as mudanças climáticas) no Brasil sobre o dever estatal de zelar pelo meio
ambiente. - https://www.direitorp.usp.br/pos-graduacao/processo-seletivo/aluno-regular/
O REGIME JURÍDICO TRIBUTÁRIO-AMBIENTAL A PARTIR DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Felipe Cianca Fortes e Marlene Kempfer Bassoli

Os autores analisam a viabilidade de construção de um regime jurídico


tributário-ambiental que utilize a tributação para promover o desenvolvimento
sustentável, a partir da CF/88. Segundo o artigo, os princípios da capacidade
contributiva e da isonomia tributária seriam obstáculos à construção deste regime
jurídico tributário-constitucional. A criação de um imposto verde encontraria óbice
tanto nos princípios ambientais quanto tributários, tanto em termos fiscais quanto
extrafiscais.
O Princípio do Poluidor-Pagador não quer significar meramente que o agente
poluidor deve arcar com os custos decorrentes da sua atividade poluidora, o que
consubstanciaria tão-somente um mero “direito de compra de poluir”, de modo que os
seus efeitos pretendidos, de garantir a subsistência da natureza, não seriam alcançados;
tratando-se de proteção do meio ambiente, não se pode deixar de lado a base empírica
de que o consumo do meio ambiente é desproporcional à sua capacidade de
recuperação, de modo que permitir a “compra” de uma parcela de poluição somente
agravaria o problema que já se enfrenta. E mais: estar-se-ia legalizando as atividades
poluidoras. De fato, o que busca o Princípio do Poluidor-Pagador é “redistribuir
equitativamente as externalidades ambientais”. (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Instituições de direito ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002. v. 1. p. 143)
Externalidade é um efeito social decorrente da atividade econômica, podendo
ser positiva ou negativa em razão de no preço do bem colocado no mercado se incluir,
ou não, “os ganhos e as perdas sociais resultantes de sua produção ou consumo”
(RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São Paulo: Max
Limonad, 2002. v. 1. p 141), de modo a refletir o seu valor social (PINDYCK, Robert
S.; RUBINFIELD, Daniel L. Microeconomia. 4. ed. São Paulo: Markon Books, 1999.,
p. 843). Isso quer dizer que, se o agente econômico, ao produzir ou circular o seu bem,
não levar em conta na construção do respectivo preço os impactos sociais decorrentes
do exercício da sua atividade econômica, a atividade estará provocando uma
externalidade negativa.
Em suma, todos os custos de prevenção, precaução, correção na fonte,
repressão jurídica e administrativa que são despendidos pelo Estado sejam suportados
pelo responsável pelas externalidades ambientais. O princípio do poluidor-pagador visa
desonerar o Estado da responsabilidade exclusiva pela preservação do meio ambiente,
de modo que os agentes econômico/sociais poluidores e os consumidores também
arquem com os custos.
Sob o viés econômico, a delimitação das externalidades ambientais negativas é
de difícil mensuração, não sendo possível sua agregação ao valor final do produto.
Contudo, algum ônus deve existir.
O princípio do poluidor-pagador ainda desdobra-se em outros três
subprincípios: (i) princípio da prevenção: a reparação do meio ambiente não se dá na
mesma medida do seu consumo e que é impossível a recuperação do estado natural
originário, de modo que se deve primar pelas ações preventivas ao invés das
reparatórias; (ii) princípio da precaução: havendo incerteza quanto à possibilidade de
ocorrência de lesões ambientais, a atividade deve ser coibida, cabendo ao empreendedor
a comprovação de que o seu negócio não gera poluição; e (iii) princípio da
responsabilidade: internalização dos impactos negativos da atividade econômica,
visando à recuperação rápida e efetiva do meio ambiente, pelo próprio poluidor, quando
já consolidado o dano (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito
ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002. v. 1. p. 148).
Agindo o contribuinte de forma lícita, todas as espécies tributárias podem ser
utilizadas para efetivar o Princípio do Poluidor-Pagador: pode-se instituir (i) taxa pela
efetiva ou potencial prestação de serviços públicos específicos e divisíveis de interesse
sócioambiental (Taxa de Tratamento e Destinação de Esgotos); (ii) contribuição de
melhoria, quando a execução de uma obra pública voltada ao meio ambiente – praças,
parques, centros de tratamento de água etc. – gerar valorização imobiliária; (iii)
empréstimo compulsório, se o dano ambiental atingir níveis alarmantes,
consubstanciando verdadeira calamidade pública, ou para o custeio de execução de
obras públicas urgentes, voltadas à proteção/reparação do meio ambiente; e (iv) no seio
das contribuições, a contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE, com o
fim de custear um específico aparato administrativo de fiscalização, planejamento e
incentivo para atividades econômicas poluidoras pré-estabelecidas.
A lógica jurídico-tributária, aferida sob o viés constitucional, revela o objetivo
sistemático deste ramo do direito, que a busca de equilíbrio na proteção do contribuinte
contra o abuso do poder estatal na função de arrecadação de receitas por meio da
invasão e subtração de parcela da esfera patrimonial do particular. Essa natureza do
direito tributário é aferida por meio dos principais princípios que norteiam a atividade
fiscal do Estado: princípio da legalidade; da irretroatividade, da anterioridade, da
vedação ao confisco, da uniformidade geográfica; da capacidade contributiva e da
isonomia tributária.
Os autores descrevem as características gerais e as problemáticas dos dois
últimos princípios.
Segundo os autores, tanto a função fiscal quanto a extrafiscal do tributo visam
“internalizar as externalidades ambientais negativas decorrentes do exercício da
atividade (HERNÁNDEZ, Jorge Jiménez. El tributo como instrumento de protección
ambiental. Granada: Editorial Comares, 1998., p. 77).
Contudo, existiriam problemáticas no campo dos impostos para a função fiscal
em matéria tributária-ambiental, uma vez que, não podendo o tributo agir como sanção,
um imposto ambiental exigiria a delimitação de uma “zona poluente lícita”, isto é, um
limite dentro do qual o contribuinte está legalmente autorizado a poluir. Contudo, tal
possibilidade negaria o princípio do poluidor-pagador, dando uma “licença para poluir”
ao contribuinte (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São
Paulo: Max Limonad, 2002. v. 1. p. 248).
Também sob a ótica do princípio da capacidade contributiva, seria difícil medir
a grandeza econômica referente ao volume de poluição como base imponível do tributo.
O contribuinte com menor capacidade contributiva pode produzir o mesmo volume, ou
até mais, que o contribuinte com a maior capacidade contributiva.
Sobre a função extrafiscal, o Estado possui duas alternativas: (i) intervir
diretamente na economia e nas relações sociais, mediante a imposição de regras
permissivas, proibitivas ou obrigatórias; ou (ii) intervir indiretamente na economia e nas
relações sociais, mediante a manipulação dos instrumentos existentes, tornando, ao fim,
insustentável o exercício da conduta indesejada (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria
geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007. p. 628).
“É necessário recordar que, embora os tributos ecológicos devam observar a
existência de capacidade contributiva, respeitando um limite mínimo (mínimo isento) e
um limite máximo (exigência constitucional de não-confisco) de riqueza, não
encontram total fundamento no princípio da capacidade econômica, já que, como
impostos extrafiscais, são regidos por outros princípios. Seguindo este raciocínio, não
é necessário o pressuposto objetivo de a espécie tributária escolhida coincidir com o
objeto imponível, qual seja, a riqueza onerada. Quer dizer, seja qual for a riqueza
externalizada (renda, patrimônio ou consumo), o elemento objetivo do evento imponível
não deve basear-se em um índice que meça esta riqueza, tal como é a obtenção de uma
renda ou a titularidade de um patrimônio, mas sim um que meça a atividade nociva
para o meio ambiente, a exemplo da contaminação” (HERNÁNDEZ, Jorge Jiménez. El
tributo como instrumento de protección ambiental. Granada: Editorial Comares, 1998,
p. 153).
A fixação de alíquotas com base no impacto ambiental, no entanto, não satisfaz
o critério da capacidade contributiva, na qula são onerados bens dispensáveis e
acessíveis àqueles com maior poder aquisitivo, e desonerando os bens necessários a
todos, pois não leva em conta a necessidade do produto, podendo tanto elevar a carga
tributária de um bem essencial quanto desonerar um supérfluo, à contramão das
limitações constitucionais ao poder de tributar (contribuição minha: a oneração de
combustíveis poluentes afeta tanto pessoas que usam carros movidos exclusivamente a
estes combustíveis, quanto aqueles que dependem de transporte público).
DIREITO AMBIENTAL TRIBUTÁRIO
Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira

I. FUNDAMENTOS CONSTITUCUONAIS DO DIREITO AMBIENTAL


BRASILEIRO

1.1. A Constituição Federal como gênese do direito ambiental brasileiro:


fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil (p. 21-24)
O art. 225, da CF, estabelece a existência do plano constitucional do direito
ambiental brasileiro, seus parâmetros e critérios fundamentais destinados à sua correta
interpretação.
Nesse sentido, o direito ambiental não apenas obedece aos princípios
fundamentais elencados nos artigos 1º a 4º, da CF, como se organiza na condição de
direito e garantia fundamental destinada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no país (artigos 5º e 6º, CF).
Assim, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF)
pressupõe a obediência a alguns fundamentos específicos:
Está vinculado à dignidade da pessoa humana (art. 1º. III, CF): a pessoa
humana é a verdadeira razão de ser do direito ambiental brasileiro.
Está vinculado aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV,
CF): a economia capitalista que visa a obtenção de lucro está presente nas relações
jurídicas ambientais, o que impele harmonizar a ordem econômica com a defesa do
meio ambiente (art. 170, VI, CF).
Está vinculado à cidadania (art. 1º, II), na medida em que adaptado ao conceito
de igual dignidade social, independentemente de inserção econômica, social, cultural e
política.
Constituem objetivos fundamentais do direito ambiental brasileiros, além
daqueles organizados em proveito de sua atuação, os mesmos da Republica Federativa
do Brasil (art. 3º): erradicação da pobreza, redução de desigualdades sociais e regionais,
promoção do bem de todos, sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade, construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, e como instrumento de garantia do
desenvolvimento nacional.
1.4. O Direito ao Meio Ambiente em Face do Art. 225 da Constituição Federal (p.
26-35)
A inteligência do artigo 225 diz respeito a um direito vinculado ao meio
ambiente, e não de um direito do meio ambiente, isto é, é um direito destinado a todos
os brasileiros e estrangeiros residentes no país [isso importa dizer que a CF não colocou
como destinatários do direito ao meio ambiente a flora, a fauna, etc, mas, sim, estes e os
brasileiros e estrangeiros residentes no país]. São quatro os aspectos fundamentais de
seu conteúdo:
A existência do direito material constitucional a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado: A CF não definiu o conteúdo deste direito, validando,
todavia, a competência comum dos entes federados para proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas (24. 23, VI, CF). Dessa maneira,
elevou ao plano constitucional a definição jurídica do meio ambiente descrita no art; 3º,
I, da Lei Federal nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente). Daí deriva a
definição jurídica do meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas”. Os autores entendem que o direito ambiental, por esta definição,
se ocupa das relações jurídicas vinculadas à vida. A CF assegurou o direito à vida
associado ao meio, ao ecinto, espaço em que se vive, envolvendo para a pessoa humana
um conjunto de condições morais, psicológicas, culturais e materiais que vinculam ou
mais pessoas. A definição jurídica de meio ambiente ecologicamente equilibraso” diz
respeito à tutela da pessoa humana, assim como de outras formas de organismos,
adaptados ao local onde vivem. (p. 27-30)
A confirmação constitucional de que tal direito diz respeito à existência de uma
relação jurídica que envolve um bem estabelecido pela CF (bem ambiental), que se
vincula somente àqueles considerados no plano constitucional como “essenciais à sadia
qualidade de vida”, tendo como característica estrutural ser ontologicamente um “bem
de uso comum do povo”. A CF situa os direitos considerados essenciais à dignidade da
pessoa humana no art. 6º, como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados. A definição jurídica de “bem ambiental” está adstrita não só à tutela da
vida da pessoa humana, mas principalmente à tutela da vida da pessoa humana com
dignidade. A CF classifica o bem ambiental como de “uso comum do povo”, o que
afasta os conceitos absolutos de gozar, fruir, dispor e, principalmente, destruir
determinado bem, segundo a livre vontade individual ou metaindividual. (p. 30-32)
A relevância do bem ambiental fez com que a CF estabelecesse um dever ao
Poder Público e à coletividade de não apenas defendê-lo, mas também preservá-lo
(exemplo: art. 225, § 1º, IV, CF). (p. 32-33)
A defesa e a preservação do bem ambiental têm por objetivo assegurar o seu
uso para as presentes e futuras gerações.

II. PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO NA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

II.1. Noções preliminares: o princípio da legalidade visando estruturar a


interpretação do direito ambiental constitucional
O direito ambiental é uma ciência autônoma, pois possui seus próprios
princípios diretores, previstos no artigo 225, CF.
No direito ambiental e, particularmente, no ambiental tributário, o princípio da
legalidade deve ser observado para a criação de deveres de ação positiva (fazer) ou de
ação negativa (deixar de fazer; abster-se).

II.2. Princípio do Desenvolvimento Sustentável


O princípio do desenvolvimento sustentável está no final do art. 225, caput, da
CF (“...o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”).
Sendo certo que os recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível
que as atividades econômicas se desenvolvam alheias a este fato, o desenvolvimento
deve ser buscado de forma sustentável entre o crescimento econômico e o meio
ambiente (art. 170, VI, CF) [visão crítica: como pode ser sustentável, se sempre deve
haver crescimento? E cada vez maior? Ver: “The limits to growth. A Report for the
Club of Rome’s Project on the Predicament of Mankind” – tem versão em português.].
O conteúdo deste princípio é o de que a produção e reprodução do homem e
suas atividades devem ser garantidas de forma satisfatória entre os homens e entre o seu
ambiente, para que as futuras gerações também tenham a oportunidade de desfrutar dos
mesmos recursos que hoje temos à nossa disposição.
Busca-se a coexistência entre economia e meio ambiente, sem que a primeira
inviabilize o segundo, e sem que o segundo obste o primeiro. Procura-se minimizar a
degradação ambiental, ou compensá-la.

II.3. Princípio do Poluidor-Pagador e a interpretação do Supremo Tribunal


Federal
O princípio do poluidor pagador busca evitar a ocorrência de danos ambientais
(caráter preventivo) e, se ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo). Em
um primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de
prevenção de danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Num
segundo momento, o poluidor será responsável pela reparação dos danos.
Na CF, o artigo 225, § 3º traz esse princípio [mas o dispositivo fala apenas em
indenização – caráter repressivo].

II.4. Princípio da prevenção


A prevenção é um princípio fundamental, uma vez que os danos ambientais
são, muitas vezes, irreversíveis e irreparáveis. Como recuperar uma espécie extinta?
Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Como restituir uma floresta milenar que
abrigava milhares de ecossistemas e que foi devastada?
Trata-se de princípio previsto no caput do art. 225, CF, ao afirmar que compete
ao poder Público e à coletividade proteger e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.
Para tanto, observamos instrumentos como o estudo prévio de impacto
ambiental e o relatório impacto ambiental (EIA/RIMA). A prevenção do dano também
passa pela punição correta do poluidor, em termos administrativos, indenizatórios e
penais, bem como por incentivos fiscais e financeiros.

II.4.1. Prevenção X Precaução


A prevenção difere da precaução. A ausência de provas científicas sobre a
existência de danos ambientais não deve ser utilizada como justificativa para meio de
postergar a adoção de medidas preventivas, quando houver ameaça série de danos
irreversíveis. Nesse contexto, há a precaução, ainda que o dano não possa ser atestado
com clareza científica. O status jurídico este subprincípio permanece incerto. Os autores
defendem que a precaução está colocada no princípio constitucional da prevenção.

II.6. Princípio da Ubiquidade e a dignidade da pessoa humana


A vida e a qualidade de vida da pessoa humana devem ser considerados na
elaboração de políticas, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra, etc.
tiver que ser criada e desenvolvida.

II.7. Princípio da vedação ao retrocesso


Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-
constitucional, entende-se que uma lei que incorpora determinado direito ao patrimônio
jurídico da cidadania, não pode ser arbitrariamente suprimido. Dessa forma, uma lei
posterior não pode abolir um direito, sobretudo um direito social, estabelecido
anteriormente.

III. O DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO COMO INSTRUMENTO


VINCULADO À TUTELA DOS BENS AMBIENTAIS
A relação fisco-contribuinte pauta-se não somente pelas regras ditadas pela
economia de livre mercado, mas também pela observância da dignidade da pessoa
humana. Os tributos têm sua hipótese de incidência tributária lida a partir da
Constituição Federal, de modo que o desenho normativo-fiscal procura privilegiar,
muito mais do que a relação fisco-contribuinte, o cidadão portador de direitos materiais
fundamentais assecuratórios de sua dignidade (p. 83).
O sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo [explicar]: quem tem
mais, paga, proporcionalmente, menos. Isso ocorre em razão do excesso de tributação
sobre bens e serviços [citar estudo do MADE que está no artigo sobre tributação verde]
p.85.
Fiorillo e Ferreira fazem uma provocação: direito ambiental tributário ou
direito tributário ambiental? A escolha pela posição do substantivo, mais do que uma
mera opção aleatória, revela um entendimento acerca de qual ramo e quais normas do
direito deveriam preponderar, isto é, as do direito ambiental sobre as de direito
tributário, ou vice-versa? Isso fica claro quando os autores afirmam que “este [o
princípio do desenvolvimento sustentável] pressupõe um equilíbrio entre as normas
econômicas e as de preservação ambiental. Daí, frise-se, novamente, falar-se em
direito ambiental tributário, e não em direito tributário ambiental. A norma de
orientação na imposição dos chamados tributos extrafiscais buscará seu fundamento de
validade nos parâmetros e regras do direito ambiental constitucional e não o
contrário”. (p. 91)
No Estado Democrático de Direito Brasileiro, qualquer norma analisada deve
buscar seu ponto de apoio e justificativa na Constituição Federal. Soberania, cidadania,
dignidade da pessoa humana valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo
político são as bases da Carta de 88 (p. 85).
Ocorre que em determinadas situações, o Estado opta por direcionar o
comportamento dos contribuintes para penalizar o poluidor, e incentivar ou
desincentivar a produção ou mesmo a comercialização e consumo de determinados
bens, estimular práticas de preservação do meio ambiente, desestimular a manutenção
da propriedade improdutiva ou que não se atenha à função socioambiental da
propriedade. O mais usual é que o Estado faça isso por meio do exercício da
competência tributária, com as pessoas políticas editando leis concedendo benefícios
fiscais ao contribuinte, induzindo de forma positiva seu comportamento para os fins
almejados pelo Estado (p. 90).
Fiorillo e Ferreira afirmam que os regramentos do sistema tributário não se
aplicam plenamente aos tributos em sua dimensão extrafiscal. No que toca à dimensão
extrafiscal ambiental, observa-se o art. 225, CF. A finalidade extrafiscal não se submete
de forma absoluta aos princípios tributários, sendo norma justificada por outros ramos
do direito e outros princípios (p. 90).
A utilização de normas tributárias com finalidade extrafiscal não exige a
observância da Justiça Fiscal e da capacidade contributiva, mas sim a Justiça Social
controlada / aferida pelo princípio da proporcionalidade, orientada pelo princípio do
desenvolvimento sustentável quando se fala em função extrafiscal ambiental (p. 91).
CURSO DE DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO
Celso Antonio Pacheco Fiorillo

Fiorillo, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. Editora Saraiva, São


Paulo, 2012, 13ª Ed.  já coloquei no Zotero

I. Direito Constitucional Ambiental


O constituinte de 88 constatou a tutela de direitos coletivos, porque
compreendeu a existência de uma terceira espécie de bem, o bem ambiental, o que foi
consagrado no art. 225, da CF, que trata do meio ambiente como um bem de uso comum
do povo (p. 55).
A CF/88 consagrou a existência de um bem que não possui características de
bem público e, muito menos, privado, voltado à realidade do século XXI, das
sociedades de massa, com crescimento desordenado e brutal avanço tecnológico
[sociedade de risco?] – p. 63.
A CF estruturou uma composição para a tutela dos valores ambientais,
reconhecendo-lhes características próprias, desvinculadas do instituto da posse e da
propriedade, transcendendo os direitos difusos (p. 63). Isso foi feito por meio do art.
225, CF.
A CF, ao estabelecer entre os seus princípios fundamentais a dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III), adotou uma visão antropocêntrica, atribuindo aos
brasileiros e estrangeiros residentes no país uma posição de centralidade no
ordenamento jurídico positivado. Por essa visão, o direito ao meio ambiente é voltado
para a satisfação das sociedades humanas. Todavia, tal dispositivo não impede que a
vida seja protegida em todas as suas formas, conforme artigo 3º, I, da Lei n.º 6.938/81.
Dessa forma, todos que possuem vida, humana ou não, são tutelados e protegidos pelo
direito ambiental. Ademais, um bem ambiental, ainda que não seja vivo, pode ser
essencial à sadia qualidade da vida humana”, podendo, assim, também ele ser
protegido, no art. 225, CF. (p. 68-70).
O autor defende que a CF adotou uma visão antropocêntrica e, portanto, que o
homem, na qualidade de único animal racional, deve ser o destinatário do direito
ambiental. Cita como exemplos atividades culturais que envolvem submeter animais a
práticas cruéis, devendo a expressão cultural preponderar sobre o direito constitucional
do animal a não ser submetido a elas (p. 70-71). [discordo, ver o art. 225, VII, CF]
Diego de Freitas do Amaral adota entendimento diferente, afirmando que a
proteção à natureza não pode ser considerada como um objetivo do homem em seu
próprio e exclusivo benefício. Para ele, a natureza também deveria ser protegida em
função de si própria, e não apenas como um objeto útil ao homem [AMARAL, D. F.
Direito ao meio ambiente. Ed. INA, Lisboa, 1994]
[STF: Briga de galo O Supremo derrubou normas estaduais de Santa Catarina
(ADI 2514), do Rio Grande do Norte (ADI 3776) e do Rio de Janeiro (ADI 1856) que
regulamentavam as brigas de galo. A primeira decisão foi tomada em 2007 e serviu de
precedente para as demais. Na ADI 1856, julgada em 2011, o relator, ministro Celso de
Mello, ressaltou que a prática é inerentemente cruel, pois as aves das raças combatentes
são submetidas a maus tratos nas competições e rechaçou os argumentos de que as
brigas de galo seriam práticas desportivas ou manifestações culturais ou folclóricas.
Farra do Boi: Em 1997, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 153531, a
Segunda Turma do STF estabeleceu que a obrigação do Estado de garantir a todos o
pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das
manifestações, não o isenta de observar a norma constitucional que proíbe a submissão
de animais à crueldade. A decisão resultou na proibição da Farra do Boi, prática antiga
de Santa Catarina.]

II. Definição legal de meio ambiente:


A definição legal de meio ambiente pode ser encontrada no art. 3º, da Lei n. º
6.938/81. Afirma-se que tal conceito foi recepcionado pela CF/88, pois o Texto
Constitucional buscou tutelar não apenas o ambiente natural, mas também o artificial, o
cultural e o trabalho [p. 76]

III. Bens Ambientais:


A CF, ao estabelecer a existência de bens pautados pelo binômio
essencialidade à saída qualidade da vida e uso comum do povo, criou uma terceira
modalidade de bens, cuja natureza jurídica não se confunde nem com bens públicos e
muito menos com bens privados. (p. 157).
O bem ambiental tem uma natureza jurídica de bem difuso, definido como
transindivudal e tendo como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato (p. 184-185). Isso porque o art. 225, CF estabelece a existência
jurídica de um bem que se estrutura como sendo de uso comum do povo e essencial à
qualidade vida (p. 185). O mesmo artigo afirma que todos são titulares deste direito,
reportando-se, assim à uma coletividade indefinida, demarcando um critério nitidamente
transindividual (p. 185).
Os bens essenciais à sadia qualidade de vida e de uso comum do povo seriam
os próprios fundamentos da República enquanto Estado Democrático de Direito: bens
fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana, um pisto vital mínimo de
direitos (art. 6º, CF) – p. 185 e p. 194
Celso Fiorillo ainda destaca que esta coletividade indeterminada goza de
apenas um dos direitos de propriedade sobre o bem ambiental, qual seja, o uso, e ainda
assim, um uso que importe assegurar às gerações futuras as mesmas condições de que as
presentes desfrutam. Ninguém pode dispor deste bem ou transacioná-lo (p. 192)

IV. A agricultura no plano jurídico ambiental em face do controle


territorial
As atividades produtivas caracterizadas pela produção de bens alimentícios e
matérias primas decorrentes do cultivo de plantas necessitam de espaços territoriais para
a viabilização da agricultura. Embora a agricultura, como atividade econômica, esteja
inserida dentro um sistema econômico de livre mercado, com direito de propriedade
privada e, o sistema constitucional também prevê que o solo e o subsolo, na qualidade
de bens ambientais e, portanto, de bem de uso comum do povo destinado à garantir a
qualidade de vida sadia, estão inseridos também em um contexto de incentivo dos
benefícios de valores adstritos à dignidade da pessoa humana (p. 848-850).
Assim, o direito de propriedade relativo ao solo e ao subsolo tem limitações
importantes destinados a equilibrar os tradicionais valores do livre mercado com as
necessidades vitais da pessoa humana (p. 850).
Dessa forma, a agricultura, ao utilizar os bens ambientais já referidos em
proveito de lucro, deverá envolver os aludidos recursos ambientais sob uma perspectiva
sustentável, explorando o meio ambiente de modo a garantir a perenidade dos recursos
ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os
demais atributos do ambiente natural de forma socialmente justa, economicamente
viável, e considerando a necessidade das futuras gerações [função socioambiental da
propriedade] – p. 850.
No mesmo sentido é a atividade pecuária (p. 856-858).

DIREITO CONSTITUCIONAL ECOLÓGICO


Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer

SARLET, I. W. FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ecológico: constituição,


direitos fundamentais e proteção da natureza. 7ª edição. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2021.

I. Constituição Ecológica:
O Direito Constitucional Ecológico é uma superação do Direito Constitcuinal
Ambiental, assentado em uma matriz teórica e normativa antropocêntrica (p. 37).
Muitos autores defendem essa visão antropocêntrica do direito constitucional brasileiro:

A expressão “Constituição Ecológica” é mais adequada à luz do estado da arte


de desenvolvimento do Direito Constitucional contemporâneo, notadamente diante do
novo paradigma constitucional ecológico com fortes traços ecocêntricos emergentes a
partir da última década (p.39).
As diversas constituições transformativa erigidas ao longo da segunda metade
do século XX refletem essas preocupações ecológicas e ecocêntricas (p.39).
A expressão Constituição Ecológica” foi consagrada de forma paradigmática
em decisão da Corte Constitucional Colombiana no julgamento da T-622/16, proferida
em 10.11.2016, ao reconhecer e atribuir direitos ao Rio Atrato. Íntegra da decisão
disponível em https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2016/t-622-16.htm
A Corte Constitucional Colombiana também reconheceu a Amazônia
Colombiana como entidade sujeita de direitos: julgamento da STC4360-2018.
Disponível em
https://cortesuprema.gov.co/corte/wp-content/uploads/2018/04/STC4360-2018-2018-
00319-011.pdf
O diálogo das fontes normativas e o diálogo das cortes em matéria ambiental
deve ampliar o regime de proteção e tutela ecológica, reconhecendo a essencialidade da
qualidade e integridade do ambiente para o desfrute de uma vida digna, segura e
saudável, das atuais e futuras gerações, e a proteção da vida não humana e da natureza
como um todo, tomando por premissa a integridade ecológica do sistema planetário
como um todo (p. 41-42).
Uma abordagem ecológica do direito se justifica pela importância que a
qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental têm para o desfrute, a tutela e a
promoção dos direitos fundamentais, sejam eles liberais, sociais ou ecológicos, como a
vida digna, a integridade física, a propriedade, a saúde, educação, moradia, a
alimentação, saneamento. De modo que a proteção do meio ambiente, por si só, torna-se
um valor edificante do Estado de Direito instituído (p. 42).
Deste modo, a degradação e devastação ambientais acarretam, direta ou
indiretamente, na violação dos direitos fundamentais do indivíduo, de grupos sociais ou
da coletividade como um todo p. 42).
A dignidade da pessoa humana é um conceito em constante mutação e
(re)construção histórico-cultural, dogmática e jurídica, o que implica em sua
permanente abertura aos desafios postos pela vida social, política e econômica,
sobretudo na sociedade tecnológica e da informação. Os valores ecológicos se tornaram,
definitivamente, relevantes para a compreensão da extensão do conteúdo da dignidade
da pessoa humana, que abrange um bem-estar ecológico e social indispensável à uma
vida saudável, digna e seguro, em um contexto de integridade da natureza. Isso
pressupõe um patamar mínimo de qualidade ambiental ou mínimo existencial ecológico
para a concretização da vida humana em níveis dignos (p. 61).
A vida e a saúde humanas só estão assegurados no âmbito de determinados
padrões ecológicos mínimos, e o ambiente está presente nas questões mais vitais e
elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência da espécie (p.
62)
O reconhecimento jurídico de outras formas de vida “não humanas” conduz,
por si só, à atribuição de “dignidade” para além da esfera humana, além de permitir a
identificação de uma dimensão ecológica da própria dignidade humana. Assim, a tutela
jurídica dos bens ambientais e a proteção de valores jurídicos ecológicos imporá deveres
e restrições de comportamentos ao próprio ser-humano, e isso não apenas para proteger
as presentes e futuras gerações humanas, mas, independentemente disso, afirmar valores
e proteger bens jurídicos que transcendem a órbita humana (p. 54).
É necessária uma mudança de paradigma inspirada pelo reconhecimento dos
princípios básicos da ecologia e pelo novo pensamento sistêmico da ciência
contemporânea (CAPRA, F; MATTEI, U. A revolução ecojurídica: o direito
sistêmico em sintonia com a Natureza e a comunidade. São Paulo, Editora Cultirx,
2018, p. 38).
Isso envolve uma reconfiguração nos sistemas jurídicos modernos, que
implique na mudança do reconhecimento do status jurídicos não apenas dos animais não
humanos, mas da Natureza como um todo e dos seus elementos (rios, florestas e
paisagens). Por mais que isso não seja o plano normativo da maior parte dos países
(exceção feita, talvez, à Constituição do Equador de 2008), Fensterseifer e Sarlet
entendem que este deve ser o caminho trilhado para o ordenamento jurídico brasileiro.
Há manifestações nesse sentido das cortes superiores (p. 55):

Os primeiros passos para isso já começaram a ser dados pela CF/88, que em
seu artigo 225 estabelece deveres de proteção ambiental, o que caracteriza uma proteção
jurídica de natureza objetiva dos bens ambientais, dever imposto ao Poder Público e à
coletividade (art. 225, § 1º, I e VI, por exemplo) – p. 55/56)
No mesmo sentido e ecocentrismo, é a Lei de Crimes e Infrações
Administrativas Ambientais – Lei n.º 9.605/1998 (ver artigo 32).
Os autores não entendem haver diferença entre ser-humano e natureza, pois a
proteção do primeiro é a da última, e vice-versa. Eles entendem ser vital a “religação”
entre os dois (p. 57).
Não é possível estabelecer uma dicotomia carteriana entre ser-humano e
natureza. Seria uma incoerência antológica, dado que o ser-humano é parte da natureza,
e a condição existencial humana é inerente à natureza p. 58).
Os autores defendem que o Direito Ambiental e o Direito Constitucional
Ambiental, na sua versão antropocêntrica, teriam fracassado na promoção ambiental,
dos seres humanos e não-humanos e dos elementos abióticos (p. 138).
No Brasil, o paradigma antropocêntrico apareceu na fundamentação dos votos
e manifestações dos Ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, no julgamento da
ADI n.º 4.983/CE, sobre a prática da “vaquejada”. Para a Ministra Rosa Weber, “o
atual estágio evolutivo da humanidade impõe o reconhecimento de que há dignidade
para além da pessoa humana, de modo que se faz presente a tarefa de acolhimento e
introjecção da dimensão ecológica ao Estado de Direito (...) a Constituição, no seu
artigo 225, § 1º, VII, acompanha o nível de esclarecimento alcançado pela humanidade
no sentido de superação da limitação antropocêntrica que coloca o homem no centro
de tudo e todo o resto como instrumento a seu serviço, em prol do reconhecimento de
que os animais possuem uma dignidade própria que deve ser respeitada. O bem
protegido pelo inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição, enfatizo, possui matriz
biocêntrica, dado que a Constituição confere valor intrínseco às formas de vida não
humanas e o modo escolhido pela Carta da República para a preservação da fauna e
do bem-estar do animal foi a proibição expressa de conduta cruel, atentatória à
integridade humana”.
O STJ, no julgamento do REsp n.º 1.797.175/SP, reconheceu não apenas a
superação do paradigma jurídico antropocêntrico, mas também atribuiu “dignidade e
direitos aos animais não humanos e à Natureza”.
Aos animais não humanos é segurado pelo art. 225, da CF, a proteção contra
práticas cruéis e às espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção (§ 1º, VII), até a
proteção da “função ecológica” (§1º, VII), e dos processos ecológicos essenciais (§ 1º,
i), é possível identificar pequenos movimentos rumo a um novo paradigma ecocêntrico.
Esse posicionamento não é unânime na doutrina. Asis Roig entende que os
deveres dos seres humanos em face dos aniamis teriam como justificativa unicamente m
interesse humano ou humanidade, de modo que não seria possível atribuir-lhes direitos
(ROIG, R. A. Deberes y derechos em la Constitución. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1991, p. 172).
No mesmo sentido, para Pereira da Silva, o direito é um fenômeno cultural que
regula as realçoes entre seres vivos, responsáveis e com consciência de seus deveres
para com o meio-ambiente, de modo que os direitos subjetivos apenas podem ser
atribuídos aos membros da espécie humana, cabendo à Natureza apenas ser tutelada
com responsabilidade pelos humanos (PEREIRA DA SILVA, V. Verde cor de direito:
lições de direito do ambiente. Almedina, Coimbra, p.31).
Sarlet e Fensterseifer entendem que deve ser atribuído um valor intrínseco à
vida, independentemente de se tratar de uma vida humana ou não-humana, pois há uma
dependência existencial entre espécies naturais. Assim, defendem o reconhecimento de
status jurídico ou legal aos entres biológicos não-humanos, assegurando-lhe certos
direitos, mas não necessariamente os mesmos direitos dos seres humanos (p. 144).
Parece difícil conceber que a CF, ao determinar a proteção da vida de espécies
naturais em face da sua ameaça de extinção, estivesse a promover unicamente a
proteção de algum valor instrumental de espécies naturais [talvez também tenha a ver
com a proteção do patrimônio genético e biolócio?] p. 148.
O estabelecimento de deveres de proteção da fauna e da flora pela CF
implicaria na existência de um valor por si mesmo dos elementos bióticos e abióticos, o
que também pode ser creditado como uma dimensão de dignidade dos seres não-
humanos e da natureza (p. 151-152).

II. Sociedade de risco global


A "sociedade de risco" é um termo usado por Beck para descrever as mudanças
na sociedade moderna relacionadas à produção e gestão de riscos. Segundo ele, as
sociedades industriais e pós-industriais estão cada vez mais expostas a riscos globais e
incertos, resultantes principalmente do desenvolvimento tecnológico e do avanço da
ciência. Beck argumenta que, ao contrário das sociedades pré-modernas, em que as
pessoas lidavam principalmente com riscos naturais (como desastres naturais), as
sociedades contemporâneas enfrentam riscos criados por suas próprias ações e
tecnologias. Esses riscos são globais e transcendem fronteiras nacionais, afetando todos
os indivíduos, independentemente de sua classe social ou origem cultural. Alguns
exemplos de riscos na sociedade de risco incluem desastres ambientais provocados pela
ação humana (como acidentes nucleares ou derramamentos de petróleo), pandemias
globais, crises financeiras, terrorismo e mudanças climáticas. Esses riscos globais geram
um sentimento de insegurança generalizada, já que as pessoas percebem que não podem
controlá-los completamente, mesmo que não estejam diretamente envolvidas em suas
causas. Beck também enfatiza que esses riscos são distribuídos de forma desigual,
afetando de maneira mais acentuada grupos socialmente vulneráveis.
Mais recentemente, Beck desenvolveu a tese da sociedade de risco global
(Weltrisikogesellschaft), por força da magnitude geológica e global do impacto da
intervenção humana no planeta Terra BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: Rumo a uma
Outra Modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011).
Na configuração do Estado de Direito contemporâneo, tornou-se um dever
estatal a promoção da segurança ambiental, de modo que os entes estatais assumiram a
função de preservar a dignidade da vida dos seus cidadãos contra a força do impacto
ambiental produzido pela sociedade de risco global (p. 210).

III. Princípio da integridade

O princípio da integridade diz respeito à manutenção da integridade dos


ecossistemas e do ecossistema planetário em escala global, a fim de assegurar os
fundamentos naturais de sustentação da vida humana e não-humana (p. 60)

IV. Princípio da proibição do retrocesso ecológico e o Novo Código Florestal

O Código Florestal de 2012 tem sido apontado como uma fonte de retrocessos
em matéria de proteção ambiental, destacando-se a diminuição da extensão e até mesmo
a extinção das áreas de preservação permanente e da reserva legal, além da anistia para
quem desmatou ilegalmente no passado (p. 455).;
Tais institutos objetivam a proteção dos solos e do ecossistema florestal como
um todo e, no caso da APP, também do equilíbrio ecológico da área urbana, de modo a
evitar erosões e deslizamentos de terra, além de serem fundamentais para a proteção dos
recursos hídricos, preservação da biodiversidade e fertilidade do solo, além da
manutenção do microclima, entre outros serviços ambientais (p. 456).
A justificativa de retirar o “ônus” da proteção ambiental – no caso, minimizar o
“custo ambiental” que atinge o produtor rural, beneficiando a iniciativa e a atividade
econômica, é insuficiente. Tal justificativa, pro si só, não ampara tal medida de
restrição ao direito fundamental ao meio ambiente – que tem toda a coletividade como
seu titular. (p. 456). Mesmo porque, tal limitação do direito fundamental ao meio
ambiente, afeta e limita outros direitos fundamentais, sejam eles liberais, sociais ou
ecológicos, de um sem número de pessoas. Minimiza-se o mínimo existencial
ecológico, e o ônus ambiental é redistribuído de forma desproporcional justamente às
pessoas e grupos mais vulneráveis, que sentirão os efeitos imediatos de efeitos
climáticos extremos provocados pelo aquecimento global (p. 456-457).
Nesse cenário, a PGR, em 2013, ajuizou três ADIs (4.901, 4.902 e 4.903)
perante o STF.
A 4.901 questiona, entre outros dispositivos, o artigo 12, §§ 4º, 5º, 6º, 7º e 8º),
que reduzem a área de reserva legal (em virtude da existência de terra indígenas e
unidades de conservação no território municipal) e da dispensa da constituição de
reserva legal por abastecimento público de água, tratamento de esgoto, exploração de
energia elétrica e implantação ou ampliação de ferrovias e rodovias.
A 4.902 questiona temas relacionados à recuperaçõ de áreas desmatadas, como
a anistia de multas e outras medidas que desestimulariam a recomposição da vegetação
original, permitindo novo desmatamento sem a recuperação daquele anteriormente
realizado de forma irregular (art. 7º, § 3º). O art. 17 isenta os agricultores da obrigação
de suspender as atividades em áreas onde ocorreu desmatamento irregular antes de
22/07/2008.
A ADI 4.903 questiona a redução da área de reserva legal prevista pela nova
lei.
Em linhas gerais, as ADIs questionam diversos dispositivos do Código
Florestal brasileiro (Lei n.º 12.651/2012), relacionados, sobretudo, às APPs, à redução
da reserva legal e também à anistia para quem promove degradação ambiental. O
julgamento foi concluído em 2018, com o STF reconhecendo a validade de diversos
dispositivos, declarando alguns trechos inconstitucionais e atribuindo interpretação
conforme a outros itens.
A anistia conferida aos proprietários que aderissem ao Programa de
Regularização Ambiental (PRA) não configuraria uma anistia, uma vez que os
proprietários continuariam sujeitos à punição na hipótese de descumprimento dos
ajustes firmados nos termos de compromisso.
Houve interpretação conforme a constituição à norma para que os entornos de
nascentes e olhos d´’agua intermitentes fossem considerados APP e de preservação
ambiental.

V. Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito

O processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais, pela ótica de suas


diferentes dimensões, reforça a necessidade do reconhecimento da formação de um
Estado Democrático, Social e Ecológico. Trata-se de um modelo de organização estatal
e jurídico-constitucional que não renega as conquistas dos direitos liberais e sociais
anteriores, mas as incorpora aos direitos ecológicos contemporâneos. Não há
preponderância de uma das dimensões de direitos sobre as outras, elas se congregam em
seus antagonismos e complementariedades. A própria noção de desenvolvimento
sustentável envolve o econômico, o social e o ambiental (WINTER, G.
Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia.
Millenium Editora, Campinas, 2009), o que também encontra perfeita sintonia com o
projeto constitucional de 88, o qual coloca como objetivos de nível constitucional da
República a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais (art. 3º, I e III),
o estabelecimento de uma ordem econômica sustentável (art. 170, VI) e o dever de
tutela ecológica atribuído ao Estado e à sociedade (art. 225). – p. 81-82
A preservação e a utilização sustentável e racional dos recursos ambientais
devem ser encaradas de modo a assegurar um padrõa constante de elevação da
qualidade de vida, sendo, portanto, o fato econômico encarado como desenvolvimento,
e não como crescimento (ANTUNES, P. B. Direito ambientanl. 7ª ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006, p. 23)). O conceito de desenvolvimento transcende,
subsbtancialmente, a ideia limitada de crescimento econômico (p. 216)
O Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito deve agir como um
regulador da ordem econômica, por exemplo, por intermédio da função extrafiscal da
tributação (p. 217). A pedra estruturante do capitalismo e do livre mercado, a
propriedade privada e os interesses de seus titulares devem ajustar=se aos interesses da
sociedade e do Estado, na esteira das funções social e ecológica que lhe são inerentes,
conforme artigo 170, CF (p. 218).
A exigência constitucional de estudos e relatórios prévios de impacto ambiental
(EIA/RIMA – art. 225, § 1º, IV; art. 10, da Lei n.º 6.938/1981 e Res. 237/1999 do
CONAMA) são exemplos de um mecanismo jurídico de ajuste e regulação da atividade
econômica, constituindo um dever fundamental, e um dever estatal de limitar o
exercício do direito de propriedade e a livre iniciativa dos atores econômicos privados
(p. 218-219).
O objetivo é congregar os direitos conquistados pelo Estado Liberal e pelo
Estado Social com os valores e exigências de um modelo ecológico do Estado
Democrático de Direito num mesmo projeto político-jurídico, em uma perspectiva
ampliada e integrada dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA)
– p. 201.
O mínimo existencial ecológico está integrado com a agenda da proteção e
promoção de uma existência digna em termos socioculturais, não se restringindo,
portanto, a um mínimo vital ou fisiológico (p. 222).
O Estado contemporâneo não pode ser reduzido a um Estado “Pós-Social”,
sobretudo porque os direitos sociais – e mesmo os direitos liberais – ainda não estão
satisfatoriamente assegurados e efetivados, até mesmo considerando um mínimo
existencial ecológico. Permanece a necessidade de tutela dos direitos sociais, ao que se
agrega a necessidade de tutela dos direitos ecológicos, agrupados sob o rótulo de
direitos fundamentais socioambientais (DESCA) – p. 206-207
Os DESCA objetivam assegurar as condições mínimas para a preservação da
qualidade de vida, aquém das quais ainda poderá haver vida, mas ela não será digna de
ser vivida. p. 207.
Podem ser considerados direitos sociais básicos tanto aqueles relacionados à
educação, formação profissional trabalho, alimentação, moradia, assistência médica e
tudo aquilo que, no decorrer do tempo, puder ser reconhecido como parte integrante de
uma condição de vida digna, o que é o caso da demanda por um meio ambiente
saudável (p. 207).
A CF/88 adota uma compreensão integrada e interdependente dos direitos
sociais e da proteção ambiental, o que constitui um dos esteios da noção de
desenvolvimento sustentável da República. Fala-se em um direito à água potável, o que
se dá por meio do direito ao sanemaneto básico, direito fundamental social integrante do
conteúdo do mínimo existencial; da alimentação sem contaminação química; da
moradia em área que não apresente poluição atmosférica, hídrica ou do solo (p. 208-
209).

VI. Direitos Fundamentais Socioambientais


A tutela integrada dos direitos sociais e da proteção ao meio ambiente, na
perspectiva dos direitos fundamentais socioambientais, agende a um critério de justiça
socioambiental, para além da ideia da justiça social, erradicando as mazelas
socioambientais que alijam parte significativa da população brasileira do desfrute de
uma vida digna e saudável, em um ambiente equilibrado, seguro e hígido (p. 83-84).
Os direitos fundamentais, em suas diferentes dimensões, complementam-se na
busca de uma tutela integral e efetiva da dignidade da pessoa humana, não havendo
primazia ou superioridade hierárquica entre tais direitos e, portanto, não sendo
adequado o uso do termo” gerações” para categorizá-los (p. 85).
Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana sadia e
digna, houve a opção do legislador constituinte por colocar tal direito como um valor
permanente e fundamental da República brasileira e, portanto, uma cláusula pétrea.
Eventual retrocesso nessa seara, com supressão parcial ou total do conteúdo do art. 225,
representaria violante flagrante aos valores edificantes do sistema constitucional (p.
100).
Os autores entendem que as violações massivas a direitos ecológicos no Brasil
justificam o reconhecimento de um “estado de coisas inconstitucional”, conforme os
parâmetros estabelecidos pela Corte Constitucional Colombiana (p. 106-107).
Os autores propõem um véu da ignorância ecológico, fazendo um paralelo com
o célebre exercício mental de Johon Rawls, de modo que os seres (humanos e não-
humanos) a elaborarem uma Constituição desconheceriam não apenas sua posição no
âmbito social da comunidade humana, mas tampouco a sua posição ou lugar existencial
no contexto mais amplo da natureza ou da comunidade biológica ou natural (p. 115-
116).
Não é possível adotar uma posição reducionista da dignidade da pessoa
humana, que não considere a dimensão ecológica (ou socioambiental). A dimensão
ecológica objetiva ampliar o conteúdo da dignidade da pessoa humana no sentido de
assegurar um padrão de qualidade, integridade e segurança ambiental mais amplo (e não
apenas no sentido de garantia da existência ou sobrevivência biológica), mesmo que
muitas vezes esteja em causa em questões ecológicas a própria existência natural da
espécie humana, para além mesmo da garantia de um nível de vida com qualidade
ambiental (p. 121).
O princípio da dignidade da pessoa humana é largamente inspirado pela
concepção kantiana de que o ser-humano é um fim em si mesmo, não podendo ser
utilizado como um meio para a satisfação de qualquer vontade alheia, seja do Estado,
seja de particulares (KANT, Critica da razão pura, p. 229). Tal entendimento revela a
atribuição de um valor intrínseco à vida humana pela sua mera existência, o que chama
a sua condição de sujeito nas relações sociais e intersubjetivas na comunidade político-
estatal. Tal condição separa a espécie humana dos demais seres não humanos e dos
abióticos. O ser humano, por sua racionalidade, ocuparia um lugar superior e
privilegiado em relação aos demais seres vivos (p. 126-127).

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