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Teóricas
Bibliografia:
— Metodologia jurídica, Castanheira Neves
Avaliação:
I. INTRODUÇÃO
B. Sentido da reflexão metodológica — ver O papel do jurista no nosso tempo, Castanheira Neves
Filipa R. G. 1
METODOLOGIA DO DIREITO
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3. De que modo é que o direito atua? É uma questão dirigida em pleno ao problema
metodológico. A questão em causa tem a ver com a realização (e não aplicação) do direito em
concreto, ou seja, com a exigência de reconhecer, no caso concreto da vida, o verdadeiro prius
metódico. Isto significa que o núcleo de identidade do direito deve ser procurado na resposta que
o julgador vai dar à controvérsia através da mobilização dos materiais jurídicos - deve-se
reconhecer na decisão jurídica concreta uma nova e irrepetível síntese de juridicidade, isto é, uma
nova assimilação jurídico-judicativa da realidade, mobilizando critérios normativos que, embora
referidos através da norma, transcendem na sua intenção e projeção normativas a própria norma.
A referência a estas perguntas permite compreender que um dos grandes problemas que
deverá ocupar a reflexão metadogmática é o problema metodológico, ou seja, de que modo o
julgador deverá mobilizar os materiais jurídicos para resolver as controvérsias.
Reconhece-se que a reflexão metodológica não pode deixar de refletir a compreensão que se
tem do direito. Não se pode colocar a pergunta de que modo o direito atua de forma neutra, isto
é, independente do sentido do direito.
3. Logos: Reflexão racional que vai, em muitas etapas, ser uma autoreflexão.
Esta conjugação permite falar aqui de uma reflexão racional discursiva sobre um percurso que
tem um determinado objetivo (que é a realização do direito em concreto como resposta ás
controvérsias, mobilizando os materiais jurídicos).
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Nas palavras do Dr.º Vale, há uma posição normativa sobre o que deve ser o método, que
deve ser definido antes da prática, ou seja, é um método a priori, deixando-se de pensar sobre
ele e faz-se apenas o que foi estabelecido.
Igualmente nas palavras do Dr.º Vale, assume-se que está imanente o método à prática
jurídica, havendo ou não consciência disso, e utiliza-se um método descritivo.
Stanley FISH tem uma visão das práticas e dos discursos muita próxima da referência a uma imanência
constitutiva e é cético quanto ao interesse que pode ter a reflexão metodológica.
De acordo com a sua compreensão, as práticas juridicamente relevantes (como quaisquer outras
práticas) distribuem-se por experiências coletivas auto-subsistentes e pelos critérios de correção
profissional que as distinguem, estabilizando-se assim em torno de projetos interpretativos e das rotinas
que estes institucionalizam. Poderíamos neste sentido falar da comunidade interpretativa dos juízes e
das situações institucionais que a autonomizam, distinguindo-a das comunidades interpretativas dos
advogados, dos juristas académicos (dogmáticos ou metadogmáticos), dos não juristas, etc. Sendo certo que
por comunidade interpretativa se entende assim um conjunto dinâmico de referentes (cânones,
códigos linguísticos e extralinguísticos, projetos de realização, materiais canónicos, processos de textualização-
retextualização, intenções de leitura, canais expressivos, representação de auditórios), em permanente
Assim, toda e qualquer tentativa de reflexão metodológica com uma intenção prescritiva ou crítica
estaria condenada à improdutividade de um cálculo teorético, dominado por exigências e códigos
discursivos estranhos à prática em que pretende intervir. Por outros palavras, estar a refletir sobre o
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Em todo o caso, mesmo que esta reflexão se mostrasse concludente, ela não escaparia, no entanto,
hoje, a uma outra dificuldade que é a das ameaças que se dirigem à integridade destres grupos e micro-
grupos. Ameaças que comprometem a unidade dos sociolectos e dos cânones profissio-
nalmente mobilizáveis e a plausibilidade das situações institucionais que estes garantem, na mesma
medida em que fragmentam o projeto interpretativo e as finalidades que o iluminam.
A resposta é negativa. Hoje temos de evitar estas duas atitudes, a primeira no sentido de que
refletir sobre a prática dos julgadores não pode ser desenhar um esquema teorético
perfeitamente definido e acabado antes da prática e só depois seguir essa prática, mas também
não estão em condições de ter a tranquilidade de imanência constitutiva e uma das razões que o
impede é a pluralidade e fragmentação que atinge essas práticas. Significa que a reflexão
metodológica de hoje deverá procurar um tipo de relação entre o logos e o método que não seja
nem de pura imanência constitutiva (não pode ser meramente descritiva) nem de exterioridade
construtiva (não pode ser totalmente prescritiva), que seja antes um tipo intermédio (ponto 3.).
A reflexão metodológica como uma reflexão do que os juízes devem fazer (sobre o seu modus
operandi realizável) para corresponderem às exigências de sentido que caraterizam a função
judicial, ou seja, a resposta que o direito deve dar às controvérsias. Portanto, a reflexão
metodologia tem de ter uma componente (analítico-)descritiva e uma componente normativa ou
prático-constitutiva.
Nas palavras do Dr.º Vale, apela-se ao sentido do direito, enquanto fundamento constitutivo e
instância crítica da ação.
Para explorar o (quase) diferendo a que o pensamento jurídico contemporâneo nos expõe
sempre que se trata de enfrentar o problema da jurisdictio (e de identificar as intenções de
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1. Opõe o normativismo(s), funcionalismo(s) e jurisprudencialismo [α)];
2. Mobiliza o contraponto discursos da sociedade/discursos da comunidade (ou da
dialética comunidade/sociedade) [β)];
A especial importância que a primeira e a última destas grelhas de distribuição assumem para
a compreensão do campo temático e do objeto intencional do problema metodológico.
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O direito não tem autonomia, ou seja, não terá exigências ou aspirações específicas, ele é
um mero regulativo com vocação instrumental. Portanto, trata-se de pensar o direito ao serviço
de fins extra-jurídicos (ordem política, económica, social, etc.).
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No que diz respeito à tese de continuidade discursiva entre legislação e jurisdição, ela pode
ser explicada por vias diferentes:
• Por uma via formalista (próxima das abordagens normativistas que foram cultivadas pelo
discurso do séc. XIX): Estas propostas (integrais ou globais) são compatíveis com a tese
de continuidade, porque, na perspetiva normativista, o direito se identifica com um
conjunto de enunciados que têm certas caraterísticas e esse direito existe em abstrato e é
constituído por esses enunciados na sua autosuficiência racional. Portanto, criar direito,
que é a tarefa do legislador, para uma perspetiva normativista, é criar uma norma geral e
abstrato e não há outro modo plausível de constituir o direito. Logo, o que identifica o
direito como direito é essa universalidade racional.
• Por uma via funcionalista material ou pragmática (Hans Albert): Não se fala aqui de uma
racionalidade dedutiva, mas uma racionalidade instrumental ou teleológica, na medida em
que se permite dizer que a legislação quando atua, atua fundamentalmente através de
programas finais ou de fins. Isto significa que quando estou perante uma posição
legislativa estou fundamentalmente perante uma escolha estratégica de determinados
objetivos a atingir através de meios/recursos que se consideram adequados à
prossecução desses mesmos objetivos. Para dizer que há uma definição de estratégias
num plano global, fazendo-se as escolhas quanto aos fins e quanto aos meios a utilizar.
Aqui a jurisdição já não tem uma tarefa de mera aplicação, tem antes uma tarefa de
executar a estratégia e de a maximizar.
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• Friedrich HAYEK faz aqui uma distinção entre nomos (jurisdição, ou seja, a prática do juiz)
e tesis (lei do legislador). Esta oposição acentua a exigência de descontinuidade
discursiva, na medida em que diz que o direito que é assumido pela jurisdição é diferente
daquele que é prescrito pela legislação. Este será assentado em escolhas, fins e
deliberações políticas e aquele será um direito referido a uma ordem de validade, pelo
que o julgador, ao responder às controvérsias, não está pura e simplesmente a aplicar a
lei, mas fundamentalmente a levar a sério as exigências do direito como nomos, na sua
validade. Embora vinculado às prescrições legislativas, estas terão de ser
experimentadas/trabalhadas com as exigências dos valores da ordem do nomos. Posto
isto, não há continuidade entre legislação e jurisdição, na medida em que à primeira
compete a realização de políticas públicas e à segunda realização em concreto da
validade do direito.
A questão que hoje se coloca é se quando estamos a considerar uma lei podemos ou não
identificar o critério que aparece associado a essa lei preservando essa pureza jurídica. A
resposta é negativa. Hoje nós temos um entendimento distinto das prescrições
legislativas. Sabemos que elas admitem em determinadas circunstâncias sacrificar a sua
universalidade racional e, sobretudo, quando se fala hoje na lei estamos inevitavelmente a
reconhecer uma manifestação que é simultaneamente do sistema jurídico e do sistema
político, ou seja, não há qualquer dúvida de que na conformação da lei intervêm
claramente intenções político-sociais ou ideológicas.
Posto isto, estamos longe da visão iluminista que reconduzia a lei a uma pura
universalidade racional que seria integralmente jurídica. Hoje reconhece-se que a lei são
construções que obedecem a compromissos políticos e ideológicos.
Se a lei tem esta marca política ou ideológica, estamos em condições de poder dizer que
a relação entre legislação e jurisdição se alterou, desde logo porque se a lei assume
novas tarefas não poderá já caber à legislação aquilo que o iluminismo pretendia que
coubesse. No fundo, a legislação aparecia na sua universalidade racional como o garante
da autonomia do direito, integralmente objetivada em leis que eram normas gerais e
abstratas. Há aqui que reconhecer que o papel da jurisdição não deve ser reconhecido
como complementar, porque a jurisdição poderá ser responsabilizada diretamente pela
preservação dessa autonomia do direito.
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Por conseguinte, a tese principal é a da descontinuidade, mas, em todo o caso, não estão
excluídas algumas relações entre legislação e jurisdição.
Note-se ainda que se deve distinguir claramente o que é o critério jurídico-legislativo e o que é
o critério jurídico jurisprudencial/judicial. Este último é o critério do caso concreto (e nunca uma
regra ou norma geral ou abstrata), que resultará em decisões concretas e exemplares.
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1. Considerações introdutórias
Quando pensamos na realização do direito em concreto estamos a pensar no modus operandi
do juiz. Contudo, antes de olharmos para esse modus operandi, temos de saber que tipo de
discurso racional (racionalidade) está a ser desenvolvido.
Será que está em causa um único ou vários tipos de racionalidade? A resposta dependerá
do momento da história da prática jurídica em que nos encontrarmos. P. ex., no século XIX
tendeu-se a pensar a racionalidade apenas em função do discurso científico e isso representou
um processo de contenção e até mesmo de rejeição/renúncia de certos tipos de racionalidade
que tinham desempenhado um papel importante num contexto pré-moderno. Já no século XX
houve uma revitalização da pluralidade dos discursos racionais e na segunda metade ainda
desse século foram feitas várias tentativas para sistematizar os tipos de racionalidade, o que, no
nosso contexto ocidental, sempre tendeu a regressar ao livro VI (as virtudes intelectuais) do texto
Ética a Nicómano, de ARISTÓTELES. Este texto trata de um conjunto de práticas que têm
intenções diferentes no modo como se dirigem à verdade e tipifica os vários tipos de
racionalidade que correspondem a um esquema plural (que ainda hoje se fala).
A resposta atual é que o direito tem assumido nas suas práticas diferentes racionalidades,
logo podemos hoje falar de uma pluralidade de tipos de racionalidade.
2. Racionalidade teorética (diz-se teorética porque a palavra teoria, em grego, significa contemplação):
Baseia-se num esquema sujeito-objeto, ou seja, numa relação entre possíveis
enunciados que o sujeito produza e a realidade/objeto que esse sujeito está a observar.
Temos um sujeito que está a contemplar ou a dirigir-se a um objeto (que pode ser
variado, p. ex., normas, comportamentos, decisões, enunciados linguísticos, etc.) para
o descrever, compreender ou experimentar, com a pretensão de o conhecer. O esquema
é determinado pela adequação dos enunciados, que serão verdadeiros/válidos se
corresponderem à realidade descrita.
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- Nem numa racionalidade prática, pois, apesar de ter uma importante projeção
na prática, não é uma prática sujeito-sujeito.
1. A conceção do sistema assumida pelo jusracionalismo moderno do século XVII (de GRÓCIO até
WOLF) enquanto verdadeiro direito natural racional (um conjunto de princípios e normas que,
tendo implicações ao nível de conteúdo, seriam normas que todos nós - enquanto sujeitos
racionais – poderíamos e deveríamos conhecer - por sermos seres de razão). O Direito que a
razão conhece era um edifício perfeito devido à consistência lógico-sintática entre as normas,
pois elas partiam e eram deduzidas do mesmo axioma/premissa.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Na Ética a Nicómano há uma virtude intelectual que tem como intenção cognitiva a
contemplação desses valores últimos constitutivos da ordem da polis - trata-se da virtude da
sophia (sapiência).
Este elemento natural tem dificuldade em se impor no nosso tempo, pois a cultura passou a
ser vista do ponto de vista da historicidade.
A ideia moderna de discurso científico é sustentada num discurso teorético, mas um discurso
teorético que é diferente do discurso teorético-especulativo, porque se trata de partir da
observação da realidade que se diz, à partida, física e já não metafísica. É um discurso
epistémico ou científico porque se contempla ou descreve um conjunto de fenómenos naturais
(de existência física) e o objetivo deste discurso é reconstituir conexões entre fenómenos ou
conjunto de fenómenos que permitam dizer que quando um dos fenómenos se verifica há um
determinado grau de probabilidade de se verificar outro fenómeno. Ou seja, considera-se
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METODOLOGIA DO DIREITO
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No séc. XX, Karl POPPER levou a que se questiona-se o método da indução. Segundo ele,
tem de se fazer um exercício de falsificação ou refutabilidade. Nunca se tem a certeza absoluta
se se chegou a uma hipótese de regularidade verdadeiramente verificada. O que a ciência deve
fazer é procurar pela negativa, como que procurando incessantemente fenómenos individuais
que ponham em causa as hipóteses de regularidade já aparentemente testadas e consagradas.
Esta preocupação de usar o direito como ciência, ao longo da história do pensamento jurídico europeu,
teve momentos conhecidos. A tentativa mais forte e com mais êxito foi a ciência do direito do século XIX
(ciência dogmática do Direito). Esta ciência dogmática do direito, construída sobre positivismo, é orientada
por uma intenção epistémica, mas, se virmos com atenção, o objeto é insólito. O objeto da ciência
dogmática do direito são as normas (enunciados normativos) e não factos ou fenómenos. As normas
aparecem com enunciados (de dever-ser) mais ou menos dispersos/fragmentados (como no modelo
alemão, em que havia um certo pluralismo nas fontes de direito, porque se entendia como fonte do direito
o costume) e que para serem cognoscíveis têm de ser trabalhadas. Tudo isso permite-nos perceber que a
ciência do direito de que estamos a falar não é uma ciência estritamente empírica, mas uma ciência
analítica.
Já no final do século XIX, passou a entender-se que a ciência que importa ao direito não deve ser
analítica, mas sim empírica e no século XX EHRLICH vem dizer que o que o direito, enquanto dimensão da
realidade social, deve estudar são os comportamentos presentes nessa realidade, ou seja, demos-se, em
primeiro lugar, dirigirmo-nos aos comportamentos a que as normas se dirigem.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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2.º degrau (instrumental): Escolha dos meios/recursos que sejam aptos/adequados, no plano
funcional e no plano instrumental, para prosseguir esse objetivo/fim. Esta escolha não pode ser
uma escolha puramente intelectual, tem de ser uma escolha com base em informações rigorosas
que só as ciências podem dar. Assim, a escolha dos meios tem de ser eficaz, ou seja, o meio tem
de se adequado prosseguir o fim definido.
3.º degrau (estratégico): Após a seleção dos vários meios/recursos, tem de se escolher qual
de entre eles se deve privilegiar, pois, em abstrato, todos eles podem ser eficazes, mas, em
concreto, nem todos são de igual modo eficientes, considerando-se eficiente aquele que permite
atingir o fim com maximização dos benefícios e minimização dos custos.
Hans ALBERT, influenciado por POPPER, defende para o Direito uma engenharia social, ou
seja, ele quer substituir o formalismo do direito por uma tecnologia. Segundo ele, isso faz-se
através do uso as ciências sociais. Tudo começaria no legislador e nas suas estratégias,
escolhendo-se fins e depois discutindo-se, à luz da ciência, a sua realizabilidade. Assim, a
racionalidade dominante no direito seria a estratégica-instrumental.
François OST distinguiu várias imagens do juiz que se foram sucedendo ao longo do tempo. A
imagem que ele associa ao Estado Providência e que associa, sobretudo, à dimensão mais
instrumental e tecnológica é a ideia do juiz-gestor-administrador, ou seja, o juiz que é tático e que
vai ter como preocupação fundamental maximizar as estratégicas do legislador, ponderando os
custos e os benefícios da execução dessas estratégias. Já não é o juiz-árbitro do liberalismo, que
era um juiz meramente aplicador lógico-dedutivo da lei.
5. A racionalidade prático-prudencial
A racionalidade prática tem uma índole estrutural associada a um esquema sujeito-sujeito. Em
termos gerais, se explorarmos essa estrutura, podemos imediatamente reconhecer dois traços
fundamentais complementares um do outro:
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METODOLOGIA DO DIREITO
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A verdade é que aqui a dialética aparece associada duas outras disciplinas: tópica e
retórica.
A racionalidade prática teve importância na cultura clássica e medieval, mas quando se entra
na modernidade ela começa a ser subalternizada ou mesmo rejeitada em bloco, isto porque
aquilo que é prática passa a ser visto pela perspetiva da ciência e acaba por ser assimilado por
uma técnica/operatória (poiesis-technê - relativa ao movimento-kinésis das produções-criações e a
mobilizar a technê e as suas operatórias como uma dimensão indissociável). Todavia, na segunda
metade do século XX (anos 60 e 70), começou a falar-se, em termos intensos, de uma
reabilitação/recuperação da filosofia prática. Tal movimento de recuperação da racionalidade
prática não poderia deixar de atingir o direito e atingiu, sobretudo, por três vias:
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Há um confronto que pode ser feito com o discurso científico. Quando se está
perante um problema que surge num contexto da prática científica, esse problema é
sobretudo uma resistência/dificuldade que parece pôr em causa uma hipótese e
que tem de ser explicado. Esse problema é sempre um problema que é o ponto de
partida, mas como que desaparece ou é assimilado pela produção dos enunciados
que constituem o que se chama o explanando - utiliza-se uma série de enunciados
para explicar um fenómeno e esses enunciados vão assimilando o fenómeno num
contexto de hipótese de regularidade mais geral. A diferença em relação ao
pensamento prático é que neste o problema nunca é assimilado, ele só é assimilado
no fim com a resposta à controvérsia.
Theodor VIEHWEG, nos anos 50 e 60 do século XX, procura mostrar que o discurso
jurídico, naquilo que ele tem de específico, terá sido sempre, desde o contexto
romano, fundamentalmente um discurso orientado por problemas e que foi a
modernidade que alterou esse equilíbrio, passando a dar prioridade à norma. No
fundo, o direito é, sobretudo, uma tarefa prática de resolução de problemas
concretos e o ponto de partida (o prius condutor) deve ser o problema concreto.
Chaïm PERELMAN, com a sua nova retórica, procura mostrar que o discurso
jurídico é diferente da demonstração teorética. Ele é um discurso sustentado em
estruturas retóricas e os argumentos se construam por referência a um auditório
universal ou com referências de universalidade.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Nesta reabilitação da tópica há uma dificuldade. A tópica clássica podia contar com
o apoio de valores necessários ou indisponíveis (ou seja, com o apoio da sophia) -
havia uma referência tranquilizadora a uma ordem de validade que não era uma
construção humana e, não o sendo, aparecia com caráter de necessidade, ou seja,
havia contingência, pluralidade ou variabilidade. Já no momento de reabilitação da
filosofia prática esse apoio não existe, pois passa-se a estar entregue a uma
circularidade prática e passa-se a entender os valores como construções humanas
ou comunitárias que vão evoluindo à medida que se resolve problemas e isso
acontece porque se invoca os topoi.
Esta acentuação do consenso e do seu papel é uma ideia que pode ser
diretamente posta em causa pela nossa compreensão do discurso jurídico.
Desde logo, porque falta introduzir uma referência ao verdadeiro papel do
terceiro julgador. Este, quando se considera o seu modus operandi, não
deve atuar como um mero mediador ou árbitro e, na verdade, a solução
obtida não é a solução que as partes construíram. Esta acentuação do
consenso poderá ser sustentada para certas modalidades alternativas (à
jurisdição) de obtenção de soluções, que merecem uma lógica de mediação.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Posto isto, aqui a tópica falhará ao definir aquilo que é o discurso jurídico.
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Acentua que a racionalidade prática tem a ver com a determinação de sentidos que
são objetivados através de textos (texto enquanto categoria ampla que envolve
manifestações que estão para além da textualidade escrita, pode ser um gesto, uma atitude,
p. ex.).
A tendência quando se projeta a hermenêutica no direito é para não ficar por esta
reflexão filosófica, mas para a conversar esta hermenêutica naquilo que GADAMER
sempre resistiu que essa hermenêutica fosse, num método de interpretação.
Realmente, há aspetos da hermenêutica como filosofia que são fascinantes e que
podem ser facilmente convertidos num método, mas essa conversão pode ser
duvidosa, principalmente ao nível das condições da compreensão. Quando nós
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Será que posso dizer que o caso jurídico é pura e simplesmente uma situação de
interpretação, ou seja, uma situação hermenêutica? Quando o julgador vai
experimentar ou mobilizar uma norma ou princípio, ele vai lê-los a partir da sua
situação e o caso concreto (que é o ponto de partida) faz parte da sua situação,
apesar de esta não se esgotar nele. Na perspetiva da hermenêutica, o caso é, na
verdade, como que mais um elemento a acrescentar à situação do leitor. Se nós
virmos assim as coisas, tendemos a reconduzir o modus operandi do juiz a uma
interpretação compreensiva, logo, para a hermenêutica, a intenção do julgador é
compreender bem o texto. Há aqui uma instância descaraterizadora do juízo
decisório concreto. Do que se trata é de responder adequadamente a problemas e
não compreender ou interpretar os textos, ou seja, a interpretação deve ser jurídico-
decisória e não compreensiva ou interpretativa. De qualquer modo, os textos
importam porque é deles vão ser extraídos critérios que ajudarão a julgador a dar
resposta ao problema. No fundo, o que importa é extrair dos textos critérios
adequados à relevância específica do problema, portanto a intenção não é
compreensiva, mas normativa. Assim, se insistirmos na interpretação compreensiva
acentuávamos a exigência de compreender os textos o melhor possível e o
problema não é esse, mas sim extrair desses tectos critérios adequados a resolver
problemas concretos.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Como o nome indica, tem fundamentalmente a ver com o discurso que se contrói
quando se conta uma história e contar uma história significa dar especial coerência
(dar princípio, meio e fim) a uma acontecimento, real ou ficcional, e usar recursos,
desde logo, linguísticos e discursivos, que são heterogéneos.
(2) Essa racionalidade, enquanto racionalidade prática, não será compreensível nas suas
exigências e no seu sentido se a quisermos reduzir a cada um daqueles tipos, ou seja, não se
pode pensar a racionalidade do juízo decisório como uma racionalidade estritamente
hermenêutica, tópica ou retórica. É assim porque o que acontece no mundo prático do direito
é que ele oferece - a partir da sua própria prática (institucionalização) - especificidades que
não são suscetíveis de ser absorvidas por estes modelos gerais.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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(c) a dimensão dogmática (a tercialidade do sistema jurídico e das suas práticas de
estabilização)
(d) a dimensão praxística (ou judicativo-decisória), levada a sério como uma praxis de
realização (identificadora de casos jurídicos)
Trata-se de dizer que a resposta ao problema da controvérsia vai ter uma componente
decisória, mas esta vai ter de der trabalhada na perspetiva do sistema, ou seja, tem de se
desenvolver um exercício de experimentação do sistema e tem de se chegar a uma resposta que
seja uma realização conseguida, em concreto, isto é, adequada ao caso daquele sistema. Assim,
o que se espera é que as possíveis decisões sejam suscetíveis de ser racionalizadas enquanto
juízos julgamentos.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Vamos refletir sobre a possibilidade de um esquema metódico que nos permita perceber
verdadeiramente em ação o que vimos poder ser esboçado como uma racionalidade problema-
sistema.
A pretensão do Método Jurídico do século XIX, que aparece designado como se fosse O
Método Jurídico, é procurar definir um método que, sem discussão e sem alternativa – como
assimilado quase que naturalmente –, se possa impor como o verdadeiro método do pensamento
jurídico.
Esta acentuação ajudar-nos-á a perceber a possibilidade de podermos, eventualmente, estar a assistir no nosso
tempo (últimas décadas do séc. XX e inícios do séc. XXI) à construção de um novo método jurídico. Aquilo que se
poderá entender como novo método jurídico corresponderá à representação de um êxito de certas propostas no
âmbito do discurso académico, dogmático e jurisprudencial - a teoria standard de argumentação (ROBERT ALEXY).
Este paradigma jurídico que corresponde, quanto ao modus operandi do juiz, ao paradigma
normativista da aplicação, foi superado e perdeu o seu estatuto de paradigma (apesar de ter sido
assimilado por outros, como a corrente neoformalista) e passou a ser um pensamento entre muitos
outros.
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METODOLOGIA DO DIREITO
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Nos finais do séc. XVIII, sobretudo por influência da Escola Histórica, o que vai acontecer é
uma exigência de separação do direito do pensamento jurídico:
• O direito - remete-se claramente para a ciência dogmática do direito - tem intenções práticas
de conformação da realidade (os comportamentos humanos encontram padrões-
referência no direito para avaliar uma conduta como valiosa ou desvaliosa) e é um dever-
ser que como tal tem uma intenção prático-normativa e deve ser assumido na sua
autonomia, enquanto sistema autosuficiente e racional de normas.
• O pensamento jurídico não deve ter a índole que tem o direito, pois a tarefa do
pensamento jurídico é conhecer e trabalhar cientificamente o direito que existe - o
pensamento jurídico aspira-se a converter numa verdadeira ciência. Quando se defende
que o direito (ciência dogmática do direito) é o objeto do pensamento jurídico, estamos a
dizer que o direito pode ter índoles práticas, mas o pensamento jurídico tem e deve ter
exclusivamente intenções cognitivas/de verdade, de conhecimento do direito que é e não
do direito que deve ser.
Contudo, não se trata de autonomizar a ciência dogmática do direito como uma qualquer
ciência que tenha por objeto o direito, trata-se de querer construir uma ciência que seja jurídica,
ou seja, que seja verdadeiramente autónoma e que se distinga das outras (desde logo da perspetiva
sociológica do direito e da perspetiva política do direito). Tal não deixa de ser paradoxal - por um lado,
quer-se construir um discurso científico com todas as exigências de independência e de
neutralidade que compete num objetivismo teorético e, por outro lado, sustenta-se que se tem
encontrar uma marca de água que distinga esta ciência como ciência jurídica.
Como é que se resolveu esta dupla pretensão? A solução será a da assunção por uma certa
perspetiva do Direito e essa perspetiva é a perspetiva normativista. Na verdade, quando estamos
a considerar o objeto direito, estamos a considerar um sistema de enunciados de dever-ser, ou
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METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
O Direito, nesta perspetiva normativista (que tem contributos dos vários jusracionalismos e que se
começa a construir em finais do séc. XVI e princípios do séc. XVII), sustentava que os conteúdos/
significações juridicamente relevantes que nós encontramos em enunciados universalmente
racionais, ou seja, nas normas, são conteúdos que nós estamos em condições de conhecer e de
determinar em abstrato, pois eles estão dados em abstrato. Isto porque o Direito é um modo de
ser abstrato que existe num sistema coerente de normas e que é assumidamente unidimensional
- o que constitui o direito são esses enunciados que obedecem ao programa se-então.
Porque é que isto resolve de alguma forma as tensões? Porque, no fundo, passa-se a dizer
que o objeto que a ciência do direito tem de conhecer e trabalhar cientificamente é constituído
pelos enunciados/proposições de dever-ser com as caraterísticas referidas supra.
Este ponto de partida, ao atribuir à ciência do Direito um objeto específico (ciência do Direito =
ciência de normas), vai:
Esta ciência do direito, como é uma ciência dogmática do direito, tem efetivamente uma
ambição de racionalizar teoreticamente a prática e de se sujeitar a ela. É esta nota que a
distingue o normativismo do século XIX dos outros normativismos que encontramos no século
XX, nomeadamente o normativismo HANS KELSEN.
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METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Assim, o prius metodológico tem de ser a norma levada a sério como premissa, porque se o
prius fosse o caso correríamos o risco de condicionar a universalidade da norma (ela não seria a
expressão geral da vontade).
Todo o método do séc. XIX se desenvolve neste propósito – há aqui um conjunto de tarefas
para que seja possível em termos práticos aplicar o direito lógico-dedutivamente.
JHERING fala de operações, todas elas prévias, que têm de ser desenvolvidas, pois a
verdadeira ciência do direito acontece antes da aplicação e que são da competência da
jurisprudência inferior. A aplicação é como que um momento técnico exterior ao verdadeiro
método científico, ainda que complementar, na medida em que só depois do tratamento do
direito é que estamos em condições de o aplicar.
Note-se que a palavra técnica é usada num sentido muito amplo para identificar todo o
método.
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METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Este dois rótulos não têm de se sobrepor/coincidir, até porque há normativismos que não são
legalistas e vice-versa:
• Quando defendo o legalismo, está-se defender uma posição no plano da teoria das
fontes. Está-se a dizer que o único modo válido de constituição e manifestação do direito
é aquele que corresponde à experiência legislativa.
Posto isto, a primeira tarefa do Direito será a de simplificar estes materiais. Esta primeira
operação, a que se chama patamar inferior ou imediato, diz-se de análise jurídica que é uma
tarefa pensada como simplificação porque vai funcionar numa sequência de degraus. Tal
operação é da competência da jurisprudência inferior no seu primeiro contacto com estes
materiais (usa-se aqui o termo jurisprudência como ciência do direito e não decisão judicial).
Trata-se de conhecer este direito-objeto complexo e procurar diminuir a sua complexidade
reconstituindo os materiais consuetudinários e as regras do corpus iuris civilis em enunciados - é
Filipa R. G. 27
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Temos, assim, uma conjugação da perspetiva que não é legalista no plano das fontes com
uma perspetiva normativista.
(b) o tratamento das objetivações (simplificações) garantidas por esta Technik (e das
proposições em que estas culminam) como condições de possibilidade de uma prática
racional e da arte-Kunst que a torna possível.
É desta tarefa, que surge na sequência da primeira (porque se trata de, sob influência da
Escola Histórica, introduzirmos uma seleção ligada aos problemas/institutos), que resultam os
princípios gerais de direito para o positivismo normativista.
Contudo, note-se que os princípios serão obtidos a partir das normas e reproduzem no seu
núcleo aquilo que as normas já dizem, mas não são direito vigente (o direito vigente é constituído
exclusivamente pelas normas), nem podem ser invocados como fundamentos, nem fazem
concorrência à norma. Isto porque faz-se um exercício de generalização, o que significa que o
seu conteúdo reproduz fielmente o conteúdo das normas, mas reproduzem-no mais
sinteticamente.
Tal é importante porque os princípios gerais do direito, enquanto enunciados fornecidos pela
ciência do direito, permitem uma maior facilidade em reconhecer o que é fundamental e auxiliam
os juristas a conhecerem melhor o Direito, pois em vez de considerar a teia complexa de normas,
o jurista irá recorrer ao princípio para compreender melhor o domínio dogmático daquela norma.
Filipa R. G. 28
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
O que está aqui em causa trouxe muito exageros. Esta ciência do direito, ao
isolar-se dos problemas, passou a debater-se com questões relativas aos
conceitos que não tinham repercussões na realidade e fez-lo com a intenção
teorética de querer mostrar qual era a unidade que existia entre as normas.
Filipa R. G. 29
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
SAVIGNY, nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, resistiu sempre à
codificação por entender que esta representava um modelo que sacrificaria a
força da emergência do direito na histórica. Já no final do séc. XIX dá-se este
passo para que um Código seja capaz de assimilar o discurso científico que
foi construído ao longo daquelas décadas.
— por outro lado, como um momento metódico estanque (rigorosamente sustentado em abstrato)
que enquanto tal postula - pressupõe o sistema de conceitos e o seu tecido lógico.
Ora de tal modo que interpretar seja atribuir à norma-texto um único sentido, mas também integrá-la
no sistema-pirâmide e em simultâneo e indissociavelmente explicitar este último (na sua auto-
subsistência dogmática e nas possibilidades que esta autoriza), entenda-se, recorrer à perspectiva
categorial-classificatória oferecida pelo sistema para em última instância vencer a indeterminação
linguística de que o texto-objecto padece (interpretação dogmática).
Sem esquecer que se trata de assumir uma conceção radicalmente constitutiva da textualidade:
reconhecendo assim que não há direito antes do texto e das componentes linguístico-estruturais que o
caracterizam «O texto é compreendido em termos não apenas expressivos, mas constitutivos: (...) a
significação jurídica é constituída exclusivamente pelo texto e só no texto, no seu conteúdo significativo,
deve ser procurada...»[CASTANHEIRA NEVES].
Filipa R. G. 30
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
A aplicação como um momento já por assim dizer exterior ao Método (a pessupor este como ciência
e a justificar-se assim como uma «operatória»-techné lógico-dedutiva). A aplicação (aos casos concretos)
do Direito (daquele Direito) que — graças aos dois momentos anteriores (e à sua concertação) — se nos
impõe (se nos imporia) pré-determinado em abstracto: o esquema lógico do silogismo subsuntivo a
garantir a relação entre o geral e o particular sem implicações normativas.
A representação prescritiva do «juiz árbitro» (OST), racionalmente autónomo (pouvoir neutre, pouvoir
nulle) e que se limita a pronunciar em concreto as palavras que a norma prescreve em abstracto [la
bouche qui prononce les paroles de la loi do positivismo exegético, o julgador vinculado à teoria
científica (e especialista em «casos jurídicos líquidos») do positivismo conceitual]. «A identidade entre o
pressuposto aplicando hermeneutico-sistematicamente determinado e o resultado da aplicação»,
admitindo-se que este último (no plano da juridicidade relevante) nada acrescenta ao primeiro. A
aplicação como momento técnico exterior (não confundir com a «técnica jurídica» de que JHERING nos
fala para identificar o «momento» científico»!), momento técnico exterior este que, na sua «estrita
logicidade ou dedutividade», nem sequer constitui(ria) um autêntico «problema».
Uma coisa será a teoria da interpretação típica do séc. XIX e outra a teoria tradicional da
interpretação, que se considera herdeira direta desta teoria do séc. XIX, mas que depois, ao
longo do séc. XX, embora persistindo em alguns dos pilares fundamentais da teoria do séc. XIX,
se foi abrindo a outras soluções. P. ex., foi considerando, ao nível da interpretação, relevância do
momento teleológico, o que era, ao nível da teoria da interpretação do séc. XIX, um elemento
Filipa R. G. 31
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
A sua origem, ao nível de método jurídico, passa pela distinção de quatro grandes problemas
(que apesar de diferentes, são complementares) que ainda hoje identificamos, à partida, ao falar
de uma teoria da interpretação – o objeto da interpretação, o objetivo da interpretação, os fatores
da interpretação e os resultados da interpretação.
O texto por identificar nas suas caraterísticas (universalidade e racionalidade) o direito como
direito remete para:
• Uma compreensão constitutiva do texto: Isto significa que é o texto, nas suas
caraterísticas, a identificar o Direito, ou seja, a dizer-nos o que é válido e o que não é - o
texto define a juridicidade na sua plenitude.
Filipa R. G. 32
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Filipa R. G. 33
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Esta teoria da interpretação vai exigir que o intérprete siga cronologicamente um conjunto
de etapas que têm de ser respeitadas:
1. Apesar de o texto não se confundir com a sua relevância gramatical, não deixa no
entanto esta (enquanto letra) de, na perspetiva tradicional que nos ocupa, desempenhar
uma função autónoma, inconfundível com a dos outros elementos textuais (o histórico
ou o lógico-sistemático). Uma função que, por se nos impor com uma prioridade
Filipa R. G. 34
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Filipa R. G. 35
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
• A letra não atua sozinha aqui, como acontece no primeiro momento, a letra será
conjugada com o elemento histórico e com o elemento sistemático. Nesse sentido,
o intérprete pode não escolher o sentido mais natural, pois, se o elemento histórico
e o elemento sistemático o permitirem, ele pode selecionar um sentido que, ainda
sendo permitido pela letra, não é o mais natural, ou seja, que é mais forçado. No
fundo, esta escolha de sentidos permitidos, mas que são menos naturais, vão estar
em causa quando fazemos uma interpretação extensiva, restritiva e enunciativa.
Esses sentidos menos naturais são aqueles que, por corresponderem a utilizações
menos habituais (menos comuns, menos imediatas) dos elementos linguísticos em
causa, podemos à partida cobrir com a máscara dos chamados candidatos
neutros.
Posto isto, dentro dos sentidos permitidos é como se pudéssemos dizer que há um
conjunto de significações/sentidos que sem sombra de dúvida cabem nas possibilidades
da letra, porque no fundo correspondem aos tais sentidos mais naturais/habituais - os
candidatos positivos, segundo JELLINEK (território da certeza positiva).
Filipa R. G. 36
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
(1) [Subjetivismo] A reconstituição de uma certa intentio auctoris, dita voluntas ou mens
legislatoris:
Filipa R. G. 37
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
• O conteúdo da lei como aquilo que se reconhece ter sido querido e pensado pelos
legisladores-criadores como homens empíricos concretos;
• A interpretação como tentativa filológico-histórica de tirar dum produto espiritual o
pensamento que o seu autor lá depôs e de assim mesmo repensar o passado.
(2) [Objetivismo] A reconstituição de uma certa intentio operis, dita mens legis: que
abstrai do legislador real para se concentrar no sentido que o texto legal-corpus
encarna e exprime autonomamente (no seu contexto objetivo de significação,
independentemente do seu sujeito-autor).
É decisivo não o que o autor da lei quis, mas o que quer a própria lei (KOHLER)
Com o acto legislativo, dizem os objectivistas, a lei desprende-se do seu autor e adquire uma existência
objectiva. O autor desempenhou o seu papel, agora desaparece e apaga-se por detrás da sua obra. A
obra é o texto da lei, - a vontade da lei tornada palavra - o possível e efectivo conteúdo de pensamento
e de vontade imanente à lei e de futuro o único decisivo (ENGISCH)
Se optar por uma visão mais objetivista posso dar uma maior relevância ao elemento
sistemático que me permita atribuir à norma um sentido que terá no momento em que está a ser
utilizada e isso significa que posso, invocando esse mesmo elemento sistemático, acabar por
optar por um candidato neutro.
Filipa R. G. 38
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
• Mas pode também ter seleccionado um sentido que não sendo o mais natural é ainda um
sentido possível, o que significa evidentemente referir-se ao território que corresponde
aos candidatos neutros (interpretação extensiva, restritiva e enunciativa).
Reparemos que as formulações da teoria tradicional são pouco felizes (na identificação das
suas próprias exigências) quando nos dizem que:
— A interpretação restritiva é aquela em que nos damos conta de que a letra vai além do
espírito do legislador ou do pensamento legislativo;
— A interpretação extensiva é aquela que se cumpre quando reconhecemos que a letra ficou
aquém do espírito.
Na perspetiva tradicional que nos ocupa não se trata em rigor, nem de restringir, nem (muito
menos) de alargar a letra para a fazer coincidir com o espírito (neste último caso pareceria mesmo
que estaríamos a saltar para além do elenco-círculo dos sentidos possíveis), mas de chegar à
conclusão de que o processo interpretativo que acabámos de cumprir em abstrato (com o jogo
autorizado dos seus elementos e o espectro de acentuações aberto pela opção relativa ao
objetivo da interpretação) escolheu/selecionou um sentido que, sendo ainda permitido pela letra
(de outro modo estaríamos a saltar a fronteira da interpretação ou a violar as prescrições da
teoria da alusão), se integra no entanto no elenco dos sentidos menos naturais — um sentido
assim que é menos ou mais extenso do que o sentido ou sentidos que mais naturalmente
corresponderiam à relevância gramatical do texto.
Se o legislador (na expressão verbal) se refere a certa espécie categorial (se fala de venda,
espécie do género alienação) e se o juízo interpretativo que construo em abstrato (mobilizando a
letra em conjunto com os outros elementos, ouvindo atentamente as considerações históricas e
sistemáticas) me leva a concluir que o sentido a imputar à norma é aquele que privilegia as
significações mais amplas (mais extensas) de alienação, eu estarei a selecionar um sentido ainda
possível (embora certamente menos natural). Sendo precisamente isto o que significa concluir
que o legislador — porque se referiu a uma espécie quando no fundo, pretendia aludir ao género
— disse menos do que queria.
Filipa R. G. 39
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
EXEMPLO
Admita que a mobilização dos elementos sistemático e histórico (prosseguida por exemplo em nome da
reconstituição da vontade real do legislador) permite concluir em abstrato que o regime de invalidade
institucionalizado pela norma hipotética que enunciámos supra («É nulo o negócio jurídico celebrado pelo
representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro») é afinal o da
anulabilidade ou nulidade relativa. O resultado a ter em conta implica decerto dois exercícios de determinação
categorial (sustentados complementarmente no círculo dos sentidos possíveis). Como se se tratasse de abandonar
o reduto da certeza positiva — iluminado pela espécie nulidade stricto sensu (nulidade absoluta) — para mergulhar
no território da dúvida possível, acedendo primeiro ao género nulidade lato sensu (sentido menos natural, mas
ainda possível da palavra nulidade) [interpretação extensiva] e depois permitindo que o sentido definitivo se
descubra numa especificação deste género ou na espécie alternativa que este incorpora (a espécie da nulidade
relativa) [interpretação restritiva].
Seja como for, não nos esqueçamos de que o jogo destes resultados vai ganhando uma
dinâmica maior (na justificação da escolha do sentido menos natural) à medida que a importância
do elemento racional se vai tornando mais significativa (à medida que as considerações relativas
à ratio legis ganham um peso maior). Uma importância que, na sua afirmação-experimentação
mais coerente, nos levará a ter que admitir novos resultados (e uma nova conceção da relevância
da letra), superando assim o entendimento tradicional que até agora privilegiámos.
É como se pudéssemos dizer que haverá uma parte significativa do pensamento jurídico que
continua fiel à teoria da interpretação que foi proposta no séc. XIX (pois preserva a ideia de que a
letra tem uma função delimitadora), mas que está pronto a algumas abrir frechas e fá-lo
considerando, aquando dos fatores relevantes para a determinação do sentido, não
exclusivamente os elementos histórico e sistemático, mas já também o teleológico.
Assim se compreende que muitas das propostas acabam por admitir que os argumentos que
usamos quando estamos a fazer, p. ex., uma interpretação extensiva ou restrita, sejam também
argumentos teleológicos - o recurso a estes elementos fez-se para que o sentido atribuído seja
mais fiel à finalidade, ao interesse ou à expectativa daquela norma. -, o que em rigor não
aconteceria no quadro da teoria da interpretação proposta pelo século XIX em que os
Filipa R. G. 40
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
É como se se mantivesse a estrutura, mas agora privilegiando-se o sentido menos natural, não
usando uma justificação exclusivamente baseada no elemento histórico e no elemento
sistemático, mas já misturando o elemento teleológico.
Hoje, de facto, poder-se-á dizer que já estamos a assumir uma certa correção/transformação da teoria tradicional,
preservando ainda os seus esquemas e admitindo que há ou que se deve dar uma maior importância ao elemento
teleológico.
A interpretação dogmática será aquela que tem como preocupação fundamental na inter-
pretação da norma, como a dogmática indica, inserir a norma no sistema das outras normas.
Portanto, a determinação do sentido só se vai poder fazer em abstrato, porque a preocupação
será, à luz da unidade do sistema das normas, compreender o sentido que devo atribuir a essa
norma.
A teoria da interpretação proposta no séc. XIX era claramente uma teoria dogmática: defendia
que quando se interpreta uma norma deve-se fazê-lo abstraindo-se de toda e qualquer
perspetiva do caso concreto, atribuindo-lhe significações que privilegiem a sua relação com o
sistema das outras normas. Tinha uma preocupação sistemática, mas também dogmática porque
seria decisiva esta inserção da norma no sistema das normas e no sistema dos conceitos. Assim,
para além da experimentação das normas com outras normas, atribuía-se à norma o sentido
mais rigoroso determinado pelos conceitos - há uma rede de segurança a nível dos conceitos.
A interpretação teleológica será aquela que tem como preocupação fundamental na inter-
pretação da norma dar um especial relevo à sua finalidade prática. A norma deve ser levada a
sério como uma norma-problema ou norma juízo de valor, ou, pelo menos, como uma
manifestação de uma opção do legislador relativamente à satisfação das expectativas e dos
interesses que se manifestam na realidade social - a norma deve ser compreendida a partir do
seu objetivo/finalidade, pois ela foi constituída para corresponder às expectativas sociais.
Posto isto, este esquema metódico assume uma interpretação teleológica, mas sem deixar de
lado a importância da interpretação dogmática.
Esta viragem para os fins tem, em meados do séc. XIX, duas manifestações exemplares
que, marcando o pensamento jurídico, inspiraram um conjunto de correntes metodológicas: (1)
No contexto da Europa continental, temos IHERING, que acentua que o direito é uma tarefa
prática e que deve ter no fim (interesses e expectativas sociais) o seu ponto de partida; (2) No
contexto dos EUA, temos o instrumentalismo de HOLMES, que assume uma superação do
formalismo.
Filipa R. G. 41
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
➡ Representa uma assunção direta ou explícita da viragem para os fins, ou seja, uma
assunção do elemento teleológico, pois trata-se de defender que, quando se interpreta
uma norma, o sentido a atribuir à norma é aquele que corresponde a um certo tratamento
dessa norma legal como uma situação valoradora de um conflito de interesses
(dimensão material ou fisiológica da norma legal). Portanto, para compreender a norma
tem de se reconstituir os interesses causais pressupostos nela pelo legislador, ou seja,
tem de se reconstituir esse conflito de interesses que a norma, em abstrato, visa resolver,
e para isso tem de se estabelecer um confronto analógico com o caso concreto sub
judice.
Por sua vez, o movimento do Direito Livre, que era contemporâneo da jurisprudência
dos interesses, acentuava mais uma componente psicológica de referência à decisão e
aos motivos da decisão.
Filipa R. G. 42
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Posto isto, a letra perde a sua função delimitadora e o elemento gramatical passa
a ter, tal como os outros elementos, um valor indicativo ou heurístico. Portanto,
não temos à partida a distribuição de sentidos da teoria tradicional, ou seja, não
temos, à partida, sentidos excluídos. Logo, as significações que não têm
correspondência na letra podem vir a ser privilegiadas sobretudo se o respeito
pelo elemento teleológico assim o exigir.
Filipa R. G. 43
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplos didáticos fornecidos por HECK: a enfermeira que acorda o doente para lhe dar o
soporífero, porque tinha sido a ordem expressa recebida a de dar esse medicamento
àquela hora; o artilheiro que bombardeia, segundo as ordens recebidas, uma colina já
entretanto ocupada pelo seu próprio exército, etc..
interesses ou expectativas sociais em conflito - nós somos muitos, partilhamos este espaço
(esta realidade), temos muitas necessidades e apetências (umas individuais e outras de grupos) e
não temos recursos para satisfazer todas estas necessidades. Por isso, o direito, através das
normas legais, tem um papel de hierarquização desses interesses ou expectativas,
estabelecendo entre relações entre os fins que são relações de ponderação, ou seja, uma
possibilidade de negociação entre eles. Há, portanto, toda uma estratégia social que se
tem de construir a partir daqui baseada nesses interesses e nas opções que eles exigem
Filipa R. G. 44
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Esta abordagem sociológica tende a estabelecer entre os interesses a ter em conta uma
certa equiparação – quer dizer que esses interesses, à partida, devem ser tratados
fundamentalmente como equivalentes, ou seja, não se distingue entre esses interesses
que podem ser da mais variada índole. No fundo, todas as expectativas/apetências que
se manifestam na realidade prática e social (das mais básicas e fundamentais às mais
sofisticadas, desde os interesses materiais aos interesses ideais) seriam, à partida, tratadas
sociologicamente como interesses e vão estar numa relação de vinculação direta com as
necessidades subjetivas, sejam necessidades subjetivas do sujeito indivíduo sejam
necessidade subjetivas do todo - pois não havia propriamente uma distinção entre um
interesse individual (a satisfação de uma necessidade básica) e um interesse coletivo (a
satisfação de uma aspiração/exigência comunitária) - e aí são tratados a partir da ideia de que
têm uma conotação económica.
Hoje, as perspetivas que levam mais longe este tratamento são as perspetivas do
teleologismo tecnológico (teleo-tecno-logia), na linha da racionalidade finalística-
estratégica, como, p. ex., a proposta da engenharia social de HANS ALBERT.
teleo-nomo-logismo (PINTO BRONZE). Temos de dar atenção aos fins, mas temos de
distinguir, por um lado, de fins - que correspondem a interesses/fins comensuráveis -
e, por outro lado, de valores(/exigências valorativas/aspirações/compromissos comunitários)
- que correspondem aos fins em si mesmos, não são suscetíveis de serem sacrificados e
que não têm a mesma índole das necessidades subjetivas individuais ou de grupos.
Enquanto que as necessidades subjetivas são apetências de satisfação que de facto
mobilizam interesses, os valores ou fins em si mesmos são exigências de sentido
partilhadas pela comunidade, ou seja, são referencias da construção comunitária (os
valores são construídos-especificados-transformados na praxis comunitária e que assim
mesmo permanecem indissociados da contínua reinvenção da praxis). P. ex., o valor da
dignidade humana, o princípio da igualdade ou o princípio da legalidade criminal.
Isto tem uma vantagem: se se mantiver o dualismo entre fins e valores, estaremos em
condições de poder resolver vários problemas que se colocam quando há conflitos entre
os fins - podendo a perspetiva do legislador ajudar na hierarquização dos fins - e estaremos
em condições de reduzir a sua complexidade, pois algumas estratégias serão excluídas -
aquelas que forem incompatíveis com os valores/princípios.
Filipa R. G. 45
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Enquanto que um teleologismo de puros fins preserva uma certa imagem de societas
herdada da rotura moderna - sociedade dos interesses e da manifestação de vontade-
liberdade dos sujeitos cidadãos -, o teleologismo de fins e valores correspondente
dialética communitas/societas - estamos inseridos numa societas herdeira das aquisições
da modernidade, numa societas de interesses, de ratio, mas, além dessa dimensão, é preciso
dar autonomamente atenção a uma outra dimensão que é constituída por uma objetivação
normativa de valores comunitários onde encontramos os princípios.
Filipa R. G. 46
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Os princípios são tratados com autonomia, porque se assume os princípios como ius, ou
seja, como verdadeiro direito (e não como ratio, como acontecia no Método Jurídico do séc. XIX).
Tudo isto converge na nota de que vamos ter momentos do esquema metodológico em que a preocupação será
teleológica no seu sentido mais estrito (vamos atender aos fins, às opções, aos interesses do legislador - ratio legis
-, mas também posteriormente, num outro momento, vamos ter de considerar os fundamentos e os princípios - ratio
iuris - alargando os espectro do teleologismo, considerando um teleologismo de fins e valores (de fins
comensuráveis e fins em si mesmos).
Filipa R. G. 47
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
O Método Jurídico do séc. XIX, como defendia uma perspetiva objetivista plena, não tratava
de um aspeto: a questão prévia de saber como selecionar a norma aplicável. Esta perspetiva do
séc. XIX ignorava este problema porque partia acriticamente do pressuposto de que tínhamos um
sistema de normas absolutamente dado e transparente e, portanto, o ponto de partida era essa
unidade de enunciados normativos.
O confronto entre…
— As conceções metódicas que, embora dando importância ao caso concreto, ao
momento da concretização e à relevância dos elementos extra-textuais, reconhecem à norma
um sentido normativo auto-subsistente em abstrato
1. FRIEDRICH MÜLLER: Quando o julgador está a experimentar a norma, ele estabelece
uma distinção entre aquilo que será:
• A norma enquanto norma: Como critério que aquele texto nos permite reconhecer,
um critério que pode vir a ser mobilizado para assimilar a relevância de um caso. é
da extração desse critério do texto da norma que nos permite converter a norma
naquilo que MÜLLER diz ser a norma-decisão. Diz-se norma-decisão porque ela
representa uma concretização da norma que está a ser trabalhada, que é a norma
adequada à relevância concreta do caso e que assimilará o próprio caso.
Filipa R. G. 48
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Hoje quando dizemos que muitas normas que encontramos no Código Comercial se
tornaram obsoletas porque a realidade do comércio se alterou, estamos a referirmo-nos a
uma componente fundamental da norma: quando esta é prescrita ela tem um certo domínio
de implantação na realidade que é ela própria que constrói, mas que não deixa de ser uma
implantação real.
Este autor dá muito relevo à concretização, acentuando que ela invoca elementos extra-
textuais, no entanto entende a realização do direito no enquadramento da norma. Aquilo
que o juiz tem de encontrar é a norma-decisão que seja adequada ao caso, que é como
que uma concretização do critério normativo adequada ao caso concreto.
1) Seja adequada ao caso, ou seja, à materialidade concreta, àquilo que o caso tem
de específico e de irrepetível;
Filipa R. G. 49
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Este autor dá relevância ao recurso de outros critérios para resolver este exercício de
determinação do que é a norma do caso: aos critérios da jurisprudência judicial
(jurisprudência e doutrina) - as decisões judiciais no sistema de civil law devem ter o
valor de exemplos para outras decisões semelhantes aos precedentes de commom law.
O movimento do Direito Livre apresenta isto como se a justificação que o juiz procura
fosse uma justificação manipulada, pois primeiro pensa na solução e só depois vai
procurar no sistema apoio para a solução que quer defender. Não é exatamente isto que
ESSER nos diz. Este autor diz-nos que realmente há logo uma resposta intuitiva e só
depois é que essa resposta vai ser trabalhada com o apoio do sistema. Não é
propriamente a ideia de que há uma manipulação para defender a posição tomada pelo
juiz.
O juiz vai experimentar essa resposta submetendo-a a dois tipos de controlo racional:
3. MARTIN KRIELER: Dá uma importância efetiva, ao nível do sistema da civil law, ao papel
dos critérios da jurisprudência judicial, atribuindo-lhes uma presunção de justeza, que
depois poderá vir a ser falsificada pela experiência do julgador, através do ónus de
contra-argumentação.
Filipa R. G. 50
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Será que podemos dizer que estamos hoje em condições de reconstituir um novo
paradigma do método jurídico?
— AROSO LINHARES diz que não estão reunidas as condições, nem parece que seja desejável.
O que devemos é aspirar à unidade paradigmática de um novo método jurídico. Claro que se
pudéssemos dizer que hoje temos à nossa disposição, com uma enorme unidade ou consenso,
um método de realização do direito, isso daria uma enorme tranquilidade à reflexão metodológica
porque teria se encontrado um caminho, ou seja, um método de realização, e deixaríamos de
estar confrontados com incertezas. Em todo o caso, não parece que assim seja. De facto, a
própria experiência da tentativa no século XIX, cuja imposição como pensamento dominante,
acabou por ser fortemente redutora.
Filipa R. G. 51
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
O ponto de partida para esta teoria standard da argumentação, seja para ALEXY seja para
MACCORMICK, está numa distinção entre os tipos de casos envolvidos (distinção essa rejeitada
pelo jurisprudencialismo enquanto distinção relevante), que se traduzirá numa cisão metodológica:
• Casos fáceis (menos complexos, que MACCORMICK prefere chamar casos claros) que exigem
um determinado tipo de método: a via da argumentação lógica-dedutiva, resolvendo-se
os casos com argumentos dedutivos (construídos fundamentalmente a partir do
esquema do silogismo).
• Casos difíceis (mais complexos, que MACCORMICK prefere chamar casos problemáticos) que
exigem um outro tipo de método: a combinação de argumentos dedutivos e não
dedutivos.
Enquanto que a primeira geração da teoria da argumentação – ligada à tópica e à nova retórica –
é uma proposta de racionalidade prática, assumida até ao fim com a rejeição clara do
dedutivismo, a teoria standard da argumentação tem a sua base igualmente uma racionalidade
sujeito-sujeito (racionalidade prática), mas vai procurar combinar outros elementos que
consideram aquisições imprescindíveis e que são assumidos como herdeiros de outras
propostas, p. ex., a importância da racionalidade lógico-dedutiva.
WRÓBLEWSKI pensa esta distinção em termos que não são exatamente aqueles que vão ser
assimilados por ALEXY e MACCORMICK. Para WRÓBLEWSKI:
Filipa R. G. 52
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
A teoria standard da argumentação assimila esta distinção tornando-a ainda mais simples,
porque vai identificar a:
Postular esta distribuição (casos fáceis - justificação interna / casos difíceis - justificação externa),
significa, com efeito, expormo-nos ao binómio argumentação dedutivamente válida /
argumentação não dedutiva.
— Nos casos jurídicos simples ou rotineiros a tarefa do julgador se esgota numa argumentação
dedutivamente válida, construída a partir de premissas dadas e suscetível enquanto tal de ser
reconduzida a uma justificação interna (como se na relação com estes casos o ordenamento jurídico
proporcionasse uma resposta correcta que não é discutida).
— Os casos difíceis exigem, em contrapartida, novas argumentações (que podem ou não ser
dedutivas) e, com estas, uma invariável tematização das premissas envolvidas - tematização, por sua
vez, que passa pela plausibilidade da proposta de mais do que uma resposta correta e que assim
mesmo impõe o processo autónomo de uma justificação externa (onde se testa o caráter mais ao
menos fundamentado de suas premissas).
Entre ALEXY e MACCORMICK aquele que é mais fiel à terminologia justificação interna e
justificação externa é ALEXY que utiliza exatamente os mesmo termos. MACCORMICK, embora
parta de uma distribuição metódica semelhante, prefere converter a distinção em uma distinção
vertical, porque a distinção entre justificação interna e justificação externa sugeria uma relação
horizontal e, na verdade, elas não estão lado a lado. MACCORMICK prefere uma distinção vertical,
pois, na verdade, existe uma sequência:
Filipa R. G. 53
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Ele assimila uma distinção entre universal e particular, considerando todos os enunciados
jurídicos constitutivos do sistema jurídico como universais, mesmo os próprios precedentes,
porque ele entende que aquilo que releva, no âmbito dos precedentes, não é tanto a decisão
concreta, mas a ratio dedidendi.
Filipa R. G. 54
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Ele induz ainda uma outra distinção entre geral e especial. Assim, os enunciados normativos
universais podiam ser mais gerais ou mais especiais. Contudo, ele distingue a universalidade
e generalidade num sentido muito diferente daquele que é o habitual, trata-se de dizer que
podem haver enunciados universais que se situam num plano mais geral e outros que se
situam num plano mais especial. P. ex., ele entende os princípios ou os standards são mais gerais
que as normas legais autoritariamente prescritas e estas serão mais gerais que os precedentes.
Contudo, são todos enunciados universais.
Filipa R. G. 55
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Em ALEXY a resposta é diferente. Ele continua a falar em casos fáceis e casos difíceis e de
justificação interna e justificação externa, mas vem acrescentar uma distinção entre a fórmula
da subsunção e a fórmula da ponderação:
➡ A fórmula da subsunção (não uma subsunção estritamente formal do séc. XIX) é aquela que
permite resolver os casos fáceis e que tem dois degraus:
Filipa R. G. 56
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
law.
ALEXY, partindo da categoria geral de normas, faz uma outra distinção, a distinção entre
normas-princípios e normas-regras (distinção esta que jurisprudencialismo questiona e prefere dizer
que os princípios são fundamentos e as regras são critérios) - para MACCORMICK a diferença entre as
normas e os princípios é quantitativa, enquanto que para ALEXY a diferença é qualitativa.
Quando os princípios adquirem força jurídica eles passam a ser são normas que
requerem que algo seja realizado na maior medida possível - são comandos de
otimização - há aqui uma nota de gradação, ou seja, a lógica dos princípios é uma
lógica de menor ou maior intensidade, o que, no contexto da realização do Direito em
concreto, vai depender da possibilidades factuais existentes.
Filipa R. G. 57
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Uma das exigências da ponderação é a seguinte: quanto mais elevado for o grau de não
satisfação (frustração) de um princípio, tanto mais elevada deve ser a importância de
satisfação do outro. Contudo, temos de mobilizar uma série de razões que permitam
sustentar esta mesma relação de proporcionalidade e essas razões só se pensam a partir
das circunstâncias do caso concreto e não em abstrato.
Para alguns autores, esta sugestão abre uma porta perigosa - a porta para um discurso
consequencialista. Este entendimento dos princípios introduz um pensamento próximo
da racionalidade finalística - não constrói os argumentos sem usar de facto uma lógica
de maximização próxima da lógica política ou económica. As escolhas relativamente aos
casos vão fazer-se por referência aos possíveis efeitos (empíricos e não jurídicos) que
estão em alternativa, pois pensa-se a partir de uma inteligibilidade económica ou política,
porque está a conferir ao raciocínio um núcleo de racionalidade que já é instrumental-
estratégica.
AROSO LINHARES não considera que seja um grande perigo. O que há aqui é uma
articulação de elementos difícil de sustentar com coerência, pois é como se
estivéssemos a combinar elementos do normativismo (subsunção), do jurispruden-
cialismo (no horizonte da filosofia prática, ao assumirmos que estamos no campo da
argumentação) e do consequencialismo (abrimos a porta a tipos de discurso e raciocínio que
fazem sentido no campo dos funcionalismos/pragmatismos, porque se trata de optar entre
decisões possíveis orientando a escolha por efeitos, apesar de sempre limitado aos princípios
como comandos de otimização e a questão fundamental ser a da maximização um certo princípio:
será maximizar o seu efeito e minimizar a projeção do outro).
Segundo AROSO LINHARES, acaba por ser algo completamente aberto, porque vamos
conseguir usar a fórmula como quisermos – para sustentar um princípio ou outro, tudo
depende dos efeitos que selecione e considere em concreto mais relevantes. Por isso,
considera esta fórmula uma relativa improdutividade metodológica.
Filipa R. G. 58
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Para MACCORMICK os princípios são ratio e para o Jurisprudencialismo os princípios são ius.
Os princípios como ratio e como intentio têm em comum sustentarem um continuum princípios/normas -
culminando a segunda no binómio normas como regras / normas como princípios -, os princípios como ius
rompe com este continuum, na mesma medida em que rejeita o referido binómio.
— Os princípios como ratio trazem consigo a herança dos princípios gerais de direito, na sua
compreensão normativística. A unidade estrutural invocada — que vai permitir tratar os princípios como normas
— é explicitamente a de um contexto-ordem que se baseia na identidade de um enunciado de dever-ser — com
uma racionalidade-veritas autoconstituída por exigências de universalidade e uma conformação a-teleológica —
e que assim mesmo se mostra em condições de invocar uma pretensão de coerência ou de interrelação —
pretensão esta que faz corresponder a interrelação em causa (horizontal ou verticalmente refletida) à
unidimensionalidade auto-subsistente de um sistema, um sistema de normas ou de proposições jurídicas.
Os sinais que nos autorizam a distinguir os princípios correspondem explicitamente a uma intensificação do
núcleo ratio: como se este núcleo — ao poder ser compreendido sem a mediação da antecipação hipotética
(tipificadora de problemas) ou pelo menos conferindo a essa antecipação uma indeterminação significativamente
maior — nos aparecesse restituído à pureza das suas conclusions-claims e à fundamentação imanente que estas
garantem, permitindo que os princípios possam impor-se-nos, se não recto itinere como condições
epistemológicas de uma racionalização cognitivo-sistemática, pelo menos como as proposições em que tais
condições mais diretamente se manifestam.
Poderá dizer-se que o núcleo desta convergência está na assunção explícita do contraponto regulativo /
constitutivo, mas também na possibilidade-exigência de submeter a distribuição intencional-regulativo (pré-jurídi-
Filipa R. G. 59
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
princípios — a sua determinação constitutiva tanto como princípios de direito quanto como princípios do direito (sem que
estes problemas afinal aqui se distingam um do outro) — se identifica com a objetivação prescritiva (e com a dimensão
a) com o sentido metodologicamente específico da realização dos princípios (princípios assim mesmo
responsabilizados por uma dimensão-estrato, normativamente inconfundível, de um sistema jurídico
pluridomensional;
Significa desde logo reconhecer uma compreensão axiológica dos princípios — teleologismo de valores e de
assumir uma compreensão dos princípios normativos como autêntico direito vigente — ao reconhecer nestes os
fundamentos constitutivos da validade do direito —, a reconstituição jurisprudencialista não se limita a uma
experimentação permanente do excesso normativo dos princípios, exige ainda que ao problema do tratamento
destes fundamentos corresponda uma experiência única de constituição e manifestação, que é também sempre
de realização.
Trata-se de beneficiar os princípios com uma presunção de validade e de iluminar assim o seu modus
especí--fico de vigência e a vinculação que lhes corresponde, mas trata-se também de levar a sério esta
vinculação, exigindo a convocação dos fundamentos como dimensão imprescindível da experimentação dos
critérios — o que, no plano das prescrições legislativas, corresponde à exploração decisiva de uma face de ratio
juris. Sem esquecer por fim que esta experimentação nos obriga a testemunhar uma especialíssima consonância
entre os princípios enquanto compromissos práticos e o conteúdo normativo-concreto da sua realização
(indissociável dos problemas-controvérsias e do novum irredutível que estes introduzem): como se o percurso de
emergência e de objetivação constitutiva dos princípios (numa permanente reinvenção dos seus conteúdos que é
também indissociável da força normativa ou da justiciabilidade que lhes corresponde) se cumprisse envolvendo
distintas práticas de estabilização-realização (e a relação circular com o novum problemático que cada uma delas
distintamente estabelece). Práticas que não são evidentemente apenas aquelas que correspondem ao exercício
contingente da voluntas legislativa, que são também e decisivamente aquelas que as jurisprudências judicial e
dogmática vão assumindo, como o são também e ainda aquelas que as situações institucionais e os cânones das
comunidades dos juristas constitutivamente reinventam.
Filipa R. G. 60
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Se acentuarmos a ideia forte de que são teorias da argumentação, ainda que de segunda
geração, poderíamos dizer que o que é unificador é a ideia de comunicação de argumentos,
porque quando se fala de dedução falamos sobretudo dos argumentos dedutivos - como se
pensássemos sempre no esquema sujeito-sujeito. Mas, nesta base de assimilação da
racionalidade prática, vão ser inseridos elementos que são metodologicamente importantes de
outras racionalidades que introduzem cisões, cisões essas que se manifestam, dede logo, no
facto de que para MACCORMICK haver método para os casos claros e outro para os casos
problemáticos e para ALEXY haver igualmente um método para os casos fáceis e outro para os
casos difíceis, mas que são métodos diferentes dos apresentados por MACCORMICK.
Esta distinção entre casos fáceis e casos difíceis é entendida em termos diferentes da teoria
da argumentação da 1.ª geração. Segundo esta os casos fáceis são resolvidos juridicamente e os
casos difíceis, como há várias respostas possíveis e que são equivalentes do ponto de vista
jurídico, são resolvidos através de uma opção que vai ser feita a final pelo juiz que envolve já
intenções políticas, económicas, etc. Tal entendimento abria porta à discrionariedade, ou seja, à
possibilidade de escolha do juiz.
Na teoria da argumentação da 2.ª geração, embora distinguindo casos fáceis e casos difíceis,
os casos difíceis são ainda resolvidos através de razões jurídicas. Logo, até há uma diferença no
uso da palavra discricionariedade: para ALEXY a palavra tem como significado um território que
tem várias possibilidades em jogo, que tem uma margem de manobra.
Filipa R. G. 61
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
1. Prolegómenos
Entre o sistema e o problema opera a dialética problema-sistema: O sistema jurídico começa sempre
por delimitar e pré-determinar o campo e o tipo dos problemas no começo de uma experiência
problemática - os problemas possíveis começam, de um lado, por ser aqueles que a intencionalidade
pressuposta no sistema admita e os modos de os pôr serão, de outro lado, aqueles que sejam correlativos
das soluções-respostas que o sistema também ofereça. Contudo, note-se que o sistema jurídico não é um
dado pressuposto e sim uma tarefa de objetivo, já que há-de assimilar sempre uma nova experiência
problemática e assumir as novas intenções normativas. Tudo o que fará com que o sistema seja
(problematicamente) aberto, não pleno (não intencionalmente auto-suficiente) e autopoiético (de
racionalidade prático-normatica autónoma).
Posto isto, procuramos uma resposta que tem de ser adequada, mas que também tem de ser
uma resposta do sistema.
Filipa R. G. 62
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
— A autonomização, a partir desta mesma realidade (como um particular subsetor desta), de um novo
estrato do sistema, identificado com os arrimos procedimentais e com a presunção de prestabilidade
(pragmaticamente associada à sedimentação da experiência profissional) que distingue o seu modo de
vigência.
Filipa R. G. 63
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
(b) O papel nuclear que a norma desempenha como modelo de todos os outros critérios — o que só é
metodonomologicamente concebível porque a norma-critério em causa, libertando-se de um tratamento
formalmente auto-subsistente, se nos expõe já luminosamente como norma-problema, se não
assumidamente como norma-Reihe, ela própria constitutivamente instituidora de uma série de casos
seriáveis (e assim mesmo intencionando o aprioristicamente indefinível conjunto aberto de todos os seus
candidatos possíveis). [Acentuação que não dispensa uma última chamada de atenção, apenas para esclarecer que
tal norma enquanto critério hipotético (verdadeiro corpus prático-pragmático) se distingue por sua vez decisivamente
da norma que é definitivamente trazida-à correspondência analógica com o caso judicando, esta última intencionando
um aposterioristicamente definível conjunto fechado, com um único candidato positivo (norma judicativamente
apurada)].
Note-se que o sentido das etapas deste percurso é mais analítico e não cronológico e que
as etapas não são fechadas (como eram as do Método Jurídico), pois cada etapa vai fornecendo
possíveis resultados que devemos tratar como provisórios e que podem vir a ser reavaliados,
a não ser no caso das questões de prova em que se pode falar numa etapa fechada.
2. A questão-de-facto
Não se trata de dizer que a questão de facto tem a ver com elementos empíricos e factuais,
mas trata-se de reconhecer que há ali uma questão diferente e específica que se prende com
aquele caso-acontecimento que está a ser tratado/discutido. O problema que se coloca é um
problema relativo a toda uma série de elementos constitutivos do acontecimento que terá
ocorrido fora do foro e que agora vai ter de se reconstituir no contexto forense.
Filipa R. G. 64
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Filipa R. G. 65
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Mais tarde, no contexto do século XIX, aquilo que começou por ser um
parênteses teorético empírico-explicativo, passa a aparecer perfeitamente integrado,
pois o próprio juízo de direito (o juízo definitivo sobre a controvérsia) passou a ser
compreendido à luz de uma racionalidade teorética. O juízo passou a ser concebido em
termos de um silogismo que parte de premissas, sendo estas sempre proposições de
caráter universal. O que aconteceria no contexto da prova seria semelhante ainda que
as diferenças estivessem no tipo de afirmações, porque quando se considerava a
Filipa R. G. 66
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Quando, por um lado, partimos para o problema da prova baseando-nos num centro
de argumentação, o problema da prova aparece sobretudo como uma questão
controversa que vai ser discutida argumentativamente. Quando, por outro lado,
dizemos que o problema da prova é um problema que deve ser tratado a partir de
um discurso teorético, a questão passa a ser a de uma determinação de uma série
de elementos factuais que aparecem tratados como elementos empíricos e a
submeterem-se a exercícios de comprovação. Significa isso que se a controvérsia é
decisiva para a primeira perspetiva, porque tem de estar presente ao longo de todo
o percurso até se chegar ao juízo de comprovação, o que vamos encontrar na
perspetiva moderna ou indutiva é o entendimento de que, através dos materiais
disponibilizados durante o processo, foi possível isolar uma série elementos de facto
e agora a realidade desses elementos de facto vai ser experimentada-testada
independentemente da controvérsia estar a ser desenvolvida. São os próprios
elementos que vão ser inseridos num contexto metódico de comprovação, daí a
exigência de mobilizar sempre uma racionalidade de tipo indutivo. Na perspetiva
prático-prudencial havia uma certa estrutura dialógica que se mantinha – o problema
nunca era diluído até chegar à decisão probatória final. Na perspetiva empírico-
explicativa, o problema tinha apenas uma relevância inicial para identificar os
elementos de facto disponíveis, mas depois estes elementos de facto seriam
submetidos a um exercício teorético de comprovação.
O nosso contexto, tendo em conta o peso destas duas tradições – uma que acentua o
caráter argumentativo da prova e outra que acentua o caráter indutivo ou teorético-explicativo da
prova –, aparece dominado por uma compreensão do juízo de prova prático-
Filipa R. G. 67
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
JACKSON diz-nos que há uma dupla dimensão narrativa. As narrativas das partes,
enquanto narrativas rivais, referem-se a uma série de acontecimentos que ocorreram
fora do foro e no passado, por isso pode-se distinguir:
Isto não significa regressar a uma visão retórica da prova, significa introduzir aqui uma
específica narrativa que nos autoriza a situar todos os elementos trazidos devem ser
integrados nesta textura narrativa.
Filipa R. G. 68
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Esta representação geral permite-nos concluir por uma unidade metódica e por uma
intencionalidade prático-prudencial que sustenta o juízo de comprovação, sem
prejuízo de reconhecer esta uma diferença na inteligibilidade narrativa.
3. A questão-de-direito
Ao nível da questão de direito, há 2 momentos:
Fala-se na escolha de uma norma hipoteticamente aplicável com o exato sentido de que
a norma é escolhida como hipótese de solução em abstrato.
Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, a questão de direito em abstrato tem por objeto a
determinação do critério jurídico que haverá de orientar, e concorrer para fundamentar, a solução
jurídica do caso decidendo.
Filipa R. G. 69
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Uma referência fundamental é a que se prende com a dificuldade inicial de saber como é que
o julgador chegou àquela norma - este ponto de partida era recusado pelo Método Jurídico do século
XIX. Será a partir do caso - ou seja, o prius metódico é o caso -, que já inserimos num campo
dogmático de direito e cujos elementos de facto já se encontram provados, que se irá
desenvolver o exercício de procura do critério legal.
A convocação de uma norma para assimilação do caso concreto é decidida pelo confronto
dos problemas – o problema constitutivo do caso e o problema que está subjacente à norma.
A procura deve ser orientada pela exigência de encontrar certa identidade entre problemas e não
uma identidade entre situações – que seria aquilo que preocupava o método normativista. Na
identidade de situações parte-se da norma e pergunta-se se as caraterísticas que ela prevê
estão ou não estão presentes no caso ou se o caso concreto é exemplar da hipótese da norma,
ou seja, procura-se uma relação de tipo e exemplar. Na identidade de problemas a
preocupação é outra, a de um raciocínio de tipo analógico, ou seja, pergunta-se se o problema
tipificado na norma será ou não análogo ao problema que se visa resolver. Aqui já não interessam
tanto as caraterísticas, interessa perceber se o problema intencionado na norma é
analogicamente o mesmo problema do caso concreto. Não se trata verdadeiramente de uma
analogia, porque esta desenvolve-se entre dois casos concretos, por isso há aqui um esforço
analítico fundamental: partir de um caso concreto e admitir que subjacente à norma está um
problema que se pode confrontar analogicamente com o problema do caso concreto - será de
considerar que há analogia se existirem mais elementos de semelhança do que diferença.
Isto exige que se trabalhe a norma, desde logo, ao nível de determinação do sentido da
norma, não como uma norma-premissa (texto), mas como uma norma-problema - tratar a norma
como uma norma-problema é reconstituir o sentido da norma como se ele corresponde-se à
identificação de um problema considerado em abstrato, identificando todas as componentes do
problema que a norma quis resolver.
Filipa R. G. 70
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
MÜLLER fala do próprio domínio de aplicação (ou vigência material) da norma para
dizer o que é uma norma obsoleta. Por isso, assimilou um certo pressuposto
jurídico-material, que marca a sua construção e a sua resposta.
Filipa R. G. 71
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Há, por um lado, uma referência à realidade e, por outro lado, a referência a um
núcleo problemático dessa realidade - à intencionalidade que torna possível a
autonomização do problema.
Essa solução (constitutiva dos limites do próprio problema) pode ser trabalhada, em
analogia, a partir da controvérsia concreta. Há uma certa continuidade discursiva,
pois para entendermos a norma como norma-problema partimos da experiência do
que é a controvérsia concreta, podendo tratá-la atendendo a:
Filipa R. G. 72
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Se vou fazer uma tentativa de confronto analógico entre o caso concreto que tenho
para resolver e o problema que a norma intenciona (que lhe está subjacente e que
podemos reconstituir atendendo a estes momentos - histórico, problemático e teleológico-
sistemático), deste confronto analógico inicial resulta uma primeira distribuição dos
elementos do caso:
Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, que as designa circunstâncias do caso, são aquelas
que dão fisionomia concreto-individual do caso decidendo, e que, como tais, já se não
traduzem apenas em correlatos determinativos dos conceitos legais (…), pois não indo
directamente previstas (nos termos em que o são o primeiro tipo de circunstâncias) nos
tipos legais, o que por elas vemos é antes a realizarem-se os desenvolvimentos de
concretização e individualização, que, sem terem necessariamente de excluir um caráter
“típico” ao caso, o fazem no entanto, no que toca a essas circunstâncias individualizadas,
um caso infungível e próprio, a exigir uma decisão autónoma que só a ele convém.
Exemplo: Quando se fala em circunstâncias do negócio ou do contrato ou das circunstâncias da
realização do delito (por referência aquelas circunstâncias que não sendo definidoras do tipo legal
Filipa R. G. 73
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Note-se que podem haver circunstâncias que não são exemplares face a uma
norma, mas podem vir a ser face a outra - as circunstâncias exemplares variam
consoante as normas que mobilizo.
O peso que podem ter as outras circunstâncias que não são exemplares poderá ser o
de nos permitir reconhecer que o caso, embora, à partida, tenha uma identidade
problemática forte com o problema que a norma identifica, é um caso atípico.
Filipa R. G. 74
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Pergunta-se agora se será que se consegue extrair daquela norma um critério que seja
simultaneamente adequado às especialidades do caso - que assimile a relevância do caso - e
às exigências de unidade do sistema jurídico - que se possa dizer do sistema jurídico? Esta
polaridade é sempre fundamental, porque envolve sempre esta exigência de estabelecer uma
conexão racional com dois planos: um plano de inteligibilidade concreta (a solução tem de ser
adequada à especificidade do caso concreto) e um plano de integração sistemática (onde se controla
a coerência da solução; estamos a dizer que é uma solução conseguida do sistema, ou seja, que é
coerente). Este equilíbrio é difícil de estabelecer, porque se trata de dizer que a norma é uma
norma do sistema e construir a solução do caso assimilando aquela norma significa estar a
responder adequadamente à especificidade do problema.
Em que pode consistir esta experimentação? Antes de mais, chama-se a atenção para o
caráter que tem este esquema - é um esquema analítico cujas etapas não são fechadas nem
são etapas que se excluam umas às outras. Portanto, este é um esquema de tratamento que
deve ser considerado assim, como uma sugestão analítica para experimentar a norma na
perspetiva do caso. Trata-se de - no momento culminante que nos permitirá chegar à conclusão
para o caso - toda a experimentação a fazer se desenvolver na perspetiva do caso,
convocando simultaneamente a norma que se selecionou e o caso concreto na sua
especificidade. Portanto, estamos perante uma manifestação decisiva da dialética problema-
sistema e estamos também perante relações que vão envolver juízos de tipo analógico.
Filipa R. G. 75
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Filipa R. G. 76
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
A questão que agora se coloca é de saber se, apesar desta não convergência total,
existindo apenas uma correspondência parcial, se pode mobilizar a norma para
solucionar aquele caso. O que se pode tentar a fazer é uma assimilação parcial ou
parcelar. Mesmo aqui importa distinguir várias possibilidades:
Filipa R. G. 77
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo: Tendo Pedro falecido, Luísa, que vivia com este em união de facto há
mais de 20 anos, invoca o direito a uma pensão de sobrevivência. A instituição
bancária A, na qual Pedro, reformado à data do falecimento, trabalhara durante
muitos anos (instituição que assegurava a Pedro uma pensão de reforma), discorda
firmemente desta pretensão, fundamentando a sua posição no Acordo Colectivo
de Trabalho vigente e no regime especial de segurança social (substitutivo do
regime geral) que este estabelece e muito especialmente numa cláusula x (de tal
Acordo), a qual só prevê a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência nas
situações de casamento. Luísa propõe uma ação declarativa pedindo que A seja
condenada a pagar-lhe todas as prestações devidas. A contesta, concluindo pela
improcedência da ação.
Pode dizer-se que há aqui uma convergência apenas parcial ou parcelar porque,
de facto, há muitos elementos de comuns: a união de facto é uma situação estável,
que dura ao longo do tempo e com várias caraterísticas que aproximam de uma
relação conjugal, mas falta um elemento da relevância que é o contrato de
casamento. Se se admitir fazer uma adaptação, ela qualifica-se como uma
adaptação restritiva da relevância da norma: apesar de faltar um elemento (a
formalização através de contrato de casamento), pode mobilizar-se a norma para a
resolução do caso - prescinde-se do elemento da relevância que a norma prevê.
Filipa R. G. 78
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo (CN): O caso de um menor deslocado. Os pais estão vivos, mas não
disponíveis para conceder a autorização necessária em muitos atos da vida
corrente. Põe-se o problema da vaidade de um desses atos. A norma da alínea a)
do art. 127.º do Código Civil prevê a possibilidade de o menor praticar atos de
administração ou disposição de bens que adquira por trabalho ou indústria. Se é
certo que a relevância material do caso em questão excede a relevância tipificada
na norma, o seu sentido intencional não deixa de ser análogo. A situação de
necessária autonomia em que se encontra o menor, quando deslocado do seio da
família, é seguramente uma situação da mesma linha de relevância material
(embora para além dela) da que é correlativa ao direito de disposição dos
rendimentos de trabalho, pois é apoiando-se sobre si próprio ou com base apenas
na sua atividade autónoma que ele governa a sua vida.
— Pode tratar-se de dizer que o caso pela sua configuração é um verdadeiro caso
atípico (relativamente a norma) - manifesta uma atipicidade autêntica. O caso é
atípico quando se nos apresenta com uma configuração que não foi de todo prevista
pela norma e, portanto, o caso não exibe apenas elementos factuais a mais ou a
menos, ele apresenta-se-nos com uma configuração diferente, ou seja, a situação tem
uma identidade com a norma, mas a situação não foi assim prevista por ela.
Esta modalidade da correção foi pela primeira vez pensada assim pela Jurisprudência
dos Interesses, através da interpretação corretiva, que pressupõe, como uma das suas
condições, estarmos perante um caso atípico. Esta correção da Jurisprudência dos
Filipa R. G. 79
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo (HECK): Comando dirigido a um artilheiro para bombardear uma colina às x horas.
Acontece que à hora x a colina que deveria bombardear foi ocupada pelo seu próprio exército. O
comando que não previu essa possibilidade, mas poderia prevê-la.
Exemplo (VALE): Imagine-se que o artigo 261.º do Código Civil, sobre o negócio consigo
mesmo, tinha a seguinte formulação: É nulo o negócio jurídico celebrado pelo representante
consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro. Imagine-se agora que
João, tutor de Manuel, decide doar-lhe toda a sua coleção filatélica, uma vez que não tem filhos
nem outros familiares. Tendo embora em conta que João intervém em nome próprio como
doador e enquanto representante do donatário, não estaremos a frustrar a teleologia da norma
(que é certamente a de proteger os interesses do representado) se nos aferrarmos à formulação
literal que determina a nulidade desta doação? Não será este um caso em que a obediência
pensante à lei nos vincula a contrariá-la em nome do direito, isto é, a actuar contra legem mas
secundum ius?
Resposta: Há aqui um elemento que é claramente atípico, na medida em que não é previsto
pela norma. Quando a norma que está a prever a nulidade do negócio consigo mesmo, ela está
a prever a possibilidade de existir um conflito de interesses entre representante e representando
e está a procurar defender o representado, só que esse conflito não acontece nesta situação.
Pode haver uma outra dificuldade que é a de determinar onde é que começa e acaba a
atipicidade. O caso atípico, em rigor, ainda se situa no âmbito de relevância, mas é
atípico porque tem uma configuração diferente dos casos que se inserem naturalmente
no âmbito de relevância da norma o que pode ser difícil. Contudo, há situações em que
podemos dizer que estamos perante casos que não são meramente típicos e que
exigem um tratamento diferente do da norma - são casos excecionais, casos em que a
mobilização da norma para resolver o caso não será possível, pois o caso irá merecer
um tratamento absolutamente distinto àquele que a norma estabelece. Haverá, assim,
aqui que estabelecer uma fronteira entre o que é atípico e o que é excecional.
Filipa R. G. 80
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo (CN): Vamos pensar que uma determinada norma pressupõe a estrutura patriarcal da
família. Essa realidade, em que o Direito possivelmente interferiu e que co-constitutiu) sofreu
uma alteração significativa. A instituição “família”, como realidade jurídica e como realidade
histórico-social (ou sociológica) é agora apenas a “pequena família”. A norma prescreve, assim,
um critério jurídico pressupondo uma realidade que já não existe e que só relativamente a essa
realidade tinha sentido. Passou, desse modo, como que a fechar-se num mundo de
normatividade abstrata só formalmente, mas já não material-intencionalmente subsistente –
tornou-se, então, obsoleta. Consideremos também a situação de normas (de direito comercial,
por exemplo) que pressupõem uma certa estrutura de empresa ou uma certa estrutura
económica que já não existem tal como foram intencionadas por elas.
Filipa R. G. 81
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Este momento está diretamente ligado a todo o percurso de revalorização dos fins a que se
assistiu na superação do Método Jurídico do séc. XIX e de uma forma especial à progressiva
importância que foi tendo o elemento teleológico(-racional).
A questão que agora se coloca é de uma experimentação direta da (finalidade prática da)
norma que se selecionou.
Esta importância crescente dada ao elemento teleológico, coloca-nos hoje perante a questão
de saber quando o julgador, ao experimentar a norma em concreto para saber qual foi o
interesse ou expectativa que a norma pretendeu dar proteção, invoca argumentos teológicos
onde ele se baseia.
Na Jurisprudência dos Interesses isto aparecia com uma grande clareza, porque para ela uma norma
seria uma solução valoradora de um conflito de interesses e, portanto, determinaria-se a finalidade prática
da norma quando se percebesse qual o conflito de interesses em causa e qual o interesse que a norma
pretendia proteger.
O julgador, para reconstituir a teleologia da norma, vai procurar apoio no direito dos juristas
(na doutrina e na jurisprudência). Isto significa que o julgador não está a imputar por ele próprio
esse objetivo a norma, ele está a dar atenção ao sistema jurídico (aos critérios da jurisprudência e
da doutrina) para reconstituir o sentidos atribuíveis a norma. Posto isto, a reconstituição da ratio
legis só é possível mobilizando inteligentemente o sistema jurídico (segundo HECK, obedecer à
norma não é obedecer cegamente à sua letra, mas à sua finalidade prática, ou seja, à sua teleologia - é o
que se pode dizer uma obediência inteligente) e dando atenção aos critérios de doutrina e
jurisprudencial.
Filipa R. G. 82
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo: No caso da união de facto, para resolver aquele problema de saber se a Maria
(enquanto unida de facto) tem ou não direito à pensão de sobrevivência (atribuível ao cônjuge
sobrevivo), é importante perguntar qual a finalidade prática da norma que estabelece um pensão
de sobrevivência.
Resposta: Atendendo à ratio legis da norma hipotética (a cláusula) é necessário alargar o seu
campo de aplicação, assimilando o caso de união de facto, podendo para isso invocar-se:
— A lei n.º 7/2001, de 11 de maio (lei das medidas de proteção da união de facto) encontramos
uma norma que é o artigo 3.º/1/e que diz que as pessoas que vivem em união de facto nas
condições previstas na presente lei têm direito a protecção social na eventualidade de morte do
beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da
presente lei.
— O artigo 63.º/1 da CRP que diz que todos têm direito à segurança social.
Assim, será de concluir, tanto ao nível da relevância da norma (adaptação restritiva), como ao nível
da teleologia (extensão teleológica), pela atribuição da pensão de sobrevivência à Luísa. A
adaptação restritiva e a extensão teleológica aparecem aqui como soluções complementares e
articulares, não havendo aqui nenhuma contradição.
Filipa R. G. 83
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Concentrando-se na norma hipotética do artigo 410.º/3 (levada a sério como norma aplicável) e
na reconstituição da sua ratio legis, admita que selecionou uma compreensão doutrinal
(beneficiando de uma fortíssima presunção de racionalidade) no qual se reconhece que o
propósito da referida norma é proteger o interesse daquele promitente comprador que (enquanto
sujeito individual adquirente de imóveis) se possa dizer inequivocamente consumidor [«A exigência
do reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou dos promitentes intenta a protecção dos
meros particulares adquirentes de direitos reais sobre edifícios ou fracções autónomas destes. É uma
disciplina que se reconduz ao âmbito de defesa do consumidor e que se esgota aí...»]. O conceito de
consumidor que assim se pressupõe é por sua vez assimilado da «definição legal proposta no n.º
1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor:) [«[C]onsidera-se
consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer
direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade
económica que vise a obtenção de benefícios»].
Resposta: A ratio legis do 410.º/3 é proteger os interesses promitente comprador quando esse
promitente comprador for um consumidor, ou seja, for um sujeito individual que vai adquirir bens e
que os destina a uso não profissional. Tal compreensão da teleologia da norma é a defendida pela
doutrina e beneficia de uma forte presunção de racionalidade. Contudo, o promitente comprador e
o promitente vendedor são duas empresas profissionais do âmbito da construção e promoção
imobiliário, logo os interesses em jogo no caso concreto não são interesses de compradores
individuais que se possam dizer consumidores, assim não é suscetível de ser invocado o artigo
410.º/3 do Cód. Civil e a exigência da forma não se revela teleologicamente sustentável.
Haveria aqui questões complementares: pode ser invocada aqui, para resolver a questão, o artigo
334.º do Cód. Civil que é a norma do abuso de direito (B diz que não é preciso assinaturas e
depois invoca a sua falta para pedir a nulidade do negócio).
Filipa R. G. 84
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Para uma proposta jurisprudencialista inserir uma redução ou extensão teleológica neste
momento não causa qualquer dificuldade. Contudo, a teoria tradicional tende a resistir a essa
possibilidade, porque fazer reduções ou extensões teleológicas significa pôr em causa o limite
que é imposto pelo elemento gramatical. A redução ou extensão teleológica são resultados da
interpretação que admitem a possibilidade de atribuir à norma sentidos que são verdadeiros
candidatos negativos, ou seja, que são sentidos excluídos pela letra.
LARENS admite a extensão e redução teleológica, mas quando as admite diz-nos que fazer
uma extensão teleológica já não é propriamente interpretar a norma, mas sim usá-la como um
critério para resolver o problema duma lacuna. LARENS não quer abdicar da ideia de que a letra da
lei tem de ser o limite da interpretação, por isso, se se usa uma norma para chegar a uma
solução que contraria a letra, o que se faz não é um exercício interpretativo, mas um exercício de
construção autónoma da juridicidade/normatividade que pressupõe como tal a verificação prévia
de que existe uma doutrina. Este argumento permite preservar o pressuposto (fundamental da
teoria tradicional) de que a letra tem função negativa e, ao mesmo tempo, acolher como
possibilidade da extensão e redução teológica.
Partindo do caso e experimentando a solução que a norma permite dar ao caso, agora o
problema é saber se a resposta obtida a partir da norma - nomeadamente utilizando o confronto
analógico das relevâncias e utilizando todos os argumentos teleológico - e a dar ao caso concreto,
mobilizando do critério daquela norma, é uma resposta compatível com as exigências dos
princípios que sustentam o domínio dogmático em que a norma e o problema se inserem -
interpretação conforme aos princípios.
No fundo, é a questão da relação com os princípios, princípios esses levados a sério como ius
(como direito vigente) e, por isso, para reconstituir as significações desses princípios, tem de
fazer apelo a outros estratos do sistema jurídico, nomeadamente ao estrato da doutrina e da
jurisprudência - ao direito dos juristas.
Filipa R. G. 85
METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
Exemplo 1. Há mais de dez anos, Júlia deu de arrendamento a António um grande e velho pavilhão, de
construção precária, situado num terraço (com entrada independente e belíssima vista) de um prédio
urbano de que é proprietária, pavilhão este que se destinava a constituir o estúdio do António, um jovem
pintor. António, que entretanto se tornou um artista muito mediático, tem continuado a trabalhar no
pavilhão e paga atualmente a Júlia a renda mensal de 70€. Na sequência de um inverno particularmente
rigoroso, António intenta uma ação contra Júlia (sem falar com ela previamente), pedindo que esta seja
condenada a realizar obras no montante de 15000€ (obras tidas como indispensáveis para preservar o
isolamento do pavilhão) e a pagar-lhe as quantias de 40000€ (a título de indemnização pela deterioração
parcial de um dos seus quadros) e de 5000€ (por danos morais referidos ao impasse criativo que as
condições do estúdio lhe têm provocado). Júlia defende-se invocando que, no momento da celebração do
contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o pavilhão já sofria das infiltrações em causa e que o
arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, aceitou celebrá-lo nestes termos; a renda muito
baixa refletiria de resto esta circunstância (pelo que realizar agora as obras representaria uma violação
intolerável das exigências de equilíbrio associadas às prestações contratuais). António riposta, acentuando
que tem cumprido sempre pontualmente as suas obrigações de pagamento da renda, tendo
inclusivamente concordado com a actualização que há um ano e meio permitiu passar dos 45€ iniciais para
70€; afirma ainda que as infiltrações se têm acentuado significativamente nos últimos anos (o estado do
pavilhão é agora incomparavelmente outro!) e que Júlia tem condições patrimoniais que lhe permitem
facilmente suportar os montantes solicitados.
Exemplo 2. Maria é proprietária de uma pequena vivenda, de construção frágil, muito vulnerável a
infiltrações, a qual deu de arrendamento a Pedro há mais de quarenta anos. Pela contrapartida do uso e
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Resposta: No plano literal, as obras deveriam caber integralmente ao senhorio, mas a situação
concreta é de um enorme desequilíbrio ao nível das prestações, porque o arrendatário está a pagar um
renda baixíssima e as obras que exige são obras de um montante elevado. Portanto, tendo em conta o
princípio do equilíbrio das prestações ao nível de uma responsabilidade por reciprocidade comutativa - em
que se exige o mínimo de equilíbrio entre as prestações - pode introduzir-se uma correção à norma ao nível
da fundamentação, à luz desse princípio, que atribui essa responsabilidade integralmente ao senhorio
neste caso concreto com estas circunstâncias específicas (com o desequilíbrio das prestações, a casa
quando arrendada já tinha problemas de construção e vir agora exigir que esses problemas sejam vencidos
representa uma violação desse princípio, etc.).
Apesar da jurisprudência judicial vir a entender que se trata de um exercício abusivo do direito às obras
por parte do arrendatário, o Dr. Linhares não crê que essa fundamentação seja a mais feliz, pois é possível
chegar a uma solução semelhante invocando o princípio da responsabilidade comutativa.
O arrendatário ainda exige indemnização ao senhorio por falta das obras e pelo estado de saúde e
psicológico em que se encontrava por causa das condições da casa.
Filipa R. G. 87
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Exemplo: Uma norma do Código Seabra que dizia que se estamos a exercer o nosso direito e
estamos a exerce-lo dentro dos seus limites constitutivos (de ordem formal), não poderíamos vir
a ser responsabilizados pelos danos que esse exercício cause, porque seria um contra-senso
admitir que o exercício de um direito possa responsabilizar pelos danos que eventualmente
venham a ocorrer. Esta norma assimilava, de forma direta, o modo como se pensava o princípio
da autonomia privada, atribuindo a cada sujeito uma esfera de arbítrio pensada em termos
absolutos. A conceção do princípio da autonomia privada evoluiu e hoje nós reconhecemos
uma contenção deste princípio muito mais marcada por uma experiência unitária, menos
individualista e menos formal e é por isso que hoje admitimos a possibilidade de alguém
exercer o seu direito abusivamente - abuso do direito. O princípio da autonomia privada era
compreendido em termos formais e individualistas e passou a ser entendido noutros termos.
• Uma situação mais grave é aquela em que não há conciliação possível entre a norma e
o princípio, porque há uma contradição: a solução que obtenho com a mediação da
norma é uma solução que, em concreto, viola o princípio. Aqui a solução-resposta
metodológica proposta pelo jurisprudencialismo é uma solução-limite e como tal tem
de ser especialmente fundamentada: a resposta é a preterição (conforme aos
princípios). Preterir a norma significa obter uma solução para o caso de acordo com o
direito, mas que é, em concreto, contra lege - o caso concreto não se consegue uma
solução com àquela norma porque ela vai preterir um princípio, aquela norma
representa uma desobediência e põe em causa a sua autoridade político-
constitucional. Isto tem um significado apenas metodológico, não quer dizer que a
norma deva posta fora do corpus iuris e que deva ser rejeitada definitivamente.
Será que estas questões da interpretação conforme aos princípios não seriam suscetíveis
de ser resolvidas através da invocação da interpretação conforme à constituição? À primeira
vista, poderia admitir-se que sim, se se pensar numa constituição de consenso, que procure um
maior rigor possível consagrar todos os princípios nos diferentes domínios dogmáticos. Contudo,
Filipa R. G. 88
METODOLOGIA DO DIREITO
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Assumir tal solução colocaria sempre o problema da interpretação da constituição, porque ela
é um texto com a sua própria índole, que se socorro de muitas formulações abertas e
indeterminadas. Assim, se se admiti-se que a constitucionalidade é o limite da juridicidade, não
se teria sequer critérios, padrões ou referentes para a sua interpretação, o que coloca problemas.
Todavia, a partir dessa solução é mais fácil defender soluções semelhantes às da correção e às
da preterição, porque aí não se tem de invocar os princípios, o que invoca é a constituição como
lei superior e o que aconteceria era que essa lei superior derrogaria toda a lei inferior.
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CASO Nº 1:
Na sequência de uma forte indisposição, o Manuel deslocou-se aos HUC, onde se lhe
identificou um vírus. Tinha de ser internado, mas, uma vez que os HUC estavam cheios, foi
aconselhado a voltar a casa. Passadas duas semanas e já recuperado, o Manuel procurou
apresentar uma justificação de faltas para a entidade patronal e foi confrontado com o
Regulamento: “as faltas por razões médicas só podem ser justificadas mediante
internamento hospitalar”.
O grande problema é sobretudo o da questão de direito em concreto. Conseguimos identificar
o ponto da discórdia, que põe em jogo as consequências práticas da metodologia. O modo
como se entende a realização do Direito e a própria questão de direito em abstrato condiciona os
próprios resultados práticos que podemos obter.
As razões pelas quais não pode apresentar o atestado não lhe são imputáveis. Aliás, ele reunia
condições para ser internado. Perante uma norma que exige peremptoriamente a apresentação
de atestado de internamento para justificar as faltas, como é que o indivíduo pode apresentar
razões metodologicamente articuladas de forma a que esta justificação legalmente prevista se
estende também a ele? A lei não contempla a sua situação. Ele não tem um atestado para
apresentar, dificuldade que é definida pelos limites do elemento gramatical. A este propósito,
suscita-se sempre, por um lado, um debate acerca da compreensão metodológica devida em
sede de interpretação e, por outro do lado, teremos sempre alguém a invocar a lei. Apesar do que
a lei dispõe, deve-se abarcar a situação daquele trabalhador.
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Teóricas
Encarar as coisas desta forma não tem nada de jurídico. Para os positivistas, temos de
determinar o sentido que esta norma pode ter – atender ao elemento mais objetivo e tangível que
o texto nos oferece: o elemento gramatical. Permite selecionar os significados possíveis. É certo
que a letra pode ser ambígua, mas a ambivalência não é total. Excluem-se todos os demais –
candidatos negativos. Por isso se fala no sentido negativo da lei. Mas há uma série de outros
sentidos que ocupam uma região intermédia – não são os imediatamente associados à palavra
nem são os liminarmente descartáveis. Olhando à história do preceito e ao contexto em que ele
aprece, pode concluir-se que ali aquele conjunto de palavras foi usado com um significado que
não é o mais comum. Podem estar usadas num sentido mais amplo ou num sentido mais restrito.
O que quer dizer que temos três resultados a que o Método de Interpretação nos pode conduzir:
— Olhando aos elementos do espírito se considera que aquele elemento gramatical deve ter
um significado mais amplo ou mais restrito:
• Interpretação extensiva;
• Interpretação restritiva.
Estes resultados obtêm-se em abstrato. Não é preciso caso nenhum para chegar a esta
conclusão.
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• Interpretação ab-rogante.
Para nós, não é como texto que a norma importa. Por isso não falamos em elemento
gramatical e espírito. Por isso, a interpretação não é uma hermenêutica e sim um problema
prático-normativo. Como é que resolvo o caso para cumprir a exigência da norma? Só diante
deste caso é que sei o que a norma pede ao caso. A interpretação não é conhecer, é julgar. Por
isso é que o Método que usamos é diferente do tradicional. Um método em que se relativiza o
papel da letra. Para determinar o juízo de valor que uma norma contém, o elemento gramatical
não é determinante.
O grande problema é comparar o nosso caso com o caso que a norma pretende resolver. É a
grande analogia do momento da questão em concreto.
Todas as vezes que há um caso é preciso ver quais as normas aplicáveis. O que significa que
não há casos fáceis. Uma vez composta a norma-problema, em que é que ela dá quando a
aplicamos ao caso? Os objetivos da interpretação não são os mesmos. Importa ter uma dupla
orientação, espelho da dialética problema-sistema: a norma tem de ser uma síntese do sistema
de valores de que faz parte e da resolução eficaz do problema que temos em mãos. Os
elementos da interpretação podem ser chamados pelos mesmos nomes, mas são elementos da
norma como critério e não da norma como texto. E é fundamental acrescentar o elemento
teleológico – extratextual.
Os resultados interpretativos passam a ser outros. No caso, nenhuma interpretação por mais
extensiva que fosse poderia fazer valer esta norma para o senhor que não apresenta atestado.
Perguntamos porquê que se exige o atestado? Porque, estando internado, não pode estar a
trabalhar. Mas qual é a razão? A gravidade da doença que a pessoa tem. Há incapacidades tais
que limitam a pessoa de trabalhar e justificam o acompanhamento através do internamento. O
nosso sujeito tinha direito a estar internado, só não havia vaga. Se o caso é suficientemente
semelhante ao da norma, ela deve ser aplicada. Mas devemos fazer um esforço de justificação.
Sempre que queremos justificar os resultados desta interpretação em sentido prático, devemos
ter em conta três momentos fundamentais.
• Coincidência parcial: mais esforço para justificar o uso da norma. O problema continua a
ser semelhante. Podemos, portanto, falar de uma assimilação parcial por adaptação
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METODOLOGIA DO DIREITO
Teóricas
CASO Nº 2
Nas últimas eleições, o António foi votar com a filha Margarida de 2 anos ao colo. O
presidente da mesa de voto não colocou qualquer obstáculo a que se dirigisse à cabina
com a criança, mesmo sabendo que da lei eleitoral consta uma norma segundo a qual “o
votante deve proceder à sua escolha sozinho”, com a ressalva de algumas situações
excecionais (invisuais ou portadores de deficientes), nenhuma das quais correspondente à
situação em apreço. Impugnadas as eleições, o juiz é chamado a apreciar o ato em causa,
tendo em consideração esta aparente violação da lei.
Resolução no momento teleológico-sistemático.
CASO Nº 3
A Matilde foi contactada por Ricardo, importante colecionador de jóias, na sequência de
uma investigação que este desenvolvera, com vista à determinação do paradeiro das peças
da rainha D. Amélia, doadas por esta a alguns dos seus próximos. Alegava o especialista
que Matilde tinha em posse um anel, provavelmente herdado de uma trisavó. A Matilde
sabia, ainda que vagamente, dos antecedentes que a relacionavam com a casa real. Mas
não associava o anel a isso. Acordou com a venda do anel. Matilde foi bastante solicitada
por outros museus. Declinou sempre a favor de Ricardo. Escassos meses após a
transação, percebeu-se que o anel não era o verdadeiro. Ricardo pretende invalidar o
negócio.
Aqui a resolução passa pelo “momento dos fundamentos”. O conteúdo das normas não pode
contrariar os princípios, não abstratamente e sim diante dos casos. A regra que estabelece a
anulabilidade dos negócios por erro tem como finalidade evitar relações jurídicas baseadas em
erro.
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