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METODOLOGIA DO DIREITO

Teóricas

Prof. José Manuel Aroso Linhares

Aula dia 17 de setembro de 2019

Bibliografia:
— Metodologia jurídica, Castanheira Neves

— Lições de metodologia, Pinto Bronze

Avaliação:

— A. R. (dia 22 de outubro e dia 13 de dezembro às 17h) ou exame final

I. INTRODUÇÃO

A. Conceito de Metodologia do Direito


A Metodologia do Direito preocupa-se com certas práticas jurídicas e com uma possível
reflexão sobre o percurso que essas práticas devem desenvolver, ou seja, o seu esquema
metódico. Essas práticas são as práticas jurisdicionais, ou seja, correspondem ao tratamento e
resolução dos casos pelos juizes. Assim, a Metodologia do Direito ocupa-se com uma reflexão
sobre o método que deverá ser seguido pelos julgadores quando mobilizam os materiais jurídicos
- modus operandi do juiz. Trata-se de perguntar como os juizes devem decidir e qual o caminho
para a decisão (questão metadogmática), pergunta esta que não pode ser abstrata, isto é, não
pode ignorar as tendências da prática, tem de ser contextualizada - no nosso caso, no contexto
romano-germânico.

No curso, relativamente ao esquema metódico, temos a proposta de pensamento de


Castanheira Neves designada proposta metodológica jurisprudencialista, sendo esta uma
proposta entre outras igualmente possíveis - não se trata de uma proposta fechada nem única.

B. Sentido da reflexão metodológica — ver O papel do jurista no nosso tempo, Castanheira Neves

De acordo com a perspetiva de Castanheira Neves, deve-se distinguir 3 questões/problemas,


numa perspetiva metadogmática, que deverão ocupar o jurista:

1. O porquê do direito? É uma questão dirigida ao problema do fundamento do direito, pela


validade do direito, enquanto tal, sobretudo porque é uma pergunta preocupada com as
exigências, valores, aspirações, expectativas e interesses que distinguem o direito, permitindo
pensar o direito como direito. A resposta que é ensaiada por Castanheira Neves tem a ver com a
exigência de entender o direito a partir da institucionalização do direito como uma ordem de
validade e esta é pensada, na sua autonomia, a partir de uma exigência de inter-relação de
sujeitos-pessoas - o direito tem como aspiração a institucionalização de uma comunidade de
sujeitos-pessoas.

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2. Para quê o direito? É uma questão dirigida ao problema da função humano-social do
jurídico (o que depende do contexto histórico, isto é, da realização histórico-concreta da ideia de
direito). O direito tem um papel como instância crítica da institucionalização social. Espera-se que
o direito, na perspetiva da validade, estabeleça limites claros ao exercício do poder ou também à
própria dinâmica gerada pelas práticas económicas, em nome de um projeto de humanidade que
nos remete para a pessoa.

3. De que modo é que o direito atua? É uma questão dirigida em pleno ao problema
metodológico. A questão em causa tem a ver com a realização (e não aplicação) do direito em
concreto, ou seja, com a exigência de reconhecer, no caso concreto da vida, o verdadeiro prius
metódico. Isto significa que o núcleo de identidade do direito deve ser procurado na resposta que
o julgador vai dar à controvérsia através da mobilização dos materiais jurídicos - deve-se
reconhecer na decisão jurídica concreta uma nova e irrepetível síntese de juridicidade, isto é, uma
nova assimilação jurídico-judicativa da realidade, mobilizando critérios normativos que, embora
referidos através da norma, transcendem na sua intenção e projeção normativas a própria norma.

A referência a estas perguntas permite compreender que um dos grandes problemas que
deverá ocupar a reflexão metadogmática é o problema metodológico, ou seja, de que modo o
julgador deverá mobilizar os materiais jurídicos para resolver as controvérsias.

Reconhece-se que a reflexão metodológica não pode deixar de refletir a compreensão que se
tem do direito. Não se pode colocar a pergunta de que modo o direito atua de forma neutra, isto
é, independente do sentido do direito.

C. Componentes da metodologia (meta-odos-logos) ou metodonomologia (meta-odos-nomos-


logos)
São componentes da metodologia:

1. Meta: Atingir uma finalidade/propósito;

2. Odos: Caminho/percurso que se vai desenvolver de acordo com determinadas etapas;

3. Logos: Reflexão racional que vai, em muitas etapas, ser uma autoreflexão.

Esta conjugação permite falar aqui de uma reflexão racional discursiva sobre um percurso que
tem um determinado objetivo (que é a realização do direito em concreto como resposta ás
controvérsias, mobilizando os materiais jurídicos).

Fernando José Pinto Bronze propõe a metodonomologia. O neologismo metodonomologia


permite identificar uma reflexão metodológica que nos aparece rigorosamente concentrada no
problema da realização jurisdicional do direito. A formulação em causa, ao fazer convergir o
significante  nomos  com os outros três  (meta, odos, logos), identifica uma certa conceção
do  modus operandi do juiz, precisamente aquela que lhe atribui a identidade de um  decisório
juízo concreto, de tal modo que este significante possa sintetizar o caminho racionalizantemente
percorrido pela reflexão judicativa para que in concreto se realize a intenção prático-normativa do
direito.

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D. Relação entre logos e método
São três os tipos de relações que podem aqui estar em causa:

1. Relação de exterioridade construtiva (séc. XIX): Neste contexto do positivismo científico,


é constituído um Método Jurídico que tenta racionalizar cientificamente a prática do pensamento
jurídico. Há uma determinação previamente pensada e exterior (pois é proposta fora e
independentemente da prática) de um caminho, de um discurso teorético, ou seja, de um conjunto
de etapas, e a sua aplicação à prática, com a intenção de a dominar racionalmente e de se impor
a ela. Neste sentido a prática é suscetível de ser modelada de acordo com um discurso teorético
científico. Posto isto, o método, que tem dimensão autónoma e que é definido como condição de
racionalidade, é desenhado em termos analíticos e imposto à prática, entendendo-se esta como
racional apenas quando obedecer a esse caminho ou etapas. Assim sendo, estamos perante um
modelo prescrito para uma prática, e que não só pré-determina e mesmo pré-constitui uma
prática, como será ainda o decisivo critério de validade ou racionalidade dessa prática.

Nas palavras do Dr.º Vale, há uma posição normativa sobre o que deve ser o método, que
deve ser definido antes da prática, ou seja, é um método a priori, deixando-se de pensar sobre
ele e faz-se apenas o que foi estabelecido.

2. Relação de imanência constitutiva (Época medieval): O conjunto das práticas jurídicas


tem as suas operatórias (discursos racionais) que obedecem a condições específicas e aquilo
que a reflexão metodológica deve fazer é descrever essa prática. Isto significa que é a própria
prática que se vai desenvolvendo criando o seu próprio método. Havia uma homogeneidade na
validade (a razão é a racionalidade constitutiva do método que a prática em si mesma realiza e
manifesta), pelo que não havia a necessidade de desenvolver uma reflexão autónoma do método.

Igualmente nas palavras do Dr.º Vale, assume-se que está imanente o método à prática
jurídica, havendo ou não consciência disso, e utiliza-se um método descritivo.

Stanley FISH tem uma visão das práticas e dos discursos muita próxima da referência a uma imanência
constitutiva e é cético quanto ao interesse que pode ter a reflexão metodológica.

De acordo com a sua compreensão, as práticas juridicamente relevantes (como quaisquer outras
práticas) distribuem-se por experiências coletivas auto-subsistentes e pelos critérios de correção
profissional que as distinguem, estabilizando-se assim em torno de projetos interpretativos e das rotinas
que estes institucionalizam. Poderíamos neste sentido falar da  comunidade interpretativa  dos juízes e
das  situações institucionais  que a autonomizam, distinguindo-a das comunidades interpretativas dos
advogados, dos juristas académicos (dogmáticos ou metadogmáticos), dos não juristas, etc. Sendo certo que
por  comunidade interpretativa  se entende assim um conjunto dinâmico de referentes (cânones,
códigos  linguísticos  e  extralinguísticos, projetos de realização, materiais canónicos, processos de textualização-
retextualização, intenções de leitura, canais expressivos, representação de auditórios), em permanente

reformulação, com uma capacidade decisiva de assimilação-conversão de padrões exteriores.

Assim, toda e qualquer tentativa de reflexão metodológica com uma intenção prescritiva ou crítica
estaria condenada à improdutividade de um  cálculo teorético, dominado por exigências e códigos
discursivos estranhos à prática em que pretende intervir. Por outros palavras, estar a refletir sobre o

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método assumido na prática é raramente produtivo, porque quando se reflete sobre outra prática, p. ex., se
o jurista académico refletir sobre a prática dos juizes, o que está a fazer é refletir essa prática a partir dos
seus próprios códigos que são códigos diferentes dos juizes.

Em todo o caso, mesmo que esta reflexão se mostrasse concludente, ela não escaparia, no entanto,
hoje, a uma outra dificuldade que é a das ameaças que se dirigem à integridade destres grupos e micro-
grupos. Ameaças que comprometem a unidade dos sociolectos e dos cânones  profissio-
nalmente  mobilizáveis e a plausibilidade das situações institucionais que estes garantem, na mesma
medida em que fragmentam o projeto interpretativo e as finalidades que o iluminam.

Hoje estaremos em condições de assumir qualquer uma destas duas relações?

A resposta é negativa. Hoje temos de evitar estas duas atitudes, a primeira no sentido de que
refletir sobre a prática dos julgadores não pode ser desenhar um esquema teorético
perfeitamente definido e acabado antes da prática e só depois seguir essa prática, mas também
não estão em condições de ter a tranquilidade de imanência constitutiva e uma das razões que o
impede é a pluralidade e fragmentação que atinge essas práticas. Significa que a reflexão
metodológica de hoje deverá procurar um tipo de relação entre o logos e o método que não seja
nem de pura imanência constitutiva (não pode ser meramente descritiva) nem de exterioridade
construtiva (não pode ser totalmente prescritiva), que seja antes um tipo intermédio (ponto 3.).

3. Relação de reconstrução crítico-reflexiva (Época contemporânea): A razão não


prescreve a priori um método à prática e também o não descobre apenas a posteriori na
descrição de uma prática metódica e antes a razão, assumindo intencionalmente uma certa
prática, vai referir esta aos sentidos fundamentantes para a reconduzir, numa atitude criticamente
reflexiva que terá naqueles fundamentos o seu horizonte e justificação, como que à própria razão
dessa mesma prática. O logos que vai implicado no pensamento metodológico não será aqui
prescritivo, como no primeiro caso; nem descritivo, como no segundo caso; mas justamente
crítico-reflexivo.

A reflexão metodológica como uma reflexão do que os juízes devem fazer (sobre o seu modus
operandi realizável) para corresponderem às exigências de sentido que caraterizam a função
judicial, ou seja, a resposta que o direito deve dar às controvérsias. Portanto, a reflexão
metodologia tem de ter uma componente (analítico-)descritiva e uma componente normativa ou
prático-constitutiva.

Nas palavras do Dr.º Vale, apela-se ao sentido do direito, enquanto fundamento constitutivo e
instância crítica da ação.

Para explorar o  (quase) diferendo  a que o pensamento jurídico contemporâneo nos expõe
sempre que se trata de enfrentar o problema da  jurisdictio  (e de identificar as  intenções de

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realização e os tipos de racionalidade que esta pode ou deve assumir), é possível recorrer a um
diagnóstico-mapping constituído pela sobreposição de três camadas, cada uma delas iluminada
por um critério de distribuição diferente:

1. Opõe o normativismo(s), funcionalismo(s) e jurisprudencialismo [α)];
2. Mobiliza o contraponto  discursos da sociedade/discursos da comunidade  (ou  da
dialética comunidade/sociedade) [β)];

3. Distingue discursos da área aberta e discursos juridistas ou juridicistas [γ)]. 

A especial importância que a primeira e a última destas grelhas de distribuição assumem para
a compreensão do campo temático e do objeto intencional do problema metodológico.

Aula dia 24 de setembro de 2019

E. Tendências que dividem o pensamento jurídico contemporâneo quanto ao modus


operandi do juiz
1. Compreensões normativistas (herdeira do positivismo legalista do século XIX que é um
positivismo normativo): Uma conceção normativista do direito é ainda hoje possível, mas esta
conceção, que foi dominante, é hoje apenas uma conceção entre outras.

A conceção normativista é a conceção que vê no direito um sistema ou uma unidade de


normas que têm uma certa autosuficiência racional. Portanto, o direito está nos enunciados das
normas e esses enunciados obedecem a um programa hipotético-condicional (um programa de
se-então). No fundo, os critérios jurídicos seriam nuclearmente normas que na sua
autosuficiência racional exprimiriam um programa de tipo condicional. Este programa no seu se
(hipótese) prevê situações da vida tipificando-as em abstrato e no seu então (estatuição)
estabelece a consequência jurídica dessa situação.

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As normas aparecem autónoma e racionalmente antes dos problemas, ou seja, antes da
prática, porque, no fundo, quando se considera problemas concretos (quando se responde a
controvérsias) o que se faz é aplicar estas normas.

Assim, o direito é autónomo e está prédeterminado em abstrato e é aí racionalmente


autosuficiente e depois projeta-se esse direito na prática através de um exercício analítico de
aplicação lógico dedutiva.

2. Compreensões funcionalistas pragmáticas ou materiais (2.ª metade do séc. XX): O


direito, tal como nós o compreendemos, deve ser tratado como um instrumento pragmático
flexível de resposta às necessidades sociais que cada tempo e cada local determinarem, pois ele
é uma dimensão da realidade social.

O direito não tem autonomia, ou seja, não terá exigências ou aspirações específicas, ele é
um mero regulativo com vocação instrumental. Portanto, trata-se de pensar o direito ao serviço
de fins extra-jurídicos (ordem política, económica, social, etc.).

Aqui desempenha um grande papel a mobilização de critérios de eficácia ou eficiência - a


representação do direito passa a estar fundamentalmente dominada por fins e efeitos.

3. Compreensões jurisprudencialistas: Trata-se de preservar a exigência de autonomia do


direito. Portanto, há aqui uma maior afinidade com o normativismo, só que esse modo de pensar
a autonomia do direito é um modo particular, trata-se de dizer que o direito tem autonomia
porque as respostas que o direito vai dando aos problemas são orientadas por certas exigências
de validade, aspirações, que têm na verdade certos valores que têm uma identidade específica.

Diz-se jurisprudencialista porque procura pensar a autonomia do direto a partir da perspetiva


do caso. Se assim é, as outras dimensões relevantes que constituem o sistema jurídico
(princípios, normas, critérios da doutrina e jurisprudência) vão ser mobilizadas numa dialética
com esta perspetiva do caso. Vamos encontrar aqui um certo tipo de racionalidade que vive de
uma dialética problema-sistema.

F. Campo temático da metodologia jurídica: ainda a rejeição de uma metodologia jurídica


global
Tem havido propostas que procuraram refletir sobre o método num sentido mais global,
significa que o problema deixaria de ser exclusivo do julgador, para passar a ser de todos os
restantes operadores do direito, como o legislador. Do que se trata é de defender que é possível
encontrar reflexão metódica que seja global, ou seja, que esteja em condições de se oferecer
como método aos diversos operadores do direito. Tal não será possível, na medida em que o
modo como o legislador constitui direito é um modo claramente distinto do modo da intervenção
do julgador. Portanto, não há a possibilidade de uma metodologia integral/global, como um
método único para todas as práticas, pois estas práticas são distintas.

Para defender a possibilidade de um método único teria de se sustentar uma tese de


continuidade discursiva entre legislação e jurisdição, da qual decorre que há uma

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complementariedade institucional entre legislação e jurisdição e que essa complementariedade
institucional se reflete num contínuo que é racionalmente plausível, ou seja, o discurso utilizado,
do ponto de vista racional, é o mesmo. Em oposição a esta tese, temos a tese de
descontinuidade discursiva entre legislação e jurisdição, da qual decorre que a legislação e a
jurisdição são modos racionalmente distintos de criação ou de constituição do direito. A
perspetiva jurisprudencialista aposta neste última tese, sem prejuízo de reconhecer alguns pontos
de contacto entre legislação e jurisdição.

No que diz respeito à tese de continuidade discursiva entre legislação e jurisdição, ela pode
ser explicada por vias diferentes:

• Por uma via formalista (próxima das abordagens normativistas que foram cultivadas pelo
discurso do séc. XIX): Estas propostas (integrais ou globais) são compatíveis com a tese
de continuidade, porque, na perspetiva normativista, o direito se identifica com um
conjunto de enunciados que têm certas caraterísticas e esse direito existe em abstrato e é
constituído por esses enunciados na sua autosuficiência racional. Portanto, criar direito,
que é a tarefa do legislador, para uma perspetiva normativista, é criar uma norma geral e
abstrato e não há outro modo plausível de constituir o direito. Logo, o que identifica o
direito como direito é essa universalidade racional.

A tarefa da jurisdição, que é uma tarefa que é institucionalmente complementada, deve


ser uma tarefa atenta a essas exigências da universalidade racional, pois traduz-se na
projeção, nos casos concretos, dessa universalidade racional, projeção essa que não
pode diminuir o seu impacto. Por isso é que quando a perspetiva normativista trata da
jurisdição procura compreende-la a partir das exigências do discurso lógico-dedutivo:
aquilo que o julgador deve fazer é oferecer uma complementariedade decisiva, através da
aplicação (no plano concreto) das normas pré-determinadas (no plano abstrato). O
julgador tem de ser, em concreto, a boca da lei: silogismo subsuntivo (a premissa maior
tem de ser a norma e a premissa menor o caso que apenas aparece em concreto).

• Por uma via funcionalista material ou pragmática (Hans Albert): Não se fala aqui de uma
racionalidade dedutiva, mas uma racionalidade instrumental ou teleológica, na medida em
que se permite dizer que a legislação quando atua, atua fundamentalmente através de
programas finais ou de fins. Isto significa que quando estou perante uma posição
legislativa estou fundamentalmente perante uma escolha estratégica de determinados
objetivos a atingir através de meios/recursos que se consideram adequados à
prossecução desses mesmos objetivos. Para dizer que há uma definição de estratégias
num plano global, fazendo-se as escolhas quanto aos fins e quanto aos meios a utilizar.

Aqui a jurisdição já não tem uma tarefa de mera aplicação, tem antes uma tarefa de
executar a estratégia e de a maximizar.

Assim, se o legislador é o estratega, o juiz é o tático.

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No que diz respeito à tese de descontinuidade discursiva entre legislação e jurisdição:

• Friedrich HAYEK faz aqui uma distinção entre nomos (jurisdição, ou seja, a prática do juiz)
e tesis (lei do legislador). Esta oposição acentua a exigência de descontinuidade
discursiva, na medida em que diz que o direito que é assumido pela jurisdição é diferente
daquele que é prescrito pela legislação. Este será assentado em escolhas, fins e
deliberações políticas e aquele será um direito referido a uma ordem de validade, pelo
que o julgador, ao responder às controvérsias, não está pura e simplesmente a aplicar a
lei, mas fundamentalmente a levar a sério as exigências do direito como nomos, na sua
validade. Embora vinculado às prescrições legislativas, estas terão de ser
experimentadas/trabalhadas com as exigências dos valores da ordem do nomos. Posto
isto, não há continuidade entre legislação e jurisdição, na medida em que à primeira
compete a realização de políticas públicas e à segunda realização em concreto da
validade do direito.

• Outro modo de fundamentar essa descontinuidade é estabelecer um confronto com a


perspetiva normativista. Esse confronto permite reconhecer que, para a visão
normativista, sobretudo para a visão normativista do iluminismo, quando se fala de lei,
que se exprime numa norma geral, abstrata e formal, ela aparece como uma
manifestação da pureza jurídica (da lei): a lei, por ser universalmente racional, é o critério
jurídico por excelência.

A questão que hoje se coloca é se quando estamos a considerar uma lei podemos ou não
identificar o critério que aparece associado a essa lei preservando essa pureza jurídica. A
resposta é negativa. Hoje nós temos um entendimento distinto das prescrições
legislativas. Sabemos que elas admitem em determinadas circunstâncias sacrificar a sua
universalidade racional e, sobretudo, quando se fala hoje na lei estamos inevitavelmente a
reconhecer uma manifestação que é simultaneamente do sistema jurídico e do sistema
político, ou seja, não há qualquer dúvida de que na conformação da lei intervêm
claramente intenções político-sociais ou ideológicas.

Posto isto, estamos longe da visão iluminista que reconduzia a lei a uma pura
universalidade racional que seria integralmente jurídica. Hoje reconhece-se que a lei são
construções que obedecem a compromissos políticos e ideológicos.

Se a lei tem esta marca política ou ideológica, estamos em condições de poder dizer que
a relação entre legislação e jurisdição se alterou, desde logo porque se a lei assume
novas tarefas não poderá já caber à legislação aquilo que o iluminismo pretendia que
coubesse. No fundo, a legislação aparecia na sua universalidade racional como o garante
da autonomia do direito, integralmente objetivada em leis que eram normas gerais e
abstratas. Há aqui que reconhecer que o papel da jurisdição não deve ser reconhecido
como complementar, porque a jurisdição poderá ser responsabilizada diretamente pela
preservação dessa autonomia do direito.

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Assim sendo, a tarefa da legislação está associada à realização de políticas sociais e a
tarefa jurisdição deixa de estar ao serviço do direito para desenvolver uma tarefa de mera
aplicação da legislação (como era no normativismo), para realizar (em concreto) as
exigências do direito, o que implicaria a mobilização e o tratamento da legislação,
experimentando-a na sua face estratégica e na sua relação com os princípios, e
experimentá-la na sua relação com os princípios significa, em grande parte, estar ao
serviço dessa autonomia do direito

Por conseguinte, a tese principal é a da descontinuidade, mas, em todo o caso, não estão
excluídas algumas relações entre legislação e jurisdição.

Note-se ainda que se deve distinguir claramente o que é o critério jurídico-legislativo e o que é
o critério jurídico jurisprudencial/judicial. Este último é o critério do caso concreto (e nunca uma
regra ou norma geral ou abstrata), que resultará em decisões concretas e exemplares.

G. Objeto intencional da metodologia e o sentido problemático: ainda o juízo-julgamento


Há uma expressão que importante para o esquema metódico que tem a ver com a perspetiva
jurisprudencialista que é a expressão juízo decisório. Ao falar de sentença estamos a mobilizar
duas componentes:

(1) Componente decisão: Associa-se a decisão a uma manifestação da vontade do


julgador - há aspetos na sentença que são volitivos.

(2) Componente juízo-julgamento: O que identifica a sentença como jurídica é a exigência


de poder submeter essas decisões a um tratamento racional, ou seja, de poder
fundamentar essas opções, sem eliminar por completo a componente volitiva, mas
permitindo sempre que essas opções sejam fundamentadas. São as escolhas que o
julgador vai fazer quando responde à controvérsia concreta, escolhas essas que têm de
ser referidas ao sistema jurídico e ao sistema jurídico na sua pluridimensionalidade
(normas, doutrina, princípios, etc.).

Associação a cada uma das conceções de um modelo de modus operandi do juiz:

• Normativismo: paradigma o da aplicação.

• Funcionalismo material: paradigma de decisão, de escolha entre alternativas possíveis


de decisão e a escolha é sempre orientada por fins e por efeitos.

• Jurisprudencialismo: paradigma do juízo, em grande parte uma reflexão como se


constrói ou como se devem construir os juízos-julgamentos assimilando as relevâncias
da controvérsias concretas.

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II. O PROBLEMA DO TIPO DE RACIONALIDADE NUM CONTEXTO DOMINADO


PELA PLURALIDADE DAS RAZÕES

1. Considerações introdutórias
Quando pensamos na realização do direito em concreto estamos a pensar no modus operandi
do juiz. Contudo, antes de olharmos para esse modus operandi, temos de saber que tipo de
discurso racional (racionalidade) está a ser desenvolvido.

Será que está em causa um único ou vários tipos de racionalidade? A resposta dependerá
do momento da história da prática jurídica em que nos encontrarmos. P. ex., no século XIX
tendeu-se a pensar a racionalidade apenas em função do discurso científico e isso representou
um processo de contenção e até mesmo de rejeição/renúncia de certos tipos de racionalidade
que tinham desempenhado um papel importante num contexto pré-moderno. Já no século XX
houve uma revitalização da pluralidade dos discursos racionais e na segunda metade ainda
desse século foram feitas várias tentativas para sistematizar os tipos de racionalidade, o que, no
nosso contexto ocidental, sempre tendeu a regressar ao livro VI (as virtudes intelectuais) do texto
Ética a Nicómano, de ARISTÓTELES. Este texto trata de um conjunto de práticas que têm
intenções diferentes no modo como se dirigem à verdade e tipifica os vários tipos de
racionalidade que correspondem a um esquema plural (que ainda hoje se fala).

A resposta atual é que o direito tem assumido nas suas práticas diferentes racionalidades,
logo podemos hoje falar de uma pluralidade de tipos de racionalidade.

Admiti-se 3 tipos de racionalidade:

1. Racionalidade lógico-formal: Relação entre proposições/enunciados, segundo regras


que exprimem uma estrutura estritamente sintática e cuja validade se afere pela mera
compossibilidade entre esses elementos proprosionais (a=b=c; a=c).

2. Racionalidade teorética (diz-se teorética porque a palavra teoria, em grego, significa contemplação):
Baseia-se num esquema sujeito-objeto, ou seja, numa relação entre possíveis
enunciados que o sujeito produza e a realidade/objeto que esse sujeito está a observar.
Temos um sujeito que está a contemplar ou a dirigir-se a um objeto (que pode ser
variado, p. ex., normas, comportamentos, decisões, enunciados linguísticos, etc.) para
o descrever, compreender ou experimentar, com a pretensão de o conhecer. O esquema
é determinado pela adequação dos enunciados, que serão verdadeiros/válidos se
corresponderem à realidade descrita.

3. Racionalidade prática: Baseia-se num esquema sujeito-sujeito, pois este tipo de


racionalidade estaria, desde logo, ligado à comunicação por parte de um sujeito com

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outro sujeito de argumentos, posições e pontos de vista, que o outro sujeito vai
assimilar e aos quais vai contrapor, em termos dialéticos.
(4) Para além destes tipos de racionalidade, hoje temos outra possível que é a
racionalidade finalística-instrumental-estratégica-funcional-pragmática, que é
baseada em escolhas estratégicas de fins, no uso de meios para atingir esses fins e na
antecipação de uma série de alternativas de decisão que depois vão ser taticamente
prosseguidas.

Estamos perante um tipo de racionalidade que não se consubstancia:

- Nem numa racionalidade lógico-formal, pois não se coloca uma questão de


consistência sintática de enunciados;

- Nem numa racionalidade teorética, apesar de se basear nas informações dos


recursos científicos e da técnica;

- Nem numa racionalidade prática, pois, apesar de ter uma importante projeção
na prática, não é uma prática sujeito-sujeito.

Estamos, assim, perante um tipo de racionalidade diferente que é voltada para a


produção de efeitos ou resultados (esta é a dimensão prática) e é inspirada nos
conhecimentos da realidade, ou seja, tem uma base teorética, mas quando ela atua em
termos práticos, ela não atua através da convocação de princípios ou valores ou
argumentos, ela atua através da produção de efeitos no contexto de uma pragmática.

2. A racionalidade do discurso lógico-formal, na sua pretensão de consistência sintática


A relação que aqui está em causa é uma relação entre enunciados/proposições que é uma
relação fundamentalmente sintática, que se abstrai do conteúdo das próprias proposições, pois o
que é fundamental é o modo como estruturalmente esses proposições nos aparecem. Esta lógica
formal, na sua vertente dedutiva, aspira a que se definam uma série de implicações que são
necessárias - se se mobiliza certas premissas, tem de se extrair dessas premissas
necessariamente uma conclusão.

Dois exemplos de mobilização da racionalidade lógico-dedutiva pelo discurso jurídico, em dois


momentos distintos e com intenções também diversas:

1. A conceção do sistema assumida pelo jusracionalismo moderno do século XVII (de GRÓCIO até
WOLF) enquanto verdadeiro direito natural racional (um conjunto de princípios e normas que,
tendo implicações ao nível de conteúdo, seriam normas que todos nós - enquanto sujeitos
racionais – poderíamos e deveríamos conhecer - por sermos seres de razão). O Direito que a
razão conhece era um edifício perfeito devido à consistência lógico-sintática entre as normas,
pois elas partiam e eram deduzidas do mesmo axioma/premissa.

2. O paradigma da aplicação assumido pelo normativismo do século XIX: o método do silogismo


subsuntivo - ver Linhares, Sumários de Introdução ao Direito I, pp. 45 e ss. (3.1.3.) . A premissa maior é
constituída pela norma geral e abstrata e a premissa menor é o resultado da subsunção quando
cumpridas as caraterísticas/qualidades previstas, em abstrato, na hipótese da norma, garantindo

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assim um tratamento igual de todos os casos em que essas caraterísticas se verifiquem. O juiz
vai passar do plano geral e abstrato para o plano concreto e individual seguindo os passos que a
lógica formal determina e ele não deve introduzir elementos, pois estará a diminuir a
universalidade das normas.

3. A racionalidade do discurso teorético


Quando estamos a falar de um esquema sujeito-objeto, podemos admitir objetos diferentes o
que acaba por se refletir na próprio tipo de discurso.

3.1. A racionalidade cognitivista do discurso especulativo ou teorético-especultativa


Quando se fala neste discurso fala-se de valores, com dimensão axiológica, que são levados a
sério como se fossem realidades, entidades, substâncias que se pode conhecer numa via que é
metafísica - são valores universais, indisponíveis, imutáveis ou naturais e não um produto da
cultura, que fazem parte da natureza das coisas (não são obras do Homem nem transformáveis
por ele) e, por isso, podem ser contemplados (são expressões do dever-ser e do ser).

Na Ética a Nicómano há uma virtude intelectual que tem como intenção cognitiva a
contemplação desses valores últimos constitutivos da ordem da polis - trata-se da virtude da
sophia (sapiência).

Trata-se de um discurso teorético-especulativo; especulativo no sentido de ser um espelho da


verdade - conhece as verdades tal como elas são e que pode ser comunicada aos outros sujeitos
- ver Linhares,  Sumários de Introdução ao Pensamento Jurídico Contemporâneo, pp. 12 e ss.
(1.1. A communitas pré-moderna e a unidade intencional direito/pensamento jurídico).

Este elemento natural tem dificuldade em se impor no nosso tempo, pois a cultura passou a
ser vista do ponto de vista da historicidade.

Exemplo do discurso do jusnaturalismo pré-moderno, clássico ou medieval. No seu núcleo é teorético,


porque se baseia numa noção de contemplação.

3.2. A racionalidade  teorético-explicativa  das ciências empírico-analíticas: alusão ao


falibilismo popperiano
Este discurso teorético desenvolveu-se no contexto moderno iluminismo e tem como virtude a
epistémica (ciência).

A ideia moderna de discurso científico é sustentada num discurso teorético, mas um discurso
teorético que é diferente do discurso teorético-especulativo, porque se trata de partir da
observação da realidade que se diz, à partida, física e já não metafísica. É um discurso
epistémico ou científico porque se contempla ou descreve um conjunto de fenómenos naturais
(de existência física) e o objetivo deste discurso é reconstituir conexões entre fenómenos ou
conjunto de fenómenos que permitam dizer que quando um dos fenómenos se verifica há um
determinado grau de probabilidade de se verificar outro fenómeno. Ou seja, considera-se

Filipa R. G. 12
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fenómenos que (humanamente e contingentemente) podemos inserir num certo tempo e espaço
e submete-se-os a uma determinada experimentação universal, chegando (ou não) à conclusão
que um determinado fenómeno é causa do outro - relação causa-efeito (havia a crença de que
seria possível reconstituir uma ordem de causalidade; tratava-se de reconstituir as relações que
existem entre os fenómenos como relações de causa-efeito).

Posto isto, relaciona-se fenómenos observáveis e experimentáveis e o papel da ciência é


encontrar uma regularidade na verificação destes fenómenos que permita falar aqui de uma
hipótese de regularidade geral. A hipótese de regularidade vai ser verificada através do método
da indução, ou seja, observando os fenómenos, concluí-se, passando do plano particular para o
geral, que há hipótese de regularidade entre os fenómenos.

No séc. XX, Karl POPPER levou a que se questiona-se o método da indução. Segundo ele,
tem de se fazer um exercício de falsificação ou refutabilidade. Nunca se tem a certeza absoluta
se se chegou a uma hipótese de regularidade verdadeiramente verificada. O que a ciência deve
fazer é procurar pela negativa, como que procurando incessantemente fenómenos individuais
que ponham em causa as hipóteses de regularidade já aparentemente testadas e consagradas.

Assim sendo, para a explicação de um fenómeno, precisa-se de um conjunto de enunciados e


é nestes que, após encontrar a hipótese de regularidade geral, que tem de ser submetida
permanentemente à falsificação, vamos encontrar uma lei científica.

Esta preocupação de usar o direito como ciência, ao longo da história do pensamento jurídico europeu,
teve momentos conhecidos. A tentativa mais forte e com mais êxito foi a ciência do direito do século XIX
(ciência dogmática do Direito). Esta ciência dogmática do direito, construída sobre positivismo, é orientada
por uma intenção epistémica, mas, se virmos com atenção, o objeto é insólito. O objeto da ciência
dogmática do direito são as normas (enunciados normativos) e não factos ou fenómenos. As normas
aparecem com enunciados (de dever-ser) mais ou menos dispersos/fragmentados (como no modelo
alemão, em que havia um certo pluralismo nas fontes de direito, porque se entendia como fonte do direito
o costume) e que para serem cognoscíveis têm de ser trabalhadas. Tudo isso permite-nos perceber que a
ciência do direito de que estamos a falar não é uma ciência estritamente empírica, mas uma ciência
analítica.

Já no final do século XIX, passou a entender-se que a ciência que importa ao direito não deve ser
analítica, mas sim empírica e no século XX EHRLICH vem dizer que o que o direito, enquanto dimensão da
realidade social, deve estudar são os comportamentos presentes nessa realidade, ou seja, demos-se, em
primeiro lugar, dirigirmo-nos aos comportamentos a que as normas se dirigem.

4. As racionalidades finalístico-funcionais: o degrau instrumental e o degrau estratégico.


Alusão a Hans Albert e ao juge entraîneur tipificado por Ost
Ocupa um espaço intermédio entre a racionalidade teorética e a racionalidade prática. Tem
afinidades com a racionalidade teorética, pois vai pressupor informações rigorosas (da ciência)

Filipa R. G. 13
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sobre a realidade e explicações que sejam suscetíveis de poder ser defendidas pela
universalidade. Na racionalidade finalístico-funcional temos a representação da experiência
técnica no seu sentido mais específico, que aparece associada à ciência, ou seja, esta
racionalidade parte das informações da ciência para prosseguir fins e produzir resultados. A
realidade aqui é apenas condição e possibilidade para atingir determinados fins propostos ou
programados segundo uma certa relação de efeitos (relação meio-fim).

A racionalidade finalística segue os seguintes degraus:

1.º degrau: Escolha o objetivo/fim, para produzir os efeitos pretendidos.

2.º degrau (instrumental): Escolha dos meios/recursos que sejam aptos/adequados, no plano
funcional e no plano instrumental, para prosseguir esse objetivo/fim. Esta escolha não pode ser
uma escolha puramente intelectual, tem de ser uma escolha com base em informações rigorosas
que só as ciências podem dar. Assim, a escolha dos meios tem de ser eficaz, ou seja, o meio tem
de se adequado prosseguir o fim definido.

3.º degrau (estratégico): Após a seleção dos vários meios/recursos, tem de se escolher qual
de entre eles se deve privilegiar, pois, em abstrato, todos eles podem ser eficazes, mas, em
concreto, nem todos são de igual modo eficientes, considerando-se eficiente aquele que permite
atingir o fim com maximização dos benefícios e minimização dos custos.

Hans ALBERT, influenciado por POPPER, defende para o Direito uma engenharia social, ou
seja, ele quer substituir o formalismo do direito por uma tecnologia. Segundo ele, isso faz-se
através do uso as ciências sociais. Tudo começaria no legislador e nas suas estratégias,
escolhendo-se fins e depois discutindo-se, à luz da ciência, a sua realizabilidade. Assim, a
racionalidade dominante no direito seria a estratégica-instrumental.

François OST distinguiu várias imagens do juiz que se foram sucedendo ao longo do tempo. A
imagem que ele associa ao Estado Providência e que associa, sobretudo, à dimensão mais
instrumental e tecnológica é a ideia do juiz-gestor-administrador, ou seja, o juiz que é tático e que
vai ter como preocupação fundamental maximizar as estratégicas do legislador, ponderando os
custos e os benefícios da execução dessas estratégias. Já não é o juiz-árbitro do liberalismo, que
era um juiz meramente aplicador lógico-dedutivo da lei.

Aula dia 08 de outubro de 2019

5. A racionalidade prático-prudencial
A racionalidade prática tem uma índole estrutural associada a um esquema sujeito-sujeito. Em
termos gerais, se explorarmos essa estrutura, podemos imediatamente reconhecer dois traços
fundamentais complementares um do outro:

Filipa R. G. 14
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1) A racionalidade prática é estruturalmente dialógica. Trata-se de pensar nas relações
entre sujeitos em que um deles comunica ao outro um argumento (no sentido amplo do
termo) que é assimilado por ele, ou seja, vemos a estrutura do diálogo feito de
argumentos que se comunicam.

2) A racionalidade prática é também intencionalidade dialética. Dialética aqui no seu


sentido clássico, enquanto disciplina ou ramo do saber que aparece associada à
racionalidade prática e mais diretamente associada à virtude intelectual da prudência
(Ética a Nicómano). É por isso que muitas vezes se fala numa racionalidade prático-
prudencial. Esta virtude traduz uma capacidade estabilizada de responder a problemas
humanos tendencialmente concretos e que se colocam num domínio da prática e do
conhecimento que é o domínio das coisas que mudam, ou seja, que não são
necessárias. Assim, a dialética tem a ver com aquilo que é razoável ao nível da prática
humana, ou seja, ao nível das decisões e ações humanas concretas (phronêsis - relativa
à atividade-energeia das ações e decisões, constitutiva da praxis no seu sentido estrito) e estas
têm uma certa racionalidade, isto é, elas obedecem a uma lógica do provável, razoável
ou verosímil e essa lógica, que parte de enunciados que não são necessários, mas sim
prováveis, plausíveis ou verosímeis, é que era a dialética no sentido clássico.

A verdade é que aqui a dialética aparece associada duas outras disciplinas: tópica e
retórica.

— A dialética para poder ser verdadeiramente um discurso racional precisa de


pressupostos/referentes que, no contexto clássico, eram designados por topoi (o que
significa lugares frequentes ou comuns, que são os valores, os padrões ou os modos de atuação
que partilhamos). Assim, a dialética só seria possível se sustentada numa tópica, porque
se não não havia racionalidade nos argumentos.

— A dialética projeta-se depois numa retórica, porque a retórica preserva a identidade


da dialética e vai preocupar-se em dirigir a dialética em função do auditório, com a
intenção de persuasão.

A racionalidade prática teve importância na cultura clássica e medieval, mas quando se entra
na modernidade ela começa a ser subalternizada ou mesmo rejeitada em bloco, isto porque
aquilo que é prática passa a ser visto pela perspetiva da ciência e acaba por ser assimilado por
uma técnica/operatória (poiesis-technê  - relativa ao movimento-kinésis  das produções-criações e a
mobilizar a  technê  e as suas operatórias como uma dimensão indissociável). Todavia, na segunda
metade do século XX (anos 60 e 70), começou a falar-se, em termos intensos, de uma
reabilitação/recuperação da filosofia prática. Tal movimento de recuperação da racionalidade
prática não poderia deixar de atingir o direito e atingiu, sobretudo, por três vias:

1) Via da tópica-retórica com projeções na teoria da argumentação:

Acentua a importância das disciplinas da tópica e da retórica.

Filipa R. G. 15
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Acentua como ponto de partida, prioridade, perspetiva ou prius o problema
concreto e este mantém-se sempre assim (como ponto de partida, prioridade,
perspetiva ou prius). Assim, quando se vê a racionalidade prática numa perspetiva
tópica, tende-se a dizer que o discurso prático é, sobretudo, uma praxis de resolver
problemas. Portanto, a mobilização que se faz de princípios, normas, de critérios da
doutrina e da jurisprudência faz-se para resolver problemas e todos eles vão ser
experimentados nessa perspetiva, a prespetiva do problema.

Há um confronto que pode ser feito com o discurso científico. Quando se está
perante um problema que surge num contexto da prática científica, esse problema é
sobretudo uma resistência/dificuldade que parece pôr em causa uma hipótese e
que tem de ser explicado. Esse problema é sempre um problema que é o ponto de
partida, mas como que desaparece ou é assimilado pela produção dos enunciados
que constituem o que se chama o explanando - utiliza-se uma série de enunciados
para explicar um fenómeno e esses enunciados vão assimilando o fenómeno num
contexto de hipótese de regularidade mais geral. A diferença em relação ao
pensamento prático é que neste o problema nunca é assimilado, ele só é assimilado
no fim com a resposta à controvérsia.

Theodor VIEHWEG, nos anos 50 e 60 do século XX, procura mostrar que o discurso
jurídico, naquilo que ele tem de específico, terá sido sempre, desde o contexto
romano, fundamentalmente um discurso orientado por problemas e que foi a
modernidade que alterou esse equilíbrio, passando a dar prioridade à norma. No
fundo, o direito é, sobretudo, uma tarefa prática de resolução de problemas
concretos e o ponto de partida (o prius condutor) deve ser o problema concreto.

Chaïm PERELMAN, com a sua nova retórica, procura mostrar que o discurso
jurídico é diferente da demonstração teorética. Ele é um discurso sustentado em
estruturas retóricas e os argumentos se construam por referência a um auditório
universal ou com referências de universalidade.

Stephen TOULMIN recria a própria estrutura do argumento.

Pensar a prioridade o problema significa, quando projetado no direito, referirmo-nos


à própria estrutura da controvérsia jurídica. O pronto de partida é o problema que é
concreto e que é partilhado (pelo menos) por dois sujeitos que têm legitimidade e
autonomia, desde logo, como pessoas jurídicas e autonomia para afirmar a sua
diferença e o que constitui a controvérsia é efetivamente essa diferença. Os sujeitos
partilham a mesma situação da vida, mas sustem pontos distintos. Assim, o modo
como o percurso racional se vai desenvolver é precisamente uma troca de
argumentos e contra argumentos, através dos quais cada uma das partes vai
sustentar racionalmente a sua posição, invocando os tais topoi. A tópica o que
permite é que as partes da controvérsia invoquem o mesmo direito vigente (normas

Filipa R. G. 16
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e princípios) para sustentar posições distintas, tendo sempre em conta as
exigências do princípio do contraditório. O modo como efetivamente a racionalidade
tópica acentua a prioridade do problema leva também a entender que é a própria
discussão dos argumentos a autêntica instância de controlo da racionalidade. Os
argumentos são desenvolvidos de acordo com determinadas expectativas e regras
que vão sendo comunicados e a resposta obtém-se através de processos de
convencimento racional, como se a solução estivesse na própria discussão.

Nesta reabilitação da tópica há uma dificuldade. A tópica clássica podia contar com
o apoio de valores necessários ou indisponíveis (ou seja, com o apoio da sophia) -
havia uma referência tranquilizadora a uma ordem de validade que não era uma
construção humana e, não o sendo, aparecia com caráter de necessidade, ou seja,
havia contingência, pluralidade ou variabilidade. Já no momento de reabilitação da
filosofia prática esse apoio não existe, pois passa-se a estar entregue a uma
circularidade prática e passa-se a entender os valores como construções humanas
ou comunitárias que vão evoluindo à medida que se resolve problemas e isso
acontece porque se invoca os topoi.

Será que a racionalidade jurídica, quando a pensamos associada ao modus


operandi do juiz, é uma pura racionalidade tópico-retórica-argumentativa?
Apesar de haver componentes no discurso que o juiz contrói que têm uma índole
tópico-retórica (como a estrutura da controvérsia, o prius do problema, o princípio do
contraditório, etc.), a resposta é negativa.

Há fortes objeções a que se possa pensar a racionalidade do juiz integralmente


como tópico-retórica.

1) A racionalidade tópico-retórica, ao dizer que a discussão é a instância


principal de controlo, desenvolve uma aceitação em que parece que o
objetivo da argumentação é o consenso (que tem caráter contingente) -
como uma adesão intersubjetiva dos sujeitos da controvérsias e uma
adesão que se faz a posteriori - e o juiz deveria construir a solução para o
caso como se essa solução estivesse a ser obtida desse consenso (do
diálogo e troca de argumentos das partes).

Esta acentuação do consenso e do seu papel é uma ideia que pode ser
diretamente posta em causa pela nossa compreensão do discurso jurídico.
Desde logo, porque falta introduzir uma referência ao verdadeiro papel do
terceiro julgador. Este, quando se considera o seu modus operandi, não
deve atuar como um mero mediador ou árbitro e, na verdade, a solução
obtida não é a solução que as partes construíram. Esta acentuação do
consenso poderá ser sustentada para certas modalidades alternativas (à
jurisdição) de obtenção de soluções, que merecem uma lógica de mediação.

Filipa R. G. 17
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Contudo, isso não acontece no juízo decisório que nos ocupa, porque no
seu núcleo temos uma intervenção do julgador que vai construir o juízo
decisório e esse juízo decisório não tem de corresponder à uma posição de
uma das partes, ele vai ser cumprido em nome do direito, ou seja, em nome
de referentes comuns (que se manifestam nos diferentes estratos do sistema
e que valem e vinculam num plano que se pode dizer apriorístico) aos
sujeitos da controvérsias, mas referentes que é o próprio julgador a
mobilizar, construindo, assim, uma solução para o caso estabelecendo uma
dialética entre problema-sistema. Portanto, ele não está submetido à
dinâmica do consenso.

Posto isto, aqui a tópica falhará ao definir aquilo que é o discurso jurídico.

2) Quando se defende uma perspetiva puramente tópica, tende-se a dizer que


os princípios, as normas, os critérios da doutrinais e da jurisprudência são, à
partida, equivalentes e é nesse sentido que a perspetiva tópica tende a
considera-los topoi. Para a perspetiva tópica, estarei em condições de tratar
todos os elementos/estratos do sistema (princípios, normas e critérios
doutrinais ou jurisprudencias) como topoi e estarei em condições de poder
invocá-los, como se dissesse, em abstrato, que eles são equivalentes e só
em concreto é que se atribui a cada um dos estratos um papel distinto.
Assim, a perspetiva acaba por ser casuística e por relativizar o sistema.

Esta acentuação põe em causa um dos aspetos da racionalidade jurídica, no


seu plano institucional, que é a compreensão do sistema na sua
pluridimensionalidade. O sistema é construído por vários estratos e eles
beneficiam de presunções de validade e de vigência distintas. Logo, não
podemos, à partida, mobilizar estes critérios e fundamentos como topoi
equivalentes, como se fosse o caso a situá-los nas suas relações. De certo
modo, nós poderíamos dizer que a tópica nos traz uma acentuação
excessiva da perspetiva do problema, esquecendo o sistema como sistema
e reconduzindo os estratos do sistema jurídico a meros topoi equivalentes.

3) O tipo de racionalidade prática que se tende a desenvolver na racionalidade


tópico-retórica é uma racionalidade procedimental e não substantiva ou
material. Repare-se que o que se diz é que o conteúdo da solução daquela
controvérsia é o conteúdo que vai ser construído pelos argumentos e
contra-argumentos das partes, sempre respeitando o princípio do
contraditório. Nesse sentido, o controlo racional está na exigência de estes
argumentos e contra-argumentos se submeterem a uma série de regras que
são regras de procedimento. Tais regras não determinam o conteúdo da
resolução, mas apenas incidem no modo como a decisão deverá ser
construída/tomada. Portanto, o conteúdo da decisão não vai encontrar uma

Filipa R. G. 18
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fundamentação direta nessas exigências ou critérios, ele resulta da
observância das regras procedimentais.

Posto isto, a racionalidade prática demite-se do compromisso com um


núcleo material para passar a assumir-se como uma racionalidade
procedimental.

Se tivermos uma posição do direito puramente procedimental, a própria


racionalidade do juiz deve ser procedimental e não deve ser assim. O tipo de
racionalidade prática assumido pelo julgador deve ser material ou
substantiva, ou seja, o julgador vai chegar ao juízo mobilizando e realizando
as exigências materiais do sistema.

2) Via da racionalidade hermenêutica:

Acentua que a racionalidade prática tem a ver com a determinação de sentidos que
são objetivados através de textos (texto enquanto categoria ampla que envolve
manifestações que estão para além da textualidade escrita, pode ser um gesto, uma atitude,
p. ex.).

Na hermenêutica associada à racionalidade prática, invoca-se, sobretudo, um


movimento que surgiu nos anos 60 do século XX que aparece com identidade de
uma reflexão filosófica: fala-se de uma (nova) hermenêutica como filosofia, ligada a
Hans-Georg GADAMER.

A hermenêutica como filosofia põe-nos perante a nossa condição de sujeitos que se


reconhecem a si próprios como sujeitos limitados ou finitos. Portanto, este
reconhecimento de que o homem (sujeito-pessoa) é um ser hermenêutico, significa
que se trata de acentuar que a nossa atuação tem sempre um sentido limitado (que
é a função de um certo referente/contexto/formação/experiência de vida). Contudo,
ao mesmo tempo que temos consciência dessa finitude e desses limites, também
temos consciência de que há um certo diálogo com o infinito, ou seja, se eu
reconheço-me como finito é porque sou capaz de pensar a transfinitude - há na
filosofia hermenêutica um certo desafio de pensar os nossos limites inserindo-os
num contexto de aspirações de totalidade ou de totalidade. De facto, a
preocupação da hermenêutica como filosofia é procurar pensar que a nossa atitude
imediata não é a atitude da ciência, mas da compreensão e compreender é assumir
a própria inteligibilidade existencial do outro, sempre vivendo numa tensão porque
se trata de reconhecer os nossos próprios limites aspirando a uma superação deles.

A tendência quando se projeta a hermenêutica no direito é para não ficar por esta
reflexão filosófica, mas para a conversar esta hermenêutica naquilo que GADAMER
sempre resistiu que essa hermenêutica fosse, num método de interpretação.
Realmente, há aspetos da hermenêutica como filosofia que são fascinantes e que
podem ser facilmente convertidos num método, mas essa conversão pode ser
duvidosa, principalmente ao nível das condições da compreensão. Quando nós

Filipa R. G. 19
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compreendemos, compreendemos sempre a partir de uma situação que é a nossa
situação histórica, ou seja, a determinação do sentido do texto vai estabelecer uma
conexão decisiva com a nossa situação hermenêutica. GADAMER admitiu poder
dizer que, quando estou numa certa situação de compreender, estou sempre a
partir de uma pré-contenção, ou seja, eu não vou dirigir-me ao texto esvaziando-me
dos meus referentes ou valores, vou dirigir-me a ele através da minha situação
hermenêutica e com a minha pré-contenção, o que é inevitável. Ele fala aqui de pré-
juízos, no sentido de dizer quando nos dirigimos às coisas dirigimo-nos partindo
sempre de um certo contexto com determinados referentes. Significa isso, que o
sentido que se atribui ao texto é o que resulta de uma conversação responsável
com esse texto, ou seja, de facto, o sentido não está integralmente objectivado no
texto, nem o texto admite uma leitura em absoluto, ele vai ser reconstituído numa
relação circular e aqui temos a convocação de outro elemento: o círculo
hermenêutico (compreende-se um texto a partir de uma pré-contenção e do dialogo
com ele e o sentido que lhe vou atribuir é a objetivação de todo este processo). Há,
assim, aqui um outro entendimento do que é a dialética, a dialética, sobretudo,
como resultado entre o leitor que se dirigi ao texto e o horizonte em que o texto se
integra.

Será que posso dizer que o caso jurídico é pura e simplesmente uma situação de
interpretação, ou seja, uma situação hermenêutica? Quando o julgador vai
experimentar ou mobilizar uma norma ou princípio, ele vai lê-los a partir da sua
situação e o caso concreto (que é o ponto de partida) faz parte da sua situação,
apesar de esta não se esgotar nele. Na perspetiva da hermenêutica, o caso é, na
verdade, como que mais um elemento a acrescentar à situação do leitor. Se nós
virmos assim as coisas, tendemos a reconduzir o modus operandi do juiz a uma
interpretação compreensiva, logo, para a hermenêutica, a intenção do julgador é
compreender bem o texto. Há aqui uma instância descaraterizadora do juízo
decisório concreto. Do que se trata é de responder adequadamente a problemas e
não compreender ou interpretar os textos, ou seja, a interpretação deve ser jurídico-
decisória e não compreensiva ou interpretativa. De qualquer modo, os textos
importam porque é deles vão ser extraídos critérios que ajudarão a julgador a dar
resposta ao problema. No fundo, o que importa é extrair dos textos critérios
adequados à relevância específica do problema, portanto a intenção não é
compreensiva, mas normativa. Assim, se insistirmos na interpretação compreensiva
acentuávamos a exigência de compreender os textos o melhor possível e o
problema não é esse, mas sim extrair desses tectos critérios adequados a resolver
problemas concretos.

Filipa R. G. 20
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3) Via da racionalidade narrativa:

Como o nome indica, tem fundamentalmente a ver com o discurso que se contrói
quando se conta uma história e contar uma história significa dar especial coerência
(dar princípio, meio e fim) a uma acontecimento, real ou ficcional, e usar recursos,
desde logo, linguísticos e discursivos, que são heterogéneos.

Esse entendimento da racionalidade narrativa pode ter importância nalguns


momentos do discurso metodológico, sobretudo no momento da prova e,
eventualmente, em alguns momentos da construção do processo legislativo, mas
não pode servir de apoio em termos integrais totalizantes, ou seja, não se está em
condições de se dizer que o juízo decisório é puramente narrativo.

Conclusões a extrair deste percurso, tendo em conta o juízo decisório do julgador:

(1) A racionalidade dominante no discurso do julgador é uma racionalidade prática. Poderá


invocar elementos que têm a ver com os outros discursos (p. ex., usar elementos lógicos, invocar
experimentações táticas e estratégias), mas, enquanto discurso, o que identifica a construção do
juízo decisório é uma racionalidade sujeito-sujeito.

(2) Essa racionalidade, enquanto racionalidade prática, não será compreensível nas suas
exigências e no seu sentido se a quisermos reduzir a cada um daqueles tipos, ou seja, não se
pode pensar a racionalidade do juízo decisório como uma racionalidade estritamente
hermenêutica, tópica ou retórica. É assim porque o que acontece no mundo prático do direito
é que ele oferece - a partir da sua própria prática (institucionalização) - especificidades que
não são suscetíveis de ser absorvidas por estes modelos gerais.

6. A racionalidade específica e autonomamente jurídica

A racionalidade especificamente jurídica tem condições únicas que a distiguem de outras


racionalidades práticas (moral e estética) e essas especificidades procuram-se na experiência de
institucionalização do direito. Para considerar essa especificidade prática do direito nos
poderíamos, como Castanheira Neves, distinguir aqui 4 dimensões complementares que definem
o mundo prático do direito que vão por-nos perante um problema específico de racionalidade.

A possibilidade de compreendermos o discurso problemático construído pelo direito (e o


mundo de inter-relação que culturalmente este reproduz) à luz destas quatro dimensões — e
de tal modo que as dimensões (c) e (d) (ditas  dogmática  e  judicativa) possam expor-se-nos
como condições de institucionalização das outras duas ou da identidade prático-
comunicativa que as constitui (se não da dinâmica de objectivação-realização
que situacionalmente as integra) — confere à experiência da racionalidade sujeito/sujeito uma
inteligibilidade inconfundível: precisamente aquela que se cumpre na dialética  sistema/
problema (e no pensamento-prática integralmente problemático que esta persegue).

Filipa R. G. 21
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(a) a dimensão problemática das controvérsias práticas (o novum irredutível
à previsibilidade dos esquemas dogmáticos)

Temos as controvérsias, enquanto acontecimentos reais da vida com


elementos que são necessariamente irrepetíveis.

(b) a dimensão  axiológica  (a validade comunitária reconstituída a partir de Dimensões


extremas/
uma exigência de comparabilidade)
polarizadas
A resposta que o direito vai dar às controvérsias está sustentada numa certa
ordem validade comunitária que tem certas aspirações/exigências que as
distinguem de outras experiências comunitárias e que se comprometem com a
construção de uma comunidade sujeito-sujeito.

(c) a dimensão  dogmática  (a  tercialidade  do sistema jurídico e das suas práticas de
estabilização)

É indispensável saber como a referência a uma validade se estabiliza em cada tempo e


espaço. Significa dizer que a dimensão axiológica (por mais importância que tenha) tem de ser
dogmática.

(d) a dimensão  praxística  (ou  judicativo-decisória), levada a sério como uma  praxis  de
realização (identificadora de casos jurídicos)

Trata-se de dizer que a resposta ao problema da controvérsia vai ter uma componente
decisória, mas esta vai ter de der trabalhada na perspetiva do sistema, ou seja, tem de se
desenvolver um exercício de experimentação do sistema e tem de se chegar a uma resposta que
seja uma realização conseguida, em concreto, isto é, adequada ao caso daquele sistema. Assim,
o que se espera é que as possíveis decisões sejam suscetíveis de ser racionalizadas enquanto
juízos julgamentos.


Filipa R. G. 22
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Aula dia 29 de outubro de 2019

III. O MÉTODO JURÍDICO

Vamos refletir sobre a possibilidade de um esquema metódico que nos permita perceber
verdadeiramente em ação o que vimos poder ser esboçado como uma racionalidade problema-
sistema.

1. A resposta do discurso jurídico do século XIX

Para compreendermos o esquema metódico plausível no nosso contexto contemporâneo, de


alguma forma inspirado por uma perspetiva jurisprudencialista, importará fazer uma alusão a
alguns pontos fundamentais do Método Jurídico do século XIX.

1.1. A pretensão de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva

A pretensão do Método Jurídico do século XIX, que aparece designado como se fosse O
Método Jurídico, é procurar definir um método que, sem discussão e sem alternativa – como
assimilado quase que naturalmente –, se possa impor como o verdadeiro método do pensamento
jurídico.

Esta acentuação ajudar-nos-á a perceber a possibilidade de podermos, eventualmente, estar a assistir no nosso
tempo (últimas décadas do séc. XX e inícios do séc. XXI) à construção de um novo método jurídico. Aquilo que se
poderá entender como novo método jurídico corresponderá à representação de um êxito de certas propostas no
âmbito do discurso académico, dogmático e jurisprudencial - a teoria standard de argumentação (ROBERT ALEXY).

O DR. LINHARES não considera que seja realmente um novo método.

Este paradigma jurídico que corresponde, quanto ao modus operandi do juiz, ao paradigma
normativista da aplicação, foi superado e perdeu o seu estatuto de paradigma (apesar de ter sido
assimilado por outros, como a corrente neoformalista) e passou a ser um pensamento entre muitos
outros.

A resposta à pretensão do Método Jurídico do séc. XIX é concertada pela sobreposição de


uma compreensão/racionalidade epistemológica teorética - iluminada por uma pretensão de
cientismo - e de uma conceção normativista do direito - o direito como sistema de normas auto-
subsistentes em abstrato. Esta resposta encontra a autonomia discursiva do pensamento jurídico
num discurso teorético sujeito/objeto (num cognitivismo ou objetivismo) e na preocupação que
este assume em garantir a plausibilidade de uma perspetiva interna — enquanto conhecimento
do Direito a partir do próprio Direito ou de uma perspetiva puramente jurídica.

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Note-se que uma das principais heranças do Método Jurídico do séc. XIX - e que será
acentuada ao longo do séc. XIX pelo discurso das ciências e pela racionalidade teorética ligada à
epistémica - é uma DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E PENSAMENTO JURÍDICO. Esta cisão constitui, nos
finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX, uma verdadeira novidade. Até então, em toda a
experiência pré-moderna do direito, sempre se admitiu que quando se falava em pensamento
jurídico este tinha uma índole prático-normativa - o pensamento jurídico refletia sobre o direito
(fosse no plano dogmático fosse no plano filosófico) para extrair dessa reflexão contributos que
depois pudessem ser projetados na prática da resolução das controvérsias, por isso ele era
considerado inseparável do direito (havia uma espécie de circularidade); o pensamento jurídico
antecipava as noções, orientava no tratamento dos materiais jurídicos, propunha certos modelos
de interpretação, etc.

Nos finais do séc. XVIII, sobretudo por influência da Escola Histórica, o que vai acontecer é
uma exigência de separação do direito do pensamento jurídico:

• O direito - remete-se claramente para a ciência dogmática do direito - tem intenções práticas
de conformação da realidade (os comportamentos humanos encontram padrões-
referência no direito para avaliar uma conduta como valiosa ou desvaliosa) e é um dever-
ser que como tal tem uma intenção prático-normativa e deve ser assumido na sua
autonomia, enquanto sistema autosuficiente e racional de normas.

• O pensamento jurídico não deve ter a índole que tem o direito, pois a tarefa do
pensamento jurídico é conhecer e trabalhar cientificamente o direito que existe - o
pensamento jurídico aspira-se a converter numa verdadeira ciência. Quando se defende
que o direito (ciência dogmática do direito) é o objeto do pensamento jurídico, estamos a
dizer que o direito pode ter índoles práticas, mas o pensamento jurídico tem e deve ter
exclusivamente intenções cognitivas/de verdade, de conhecimento do direito que é e não
do direito que deve ser.

Contudo, não se trata de autonomizar a ciência dogmática do direito como uma qualquer
ciência que tenha por objeto o direito, trata-se de querer construir uma ciência que seja jurídica,
ou seja, que seja verdadeiramente autónoma e que se distinga das outras (desde logo da perspetiva
sociológica do direito e da perspetiva política do direito). Tal não deixa de ser paradoxal - por um lado,
quer-se construir um discurso científico com todas as exigências de independência e de
neutralidade que compete num objetivismo teorético e, por outro lado, sustenta-se que se tem
encontrar uma marca de água que distinga esta ciência como ciência jurídica.

Note-se que a Escola da Exegese e a Escola Histórica e as suas influências em todo o


contexto europeu determinaram a formação do que seria essa ciência dogmática do Direito.

Como é que se resolveu esta dupla pretensão? A solução será a da assunção por uma certa
perspetiva do Direito e essa perspetiva é a perspetiva normativista. Na verdade, quando estamos
a considerar o objeto direito, estamos a considerar um sistema de enunciados de dever-ser, ou

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seja, de normas que, com todo o rigor da conceção iluminista da lei, se têm de exprimir através
de uma norma geral, abstrata e formal - isto é, normas com enunciados universalmente racionais
-, com estrutura lógico-hipotético-condicional — se(hipótese)-então(estatuição).

O Direito, nesta perspetiva normativista (que tem contributos dos vários jusracionalismos e que se
começa a construir em finais do séc. XVI e princípios do séc. XVII), sustentava que os conteúdos/
significações juridicamente relevantes que nós encontramos em enunciados universalmente
racionais, ou seja, nas normas, são conteúdos que nós estamos em condições de conhecer e de
determinar em abstrato, pois eles estão dados em abstrato. Isto porque o Direito é um modo de
ser abstrato que existe num sistema coerente de normas e que é assumidamente unidimensional
- o que constitui o direito são esses enunciados que obedecem ao programa se-então.

Porque é que isto resolve de alguma forma as tensões? Porque, no fundo, passa-se a dizer
que o objeto que a ciência do direito tem de conhecer e trabalhar cientificamente é constituído
pelos enunciados/proposições de dever-ser com as caraterísticas referidas supra.

Este ponto de partida, ao atribuir à ciência do Direito um objeto específico (ciência do Direito =
ciência de normas), vai:

• Permitir desenvolver um método que se considera simultaneamente científico e jurídico e,


portanto, um método especificamente jurídico que se distingue de outros métodos – das
ciências empíricas, sociológicos ou outros.

• Imediatamente condicionar o próprio tipo de discurso: o direito exige uma ciência


analítica e não uma ciência empírica, pois não estamos a estudar fenómenos reais ou
comportamentos, mas sim normas na sua exigibilidade racional, enquanto proposições.
Assim, a ciência dogmática do direito constrói-se como uma analítica pensada como
categorial-classificatória.

Aqui teríamos consumada a separação entre direito e pensamento jurídico: o direito é um


sistema de normas e o pensamento jurídico é um discurso científico que vai analisar essas
normas nas suas estruturas lógicas, que vai relacionar as normas umas com as outras, que vai
pensar o sistema que as torna coerentes e que vai encontrar exatamente nessa coerência o
acesso a um patamar superior que será o patamar constituído pela construção e pela
sistematização.

1.2.  A ambição de  racionalizar teoreticamente a prática (de oferecer à prática de


resolução dos casos as condições para uma aplicação formalmente objetiva)

Esta ciência do direito, como é uma ciência dogmática do direito, tem efetivamente uma
ambição de racionalizar teoreticamente a prática e de se sujeitar a ela. É esta nota que a
distingue o normativismo do século XIX dos outros normativismos que encontramos no século
XX, nomeadamente o normativismo HANS KELSEN.

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À luz dos normativismos típicos do séc. XX, a começar pela mais famoso de todos, o
normativismo epistemológico de KELSEN, não há esta ambição de se projetar na prática, há antes
a ambição de se constituir como uma verdadeira teoria pura que vai, na verdade, ter nas normas
o seu objeto, mas a intenção não é projetar-se nas decisões concretas.

No séc. XIX a preocupação é precisamente a de oferecer à prática de resolução dos casos


condições para que haja uma aplicação objetiva. Entendemos isto porque estão em jogo fatores
de ordem filosófico-política e de institucionalização política: estão em jogo os princípios da
separação de poderes e da independência do poder judicial, à luz das exigências de que o juiz ao
ser independente – não recebe comandos do poder executivo – obedeça à vontade geral, ou
seja, à lei - o juiz deve ser a voz que enuncia a vontade da lei. Este método procura oferecer
condições para que isso se torne possível, isto é, para que o juiz possa essa voz da vontade
geral – não tanto no sentido negativo de Montesquieu de que o juiz é um mero autómato, mas
numa perspetiva mais kantiana de entender que o juiz tem um papel relevante que é o de trazer
para o plano das controvérsias (para o plano concreto) a vontade geral, que é a universalização,
em termos racionais, das caraterísticas da generalidade e da abstração, sem a alterar/
condicionar a sua universalidade.

No fundo, é dizer que as significações do direito estão todas pré-determinadas em abstrato e


o que é preciso é depois projeta-las em concreto, o que significa traze-las para o plano da
realização, sem introduzir alterações e sem diminuir as exigências da racionalidade universal.

Assim, o prius metodológico tem de ser a norma levada a sério como premissa, porque se o
prius fosse o caso correríamos o risco de condicionar a universalidade da norma (ela não seria a
expressão geral da vontade).

Todo o método do séc. XIX se desenvolve neste propósito – há aqui um conjunto de tarefas
para que seja possível em termos práticos aplicar o direito lógico-dedutivamente.

As duas tarefas-fins complementares (indissociáveis) da técnica jurídica (die juristische


Technik), coração científico deste Método [segundo a proposta de Jhering]:

JHERING fala de operações, todas elas prévias, que têm de ser desenvolvidas, pois a
verdadeira ciência do direito acontece antes da aplicação e que são da competência da
jurisprudência inferior. A aplicação é como que um momento técnico exterior ao verdadeiro
método científico, ainda que complementar, na medida em que só depois do tratamento do
direito é que estamos em condições de o aplicar.

Note-se que a palavra técnica é usada num sentido muito amplo para identificar todo o
método.

(a) o domínio cognitivo-racional (espiritual) dos materiais enquanto Direito-objeto — uma


tarefa imprescindível de simplificação (quantitativa e qualitativa ou sistemático-qualitativa)

Filipa R. G. 26
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dos  materiais disponíveis [uma tarefa que as três operações da  análise jurídica,
da concentração lógica e da construção jurídica virão a distribuir];

Antes de mais, temos de relembrar as diferenças que separam o positivismo exegético


(francês) do positivismo conceitual. A principal diferença está no seguinte: o positivismo
exegético francês conjuga o normativismo com o legalismo e o positivismo conceitual não.

Este dois rótulos não têm de se sobrepor/coincidir, até porque há normativismos que não são
legalistas e vice-versa:

• Quando se defende uma perspetiva normativista, está-se a responder ao problema do


sistema jurídico. Acentua-se o caráter sistemático e unidimensional do sistema – o direito,
enquanto direito, constituído apenas por normas.

• Quando defendo o legalismo, está-se defender uma posição no plano da teoria das
fontes. Está-se a dizer que o único modo válido de constituição e manifestação do direito
é aquele que corresponde à experiência legislativa.

No positivismo exegético o normativismo e o legalismo coincidiam. Então, o direto é


constituído por normas que só se podem constituir validamente se forem prescritas
legislativamente, ou seja, o único modo válido de constituir as normas seria a via legislativa e a
legislação deve aparecer preferencialmente objetivada em Códigos.

No positivismo científico conceitual o normativismo e o legalismo não coincidem. Tal justifica-


se pelo próprio contexto alemão, por um lado, porque as condições do plano político e cultural
são distintas do contexto francês (há uma manifesta atitude contrarrevolucionária) e, por outro
lado, porque a Escola Histórica constrói-se com uma conceção das fontes direito diferente da
conceção legalista - o direito é precipitado do espírito do povo. Assim, vamos encontrar, mesmo
já numa das manifestações extremas do positivismo conceitual, na chamada doutrina geral do
direito, esta defesa clara de que há pelo menos de atender a dois modos válidos de constituição
e manifestação do direito: a via consuetudinária e a via legislativa. Contudo, ao longo do século
XIX e com a experiência da recuperação do direito romano pela pandectística assumida por este
positivismo científico, houve quem defendesse que o corpus iuris civilis deveria ser também
assumido verdadeiramente como autêntica fonte do Direito. Assim, como se tem vários materiais
jurídicos, é gerada uma situação de complexidade e incerteza.

Posto isto, a primeira tarefa do Direito será a de simplificar estes materiais. Esta primeira
operação, a que se chama patamar inferior ou imediato, diz-se de análise jurídica que é uma
tarefa pensada como simplificação porque vai funcionar numa sequência de degraus. Tal
operação é da competência da jurisprudência inferior no seu primeiro contacto com estes
materiais (usa-se aqui o termo jurisprudência como ciência do direito e não decisão judicial).
Trata-se de conhecer este direito-objeto complexo e procurar diminuir a sua complexidade
reconstituindo os materiais consuetudinários e as regras do corpus iuris civilis em enunciados - é

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como se todo o objeto fosse convertido num conjunto de enunciados de dever-ser que têm em
comum uma estrutura lógica e uma universalidade racional.

Os materiais consuetudinários são práticas reiteradas que ganharam de facto vinculatividade


do ponto de vista jurídico, mas depois quando a ciência do Direito se dirige a estes materiais-
objeto irá trabalhá-los, isto é, convertê-los em proposições normativas (em enunciados gerais e
abstratos, tendencialmente com a forma hipotético-condicional). Isto porque, apesar de
reconhecer que pode haver vários modos de constituição do Direito, aquilo que vale como Direito
tem de ser fundamentalmente traduzido num sistema de normas.

Temos, assim, uma conjugação da perspetiva que não é legalista no plano das fontes com
uma perspetiva normativista.

(b) o tratamento das  objetivações (simplificações) garantidas por esta  Technik  (e das
proposições em que estas culminam) como condições de possibilidade de uma prática
racional e da arte-Kunst que a torna possível.
É desta tarefa, que surge na sequência da primeira (porque se trata de, sob influência da
Escola Histórica, introduzirmos uma seleção ligada aos problemas/institutos), que resultam os
princípios gerais de direito para o positivismo normativista.

Trata-se de, ao considerar um determinado problema/instituto, reunir, na perspetiva desse


problema/instituto, todas as normas de origem legal ou consuetudinária respetivas a ele.
Contudo, como essas normas são enumeras, há possibilidade de um exercício de
simplificação, isto é, vamos procurar encontrar nessas normas elementos comuns que nos
permitam, através de um exercício de generalização, chegar a uma norma ou um conjunto de
normas mais gerais e mais abstratas que as anteriores (pois fomos prescindindo de elementos ao
nível da tipificação) e que serão identificadas como princípios (gerais do direito), princípios
enquanto sínteses obtidas pela ciência do Direito a partir das normas que existem — isto é a
concentração lógica: vamos ver o que é fundamental nas normas (o seu núcleo), para sermos
capazes de chegar ao centro lógico - o princípio.

Contudo, note-se que os princípios serão obtidos a partir das normas e reproduzem no seu
núcleo aquilo que as normas já dizem, mas não são direito vigente (o direito vigente é constituído
exclusivamente pelas normas), nem podem ser invocados como fundamentos, nem fazem
concorrência à norma. Isto porque faz-se um exercício de generalização, o que significa que o
seu conteúdo reproduz fielmente o conteúdo das normas, mas reproduzem-no mais
sinteticamente.

Tal é importante porque os princípios gerais do direito, enquanto enunciados fornecidos pela
ciência do direito, permitem uma maior facilidade em reconhecer o que é fundamental e auxiliam
os juristas a conhecerem melhor o Direito, pois em vez de considerar a teia complexa de normas,
o jurista irá recorrer ao princípio para compreender melhor o domínio dogmático daquela norma.

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1.3. Os dois momentos-operações do Método

a) Momento científico: A tarefa da construção-sistematização conceitual (tarefa da


jurisprudência superior, ou seja, da ciência do direito), apoiada nas etapas prévias da
análise e da concentração lógica (tarefas da jurisprudência inferior).
Esta tarefa caberia ao discurso académico – seria um direito de professores –, no
fundo, era uma tarefa exclusivamente de construção conceitual. Nesta tarefa, vamos
partir dos materiais já trabalhados que foram convertidos em proposições normativas
(algumas delas já concentradas logicamente sobre o modo de princípios), ou seja, o
material da jurisprudência superior vai partir do material obtido e explicitado pela
jurisprudência inferior, sendo o propósito da jurisprudência superior reconstituir a
unidade que existe entre todas as normas.

Coloca-se agora a questão de saber que relações existem entre as normas:

• UNIDADE HORIZONTAL: É uma unidade horizontal porque, no séc. XIX,


defendia-se uma visão horizontal do sistema, isto é, as normas estão umas ao
lado das outras, sem existir uma hierarquia entre elas.

Nesse sentido, o que competia à jurisprudência superior era reconhecer as


relações de vizinhança que existe entre as normas, que vão ser tratadas
independentemente da sua origem (legislativa, consuetu-dinária ou corpus
iuris civilis).

• UNIDADE POR COERÊNCIA: É uma unidade por coerência e não por


consistência, pois tem a ver com conteúdo e não com a solução. As normas,
na sua complexidade, pressupõem a mesma rede de conceitos – relações
jurídicas, direitos subjetivos, contratos, negócios jurídicos, etc.

Nesse sentido, a tarefa da jurisprudência superior era de reconstruir os


conceitos.

O que está aqui em causa trouxe muito exageros. Esta ciência do direito, ao
isolar-se dos problemas, passou a debater-se com questões relativas aos
conceitos que não tinham repercussões na realidade e fez-lo com a intenção
teorética de querer mostrar qual era a unidade que existia entre as normas.

Teríamos, assim, uma rede de conceitos rigorosíssima que seria o núcleo


fundamental da formação do jurista e era como se tivéssemos o sistema das
normas e depois o sistema dos conceitos (rede conceitual) que permite
dominar cientificamente as normas. Na rede conceitual os conceitos
acabavam por estar todos eles conexionados através de relações de género e
de espécie num edifício absolutamente perfeito, pois entendia-se que era
exatamente assim que chegaríamos ao topo de uma ciência autêntica do
direito, a uma ciência jurídica de normas.

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Havia, nesta construção, a preocupação em refletir a herança da Escola
Histórica, herança essa que acaba por ser superada pelo discurso puramente
teorético-epistemológico. Tal levou a que se quisesse que o pensamento
jurídico cria-se um projeto legislativo, o que não deixa de ser paradoxal -
rejeita uma opção legalista e acaba por culminar num código.

SAVIGNY, nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, resistiu sempre à
codificação por entender que esta representava um modelo que sacrificaria a
força da emergência do direito na histórica. Já no final do séc. XIX dá-se este
passo para que um Código seja capaz de assimilar o discurso científico que
foi construído ao longo daquelas décadas.

b) Momento da hermenêutico (a interpretação cumprida rigorosamente em abstrato):


Fala-se da tarefa da interpretação - teoria da interpretação do método jurídico do
séc. XIX. Segundo os sumários de IADII: Um momento absolutamente indispensável de
determinação do sentido da norma (lei e/ou proposição normativa). Momento a desenvolver a seguir
(ponto 1.4.), bastando-nos por agora sublinhar que esta interpretação se nos impõe:

— por um lado, como um passo epistemologicamente heurístico, que é condição-momento (ratio


cognoscendi) dos processos científicos da análise, concentração e construção [uma das leis
fundamentais da construção é com efeito a descoberta do (e o respeito pelo) elemento positivo].

— por outro lado, como um momento metódico estanque (rigorosamente sustentado em abstrato)
que enquanto tal postula - pressupõe o sistema de conceitos e o seu tecido lógico.

Ora de tal modo que interpretar seja atribuir à norma-texto um único sentido, mas também integrá-la
no sistema-pirâmide e em simultâneo e indissociavelmente explicitar este último (na sua auto-
subsistência dogmática e nas possibilidades que esta autoriza), entenda-se, recorrer à perspectiva
categorial-classificatória oferecida pelo sistema para em última instância vencer a indeterminação
linguística de que o texto-objecto padece (interpretação dogmática).

Sem esquecer que se trata de assumir uma conceção radicalmente constitutiva da textualidade:
reconhecendo assim que não há direito antes do texto e das componentes linguístico-estruturais que o
caracterizam «O texto é compreendido em termos não apenas expressivos, mas constitutivos: (...) a
significação jurídica é constituída exclusivamente pelo texto e só no texto, no seu conteúdo significativo,
deve ser procurada...»[CASTANHEIRA NEVES].

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c) O momento (já exterior) da aplicação lógico-dedutiva:

A aplicação como um momento já por assim dizer exterior ao Método (a pessupor este como ciência
e a justificar-se assim como uma «operatória»-techné lógico-dedutiva). A aplicação (aos casos concretos)
do Direito (daquele Direito) que — graças aos dois momentos anteriores (e à sua concertação) — se nos
impõe (se nos imporia) pré-determinado em abstracto: o esquema lógico do silogismo subsuntivo a
garantir a relação entre o geral e o particular sem implicações normativas.

A representação prescritiva do «juiz árbitro» (OST), racionalmente autónomo (pouvoir neutre, pouvoir
nulle) e que se limita a pronunciar em concreto as palavras que a norma prescreve em abstracto [la
bouche qui prononce les paroles de la loi do positivismo exegético, o julgador vinculado à teoria
científica (e especialista em «casos jurídicos líquidos») do positivismo conceitual]. «A identidade entre o
pressuposto aplicando hermeneutico-sistematicamente determinado e o resultado da aplicação»,
admitindo-se que este último (no plano da juridicidade relevante) nada acrescenta ao primeiro. A
aplicação como momento técnico exterior (não confundir com a «técnica jurídica» de que JHERING nos
fala para identificar o «momento» científico»!), momento técnico exterior este que, na sua «estrita
logicidade ou dedutividade», nem sequer constitui(ria) um autêntico «problema».

Ter bem presente a exigência de isolar as tarefas da interpretação e da aplicação em compartimentos


analítica e cronologicamente estanques, que é também a de exigir que a interpretação em abstracto
chegue à determinação rigorosa de um único sentido [Se o resultado da interpretação admitisse diversas
alternativas, cada uma delas seria susceptível de ser mobilizada como premissa maior de um diferente
silogismo, retirando assim objectividade ao processo de aplicação (entregando a escolha final ao arbítrio
do julgador)].

1.4. Consideração desenvolvida da conceção tradicional da interpretação herdeira deste


Método, projetada num específico modelo metódico  (uma revisitação expandida de um tema já tratado
na Introdução ao Direito II)

Uma coisa será a teoria da interpretação típica do séc. XIX e outra a teoria tradicional da
interpretação, que se considera herdeira direta desta teoria do séc. XIX, mas que depois, ao
longo do séc. XX, embora persistindo em alguns dos pilares fundamentais da teoria do séc. XIX,
se foi abrindo a outras soluções. P. ex., foi considerando, ao nível da interpretação, relevância do
momento teleológico, o que era, ao nível da teoria da interpretação do séc. XIX, um elemento

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considerado perigoso e que, por isso, só poderia ser convocado em circunstâncias muito
excecionais.

A sua origem, ao nível de método jurídico, passa pela distinção de quatro grandes problemas
(que apesar de diferentes, são complementares) que ainda hoje identificamos, à partida, ao falar
de uma teoria da interpretação – o objeto da interpretação, o objetivo da interpretação, os fatores
da interpretação e os resultados da interpretação.

1.4.1. O objeto da interpretação (o texto no seu sentido global e constitutivo e a função


delimitadora do elemento gramatical)

O objeto da interpretação para a teoria tradicional é o próprio texto da norma.

A interpretação assume-se numa perspetiva teorético-cognitiva, pois estamos a aprender as


significações de um texto que é um enunciado de dever-ser com a sua racionalidade e
universalidade. Podemos dizer que na base desta compreensão está a experiência iluminista da racionalidade e a
possibilidade (consumada pelo positivismo legalista e normativista) de reconhecer uma das dimensões desta
racionalidade na textualidade enquanto tal, não tanto porque as formulações mobilizadas manifestem as exigências da
universalidade racional [ao ler o enunciado textual nós conseguimos perceber as suas caraterísticas de generalidade e
de abstração], mas porque tais formulações e as significações que exprimem constituem elas próprias esta
universalidade (que não existe antes do texto e das significações nele imanentes).

O texto por identificar nas suas caraterísticas (universalidade e racionalidade) o direito como
direito remete para:

• Uma compreensão constitutiva do texto: Isto significa que é o texto, nas suas
caraterísticas, a identificar o Direito, ou seja, a dizer-nos o que é válido e o que não é - o
texto define a juridicidade na sua plenitude.

• Uma compreensão global do texto (e do binómio intra-/extra-textual). Que


compreensão global? Por texto importa, com efeito, aqui entender o conjunto das
significações ou dos conteúdos significativos imanentes à norma legal como prescrição
auto-subsistente e não apenas a letra. Recorrendo à célebre consagração-distribuição
dos elementos autonomizada por SAVIGNY, podemos dizer com efeito que as
significações textuais são indiscutivelmente compostas por:
• Elementos intra-textuais: Elementos implícitos objetivamente no texto
— Elemento gramatical: a letra ou teor verbal, o texto na sua relevância
filológico-gramatical, inevitavelmente reconduzido ou integrado nos usos
linguísticos, que podem ser gerais (comuns, quotidianos) e/ou especiais
(especializados, entenda-se, ligados ao contexto de significações da
linguagem técnico-jurídica);

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— Elemento histórico: o texto na sua relevância histórica, vinculado às
circunstâncias históricas do seu aparecimento e ao percurso que culminou na
sua produção-constituição;

— Elementos lógico e sistemático depois fundidos num único, que passa a


dizer-se sistemático: este(s) já preocupado(s) com a unidade lógico-estrutural
(hipotético-condicional) da norma, mas sobretudo com a sua ratio
sistematicamente imanente, entenda-se, com a inserção dogmática da norma
no sistema das normas e na pirâmide dos conceitos (o texto na sua relevância
lógico-sistemática).

• Elemento extra-textual: Fora do texto aparece-nos o elemento racional-


teleológico, que se ocupa com o motivo ou com o fim da norma. Quando se
considera este elemento considera-se uma significação que é o próprio intérprete a
atribuir ao texto, logo há neste elemento um perigo de arbitrariedade, ou seja, de o
intérprete atribuir à norma os sentidos que entender consoante os seus valores e a
sua experiência. Reconhece-se, então, como um perigoso o elemento extra-textual,
comprometido com elementos materiais (interesses, valorações práticas, decisões,
intenções ideológicas, se não programas sociais) e assim capaz de perverter a
objetividade do processo hermenêutico. Há, assim, a assunção de um discurso que
é ateleológico, ou seja, é um discurso formalista livre de fins - deve evitar-se a
mobilização de argumentos que tenha a ver com fins ou interesses extra-textuais.

SAVIGNY (em nome da conceção formalista da juridicidade) desenvolve duas


propostas:

1. Ensina-nos a excluí-lo na primeira fase do seu pensamento do jogo


discursivo iluminado pelos outros fatores: Esse fim ou razão não faz parte, por
via de regra, do conteúdo da norma. Por conseguinte, tem de ser encontrado e
aposto artificialmente pelo intérprete. Aliás, mesmo quando o legislador indicou a
razão da lei, não o fez para a constituir numa regra comum, mas apenas para que a
regra constituída se esclarecesse por esse meio; daí não dever ser utilizada como
uma regra autêntica. Desta maneira condena SAVIGNY uma interpretação
teleológica: o juiz deve atender, não ao que o legislador busca atingir, mas só ao
que na realidade preceituou ou, mais precisamente, ao que nas palavras da lei,
segundo o seu sentido lógico, gramatical e a extrair da articulação do sistema,
verdadeiramente encontrou uma expressão como conteúdo do seu dispositivo. O
juiz não tem, como um criador, que aperfeiçoar a lei, tem apenas que executá-la: um
aperfeiçoamento da lei é, decerto, possível, mas deve ser obra unicamente do
legislador, em nenhum caso do julgador.

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2. Ensina-nos a dar-lhe uma relevância secundária e excecional: Trata-se de,
sem deixar de ver este fim-motivo como um elemento exterior ao conteúdo da lei a
interpretar, admitir que tal referência seja excecionalmente (e com uma grande
precaução) convocada pelo intérprete. Como se, para além da exploração
aproblemática do binómio intra-textual/extra-textual, se tratasse agora de invocar
uma outra distinção: a distinção-binómio que contrapõe uma situação
metodológica-regra — aquela em que o texto da lei a interpretar nos aparece num
estado saudável [exprimindo claramente qual é o objeto e o fim da regulação
prescrita] — a uma situação metodológica excecional — aquela em que o mesmo
texto se nos expõe num estado imperfeito ou insuficiente, se não defeituoso. Só
esta segunda situação nos autoriza com efeito a mobilizar elementos extra-textuais,
como se se tratasse afinal se vencer as insuficiências que resultam da mobilização
dos elementos gramatical, histórico, lógico e sistemático.

Esta teoria da interpretação vai exigir que o intérprete siga cronologicamente um conjunto
de etapas que têm de ser respeitadas:

1. Apesar de o texto não se confundir com a sua relevância gramatical, não deixa no
entanto esta (enquanto letra) de, na perspetiva tradicional que nos ocupa, desempenhar
uma função autónoma, inconfundível com a dos outros elementos textuais (o histórico
ou o lógico-sistemático). Uma função que, por se nos impor com uma prioridade

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analítica e cronológica (preenchendo um momento prévio, no qual só o elemento
gramatical intervém) - mas também com uma autêntica força prescritiva, ou seja, um
valor normativo -, condiciona todo o processo interpretativo. Trata-se de assumir a
FUNÇÃO DE EXCLUSÃO (função negativa), ou seja, trata-se com efeito de assumir a
relevância negativa da letra da lei ou a função de exclusão e de delimitação das
possibilidades de interpretação - este é o núcleo decisivo desta teoria da interpretação
que o discurso do Método Jurídico do séc. XIX propôs - que lhe atribuem:
(a) Tanto a conceção da letra como fronteira da interpretação [tal como a vemos
defendida por LARENS]: O sentido literal a extrair do uso linguístico geral ou, sempre
que ele exista, do uso linguístico especial da lei (o sentido literal possível) assinala o
limite da interpretação propriamente dita [de tal modo que o que se cumpre fora desse
campo já não possa ser entendido como interpretação da lei, mas antes como
desenvolvimento judicial do Direito].

(b) Quanto a teoria da alusão ou da expressão mínima [assim mesmo reconstituída


por ENGISCH - é a versão mais moderada, objetivada no artigo 9.º/2 do Cód. Civil]:
Tem que haver uma correspondência verbal mínima entre a relevância gramatical da lei
e o pensamento legislativo determinado pela interpretação. A chamada teoria da alusão
reduz, na verdade, a importância do sentido literal, mas exige que este seja pelo menos
respeitado como limite da interpretação: o sentido a obter através desta interpretação
deve por qualquer forma ser ainda compatível com o teor literal da lei, ter por qualquer
modo, expressão na lei. A teoria da alusão continua a dar uma prioridade absoluta ao
teor verbal da lei relativamente a todos os outros argumentos interpretativos
mobilizáveis. Tal teoria exige que, em face de um teor gramatical [indeterminado] —
com falta de clareza ou a suscitar ambiguidades ou plurivocidades — , só sejam
admitidos aqueles resultados da interpretação que possam encontrar na letra uma
qualquer expressão, ainda que incompleta ou imperfeita, i. e., aqueles sentidos-
resultados a que o texto na sua relevância gramatical de certo modo ainda aluda.

Como se o intérprete (abstraindo necessariamente dos outros elementos e do seu


contributo) começasse por pedir ao elemento gramatical que excluísse todos os
sentidos incompatíveis com a sua relevância puramente linguística (os sentidos que não
se identifiquem na letra) e esta seleção se nos impusesse como uma determinação
definitiva fixando prescritivamente as fronteiras dentro das quais o processo
interpretativo se pode mover. Tratando-se assim de, excluindo sentidos, determinar
inevitavelmente um círculo de sentidos possíveis (permitidos) e, como JELLINEK virá a
dizer, de determinar também e em simultâneo um elenco de candidatos negativos.

Filipa R. G. 35
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2. Trata-se de considerar o elenco dos sentidos possíveis/permitidos (aqueles que
restaram da função de exclusão e sobre os quais incidirá a interpretação). Trata-se de
assumir a FUNÇÃO DE SELEÇÃO (função positiva) para:

• Selecionar os sentidos mais naturais ou imediatos, ou seja, trata-se de selecionar os


sentidos que correspondem aos usos (comuns ou jurídicos) mais habituais das
palavras e expressões em causa, sentidos estes que poderemos dizer que
correspondem aos dos chamados candidatos positivos. A escolha pelo sentido
mais natural ou imediato, vai estar em causa quando se faz uma interpretação
declarativa.

• A letra não atua sozinha aqui, como acontece no primeiro momento, a letra será
conjugada com o elemento histórico e com o elemento sistemático. Nesse sentido,
o intérprete pode não escolher o sentido mais natural, pois, se o elemento histórico
e o elemento sistemático o permitirem, ele pode selecionar um sentido que, ainda
sendo permitido pela letra, não é o mais natural, ou seja, que é mais forçado. No
fundo, esta escolha de sentidos permitidos, mas que são menos naturais, vão estar
em causa quando fazemos uma interpretação extensiva, restritiva e enunciativa.
Esses sentidos menos naturais são aqueles que, por corresponderem a utilizações
menos habituais (menos comuns, menos imediatas) dos elementos linguísticos em
causa, podemos à partida cobrir com a máscara dos chamados candidatos
neutros.

Posto isto, dentro dos sentidos permitidos é como se pudéssemos dizer que há um
conjunto de significações/sentidos que sem sombra de dúvida cabem nas possibilidades
da letra, porque no fundo correspondem aos tais sentidos mais naturais/habituais - os
candidatos positivos, segundo JELLINEK (território da certeza positiva).

Ainda dentro dos sentidos permitidos, há aquele conjnto de significações/sentidos que


não são os mais naturais - os candidatos neutros, segundo de AROSO LINHARES
(território de dúvida ou possibilidade).

Filipa R. G. 36
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Reparemos, no entanto, que há aqui uma diferença capital a ter em conta: ao contrário
da relevância negativa, a relevância positiva é (quase) sempre entendida com um valor
indicativo (ou se quisermos mesmo heurístico), isto é, não normativo ou não prescritivo.
Sendo certo que a sua intervenção e a resposta que lhe corresponde se nos oferecem
assim plenamente inseridas no (e a depender do) jogo com os outros elementos intra-
textuais (sistemático e histórico) sem constituir portanto um momento autónomo e sem
determinar uma solução irreversível, como acontece com aquele desempenho negativo.

3. Eliminação das alternativas para chegar a um único sentido (esta é a tarefa da


interpretação)
Voltemos a insistir: preservar as alternativas de sentidos possíveis na sua diversidade
seria evidentemente admitir que, uma vez concluída a tarefa interpretativa, nos
víssemos constrangidos a ter que construir vários silogismos subsuntivos possíveis,
cada um com a sua premissa maior, o que evidentemente perverteria as intenções (e as
ambições) do Método Jurídico, entregando-nos ao subjetivismo arbitrário do julgador.

Eliminar as alternativas em que termos e em que medida? À custa da convocação dos


outros elementos interpretativos que compõem as significações do texto [a letra na sua
relevância positiva, o elemento histórico e o elemento lógico-sistemático], mas agora
mobilizando-os em conjunto e de tal modo que a solução do único sentido se construa
no jogo que estes entretecem.

Que jogo? Um jogo sujeito a regras ou a opções e assim também a diferenças de


conformação, com uma matriz privilegiada, que iremos explorar ao considerar o
problema do objetivo ou do fim da interpretação.

Aula dia 05 de novembro de 2019

1.4.2. O objetivo da interpretação e a polémica subjetivismo (dogmático) / objetivismo


(dogmático)
Quando se trata de explorar o conjunto/elenco dos sentidos possíveis (candidatos positivos e
candidatos neutros), poderá ter relevância optar, ao nível do objetivo/fim da interpretação, por um
subjetivismo ou por um objetivismo. É através dessa opção que se vai assumir um determinado
objetivo, objetivo esse que se vai refletir no modo como se mobiliza o elemento histórico e o
elemento sistemático e essa mobilização vai ser decisiva para estabelecer os equilíbrios com o
elemento gramatical.

O problema do fim da interpretação dividido entre:

(1) [Subjetivismo] A reconstituição de uma certa intentio auctoris, dita voluntas ou mens
legislatoris:

Filipa R. G. 37
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• O propósito decisivo da interpretação estará na averiguação da vontade do
legislador (da vontade real, subjetivo-histórica ou histórico-psicológica do legislador)
que se exprime no texto da lei;

• O conteúdo da lei como aquilo que se reconhece ter sido querido e pensado pelos
legisladores-criadores como homens empíricos concretos;
• A interpretação como tentativa filológico-histórica de tirar dum produto espiritual o
pensamento que o seu autor lá depôs e de assim mesmo repensar o passado.

Interpretar é colocar-se em pensamento na perspectiva ou ponto de vista do legislador e recapitular-


reproduzir mental-artificialmente a sua actividade (SAVIGNY)

(2) [Objetivismo] A reconstituição de uma certa intentio operis, dita mens legis: que
abstrai do legislador real para se concentrar no sentido que o texto legal-corpus
encarna e exprime autonomamente (no seu contexto objetivo de significação,
independentemente do seu sujeito-autor).

A interpretação é a exposição do sentido que está na lei (WACH)

É decisivo não o que o autor da lei quis, mas o que quer a própria lei (KOHLER)

Com o acto legislativo, dizem os objectivistas, a lei desprende-se do seu autor e adquire uma existência
objectiva. O autor desempenhou o seu papel, agora desaparece e apaga-se por detrás da sua obra. A
obra é o texto da lei, - a vontade da lei tornada palavra - o possível e efectivo conteúdo de pensamento
e de vontade imanente à lei e de futuro o único decisivo (ENGISCH)

Se optar por uma visão mais objetivista posso dar uma maior relevância ao elemento
sistemático que me permita atribuir à norma um sentido que terá no momento em que está a ser
utilizada e isso significa que posso, invocando esse mesmo elemento sistemático, acabar por
optar por um candidato neutro.

1.4.3.  Os elementos os fatores intra-textuais  (gramatical, sistemático e histórico) e a


sua relevância (mas também a relevância interior das suas componentes) determinada pela
opção quanto ao objetivo da interpretação
Remissão para a distribuição de SAVIGNY explorada supra (pág. 31 a 34) e para a matéria do
elemento gramatical e o seu equilíbrio com os outros elementos (pág. 34 a 37) — tendo presente
ainda que passa a ser habitual distinguir entre elemento gramatical (letra da lei) e elemento lógico
(num sentido amplo que corresponde ao espírito e abrange todos os restantes elementos
possíveis).

Contudo, aquilo que é verdadeiramente decisivo é a relevância negativa da letra, ou seja,


função delimitadora, que, por vezes, é acentuada no plano institucional e normativo, p. ex.,
quando estamos a considerar implicações de certos princípios (p. ex., o princípio da legalidade

Filipa R. G. 38
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criminal que terá de ser metodologicamente salvaguardado pela delimitação das possibilidades
da interpretação que a letra oferece).

1.4.4.  O problema dos  resultados  compreendido como a conclusão analítica e


cronologicamente estanque do momento da interpretação
Tratando-se de situar o sentido único a que se chegou e de compreender este como uma
opção consentida (determinada pela mobilização mais acentuadamente subjetivista ou objetivista
dos elementos textuais). Sendo certo que esta opção:

• Pode ter selecionado o significado ou significados mais corretos ou mais naturais e


mover-se assim dentro do território dos candidatos positivos (interpretação declarativa);

• Mas pode também ter seleccionado um sentido que não sendo o mais natural é ainda um
sentido possível, o que significa evidentemente referir-se ao território que corresponde
aos candidatos neutros (interpretação extensiva, restritiva e enunciativa).

Reparemos que as formulações da teoria tradicional são pouco felizes (na identificação das
suas próprias exigências) quando nos dizem que:

— A interpretação restritiva é aquela em que nos damos conta de que a letra vai além do
espírito do legislador ou do pensamento legislativo;

— A interpretação extensiva é aquela que se cumpre quando reconhecemos que a letra ficou
aquém do espírito.

Na perspetiva tradicional que nos ocupa não se trata em rigor, nem de restringir, nem (muito
menos) de alargar a letra para a fazer coincidir com o espírito (neste último caso pareceria mesmo
que estaríamos a saltar para além do elenco-círculo dos sentidos possíveis), mas de chegar à
conclusão de que o processo interpretativo que acabámos de cumprir em abstrato (com o jogo
autorizado dos seus elementos e o espectro de acentuações aberto pela opção relativa ao
objetivo da interpretação) escolheu/selecionou um sentido que, sendo ainda permitido pela letra
(de outro modo estaríamos a saltar a fronteira da interpretação ou a violar as prescrições da
teoria da alusão), se integra no entanto no elenco dos sentidos menos naturais — um sentido
assim que é menos ou mais extenso do que o sentido ou sentidos que mais naturalmente
corresponderiam à relevância gramatical do texto.

Se o legislador (na expressão verbal) se refere a certa espécie categorial (se fala de venda,
espécie do género alienação) e se o juízo interpretativo que construo em abstrato (mobilizando a
letra em conjunto com os outros elementos, ouvindo atentamente as considerações históricas e
sistemáticas) me leva a concluir que o sentido a imputar à norma é aquele que privilegia as
significações mais amplas (mais extensas) de alienação, eu estarei a selecionar um sentido ainda
possível (embora certamente menos natural). Sendo precisamente isto o que significa concluir
que o legislador — porque se referiu a uma espécie quando no fundo, pretendia aludir ao género
— disse menos do que queria.

Filipa R. G. 39
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EXEMPLO

Admita que a mobilização dos elementos sistemático e histórico (prosseguida por exemplo em nome da
reconstituição da vontade real do legislador) permite concluir em abstrato que o regime de invalidade
institucionalizado pela norma hipotética que enunciámos supra («É nulo o negócio jurídico celebrado pelo
representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro») é afinal o da
anulabilidade ou nulidade relativa. O resultado a ter em conta implica decerto dois exercícios de determinação
categorial (sustentados complementarmente no círculo dos sentidos possíveis). Como se se tratasse de abandonar
o reduto da certeza positiva — iluminado pela espécie nulidade stricto sensu (nulidade absoluta) — para mergulhar
no território da dúvida possível, acedendo primeiro ao género nulidade lato sensu (sentido menos natural, mas
ainda possível da palavra nulidade) [interpretação extensiva] e depois permitindo que o sentido definitivo se
descubra numa especificação deste género ou na espécie alternativa que este incorpora (a espécie da nulidade
relativa) [interpretação restritiva].

Seja como for, não nos esqueçamos de que o jogo destes resultados vai ganhando uma
dinâmica maior (na justificação da escolha do sentido menos natural) à medida que a importância
do elemento racional se vai tornando mais significativa (à medida que as considerações relativas
à ratio legis ganham um peso maior). Uma importância que, na sua afirmação-experimentação
mais coerente, nos levará a ter que admitir novos resultados (e uma nova conceção da relevância
da letra), superando assim o entendimento tradicional que até agora privilegiámos.

2. A superação crítica das etapas do Método Jurídico reconstituída a partir do momento


exemplar da interpretação

2.1. A viragem para os fins e a exigência de (relativamente ao problema do objetivo da


interpretação) se passar a estabelecer um contraponto decisivo entre interpretação dogmática
e interpretação teleológica
A partir das últimas décadas do séc. XIX e inícios do séc. XX, deu-se a progressiva
valorização do elemento teleológico, do elemento perigoso que, de acordo com a
sistematização de SAVIGNY, aparecia como um elemento extra-textual.
O recurso (mais intenso) a este elemento vai permitir encontrar algumas justificações/
fundamentações alternativas para os resultados da interpretação, o que quer dizer que o relevo
que se lhe vai dar vai ter, nessa teoria da interpretação, um efeito, desde logo, no plano interno.

É como se pudéssemos dizer que haverá uma parte significativa do pensamento jurídico que
continua fiel à teoria da interpretação que foi proposta no séc. XIX (pois preserva a ideia de que a
letra tem uma função delimitadora), mas que está pronto a algumas abrir frechas e fá-lo
considerando, aquando dos fatores relevantes para a determinação do sentido, não
exclusivamente os elementos histórico e sistemático, mas já também o teleológico.

Assim se compreende que muitas das propostas acabam por admitir que os argumentos que
usamos quando estamos a fazer, p. ex., uma interpretação extensiva ou restrita, sejam também
argumentos teleológicos - o recurso a estes elementos fez-se para que o sentido atribuído seja
mais fiel à finalidade, ao interesse ou à expectativa daquela norma. -, o que em rigor não
aconteceria no quadro da teoria da interpretação proposta pelo século XIX em que os

Filipa R. G. 40
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argumentos que são construídos para desenvolver a interpretação têm de ser apenas os
argumentos que resultam do elementos histórico e do elemento sistemático.

É como se se mantivesse a estrutura, mas agora privilegiando-se o sentido menos natural, não
usando uma justificação exclusivamente baseada no elemento histórico e no elemento
sistemático, mas já misturando o elemento teleológico.

Hoje, de facto, poder-se-á dizer que já estamos a assumir uma certa correção/transformação da teoria tradicional,
preservando ainda os seus esquemas e admitindo que há ou que se deve dar uma maior importância ao elemento
teleológico.

Consequentemente, passa-se a falar num contraponto entre interpretação dogmática e


interpretação teleológica e já não num contraponto entre subjetivismo e objetivismo.

A interpretação dogmática será aquela que tem como preocupação fundamental na inter-
pretação da norma, como a dogmática indica, inserir a norma no sistema das outras normas.
Portanto, a determinação do sentido só se vai poder fazer em abstrato, porque a preocupação
será, à luz da unidade do sistema das normas, compreender o sentido que devo atribuir a essa
norma.

A teoria da interpretação proposta no séc. XIX era claramente uma teoria dogmática: defendia
que quando se interpreta uma norma deve-se fazê-lo abstraindo-se de toda e qualquer
perspetiva do caso concreto, atribuindo-lhe significações que privilegiem a sua relação com o
sistema das outras normas. Tinha uma preocupação sistemática, mas também dogmática porque
seria decisiva esta inserção da norma no sistema das normas e no sistema dos conceitos. Assim,
para além da experimentação das normas com outras normas, atribuía-se à norma o sentido
mais rigoroso determinado pelos conceitos - há uma rede de segurança a nível dos conceitos.

A interpretação teleológica será aquela que tem como preocupação fundamental na inter-
pretação da norma dar um especial relevo à sua finalidade prática. A norma deve ser levada a
sério como uma norma-problema ou norma juízo de valor, ou, pelo menos, como uma
manifestação de uma opção do legislador relativamente à satisfação das expectativas e dos
interesses que se manifestam na realidade social - a norma deve ser compreendida a partir do
seu objetivo/finalidade, pois ela foi constituída para corresponder às expectativas sociais.

Posto isto, este esquema metódico assume uma interpretação teleológica, mas sem deixar de
lado a importância da interpretação dogmática.

Esta viragem para os fins tem, em meados do séc. XIX, duas manifestações exemplares
que, marcando o pensamento jurídico, inspiraram um conjunto de correntes metodológicas: (1)
No contexto da Europa continental, temos IHERING, que acentua que o direito é uma tarefa
prática e que deve ter no fim (interesses e expectativas sociais) o seu ponto de partida; (2) No
contexto dos EUA, temos o instrumentalismo de HOLMES, que assume uma superação do
formalismo.

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2.1.1. Alusão ao contributo da Jurisprudência dos Interesses


Nas primeiras décadas do século XX, na Europa continental, surge a corrente da
Jurisprudência dos Interesses, inspirada em IHERING, mas não se reduz à proposta deste autor.

➡ Representa uma assunção direta ou explícita da viragem para os fins, ou seja, uma
assunção do elemento teleológico, pois trata-se de defender que, quando se interpreta
uma norma, o sentido a atribuir à norma é aquele que corresponde a um certo tratamento
dessa norma legal como uma situação valoradora de um conflito de interesses
(dimensão material ou fisiológica da norma legal). Portanto, para compreender a norma
tem de se reconstituir os interesses causais pressupostos nela pelo legislador, ou seja,
tem de se reconstituir esse conflito de interesses que a norma, em abstrato, visa resolver,
e para isso tem de se estabelecer um confronto analógico com o caso concreto sub
judice.

No fundo, temos de procurar saber se no caso concreto se manifesta um conflito de


interesses análogo àquele que o legislador previu em abstrato na norma e será a partir
dessa analogia construída entre o caso concreto e a norma que se extrair da norma um
critério para resolver o caso.

Por sua vez, o movimento do Direito Livre, que era contemporâneo da jurisprudência
dos interesses, acentuava mais uma componente psicológica de referência à decisão e
aos motivos da decisão.

➡ Desenvolveu uma teoria da interpretação que tem, relativamente ao método jurídico


do séc. XIX, duas novidades fundamentais:

1. De forma discreta, mas muito eficaz, ao dizer o que expusemos supra, a


Jurisprudência dos Interesses está a pôr em causa a possibilidade de

Filipa R. G. 42
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considerarmos/resolvermos o problema interpretativo em abstrato. Está a dizer
que se deve interpretar a norma na perspetiva do caso concreto - determina-
se o sentido da norma, mas estabelecendo uma relação analógica com o caso
concreto a resolver. Trata-se de dizer que não é possível estabelecer uma divisão
estanque entre interpretação e aplicação, tal divisão entre esses dois momentos
será uma divisão artificial. Na verdade, o que estamos a fazer é a experimentar as
normas em concreto, tentando extrair delas um critério que possa solucionar o
caso, ou seja, o que se está a fazer é um continuum interpretação-aplicação.

2. De forma explícita, a Jurisprudência dos Interesses vem defender que, na


interpretação da norma, se deve considerar todos os elementos em conjunto -
ao passo que a teoria tradicional exigia que, num primeiro momento, se atende-se
exclusivamente ao elemento gramatical e ele seria um limite para a interpretação. A letra
é seguramente um elemento importante, pois dá-nos uma primeira imagem da
norma - uma imagem do comando imperativo (dimensão estrutural ou anatómica
da norma legal), pois é a manifestação da vontade do legislador -, mas a
indicação que nos dá deve ser tratada em conjunto com as informações que os
outros elementos da interpretação nos proporcionam - elemento sistemático,
histórico e teleológico.

Posto isto, a letra perde a sua função delimitadora e o elemento gramatical passa
a ter, tal como os outros elementos, um valor indicativo ou heurístico. Portanto,
não temos à partida a distribuição de sentidos da teoria tradicional, ou seja, não
temos, à partida, sentidos excluídos. Logo, as significações que não têm
correspondência na letra podem vir a ser privilegiadas sobretudo se o respeito
pelo elemento teleológico assim o exigir.

Tal abriu portas para um resultado interpretativo que se chama a interpretação


corretiva, que consiste em atribuir à norma um sentido que não tem
correspondência na letra da lei, tal acontece apenas quando se mostre que se não
se atribuí-se à norma aquele sentido ela deixaria de proteger o interesse que
visava proteger, ou seja, tal só será admitido em situações em que há atipicidade
do caso - há verdadeiramente um conflito (insanável) entre o teor verbal da norma
(elemento gramatical) e a finalidade prática da norma (elemento teleológico). Um
conflito de tal ordem pode-se dizer que é dilemático - ou seja, quando vou usar a
norma, das duas uma:

— Ou obedeço ao elemento gramatical e, se o fizer, frusto a intencionalidade


da norma, não se protegendo o interesse que a norma visa proteger e pondo em
causa o elemento teleológico;

Filipa R. G. 43
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— Ou, então, faço a interpretação corretiva, sacrificando o elemento gramatical
para conseguir realizar o fim que distingue aquela norma no plano teleológico.

Isto só acontece interpretando a norma em concreto, se a interpretação fosse em


abstrato não se colocaria tal problema.

Posto isto, são pressupostos da interpretação corretiva:

1) Estar perante um problema jurídico no qual se reconhece uma situação real


(concreta) de interesses do mesmo tipo daquela que é regulada pelo legislador;

2) Estar perante um problema que, sem prejuízo desta relevância analogicamente


nuclear, apresenta especificidades, que a tipificação legal não assimila (uma
situação real dos interesses que se oferece em termos concretos não previstos
pelo legislador, uma situação que assim se poderá dizer atípica).

3) Estar perante uma atipicidade que, considerada a partir da intencionalidade


jurídico-problemática do caso concreto, revele uma incongruência (se não
mesmo um conflito) no interior da norma;

4) Uma incongruência-conflito que mobilize como interlocutores-oponentes a


expressão literal do imperativo e a finalidade prática da norma e em termos tais
que obedecer ao comando expresso (optar por um dos sentidos permitidos pela
letra) signifique manifestamente frustrar (sacrificar) o elemento teleológico e o
juízo de valor (ou a vontade normativa) que o exprime.

Exemplos didáticos fornecidos por HECK: a enfermeira que acorda o doente para lhe dar o
soporífero, porque tinha sido a ordem expressa recebida a de dar esse medicamento
àquela hora; o artilheiro que bombardeia, segundo as ordens recebidas, uma colina já
entretanto ocupada pelo seu próprio exército, etc..

2.1.2.  A distinção que entre um  teleologismo de puros fins  e um teleologis-


mo de valores e de fins
Nos EUA, a viragem para os fins começa por ser marcada por perspetivas sociológicas, desde
logo pela Jurisprudência Sociológica de HOLMES, posteriormente seguido por CARDOZO e

POUND, sendo que é este o representante máximo do movimento.

➡ TELEOLOGISMO DE PUROS FINS: A realidade juridicamente relevante é constituída por

interesses ou expectativas sociais em conflito - nós somos muitos, partilhamos este espaço
(esta realidade), temos muitas necessidades e apetências (umas individuais e outras de grupos) e
não temos recursos para satisfazer todas estas necessidades. Por isso, o direito, através das
normas legais, tem um papel de hierarquização desses interesses ou expectativas,
estabelecendo entre relações entre os fins que são relações de ponderação, ou seja, uma
possibilidade de negociação entre eles. Há, portanto, toda uma estratégia social que se
tem de construir a partir daqui baseada nesses interesses e nas opções que eles exigem

Filipa R. G. 44
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- opções essas que serão do legislador, inserido no contexto de legitimação
democrática.

Esta abordagem sociológica tende a estabelecer entre os interesses a ter em conta uma
certa equiparação – quer dizer que esses interesses, à partida, devem ser tratados
fundamentalmente como equivalentes, ou seja, não se distingue entre esses interesses
que podem ser da mais variada índole. No fundo, todas as expectativas/apetências que
se manifestam na realidade prática e social (das mais básicas e fundamentais às mais
sofisticadas, desde os interesses materiais aos interesses ideais) seriam, à partida, tratadas
sociologicamente como interesses e vão estar numa relação de vinculação direta com as
necessidades subjetivas, sejam necessidades subjetivas do sujeito indivíduo sejam
necessidade subjetivas do todo - pois não havia propriamente uma distinção entre um
interesse individual (a satisfação de uma necessidade básica) e um interesse coletivo (a
satisfação de uma aspiração/exigência comunitária) - e aí são tratados a partir da ideia de que
têm uma conotação económica.

Isto pode por um problema significativo: nesta perspetiva sociológica, quando se


consideram exigências valorativas/axiológicas, elas acabam por ser também equiparadas
a esses fins.

Hoje, as perspetivas que levam mais longe este tratamento são as perspetivas do
teleologismo tecnológico (teleo-tecno-logia), na linha da racionalidade finalística-
estratégica, como, p. ex., a proposta da engenharia social de HANS ALBERT.

➡ TELEOLOGISMO DE VALORES E DE FINS: Já não é um teleo-tecno-logismo, mas um

teleo-nomo-logismo (PINTO BRONZE). Temos de dar atenção aos fins, mas temos de
distinguir, por um lado, de fins - que correspondem a interesses/fins comensuráveis -
e, por outro lado, de valores(/exigências valorativas/aspirações/compromissos comunitários)
- que correspondem aos fins em si mesmos, não são suscetíveis de serem sacrificados e
que não têm a mesma índole das necessidades subjetivas individuais ou de grupos.
Enquanto que as necessidades subjetivas são apetências de satisfação que de facto
mobilizam interesses, os valores ou fins em si mesmos são exigências de sentido
partilhadas pela comunidade, ou seja, são referencias da construção comunitária (os
valores são construídos-especificados-transformados na praxis comunitária e que assim
mesmo permanecem indissociados da contínua reinvenção da praxis). P. ex., o valor da
dignidade humana, o princípio da igualdade ou o princípio da legalidade criminal.

Isto tem uma vantagem: se se mantiver o dualismo entre fins e valores, estaremos em
condições de poder resolver vários problemas que se colocam quando há conflitos entre
os fins - podendo a perspetiva do legislador ajudar na hierarquização dos fins - e estaremos
em condições de reduzir a sua complexidade, pois algumas estratégias serão excluídas -
aquelas que forem incompatíveis com os valores/princípios.

Filipa R. G. 45
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Trata-se, aqui, no plano metodológico, de introduzir uma perspetiva que a Jurisprudência
dos Interesses não considerou: a perspetiva autónoma dos princípios - na realização
do direito, os princípios têm um papel decisivo e que deve ser autónomo; quando se
interpreta uma norma deve-se preocupar em reconstituir a relação que aquela norma
tem com o(s) princípio(s) que formam o domínio dogmático do direito em que aquela
norma se integra.

Segundo CASTANHEIRA NEVES, quando estamos a interpretar normas, não é possível


atender apenas à ratio legis (à finalidade imediata da norma, ou seja, qual é o fim/
interesse/expetativa que a norma visa proteger; trata-se de procurar a sua justificação
político-social e teleológico-estratégica - se quisermos a reconstituição do seu argument
of policy), temos de atender também à ratio iuris (obriga-nos a confrontar esta teleologia
com a coerência normativa dos princípios (e dos correspondentes arguments of
principle), na mesma medida em que nos onera com a responsabilidade constitutiva de
transcender aquela teleologia por estes fundamentos).

Enquanto que um teleologismo de puros fins preserva uma certa imagem de societas
herdada da rotura moderna - sociedade dos interesses e da manifestação de vontade-
liberdade dos sujeitos cidadãos -, o teleologismo de fins e valores correspondente
dialética communitas/societas - estamos inseridos numa societas herdeira das aquisições
da modernidade, numa societas de interesses, de ratio, mas, além dessa dimensão, é preciso
dar autonomamente atenção a uma outra dimensão que é constituída por uma objetivação
normativa de valores comunitários onde encontramos os princípios.

2.1.3. Alusão ao contributo decisivo da Jurisprudência da Valoração


Esta atenção aos princípios, em termos autónomos, começou sobretudo a ser introduzida pela
corrente de pensamento que, contrapondo-se com a Jurisprudência dos Interesses, se assumiu
como Jurisprudência da Valoração.

A Jurisprudência da Valoração trouxe consigo o problema autónomo dos princípios


acentuando uma crítica à Jurisprudência dos Interesses: a Jurisprudência dos Interesses terá, na
sua abordagem com a norma legal, confundido o que é o objeto de valoração – que são
interesses em conflito – com o critério dessa valoração. Com que fundamento se escolhe um
interesse face a outro? A resposta que daria a Jurisprudência dos Interesses, na sua base
sociológica, seria dizer que permitir o legislador preferir um interesse face a outro é o interesse
que se manifesta a nível da realidade social e são estes interesses causais que o legislador,
enquanto representante da comunidade jurídica, deve ter em atenção. É como se, ao ser tratado
tudo no plano dos interesses, o próprio objeto de valoração e o critério da valoração se
acabassem por se confundir.

Filipa R. G. 46
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Por isto, a Jurisprudência da Valoração procurou desenvolver uma referência fundamental que
era a referência aos princípios. Estas opções estratégicas entre fins são muito importantes, mas
essas escolhas não são todas possíveis, por isso elas devem ser inseridas no contexto dos
valores e princípios, que vão, desde logo, limitar e fundamentar as escolhas que estão a ser
desenvolvidas pelo legislador. Isto tem consequências metodologias, porque, quando se
interpretar uma norma em concreto, tem de se ter em atenção a perspetiva dos princípios.

Os princípios são tratados com autonomia, porque se assume os princípios como ius, ou
seja, como verdadeiro direito (e não como ratio, como acontecia no Método Jurídico do séc. XIX).

Tudo isto converge na nota de que vamos ter momentos do esquema metodológico em que a preocupação será
teleológica no seu sentido mais estrito (vamos atender aos fins, às opções, aos interesses do legislador - ratio legis
-, mas também posteriormente, num outro momento, vamos ter de considerar os fundamentos e os princípios - ratio
iuris - alargando os espectro do teleologismo, considerando um teleologismo de fins e valores (de fins
comensuráveis e fins em si mesmos).

2.2. Os novos tipos de resultados e a sua distribuição no horizonte de um teleologismo


de fins e valores:
— A exploração da ratio legis a permitir a:
• Interpretação corretiva: Considera-se a teleologia imediata da norma - o seu fim
prático ao nível desses meros fins - e confronta-se com o elemento gramatical.
• Redução e a extensão teleológicas (ou interpretação teleológica redutiva e
extensiva): Mobiliza-se uma norma para solucionar um caso que não caberia
naquela norma se considerasse apenas o elemento gramatical, mas como se
considera o elemento teleológico há razões suficiente fortes para o considerar
naquela norma - extensão teleológica.
— A problematização da ratio juris (e das razões do direito como jus) a autorizar a:
• Correção, superação e preterição — interpretação  conforme — aos princípios:
Partindo do caso concreto, reconstitui-se o sentido da norma à luz dos princípios,
como se estivesse a compreender melhor a norma, a sua fundamentação e limites.
 

2.3.  A perspetiva do  caso  a superar a cisão interpretação-aplicação e a levar a sério


o continuum da realização do direito
A propósito da perspetiva metodológica determinante, se fizermos um confronto do Método
Jurídico do séc. XIX com algumas propostas do séc. XX, vemos que houve uma mudança ao
nível do prius metódico.

Filipa R. G. 47
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Para o Método Jurídico do século XIX o prius era a norma na sua textualidade constitutiva -
a norma como ratio e ponto de partida para a aplicação do direito. Assim, compreende-se que,
antes da aplicação – antes de tratar a norma como premissa –, teríamos de interpretar aquela
norma em abstrato, atribuindo-lhe um sentido único, por isso é que não se falava em realização,
mas sim de aplicação do direito. Só com a norma determinada ao nível das suas significações -
só com a norma interpretada - é que se pode tratá-la como premissa maior de um silogismo.

O Método Jurídico do séc. XIX, como defendia uma perspetiva objetivista plena, não tratava
de um aspeto: a questão prévia de saber como selecionar a norma aplicável. Esta perspetiva do
séc. XIX ignorava este problema porque partia acriticamente do pressuposto de que tínhamos um
sistema de normas absolutamente dado e transparente e, portanto, o ponto de partida era essa
unidade de enunciados normativos.

Sistematização de algumas propostas que, reconhecendo embora no caso concreto


decidendo o objeto problemático, se distinguem pela perspetiva
Uma das viragens do séc. XX é aquela que passa a considerar que o prius metodológico (na
realização do direito em concreto) deve ser o caso - só a perspetiva do caso pode suportar a
cisão entre interpretação e aplicação.

Parte-se do caso para selecionar e experimentar a norma e procura-se extrair da norma um


critério adequado à especificidade de um determinado caso e todo este percurso de seleção e
experimentação da norma é um percurso contínuo que só se conclui quando se chega ao um
juízo decisório final. Até lá, até chegar à sentença, o julgador está a interpretar a norma. Logo,
não há um único momento de interpretação, ele dilui-se em vários momentos de interpretação.

O confronto entre…
— As conceções metódicas que, embora dando importância ao caso concreto, ao
momento da concretização e à relevância dos elementos extra-textuais, reconhecem à norma
um sentido normativo auto-subsistente em abstrato
1. FRIEDRICH MÜLLER: Quando o julgador está a experimentar a norma, ele estabelece
uma distinção entre aquilo que será:

• A norma como texto: Como manifestação expressiva de uma prescrição


autoritária;

• A norma enquanto norma: Como critério que aquele texto nos permite reconhecer,
um critério que pode vir a ser mobilizado para assimilar a relevância de um caso. é
da extração desse critério do texto da norma que nos permite converter a norma
naquilo que MÜLLER diz ser a norma-decisão. Diz-se norma-decisão porque ela
representa uma concretização da norma que está a ser trabalhada, que é a norma
adequada à relevância concreta do caso e que assimilará o próprio caso.

Para chegar a esta norma-decisão é indispensável convocar elementos extra-


textuais. Temos de dar atenção a elementos da realidade da própria norma, pois

Filipa R. G. 48
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quando a norma é prescrita pelo legislador, ele estará a considerar um certo
problema da realidade, isto é, o legislador está a assimilar na norma uma certa
realidade.

Isto é importante em questões, p. ex., de normas que se foram afastando da


realidade, pois assimilaram na sua construção uma realidade que já não existe –
falamos do problema da obsolescência ou das normas obsoletas.

As normas têm uma dinâmica de projeção na realidade – num conteúdo que é


material, complexo e constituído por vários fatores – e essa realidade tem uma
dinâmica própria. Portanto, uma norma pode estar formalmente vigente, mas estar
desajustada relativamente à realidade, porque quando essa norma se construiu ela
assimilou a realidade do seu tempo que entretanto se alterou - esta dinâmica
temporal leva a que se vá constituindo uma distância entre a realidade que a norma
intenciona e a realidade autêntica.

Assim, para construir a norma-decisão temos de ter em atenção a realidade que a


norma intencionou e compará-la com a realidade efetiva com que hoje nos
deparamos.

Hoje quando dizemos que muitas normas que encontramos no Código Comercial se
tornaram obsoletas porque a realidade do comércio se alterou, estamos a referirmo-nos a
uma componente fundamental da norma: quando esta é prescrita ela tem um certo domínio
de implantação na realidade que é ela própria que constrói, mas que não deixa de ser uma
implantação real.

Este autor dá muito relevo à concretização, acentuando que ela invoca elementos extra-
textuais, no entanto entende a realização do direito no enquadramento da norma. Aquilo
que o juiz tem de encontrar é a norma-decisão que seja adequada ao caso, que é como
que uma concretização do critério normativo adequada ao caso concreto.

2. FIKENTSCHER: Desenvolve o seu pensamento usando uma formulação diferente do


autor anterior: fala da norma do caso. O julgador, no seu percurso metodológico, tem
encontrar a norma do caso e para isso tem de fazer um esforço construtivo difícil
porque tem de obedecer a duas exigências contrárias polarizadas: Tem de encontrar
uma resposta que:

1) Seja adequada ao caso, ou seja, à materialidade concreta, àquilo que o caso tem
de específico e de irrepetível;

2) Salvaguarde a exigência de um tratamento igual (princípio da igualdade).

A resposta ao ser adequada ao caso, ou seja, ao ser uma resposta juridicamente


conseguida, não pode ser casuística, tem antes de ser uma resposta que possa ser
sustentada num certo plano de universalidade racional em termos de igualdade. Trata-

Filipa R. G. 49
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se de dizer que é a resposta adequada ao caso, mas seria também a resposta
adequada para um outro caso análogo a esse.

O esquema metódico constrói-se através de processos de ir e vir entre a norma e o


caso, que têm a intenção de encontrar o ponto de equilíbrio entre as exigências de
igualdade e as exigências de adequação material. Haverá um ponto em que o equilíbrio
se estabelece e quando se encontra esse ponto de equilíbrio será um ponto de não
retorno e será nele que se encontra a norma do caso – não é o juízo decisório para o
caso, é a norma que irá sustentar a resposta para aquele caso.

Este autor dá relevância ao recurso de outros critérios para resolver este exercício de
determinação do que é a norma do caso: aos critérios da jurisprudência judicial
(jurisprudência e doutrina) - as decisões judiciais no sistema de civil law devem ter o
valor de exemplos para outras decisões semelhantes aos precedentes de commom law.

— As perspetivas que interrogam-experimentam a norma na perspetiva do caso, ou seja,


o prius da norma é o caso
1. JOSEPH ESSER: Perante o caso concreto, o julgador, com a experiência que já tem do
sistema, constrói uma resposta quase que intuitivamente e só depois é que vai à
procura de uma fundamentação no sistema, ou seja, só depois é que vai à procura de
uma norma, de critérios ou de princípios que o permitam apresentar justificadamente
essa solução.

O movimento do Direito Livre apresenta isto como se a justificação que o juiz procura
fosse uma justificação manipulada, pois primeiro pensa na solução e só depois vai
procurar no sistema apoio para a solução que quer defender. Não é exatamente isto que
ESSER nos diz. Este autor diz-nos que realmente há logo uma resposta intuitiva e só
depois é que essa resposta vai ser trabalhada com o apoio do sistema. Não é
propriamente a ideia de que há uma manipulação para defender a posição tomada pelo
juiz.

O juiz vai experimentar essa resposta submetendo-a a dois tipos de controlo racional:

1) Referência à materialidade do caso: A resposta tem de ser adequada ao problema


específico que se coloca, naquilo que ele tem de único e irrepetível;

2) Concordância (com as normas e os princípios) (d)o sistema: Esta experimentação


pode levar o julgador a afastar-se daquela primeira intuição.

Esta perspetiva não é a defendida pelo jurisprudencialismo de CASTANHEIRA NEVES.

3. MARTIN KRIELER: Dá uma importância efetiva, ao nível do sistema da civil law, ao papel
dos critérios da jurisprudência judicial, atribuindo-lhes uma presunção de justeza, que
depois poderá vir a ser falsificada pela experiência do julgador, através do ónus de
contra-argumentação.

Filipa R. G. 50
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Já tem mais afinidades com o jurisprudencialismo.

4. IAN SCHAPP: A norma seria uma proposta de tratamento de uma série/sequência de


casos possíveis - a norma como norma-série. Há aqui um exercício de aproximação
entre a norma e o caso, porque o caso seria o caso concreto na sua singularidade, mas
a norma seria fundamentalmente pensada como se oferecesse uma solução para uma
série de casos.

Em vez de se falar de um tipo abstrato e da norma ser um programa que responde em


abstrato a um tipo de problema que ela constrói, era como se disséssemos que o tipo
não é autenticamente abstrato, o tipo abre a porta para a consideração de uma
sequência plausível de casos concretos. Assim, se reconstituir a norma quando a
interpreto como uma norma-série, será depois fácil estabelecer um confronto analógico
entre o caso que tenho a resolver e a própria norma.

Há uma mudança de acentuação: Enquanto que MÜLLER e FIKENTSCHER permanecem fieis


à referência, em termos de enquadramento, ao critério norma na sua exigibilidade em
abstrato, tal é assim que tratam o juízo-julgamento como se fosse numa norma-decisão ou
uma norma do caso; ESSER, KRIELER e SCHAPP acabam por privilegiar a perspetiva do caso e,
assim, acentuam a relação que tem de existir em termos da reconstrução analógica entre o
caso concreto e os próprios elementos do sistema (dando sempre relevância a esta dupla
exigência).

3.  A possibilidade de renovar hoje a pergunta relativa ao Método Jurídico e de lhe


reponder, mobilizando os contributos maiores de MacCormick e de Alexy, de Aarnio e de
Peczenik (o núcleo dos discursos que Atienza identifica com o paradigma-standard da teoria da
argumentação)

Será que podemos dizer que estamos hoje em condições de reconstituir um novo
paradigma do método jurídico?

— AROSO LINHARES diz que não estão reunidas as condições, nem parece que seja desejável.
O que devemos é aspirar à unidade paradigmática de um novo método jurídico. Claro que se
pudéssemos dizer que hoje temos à nossa disposição, com uma enorme unidade ou consenso,
um método de realização do direito, isso daria uma enorme tranquilidade à reflexão metodológica
porque teria se encontrado um caminho, ou seja, um método de realização, e deixaríamos de
estar confrontados com incertezas. Em todo o caso, não parece que assim seja. De facto, a
própria experiência da tentativa no século XIX, cuja imposição como pensamento dominante,
acabou por ser fortemente redutora.

Filipa R. G. 51
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Posto isto, é de entender que não há um consenso suficiente para falarmos de um novo
método jurídico, nem parece que seja desejável renunciar à diversidade das propostas
metodológicas. O método teria de ser tão aberto de forma a abarcar toda a diversidade
metodológica que acabaria por não ser método nenhum.

— Há quem defenda que existem condições, pois há algumas propostas metodológicas


que poderiam corresponder com êxito àquela ambição, êxito esse que até se manifesta ao nível
da comunidade jurídica e ao nível da prática da jurisprudência judicial. Fala-se da teoria
standard da argumentação (2.ª geração - em relação à 1.ª geração remissão p/ pág. 15 a 19)
cujo nome maior é ROBERT ALEXY, mas temos também NEIL MACCORMICK e outros autores como
AARNIO e PECZENIK.

O ponto de partida para esta teoria standard da argumentação, seja para ALEXY seja para
MACCORMICK, está numa distinção entre os tipos de casos envolvidos (distinção essa rejeitada
pelo jurisprudencialismo enquanto distinção relevante), que se traduzirá numa cisão metodológica:

• Casos fáceis (menos complexos, que MACCORMICK prefere chamar casos claros) que exigem
um determinado tipo de método: a via da argumentação lógica-dedutiva, resolvendo-se
os casos com argumentos dedutivos (construídos fundamentalmente a partir do
esquema do silogismo).

• Casos difíceis (mais complexos, que MACCORMICK prefere chamar casos problemáticos) que
exigem um outro tipo de método: a combinação de argumentos dedutivos e não
dedutivos.

Enquanto que a primeira geração da teoria da argumentação – ligada à tópica e à nova retórica –
é uma proposta de racionalidade prática, assumida até ao fim com a rejeição clara do
dedutivismo, a teoria standard da argumentação tem a sua base igualmente uma racionalidade
sujeito-sujeito (racionalidade prática), mas vai procurar combinar outros elementos que
consideram aquisições imprescindíveis e que são assumidos como herdeiros de outras
propostas, p. ex., a importância da racionalidade lógico-dedutiva.

Aula dia 12 de novembro de 2019

Um outro ponto em comum nestas propostas é a assimilação de uma distinção entre


justificação interna e justificação externa (no âmbito da construção da sentença e da resposta aos
casos concretos), distinção inicialmente trabalhada por JERZY WRÓBLEWSKI.

WRÓBLEWSKI pensa esta distinção em termos que não são exatamente aqueles que vão ser
assimilados por ALEXY e MACCORMICK. Para WRÓBLEWSKI:

- A justificação interna é aquela que pressupõe um certo método ou um certo tipo de


inferência e o assumo como claro e pressuposto, sem discussão. Na construção o

Filipa R. G. 52
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silogismo subsuntivo (a construiu a premissa maior, a premissa menor e a extrair daí uma
conclusão) faz-se uma justificação interna, porque se admitir, como que acriticamente,
que se pode resolver o problema pela via da dedução.

- A justificação externa é quando se discute o próprio método ou a a própria inferência,


ou seja, se questiona a plausibilidade da dedução. No caso do silogismo, é quando se
questiona a fundamentação das premissas e a sua adequação.

A teoria standard da argumentação assimila esta distinção tornando-a ainda mais simples,
porque vai identificar a:

➡ Justificação interna com a argumentação dedutiva (casos fáceis);

➡ Justificação externa com a articulação de uma argumentação dedutiva com uma


argumentação não dedutiva (casos difíceis).

Postular esta distribuição (casos fáceis - justificação interna / casos difíceis - justificação externa),
significa, com efeito, expormo-nos ao binómio argumentação dedutivamente válida /
argumentação não dedutiva.

A sobreposição mais clara destas componentes encontramo-la na reconstrução de Atienza ou nesta


enquanto se propõe enquadrar os contributos decisivos de MacCormick e de Alexy (mas também os
de Aarnio e de Peczenik) na distribuição consagrada por Wróblweski e nas perguntas que esta
legitima:

— Nos casos jurídicos simples ou rotineiros a tarefa do julgador se esgota numa argumentação
dedutivamente válida, construída a partir de premissas dadas e suscetível enquanto tal de ser
reconduzida a uma justificação interna (como se na relação com estes casos o ordenamento jurídico
proporcionasse uma resposta correcta que não é discutida).

— Os casos difíceis exigem, em contrapartida, novas argumentações (que podem ou não ser
dedutivas) e, com estas, uma invariável tematização das premissas envolvidas - tematização, por sua
vez, que passa pela plausibilidade da proposta de mais do que uma resposta correta e que assim
mesmo impõe o processo autónomo de uma justificação externa (onde se testa o caráter mais ao
menos fundamentado de suas premissas).

Entre ALEXY e MACCORMICK aquele que é mais fiel à terminologia justificação interna e
justificação externa é ALEXY que utiliza exatamente os mesmo termos. MACCORMICK, embora
parta de uma distribuição metódica semelhante, prefere converter a distinção em uma distinção
vertical, porque a distinção entre justificação interna e justificação externa sugeria uma relação
horizontal e, na verdade, elas não estão lado a lado. MACCORMICK prefere uma distinção vertical,
pois, na verdade, existe uma sequência:

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1. Em primeiro lugar, temos a justificação de primeira ordem - que é a justificação mais
natural. A justificação natural é a justificação dedutiva, ou seja, baseada em
argumentos dedutivos. Para MACCORMICK, o método dedutivo é aquele que nos
permite mais adequadamente cumprir as exigências político-constitucionais, ou seja,
cumprir o direito, por isso se diz que o dedutivismo é a marca de água do Direito. Aquilo
que identifica o direito como direito está, sobretudo, na estrutura do silogismo e é esta
estrutura que acaba por sustentar a abertura para os argumentos não dedutivos.

A justificação de primeira ordem é cumprida através do recurso à lógica formal, que


corresponde à construção do silogismo tanto para os casos fáceis, como para os casos
difíceis. Contudo, poderá haver:

- Casos difíceis cujos problemas têm a ver com a obtenção da premissa


maior do silogismo:
• Há dificuldades em interpretar uma norma, porque a norma é ambígua ou
indeterminada:

• Há dificuldades em saber que norma assimila a relevância do caso, porque


há várias normas à disposição que fornecem soluções diferentes e, à
partida, todas parecem assimilar a relevância do caso (temos uma questão
quase de concorrência de normas).

- Casos difíceis cujos problemas têm a ver com a obtenção da premissa


menor do silogismo:

• Há dificuldades de qualificação dos factos, ou seja, não se consegue


determinar qual o ramo jurídico do problema ou dentro desse ramo jurídico
qual o problema em causa.

• Há dificuldades da prova, ou seja, não se conseguir chegar a um juízo de


comprovação, logo não se sabe quais são os factos a ter em conta.

Só se a justificação de primeira ordem falhar (como acontece nos casos difíceis,


pois não se consegue chegar às premissas só com base em argumentos dedutivos), é
que passa para a justificação de segunda ordem (onde se usam argumentos que não
são dedutivos e em que se usa uma retórica específica)

MACCORMICK está a pressupor uma certa representação do que é o sistema jurídico: o


sistema jurídico constituído por enunciados que têm uma certa universalidade racional, o
que ele designa universal rulings.

Ele assimila uma distinção entre universal e particular, considerando todos os enunciados
jurídicos constitutivos do sistema jurídico como universais, mesmo os próprios precedentes,
porque ele entende que aquilo que releva, no âmbito dos precedentes, não é tanto a decisão
concreta, mas a ratio dedidendi.

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Ele induz ainda uma outra distinção entre geral e especial. Assim, os enunciados normativos
universais podiam ser mais gerais ou mais especiais. Contudo, ele distingue a universalidade
e generalidade num sentido muito diferente daquele que é o habitual, trata-se de dizer que
podem haver enunciados universais que se situam num plano mais geral e outros que se
situam num plano mais especial. P. ex., ele entende os princípios ou os standards são mais gerais
que as normas legais autoritariamente prescritas e estas serão mais gerais que os precedentes.
Contudo, são todos enunciados universais.

Não é propriamente um visão normativista, pois admite que temos princípios e


precedentes, mas o que é nuclear nestes enunciados é a sua pretensão de universalidade
racional.

2. Em segundo lugar, a justificação de segunda ordem - que é, no fundo, a justificação


externa. Aqui MACCORMICK estabelece uma sequência de degraus:

1) A relação explorada é a relação com o sistema dos universal rulings, ou seja,


com o sistema jurídico

Desenvolve-se argumentos sistémicos, que são:

➡ Argumentos de consistência lógica: Resultam da relação de uma norma com


outra norma, ou seja, de um universal rulling com um universal rulling. Haverá
consistência lógica quando haja ausência de contradição (lógica) entre duas ou
mais normas.

➡ Argumentos de coerência: Resultam do conteúdo das soluções. Haverá


coerência quando há compatibilidade axiológica entre duas ou mais normas que,
tomadas no seu conjunto, fazem sentido como um todo.

- (quando a questão é de facto) Argumentos de coerência narrativa:


Construídos por um juízo de prova (juízo de comprovação); as partes
apresentam narrativas e uma das narrativas há-de ser mais coerente que a
outra e isso vai permitir privilegiar determinados elementos de facto em
detrimento de outros.

- (quando a questão é de direito) Argumentos de coerência normativa.

Quando haja uma impossibilidade de resolver o problema, então, há uma outra


possibilidade…

2) A relação explorada é a relação com o mundo e os efeitos que nele se


produzem
Há uma abertura para argumentos funcionalistas-consequencialistas. O
recurso a estes argumentes é feito com grande contenção formal, pois não se
pode utilizar um discurso utilitarista puro e duro. O que temos de ver são os

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efeitos produzidos no mundo a partir do quadro de possibilidades oferecido
pelas normas, ou seja, haverá sempre um quadro normativo a respeitar e que
vai impor limites aos efeitos que são relevantes e, por isso, faz sentido que se
fale num utilitarismo de regras. Posto isto, os efeitos não são tratados em si
mesmos, os efeitos são correlatos dos efeitos do sistema jurídico, ou seja, dos
efeitos previstos nas estatuições.

Fala-se numa contenção formal pois trata-se de aceitar argumentos utilitaristas,


mas de forma limitada enquadrada normas.

Esta ideia de uma passagem de degraus diferentes também é acompanhada de uma


referência semelhante ao nível da questão da interpretação das normas. MACCORMICK entende
que o primeiro passo será dado pelos argumentos literais/linguísticos (o que significa que
poderíamos resolver algumas questões de interpretação logo aqui); o segundo passo será dado
pelos argumentos sistémicos (argumentos de coerência); e o terceiro e último passo, que ocorre
quando tudo falha e não há outro recurso, será dado pelos argumentos teleológicos, sempre
contidos pela possibilidade das normas.

Em ALEXY a resposta é diferente. Ele continua a falar em casos fáceis e casos difíceis e de
justificação interna e justificação externa, mas vem acrescentar uma distinção entre a fórmula
da subsunção e a fórmula da ponderação:

➡ A fórmula da subsunção (não uma subsunção estritamente formal do séc. XIX) é aquela que
permite resolver os casos fáceis e que tem dois degraus:

1) Subsunção propriamente dita associada a uma justificação interna, que é aquela


que utiliza uma argumentação dedutiva. Contudo, serão raros os casos em que a
solução se encontre aqui.

2) Subsunção associada a uma justificação externa, que é aquela que utiliza


argumentos dedutivos e não dedutivos.

Admite-se que o problema se resolva através de uma aplicação lógico-dedutiva,


mas trabalha-se as premissas de uma maneira diferente daquilo que permite a
lógica formal: admite-se o prius não seja a norma, mas sim o caso – aquele
movimento de ir e vir entre caso e norma. Significa que para dar uma resposta,
nos casos em que há dúvidas quanto ao significado da premissa maior da norma,
se mobiliza critérios da jurisprudência judicial, da doutrina e argumentos do
discurso prático em geral (ALEXY desenvolve aqui uma proposta de compreensão das
decisões judiciais como critérios muito semelhante à desenvolvida por KRIELE e por
CASTANHEIRA NEVES – os critérios da jurisprudência judicial beneficiam de uma presunção

Filipa R. G. 56
METODOLOGIA DO DIREITO

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de justeza). Logo, pode-se usar os precedentes ou pre-juízos num sistema de civil

law.

➡ A fórmula da ponderação é aquela que permite resolver os casos difíceis. A ideia de


ponderação tem a ver com uma certa conceção dos princípios, que é diferente da
conceção de MACCORMICK e da do Jurisprudencialismo.

ALEXY, partindo da categoria geral de normas, faz uma outra distinção, a distinção entre
normas-princípios e normas-regras (distinção esta que jurisprudencialismo questiona e prefere dizer
que os princípios são fundamentos e as regras são critérios) - para MACCORMICK a diferença entre as
normas e os princípios é quantitativa, enquanto que para ALEXY a diferença é qualitativa.

• Normas-regra: Estão associadas à fórmula da subsunção em sentido lato (ou seja,


abrange tanto a justificação interna como a justificação externa). As regras são normas
que exigem algo dos seus destinatários de modo definitivo - são comandos
definitivos -, ou seja, a lógica das normas-regras é uma lógica do all or nothing (tudo ou
nada – ou obedecemos ás normas ou não obedecemos, o nosso comportamento é valorado
positivamente ou é valorado negativamente, não há uma terceira via). As normas-regras
correspondem, sobretudo, às prescrições legislativas.

• Normas-princípio: Os princípios como intentio - os princípios são identificados como


exigências de origem moral, pré-jurídica ou comunitária, ou seja, eles corresponderão a
uma moralidade universal de cunho procedimental, e para se tornarem jurídicos precisam
de uma decisão que lhes dê força jurídica e essa decisão é a decisão que corresponde à
objetivação constitucional, isto é, para se constituírem verdadeiramente como jurídicos,
os princípios precisam de ser declarados explicitamente ou assumidos implicitamente
pelas prescrições constitucionais. É como se disséssemos que Direito tem uma
dimensão ideal que é a moral e tem uma dimensão real que é constitucional em que
precisa da potestas - do poder constitutivo.

Quando os princípios adquirem força jurídica eles passam a ser são normas que
requerem que algo seja realizado na maior medida possível - são comandos de
otimização - há aqui uma nota de gradação, ou seja, a lógica dos princípios é uma
lógica de menor ou maior intensidade, o que, no contexto da realização do Direito em
concreto, vai depender da possibilidades factuais existentes.

Associado ao discurso dos princípios vai estar a exigência da proporcionalidade.


Enquanto que as normas-regras permitem recorrer à fórmula da subsunção, os
princípios, como têm a exigência de gradação, permitem recorrer à fórmula da
ponderação, que é aquela que permite resolver os casos difíceis, onde se enfrenta o
problema de colisão de princípios: temos dois princípios aos quais se deve obediência, cujas

Filipa R. G. 57
METODOLOGIA DO DIREITO

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exigências temos de realizar e, portanto, podemos, através de argumentos de proporcionalidade,
equilibrar a realização desses mesmos princípios.

Uma das exigências da ponderação é a seguinte: quanto mais elevado for o grau de não
satisfação (frustração) de um princípio, tanto mais elevada deve ser a importância de
satisfação do outro. Contudo, temos de mobilizar uma série de razões que permitam
sustentar esta mesma relação de proporcionalidade e essas razões só se pensam a partir
das circunstâncias do caso concreto e não em abstrato.

Para alguns autores, esta sugestão abre uma porta perigosa - a porta para um discurso
consequencialista. Este entendimento dos princípios introduz um pensamento próximo
da racionalidade finalística - não constrói os argumentos sem usar de facto uma lógica
de maximização próxima da lógica política ou económica. As escolhas relativamente aos
casos vão fazer-se por referência aos possíveis efeitos (empíricos e não jurídicos) que
estão em alternativa, pois pensa-se a partir de uma inteligibilidade económica ou política,
porque está a conferir ao raciocínio um núcleo de racionalidade que já é instrumental-
estratégica.

AROSO LINHARES não considera que seja um grande perigo. O que há aqui é uma
articulação de elementos difícil de sustentar com coerência, pois é como se
estivéssemos a combinar elementos do normativismo (subsunção), do jurispruden-
cialismo (no horizonte da filosofia prática, ao assumirmos que estamos no campo da
argumentação) e do consequencialismo (abrimos a porta a tipos de discurso e raciocínio que
fazem sentido no campo dos funcionalismos/pragmatismos, porque se trata de optar entre
decisões possíveis orientando a escolha por efeitos, apesar de sempre limitado aos princípios
como comandos de otimização e a questão fundamental ser a da maximização um certo princípio:
será maximizar o seu efeito e minimizar a projeção do outro).

Do ponto de vista metodológico, há outro problema: a fórmula da ponderação é um


modo de apresentação da solução a que se chega, mas não é um verdadeiro método
para se chegar à decisão - para além de nos dizer que os princípios têm de ser
considerados em concreto e que temos de dar atenção aos efeitos, não se acrescenta
mais nada relevante para construir um caminho; há apenas uma remissão para um tipo
de discurso e racionalidade orientada por efeitos.

Segundo AROSO LINHARES, acaba por ser algo completamente aberto, porque vamos
conseguir usar a fórmula como quisermos – para sustentar um princípio ou outro, tudo
depende dos efeitos que selecione e considere em concreto mais relevantes. Por isso,
considera esta fórmula uma relativa improdutividade metodológica.

Filipa R. G. 58
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Para MACCORMICK os princípios são ratio e para o Jurisprudencialismo os princípios são ius.

CONCEÇÕES DOS PRINCÍPIOS COMO RATIO, COMO INTENTIO, E COMO JUS:

Os princípios como ratio e como intentio têm em comum sustentarem um continuum princípios/normas -
culminando a segunda no binómio normas como regras / normas como princípios -, os princípios como ius
rompe com este continuum, na mesma medida em que rejeita o referido binómio.

— Os princípios como ratio trazem consigo a herança dos princípios gerais de direito, na sua
compreensão normativística. A unidade estrutural invocada — que vai permitir tratar os princípios como normas
— é explicitamente a de um contexto-ordem que se baseia na identidade de um enunciado de dever-ser — com
uma racionalidade-veritas autoconstituída por exigências de universalidade e uma conformação a-teleológica —
e que assim mesmo se mostra em condições de invocar uma pretensão de coerência ou de interrelação —
pretensão esta que faz corresponder a interrelação em causa (horizontal ou verticalmente refletida) à
unidimensionalidade auto-subsistente de um sistema, um sistema de normas ou de proposições jurídicas.

Os sinais que nos autorizam a distinguir os princípios correspondem explicitamente a uma intensificação do
núcleo ratio: como se este núcleo — ao poder ser compreendido sem a mediação da antecipação hipotética
(tipificadora de problemas) ou pelo menos conferindo a essa antecipação uma indeterminação significativamente
maior — nos aparecesse restituído à pureza das suas conclusions-claims e à fundamentação imanente que estas
garantem, permitindo que os princípios possam impor-se-nos, se não recto itinere como condições
epistemológicas de uma racionalização cognitivo-sistemática, pelo menos como as proposições em que tais
condições mais diretamente se manifestam.

— Os princípios como intentio, reconduzem-nos a uma convergência da juricidade com a vinculação


autoritária e a institucionalização correspondente. Podemos dizer, com efeito, que se trata sempre de pressupor a
índole pré-jurídica (ético-comunitária ou moral-procedimental) dos princípios, defendendo simultaneamente que
estes só constituem direito vigente (só adquirirem juridicidade) se se manifestarem em critérios positivos vincu-
lantemente institucionalizados, recebendo destes (ou da autoridade-potestas que os sustenta) a sua força
jurídica (ou a dimensão constitutiva que a traduz). Sendo certo que defender esta identidade não significa recusar
tarefas práticas relevantes aos princípios que ainda não são normas, ou seja, ainda não são jurídicos — e que
assim se nos expõem como puras intenções regulativas —, porque significa já antes (e em contrapartida) confiar-
lhes duas possibilidades operatórias (possibilidades que podem ser defendidas cumulativa ou separadamente, se
não concebidas como meras diferenças de grau):

a) A possibilidade de os conceber como manifestações de exigências discursivas, de expetativas sociais


ou de compromissos comunitários (pré-jurídicos) capazes de orientar a construção-produção de critérios
jurídicos, às quais a política legislativa deverá ser assim particularmente sensível (função regulativa para a
normativa constituição do direito positivo);

b) A possibilidade de os levar a sério como indicações orientadoras com um caráter metodológico —


indicações que, não constituindo como tal direito vigente, podemos convocar como apoios-arrimos (se não como
cânones ou regras secundárias de juízo ou até mesmo como razões argumentativas) quando interpretamos uma
norma legal ou um critério jurisprudencial e quando temos que enfrentar um caso omisso e resolver um problema
(dito) de integração (função regulativa no direito positivo constituído e na prática de integração ou
desenvolvimento deste).

Poderá dizer-se que o núcleo desta convergência está na assunção explícita do contraponto regulativo /
constitutivo, mas também na possibilidade-exigência de submeter a distribuição intencional-regulativo (pré-jurídi-

Filipa R. G. 59
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-co) / autoritário-constitutivo (jurídico) a uma especificação decisiva, iluminada pela referência à


institucionalização constitucional. Trata-se na verdade de a configurar através do binómio princípios morais com
caráter regulativo / princípios jurídico-constiucionais vinculantes, agora para acentuar que a emergência dos

princípios — a sua determinação constitutiva tanto como princípios de direito quanto como princípios do direito (sem que

estes problemas afinal aqui se distingam um do outro) — se identifica com a objetivação prescritiva (e com a dimensão

de vigência e de eficácia, se não de realidade) que converte as intenções e os compromissos (eventualmente


também os direitos morais) em causa em princípios (e direitos) constitucionais.

— Os princípios como jus correspondem a uma linha de desenvolvimento preocupada:

a) com o sentido metodologicamente específico da realização dos princípios (princípios assim mesmo
responsabilizados por uma dimensão-estrato, normativamente inconfundível, de um sistema jurídico
pluridomensional;

b) e com a exigência de os levar a sério como objetivações prático-normativamente imediatas da


validade juridicamente relevante — se não mesmo como compromissos constitutivamente práticos da forma de
vida que distingue o direito.

Significa desde logo reconhecer uma compreensão axiológica dos princípios — teleologismo de valores e de

fins (se não teleonomologismo) —, reconhecendo simultaneamente a relevância metodológica da distinção

fundamentos / critérios — e a dialética de estabilização-realização sistema/problema que a torna possível. Ao

assumir uma compreensão dos princípios normativos como autêntico direito vigente — ao reconhecer nestes os
fundamentos constitutivos da validade do direito —, a reconstituição jurisprudencialista não se limita a uma
experimentação permanente do excesso normativo dos princípios, exige ainda que ao problema do tratamento
destes fundamentos corresponda uma experiência única de constituição e manifestação, que é também sempre
de realização.

Trata-se de beneficiar os princípios com uma presunção de validade e de iluminar assim o seu modus
especí--fico de vigência e a vinculação que lhes corresponde, mas trata-se também de levar a sério esta
vinculação, exigindo a convocação dos fundamentos como dimensão imprescindível da experimentação dos
critérios — o que, no plano das prescrições legislativas, corresponde à exploração decisiva de uma face de ratio
juris. Sem esquecer por fim que esta experimentação nos obriga a testemunhar uma especialíssima consonância
entre os princípios enquanto compromissos práticos e o conteúdo normativo-concreto da sua realização
(indissociável dos problemas-controvérsias e do novum irredutível que estes introduzem): como se o percurso de
emergência e de objetivação constitutiva dos princípios (numa permanente reinvenção dos seus conteúdos que é
também indissociável da força normativa ou da justiciabilidade que lhes corresponde) se cumprisse envolvendo
distintas práticas de estabilização-realização (e a relação circular com o novum problemático que cada uma delas
distintamente estabelece). Práticas que não são evidentemente apenas aquelas que correspondem ao exercício
contingente da voluntas legislativa, que são também e decisivamente aquelas que as jurisprudências judicial e
dogmática vão assumindo, como o são também e ainda aquelas que as situações institucionais e os cânones das
comunidades dos juristas constitutivamente reinventam.

Filipa R. G. 60
METODOLOGIA DO DIREITO

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As perspetivas de ALEXY e MACCORMICK têm uma peculiaridade: se as quisermos caraterizar


inserindo-as naquela grelha de base que falamos (normativismo, funcionalismo, jurispru-
dencialismo) não conseguíamos, pois elas combinam elementos que podíamos reconhecer
distribuídos por estas três tendências.

Se acentuarmos a ideia forte de que são teorias da argumentação, ainda que de segunda
geração, poderíamos dizer que o que é unificador é a ideia de comunicação de argumentos,
porque quando se fala de dedução falamos sobretudo dos argumentos dedutivos - como se
pensássemos sempre no esquema sujeito-sujeito. Mas, nesta base de assimilação da
racionalidade prática, vão ser inseridos elementos que são metodologicamente importantes de
outras racionalidades que introduzem cisões, cisões essas que se manifestam, dede logo, no
facto de que para MACCORMICK haver método para os casos claros e outro para os casos
problemáticos e para ALEXY haver igualmente um método para os casos fáceis e outro para os
casos difíceis, mas que são métodos diferentes dos apresentados por MACCORMICK.

Esta distinção entre casos fáceis e casos difíceis é entendida em termos diferentes da teoria
da argumentação da 1.ª geração. Segundo esta os casos fáceis são resolvidos juridicamente e os
casos difíceis, como há várias respostas possíveis e que são equivalentes do ponto de vista
jurídico, são resolvidos através de uma opção que vai ser feita a final pelo juiz que envolve já
intenções políticas, económicas, etc. Tal entendimento abria porta à discrionariedade, ou seja, à
possibilidade de escolha do juiz.

Na teoria da argumentação da 2.ª geração, embora distinguindo casos fáceis e casos difíceis,
os casos difíceis são ainda resolvidos através de razões jurídicas. Logo, até há uma diferença no
uso da palavra discricionariedade: para ALEXY a palavra tem como significado um território que
tem várias possibilidades em jogo, que tem uma margem de manobra.


Filipa R. G. 61
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IV. A PROPOSTA JURISPRUDENCIALISTA (NO SEU JUDICATIVISMO SISTEMÁTICO-


PROBLEMÁTICO) PROJETADA NUM MODELO-ESQUEMA METÓDICO DE

REALIZAÇÃO EM CONCRETO DO DIREITO

1. Prolegómenos

1.1.  Recapitulando a dialética  sistema/problema  e esta inscrita numa tetónica do


universo jurídico com quatro dimensões (axiológica/dogmática/judicativo-decisória/
problemática) - remissão p/ pág. 21 e 22
A dialética sistema-problema enquanto uma especificação da racionalidade prática(-
prudencial) — esquema sujeito-sujeito.

Entre o sistema e o problema opera a dialética problema-sistema: O sistema jurídico começa sempre
por delimitar e pré-determinar o campo e o tipo dos problemas no começo de uma experiência
problemática - os problemas possíveis começam, de um lado, por ser aqueles que a intencionalidade
pressuposta no sistema admita e os modos de os pôr serão, de outro lado, aqueles que sejam correlativos
das soluções-respostas que o sistema também ofereça. Contudo, note-se que o sistema jurídico não é um
dado pressuposto e sim uma tarefa de objetivo, já que há-de assimilar sempre uma nova experiência
problemática e assumir as novas intenções normativas. Tudo o que fará com que o sistema seja
(problematicamente) aberto, não pleno (não intencionalmente auto-suficiente) e autopoiético (de
racionalidade prático-normatica autónoma).

A conceção dos princípios como  jus  e as presunções associáveis aos fundamentos e


aos critérios - remissão p/ pág. 60

A invenção jurídica do concreto (irredutível ao singular): o caso jurídico como pré-síntese


de um sentido concreto de intenção jurídica (a possibilidade de levar a sério a relação  geral/
particular,  velho/novo,  passado/presente  ou, se quisermos, um  modo  único de experimentação e de
assimilação-tratamento do particular e do novo, garantindo que esse particular e esse novo não excluam
uma certa participação no geral ou no velho)
A dialética sistema-problema que irá identificar a racionalidade pratico-prudencial é a dialética
do novo e do velho, porque procuramos fazer justiça à novidade do caso, ou seja, àquilo que ele
tem de único e de novo (invocamos o novum de cada caso), procurando uma resposta adequada
à sua materialidade concreta. Mas essa resposta não vê no caso uma pura singularidade
irrepetível, porque a situação concreta é comparável com outras situações concretas que foram
sendo trabalhadas na perspetiva do sistema jurídico e através dos seus extratos.

Posto isto, procuramos uma resposta que tem de ser adequada, mas que também tem de ser
uma resposta do sistema.

Filipa R. G. 62
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O caso como prius metodológico - o caso enquanto caso jurídico e que se traduz na objetivação do
seu concreto e específico sentido problemático jurídico; a implicar, desde logo, a questão de saber qual a
perspetiva e qual o critério dessa objetivação. A resposta obtém-se pela consideração de 3 notas: (1) o
caso como um problema, (2) como um problema jurídico e (3) numa certa situação histórico-cultural.

1.2.  A recriação da dialética  sistema/problema  levada a sério como um tecido de


correspondências analogicamente determinadas (Fernando Bronze)
Partindo de um esquema metodológico proposto por CASTANHEIRA NEVES, PINTO BRONZE
procura reconstituir todo o esquema como se ele fosse um contínuo de juízos analógicos, ou
seja, ele fortalece a unidade metódica em termos de pensarmos a experiência de realização do
direito como uma experiência de construção de um juízo analógico que vai sendo pensado em
diversos planos.

1.2.1. Especificações centradas no sistema


— A atenção dispensada ao contexto conformador da realidade jurídica, enquanto concorrência de
realidades económica, política e cultural (esta última a restituir-nos para o englobante horizonte do
deveniente mundo axiológico, dialeticamente reconstruído em termos analógicos).

— A autonomização, a partir desta mesma realidade (como um particular subsetor desta), de um novo
estrato do sistema, identificado com os arrimos procedimentais e com a presunção de prestabilidade
(pragmaticamente associada à sedimentação da experiência profissional) que distingue o seu modo de
vigência.

— A acentuação da medular analogicidade que sustenta a dinâmica do sistema (na compreen-


são bottom up da sua abertura e regressividade).

1.2.2.  A racionalidade  problema/sistema  reconduzida a uma  dialética-teia de problemas ou


situações exemplares
Ao ponto de se poder dizer que cabe ao próprio sentido da juridicidade assumir-se como  tertium
comparationis  das ponderações analógicas que articulam dialeticamente (que comparam) o mérito do
problema concretamente judicando (a situação exemplar conformada por cada problema concreto) e a
intencionalidade problemática do corpus iuris vigente, na sua normatividade constituída ou constituenda (a
situação exemplar constituída pela intencionalidade problemática do critério normativo-jurídico ou pela sua
particular exigência de sentido).

1.2.3. A dialética sistema/problema compreendida na perspectiva da racionalidade analógica:


as analogias de objectivação tematizante, de qualificação especificante, de comprovação problematizante, 
de disquisição explicitante e de fundamentação ajuizante

Filipa R. G. 63
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1.2.4. A equação metodonomológica. Dois contributos decisivos:
(a) A atenção dispensada à judícia dos mediadores subjetivos e a esta na sua inteligibilidade
metodonomológica (judízia metodonomológica), enquanto faculdade de pré-modelar (ante-ver e ante-pôr) o
caso judicando e de dominar (noético-noematicamente) o iter reflexivo implicado pela realização judicativo-
decisória do direito (judícia que, assim mesmo identificada, encontra no problema do direito dos juízes em
contexto de civil law uma das suas projeções mais notáveis);

(b) O papel nuclear que a norma desempenha como modelo de todos os outros critérios — o que só é
metodonomologicamente concebível porque a  norma-critério  em causa, libertando-se de um tratamento
formalmente auto-subsistente, se nos expõe já luminosamente como  norma-problema, se não
assumidamente como norma-Reihe, ela própria constitutivamente instituidora de uma série de casos
seriáveis (e assim mesmo intencionando o aprioristicamente indefinível conjunto aberto de todos os seus
candidatos possíveis). [Acentuação que não dispensa uma última chamada de atenção, apenas para esclarecer que
tal norma enquanto critério hipotético (verdadeiro corpus prático-pragmático) se distingue por sua vez decisivamente
da norma que é definitivamente trazida-à correspondência analógica com o caso judicando, esta última intencionando
um aposterioristicamente  definível conjunto fechado, com um único candidato positivo (norma judicativamente
apurada)].

Aula dia 19 de novembro de 2019

CASTANHEIRA NEVES distingue, enquanto momentos metodológicos de análise do caso


jurídico, entre entre problemas: problemas associáveis à questão de facto e problemas
associáveis à questão de direito. Em rigor, não há uma cisão, porque os problemas
desenvolvidos no âmbito das questões de facto não envolvem um outro tipo de
racionalidade.

Note-se que o sentido das etapas deste percurso é mais analítico e não cronológico e que
as etapas não são fechadas (como eram as do Método Jurídico), pois cada etapa vai fornecendo
possíveis resultados que devemos tratar como provisórios e que podem vir a ser reavaliados,
a não ser no caso das questões de prova em que se pode falar numa etapa fechada.

2. A questão-de-facto
Não se trata de dizer que a questão de facto tem a ver com elementos empíricos e factuais,
mas trata-se de reconhecer que há ali uma questão diferente e específica que se prende com
aquele caso-acontecimento que está a ser tratado/discutido. O problema que se coloca é um
problema relativo a toda uma série de elementos constitutivos do acontecimento que terá
ocorrido fora do foro e que agora vai ter de se reconstituir no contexto forense.

Ao nível da questão de facto, há 3 momentos fundamentais:

1) Determinação da  relevância jurídica do caso: Trata-se de querer saber se o caso-


controvérsia que nos ocupa coloca ou não uma questão juridicamente relevante, mas é

Filipa R. G. 64
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mais do que isso. Importa, numa primeira abordagem, tendo como prius o caso e
seguindo uma dialética problema-sistema, delimitar a sua relevância, delimitação essa
que é preliminar e provisória.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, trata-se de delimitar e de determinar, na globalidade da


situação histórica em que o problema jurídico concreto se situa, o âmbito e o conteúdo da
relevância jurídica dessa situação problemática.

2) Qualificação: Assumindo uma pré-compreensão do sistema jurídico, a qualificação é


uma localização, ainda que provisória, do caso-acontecimento no domínio dogmático
do direito ou em vários, ou seja, trata-se de determinar em que domínio dogmático do
direito aquele caso se insere, através da dialética problema-sistema e através de um
confronto analógico entre aquela problematicidade material que o caso aparenta ter (o
problema real que tenho de decidir) e aquela problematicidade que está intencionada
nesses ramos ou domínios do direito (os problemas que estão tipificados ou antecipados
nesses domínios dogmáticos).

3) Comprovação/prova: Trata-se de saber como é que o caso-acontecimento ocorreu


mesmo, ou seja, trata-se de saber o que é que podemos considerar ou não como
comprovado naquele conjunto de elementos que nos são apresentados e que estão
associados ao caso-acontecimento que, enquanto controvérsia, nos é exposto, pelo
menos, em duas versões contrapostas.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, traduz-se na comprovação do âmbito de relevância, na


sua efetividade e no seu conteúdo. (…) É o problema da verdade jurídica, como verdade prática,
como verdade correlativa da praxis jurídico-social.

Este é o momento da construção do juízo de prova. Pergunta-se agora: Qual a


índole deste juízo? Que tipo de racionalidade está presente?
A resposta a esta pergunta exige uma alusão a duas conceções do juízo da prova
que dominaram a experiência no contexto europeu:

— O período pré-moderno aparece fundamentalmente dominado por uma


compreensão da prova prático-prudencial de matriz retórico-argumentativa.

Admitia-se uma certa unidade intencional entre o momento da comprovação e


os outros momentos da realização em concreto do direito, pois todos seriam orientados
pelo mesmo discurso - um discurso prático-prudencial (racionalidade prática num
esquema sujeito-sujeito de tipo argumentativo).

Trata-se de sustentar que, quando estamos a perguntar se aquele


acontecimento ocorreu e em que termos ocorreu, a perspetiva do problema concreto e
todo o seu circunstancialismo vai estar presente no tratamento desta pergunta e esta
pergunta vai desenvolver-se com uma teia de argumentos que se contrapõe e nos

Filipa R. G. 65
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trazem versões distintas daquilo que ocorreu e que são apresentados pelas partes da
controvérsia - herança da retórica.

Entende-se que, nesta perspetiva prático-prudencial, a resposta que o julgador


vai dar ao problema é uma resposta construída com esses materiais que vão sendo
disponibilizados pelos argumentos das partes e com esses materiais nos termos em que
são apresentados. Esta perspetiva traz consigo o entendimento de que esta construção
dos factos era uma construção normativo-jurídica - a verdade que se está a construir
não é uma verdade científica, não é sustentada no discurso da episteme, mas é uma
verdade prática(-prudencial) que se constrói com os materiais disponibilizados e
segundo esquemas de racionalidade que são aqueles que a dialética (como lógica do
provável e do verosímil - que traz consigo uma representação de normalidade e
probabilidade com componentes normativas) e a retórica permitem construir.

Posto isto, o problema da prova era tratado a partir do caso na perspetiva de


um centro de argumentação, um status - tínhamos dois grandes centros de
argumentação interligados, em nome de uma intencionalidade que era comum e que
seria uma racionalidade prática: status racionales (que colocaria questões relativas aos
factos) e status legales (que colocaria questões relativas aos critérios jurídicos e aos
textos jurídicos).

— A primeira modernidade, em rigor, ainda um bocado antes, aparece dominada


por uma compreensão da prova teorética de matriz empírico-explicativa (racionalidade
científica), que passa a compreender o momento da prova como um momento distinto
que se introduz um outro problema.

Está presente o método dedutivo, mas está presente, sobretudo, um método


indutivo. Trata-se de partir de elementos factuais e de procurar estabelecer conexões
entre eles para permitir a reconstituição de um acontecimento - hipóteses de
regularidade científica.

Os enunciados produzidos são enunciados aos quais está associada uma


pretensão descritiva ou explicativa e não normativa.

A verdade é menos qualificada do que a verdade científica, pois há materiais


limitados e tempo limitado para trabalhar esses materiais.

Mais tarde, no contexto do século XIX, aquilo que começou por ser um
parênteses teorético empírico-explicativo, passa a aparecer perfeitamente integrado,
pois o próprio juízo de direito (o juízo definitivo sobre a controvérsia) passou a ser
compreendido à luz de uma racionalidade teorética. O juízo passou a ser concebido em
termos de um silogismo que parte de premissas, sendo estas sempre proposições de
caráter universal. O que aconteceria no contexto da prova seria semelhante ainda que
as diferenças estivessem no tipo de afirmações, porque quando se considerava a

Filipa R. G. 66
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questão de direito considerava-se as normas gerais e abstratos que são enunciados de
dever-ser e quando estávamos a considerar a questão de facto as premissas deveriam
ser afirmações genéricas de facto. Seria claramente um confronto entre um território
que era normativo e um território um descritivo ou explicativo, mas todos eles mereciam
um discurso de tipo teorético, porque de facto o que aconteceu aqui foi essa tentativa
de racionalizar teoreticamente a prática.

Quando, por um lado, partimos para o problema da prova baseando-nos num centro
de argumentação, o problema da prova aparece sobretudo como uma questão
controversa que vai ser discutida argumentativamente. Quando, por outro lado,
dizemos que o problema da prova é um problema que deve ser tratado a partir de
um discurso teorético, a questão passa a ser a de uma determinação de uma série
de elementos factuais que aparecem tratados como elementos empíricos e a
submeterem-se a exercícios de comprovação. Significa isso que se a controvérsia é
decisiva para a primeira perspetiva, porque tem de estar presente ao longo de todo
o percurso até se chegar ao juízo de comprovação, o que vamos encontrar na
perspetiva moderna ou indutiva é o entendimento de que, através dos materiais
disponibilizados durante o processo, foi possível isolar uma série elementos de facto
e agora a realidade desses elementos de facto vai ser experimentada-testada
independentemente da controvérsia estar a ser desenvolvida. São os próprios
elementos que vão ser inseridos num contexto metódico de comprovação, daí a
exigência de mobilizar sempre uma racionalidade de tipo indutivo. Na perspetiva
prático-prudencial havia uma certa estrutura dialógica que se mantinha – o problema
nunca era diluído até chegar à decisão probatória final. Na perspetiva empírico-
explicativa, o problema tinha apenas uma relevância inicial para identificar os
elementos de facto disponíveis, mas depois estes elementos de facto seriam
submetidos a um exercício teorético de comprovação.

O nosso contexto, tendo em conta o peso destas duas tradições – uma que acentua o
caráter argumentativo da prova e outra que acentua o caráter indutivo ou teorético-explicativo da
prova –, aparece dominado por uma compreensão do juízo de prova prático-

prudencial. Estaremos, assim, a preservar a estrutura dialógica e a intencionalidade


dialética que está associada às partes da controvérsia e a manter, ao longo de todo o
exercício da comprovação, a perspetiva da controvérsia-caso.

O momento da prova ou do juízo de comprovação emerge quando acentuamos-


introduzimos uma especificação na controvérsia principal (aquela que atribui a cada uma
das partes da controvérsia determinados direitos e responsabilidades): a controvérsia

probatória. O núcleo da controvérsia probatória são aqueles elementos, selecionados


no momento da relevância e no momento da qualificação, em relação aos quais pode

Filipa R. G. 67
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ou não convergência entre as partes envolvidas, que nos remetem para uma
experiência-acontecimento que ocorreu no passado fora do foro e que agora vai ser
reconstituído.

A questão agora é a de saber se os elementos do acontecimento que foram


invocados pelas partes ocorreram e em que termos ocorreram - significa isso que o
problema ganha identidade de um discurso de verdade prática.

Ao fazer esta pergunta estamos a manter a estrutura da controvérsia, porque estamos


a distinguir, no plano argumentativo, a possibilidade de duas narrativas-históricas. O
confronto, em termos dialéticos, passa a estabelecer-se entre duas narrativas rivais que
terão identidades diferentes, graus de coerência diferentes, mas que são construídas
argumentativamente e que são, sobretudo, depois reconstituídas no contexto forense,
em que não aparece apenas as narrativas (de defesa) das partes, aparecem outros
elementos trazidos pelos participantes processuais – nomeadamente, testemunhas e
peritos - que também elementos constitutivos das narrativas.

JACKSON diz-nos que há uma dupla dimensão narrativa. As narrativas das partes,
enquanto narrativas rivais, referem-se a uma série de acontecimentos que ocorreram
fora do foro e no passado, por isso pode-se distinguir:

• A história trazida para o foro, que aí está a ser reconstituída e relativamente à


qual há duas versões rivais (the story in the trial) - história passada;

• A história que está a ser constituída no presente no foro através de atos de


enunciação (afirmações, intervenções, comportamentos, reações, de processos de
interação dialética, etc.) (the story of the trial) - história a ser produzida.

Posto isto, quando consideramos as narrativas em confronto, estas interessam-nos


não apenas no plano do conteúdo/semântico (a histórica-narrativa das partes e que diz
respeito a algo que aconteceu no passado), mas também no plano pragmático (a pragmática
aqui tem a ver com o uso dos enunciados e das palavras pelos sujeitos que os mobilizam). Pois,
tudo isso vai ser importante, sob o ponto de vista da construção, para que o julgador
chegue a um juízo de comprovação que seja sustentado numa autentica verosimilhança
ou autenticidade.

Isto não significa regressar a uma visão retórica da prova, significa introduzir aqui uma
específica narrativa que nos autoriza a situar todos os elementos trazidos devem ser
integrados nesta textura narrativa.

Espera-se que o julgador construa, a partir de todos estes materiais e em


contraditório (princípio audiatur altera pars), uma terceira narrativa – a narrativa essa é
uma narrativa autoritária (atribui-lhe o sentido de um juízo de decisório) e definitiva (dá-nos
uma versão definitiva do que ocorreu). Tal narrativa, construída a partir de elementos do
passado e do presente, será, por uma lado, uma narrativa (vai chegar a uma conclusão
com palavras únicas que dão coerência ao todo) e, por outro lado, um juízo decisório

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METODOLOGIA DO DIREITO

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(referência ao sistema – dialética problema-sistema), por isso é possível dizer que há uma
certa unidade metódica com a controvérsia principal.

Mas que sistema? Pensamos imediatamente na referência ao sistema probatório,


que é constituído por princípios (p. ex. livre apreciação da prova), mas também por critérios
do ónus da prova, proibições de valoração, critérios normativos, máximas de
experiência.

Esta representação geral permite-nos concluir por uma unidade metódica e por uma
intencionalidade prático-prudencial que sustenta o juízo de comprovação, sem
prejuízo de reconhecer esta uma diferença na inteligibilidade narrativa.

3. A questão-de-direito 
Ao nível da questão de direito, há 2 momentos:

1) Momento da questão de direito em abstrato: É o momento (prévio) da seleção do


critério (legal) hipoteticamente aplicável que tem de ser mobilizado no contexto do
sistema e que fornece um esquema de solução capaz de assimilar a especificidade e a
relevância do caso (já comprovada).

Fala-se na escolha de uma norma hipoteticamente aplicável com o exato sentido de que
a norma é escolhida como hipótese de solução em abstrato.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, a questão de direito em abstrato tem por objeto a
determinação do critério jurídico que haverá de orientar, e concorrer para fundamentar, a solução
jurídica do caso decidendo.

2) Momento da questão de direito em concreto: É o momento (decisivo) da


experimentação do critério que foi hipoteticamente selecionado - experimentação essa
que tem de dar atenção simultânea ao caso e ao sistema (dialética problema-sistema) -
para se aferir, definitivamente, se ele dá resposta adequada ao problema, sem que
nunca seja considerada como prius ou norma-premissa.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, a questão de direito em concreto é o problema do próprio


juízo concreto que há-de decidir o caso.

São momentos analiticamente distintos e abertos, na medida em que a experimentação pode


conduzir à necessidade de voltar atrás, se se chegar à conclusão de que aquele critério não
responde à relevância do caso.

3.1. A questão-de-direito em abstrato

3.1.1. O problema da seleção da norma hipoteticamente adequada


Relativamente à questão de direito em abstrato, se se procura um critério para ele fornecer um
certo esquema de solução e uma antecipação da resposta, tem de se admitir que poderá

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METODOLOGIA DO DIREITO

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acontecer que essa procura seja frustrada, isto é, que não se encontre a norma legal que dê um
critério - que serão situações mais raras. Tal permite introduzir uma dualização:

1) Situações metodológicas em que a realização direito se faz com a mediação de


uma norma legal: O julgador encontra um critério a que reconduz aquele caso,
havendo de o experimentar na dialética com o caso concreto.

2) Situações metodológicas em que a realização do direito se faz sem a mediação da


norma legal: O julgador não consegue encontrar um critério a assimilar a relevância do
caso (o que convoca o problema dos limites objetivos da lei – os casos omissos –,
afastando-se, contudo, o termo lacuna, associado a uma construção normativista).

Vamos concentrar-nos na realização do direito com mediação de uma norma jurídica, ou


seja, existe e é encontrado um critério que assimila a relevância assumida à controvérsia como
questão-de-facto.

Uma referência fundamental é a que se prende com a dificuldade inicial de saber como é que
o julgador chegou àquela norma - este ponto de partida era recusado pelo Método Jurídico do século
XIX. Será a partir do caso - ou seja, o prius metódico é o caso -, que já inserimos num campo
dogmático de direito e cujos elementos de facto já se encontram provados, que se irá
desenvolver o exercício de procura do critério legal.
A convocação de uma norma para assimilação do caso concreto é decidida pelo confronto
dos problemas – o problema constitutivo do caso e o problema que está subjacente à norma.
A procura deve ser orientada pela exigência de encontrar certa identidade entre problemas e não
uma identidade entre situações – que seria aquilo que preocupava o método normativista. Na
identidade de situações parte-se da norma e pergunta-se se as caraterísticas que ela prevê
estão ou não estão presentes no caso ou se o caso concreto é exemplar da hipótese da norma,
ou seja, procura-se uma relação de tipo e exemplar. Na identidade de problemas a
preocupação é outra, a de um raciocínio de tipo analógico, ou seja, pergunta-se se o problema
tipificado na norma será ou não análogo ao problema que se visa resolver. Aqui já não interessam
tanto as caraterísticas, interessa perceber se o problema intencionado na norma é
analogicamente o mesmo problema do caso concreto. Não se trata verdadeiramente de uma
analogia, porque esta desenvolve-se entre dois casos concretos, por isso há aqui um esforço
analítico fundamental: partir de um caso concreto e admitir que subjacente à norma está um
problema que se pode confrontar analogicamente com o problema do caso concreto - será de
considerar que há analogia se existirem mais elementos de semelhança do que diferença.

Isto exige que se trabalhe a norma, desde logo, ao nível de determinação do sentido da
norma, não como uma norma-premissa (texto), mas como uma norma-problema - tratar a norma
como uma norma-problema é reconstituir o sentido da norma como se ele corresponde-se à
identificação de um problema considerado em abstrato, identificando todas as componentes do
problema que a norma quis resolver.

Filipa R. G. 70
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Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, a norma-problema é a norma enquanto solução normativa abstrata
de um problema e apenas ela pode ser critério para o juízo normativo que haverá de resolver um problema
normativo concreto: a problematicidade deste problema exige a problematização da(s) norma(s) que
possam servir de seu critérios, isto é, exige que a norma ou normas sejam compreendidas pela mediação
normativa das suas problematicidades constitutivas. Só assim se saberá o sentido normativo tem a
solução da(s) norma(s) e só assim se pode dar ao problema do caso concreto uma solução do mesmo
sentido. Quer dizer que a seleção da norma aplicável não deve dirigir-se para o conteúdo do texto e sim
para o problema jurídico do caso típico-abstrato nela pressuposto, pondo-o problematicamente em
confronto com aquele problema jurídico do caso concreto - o que decide é o confronto entre problemas (o
problema da norma e o problema do caso) e não a identidade de situações (situação prevista na norma e a
situação concreta). A norma é aplicável, como critério de juízo, desde que haja analogia entre problemas.

3.1.2.  A determinação da norma enquanto norma-problema: um momento histórico,


um momento problemático e um momento teleológico-sistemático

— A Jurisprudência dos Interesses traz-nos a visão de uma norma-problema, ainda que em


termos redutores, enquanto toda e qualquer norma legal era uma solução valoradora de
interesses. A norma tipifca interesses e estabeleceu a solução valoradora (o interesse sacrificado
e o interesse prevalecente).

— O Jurisprudencialismo (de CASTANHEIRA NEVES) distingue vários momentos:

(A) Momento histórico: A norma jurídica como produto normativo-cultural:

➡ Pressuposto material (jurídico material): Contexto histórico-real da norma. A


norma foi construída num certo tempo e, portanto, assimilou uma certa
realidade, a realidade desse tempo, que se analisa em 3 setores:

1. A realidade histórico-social e histórico jurídica;

MÜLLER fala do próprio domínio de aplicação (ou vigência material) da norma para
dizer o que é uma norma obsoleta. Por isso, assimilou um certo pressuposto
jurídico-material, que marca a sua construção e a sua resposta.

2. A consciência histórico-social na sua dupla dimensão, cultural e ideológica,


ou constituída tanto pelos valores culturais e valências ethos social como pelas
intenções político-ideológicas.

3. O sistema jurídico histórico-dogmático, isto é, o sistema jurídico que se


oferecia dogmaticamente constituído ao tempo da prescrição da norma e que ia,
portanto, pressuposto por essa prescrição como seu contexto histórico-jurídico -
contexto que lhe vai intencionalmente assimilado desde logo como seu fatores
jurídico-semântico e jurídico-sintático.

➡ A génese jurídico prescritiva: O ato historicamente constitutivo da norma,


através do qual ela se converte num critério jurídico. Tem relevo o processo a

Filipa R. G. 71
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que esse ato obedeceu - o momento formal da sua génese - e a sua
intencionalidade constituinte - o momento material da génese prescrita. Quanto
a ela importará distinguir:

1. A decisão impositivo-dogmática: O momento constitutivo é uma decisão


(manifestação da voluntas que produziu a norma), em que se afirma a
dimensão político-programática (legitimidade pela autoridade - órgão de
competência legislativa - que invoca para a sua prescrição).

2. O juízo problemático: A prescrição tem de ser suscetível de converte-se


genético-intencionalmente numa solução de um problema normativo.

(B) Momento problemático propriamente dito: Trata-se de perguntar, em termos


absolutamente específicos, qual foi o problema que a norma reconheceu naquela
realidade (porque pressupôs um certo horizonte cultural).

Há, por um lado, uma referência à realidade e, por outro lado, a referência a um
núcleo problemático dessa realidade - à intencionalidade que torna possível a
autonomização do problema.

(C) Momento teleológico-sistemático: Este momento dá um sentido específico aos


outros dois problemas.

É decisiva esta junção entre a dimensão teleológica e a dimensão sistemática, pois


admitindo que reconhecemos o problema (reconhecemos que a norma identificou um
certo problema), não o podemos compreender sem compreender a solução que a
norma propõe para esse problema, até porque a solução é muitas vezes constitutiva
do problema.

Essa solução (constitutiva dos limites do próprio problema) pode ser trabalhada, em
analogia, a partir da controvérsia concreta. Há uma certa continuidade discursiva,
pois para entendermos a norma como norma-problema partimos da experiência do
que é a controvérsia concreta, podendo tratá-la atendendo a:

— Uma dimensão de decisão (dimensão teleológica): A decisão é uma opção


que, se for controlada e justificada, devemos dizer que é uma opção
teleologicamente justificada (no fundo, aquela norma pressupõe um certo problema, ela
própria delimita as possibilidades de um certo problema e prescreve uma solução e associada
a esta prescrição está uma decisão). Para dizermos que é teleologicamente justificada
temos de compreender qual é imanência-justificação da decisão, ou seja, os fins
(imediatos) que orientaram a decisão.

— Uma dimensão de juízo (dimensão de fundamentação): A norma-problema


deve ser trabalhada como um juízo – é uma questão de fundamentação (e já não de
justificação) onde é preciso compreender a solução no contexto dos princípios do
sistema jurídico.

Filipa R. G. 72
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Para AROSO LINHARES, a reconstituição da norma como norma-problema suscita
dificuldades, porque há toda uma série de referências circulares. Contudo, estas
referências podem e devem ser mobilizadas para esclarecer pontos nevrálgicos do
próprio esquema metódico.

Em concreto, pode acontecer que cumprir a teleologia (teleo-teckno-logia) da


norma frustre as intenções dos princípios. Surge aqui um problema metodológico:
Como é que, em concreto, o julgador vai tratar este conflito entre as intenções
teleológicas da norma e as exigências dos princípios?
Quando se trata a norma como norma-problema não se pode considerá-la só como
um decisão do julgador, deve considerar-se também como juízo fundamentado em
princípios.

Se vou fazer uma tentativa de confronto analógico entre o caso concreto que tenho
para resolver e o problema que a norma intenciona (que lhe está subjacente e que
podemos reconstituir atendendo a estes momentos - histórico, problemático e teleológico-
sistemático), deste confronto analógico inicial resulta uma primeira distribuição dos

elementos do caso:

• Circunstâncias exemplares: São os elementos daquele caso concreto que se


identificam diretamente com os elementos previstos na hipótese da norma - eram
as circunstâncias exemplares que o esquema metódico do séc. XIX considerava.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, as circunstâncias exemplares são as determinações


concretas das variáveis conceituais que são os elementos significativos integrantes do
tipo ou hipótese legal.
Exemplo: Os possíveis objetos reais que se entenda cumprirem o conceito legal de “coisa”, no tipo
normativo de “furto”.

• Circunstâncias juridicamente relevantes: Não são elementos que possam


considerar circunstâncias exemplares, porque não estão tipificadas e previstas
na norma, mas que podem ser importantes para dar a solução.

Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES, que as designa circunstâncias do caso, são aquelas
que dão fisionomia concreto-individual do caso decidendo, e que, como tais, já se não
traduzem apenas em correlatos determinativos dos conceitos legais (…), pois não indo
directamente previstas (nos termos em que o são o primeiro tipo de circunstâncias) nos
tipos legais, o que por elas vemos é antes a realizarem-se os desenvolvimentos de
concretização e individualização, que, sem terem necessariamente de excluir um caráter
“típico” ao caso, o fazem no entanto, no que toca a essas circunstâncias individualizadas,
um caso infungível e próprio, a exigir uma decisão autónoma que só a ele convém.
Exemplo: Quando se fala em circunstâncias do negócio ou do contrato ou das circunstâncias da
realização do delito (por referência aquelas circunstâncias que não sendo definidoras do tipo legal

Filipa R. G. 73
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de crime, vêm a concorrer para a determinação da concreta gravidade criminal do delito cometido
com reflexos desde logo na medida da pena).

• Circunstâncias irrelevantes: Não importarão.

Note-se que podem haver circunstâncias que não são exemplares face a uma
norma, mas podem vir a ser face a outra - as circunstâncias exemplares variam
consoante as normas que mobilizo.

A aplicabilidade de uma norma terá de pressupor um juízo autónomo de juridicidade sobre


o caso decidendo, insuscetível, como tal, de fundamentar-se na norma que se considera
aplicável, se alguma o for. Com efeito, se no que toca ao primeiro grau de circunstâncias
ainda é lícito começar por dizer que, do ponto de vista da norma, e por interpretação, se
chegará a saber se o caso se oferece ou não como correlato objetivo do quadro conceitual de
uma hipótese normativa, já, no entanto, de qualquer norma pressuposta abstratamente se
não poderão deduzir os limites da intenção individualizadora. A norma não nos pode dizer se
a individualização jurídica do caso haverá de bastar-se com os limites da concretização ou se
não terá de continuar além deles. Pois se a norma nos postulará, quanto muito, que além
desses limites as circunstâncias do caso deixam de ter relevo para ela, não lhe é possível, no
entanto, impor se as circunstâncias para ela irrelevantes o são também em geral, ou se as
circunstâncias irrelevantes para a norma em causa não serão, pelo contrário, relevantes para
um outro qualquer sentido jurídico que o caso concreto seja porventura suscetível de assumir.
E nem sequer a totalidade das normas disponíveis nos dá a garantia de delimitar o relevo em
geral, já que sempre se poderá tratar o caso como um caso omisso, de um caso de juricidade
a constituir. Ora, se isto nos mostra que as intenções conceituais das normas não podem
impor-se como indicadores decisivos, nem únicos, do relevo e da individualização jurídica, do
mesmo passo nos deixa aberta a possibilidade de compreender a necessidade de um ato
autónomo de juízo, de uma autónoma intenção de juridicidade real, pelo qual se venha a
separar a relevância da irrelevância jurídicas, individualizando e circunscrevendo ao mesmo
tempo o caso concreto decidendo.

O peso que podem ter as outras circunstâncias que não são exemplares poderá ser o
de nos permitir reconhecer que o caso, embora, à partida, tenha uma identidade
problemática forte com o problema que a norma identifica, é um caso atípico.

Em virtude de serem as normas prescritas na previsão apenas das hipóteses frequentes,


comuns ou típicas dos casos que se propõem regular, não fica excluída a possibilidade de se
decidir concretamente da sua aplicabilidade em termos diversos daqueles que imediatamente
imporia o sentido significativo e conceituas (ou interpretável am abstrato) das normas, já
aplicando-as a situações e casos que aquele sentido não cobre - casos não comuns ou
atípicos relativamente às hipóteses determinadas na norma.

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Aula dia 26 de novembro de 2019

3.2. A questão-de-direito em concreto

3.2.1. A realização do direito pela  mediação da norma: os momentos da  relevância,


da especificação teleológica e dos fundamentos e os resultados correspondentes
A questão que se colocou imediatamente antes é a de ter chegado a uma norma possível, a
de ter selecionado um critério que, à primeira vista, parece hipoteticamente plausível para
assimilar aquela controvérsia-caso concreto. É essa seleção hipotética que agora tem de ser
como que posta à prova, ou seja, vai ter de se experimentar norma que se selecionou para se
chegar a uma conclusão.

Pergunta-se agora se será que se consegue extrair daquela norma um critério que seja
simultaneamente adequado às especialidades do caso - que assimile a relevância do caso - e
às exigências de unidade do sistema jurídico - que se possa dizer do sistema jurídico? Esta
polaridade é sempre fundamental, porque envolve sempre esta exigência de estabelecer uma
conexão racional com dois planos: um plano de inteligibilidade concreta (a solução tem de ser
adequada à especificidade do caso concreto) e um plano de integração sistemática (onde se controla
a coerência da solução; estamos a dizer que é uma solução conseguida do sistema, ou seja, que é
coerente). Este equilíbrio é difícil de estabelecer, porque se trata de dizer que a norma é uma
norma do sistema e construir a solução do caso assimilando aquela norma significa estar a
responder adequadamente à especificidade do problema.

Em que pode consistir esta experimentação? Antes de mais, chama-se a atenção para o
caráter que tem este esquema - é um esquema analítico cujas etapas não são fechadas nem
são etapas que se excluam umas às outras. Portanto, este é um esquema de tratamento que
deve ser considerado assim, como uma sugestão analítica para experimentar a norma na
perspetiva do caso. Trata-se de - no momento culminante que nos permitirá chegar à conclusão
para o caso - toda a experimentação a fazer se desenvolver na perspetiva do caso,
convocando simultaneamente a norma que se selecionou e o caso concreto na sua
especificidade. Portanto, estamos perante uma manifestação decisiva da dialética problema-
sistema e estamos também perante relações que vão envolver juízos de tipo analógico.

De resto, isso já estava prometido quando se invocou o problema da seleção da norma,


problema esse que envolve um confronto entre a possível relevância problemática do caso e o
hipotético problema que a norma prevê (norma-problema). Esta conceção da norma-problema é
fundamental para pensar este esquema metódico, porque sem ela não éramos capazes de
estabelecer estas conexões analógicas. Estamos a comparar problemas, o problema concreto no
seu núcleo de identidade e o problema hipotético que a norma invenciona num plano abstrato
tipificando-o, mas o tratamento da norma como norma-problema permite extrair dela o seu
núcleo reflexivo em termos problemáticos. Estamos a compreender o problema que a norma

Filipa R. G. 75
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pretende resolver na sua intencionalidade e vamos poder comparar essa intencionalidade com
uma intencionalidade que se torna patente na experiência daquele caso. Por isso, é possível
dizer-se que todo este esquema se desenvolve como que num tecido analógico - que a proposta
de BRONZE acentua de forma especial.

De resto, em relação aos diferentes momentos do método, é possível falar de diferentes


experiências da analogia. Aqui teremos aqui uma analogia de experimentação ou de
disquisição explicitante (BRONZE).

Há aqui, na questão do direito em concreto, a necessidade de se distingir 3 momentos, que


na prática se podem conjugar-misturar, mas importa analiticamente separar para vermos que nos
põe perante problemas distintos:

1. Momento de relevância material: Momento em que discutimos relevâncias: a


relevância material do problema do caso e a relevância material do problema ou do tipo
de problema que atribuímos a norma.

2. Momento de teleologia: Momento em que a questão que se coloca, continuando a


confrontar o problema do caso e o problema da norma, é ao nível da teleologia que será
reconstituível na norma como ratio legis (ou como arguments of policy). Consideramos
uma teleologia que nos situa na imanência dos fins/propósitos que a norma se propõe a
atingir - a sua finalidade prática/objetivo. É este momento que agora nos vai dar
oportunidade de estabelecer um confronto direto com o caso - vamos experimentar
essa teleologia/estratégia na perspetiva do caso e procurar compreender o que
significará atingir o objetivo da norma respondendo àquele caso.

3. Momento dos fundamentos: Momento em que a questão é que se coloca é ao nível


da relação direta com os fundamentos, ou seja, com os princípios normativos. Trata-se
de experimentar a norma como solução possível para aquele caso, mas
experimentando-a relacionando-a diretamente com os sentidos/aspirações dos
princípios normativos que são vigentes no domínio dogmático em que a norma se
insere, não no plano abstrato, mas a partir da experiência do caso. Isto é, trata-se de
saber se a solução possível de extrair da norma será ou não uma solução compatível-
consonante com as exigências dos princípios: se responder o caso com aquela norma
estarei a cumprir ou a frustar as exigências dos princípios normativos que são princípios
indiscutivelmente vigentes naquele domínio dogmático?

No momento da relevância material estamos a procurar identificar, agora em termos mais


rigorosos, o problema do caso e o problema da norma como autênticos problemas, ou seja, na
sua relevância material, procurando responder o que os aproxima e o que os separa. Sendo certo
que tal depende do juízo de comparação/analógico: compara-se o problema do caso e o
problema da norma, podendo chegar a vários resultados/possibilidades (Em rigor, não são

Filipa R. G. 76
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resultados da interpretação no sentido tradicional, embora algumas das designações se aproximem desses
resultados - da interpretação declarativa, extensiva, restritiva e enunciativa, sobretudo. Desde logo, porque
os resultados tradicionais, no seu núcleo, pressupõe uma interpretação que se desenvolve em abstrato
sem a perspetiva do caso e, na verdade, o que se faz na questão do direito em concreto nem é uma
interpretação, é uma mobilização normativa do critério para que ele possa ser projetado no caso concreto,
ou seja, é uma realização do direito com a mobilização da norma e não uma interpretação em sentido
específico e muito menos uma interpretação em abstrato. Estamos habituados também a usar o termo
resultados da interpretação para atribuir outros tipos de resultados - a redução e extensão teleológica, a
interpretação corretiva ou a interpretação conforme aos princípios. Evidentemente que neste esquema
metódico não se pode deixar de nos referir ao lugar que estes outros tipos de “resultados” eles devem
ocupar. “Resultados” entre aspas porque há uma diferença entre os resultados que correspondem à
interpretação declarativa, extensiva, restritiva e enunciativa e outros tipos de resultados que vão ser
construídos a partir da experiência do caso e não em abstrato).

1) No confronto entre a relevância norma e a relevância caso, chega-se à conclusão que


há uma coincidência entre a relevância da norma e a relevância do caso -
assimilação total. O caso concreto aparece, à primeira vista, como uma concretização
do problema hipoteticamente previsto na norma. Isso significa que se pode dizer que
todos os elementos relevantes do problema do caso estão, de alguma maneira,
previstos na norma e, se assim for, estamos perante uma possibilidade de assimilação
por concretização. Portanto, posso dizer que a norma assimila a relevância do caso e
que essa assimilação se faz por concretização (e não por aplicação ou por redução, porque
mesmo existindo uma fortíssima coincidência de elementos não se trata de mobiliar lógico-
dedutivamente premissas, trata-se de desenvolver um juiz analógico entre a relevância do caso e
da relevância da norma e de chegar àquela conclusão). Para pode assimilar a norma por
concretização precisa-se de apoio de outros critérios dos sistema (critérios doutrinais e
critérios jurisprudenciais - aquilo que a doutrina tradicional diria os elementos extra-textuais).

2) No confronto entre a relevância norma e a relevância caso, chega-se à conclusão de


que não há uma coincidência entre a relevância da norma e a relevância do caso.
Há elementos da relevância do caso que estão antecipadas hipoteticamente da norma,
mas também há elementos importantes para identificar o caso e esses elementos não
estão presentes na norma.

A questão que agora se coloca é de saber se, apesar desta não convergência total,
existindo apenas uma correspondência parcial, se pode mobilizar a norma para
solucionar aquele caso. O que se pode tentar a fazer é uma assimilação parcial ou
parcelar. Mesmo aqui importa distinguir várias possibilidades:

— Não há convergência, mas como há, em termos de comparação, uma


identidade problemática suficientemente forte entre a norma e o caso, vou poder

Filipa R. G. 77
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desenvolver um exercício de assimilação por adaptação. Esta adaptação pode
manifestar-se em duas direções diferentes:

• Adaptação restritiva: Prescinde-se, ao nível da norma, da componente


que falta no caso, portanto torna-se a relevância da norma menos exigente.

A relevância material do caso terá de compreender-se de um modo restrito


relativamente à relevância material típica da norma, já que, não satisfazendo aquela
primeira relevância material todos os elementos que caraterizam esta segunda,
nem por isso a relevância material do caso jurídico concreto deixa de realizar na
sua relevância o material núcleo de relevância fundamentalmente justificativo do
sentido problemático-normativo da norma.

Exemplo: Tendo Pedro falecido, Luísa, que vivia com este em união de facto há
mais de 20 anos, invoca o direito a uma pensão de sobrevivência. A instituição
bancária A, na qual Pedro, reformado à data do falecimento, trabalhara durante
muitos anos (instituição que assegurava a Pedro uma pensão de reforma), discorda
firmemente desta pretensão, fundamentando a sua posição no Acordo Colectivo
de Trabalho vigente e no regime especial de segurança social (substitutivo do
regime geral) que este estabelece e muito especialmente numa cláusula x (de tal
Acordo), a qual só prevê a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência nas
situações de casamento. Luísa propõe uma ação declarativa pedindo que A seja
condenada a pagar-lhe todas as prestações devidas. A contesta, concluindo pela
improcedência da ação.

Resposta: O caso concreto envolve uma situação de uma união de facto e a


norma que hipoteticamente se selecionou para resolver o caso concreto fala
explicitamente em casamento. A cláusula diz que é beneficiário da pensão de
sobrevivência o cônjuge sobrevivo, por isso a instituição bancária A diz que a Luísa
não tem direito a essa pensão porque ela era apenas unida de facto.

Pode dizer-se que há aqui uma convergência apenas parcial ou parcelar porque,
de facto, há muitos elementos de comuns: a união de facto é uma situação estável,
que dura ao longo do tempo e com várias caraterísticas que aproximam de uma
relação conjugal, mas falta um elemento da relevância que é o contrato de
casamento. Se se admitir fazer uma adaptação, ela qualifica-se como uma
adaptação restritiva da relevância da norma: apesar de faltar um elemento (a
formalização através de contrato de casamento), pode mobilizar-se a norma para a
resolução do caso - prescinde-se do elemento da relevância que a norma prevê.

Exemplo (CN): Consideremos as relações jurídico-contratuais fácticas, nas quais a


particularidade de certas relações especiais justifica que a estas lhes seja aplicado
o regime jurídico das relações contratuais (isto é, que lhe sejam aplicadas as
normas reguladoras do vínculo jurídico-contratual), não obstante a ausência de

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uma declaração negocial. Estamos perante casos de uma relevância jurídico-
material que só restritivamente (de modo limitado) realiza a relevância jurídico-
contratual, mas, no entanto, em termos suficientemente (nuclearmente) análogos
para justificar como seu critério jurídico as normas contratuais.

• Adaptação extensiva: Se existir um elemento de importância no caso que


não está previsto na norma.

A relevância material do caso tem um sentido intencional nuclearmente assimilável


à relevância material da norma, muito embora as circunstâncias juridicamente
relevantes daquele excedam o tipo de relevância nesta prescrito - ou seja, a
relevância material do caso é mais ampla do que a norma, mas o seu sentido
intencional é análogo e portanto assimilável.

Exemplo (CN): O caso de um menor deslocado. Os pais estão vivos, mas não
disponíveis para conceder a autorização necessária em muitos atos da vida
corrente. Põe-se o problema da vaidade de um desses atos. A norma da alínea a)
do art. 127.º do Código Civil prevê a possibilidade de o menor praticar atos de
administração ou disposição de bens que adquira por trabalho ou indústria. Se é
certo que a relevância material do caso em questão excede a relevância tipificada
na norma, o seu sentido intencional não deixa de ser análogo. A situação de
necessária autonomia em que se encontra o menor, quando deslocado do seio da
família, é seguramente uma situação da mesma linha de relevância material
(embora para além dela) da que é correlativa ao direito de disposição dos
rendimentos de trabalho, pois é apoiando-se sobre si próprio ou com base apenas
na sua atividade autónoma que ele governa a sua vida.

— Pode tratar-se de dizer que o caso pela sua configuração é um verdadeiro caso
atípico (relativamente a norma) - manifesta uma atipicidade autêntica. O caso é
atípico quando se nos apresenta com uma configuração que não foi de todo prevista
pela norma e, portanto, o caso não exibe apenas elementos factuais a mais ou a
menos, ele apresenta-se-nos com uma configuração diferente, ou seja, a situação tem
uma identidade com a norma, mas a situação não foi assim prevista por ela.

Contudo, haverá a possibilidade de mobilizar a norma para resolver o caso através de


uma correção da norma. Trata-se de atribuir à norma um sentido/significação diferente
daquele que é tido pelo elemento literal, o que significa que, se estivesse a pensar em
termos de teoria tradicional, era um sentido excluído pela letra, ou seja, seria um
candidato negativo.

Esta modalidade da correção foi pela primeira vez pensada assim pela Jurisprudência
dos Interesses, através da interpretação corretiva, que pressupõe, como uma das suas
condições, estarmos perante um caso atípico. Esta correção da Jurisprudência dos

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Interesses também envolve a complementaridade decisiva do momento teleológico,
porque para haver uma correção não basta a atipicidade (o juízo de atipicidade, que é o
ponto de partida), é preciso que se revele, ao nível da norma, uma espécie de conflito
insanável entre elemento literal e elemento teleológico e, portanto, corrigir a norma vai
significar privilegiar o elemento teleológico.

Exemplo (HECK): Comando dirigido a um artilheiro para bombardear uma colina às x horas.
Acontece que à hora x a colina que deveria bombardear foi ocupada pelo seu próprio exército. O
comando que não previu essa possibilidade, mas poderia prevê-la.

Exemplo (VALE): Imagine-se que o artigo 261.º do Código Civil, sobre o negócio consigo
mesmo, tinha a seguinte formulação: É nulo o negócio jurídico celebrado pelo representante
consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro. Imagine-se agora que
João, tutor de Manuel, decide doar-lhe toda a sua coleção filatélica, uma vez que não tem filhos
nem outros familiares. Tendo embora em conta que João intervém em nome próprio como
doador e enquanto representante do donatário, não estaremos a frustrar a teleologia da norma
(que é certamente a de proteger os interesses do representado) se nos aferrarmos à formulação
literal que determina a nulidade desta doação? Não será este um caso em que a obediência
pensante à lei nos vincula a contrariá-la em nome do direito, isto é, a actuar contra legem mas
secundum ius?
Resposta: Há aqui um elemento que é claramente atípico, na medida em que não é previsto
pela norma. Quando a norma que está a prever a nulidade do negócio consigo mesmo, ela está
a prever a possibilidade de existir um conflito de interesses entre representante e representando
e está a procurar defender o representado, só que esse conflito não acontece nesta situação.

Estes exemplo não se resolvem só com a teoria da relevância, tem de se assumir


depois as possibilidades no momento teleológico e fazer o que permite resolver em
definitivo o problema que é uma redução teleológica.

Pode haver uma outra dificuldade que é a de determinar onde é que começa e acaba a
atipicidade. O caso atípico, em rigor, ainda se situa no âmbito de relevância, mas é
atípico porque tem uma configuração diferente dos casos que se inserem naturalmente
no âmbito de relevância da norma o que pode ser difícil. Contudo, há situações em que
podemos dizer que estamos perante casos que não são meramente típicos e que
exigem um tratamento diferente do da norma - são casos excecionais, casos em que a
mobilização da norma para resolver o caso não será possível, pois o caso irá merecer
um tratamento absolutamente distinto àquele que a norma estabelece. Haverá, assim,
aqui que estabelecer uma fronteira entre o que é atípico e o que é excecional.

Quando se fala de correção pode distinguir-se:

• Correção sincrónica: Correção que é desencadeada por uma falta de previsão


que não envolve uma alteração temporal, ou seja, o legislador, no momento que

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prescreveu a norma, se tivesse pensado no problema teria introduzido uma
componente que previsse a atipicidade.

Exemplo (CN): Consideremos um caso em que se ponha o problema de determinar o


domicílio de um funcionário público. A norma que define o domicílio fá-lo atendendo a
duas situações – a sede do serviço do funcionário e a sua residência habitual (art. 87.º do
CC). Num caso concreto, o funcionário está em comissão prolongada numa terceira
localidade, ausente, por conseguinte, tanto da sua residência habitual como da sede
funcional. É manifesto que a norma não previu a situação atípica que o caso põe em
relevo. Sem a correção, a situação atípica de coincidência que o caso não revelou não
seria considerada no âmbito de relevância da norma e o domicílio ver-se-ia fixado por
uma situação de não coincidência. A norma pode ser logicamente aplicada (o serviço
mantém a sua sede e a residência habitual será retomada ao termo da comissão), mas
não o deve ser porque é normativo-juridicamente inadequada, no ponto de vista do
próprio sentido normativo-jurídico da norma, a solução que resultaria da sua aplicação. A
correção trata de alterar o próprio tipo de relevância da norma por se ter ele mostrado
inadequado no seu próprio quadro problemático-jurídico.

• Correção diacrónica: Correção que é desencadeada por falta de previsão que


envolve uma alteração temporal - exemplo do HECK (no momento em que o artilheiro
recebe o comando para bombardear a colina esta está de facto ocupada pelo exército inimigo, mas
depois ocorre uma mudança e no momento em que ele devia bombardear a colina ela foi ocupada
pelo exército) -, ou seja, depois do o legislador prescrever a norma, ocorre uma
circunstância que modificou a situação.

3) No confronto entre a relevância norma e a relevância caso, chega-se à conclusão de


que a relevância da norma não assimila a relevância do caso, porque está ferida de
obsolescência (total ou parcial). A norma que se utiliza perdeu (em todo ou na parte) a
sua eficácia, porque pressupunha um outro tipo de problema/realidade jurídica que hoje
não se coloca nos mesmos termos ou que já não existe. Sendo assim, a norma não
resolve o problema.

Exemplo (CN): Vamos pensar que uma determinada norma pressupõe a estrutura patriarcal da
família. Essa realidade, em que o Direito possivelmente interferiu e que co-constitutiu) sofreu
uma alteração significativa. A instituição “família”, como realidade jurídica e como realidade
histórico-social (ou sociológica) é agora apenas a “pequena família”. A norma prescreve, assim,
um critério jurídico pressupondo uma realidade que já não existe e que só relativamente a essa
realidade tinha sentido. Passou, desse modo, como que a fechar-se num mundo de
normatividade abstrata só formalmente, mas já não material-intencionalmente subsistente –
tornou-se, então, obsoleta. Consideremos também a situação de normas (de direito comercial,
por exemplo) que pressupõem uma certa estrutura de empresa ou uma certa estrutura
económica que já não existem tal como foram intencionadas por elas.

Filipa R. G. 81
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MÜLLER acentua que cada norma tem o seu domínio de relevância e projeta-se no domínio da
realidade e quando essa realidade muda é como que a norma perdesse o seu apoio e a norma
torna-se ineficaz.

No momento da teleologia - teleologia no sentido mais estrito, de fins ou objetivos prosseguidos


pela norma que vão ser experimentados na perspetiva do caso - trata-se de saber se os fins ou

objetivos da norma se realizam ou não quando se responde ao caso concreto.

Este momento está diretamente ligado a todo o percurso de revalorização dos fins a que se
assistiu na superação do Método Jurídico do séc. XIX e de uma forma especial à progressiva
importância que foi tendo o elemento teleológico(-racional).

A questão que agora se coloca é de uma experimentação direta da (finalidade prática da)
norma que se selecionou.

Para a teoria tradicional da interpretação (SAVIGNY), a investigação da finalidade prática da norma


constituía um elemento extra-textual, um elemento que permitiria descobrir um sentido que não era o
inscrito ou intrínseco ao texto, por isso é que este elemento era considerado perigoso - porque se as
significações correspondentes não se conseguem descobrir no texto, era como se elas devessem ser
recriados pelo intérprete que iria atribuía determinado objetivo à norma, podendo parte desse objeto ser
reconstituído a partir do elemento histórico, mas aí não se estaria a utilizar o elemento teleológico.

Esta importância crescente dada ao elemento teleológico, coloca-nos hoje perante a questão
de saber quando o julgador, ao experimentar a norma em concreto para saber qual foi o
interesse ou expectativa que a norma pretendeu dar proteção, invoca argumentos teológicos
onde ele se baseia.

Na Jurisprudência dos Interesses isto aparecia com uma grande clareza, porque para ela uma norma
seria uma solução valoradora de um conflito de interesses e, portanto, determinaria-se a finalidade prática
da norma quando se percebesse qual o conflito de interesses em causa e qual o interesse que a norma
pretendia proteger.

O julgador, para reconstituir a teleologia da norma, vai procurar apoio no direito dos juristas
(na doutrina e na jurisprudência). Isto significa que o julgador não está a imputar por ele próprio
esse objetivo a norma, ele está a dar atenção ao sistema jurídico (aos critérios da jurisprudência e
da doutrina) para reconstituir o sentidos atribuíveis a norma. Posto isto, a reconstituição da ratio
legis só é possível mobilizando inteligentemente o sistema jurídico (segundo HECK, obedecer à
norma não é obedecer cegamente à sua letra, mas à sua finalidade prática, ou seja, à sua teleologia - é o
que se pode dizer uma obediência inteligente) e dando atenção aos critérios de doutrina e
jurisprudencial.

Filipa R. G. 82
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Pode-se distinguir aqui:
• Extensão teleológica: Trata-se de incluir, no âmbito de aplicação da norma, um caso que
seria excluído desse âmbito de aplicação se se considera-se apenas o elemento
gramatical da norma.

Exemplo: No caso da união de facto, para resolver aquele problema de saber se a Maria
(enquanto unida de facto) tem ou não direito à pensão de sobrevivência (atribuível ao cônjuge
sobrevivo), é importante perguntar qual a finalidade prática da norma que estabelece um pensão
de sobrevivência.

Resposta: Atendendo à ratio legis da norma hipotética (a cláusula) é necessário alargar o seu
campo de aplicação, assimilando o caso de união de facto, podendo para isso invocar-se:

— A lei n.º 7/2001, de 11 de maio (lei das medidas de proteção da união de facto) encontramos
uma norma que é o artigo 3.º/1/e que diz que as pessoas que vivem em união de facto nas
condições previstas na presente lei têm direito a protecção social na eventualidade de morte do
beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da
presente lei.

— O artigo 63.º/1 da CRP que diz que todos têm direito à segurança social.

Já se se considera-se a norma exclusivamente no seu plano gramatical, a situação da Luísa seria


excluída do âmbito de aplicação da norma.

Assim, será de concluir, tanto ao nível da relevância da norma (adaptação restritiva), como ao nível
da teleologia (extensão teleológica), pela atribuição da pensão de sobrevivência à Luísa. A
adaptação restritiva e a extensão teleológica aparecem aqui como soluções complementares e
articulares, não havendo aqui nenhuma contradição.

• Redução teleológica: Trata-se de excluir, no âmbito de aplicação da norma, um caso


que seria incluído nesse âmbito de aplicação se se considera-se apenas o elemento
gramatical da norma.

Exemplo: Duas prestigiadas e experientes empresas concorrentes do ramo da construção e


promoção imobiliária (que passaremos a designar por A e B) celebraram há seis meses, por
documento particular, um contrato-promessa no qual A prometia vender a B um dos terrenos de
que é proprietária (terreno este de resto com licença de construção devidamente certificada).
Tendo sido abordado nas negociações preliminares o problema da possível invalidade do negócio,
os contraentes acabaram por não incluir no contrato qualquer cláusula que lhe fizesse referência
(a começar por aquela que eventualmente os libertaria do reconhecimento presencial das
assinaturas): a promitente vendedora ainda admitiu que tal cláusula pudesse ser relevante, a
promitente compradora argumentou persuasivamente que, no contexto das atividades
económicas desenvolvidas pelas duas empresas, esta lhe parecia desnecessária. Decorrido o
limite temporal convencionado no contrato, B (promitente compradora), que entretanto adquirira
um terreno com dimensões e preço mais vantajosos do que o primeiro, recusa-se a marcar a
escritura correspondente, argumentando que o contrato em causa é nulo (por ter preterido a

Filipa R. G. 83
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exigência do reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes) e admitindo que irá
pedir que A seja condenada a restituir o sinal, acrescido de juros de mora (a contar desde a data
da sua citação até integral pagamento). A (promitente vendedora) responde que, não obstante a
ausência do reconhecimento presencial, a promessa é formalmente válida, pelo que, se B persistir
no seu intento, irá por sua vez pedir que esta seja condenada, por incumprimento, na perda do
sinal prestado.

Imagine-se o julgador deste caso-controvérsia (com todos os elementos narrados devidamente


comprovados), admitindo também que, numa primeira abordagem, selecionou como critérios a ter
em conta (a experimentar…) as normas legais dos artigos 410.º/3 e o artigo 334.º do Cód. Civil.

Concentrando-se na norma hipotética do artigo 410.º/3 (levada a sério como norma aplicável) e
na reconstituição da sua ratio legis, admita que selecionou uma compreensão doutrinal
(beneficiando de uma fortíssima presunção de racionalidade) no qual se reconhece que o
propósito da referida norma é proteger o interesse daquele promitente comprador que (enquanto
sujeito individual adquirente de imóveis) se possa dizer inequivocamente consumidor [«A exigência
do reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou dos promitentes intenta a protecção dos
meros particulares adquirentes de direitos reais sobre edifícios ou fracções autónomas destes. É uma
disciplina que se reconduz ao âmbito de defesa do consumidor e que se esgota aí...»]. O conceito de
consumidor que assim se pressupõe é por sua vez assimilado da «definição legal proposta no n.º
1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor:) [«[C]onsidera-se
consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer
direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade
económica que vise a obtenção de benefícios»].

Resposta: A ratio legis do 410.º/3 é proteger os interesses promitente comprador quando esse
promitente comprador for um consumidor, ou seja, for um sujeito individual que vai adquirir bens e
que os destina a uso não profissional. Tal compreensão da teleologia da norma é a defendida pela
doutrina e beneficia de uma forte presunção de racionalidade. Contudo, o promitente comprador e
o promitente vendedor são duas empresas profissionais do âmbito da construção e promoção
imobiliário, logo os interesses em jogo no caso concreto não são interesses de compradores
individuais que se possam dizer consumidores, assim não é suscetível de ser invocado o artigo
410.º/3 do Cód. Civil e a exigência da forma não se revela teleologicamente sustentável.

Haveria aqui questões complementares: pode ser invocada aqui, para resolver a questão, o artigo
334.º do Cód. Civil que é a norma do abuso de direito (B diz que não é preciso assinaturas e
depois invoca a sua falta para pedir a nulidade do negócio).

Ao concluirmos que o contrato-promessa é válido, não obstante a falta de reconhecimento das


assinaturas, estaremos a fazer uma redução teleológica, com base na ratio legis daquela norma.
Este caso, que em termos do elemento gramatical seria integrável na hipótese da norma -
estamos perante um contrato-promessa de compra e venda - deve ser excluído do seu âmbito.
Ou seja, resolve-se o caso com aquela norma com uma redução teleológica para se chegar à
conclusão que o contrato-promessa é valido.

Filipa R. G. 84
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• Correção teleológica: A correção ao nível exclusivo das relevâncias não é, na maior


parte das vezes, decisiva, precisa-se também de argumentos teleológicos para a
completar e lhe dar mais força. É preciso um caso atípico e que essa atipicidade
manifeste um conflito insanável no interior da norma (entre o elemento gramatical e as
exigências teleológicas da norma): se obedecer ao elemento gramatical sacrificarei a
finalidade prática da norma.

Exemplo de Heck (artilheiro e enfermeira) ou exemplo do negócio consigo mesmo.

Para uma proposta jurisprudencialista inserir uma redução ou extensão teleológica neste
momento não causa qualquer dificuldade. Contudo, a teoria tradicional tende a resistir a essa
possibilidade, porque fazer reduções ou extensões teleológicas significa pôr em causa o limite
que é imposto pelo elemento gramatical. A redução ou extensão teleológica são resultados da
interpretação que admitem a possibilidade de atribuir à norma sentidos que são verdadeiros
candidatos negativos, ou seja, que são sentidos excluídos pela letra.

LARENS admite a extensão e redução teleológica, mas quando as admite diz-nos que fazer
uma extensão teleológica já não é propriamente interpretar a norma, mas sim usá-la como um
critério para resolver o problema duma lacuna. LARENS não quer abdicar da ideia de que a letra da
lei tem de ser o limite da interpretação, por isso, se se usa uma norma para chegar a uma
solução que contraria a letra, o que se faz não é um exercício interpretativo, mas um exercício de
construção autónoma da juridicidade/normatividade que pressupõe como tal a verificação prévia
de que existe uma doutrina. Este argumento permite preservar o pressuposto (fundamental da
teoria tradicional) de que a letra tem função negativa e, ao mesmo tempo, acolher como
possibilidade da extensão e redução teológica.

Relativamente momento dos fundamentos, que é último momento do direito em concreto,


muitas propostas resistem-evitam em considerá-lo, porque para o considerar torna-se
indispensável partir de uma certa compreensão dos princípios: os princípios enquanto ius
(como direito vigente).

Partindo do caso e experimentando a solução que a norma permite dar ao caso, agora o
problema é saber se a resposta obtida a partir da norma - nomeadamente utilizando o confronto
analógico das relevâncias e utilizando todos os argumentos teleológico - e a dar ao caso concreto,
mobilizando do critério daquela norma, é uma resposta compatível com as exigências dos
princípios que sustentam o domínio dogmático em que a norma e o problema se inserem -
interpretação conforme aos princípios.

No fundo, é a questão da relação com os princípios, princípios esses levados a sério como ius
(como direito vigente) e, por isso, para reconstituir as significações desses princípios, tem de
fazer apelo a outros estratos do sistema jurídico, nomeadamente ao estrato da doutrina e da
jurisprudência - ao direito dos juristas.

Filipa R. G. 85
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Note-se que, quando se experimenta a norma na perspetiva dos princípios, interroga-se a
ratio iuris e não a ratio legis.

Posto isto, pode dar-se uma:

— Situação metodológica de consonância: Quando a resposta que a norma permite dar ao


caso é compatível com as exigências dos princípios, ou seja, ao responder ao caso com aquela
norma está-se a respeitar as exigências dos princípios.

— Situação metodológica de incoerência: Quando há uma relativa incompatibilidade entre a


resposta que a norma permite dar ao caso e certas exigências de princípios, ou seja, ao
responder ao caso com aquela norma está-se a frustrar as exigências dos princípios que se
deveriam respeitar. Todavia, pode haver uma correção (diacrónica ou sincrónica) (conforme
aos princípios) - que é diferente das outras a trás - que é uma correção que autonomiza-se como
possível resultado de uma interpretação conforme aos princípios. Corrigir uma norma significa
atribuir à norma um sentido que será seguramente diferente do seu sentido literal e que pode ser
diferente do sentido teleológico, porque o que se faz é uma leitura da norma conforme aos
princípios, procurando-se a incoerência seja superada a favor do princípio, ou seja, que a norma
seja interpretada num sentido compatível com o princípio - faz-se uma tentativa de correção da
norma na perspetiva do princípio.

Exemplo 1. Há mais de dez anos, Júlia deu de arrendamento a António um grande e velho pavilhão, de
construção precária, situado num terraço (com entrada independente e belíssima vista) de um prédio
urbano de que é proprietária, pavilhão este que se destinava a constituir o estúdio do António, um jovem
pintor. António, que entretanto se tornou um artista muito mediático, tem continuado a trabalhar no
pavilhão e paga atualmente a Júlia a renda mensal de 70€. Na sequência de um inverno particularmente
rigoroso, António intenta uma ação contra Júlia (sem falar com ela previamente), pedindo que esta seja
condenada a realizar obras no montante de 15000€ (obras tidas como indispensáveis para preservar o
isolamento do pavilhão) e a pagar-lhe as quantias de 40000€ (a título de indemnização pela deterioração
parcial de um dos seus quadros) e de 5000€ (por danos morais referidos ao impasse criativo que as
condições do estúdio lhe têm provocado). Júlia defende-se invocando que, no momento da celebração do
contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o pavilhão já sofria das infiltrações em causa e que o
arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, aceitou celebrá-lo nestes termos; a renda muito
baixa refletiria de resto esta circunstância (pelo que realizar agora as obras representaria uma violação
intolerável das exigências de equilíbrio associadas às prestações contratuais). António riposta, acentuando
que tem cumprido sempre pontualmente as suas obrigações de pagamento da renda, tendo
inclusivamente concordado com a actualização que há um ano e meio permitiu passar dos 45€ iniciais para
70€; afirma ainda que as infiltrações se têm acentuado significativamente nos últimos anos (o estado do
pavilhão é agora incomparavelmente outro!) e que Júlia tem condições patrimoniais que lhe permitem
facilmente suportar os montantes solicitados.

Exemplo 2. Maria é proprietária de uma pequena vivenda, de construção frágil, muito vulnerável a
infiltrações, a qual deu de arrendamento a Pedro há mais de quarenta anos. Pela contrapartida do uso e

Filipa R. G. 86
METODOLOGIA DO DIREITO

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fruição desta habitação, Pedro paga atualmente a Maria a renda mensal de 50 €, já atualizada nos termos
do NRAU. Com o agravamento das condições de habitabilidade, provocado por um inverno
particularmente rigoroso, Pedro interpela Maria para proceder à realização de obras. Um parecer assumido
na sequência de uma vistoria de obras e salubridade confirma que as patologias estão relacionadas com a
fraca qualidade de construção, nomeadamente a ausência de isolamento térmico. Não muito tempo
depois, Maria é notificada pela Câmara Municipal para, no prazo de 60 dias, executar as obras no locado,
às quais o orçamento elaborado pelo Departamento de Urbanismo atribui o valor global de 12000 €. Pedro
intenta uma ação contra Maria, pedindo a condenação desta a realizar as obras constantes do auto de
vistoria e ainda a pagar-lhe uma quantia de 2000€, a título de indemnização por danos morais (referidos ao
stress que as condições da casa lhe têm imposto). Maria defende-se invocando que, no momento da
celebração do contrato de arrendamento, a casa já sofria das infiltrações em causa e que o arrendatário,
não obstante conhecer tais vicissitudes, aceitou celebrá-lo nestes termos; a renda muito baixa (mesmo
depois das atualizações) refletiria de resto esta circunstância (pelo que realizar agora as obras representaria
uma violação intolerável das exigências de equilíbrio associadas às prestações contratuais). Pedro riposta,
acentuando que as infiltrações se têm acentuado significativamente nos últimos anos (o estado da casa é
agora incomparavelmente outro!) e que Maria tem condições patrimoniais que lhe permitem facilmente
suportar o montante das obras.

Resposta: No plano literal, as obras deveriam caber integralmente ao senhorio, mas a situação
concreta é de um enorme desequilíbrio ao nível das prestações, porque o arrendatário está a pagar um
renda baixíssima e as obras que exige são obras de um montante elevado. Portanto, tendo em conta o
princípio do equilíbrio das prestações ao nível de uma responsabilidade por reciprocidade comutativa - em
que se exige o mínimo de equilíbrio entre as prestações - pode introduzir-se uma correção à norma ao nível
da fundamentação, à luz desse princípio, que atribui essa responsabilidade integralmente ao senhorio
neste caso concreto com estas circunstâncias específicas (com o desequilíbrio das prestações, a casa
quando arrendada já tinha problemas de construção e vir agora exigir que esses problemas sejam vencidos
representa uma violação desse princípio, etc.).

Apesar da jurisprudência judicial vir a entender que se trata de um exercício abusivo do direito às obras
por parte do arrendatário, o Dr. Linhares não crê que essa fundamentação seja a mais feliz, pois é possível
chegar a uma solução semelhante invocando o princípio da responsabilidade comutativa.

O arrendatário ainda exige indemnização ao senhorio por falta das obras e pelo estado de saúde e
psicológico em que se encontrava por causa das condições da casa.

— Situação metodológica de contradição:


• Assim, como se viu no momento da relevância que se poderia chegar a uma não
assimilação baseada numa superação por obsolescência, também agora podemos
admitir que podemos estar perante situações em que, não sendo já plausível uma
correção do seu ponto de vista diacrónico, cheguemos a uma situação de superação
já não por obsolescência, mas uma superação por caducidade (conforme aos
princípios) (no sentido material). Experimentando a norma na perspetiva do caso,

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chega-se à conclusão de que a norma no tempo em foi prescrita estava adaptada-
articulada às exigências do(s) princípio(s), mas entretanto alterou-se, não a realidade
de forma direta, mas a compreensão-entendimento das exigências deles. Ou seja, as
normas que estavam fundamentadas naquele princípio deixaram de estar porque o
princípio passou a ser entendido de outra maneira. Nós temos aqui uma evolução
temporal, que tem a ver, não com a relação entre a norma e a realidade - como na
norma obsoleta -, mas com a relação entre a norma e o princípio. A norma, ainda que
vigente no corpus iuris, como que perdeu temporalmente a sua validade por referência
ao seu fundamento, isto é, foi superada por caducidade, já não podendo ser usada
como critério para resolver um caso.

Exemplo: Uma norma do Código Seabra que dizia que se estamos a exercer o nosso direito e
estamos a exerce-lo dentro dos seus limites constitutivos (de ordem formal), não poderíamos vir
a ser responsabilizados pelos danos que esse exercício cause, porque seria um contra-senso
admitir que o exercício de um direito possa responsabilizar pelos danos que eventualmente
venham a ocorrer. Esta norma assimilava, de forma direta, o modo como se pensava o princípio
da autonomia privada, atribuindo a cada sujeito uma esfera de arbítrio pensada em termos
absolutos. A conceção do princípio da autonomia privada evoluiu e hoje nós reconhecemos
uma contenção deste princípio muito mais marcada por uma experiência unitária, menos
individualista e menos formal e é por isso que hoje admitimos a possibilidade de alguém
exercer o seu direito abusivamente - abuso do direito. O princípio da autonomia privada era
compreendido em termos formais e individualistas e passou a ser entendido noutros termos.

• Uma situação mais grave é aquela em que não há conciliação possível entre a norma e
o princípio, porque há uma contradição: a solução que obtenho com a mediação da
norma é uma solução que, em concreto, viola o princípio. Aqui a solução-resposta
metodológica proposta pelo jurisprudencialismo é uma solução-limite e como tal tem
de ser especialmente fundamentada: a resposta é a preterição (conforme aos
princípios). Preterir a norma significa obter uma solução para o caso de acordo com o
direito, mas que é, em concreto, contra lege - o caso concreto não se consegue uma
solução com àquela norma porque ela vai preterir um princípio, aquela norma
representa uma desobediência e põe em causa a sua autoridade político-
constitucional. Isto tem um significado apenas metodológico, não quer dizer que a
norma deva posta fora do corpus iuris e que deva ser rejeitada definitivamente.

A interpretação conforme a constituição

Será que estas questões da interpretação conforme aos princípios não seriam suscetíveis
de ser resolvidas através da invocação da interpretação conforme à constituição? À primeira
vista, poderia admitir-se que sim, se se pensar numa constituição de consenso, que procure um
maior rigor possível consagrar todos os princípios nos diferentes domínios dogmáticos. Contudo,

Filipa R. G. 88
METODOLOGIA DO DIREITO

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há aqui um problema inevitável: é que se se admitir que a interpretação conforme aos princípios
se reduz à interpretação conforme à constituição, estaremos a defender - e esta é uma solução que
a perspetiva jurisprudencialista não aceita - que o último horizonte da juridicidade é a
constitucionalidade, o que significaria que os princípios não teriam força jurídica por si próprios,
só teriam força se fossem declarados autoritário-prescritivamente na constituição.

O jurisprudencialismo afasta-se desta solução. A juridicidade não se reduz a constitu-


cionalidade, pois há também a doutrina e a jurisprudência e os princípios têm autonomia
relativamente à consagração constitucional, o que significa que contém juridicidade por si
próprios. Embora a consagração constitucional seja importante como estabilização desses
princípios, ela não é suficiente.

Assumir tal solução colocaria sempre o problema da interpretação da constituição, porque ela
é um texto com a sua própria índole, que se socorro de muitas formulações abertas e
indeterminadas. Assim, se se admiti-se que a constitucionalidade é o limite da juridicidade, não
se teria sequer critérios, padrões ou referentes para a sua interpretação, o que coloca problemas.
Todavia, a partir dessa solução é mais fácil defender soluções semelhantes às da correção e às
da preterição, porque aí não se tem de invocar os princípios, o que invoca é a constituição como
lei superior e o que aconteceria era que essa lei superior derrogaria toda a lei inferior.

O relevo dos efeitos da decisão enquanto cânone metodológico

Pergunta-se se não deveríamos considerar como cânone autónomo da realização do direito


com mediação da norma o cânone dos efeitos sociais das decisões (das controvérsias).
Pergunta-se se a previsão que o julgador possa fazer destes efeitos deve interferir na decisão a
tomar.

A proposta jurisprudencialista, ao defender a dialética sistema-problema, afasta a


possibilidade de considerar os efeitos sociais da decisão como um verdadeiro cânone
metodológico. Porque, no fundo, a resposta jurisprudencialista será aquele pela qual estes
efeitos só são relevantes se, de alguma forma, estiverem previstos nas soluções do sistema
(soluções normativo-legais, dogmáticos ou jurisprudenciais). Não é o próprio julgador a fazer uma
previsão das consequências da decisão no tecido social em que está inserido.

Será, no entanto, diferente a resposta se partirmos de uma racionalidade instrumental-


estratégica, em que a tarefa do julgador é maximizar a estratégia do legislador e que por isso vai
ter de avaliar o impacto da solução.

A proposta jurisprudencialista acredita que a diversidade do sistema permite chegar a uma


solução que, não sendo diretamente orientada para efeitos, não deixa de ser responsável e
atenta à realidade que é assimilada pelo próprio sistema. Evidentemente que quando uma
decisão judicial provoca consequências consideradas realmente intoleráveis, não deixa de
funcionar uma campainha de alarme para o próprio sistema, que tem de rever as suas soluções,
mas isto não significa autonomizar o cânone dos efeitos.


Filipa R. G. 89
METODOLOGIA DO DIREITO

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Aula dia 03 de dezembro de 2019
(Vale)

Costuma ser perguntado: 1) Como é que se analisa, no plano da questão de direito em


abstrato, a situação diante de nós? 2) Como se procede à experimentação em concreto do
critério que vier a ser construído como norma-problema (questão de direito em concreto)?

Articular estes momentos tem o problema da interpretação jurídica enquanto questão


metodológica de fundo. Como se selecionam os critérios, à partida, suscetíveis de resolverem o
caso? Como se prepara uma possível solução da controvérsia? Como é que essa hipótese-
solução é testada e afirmada nessa adequação ao problema concreto suscitado pela
controvérsia?

A questão de facto (identificação da juridicidade do caso, delimitação dessa juridicidade,


qualificação e comprovação) é alvo de perguntas teóricas de desenvolvimento.

CASO Nº 1:
Na sequência de uma forte indisposição, o Manuel deslocou-se aos HUC, onde se lhe
identificou um vírus. Tinha de ser internado, mas, uma vez que os HUC estavam cheios, foi
aconselhado a voltar a casa. Passadas duas semanas e já recuperado, o Manuel procurou
apresentar uma justificação de faltas para a entidade patronal e foi confrontado com o
Regulamento: “as faltas por razões médicas só podem ser justificadas mediante
internamento hospitalar”.
O grande problema é sobretudo o da questão de direito em concreto. Conseguimos identificar
o ponto da discórdia, que põe em jogo as consequências práticas da metodologia. O modo
como se entende a realização do Direito e a própria questão de direito em abstrato condiciona os
próprios resultados práticos que podemos obter.

As razões pelas quais não pode apresentar o atestado não lhe são imputáveis. Aliás, ele reunia
condições para ser internado. Perante uma norma que exige peremptoriamente a apresentação
de atestado de internamento para justificar as faltas, como é que o indivíduo pode apresentar
razões metodologicamente articuladas de forma a que esta justificação legalmente prevista se
estende também a ele? A lei não contempla a sua situação. Ele não tem um atestado para
apresentar, dificuldade que é definida pelos limites do elemento gramatical. A este propósito,
suscita-se sempre, por um lado, um debate acerca da compreensão metodológica devida em
sede de interpretação e, por outro do lado, teremos sempre alguém a invocar a lei. Apesar do que
a lei dispõe, deve-se abarcar a situação daquele trabalhador.

Temos quem, por um lado, considera que a interpretação é essencialmente um exercício de


tipo hermenêutico e quem, pelo contrário, a entende como atividade prática e normativa. Para a
primeira posição, a tarefa do jurista é decifrar o sentido da norma. O Direito é formulado por
normas, que são enunciados textuais e, como tal, usa palavras que têm uma certa etimologia/

Filipa R. G. 90
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morfologia, agrupadas em segmentos frásicos respeitando as regras da sintaxe, mas todos esses
elementos não esgotam o texto, porque o que o enunciado significa, como qualquer texto,
depende de outros elementos que lhe são reconduzíveis (embora não pareçam plasmados no
elemento gramatical). São os elementos sistemático e histórico. O jurista que entenda a
interpretação deste modo procura o significado daquele texto. O problema só se suscita porque
o elemento gramatical, o contexto sistemático e a história do texto podem fomentar
ambiguidades. O problema da interpretação consiste em superar estas dúvidas. É a posição da
teoria standard da argumentação, que acentua a hermenêutica. Ao pôr o problema da
interpretação desta forma se condiciona a aproximação à norma jurídica. É com recurso aos
elementos do texto que o vamos resolver. O único debate intelectualmente estimulante e com
consequências práticas que daqui resulta é uma discussão comum à que acompanha a
interpretação de qualquer texto, jurídico ou literário. É o problema dos chamados objetivos da
interpretação. Para esta perspetiva, o objeto da interpretação é a norma-texto. Além do elemento
gramatical, a norma-texto tem história e sistema. O objetivo da interpretação pode ter dois
caminhos: por um lado, pode consistir em determinar o que o autor do texto pretendeu com ele
e, por outro lado, visar descobrir o sentido que o texto tem em si (no pressuposto que ele ganha
‘vida própria’ relativamente ao autor). É a contraposição entre as correntes subjetivistas e as
correntes objetivistas – que se cruzam com outra contraposição entre conceção historicista (por
regra, o subjetivismo) ou conceção atualista (por regra, o objetivismo).

Encarar as coisas desta forma não tem nada de jurídico. Para os positivistas, temos de
determinar o sentido que esta norma pode ter – atender ao elemento mais objetivo e tangível que
o texto nos oferece: o elemento gramatical. Permite selecionar os significados possíveis. É certo
que a letra pode ser ambígua, mas a ambivalência não é total. Excluem-se todos os demais –
candidatos negativos. Por isso se fala no sentido negativo da lei. Mas há uma série de outros
sentidos que ocupam uma região intermédia – não são os imediatamente associados à palavra
nem são os liminarmente descartáveis. Olhando à história do preceito e ao contexto em que ele
aprece, pode concluir-se que ali aquele conjunto de palavras foi usado com um significado que
não é o mais comum. Podem estar usadas num sentido mais amplo ou num sentido mais restrito.
O que quer dizer que temos três resultados a que o Método de Interpretação nos pode conduzir:

— Interpretação declarativa: Quando se atribui ao elemento gramatical o significado que lhe é


mais próximo.

— Olhando aos elementos do espírito se considera que aquele elemento gramatical deve ter
um significado mais amplo ou mais restrito:

• Interpretação extensiva;

• Interpretação restritiva.

Estes resultados obtêm-se em abstrato. Não é preciso caso nenhum para chegar a esta
conclusão.

— Ainda se previam dois outros resultados mais graves:

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• Interpretação enunciativa: raciocínio puramente lógico - as questões da vida humana
são diferentes qualitativamente (e não só quantitativamente).

• Interpretação ab-rogante.

  Para nós, não é como texto que a norma importa. Por isso não falamos em elemento
gramatical e espírito. Por isso, a interpretação não é uma hermenêutica e sim um problema
prático-normativo. Como é que resolvo o caso para cumprir a exigência da norma? Só diante
deste caso é que sei o que a norma pede ao caso. A interpretação não é conhecer, é julgar. Por
isso é que o Método que usamos é diferente do tradicional. Um método em que se relativiza o
papel da letra. Para determinar o juízo de valor que uma norma contém, o elemento gramatical
não é determinante.

O intérprete tem por objeto a norma-problema, a norma como hipótese-solução que na


questão de direito em abstrato configuramos para resolver o caso que temos diante de nós.

O grande problema é comparar o nosso caso com o caso que a norma pretende resolver. É a
grande analogia do momento da questão em concreto.

Todas as vezes que há um caso é preciso ver quais as normas aplicáveis. O que significa que
não há casos fáceis. Uma vez composta a norma-problema, em que é que ela dá quando a
aplicamos ao caso? Os objetivos da interpretação não são os mesmos. Importa ter uma dupla
orientação, espelho da dialética problema-sistema: a norma tem de ser uma síntese do sistema
de valores de que faz parte e da resolução eficaz do problema que temos em mãos. Os
elementos da interpretação podem ser chamados pelos mesmos nomes, mas são elementos da
norma como critério e não da norma como texto. E é fundamental acrescentar o elemento
teleológico – extratextual.

Os resultados interpretativos passam a ser outros. No caso, nenhuma interpretação por mais
extensiva que fosse poderia fazer valer esta norma para o senhor que não apresenta atestado.
Perguntamos porquê que se exige o atestado? Porque, estando internado, não pode estar a
trabalhar. Mas qual é a razão? A gravidade da doença que a pessoa tem. Há incapacidades tais
que limitam a pessoa de trabalhar e justificam o acompanhamento através do internamento. O
nosso sujeito tinha direito a estar internado, só não havia vaga. Se o caso é suficientemente
semelhante ao da norma, ela deve ser aplicada. Mas devemos fazer um esforço de justificação.
Sempre que queremos justificar os resultados desta interpretação em sentido prático, devemos
ter em conta três momentos fundamentais.

Um deles é o âmbito material de relevância do caso e da norma: Todas as normas recortam


uma certa matéria para que sejam aplicadas. Temos de conferir o que estamos a fazer
confrontando a matéria do caso e a matéria da norma:

• Coincidência total: A norma assimila completamente o caso – assimilação total por


concretização.

• Coincidência parcial: mais esforço para justificar o uso da norma. O problema continua a
ser semelhante. Podemos, portanto, falar de uma assimilação parcial por adaptação

Filipa R. G. 92
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extensiva ou restritiva, consoante haja outro elemento a considerar ou haja um elemento a
desconsiderar.

• A norma no domínio da atipicidade. É a situação de correção. As fronteiras desta


correção são indeterminadas. Um exemplo comum é o da superação – é a passagem do
tempo pela realidade que transforma os problemas, que foram previstos numa
configuração que, entretanto, desapareceu.

CASO: Se se exige um atestado de internamento é porque se exige um certo estado de


gravidade. Se assim é, é porque tem por finalidade circunscrever a justificação de faltas a
situação com esta gravidade. Não é precisamente isto que temos diante de nós? É, embora a lei
identifique a gravidade da situação através do atestado.

Também podemos construir uma redução teleológica, no plano dos fins.

CASO Nº 2
Nas últimas eleições, o António foi votar com a filha Margarida de 2 anos ao colo. O
presidente da mesa de voto não colocou qualquer obstáculo a que se dirigisse à cabina
com a criança, mesmo sabendo que da lei eleitoral consta uma norma segundo a qual “o
votante deve proceder à sua escolha sozinho”, com a ressalva de algumas situações
excecionais (invisuais ou portadores de deficientes), nenhuma das quais correspondente à
situação em apreço. Impugnadas as eleições, o juiz é chamado a apreciar o ato em causa,
tendo em consideração esta aparente violação da lei.
Resolução no momento teleológico-sistemático.

CASO Nº 3
A Matilde foi contactada por Ricardo, importante colecionador de jóias, na sequência de
uma investigação que este desenvolvera, com vista à determinação do paradeiro das peças
da rainha D. Amélia, doadas por esta a alguns dos seus próximos. Alegava o especialista
que Matilde tinha em posse um anel, provavelmente herdado de uma trisavó. A Matilde
sabia, ainda que vagamente, dos antecedentes que a relacionavam com a casa real. Mas
não associava o anel a isso. Acordou com a venda do anel. Matilde foi bastante solicitada
por outros museus. Declinou sempre a favor de Ricardo. Escassos meses após a
transação, percebeu-se que o anel não era o verdadeiro. Ricardo pretende invalidar o
negócio.
Aqui a resolução passa pelo “momento dos fundamentos”. O conteúdo das normas não pode
contrariar os princípios, não abstratamente e sim diante dos casos. A regra que estabelece a
anulabilidade dos negócios por erro tem como finalidade evitar relações jurídicas baseadas em
erro.

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A senhora recusou uma série de propostas, fez uma série de investimentos e agora não há
negócio? Haverá um desequilíbrio entre partes que não pode valer. Princípios básicos como o da
confiança, o equilíbrio cumulativo, uma certa boa fé, não devem ser atendidos para corrigir a
aplicação da norma ao caso? Controlamos a conformidade da norma aos princípios. Haverá
situações em que a podemos conformar, outras vezes implicará uma correção. No limite, a
contradição pode ser tão grave que temos de abandonar a norma – a contradição pode ser
originária ou superveniente.

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