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Metodologia do Direito

➢ Breve introdução
A expressão “metodologia do Direito” remete para uma problematização utilizada no primeiro ano de
curso. Isto exige uma qualificação, porque esta expressão como identificadora de uma unidade curricular tem
um sentido completamente diferente. Daí devermos iniciar por esse esclarecimento.
O sentido em que se fala de metodologia é um sentido partilhado pelo contexto académico da europa
continental. Esta expressão é exatamente a mesma no contexto italiano ou alemão, por exemplo. Aqui
preocupamo-nos com certas práticas jurídicas e uma certa reflexão sobre o esquema metódico que essas
práticas devem seguir. Essas práticas são as práticas jurídicas de tratamento dos casos jurídicos. A
metodologia é uma reflexão sobre um método a ser seguido pelos julgadores quando mobilizam os materiais
jurídicos. Uma critica de certos setores do direito é que esta metodologia apenas abrange uma parte das
práticas jurídicas. Aqui concentramo-nos exclusivamente no modus operandi de um juiz.
Também devemos atentar da nota que nos permite perceber que não se trata de apresentar um
diagnóstico, por exemplo, sociológico de como os juízes agem. Trata-se sim de acentuar uma componente
normativa. Devemos atentar em como os juízes devem decidir. Esta pergunta nunca pode ser contruída em
abstrato, afastada da realidade. Não podemos ignorar o modo como os juízes decidem. No entanto, a nossa
reconstrução não se preocupa dessa decisão de um modo sociológico. Certamente que nos preocupamos como
os juízes decidem, desde logo num contexto institucional romano-germânico. Não pensamos no contexto
anglo-saxónico. Vamos fazer diversas pontes, até porque o modo dessas práticas jurisdicionais romano-
germânico tem vindo a aproximar-se do contexto anglo-saxónico, mas não é este último contexto com que nos
preocupamos. Privilegiamos uma reflexão do sistema romano-germânico, no entanto numa perspetiva que dá
uma grande relevância ao caso concreto.
Esta pergunta, formulada no nosso tempo não é uma pergunta com resposta fácil. Já houve momentos
da história do mundo jurídico em que a resposta era fácil, pois havia uma imagem do juiz que tinha apenas um
modus operandi. Com o iluminismo houve uma nova imagem do juiz muito sustentada na ideia de que o
julgador devia apenas projetar aquilo que a lei pré-determinava em abstrato. A resposta era simples, o método
era de aplicação segundo as regras da lógico-formal. Seguiam o esquema do silogismo.
Com o papel da jurisdição, com a grande importância que teve no século XIX na formação de um Estado
de Direito que já não é nosso, superou este contexto. Esta superação abriu as portas a uma grande pluralidade
de compreensões do que deve ser o juiz. Hoje fala-se numa pluralidade de imagens do juiz. No nosso curso não
iremos reconstruir todas estas imagens, apenas iremos fazer uma proposta dessas imagens.
Faremos uma proposta que deve muitíssimo ao pensamento do Dr. Castanheira Neves que se designa
como a proposta jurisprudencialista. Essa é apenas uma proposta entre outras propostas possíveis, não sendo
uma proposta fechada nem única. Hoje não estamos em condições de dizer que não há alternativa. O que vamos
propor é uma possibilidade entre outras. Este pensamento é o oposto do que aconteceu no século XIX em que
existia apenas um caminho através de uma imposição. Mas, na verdade, tínhamos um pensamento dominante,
com uma grande estabilidade, não sendo abusivo utilizar a palavra paradigma em como aplicar o Direito. Era
o único, não sendo possível pensar de outra maneira. Daí irmos estudar que esse discurso do século XIX definiu
apenas um método jurídico, não era um método jurídico, era o método jurídico. Era o caminho racional que se
prescrevia à prática. Havia aqui um esquema muito claro e definido com várias operações que culminavam
nesse sistema do silogismo subjuntivo. Era um percurso de racionalidade da prática jurídica. O juiz deveria

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seguir apenas este caminho. Claro que nunca se deixaram de manifestar vozes críticas, mas havia um domínio
desse pensamento dominante.
Com a viragem do século XIX para o século XX, este pensamento começou a tornar-se vulnerável de
enquadramentos de várias posições, nomeadamente pela forma como se verificava a imagem do Estado.
Passou-se do Estado liberal para o Estado social que se refletiu no campo do Direito. E houve sobretudo
mudanças nas conceções metodológicas do Direito. Relembremos a Escola da jurisprudência dos interesses.
Abriu-se várias portas que ainda hoje se mantém abertas. O paradigma foi superado, mas nunca substituído
por um outro.
As questões que vamos colocar neste curso não são questões vinculadas ao conteúdo das soluções. O
que importa não é saber qual é, mesmo considerando casos concretos, a solução do problema. Trata-se de nos
perguntarmos, num segundo plano, como é que os juízes tratam os materiais jurídicos. Não vamos discutir
qual é o melhor caminho para os juízes seguirem, mas como é que os juízes chegaram àquele caminho. Pomos
um problema dogmático. As questões que aqui pomos são questões método-dogmáticas. Devemos saber como
é que o juiz construiu aquela solução. A utilização que se faz dos materiais jurídicos não é uma utilização linear.
A solução não pode ser apenas uma. A utilização desses materiais vai ser experimentada. Pode dar-se maior
ou menos relevância aos princípios ou aos assentos. E isto faz com que a solução seja diferente. A solução vai
ser construída. Deve ser vinculada a estes materiais, mas não deve ser uma solução única que se obtenha de
um modo direto dos materiais como um silogismo direto. Temos ainda o problema de saber como é que esses
materiais jurídicos devem ser mobilizados. São tudo questões importantes no campo metodológico.

➢ Identificação do sentido autêntico que deverá ter a reflexão metodológica

Introduzimos este tema através do texto do Dr. Castanheira Neves, “O papel do jurista do nosso tempo”,
de 1960. Este autor estabelece uma distinção entre três grandes perguntas que deverão ocupar o jurista. Esses
problemas associados a essas perguntas são, em primeiro lugar, a questão do porquê do Direito.
Esta primeira questão, posta no contexto dos anos 60, é uma questão dirigida ao problema do
fundamento do Direito. É uma pergunta preocupada pelos interesses que distinguem o Direito e que nos
permitem pensar o Direito como Direito. De facto, a resposta ensaiada por Castanheira Neves tem a ver com a
exigência de pensar o Direito a partir da institucionalização de uma ordem de validade, pensada na sua
autonomia a partir de uma exigência de inter-relação entre sujeitos e pessoas. Trata-se de validar o direito à
institucionalização de uma unidade de pessoas. O Direito tem um certo projeto que o orienta, orientando
também no plano critico.
Esta institucionalização do Direito também tem fracassos, para além de êxitos. Temos de ter orientação
decisiva para conhecer a distância dessas aspirações. As suas institucionalizações devem ser consideradas na
perspetiva das suas aspirações. Devemos perguntar o que é que é verdadeiramente respeitar essa
pessoalidade. Também devemos acentuar que esta não é uma problemática importante no nosso curso. Isto
não é filosofia do Direito. Este é antes um dos nossos horizontes. Pressupomos este horizonte por ser este que
dá sentido à proposta jurisprudencialista. Isto não deixa de ter presente outras perspetivas do nosso tempo
em que são céticas a esta possibilidade de considerar o Direito como uma ordem de validade. São perspetivas
que tenderão a desenvolver esquemas pragmáticos ou com certas posições políticas.
Revisitando o texto mencionado, a pergunta que dirigimos ao Direito ainda considera mais duas
perguntas: à pergunta “porquê”, segue a pergunta do “para quê”. A pergunta “para quê” tem a ver com a função
que o Direito desempenha na realidade atual. A função que o Direito hoje desempenha não é a mesma de
outras épocas. Evidentemente que, tal como no dito texto, aparece a resposta do “porquê” também aparece
uma resposta ao “para quê”, acentuando a ideia de que o que hoje nós esperamos do Direito, estabelece limites
ao exercício do poder. O Direito estabelece limites em nome de uma certa ideia de humanidade. O Direito deve,
de acordo com a representação do “para quê”, assumir uma tarefa de instância crítica aos diversos modos de
institucionalização social.

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A pergunta que nos vai diretamente conduzir é a terceira pergunta “de que modo”. Nós podemos dizer,
invocando o próprio texto, que essa pergunta vai reconduzir-nos em pleno ao problema metodológico. O
problema em causa é o problema da realização do Direito. É reconhecer, no caso concreto, o prisma
metodológico. No contexto romano, este entendimento básico que era que o ponto de partida do Direito, era
o caso. O Direito é a resolução de controvérsias diversas. A prioridade do caso concreto é o que lhe dá sentido.
Este não é um problema económico, nem político, é um problema jurídico. A pergunta “de que modo” tem uma
resposta que diz que o núcleo de identidade do Direito deve ser procurado na resposta que o julgador irá dar
à controvérsia. Temos aqui uma identificação clara do problema metodológico. Já se defende neste texto qual
deve ser a prioridade do caso: resistir à aplicação do pré-determinado. Por isso é que se usa a palavra de
realização do Direito e não aplicação. Aplicação no seu sentido rigoroso significa dizer que tudo o que é
juridicamente relevante já está determinado e que o julgador apenas deve projetar essas determinações na
prática. Quando o julgador responde à controvérsia tem um papel constitutivo do Direito. Esta deve ser uma
resposta adequada à especificidade do caso.
Estes problemas permitem-nos ver que um dos grandes problemas é o problema metodológico – de
que modo é que o julgador deverá mobilizar os materiais jurídicos para responder às controvérsias.
A reflecção metodológica não pode deixar de refletir o modo de como compreendemos o Direito. O
esquema metódico que associamos ao Direito depende do modo de como observamos o Direito. Se eu aposto
na conceção de Direito associada a uma ordem de validade, inevitavelmente na metódica do direito vou dar
uma grande importância aos princípios, por entender que esses princípios dão expressão ao Direito. O
esquema metódico não é um esquema neutro.
Muitas vezes diz-se que a metodologia é um espelho do que é o Direito. Nesta representação não existe
rigor. Em rigor a questão não é uma questão de conceito de Direito. Quando se fala de conceito de Direito trata-
se de definir uma série de características identificadoras de uma ordem jurídica. Esta perspetiva é uma
perspetiva de tudo ou de nada. É uma perspetiva muito analítica que não é a que nos importa. Se quisermos
falar de conceito de Direito a preocupação não é uma preocupação de características, mas antes uma
preocupação de valores. Trata-se de ver se a prática viola sistematicamente determinadas exigências
associando o Direito a determinadas aspirações. O que nos interessa não é a caracterização do Direito.
De facto, se nós dermos atenção à palavra metodologia conseguimos ver que há três componentes em
causa. Temos uma componente de “meta”, uma componente de “odos” e uma componente de “logos”. São
componentes de origem grega. Primeiramente é importante entender que o “odos” é o caminho que se vai
percorrer de acordo com várias etapas. O “odos” tem uma determinada meta, um determinado fim, o “meta”.
Acrescenta-se ainda a componente “logos”, porque o que nos interessa é o que associa ao “odos” ao percurso.
É uma reflexão desse caminho. Trata-se de uma metodologia jurídica. Qual é o percurso que deve ser
percorrido para realizar o Direito? É nesta questão que incide o problema da jurisdição como sentido.
Consideramos o modus operandi a ser percorrido pelo julgador. Deste modo, este método não pode ser
pensado em termos neutros. Se o Direito for pensado como uma ordem de validade não terá o mesmo caminho
se ele for pensado numa lógica formal. As metodologias serão diferenciadas.
Devemos ainda acrescentar um outro elemento. Falando de metodologia, bastam-nos os três
elementos falados. No entanto, devemos atentar numa palavra introduzida pelo Dr. Pinto Bronze, sendo um
neologismo, que acrescenta a componente “nomos”, ficando metodonomologia. O sentido deste elemento tem
por objetivo identificar este método como um método da prática judicial. O “nomos” fala de uma certa
representação da ordem comunitária que é fundamentalmente assumida pela comunidade dos juízes.
Distinguimos o “nomos” das “tesis”, ou seja, das práticas. São modos diferentes de constituir o Direito.
Pertencem a racionalidade diferentes que correspondem a realidades diferenciadas. Dai reforçar-se a ideia de
“nomos”, associando-a ao horizonte de validade do Direito.

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É essencial a questão de saber, neste conjunto de metodologia, qual é a relação que deve existir da
componente “logos” da componente “meta”, ou seja, que reflexão é esta que se faz do percurso para atingir um
determinado fim. Qual a relação entre a reflexão e o método. Esta pergunta é relevante porque nos ajuda a
revisitar a história do pensamento jurídico, dito metodológico. Quando reflito sobre o método (esta foi a
grande atitude moderna, sendo o mais famoso o discurso de Descartes), eu admito que há uma definição prévia
do que deve ser esse caminho. Uma definição prévia como uma definição exterior. Devo definir essas práticas,
e, a partir daí, defendo a posição de que se a prática quiser ser uma prática racional, ela terá de seguir esta
racionalidade. É como se eu definisse exteriormente esse direito e depois prescrevesse esse caminho. Há uma
ideia de que a reflexão também tem uma dimensão conformadora da prática. Isto significa que a atitude
moderna deu uma grande autonomia, pela primeira vez na história do pensamento europeu, à conceção
metódica. Estas reflexões do método são uma criação da modernidade. Entende-se que se deve refletir sobre
conceções e projetar estes esquemas nas práticas jurídicas, sendo que se não seguirem estas práticas estão
condenadas à irracionalidade. Este método não é criado pela prática, é criado previamente que num segundo
momento é prescrito à prática como fonte de racionalidade. Há um tipo entre o “logos” e o “meta” que é uma
relação de externalidade. Existe sempre esta ideia de exterioridade. É uma prática teórica que se impõe à
prática do juiz, criada antecipadamente. Dizer isto ajuda-nos a perguntar se a relação entre o “logos” e o “meta”
está condenada apenas a isto. Há outros dois tipos que nos levam a considerar outros momentos da
experiência dos juízes.
Antes da modernidade existia uma metodologia que surgia naturalmente, que era reinventada pela
própria prática. No contexto pré-moderno, porque vivia num outro horizonte, nunca se sentiu a necessidade
de refletir autonomamente sobre o método. Era a prática dos juristas que reproduzia o seu método. Assim,
pergunta-se se hoje estamos em condições de assumir qualquer um destes tipos. A resposta é negativa. Temos
de evitar estas duas atitudes, sobretudo a primeira, porque refletir sobre a prática dos julgadores não pode
ser desenhar a prática dos julgadores e depois impor-lhes essa prática. Mas também não estamos em
condições de ter tranquilidade da iminência constitutiva. Não temos essa tranquilidade exatamente devido à
pluralidade de práticas que existem. O que significa é que a reflecção metodológica que hoje é relevante deverá
procurar uma reflexão entre o “logos” e o “meta” que seja um tipo intermédio. Há que situar o problema na
prática, mas há que criar possibilidade de uma autorreflexão crítica. Devemos adotar uma terceira atitude de
reconstituição critico-reflexiva. Devemos inserir a reflexão metodológica dos juristas, mas não dispensando
um exercício de reflexão.
É possível distinguir três grandes tipos de reflexões metódicas que obedecem a distintas conexões
entre logos e método. Este esclarecimento releva porque nós somos herdeiros de uma reflexão sobre o método
(o Método Jurídico, construída no seculo XIX) – este método apresentava uma articulação entre discurso e
prática que pretendia aparecer como uma relação natural, ou seja, a relação por excelência em que tínhamos
de pensar naturalmente ao falar-se de um discurso metódico. Isto era assim porque a viragem moderna trouxe
consigo uma acentuação decisiva do papel da ciência (esta pensada a partir dos seus núcleos duros, ou seja, as
ciências analíticas), sendo que este ênfase colocado no discurso cientifico levou a que no seculo XIX se tornasse
numa ciência nuclear – poderá falar-se num padrão para a validade de todos os discursos, o discurso cientifico.
Houve também uma preocupação de projetar isto supra em todos os domínios do pensamento e da
prática, inclusive no Direito. Este método Jurídico típico do seculo XIX consiste fundamentalmente numa
tentativa de racionalizar cientificamente a prática do pensamento jurídico e a prática da realização/aplicação
do Direito. É exatamente aqui que emerge a relação entre logos e método – assim, quando se fala em método
(modus Operandi do juiz) é um método puramente pensado, isto é, ele aparece como que proposto fora da
prática e com a intenção de se impor a essa mesma prática.
Do exposto resulta que o método, ao ser pensado num contexto de racionalidade distinto do contexto
da prática do direito, é um método que vai ser prescrito a essa prática – dai o uso da formulação da “relação
de exterioridade construtiva”, segundo o Dr. Castanheira Neves. Impõe-se de fora uma operatória e um

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caminho, sendo que este caminho prescrito aparece como condição de racionalidade da própria prática de
decisão jurídica. Assim, o método é pensado independentemente da prática.
Esta representação do método é a representação moderna do método. Precisamente porque quando
se fala de método jurídico não podemos evitar a herança fortíssima deste método jurídico do seculo XIX, é
importante esclarecer que a nossa situação presente exige um outro tipo de relação entre logos e método. A
propósito disto consideramos três tipos e poderíamos pensar que não nos serve esta relação prescritiva
(definir operatória e posterior projeção), tendo de haver uma atenção especial ás exigências e contextos
práticos, pelo que poderíamos admitir que a solução passava por aquilo que se pode dizer uma “relação de
imanência constitutiva”, ou seja, o conjunto das práticas jurídicas tem as suas próprias operatórias e discursos
e aquilo que a reflexão metodológica deve fazer é descrever essa prática, dado que essa prática vai
respondendo aos problemas sem ter de, diretamente, refletir o seu caminho/ o seu método.
Se nós admitíssemos que o nosso percurso, hoje, se devia pensar a partir da tal relação de imanência,
estaríamos a voltar a uma relação entre logos e método dominante antes da modernidade na cultura europeia.
No fundo, era uma força “autónoma” dessa prática que se ia impondo, pelo que os juristas iam seguindo e
transformando esses esquemas à medida que os praticavam ser ter de refletir sobre eles. Claro que isto era
possível na altura porque o contexto era muito diferente do atual, pelo que a reflexão jurídica não precisava
de uma reflexão metodológica. Mas será que hoje estaremos em condições de assumir essa relação de
imanência constitutiva? Veja-se o exemplo de um autor celebre neste tema (Stanley Fish): este autor é muito
cético quanto ao interesse que pode ter, por exemplo, a interdisciplinaridade, dado que entende que cada
disciplina vive com os seus próprios cânones e convenções, entendendo que refletir sobre uma outra prática
é um prejuízo (a comunidade dos juristas, a comunidade dos advogados, a comunidade dos juízes, etc.), sendo
assim cético relativamente à reflexão metodológica.
Mas a proposta de Fish tem bastante interesse, nomeadamente para entendermos que a situação
contemporânea não será compatível com a solução de imanência constitutiva, mas porquê? O modo como os
diversos juristas veem o sistema não é rigorosamente o mesmo. A situação de pluralidade e fragmentação que
estamos a viver não deixa, ela própria, de afetar essas comunidades interpretativas, ou seja, se nos
quiséssemos remeter a elas iriamos ter dificuldades – atente-se: qual o esquema metódico que os juízes
seguem? Não há uma resposta única, mesmo dentro da própria comunidade, pelo que a referência à
comunidade interpretativa raramente resolve as coisas. E há vários modelos presentes exatamente por
estarmos a viver uma situação pós paradigmática, em que não há uma perspetiva única.
Precisamente por isto, a relação entre logos e método não pode ser meramente prescritiva, mas
também não pode ser meramente descritiva (afirmando a naturalidade da prática judicial). Ora, na verdade, a
situação é hoje bastante mais complexa e por isso se torna indispensável abrir a porta a um outro tipo de
reflexão. Uma reflexão que não pode deixar de dar atenção às práticas tal como elas são, sob pena de construir-
se um modelo ideal ou prescritivo completamente improdutivo, mas também não pode ser uma reflexão
meramente descritiva daquilo que os juízes fazem, porque há uma componente normativa muito importante.
Assim, poder-se-á falar numa relação de logos e método baseada numa relação crítica – ela não vai prescrever
um método pensado de fora, mas não vai deixar de orientar essa prática, tendo de haver sempre um equilíbrio.
Claro que, se realmente podemos dizer que estamos perante uma situação de pós paradigma (o do
seculo XIX), poderia ter interesse atualmente perguntar-se que tipos de respostas é que encontramos no nosso
contexto contemporâneo para o problema do Direito e da sua conceção, ou seja, pensando sobretudo no
modus operandi do juiz (o nosso foco), quais as conceções possíveis de compreensão do Direito?

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Na linha de Castanheira Neves, que grandes tendências dividem o pensamento jurídico
contemporâneo? Distinguem-se compreensões normativistas, funcionalistas e jurisprudencialistas do Direito.
São as três grandes tendências, sendo todas complexas. De forma sintética:
❖ A conceção normativista é aquela que é herdeira do discurso moderno iluminista. Ela é hoje
apenas uma conceção entre outras, tendo claramente perdido o seu estatuto de domínio. Ela é-
nos familiar e, no fundo, é aquela que vê no Direito um sistema, uma unidade, de normas –
normas que têm uma certa autossubsistência racional, ou seja, o Direito está nos enunciados
das normas e esses obedecem a um certo tipo de programa condicional (hipotético condicional,
isto é, o “se” e o “então”). O programa, na sua hipótese, prevê situações da vida, tipificando-as;
na estatuição, estabelece a consequência jurídica desse acontecimento da vida. Assim, o Direito
aqui é constituído, essencialmente, por estes enunciados, sendo que as normas aparecem antes
dos problemas/ da prática. É uma conceção que tem um entendimento da prática que vai
procurar afeiçoar essa mesma a um modelo teorético pré-determinado, construindo
silogismos e aplicando uma lógica dedutiva. Hoje têm-se oferecido novas possibilidades para o
normativismo além daquelas já existentes.

❖ As perspetivas funcionalistas são radicalmente diferentes daquilo que podemos entender


como os funcionalismos materiais pragmáticos. Para estas perspetivas, que se desenvolveram
na 2ª metade do século XX, parte-se de uma ideia simples: o Direito, tal como nós o
compreendemos, deve ser tratado como um instrumento, um instrumento de resposta às
necessidades sociais. O Direito faz parte da realidade social, pelo que a sua tarefa é responder
às necessidades, expetativas, interesses e fins dessa realidade social. De especial aqui há que
este Direito não terá autonomia, ou seja, exigências ou aspirações específicas, isto é, ele é
apenas um instrumento pragmático e flexível usado para satisfazer as necessidades sociais ou
a sua representação que cada tempo e lugar convencionalmente determinar. Assim, nesta
compreensão desempenha um relevante papel os critérios de eficácia (fins e efeitos) – é uma
dinâmica de custo vs. benefício, havendo um calculo de valor na resolução dos problemas.

❖ Por fim, falta identificar uma terceira possibilidade (muito relevante): a perspetiva
jurisprudencialista. Do que se trata é de, por um lado, preservar a exigência da autonomia do
Direito (afinidade com o normativismo), mas esse modo de pensar a autonomia é particular:
não é um isolamento formal, mas sim num contexto da realidade social em que as respostas
que o Direito vai dando aos problemas são respostas orientadas por certas exigências de
validade que têm, na verdade, valores subentendidos além dos próprios fins. Claro que tudo
isto nos remete para um estrato do sistema: os princípios normativos, como exigências de
sentido, que traduzem as aspirações e valores. Assim, esta perspetiva procura pensar a
autonomia do Direito a partir da perspetiva do caso (com a sua especificidade e estrutura). E,
assim sendo, as outras dimensões relevantes que constituem o sistema jurídico vão ser
mobilizadas numa dialética com esta perspetiva do caso, pelo que vamos encontrar aqui um
certo tipo de racionalidade que vive duma dialética problema-sistema.
Finalmente, embora a perspetiva que assumimos tenha afinidade com este jurisprudencialismo, as
restantes perspetivas não se apresentam como rejeitadas.

➢ Qual o campo da metodologia jurídica?


Porque é que somente se aborda o modus operandi do juiz, e não do legislador por exemplo?
Tem havido várias propostas alternativas a esta, ou seja, propostas que procuraram refletir sobre o
método num sentido mais global, isto é, o problema deixaria de ser o problema exclusivo do julgador para
passar a ser o problema de todos os operadores do direito, começando pelo legislador.

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Evidentemente, a resposta dada pelo Doutor é que devemos e podemos dar atenção a outros
operadores do Direito, nomeadamente num plano metódico – no entanto, a questão que aqui se coloca é uma
questão diferente dessa: não se trata de dizer que vamos acrescentar a esta reflexão outras reflexões,
eventualmente condicionadas por outros problemas, mas sim de defender que é possível encontrar uma
reflexão metódica que seja global, ou seja, que esteja em condições de se oferecer como método tanto para os
juízes, como para os restantes operadores (legislador, advogados, etc.).
Mas para o Doutor defender a possibilidade de um método único, ele teria de sustentar uma tese de
continuidade discursiva entre legislação e jurisdição, ou seja, numa tese de complementaridade institucional,
que sob o ponto de vista racional se manifestasse num continuo – esta tese pode ser explorada por vias
diversas, nomeadamente por uma via formalista (próxima das abordagens normativistas), mas também com
base em argumentos baseados numa conceção pragmática/instrumental (na qual a continuidade já se irá
fundamentar numa racionalidade instrumental, permitindo sustentar-nos numa ideia: a legislação quando
atua, fá-lo, fundamentalmente, em vários tipos de programas de fins possíveis – o legislador pensado como
um estratega e o julgador será um tático desse estratega, complementando-se um ao outro, sendo que esta
complementaridade é pensada à luz de uma racionalidade).
Vamos admitir, por uma questão de simplificação, que estamos a confrontar o que podemos dizer como
uma tese de continuidade discursiva com uma tese de descontinuidade discursiva (ou seja, a legislação e a
jurisdição são modos racionalmente distintos de criação ou de constituição do Direito): este contraponto é
útil. A tese da descontinuidade significa, no fundo, defender que o legislador e o juiz contribuem de maneira
muito diferente para a criação do Direito, inclusive no plano racional.
Normativismo vs. descontinuidade: para a visão normativista, quando se fala de lei, ou seja, aquela
exprimida pela vontade geral, sendo ela abstrata e geral (formulação de Rosseau), reforçou uma perspetiva
que visa defender a pureza da lei como critério jurídico por excelência.
A grande questão que hoje se coloca é: quando estamos a considerar uma lei, podemos identificar o
critério que aparece associado a essa lei preservando a sua pureza jurídica? Evidentemente que a resposta
será negativa, sendo que hoje sabemos que as prescrições legislativas admitem, eventualmente, sacrificar a
sua racionalidade metódica, além de que quando se fala hoje de lei, está-se, inevitavelmente, a reconhecer uma
manifestação que é simultaneamente do sistema jurídico e do sistema político. Então, se a lei tem esta marca
tao assumidamente politica na sua composição, estaremos em condições de poder dizer que a relação entre
legislação e jurisdição se alterou, desde logo porque se a lei assume novas tarefas, não poderá já caber à
legislação aquilo que o iluminismo pretendia que coubesse - ou seja, no fundo a legislação aparecia como o
garante da autonomia do direito, ao passo que agora o conteúdo das prescrições legislativas e programas
obedecem a intervenções de carater político-ideológico, pelo que há aqui que reconhecer que o papel da
jurisdição não é, nem deve ser, concebida como um papel meramente complementar - ela pode, agora, ser
responsabilizada, diretamente, pela preservação dessa autonomia do direito, não obstante algumas reservas
com base em contextos institucionais e ordens jurídicas.
Quando se fala do objeto intencional da metodologia e do seu sentido problemático, há uma expressão
muito importante para o esquema metódico: “juízo decisório”.
➢ A Racionalidade Jurídica
Vamos entrar num capítulo que nos permite responder a várias questões relativamente à composição
do esquema metódico – é uma pergunta relativa ao tipo de racionalidade que nos interessa, nomeadamente
relativamente à realização do direito em concreto e do modus operandi do juiz: qual o tipo de discurso racional
que está a ser desenvolvido? Que tipo de racionalidade é aquela? Estarão em jogo vários tipos ou somente um
tipo de racionalidade?

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Ao longo da história do pensamento e da prática jurídica, temos assistido a cruzamentos distintos com
diversos tipos de racionalidades. O direito tem assumido, nas suas práticas, diferentes racionalidades. Vamos
atentar a alguns desses tipos de racionalidades com projeções – internas ou externas - no Direito: podemos
falar, aqui, de uma pluralidade de tipos de racionalidade.
O que nos trouxe o seculo XX foi uma revitalização da pluralidade dos discursos racionais: a própria
ciência debruçou-se criticamente sobre o seu método num contexto que permitiu abrir o espectro dos tipos
de racionalidade, pelo que quando hoje falamos de racionalidade não encontramos a mesma resposta que era
dada à altura.
É curioso que, na segunda metade do seculo XX, foram feitas várias tentativas para sistematizar os
tipos (ideais, não obstante ajudarem-nos a perceber o que está em causa) de racionalidade que podemos
dispor. E ao fazerem-se essas sistematizações, normalmente, no nosso contexto ocidental, há sempre a
tendência para regressar a um texto escrito por Aristóteles há muitos seculos que trata das virtudes
intelectuais (e não as morais). O que Aristóteles trata é de um conjunto de práticas que tem intenções
diferentes no modo como se dirigem à verdade – as virtudes intelectuais -, pelo que temos ali uma
sistematização de 5 tipos de racionalidade cuja leitura não deixa de ser produtiva.
O que vamos fazer não é uma reconstituição dessa evolução, embora tendo presente que o tempo que
hoje vivemos é um tempo de assumida pluralidade relativamente à racionalidade, mas sim caracterizar cada
um dos tipos possíveis e dar alguns exemplos de como esses modos se têm projetado, no passado e atualmente,
na prática jurídica.
Há uma tendência, que de certo modo se reflete no texto do Castanheira Neves, para dizer que
poderíamos, quando estamos a abordar os tipos de racionalidade, admitir três grandes possibilidades/tipos
de relações em causa. Há uma racionalidade que todos conhecemos em que, fundamentalmente, aquilo que se
relaciona são proposições/premissas/enunciados: fundamentalmente, essa será a racionalidade lógico-
formal, não deixando de estar presente no universo do Direito. E depois haverá a tendência para dizer: e quais
são as outras relações a ter em conta?
Há uma relação que se estabelece através de um esquema sujeito-objeto: ou seja, temos um sujeito que
está a contemplar um objeto, a dirigir-se a um objeto para o descrever ou explicar. Mas esse sujeito,
efetivamente, pretende conhecer do objeto, pelo que a qualidade do seu pensamento relativamente ao objeto
vai-se medir relativamente ao grau de ligação com o objeto. Esse é o tipo de racionalidade que, por norma, se
diz de racionalidade teorética: é uma racionalidade baseada no conhecimento, em que o sujeito é um sujeito
que conhece e ao qual associaríamos a virtude da epistemos (?). O padrão de validade desse discurso é
correspondente à realidade descrita – e já não entre proposições. É um discurso teorético dada até a origem
da palavra “teoria”.
E depois teríamos, para completar os três tipos de relações possíveis, um outro tipo de discurso de
racionalidade que se basearia num outro esquema que, por contraste com este, é um esquema sujeito: porque
este tipo de racionalidade estaria, desde logo, ligado á comunicação por parte de um sujeito a outro sujeito de
argumentos e posições e pontos de vista que o outro sujeito vai assimilar aos quais esse outro sujeito vai
contrapor, em termos dialéticos, outros argumentos – no fundo, teríamos aqui um tipo de racionalidade que
se baseia numa troca de argumentos. Era uma teia de argumentos. Por oposição á segunda racionalidade, esta
racionalidade esteve, desde sempre, associada a uma racionalidade prática.
Podemos partir deste sistema básico e dizer que há 3 grandes tipos de racionalidade: lógica, teorética
e prática. E poderíamos concluir que o mundo de direito invoca, e tem invocado, componentes destes três tipos
de racionalidade. Mas a discussão não abarca o uso de recursos, mas sim se, e em que medida, o modus
operandi do julgador corresponde a um destes três grandes tipos. Mas não podemos ficar por esta observação
supra. De facto, é preciso ver, sobretudo no que diz respeito à racionalidade teorética e à prática, as
diferenciações. Isto porque podemos ter vários tipos dentro de cada uma. E algumas dessas diferenças são de

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tal forma que poderíamos ser tentados a dizer que, para além destes tipos, temos, hoje, também outras
modalidades: há, pelo menos, uma que o Dr. gostaria de aludir dada a sua presença nos nossos dias – a
racionalidade finalística, instrumental, estratégica.
Se quiséssemos inserir a racionalidade instrumental-estratégica naqueles três tipos de relações,
iriamos ter algumas dificuldades. Ela é uma racionalidade teorética ou prática? Por um lado, o seu discurso
está associado á ciência, mas no contexto moderno todos nós sabemos que a técnica está sempre associada à
ciência – de facto a técnica corresponde a uma mobiliação das informações da ciência para produzir fins e
produzir efeitos. Mas por outro lado, o seu discurso está bastante associada a uma racionalidade teorética.
Não temos de discutir se a racionalidade finalista é uma racionalidade teorética ou prática: para
Castanheira Neves, ambas as possibilidades aparecem apresentadas. O Dr. Aroso considera que podemos,
mera e simplesmente, admitir que estamos perante um terceiro género diferente: ela tem a sua identidade
porque é uma racionalidade voltada para a produção de resultados sendo inspirada numa base teorética de
racionalidade. Importante é perceber o seu conceito.
Vamos então começar por considerar os diferentes tipos, caracterizando-os e dando exemplos do
modo como o direito tem mobilizado recursos destas racionalidades até chegarmos à pergunta final.
o A racionalidade lógica
A relação fundamentalmente em causa é uma relação entre proposições, dai ser uma racionalidade de
pura discursividade. Esta lógica formal, mais concretamente a dedutiva, aspira a que se definam uma serie de
implicações ou desimplicaçoes que são necessárias. Evidentemente que, ao falar-se de uma logica formal, a
relação que se estabelece entre as proposições é uma lógica simpática que se abstrai das proposições:
fundamental, é o modo como estruturalmente essas proposições nos aparecem.
Hoje, esta lógica teve espantosos desenvolvimentos, alguns dos quais muito recentes, nomeadamente
no campo da inteligência artificial.
No seu sentido mais clássico, esta associa-se ao método dedutivo. Este tem estado presente ao longo
da história do direito do pensamento jurídico. Um exemplo é aquele introduzido por uma conceção mais
filosófico-político e um segundo exemplo é um exemplo metodológico.
Quanto ao primeiro exemplo, dado pelo jusracionalismo do seculo XVII: estas propostas tiverem a
intenção de nos expor um direito natural racional, ou seja, um conjunto de princípios e de normas que, tendo
implicações ao nível do conteúdo, seriam normas que todos nós, enquanto sujeitos racionais, poderíamos e
deveríamos conhecer por sermos sujeitos de razão. Esta defesa de um direito racional natural era muito
importante, quer pela ligação à herança dos pensamentos do direito natural, quer pela rejeição da ideia de que
o direito natural repousava num ordem exterior e transcendente ao homem. Este exemplo releva no sentido
em que, no fundo, tratava-se de dizer que o direito que a vontade cria tem de obedecer às exigências que o
direito da razão conhece. O que é que isto tem a ver com lógica e dedução? Esse direito que a razão conhece
era um “edifício perfeito”, sendo constituído por normas que estavam relacionadas logicamente umas com as
outras, ou seja, eram consistentes logicamente mediante um axioma comum.
Este pensamento teve uma grande influencia na constituição da comunidade europeia e é baseado
numa conceção lógico-formal do sistema jurídico. Claro que cada autor poderia considerar um axioma – mas
em todas existência a tal consistência sintática, em que todas as normas estariam implicadas umas com as
outras, sendo obtidas por dedução.
Quanto ao segundo exemplo, relacionado com um método jurídico do século XIX: o tipo de discurso em
que se pensa, imediatamente, e que era prescrito pelo método jurídico do positivismo exegético é o discurso
lógico dedutivo. Procura-se entender o modus operandi do juiz à luz das exigências da lógica formal: nos factos
que eles está a considerar, que foram trazidos e provados pelo processo, estão presentes as características ou

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qualidades previstas em abstrato na hipótese da norma? Se sim, deve subsumir os factos na hipótese,
construindo a premissa menor do silogismo. O juiz não deve ponderar valorativamente, mas sim utilizar uma
norma, geral e abstrata, projetando no plano concreto e individual e seguindo, para isso, os passos que a lógica
formal determina.
“A realidade de factos que tem diante de si incorpora, ou não, as características ou qualidades que
foram predeterminadas em abstrato pela norma?” - assim garante-se um tratamento igual de todos os casos
em que essas características se verifiquem.
Evidentemente que, quando hoje dizemos que o julgador fá-lo porque não está a utilizar as regras da
lógica formal, não estamos a dizer que os discursos jurídicos não possam usar elementos lógicos, sob pena de
discursarmos sem coerência – o que já não podemos defender é que o método para obter a solução seja um
método baseado nas regras da lógica formal.
o A Racionalidade Teorética – o esquema sujeito-objeto
A questão que aqui se coloca poderá ser diferente porque quando falamos do esquema sujeito-objeto
podemos admitir tipos de objetos diferentes que acabam, eventualmente, por se refletir na própria perspetiva
em que são conhecidos.
Quando falamos deste tipo de discurso, um discurso que é claramente discurso teorético é o do jus
naturalismo clássico e o medieval, dado que é um discurso que se baseia numa noção de contemplação. Aborda
valores e exigências de dever-ser, que têm uma dimensão axiológica, que nessa perspetiva pré-moderna são
levados a sério como se fossem realidades suscetíveis de conhecer metafisicamente. Toda a perspetiva do jus
naturalismo mais autentico se baseia nesta proposição: há valores universais, indisponíveis e imutáveis – e
isto é baseado na ideia de que esses fazem parte da natureza das coisas, sendo direitos naturais, não podendo
ser transformáveis pelo Homem. Assim, o que se admite no contexto clássico e medieval, é que esses valores
permanecem exteriores ao homem, fazendo parte de uma ordem natural.
Se pensarmos neste direito natural (ainda hoje temos perspetivas deste género), no nosso tempo, a
cultura passou a ser vista a partir de uma experiencia de historicidade radical que atinge os próprios valores.
Quando falamos da referencia objetiva do pensamento jusnaturalista estamos a pensar num objeto: os valores
e princípios de realidades suscetíveis de ser conhecidas, cabendo essa tarefa de conhecimento ao juiz,
mediante uma via puramente cognitiva.
Quando falamos desse discurso, evidentemente estamos a pensar num discurso com estrutura sujeito-
objeto em que o sujeito é uma perspetiva metafisica (dever-ser), mas não lhe é exclusiva (também pertencem
ao ser). Se formos à fonte da ética, encontramos uma virtude intelectual que tem como intenção cognitiva a
contemplação desses bens ou valores últimos, constitutivos da ordem da polis e da comunitis no seu sentido
mais genuíno – e essa virtude intelectual é a virtude da sofia (sapiência, segundo os romanos).
Portanto, esse discurso típico do direito natural, é um discurso teorético-especulativo – não no sentido
comum atribuído á “especulação”, mas no seu sentido originário (especulum, de espelho), dada a sua intenção
de verdade atribuída a esses valores. Hoje, este tipo de discurso é muito dificilmente defensável.
Nos discursos teoréticos temos mais tipos de discursos: o discurso teorético-cientifico. Foi este que se
desenvolveu no contexto moderno-iluminista – a ideia moderna de ciência e de discurso cientifico é
sustentado por um discurso teorético (diferente do especulativo, dado que agora trata-se, claramente, de
partir da observação de uma realidade física – e já não metafisica – suscetíveis de inserção num certo espaço
e tempo).
A grande preocupação do pensamento supra seria a contemplação de fenómenos naturais
(explicitamente físicos, dai a sua associação a um discurso empírico, de observação da realidade) que
permitam dizer que quando um desses fenómenos se verifica há um determinado grau de probabilidade de se

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verificar um outro. Porque é que isto é assim? Porque quando consideramos a relação entre dois fenómenos,
estaremos em condições de explicar esse fenómeno precisamente quando for estabelecida a conexão (a tal
causa-efeito entre os fenómenos), com vista a encontrar uma regularidade na verificação dos fenómenos que
permita falar de uma hipótese de regularidade (de teor probabilístico) – esta será testada e verificada (através
do método da indução, da observação).
O século XX trouxe mudanças a esta linha de racionalidade, questionando-se até o próprio método da
indução.
A tentativa mais sistemática que teve maior êxito foi aquela levada a cabo pela ciência do direito do
seculo XIX. No entanto, reparemos que essa se construiu com base num objeto insólito: o seu objeto não são
factos, mas sim normas. A ciência do direito do século XIX é uma ciência de normas, sendo que o que vai ser
conhecido são enunciados normativos. Assim, não se trata de uma ciência estritamente empírica, mas antes
analítica.
O primeiro cruzamento mais sistemático entre discurso jurídico e ciência não se faz à luz de um projeto
de ciência empírica, mas de um projeto de ciência analítica. Claro que há uma intenção cientifica.
Mas isto não vai ser sempre porque no final do século XIX surgiram variadas tentativas de dizer que o
direito se deveria constituir como uma ciência empírica (e não analítica, de normas).
o A racionalidade instrumental-estratégica
Esta racionalidade funcional vai pressupor um discurso de referencia objetiva à realidade, de
informações e explicações dessa mesma realidade. A realidade, aqui, a ser estudada como objeto é apenas
considerada como condição e possibilidade para atingir determinados fins propostos ou programados
segundo uma certa relação funcional. Esta é a vertente de base informativa que pode aproximar o discurso
funcional da racionalidade teorética.
Por outro lado, o lado que acentua essa orientação pelos efeitos/fins, poderíamos estabelecer um certo
contraponto com o que será uma autentica racionalidade prática afirmando que o tipo de racionalidade que
está aqui a ser prosseguido é sempre uma racionalidade finalística (e nunca valorativa ou axiológica).
O que é que será a racionalidade finalística? Tal como é caracterizada, ela parte de uma escolha, de um
objetivo que se escolhe, do qual se opta: o primeiro degrau dessa racionalidade finalística será sempre um
degrau instrumental, dado que ao existir um objetivo definido, ter-se-á de escolher meios/recursos aptos para
prosseguir o objetivo – e mediante este objetivo, produzir os tais efeitos pretendidos. Há aqui uma relação de
base que é a relação instrumental. É exatamente aqui, ao selecionar os meios, que se tem de fazer as tais
escolhas com base em informações rigorosas avançadas pelas ciências.
o A racionalidade prática
Hoje trata-se de determinar o que foi lecionado a semana passada: existem vários tipos de
racionalidade e eles cruzam-se com o Direito de diversos modos. No fundo, a questão que hoje vamos colocar
é a de abordar um tipo de racionalidade que ainda não foi abordado: ele é especifico e complexo, mas em que
termos é que ele se cruza com o Direito?
Em termos esquemáticos: se a racionalidade lógico-formal dedutiva se pensa como uma relação entre
enunciados dominada por uma pretensão de consistência e de unidade sintática; e se a racionalidade teorética
pensa-se a partir de uma estrutura sujeito-objeto, em que o sujeito contempla/conhece e o objeto visto na
perspetiva exterior de um sujeito e que pode ser muito variado (normas, decisões, etc.); e a racionalidade
finalística, instrumental-estratégica, uma racionalidade hibrida, caracterizada por produzir efeitos; então
falta-nos abordar a racionalidade prática.

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Ao contrário da teorética, esta tem uma índole estrutural associada a um esquema sujeito-sujeito. Em
termos gerais, se explorarmos essa estrutura, podemos imediatamente reconhecer dois traços fundamentais,
complementares entre si: aquele que nos permite dizer que esta racionalidade prática é especialmente
dialógica, na qual se trata, no fundo, de pensar na relação entre dois sujeitos em que, efetivamente, um deles
comunica ao outro um argumento (no sentido amplo do termo) – temos a comunicação de um sentido
assimilado por outro sujeito, pelo que a índole estrutural é dialógica.
Além disto, é uma intencionalidade dialética, ou seja, convocamos a dialética no seu sentido clássico
de disciplina do ramo do saber que aparecia associada à racionalidade prática (sobretudo, associada à
prudência – racionalidade prático-prudencial). A prudência em sentido aristotélico traduz uma capacidade
estabilizada de responder a problemas humanos tendencialmente concretos e que se colocam num domínio
da prática e do conhecimento, ou seja, no “domínio das coisas que mudam”, segundo Aristóteles. E esta virtude
da prudência é uma disposição prática que nos permite lidar com essa mudança, solucionado problemas.
A verdade é que, aqui, a dialética aparece como uma disciplina associada a duas outras disciplinas
importantes na formação do jurista: tópica e retórica.
A dialética tem um papel central na captação da racionalidade: quando pensamos em ações e decisões
em concreto, essas obedecem a uma certa lógica do provável e do verosímil da razoabilidade e que parte de
enunciados prováveis (e não falsas) – é esta a dialética clássica, que tem muito a ver com o que é razoável ao
nível da prática humana de ações e decisões. E essa dialética, para poder ser verdadeiramente um discurso
racional, precisa de pressupostos/referentes – estes referentes, mais concretamente os referentes valorativos,
eram, no contexto clássico, era designados por “topoi” (os lugares, os valores, os padrões, os modos de atuação
comuns). E, precisamente, a dialética só seria possível se sustentada numa tópica, sob pena de não existir uma
comunicação racional de argumentos. Mas ao mesmo tempo, esta dialética também tinha uma projeção
importante porque, sendo ela uma logica apenas de probabilidade (no sentido ético-cultural): projetava-se na
retórica, sendo que a retórica vai preocupar-se em tornar os argumentos da dialética comunicáveis em função
do auditório.
Assim, a racionalidade prática, vai ela própria construir um mundo (que é o seu) e é, pela sua própria
índole, estruturalmente dialógica e dialética. Esta racionalidade prática teve uma grande importância na
cultura clássica – mas quando entramos na modernidade, a possibilidade de se falar numa racionalidade
prática começa a ser questionada: o prático começa a ser visto da perspetiva da ciência, pelo que acaba por
ser assimilado como uma técnica/operatória.
Portanto, o que aconteceu na era moderna até finais do século XIX foi uma rejeição desta racionalidade
prática. Considerava-se não ser verdadeiramente uma racionalidade, começando a associar-se a retórica a
outras áreas sem ser o Direito. Mas o que muda? Entretanto, na segunda metade do século XX começa a falar-
se, em termos particularmente intensos ao nível da filosofia geral, do Direito e da estética, de uma reabilitação
da filosofia prática. Essa recuperação vai, evidentemente, beneficiar certos domínios da prática – e esse
movimento não podia deixar de afetar o Direito, porque falar de racionalidade prática e associar a prática com
praxis e prudência, afetando maioritariamente por duas vias:
o A racionalidade tópico-retórica
Uma primeira via, que acentua a importância das disciplinas previamente mencionadas – via da tópica
retórica. Este caminho acentua, como ponto de partida (prius), o problema concreto: no fundo, a virtude
intelectual da prudência respondia a questões humanamente concretas, ou seja, é aquela que nos permite agir
e decidir em concreto. E a via da tópica é aquela que acentua a prioridade do problema – e este problema vai
manter-se, segundo a perspetiva tópica, sempre como prius e essa prioridade nunca se dissolve/dilui. Quando
estamos perante um problema daqueles que surgem no contexto da prática cientifica, esse é sobretudo uma
resistência a um fenómeno observado e que produz um efeito inesperado, introduzindo uma nova dificuldade
a ser explicada. Esse problema relevante é sempre um problema que é o ponto de partida, mas que depois,

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como que, desaparece, sendo assimilado pela produção dos enunciados que constituem aquilo que se chama
o “explananus”.
A diferença em relação ao discurso prático é a de que o problema nunca é assimilado – isso só
acontecerá no fim, quando se decide a controvérsia, mas durante todo o percurso de tratamento racional, o
problema deve manter a sua prioridade. É como que uma perspetiva interrogante da qual partimos e que nos
vai conduzir. Esta acentuação tópica, que dá prioridade ao problema concreto (ao caso) esteja nos antípodas
da conceção logico-dedutiva. Para a tópica, o problema deve ser o ponto de partida e a perspetiva, pois estamos
sempre a interrogar os próprios referentes/princípios/normas.
Um grande jurista (Fideck), nos anos 50/60, escreve “Tópica e Jurisprudência” e procura mostrar que
o discurso jurídico, naquilo que ele tem de especifico, terá sido sempre, fundamentalmente, um discurso
orientado por problemas – assim, o Direito é sobretudo uma tarefa de resolução de problemas, na qual se dá
prioridade ao enunciado normativo e à norma. O caso concreto passa, então, a ser o prius. Isto é, de facto, uma
mudança de paradigma muito significativa.
Quando vemos a racionalidade prática numa perspetiva tópica, tendemos a dizer que o discurso
prático é sobretudo uma praxis, uma arte de resolver problemas, pelo que a mobilização de princípios/normas
é feita para resolver problemas – todos estes critérios e fundamentos vão ser experimentados no problema,
num caminho que deverá ser uma solução para o mesmo.
Nesta reabilitação da tópica há uma dificuldade: já não há o mesmo apoio, ou seja, esta reabilitação vai
viver com uma ideia forte de que os próprios valores e referentes axiológicos podem e devem ser tratados
como obras humanas e que, como tal, vão evoluindo. Assim, se a tópica clássica podia contar que um apoio
ultimo nestes valores estáveis, a reabilitação conduz a uma chamada “circularidade prática” da tópica,
deixando de haver tanta confiança: porque se vai convocar os “topoi” com a consciência de que esses vão
evoluindo e transformando, pelo que todo o discurso prático vai se refletindo com as exigências atuais de um
certo momento histórico.
Claro que podemos pensar a tópica em geral, para todo o discurso prático, mas podemos projetá-la no
campo do Direito, tal como fizeram alguns autores. O que é que significa pensar essa prioridade do problema?
A própria estrutura da controvérsia jurídica: o problema é partilhado por, pelo menos, dois sujeitos, sendo
que ambos têm legitimidade e autonomia para afirmar a sua diferença e assumem posições distintas.
Realmente, o modo como o percurso racional se vai desenvolvendo é uma troca de argumentos e de contra-
argumentos, sustentando-se, racionalmente, a posição pessoal de cada um. Assim, o universo do Direito
permite que as partes da controvérsia invoquem o mesmo Direito vigente para sustentar posições distintas,
argumentativamente inconfundíveis. Esta é a via tópica da racionalidade prática.
Agora, podíamos perguntar: será que a racionalidade jurídica, quando a pensamos associada ao modus
operandi do juiz, é uma pura racionalidade tópico-retórica argumentativa? Há, desde logo, aspetos que nos
obrigam a dar uma resposta negativa. É evidente que há aspetos que são muito próximos (o prius do problema,
a estrutura da controvérsia, o princípio do contraditório, etc.), mas se pensarmos um pouco veremos que não
é essa a intenção.
Há fortes objeções a que possamos pensar essa racionalidade do juiz integralmente como tópico-
argumentativa, ainda que possa ter alguns elementos da mesma. E há boas razoes para responder
negativamente, porque:
1. Quando estamos a pensar na racionalidade tópica, ao dizer que a discussão é a instância principal
de controlo, desenvolve-se uma acentuação em que parece que o objetivo da argumentação é o
consenso – o consenso como uma adesão intersubjetiva dos sujeitos da controvérsia que se faz a
posteriori. Portanto, o consenso tem um caráter contingente porque é o resultado que foi possível
obter naquela discussão em concreto.

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a. Ora, esta acentuação do consenso é uma ideia que pode ser diretamente posta em causa
pela nossa compreensão do discurso jurídico, desde logo porque falta introduzir aqui uma
referencia importantíssima: o papel do terceiro. O julgador deve atuar como um mero
mediador e a solução obtida é a solução consensual à qual as partes chegam? Claro que não,
isto poderá acontecer em formas de mediação extrajudicial, mas não é isto que sucede no
Direito nem deverá ser este o modus operandi do juiz. O núcleo do juízo decisório pretende
uma intervenção do julgador e esse juízo não tem sequer de corresponder à posição de
uma, ou ambas, as partes, sendo cumprindo em nome do Direito e de referentes que o
julgador vai mobilizar.

b. Podemos dizer que a tópica aspira a um consensus, mas quando falamos de uma
racionalidade verdadeiramente jurídica essa tem uma componente decisiva que é uma
componente axiológica/de validade. O julgador estabelece uma solução para o caso
mediante a construção de uma dialética problema-sistema. No contexto da prática jurídica
está-se a pressupor uma referência a princípios que valem e vinculam num plano que
podemos dizer como que assumidas – o julgador tem sempre de as respeitar, não se
tratando, pura e simplesmente, de reproduzir um consenso argumentativo a que as partes
hajam chegado.
2. E esta referência ao consenso traz uma outra nota diferenciadora: quando defendemos uma
perspetiva puramente tópica, tendemos a dizer que os princípios/normas/critérios, à partida, são
equivalentes. E é nesse sentido que a perspetiva tópica tende a considerá-los “topoi”, ou seja
comuns. Há-de ser o prius concreto que vai permitir estabelecer o equilíbrio entre esses critérios
e fundamentos, ou seja, para a perspetiva tópica, estaremos em condições de poder, em função da
relevância concreta da especificidade do princípio, invocar uma norma, um princípio,
jurisprudência. Isto porque, em abstrato, eles são equivalentes e não se distinguem. Essa distinção
será feita no caso concreto.
a. Esta acentuação poe em causa a compreensão do sistema na sua pluridimensionalidade.
Ele é constituído por vários estratos e esses estratos beneficiam de presunções de validade
e de vigência distintas, logo, à partida, esses estratos vinculam-nos de maneira diferente,
pelo que não podemos, á partida, mobilizá-los como se se tratasse de equivalentes.

b. De certo modo, nós podemos dizer que a tópica nos traz uma acentuação em demasia do
problema. Realmente, aquele direito vigente é o próprio fundamento vinculante do juízo
decisório, ainda que de maneiras diferentes – e isto é algo esquecido por esta perspetiva.
3. Ademais, quando se acentua tudo o dito previamente, o tipo de racionalidade prática que se tende
a desenvolver é uma racionalidade procedimental, porque reparemos que se dizemos “o conteúdo
da solução da controvérsia é o conteúdo que vai ser construído pelos argumentos das partes e ao
qual se vai chegar tendo as partes para argumentar e contra argumentar”, sendo um conteúdo
contingente, onde está, então, o controlo racional? Ele está na exigência de estes argumentos e
contra argumentos se submeterem a uma serie de regras que são regras do procedimentos – essas
não determinam o conteúdo da solução, mas apenas incidem no modo como essa decisão deverá
ser construída. Ao Dr. Aroso, não lhe parece que o julgador deva assumir uma racionalidade
procedimental.

o Racionalidade hermenêutica
Relativamente à segunda via: a via da racionalidade hermenêutica. Quando falamos desta, estamos
sobretudo a acentuar que a racionalidade prática tem a ver com a determinação de sentidos objetivados ou
transmitidos através de textos.

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A hermenêutica, que realmente nos restitui á ideia de um sentido que está a ser compreendido, surgiu
nos anos 60 do século XX com um movimento que apareceu com a identidade de uma reflexão filosófica. A
hermenêutica como filosofia, no fundo, essa assimilação da realidade prática poem-nos perante a nossa
condição de sujeitos que se reconhecem a si próprios como sujeitos limitados, finitos – portanto, este
reconhecimento que o sujeito-pessoa como um ser hermenêutico significa que se trata de acentuar que aquilo
que conhecemos e praticamos na nossa atuação tem sempre um sentido limitado; mas ao mesmo tempo que
temos consciência desses limites, também estamos, simultaneamente, a ter consciência de que há aqui um
certo diálogo com o infinito, ou seja, o reconhecimento próprio de finitude determina a possibilidade de pensar
a referencia ao todo.
De facto, a preocupação da hermenêutica como filosofia é procurar mostrar que a nossa atitude mais
natural e imediata perante as coisas e as pessoas não é a que a ciência cultiva, mas sim a da compreensão.
Portanto, há aqui a defesa do primado do compreender – este terá uma prioridade agora, sempre
reconhecendo os nossos próprios limites.
O que a hermenêutica pretende é reconstituir as condições de que depende esta compreensão. E quais
as condições de que depende esta compreensão? O que acontece é que, na verdade, quando se projeta a
hermenêutica, a tendência é para não ficar por esta reflexão filosófica, mas para a converter num método de
interpretação. Mas esta conversão poderá, em alguns casos, ser duvidosa: quando compreendermos, fazemo-
lo sempre a partir de uma situação – a determinação do sentido do texto que nos está a ser comunicado vai
estabelecer uma conexão decisiva com a nossa condição hermenêutica.
Quando estamos numa situação, por exemplo a compreender o sentido de um texto, estamos sempre
a partir de uma pré-compreensão, ou seja, não vamos dirigir-nos ao texto esvaziando-nos dos nossos
referentes, valores, formação, mas sim a partir da nossa situação hermenêutica com a nossa pré-compreensão:
e isto é inevitável, segundo GADAMER. Este autor fala, inclusivamente, de pré-juízos (não no sentido
pejorativo). Assim, significa isto que, ao partir-se de uma pré-compreensão, o sentido atribuído ao texto
resulta de uma conversação responsável por esse texto – é uma relação circular, convocando-se a ideia do
circulo hermenêutico.
Mas algumas questões devem ser colocadas, nomeadamente aquelas relacionadas com a índole da
resposta que o julgador dá ao caso concreto. Assim, será que podemos dizer que o caso jurídico, o prius, é pura
e simplesmente uma situação de interpretação, ou seja, uma situação hermenêutica? De uma perspetiva
puramente hermenêutica, o caso é como que mais um elemento a acrescentar e, no fundo, se virmos assim as
coisas, então tendemos a reconduzir o modus operandi do juiz a uma intenção compreensiva, quase como se
disséssemos que ele terá êxito na construção do seu juízo decisório se compreender bem os textos
enunciativos. Há, então, uma insistência na intenção compreensiva descaracterizado do juízo decisório
concreto – trata-se de compreender textos ou responder a um problema?
No fundo, os textos importam porque desses serão extraídos critérios que ajudaram o legislador a dar
uma resposta ao problema. Portanto a intenção não é propriamente uma intenção compreensiva, mas antes
normativa. E se insistirmos numa intenção compreensiva estaremos sempre a acentuar, aqui, essa exigência
de reconstituição e compreensão dos textos o melhor possível – mas este não é, efetivamente, o problema.
Assim, a visão hermenêutica, não obstante trazer vários aspetos interessantes, consubstancia um método que
admite que o problema da sentença seja visto como um problema meramente interpretativo – e isto é
incorreto, a ver do Dr. Aroso.
o Racionalidade narrativa
Brevíssima alusão a um outro tipo de racionalidade prática, que tem hoje um grande acolhimento, é
racionalidade narrativa. Esta racionalidade tem fundamentalmente a ver com o discurso que se constrói
através de histórias produzidas pelas partes mediante recursos linguísticos e expressivos heterogéneos.

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O universo do Direito não ficou imune a este tipo de racionalidade prática e esse entendimento da
racionalidade narrativa poderá ter importância em alguns momentos do discurso metodológico
(nomeadamente no problema da prova).
Quais as conclusões que podemos extrair deste nosso percurso? Fazendo agora a pergunta, dirigida ao
juízo decisório do julgador, poderá concluir-se que:
1. A racionalidade dominante no discurso do julgador é uma racionalidade prática, claramente.
Poderá usar argumentos lógicos e baseados em discursos empírico-explicativos, assim como
invocar experimentações táticas e estratégicas, mas enquanto discurso, o que identifica a
construção do juízo decisório, é seguramente uma racionalidade sujeito-sujeito.
2. Mas a racionalidade sujeito-sujeito, enquanto racionalidade prática, tendo elementos que podemos
aproximar do eixo tópico-retórico, hermenêutico ou narrativo, também não será compreensível
nas suas exigências e no seu sentido se a quisermos reduzir a cada um destes tipos. Não podemos,
portanto, pensar essa racionalidade como uma racionalidade estritamente hermenêutica, tópica
ou narrativa.
3. Qualquer um destes tipos suprarreferidos aparece associado á racionalidade prática em geral,
tendo sido desenvolvidos como vias possíveis para pensar aquela. Significa isto que, no fundo, estes
tipos são tipos gerais e o que acontece com o mundo prático do Direito é que este oferece, a partir
da sua própria prática/institucionalização, especificidades que não são suscetíveis de ser
absorvidas por estes modelos gerais. No fundo, vimos que é possível encontrar argumentos que
nos permitem dizer que a racionalidade jurídica resiste a x ou a y – ela tem uma institucionalização
como prática muito forte, que lhe impõe determinado tipo de coordenadas que são insuscetíveis
de ser assimiladas se ficarmos pelo plano geral dos tipos.
4. As especificidades devem ser procuradas na própria experiência do Direito. Para considerar esta
especificidade poderíamos, como Castanheira Neves, distinguir quatro dimensões, que se
complementam entre si e definem o universo jurídico, que vão pôr-nos perante um problema
específico de racionalidade. Evidentemente que a reconstrução dessas dimensões reflete já uma
certa compreensão do Direito. Assim, há duas dimensões extremas (que, de certo modo,
polarizadas), que são:
a. A dimensão problemática, onde teremos as controvérsias práticas;

b. A dimensão axiológica, onde teremos a resposta que o direito vai dar às controvérsias – ao
invocar esta dimensão, dizemos que aqueles problemas vão ser tratados no mundo prático
do Direito através de soluções que devem ser realizações em concreto da ordem de
validade desses valores/referentes últimos. Em suma, tem a ver com a aspiração de
construir uma ordem comunitária de sujeitos-pessoas;
Mas não nos ficamos por estas duas dimensões, pois faltariam elementos imprescindíveis
para perceber como se constrói a resposta para os problemas em concreto e sobre o modus
operandi do julgador. E é esta nota de incompletude daquelas duas referencias que torna
indispensável que haja uma mediação pelo meio, nomeadamente pelo surgimento de outras duas
dimensões. Assim:

c. A dimensão dogmática

d. A dimensão praxística – diz a resposta ao problema, sendo essa resposta composta por
componentes decisórias trabalhadas na perspetiva do sistema- espera-se que as possíveis
decisões sejam suscetíveis de ser racionalizadas.
Como resposta à questão enunciada, relativamente à racionalidade jurídica, trata-se de uma
racionalidade prática, sujeito-sujeito que se identifica estruturalmente com uma dialética problema-sistema.

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