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RESUMO DE

MEDICINA LEGAL
CAPÍTULOS
1.Organização Médico-Legal
2. Genética Forense
3. Exame Local à Verificação e Certificação do Óbito
4. Exame Externo do Cadáver
5. Fenómenos Cadavéricos
6. Tipos de Ferimentos - lesões por instrumentos
contundentes e cortantes
7. Lesões por Armas de Fogo e Queimaduras
8. Asfixias Mecânicas
9. Toxicologia Forense
10. Verificação e Certificação do Óbito
11. Autópsias Médico-Legais (objetivos, alcances e limitações)
12. Antropologia Forense
13. Exames e Perícias Médico-Legais e Forenses no âmbito da
Avaliação do Dano corporal (em direito civil, penal e do
trabalho)
14. Avaliação do dano corporal em situações de Violência
Doméstica - a intervenção médica pericial
15. Crimes de Natureza Sexual e Exame Médico de Vítimas de
Agressão
16. Psiquiatria Forense (Doença Mental - capacidade mental e
responsabilidade criminal)
17. Alcance e limites das perícias em Psiquiatria Forense

Cátia Andrade
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
1. Organização médico-legal
 LEGISLAÇÃO A CONSULTAR

1.1. Introdução
O Decreto-Lei nº146/2000, de 18 de Julho criou o Instituto Nacional de Medicina Legal.
Atualmente, designado por Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
O Decreto-Lei nº11/98, de 24 de janeiro estabeleceu a divisão em três delegações situadas
em Coimbra, Porto e Lisboa.
E, existem 27 Gabinetes Médico-Legais.

O Decreto-Lei nº11/98, de 24 de janeiro rege a estrutura orgânica, as perícias médico-legais


e as carreiras. Em relação à estrutura orgânica devem ser consultados: Decreto-Lei nº96/2001 e a Portaria 522/2007;
Decreto-Lei nº166/2012 e a Portaria 19/2013. Em relação às perícias médico-legais deve ser consultada a Lei
nº45/2004.

1.2. Atribuições:
1) Cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de
administração da justiça, realizando os exames e perícias médico-legais e forenses;
2) Prestar serviços a entidades públicas e privadas, bem como aos particulares;
3) Tem a natureza de laboratório de estado e é considerado instituição nacional de
referência
Deste modo, qualquer entidade pública ou privada pode pedir exames ao INMLCF. De seguida
tem de se averiguar se há ou não legitimidade, isto porque, por exemplo, pode o indivíduo
em causa não ter dado o consentimento (e este é necessário).

1.3. Órgãos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (*anexo I):
1) Conselho diretivo
2) Conselho médico-legal
3) Comissão de ética
4) Fiscal único

1.3.1. CONSELHO MÉDICO-LEGAL


É o órgão máximo do ponto de vista pericial da medicina legal, que resolve os casos mais complexos e que
suscitem mais dúvidas e se pronuncia sobre os casos de negligência médica.

Composição Conselho Médico-Legal:


1) Presidente do conselho diretivo da INMLCF, vice-presidente e vogais;
2) Um representante dos conselhos regionais disciplinares de cada uma das secções regionais da Ordem dos
Médicos.
3) Dois docentes de clinica cirúrgica, clinica médica, obstetrícia e ginecologia e direito
4) Um docente de anatomia patológica, ética e ou direito medico, ortopedia e traumatologia, neurologia ou
neurocirurgia e psiquiatria.

Competências/funções do Conselho Médico-Legal:


1) Exercer funções de consultadoria técnico-científica
2) Emitir pareceres sobre as questões técnicas e científicas;
3) A consulta técnico-científica pode ser solicitada:
- Pelo membro do governo responsável pela justiça
- Pelo conselho superior da magistratura
- Pelo Procurador-Geral da república
- Pelo presidente do conselho diretivo do INMLCF

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O que significa que os magistrados não podem solicitar diretamente a consulta técnico-científica. Mas,
quando tal sucede ela não é rejeitada, sobretudo em casos de negligência médica (que corresponde a 95% dos
casos). O parecer, por sua vez, é insuscetível de revisão.

1.3.2. DELEGAÇÕES
Serviços técnicos das Delegações do INMLCF – quatro tipos de exames:
1) Três serviços de clínica e patologia forenses que funcionam nas delegações e nos gabinetes:
1.1) Clínica forense – fazem-se nas delegações e nos gabinetes: perícias de direito civil, penal e trabalho (faz
exames a pessoas vivas – avaliação dos danos corporais); as perícias psiquiátricas são realizadas sob a
alçada do Instituto mas este é só o distribuidor dos exames a hospitais psiquiátricos ou serviços de
psiquiatria.
1.2) Patologia forense: autópsias médico-legais; exames de anatomia patológica; perícias de identificação;
embalsamentos; colheita de amostras – este serviço representa certa de 5% da atividade do Instituto. As
autópsias realizam-se mos gabinetes médico-legais, mas os exames de anatomia patológica que são
exames com microscópio são realizados nos laboratórios de anatomia patológica que só existem nas
delegações.
2) Química e toxicologia forenses que funcionam apenas nas delegações
(envenenamentos, drogas, pesticidas) – são realizados exames à urina, sangue para estudos de drogas e
pesticidas, fazem-se também exames de contraprova de alcoolemia. Ou seja, realizam a análise à presença
de tóxicos, independentemente de ser feita a pessoas vivas ou mortas.
3) Genética e Biologia Forenses que funcionam apenas nas delegações (note-se que, também a Polícia
Judiciária faz este tipo de exames – o que significa que o magistrado pode optar pelo INML ou pela PJ - por
exemplo: investigação da paternidade e identificação genética individual)
3.1) Investigação da Paternidade
3.2) Criminalística Biológica
3.3) Identificação Genética Individual
4) Tecnologias Forenses e Criminalística que funcionam apenas nas delegações

1.4. Distribuição dos exames de psiquiatria forense – Decreto-Lei nº326/86, de 29 de setembro:


Os exames médico-legais do foro psiquiátrico a que houver de proceder-se nos termos da lei do processo penal
deverão ser solicitados ao IML da circunscrição médico-legal respetiva, que os distribuirá pelas instituições
psiquiátricas, aos quais cabe a realização destes exames. O critério distributivo a ponderar é o de seis exames por
perito/ano.
Em Coimbra só há um psiquiatra, permitindo-se a distribuição dos exames a instituições de fora
esporadicamente.

1.5. Gabinetes Médico-legais e forenses:


1) Realização de exames e perícias em pessoas no âmbito do direito civil, penal e de trabalho
2) Perícias de psiquiatria e psicologia forenses
3) Compete a realização das autópsias médico-legais, antropologia forenses, identificação de cadáveres e
embalsamentos
4) Colheita de amostras para exames complementares
*não fazem exames toxicológicos

1.6. Despesas de deslocação:


As pessoas que residam fora da área de comarca em que se encontre sediada a delegação do Instituto, o
gabinete médico-legal ou o estabelecimento universitário ou de saúde especializado no qual tenham comparecido
para a realização de exames, podem requerer que lhes seja arbitrada uma quantia a título de compensação pelas
despesas realizadas.
Esta é paga pelo Cofre Geral dos Tribunais através da sua delegação junto do tribunal que solicitou o exame.
As quantias são consideradas custas do processo.

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1.7. Realização de perícias médico-legais – Lei nº45/2004, de 19 de agosto
As perícias médico-legais são realizadas obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do
Instituto Nacional de Medicina Legal.
Excecionalmente perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias poderão ser realizadas por
entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.
Atualmente entende-se que sempre que há requisição de perícias, é obrigatório que o perito tenha o
máximo de informação clínica possível, para poder confrontar resultados. Antes entendia-se que o perito devia ter o
menos possível para ser imparcial.
O perito só pode confirmar no seu relatório aquilo que objetivamente conseguir comprovar. O que não
significa que o facto de não estar confirmado não tenha acontecido. Simplesmente, pode não haver provas que
comprovem esse facto.

1.8. Exames complementares:


O instituto pode celebrar protocolos com instituições públicas ou privadas ou celebrar contratos com
médicos ou outros técnicos, com vista a realização de exames periciais complementares e de diagnóstico (entre
outros).

1.9. Requisição de perícias:


As perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da
mesma, nos termos da lei do processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do Instituto ou
nos gabinetes médico-legais as disposições contidas nos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal.
Por razões de celeridade processual, a requisição dos exames deve ser acompanhada das informações
clínicas disponíveis ou que possam a vir a ser obtidas pela entidade requisitante ou ate à data da sua realização.

1.10. Acesso à informação:


No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos têm acesso à informação relevante,
nomeadamente, à constante dos autos, a qua lhes deve ser facultada em tempo útil.
O presidente do instituto, os diretores das delegações, os diretores dos serviços técnicos ou os
coordenadores dos gabinetes médico-legais podem solicitar informações clínicas diretamente aos serviços clínicos
hospitalares, serviços clínicos de companhias seguradoras ou outras entidades públicas ou privadas, que as devem
prestar no prazo máximo de 30 dias.
Efetivamente, não se pode concluir um relatório sem ter todas as informações clínicas necessárias. Daí que a
lei fixe este prazo de 30 dias. Contudo, não há qualquer sanção prevista para o não cumprimento deste prazo, sendo
que, a única hipótese é o INML recorrer ao tribunal para que este aplique uma multa à instituição que devia ter
enviado as informações clínicas atempadamente.

1.11. Denúncia de crimes:


As delegações e os gabinetes médico-legais do Instituto podem receber denúncias de crimes devendo
remetê-las no mais curto prazo ao Ministério Público.
Sempre que tal se mostre necessário para a boa execução das perícias médico-legais, as delegações e os
gabinetes médico-legais do Instituto podem praticar atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios
de prova, procedendo, nomeadamente, ao exame, colheita e preservação de vestígios, sem prejuízo das
competências legais da autoridade policial à qual competir a investigação.

1.12. Responsabilidade pelas perícias:


No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos especialistas em medicina legal, os
médicos contratados para o exercício dessas funções, os médicos dos serviços de saúde gozam de autonomia e são
responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres por si efetuados.
Ninguém pode mandar alterar as conclusões do relatório. O que pode acontecer é que dois ou mais peritos
tenham opiniões divergentes – por exemplo: na avaliação de um dano corporal para o estabelecimento do grau de
incapacidade (considerar percentagens diferentes). Mas ambos, são obrigados a respeitar determinadas regras.
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Os peritos encontram se obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no
Instituto, bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos serviços.

1.13. Obrigatoriedade de sujeição a exames:


O Código Deontológico proíbe os médicos de fazerem exames contra a vontade das pessoas. Porém, a lei neste
âmbito vai em sentido contrário: com o novo CPP é aceite o recurso à força para recolher amostras, etc.
Deste modo, ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar
necessário ao inquérito ou instrução de qualquer processo e, desde que ordenado pela autoridade judiciária
competente nos termos da lei.
A autoridade judiciária competente pode assistir à realização dos exames periciais. Antes, o magistrado era
obrigado a assistir, o que verdadeiramente, era raramente cumprido. Hoje, apenas pode assistir se assim o entender.
1.14. Custo dos exames e perícias:
Os exames e perícias realizados nos estabelecimentos são pagos diretamente a estes pelos tribunais de
acordo com os valores fixados por portaria do Ministro da Justiça ou com as tabelas em vigor do Serviço Nacional de
Saúde.
Nos casos previstos na última hipótese, poderá uma parte da quantia paga pelos tribunais ao serviço de
saúde reverter, até um máximo de 50%, para os médicos ou técnicos que os tenham efetuado.
Ver Portaria nº175/2011, de 28 de abril relativamente aos custos das perícias.

Assim, pela realização dos exames e perícias requisitados aos serviços do Instituto ou por este deferidas às
entidades são pagas ao Instituto as quantias estabelecidas em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça.
As quantias são consideradas custas do processo mesmo que haja lugar ao seu arquivamento. Efetivamente,
esta foi a última revisão legislativa que operou no sentido de que as despesas com exames têm de ser pagas na
mesma (sendo pagas com dinheiro do Estado).

Ver Portaria nº685/2005, de 18 de agosto relativamente à remuneração dos peritos. O perito é pago depois
da entrega do relatório. No INML existe um sistema de videoconferência e os peritos podem pedir aos magistrados
para este meio ser usado de modo a rentabilizar o tempo.

1.15. Esclarecimentos complementares:


Na prestação de esclarecimentos complementares posteriores à realização da perícia e envio do respetivo
relatório médico-legal deverá prescindir-se, sempre que possível, da presença do perito, devendo a autoridade
judicial que a solicita usar os meios técnicos processualmente previstos.

1.16. Destino dos produtos examinados:


A amostra fica depositada no serviço médico-legal durante o período de dois anos, após o qual o serviço
médico-legal pode proceder à sua destruição, salvo se, entretanto, o tribunal tiver comunicado a determinação em
contrário.
Antes a lei dizia que tinham de os conservar até que os magistrados ordenassem a sua destruição.

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INSTITUTO NACIONAL DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES
– NOTAS GERAIS

Ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) cabe, no


exercício das suas atribuições periciais forenses, cooperar com os tribunais, com o
Ministério Público e com os órgãos de polícia criminal e demais serviços e
entidades que intervêm no sistema de administração da justiça, realizando os
exames e as perícias de medicina legal e forenses que lhe forem solicitados, nos
termos da lei, bem como prestar-lhes apoio técnico e laboratorial especializado,
no âmbito das suas atribuições.

O INMLCF realiza, no âmbito das referidas atribuições processuais:


 Autópsias médico-legais, tendo como objetivo esclarecer a causa da morte e as circunstâncias em que esta ocorreu,
nos casos de morte violenta ou de causa ignorada, estabelecendo-se o diagnóstico diferencial entre morte natural,
suicídio, homicídio e acidente (e ainda outros exames cadavéricos, por exemplo, de antropologia forense, seja para
fins de diagnóstico diferencial da causa da morte, seja para fins de identificação);
 Exames e perícias em pessoas para descrição e avaliação dos danos provocados no corpo ou na saúde, no âmbito do
direito penal, civil e do trabalho;
 Perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos para determinação de álcool etílico,
substâncias medicamentosas, pesticidas, drogas de abuso, monóxido de carbono, metais e outros produtos,
em amostras biológicas e não biológicas;
 Perícias e exames laboratoriais bacteriológicos de hematologia forense e dos demais vestígios
orgânicos, nomeadamente os exames de investigação biológica da filiação;
 Perícias e exames psiquiátricos e psicológicos, para efeito de avaliação da imputabilidade jurídico-penal, de estados de
perigosidade, da capacidade de exercício de direitos, e de perturbações pós-traumáticas de índole psíquica e
psicológica;
 Perícias e exames de anatomia patológica forense, no âmbito das atividades da delegação e dos gabinetes que se
encontrem na sua dependência, bem como a solicitação dos tribunais da respetiva circunscrição (no Serviço de
Anatomia Patológica Forense).

Constitui ainda atividade operativa realizada no âmbito do sistema de administração da justiça a formulação de
pareceres técnicos científicos pelo Conselho Médico-Legal.

No desenvolvimento da atividade de formação, ensino, investigação e divulgação científicas, o INMLCF prossegue


as suas atribuições e exerce as suas competências em colaboração com as universidades, especialmente escolas
médicas, com outros estabelecimentos de ensino superior e com instituições de investigação, mediante a celebração
de protocolos nas áreas do ensino, da formação e da investigação científica no domínio da medicina legal e de outras
ciências forenses.

Colabora estreitamente na formação pré-graduada e promove a formação pós-graduada, bem como a realização de
trabalhos e estudos de pesquisa e investigação científica, por si e em colaboração com outras entidades, cabendo-lhe
também o desenvolvimento de ações de formação de médicos legistas (médicos da carreira médica de medicina legal)
e de outros médicos peritos, e outras dirigidas a profissionais que trabalham nas áreas do Direito, da Justiça e da
Saúde.

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2. Genética Forense
2.1. Introdução
A genética forense tem sofrido profundas alterações nos últimos anos. É a única ciência que consegue
quantificar a força do resultado (traduzida numa percentagem de probabilidade). Os magistrados e advogados
mediante esta força de resultado apercebem-se porém que nem sempre há 100% de certeza nesse resultado, o que
pode levantar muitas questões no âmbito da aplicação da justiça. No entanto, tem-se considerado que é preferível a
margem de erro do que não haver produção de prova.

Efetivamente, nunca é possível atingir 100% de certeza, pois tal implicaria estudar toda a população mundial. Na
criminologia forense temos a ideia “in dúbio pro reu”, isto é: na falta de 100% de certeza não se pode condenar
ninguém. Porém, aqui 99,99% de certeza vale muito mais que 10 testemunhas.

Por sua vez, ao magistrado cabe interpretar os relatórios forenses (sendo certo que, estes relatórios não são
vinculativos). Quanto mais raro o perfil analisado mais provável é que tenha sido ele a deixá-lo (os grupos
sanguíneos, por exemplo, não constituem perfis raros). Desta feita, quanto mais marcadores se estudarem, mais
certezas são alcançadas e tal é qualificável.

Como referido, nesta matéria também a Polícia Judiciária tem laboratório científico que se dedica a estas
questões. Isto significa que, os magistrados podem enviar a amostra tanto para a PJ como para o INML. A quem é
enviada a amostra ficará responsável por estudar o caso.

2.2. As três áreas da genética forense:


1) Investigação do Parentesco 2) Criminalística Biológica 3) Identificação Genética
Individual

O laboratório responde única e exclusivamente à questão colocada pelo magistrado no âmbito do


processo! (por exemplo, se o juiz pede a paternidade de determinada criança, o laboratório presume que
maternidade se encontra estabelecida).

2.3. Bases Citogenéticas


Célula
Citoplasma
Núcleo
22 pares de autossomas
+
1 par de cromossomas sexuais

As células têm 46 cromossomas; as células sexuais têm metade, 23 cromossomas.


Num cabelo, contudo, as células não têm núcleo: temos apenas ADN mitocondrial.

2.4. Características dos marcadores genéticos:


1) A sua expressão genética está regulada, em geral, por um único locus (local)
2) São independentes das condições ambientais
3) Estão presentes desde antes do nascimento (casos de violação, por exemplo)
4) Apresentam polimorfismo (isto é, muitas variáveis – o ideal a cima de 10 e 15 variáveis
5) São invariáveis durante toda a vida

O passado da genética forense foi marcado por uma evolução nas técnicas utilizadas (reações antigénio,
imunoeletroforese, isoelectrofocalização, sondas multilocus e unilocus, etc.). Bem como foram evoluindo os
sistemas sanguíneos, os sistemas séricos e plasmáticos e os sistemas enzimáticos.

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Antes da genética já existiam testes de paternidade realizados através de outros marcadores. Em 1985, pela
primeira vez, a genética foi utilizada com fins forenses, substituindo os marcadores clássicos. Assim, a aceitação de
prova pericial com base em polimorfismos de ADN, ocorreu primeiro em 1985 num caso de investigação da
paternidade e depois em 1986 num processo penal.

2.5. Marcador genético/Gene, Perfil Genético, Locus e Alelo – conceitos:

a) Marcador Genético (ou gene): é um conjunto de bases, sendo que a ordem em que se agregam que nos
torna diferentes (polimorfismo – de comprimento ou sequência). Localiza-se no mesmo locus, sendo que, no
laboratório são estudadas zonas específicas conhecidas (todos temos a mesma localização de informação,
embora o seu conteúdo seja, claro está, diferente). Gene é a unidade básica responsável por uma
característica e que se transmite hereditariamente.

Análise da sequência:
- polimorfismos de sequência (variação na sequência);
- polimorfismos de comprimento (alelo mais comprido do que outro);
- técnica que permite duplicar a amostra (ocorre quando a amostra em análise é muito pequena – este
procedimento não tem qualquer implicação no estudo)

b) Perfil Genético: provém da união de duas metades de uma célula (23 pares cromossómicos emparelhados);
só no par XY é que podemos determinar logo qual veio do pai e qual veio da mãe, sendo que, nos restantes,
só o podemos determinar depois de os comparar;

c) Locus: é a porção básica que um gene ocupa num cromossoma

d) Alelo: é cada uma das formas alternativas com que o locus se expressa
*note-se que: há um único locus, sendo que ao estudar uma determinada características, sabemos
previamente onde encontrar essa informação; já os alelos são vários. O alelo define-se pelo número de
unidades repetitivas que tem. As amostras são, por sua vez, separadas pelo peso dos alelos, pois os
maiores (com mais unidades) serão mais pesados e, através da corrente elétrica estes separam-se numa
menor distância no gel (este procedimento designa-se de electroforese).

Podemos ter alelos (variáveis do marcador genético)


- alelos diferentes no locus (heterozigoto)
- alelos iguais no locus (homozigoto)

2.6. Algumas considerações importantes:


a) A mãe é quem transmite ADN mitocondrial (este encontra-se fora do núcleo da célula, no
citoplasma). Logo, numa investigação de paternidade não é possível utilizar o ADN mitocondrial.
b) O mesmo se passa num cabelo cortado, pois este só tem ADN mitocondrial.

2.7. Temos dois tipos de ADN:


ADN Codificante ADN Não Codificante
– os erros existentes neste ADN fazem com que haja – pode acumular erros ao longo de milhares de
abortos espontâneos; trata-se do ADN muito semelhante anos pois é diferente entre todos nós; no estudo da
a todos nós; genética forense este é o ADN que importa

ADN não repetitivo ADN repetitivo:


a) disperso
b) em tandem
Dentro do ADN não Codificante, estudamos o ADN repetitivo em tandem, regiões do genoma que têm áreas em
que a base se repete e podemos distinguir pessoas pelo número de repetições que há. Temos:
a) microssatélites: unidades repetitivas de 1-4 pares de bases 2-7 (devem ter 3-4)
b) minissatélites: unidades repetitivas de mais pares de bases 10-15 (foram abandonados).
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Estes são, pois, os dois tipos de VNTR (variable number tandem repeats). Se um alelo se repetir em 6 unidades
repetitivas é o alelo 6.

Designamos os alelos pelo número de unidades repetitivas. É, assim, a forma mais comum de se identificar uma
pessoa.

1) Genética Forense: Investigação Biológica da Paternidade


Ocorre em virtude de uma reclamação de paternidade ou de uma impugnação de paternidade.

Em primeiro lugar, pretende-se saber se é possível excluir quem é o pai ou, não sendo possível
excluir, dizer qual a probabilidade (mediante cálculo).
Em termos jurídicos, os laboratórios falam em incompatibilidade, cabendo antes ao tribunal falar de
exclusão.
Existem exclusões de duas ordens:
De 1ª ordem ou baseada na 1ª regra de Landsteiner: De 2ª ordem ou baseada na 2ª regra de Landsteiner:
Aparecimento no filho de um alelo novo que não existe Ocorre quando haja não transmissão ao filho de um
nem no pai nem na mãe alelo que deveria, obrigatoriamente, ter transmitido.

Pretenso pai: A+A Pretenso pai: A+A


Mãe: A+A Mãe: B+B
Filho: A+B Filho: B+B

Hipóteses nestes casos: Hipóteses nestes casos:


1. O indivíduo não é o pai; 1. O indivíduo não é o pai;
2. O indivíduo pode ser o pai, mas houve uma 2. Pode ter havido a transmissão de um alelo
mutação genética na formação do silencioso (que não se consegue identificar) –
espermatozoide (o alelo A transformou-se em ocorre, por exemplo, com amostras do tipo
B). Esta hipótese acontece num razão de 1/1 000 ossadas, dada a degradação do material em
000 espermatozoides e, podemos ultrapassar análise. Ou seja, quando o ADN está muito
facilmente este erro recorrendo à análise de degradado é difícil encontrar este alelo
mais marcadores. silencioso. Os alelos silenciosos são aqueles que
não são amplificados na reação de PCR. Quanto
maior for o marcador, maior probabilidade há-
de ser afetada pela degradação (os mais
pequenos conseguem manter-se). Isto ocorre
em 1/1 000.

Estabelece-se as seguintes regras a este respeito:


 Quando não há exclusões, calcula-se a probabilidade de paternidade.
 Quando há apenas uma exclusão de 1ª ordem ou até duas exclusões de 2ª ordem, será calculada a
probabilidade da paternidade sem ter em conta os marcadores em que se verifica a exclusão.
 Quando o número de exclusões é superior, considera-se provada a exclusão (“incompatibilidade”).

Nos marcadores clássicos, a regra era a de que, se tivéssemos 20 alelos em exclusão, seguíamos para o cálculo
da probabilidade. Porém, com a genética atual, temos mais exclusões (podemos até ter três exclusões de 2ªordem,
mas os restantes marcadores serem muito próximos e o pai ser um familiar próximo – ou seja, quando o número de
exclusões for elevado, mas um marcador não der exclusão, podemos estar perante um familiar próximo).

 Cálculo
A probabilidade de paternidade calcula-se com base no Teorema de Bayes que é teorema de probabilidade
condicionada.

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Trata-se de saber que probabilidade tem o pretenso pai de ser o verdadeiro pai (X), quando comparado, ao
acaso, com outro homem da população de referência, ou seja, a probabilidade de que outro homem da população
seja o verdadeiro pai (Y).
*ver exercícios na apresentação

X = probabilidade do resultado se for filho daquele homem


Y = probabilidade do resultado se for o filho de outro homem dessa população (geralmente é utilizada uma
amostra de 100 pessoas; quanto mais raro for alelo na população, mais alta é a probabilidade)

𝑿
A probabilidade de paternidade pode ser expressa em termos 𝑿+𝒀
(através da equação de Essen Moller)
𝑿
ou como índice de paternidade: 𝒀
(mais correto).

Tal resultado vem quase sempre acompanhado pela respetiva tradução verbal da Escala de Hummel (uma
escala que determina uma leitura entre o indefinido (probabilidade entre 10 e 50%) e o praticamente provado
(probabilidade maior que 99,73%)
– note-se que, num laboratório a regra é atingir 99,99% de certeza no resultado; a título de curiosidade, em
Coimbra, atingem quase sempre os 99,9999%.

Por exemplo:
Pretenso Pai: B+A
Mãe: A+A
Filho: B+A
𝑋 0,5 0,5
Probabilidade de paternidade: = = = 0,8 (80%)
𝑋+𝑌 0,5+0,1 0,6

Um magistrado deve exigir do laboratório a probabilidade de 99,99%. Para tal o número de marcadores
necessário varia. Contudo, existem casos em que não é possível alcançar os 99,99%:
1º caso: quando o pai e o filho já morreram (ter de se estudar as ossadas dificulta);
2º caso: o pretenso pai está desaparecido, quanto mais afastados os familiares, mais baixa a probabilidade de
paternidade.
3º caso: casos de violação em que temos amostras-intra-uterinas
O magistrado deve questionar ao laboratório sobre o porquê de não se atingir os 99,99%.

 Procedimento:
1. O Instituto marca uma determinada data em que devem comparecer o pretenso pai, a mãe e o filho (no caso
de o pai não comparecer, é remarcada a recolha, pois deve a mãe estar presente de modo a poder
identificar devidamente o pretenso pai);
2. São identificados;
3. Faz-se uma pequena colheita a cada um;
4. O laboratório faz as várias análises dos antigénios eritrocitários, enzimas, proteínas e ADN;
5. Envio do relatório.

2) Genética Forense: Criminalística Biológica


Há um conjunto de regras para a colheita de amostras que se relacionam diretamente com o sucesso do
resultado das análises.
Cabe ao Procurador orientar os agentes da polícia para que tais regras sejam cumpridas.
Coloca-se a questão de saber quais os cuidados a ter nas colheitas dos materiais, ou seja, no exame local, no
exame da vítima e no exame do agressor.
Os tipos de vestígios mais frequentes são: as manchas de sangue, manchas de esperma, pêlos, saliva, dentes,
etc.

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 Quais os cuidados a ter nas colheitas? Existem três cuidados principais:

1) Evitar a contaminação do 2) Evitar a degradação 3) Manter a cadeia de custódia


ADN
Os problemas de contaminação O que mais degrada o ADN são as É preciso garantir que, entre a colheita e o
ocorrem quando haja mais do bactérias que destroem as cadeias. resultado final do laboratório, a amostra
que um ADN presente na mesma Devemos evitar a proliferação de não foi trocada pelo caminho (ou seja,
amostra. bactérias evitando condições de garantir que a amostra colhida
Quais os focos de contaminação? calor e humidade. corresponderá ao perfil genético do
1. Utilização de uma - exemplo: uma mancha húmida de resultado final). Esta é, aliás, uma condição
máscara, luvas e touca sangue deve ser seca com um de admissibilidade da amostra como meio
pelo agente que faz a secador de ar frio ou ao natural e de prova, sendo que basta uma
colheita. Este deve evitar deve ser guardado em sacos de possibilidade de que a amostra ter sido
falar, tossir, colocar as papel (nunca de plástico); se esta trocada para a invalidar.
mãos em cima da amostra não for enviada logo para o O magistrado, por sua vez, pode e deve
amostra de ADN fresca. laboratório, deve ser colocada no solicitar os comprovativos da cadeia de
2. Não deve utilizar o frigorífica ou, se não for enviada em custódia.
mesmo material de mais de 40 horas, deve ser
recolha de provas para congelado. Assim, exige-se:
diferentes amostras (cada - guardando a amostra, o frigorífico tem de
amostra deve estar ficar trancado ou com vigilância;
isolada em recipientes - o ideal é entregar no dia em mão, o que
separados) significa que não podem ser enviadas por
correio (aliás o Instituto indica no relatório
o modo como a amostra foi recebida);
- há envelopes com uma fita que permitem
verificar se foram abertos;
- para entrar no laboratório tem de usar
um cartão que regista as horas de entrada
e saída.

 Podemos ter diferentes colheitas:

1. Colheitas na roupa 2. Colheitas no cadáver 3. Colheitas de manchas


Inspecionar, fotografar, proteger as áreas Cabeça: colheitas ao nível da Fotografar a mancha (e marcar a sua
manchadas, secar as manchas, iluminar com luz boca/dentes; analisar localização); é o perito que extrai a
ultravioleta ou laser, retirar as peças ou recortar, mordeduras; proteção de mancha; deve ser enviada a peça
separar as peças, introduzir em invólucros de vestígios nas mãos; em relação inteira (se tal não for possível, a
papel. ao períneo, verificar o colheita dependerá se a peça for não
penteado da região púbica, absorvente: se for, a colheita deve
colheita de pelos para ser feita com algodão e água
comparação e colheitas destilada; se não for, deve a mancha
vaginais e anais. ser raspada com bisturi); devem ser
utilizadas luvas (descartáveis)
durante a colheita; as peças húmidas
devem ser secas; a embalagem deve
ficar fechada (nunca de plástico) e
deve ser mantida a baixa
temperatura.

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4. Colheitas nos genitais femininos 5. Colheitas em cadáveres em putrefação
A colheita deve ser efetuada a diferentes níveis: Devem ser realizadas colheitas: nos músculos, na próstata/útero; nos
genitais externos, vulva, vagina, fundos de saco, dentes, nos pelos e cabelos e nos ossos longos.
exocolo e endocolo (não esquecendo a região
anal, bucal e toda a superfície corporal);
utilização de zaragatoas; secar ao ar; colocar em
recipientes separados; enviar ao laboratório,
sendo que se necessário deve ser guardado a 4ºC
ou a -20ºC.

*No caso das agressões sexuais existem erros


que são usualmente cometidos pelas vítimas:
- destruir peças de roupa
- lavar peças de roupa
- tomar banho
- atrasar a observação médica
(é que o sémen localizado na cavidade bucal ou
vaginal pode durar horas; só dura anos se houver
alguma mancha de sangue ou de esperma –
sendo mais difícil)

 Valorização da prova em criminalística biológica:


Suspeito vs Mancha
– a mancha tem de ter material genético igual ao do suspeito (tem de ser exatamente igual – no entanto,
não dá 100% certeza, quanto mais raro o material genético analisado mais certeza se alcança)
Podemos concluir pela exclusão ou pela coincidência.

 Falácias – o facto de não se atingir resultados com 100% de certeza deu origem às falácias – Likelihood Ratio
(LR)
1. Falácia da Acusação: “Possuem esse genótipo 1 em cada 100 pessoas e 99 não o possuem. Dado que o
suspeito possui, tem 99% de probabilidade de ser culpado”
2. Falácia da Defesa: “Possuem esse genótipo 1% dos indivíduos. Em Coimbra, de 100 mil habitantes, possuem-
no 1000. Se o delito foi cometido por um habitante de Coimbra, o acusado tem uma probabilidade em 1000
de ser culpado”.

 LIKELIHOOD RATIO:

𝑃𝑅𝑂𝐵𝐴𝐵𝐼𝐿𝐼𝐷𝐴𝐷𝐸 𝐷𝑂 𝑅𝐸𝑆𝑈𝐿𝑇𝐴𝐷𝑂 𝑆𝐸 𝐴 𝑀𝐴𝑁𝐶𝐻𝐴 𝐹𝑂𝑅 𝐷𝑂 𝑆𝑈𝑆𝑃𝐸𝐼𝑇𝑂


LR = 𝑃𝑅𝑂𝐵𝐴𝐵𝐼𝐿𝐼𝐷𝐴𝐷𝐸 𝐷𝑂 𝑅𝐸𝑆𝑈𝐿𝑇𝐴𝐷𝑂 𝑆𝐸 𝐴 𝑀𝐴𝑁𝐶𝐻𝐴 𝐹𝑂𝑅 𝐷𝐸 𝑂𝑈𝑇𝑅𝐸𝑀  frequência do genótipo na população
O LR é tanto maior quanto mais baixa for a frequência do perfil na população. Que população? É o tribunal que
determina a população que se deve comparar.

 ESCALA DE EVETT
Quanto maior for o LR maior será a força do resultado. Um resultado superior a 1 000 é muito forte e um
resultado entre 1 e 33 tem uma força fraca.

 Bases de dado e tipos de ADN


- O cromossoma Y é muito importante nos crimes sexuais
- O ADN mitocondrial é utilizado para investigação da maternidade e para estudar células sem núcleo (como
o cabelo e a pele escamada). Trata-se de um ADN que resiste muito à degradação.
- O cromossoma Y é igual em toda a família (num crime sexual é muito complicado porque se conclui que
todos os homens da família são suspeitos)
- Deste modo, o cromossoma Y e o ADN mitocondrial são considerados marcadores de linhagem (árvore
genológica)

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3) Genética Forense: Identificação Genética Individual
ACIDENTES DE VIAÇÃO:
 A identificação genética individual é extremamente relevante no caso de acidentes de viação – é
importante saber quem ia a conduzir, sendo que para tal se pode fazer análise do air-bag (uma vez
que, quando este explode, pode ficar com vestígios do condutor).
 A questão que se coloca neste âmbito é a de saber o que se deve recolher em primeiro lugar, a
impressão digital ou a colheita sanguínea? Preferimos a colheita genética, preservando a impressão
digital.
 Neste âmbito têm surgido vários pedidos de identificação genética de animais que causaram o
acidente de viação.

CORPOS NÃO IDENTIFICADOS (CATÁSTROFES):


 É frequente a utilização da genética nestas situações.
 Aqui as dificuldades dependem de termos um acidente “fechado” em que se têm os dados das
vítimas (por exemplo: um acidente de viação) ou um acidente “aberto” (por exemplo, um tsunami).
 Quando se sabe quem está desaparecido, faz-se uma base de dados com os objetos pessoais.
 Se os corpos encontrados estiverem em bom estado e for possível fazer a análise das impressões
digitais (dactiloscopia) este é um ótimo método de identificação.
 A atuação a levar a cabo e a investigação tem de ser definida o mais rápido possível, em menos de
48 horas.
 A pressão é inimiga dos peritos! Não se devem alterar as rotinas e regras laboratoriais, cedendo à
pressão. Deve evitar-se também a pressão para a entrega imediata dos corpos (há até quem diga
que é expectável até três meses)
 O tamanho dos fragmentos a analisar também tem de ser definido, em regra, variará entre 1 a 10
cm.
 Principais problemas: falta de amostras para comparação; degradação do material biológico;
contaminação; volume de trabalho e volume de informação.

COMO É EFETUADA A COMPARAÇÃO (TIPOS DE COMPARAÇÃO):


a) Comparação direta
Comparação das amostras com os objetos pessoais (por exemplo, escova de cabelo e de dentes);
porém nestes casos temos de ter a certeza da sua autenticidade.
b) Comparação indireta (familiar)
Comparação das amostras com as de familiares. Quanto mais próximos forem os parentes
melhor. Os problemas aqui inerentes prendem-se com a exclusão da paternidade e com a
possível ausência de familiares diretos.
c) Podemos ter também uma comparação direta com fragmentos anteriores já encontrados
Aqui surgem dois problemas: o primeiro relativo à autenticidade (existem erros frequentes
quanto aos dentes) e o segundo relativo à contaminação no seu manuseamento (mistura de
ADN).

Em algumas catástrofes, a comparação direta é mais importante do que a comparação familiar. Na área da
genética forense, sempre que possível devem ser realizadas as duas comparações. Contudo, há alturas em que a
genética deixa de ser útil na identificação do cadáver, tendo de se recorrer à antropologia.

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3. Do Exame do Local à Verificação e Certificação do Óbito

3.1. Autópsia médico-legal

A autópsia médico-legal traduz-se no estudo do cadáver em casos com interessa judicial para esclarecimento
da cauda de morte e das circunstâncias que a rodearam, nomeadamente, da eventual intervenção de terceiros,
sua identificação e o seu grau de responsabilidade.

3.2. São realizados vários diagnósticos:


a) Diagnóstico diferencial
 Entre a morte natural e a morte violente
 Entre homicídio, suicídio e acidente
 Da natureza do instrumento produtor das lesões
 Entre as lesões verificar qual a causa adequada ou a causa ocasional da morte
 Etc.

b) Outros diagnósticos
 Identificação da vítima e/ou do(s) agressor(es)
 Cronotanatognose
 Posição entre agressor e vítima
 Tempo de sobrevida após a produção das lesões
 Cronologia das lesões
 Ferimentos vitais e ferimentos post mortem
 Eventual influência alcoólica
 Distância do disparo
 Etc.
As conclusões resultam da conjugação de vários elementos.

3.3. Fases da autópsia médico-legal - série de exames:


1) Exame do local
2) Exame do vestuário
3) Exame do hábito externo
4) Exame do hábito interno
5) Exames completares

3.4. *A Lei nº45/2004, de 19 de agosto estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses. Neste
diploma atender ao disposto nos artigos 16º, 18º e 19º - exame do local.

3.5. Qual a finalidade da atuação pericial?


1) Verificar o óbito
2) Estimar a data da morte
3) Identificar o cadáver
4) Elaborar uma hipótese sobre a causa (natural ou violenta) e etimologia médico-legal

3.6. Qual o papel do perito no local?


1) O perito deve avaliar o meio ambiente e as circunstâncias do local da ocorrência
2) Analisar a posição e o estado em que se encontra o cadáver
3) Identificar o principal responsável pelo local; Registar a sua identidade e contactos

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4) Procurar obter alguma informação preliminar que possa orientar a sua investigação pericial e lhe
permita avaliar se algumas alterações, artefactos ou contaminações podem ter sido entretanto
produzidos.
5) O perito deve isolar a área/preservar o local
6) Não deve tocar em nada que não seja necessário
7) Não deve fumar ou deixar qualquer objeto ou vestígio biológico próprio
8) Não deve tomar nenhuma atitude que possa prejudicar a investigação
9) Deve tirar fotos
10) Deve ter uma atitude de muita observação e falar o menos possível.
11) A conduta a adotar:
- colocar as luvas, botas, máscara e bata
- identificação dos presentes, em particular da pessoa que encontrou o cadáver
- deve fazer o registo do local, data, hora e via de acesso
- na recolha de informação sobre o caso deve indagar para saber quem foi a primeira pessoa a encontrar
o corpo e a tomar conhecimento do evento, registar o seu nome e contactos; procurar obter os detalhes
iniciais da situação, avaliando também se algumas alterações, artefactos ou contaminações podem ter
sido produzidos.
- deve fazer o registo das condições climatéricas
- deve fazer um esquema e fotografar o local, áreas contíguas e do corpo
- registar fotograficamente a posição do corpo, com ou sem escalas, e obter fotos globais do local e dos
espaços envolventes
- fotografar mesmo que o corpo ou evidências tenham sido removidas. Se houver remoção, não as deve
reintroduzir para fazer as fotografias
- analisar e preservar os vestígios e objetos
- pesquisar as áreas de entrada e saída do local
- recolher armas, objetos e impressões digitais
- se o suspeito estiver presente no local não pode permitir que este lave as mãos, deve fotografar
eventuais lesões e recolher os vestígios e o testemunho.
- deve pesquisar sinais de deslocação do cadáver: pegadas, marcas de arrastamento, marcas de pneus,
vestuário inapropriado para o local, livores não compatíveis com a posição do cadáver, material estranho
ao local

3.7. Exame do corpo


1) Posição
2) Condições: arrefecimento, livores, rigidez cadavérica, grau de decomposição e estadio de putrefação
3) Deve proceder a um exame preliminar do corpo, avaliando os livores (cor, localização, mobilidade,
intensidade e sua consistência/inconsistência com a posição do corpo), a rigidez cadavérica (estado-
intensidade, localização, consistência/inconsistência com a posição do corpo), eventuais sinais de
desidratação e eventuais sinais de decomposição (descrevendo-os).
4) Os fenómenos cadavéricos são “sinais de certeza de morte”
5) Registar as evidências observadas e sua relação com o corpo, se necessário com medições, e fotografá-
las com ou sem escalas
6) Para evidências como sangue ou outros fluídos corporais, anotar o volume aproximado, padrões,
localização e outras características antes da sua remoção/colheita
7) No exame do corpo deve ser feito o exame sumário das diferentes regiões do corpo, da natureza e
descrição das lesões, exame do vestuário e nunca esquecer de registar a presença de eventuais sinais de
tratamento e manobras de reanimação
Este exame preliminar é importante porque até à chegada à sala de autópsias decorre um intervalo de
tempo mais ou menos longo. Podendo o corpo por ação dos fenómenos cadavéricos já estar diferente.

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3.8. Identificação do cadáver
É realizado através do conjunto de sinais que distinguem um indivíduo dos demais, seja durante a vida, seja
depois da morte, estando o cadáver inteiro ou conservando-se alguns fragmentos.

 Características identificativas:
1) Aspeto facial
2) Cor dos olhos e do cabelo
3) Pigmentação da pele
4) Tatuagens
5) Cicatrizes: forma, localização e idade
6) Deformações ou próteses
7) Estigmas ocupacionais
8) Estatura, sexo, idade e raça
9) ADN

 Em cadáveres frescos ou intactos:


1) Reconhecimento visual ou fotográfico
2) Tatuagens e cicatrizes
3) Sinais particulares

 Em corpos decompostos ou desfigurados:


1) Roupas ou pertences
2) Ficha dentária
3) Esqueleto (raios-X, prévios, antropometria)
4) Impressões digitais
5) ADN

 Se estiverem em causa restos cadavéricos:


A identificação é realizada pelos restos ósseos que nos permitem saber se pertencem a um humano, de
que sexo, de que estatura, de que raça, qual a causa da morte e estabelecer a data da mesma.

NUNCA ESQUECER QUE:


- As colheitas devem ser feitas com luvas deve trocar-se de luvas sempre que necessário
- A importância de manter a cadeia de custódia
- Envio urgente para o laboratório
- Os tubos devem ser fechados hermeticamente
- Deve-se etiquetar tudo devidamente (local da amostra, natureza da mesma, data, nome do perito e
identificação do indivíduo)
- Enviar documento detalhado (colheita e história)
- Deve colher material do próprio perito para tipagem

3.9. Elaborar uma hipótese sobre a causa e etimologia médico-legal


1. Morte natural
2. Morte violenta
a) Suicídio b) Homicídio c) Acidente
- Ausência de sinais de luta - Carta de despedida com letra - Ausência de lesões de defesa
- Ausência de lesões de defesa, diferente - Antecedentes irrelevantes
lesões traumáticas - Sinais de luta, lesões de defesa, - Informação
- Aquisição sinais de violência - Exame de vestuário e do local em
- Ausência - Entrada forçada conformidade
- Tipo de local (domicílio, celas, - Ausência de arma no local - Ausência de vestígios de outrem
locais de trabalho) - Desordem no vestuário *geralmente, o diagnóstico de acidente
é feito por exclusão das primeiras duas
hipóteses

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3.10. Enforcamento

Um primeiro ponto a considerar é que nunca se deve remover o meio de suspensão (este deve ser enviado para
o laboratório juntamente com o corpo).

Existem duas espécies de enforcamento:


1. Suspensão completa: o corpo totalmente no ar
2. Suspensão incompleta: existe um contacto mais ou menos amplo do corpo com algum ponto (esta é a mais
comum).

Livores cadavéricos em relação com a atitude do corpo: estes vão localizar-se nas extremidades do corpo
(gravidade).

3.11. Ferimentos por arma branca

Três aspetos a considerar:


1. Evitar pisar manchas de sangue
2. Atender às zonas de entrada e saída
3. Procurar a presença da arma

3.12. Toxicodependência

Quais os aspetos que indiciam a toxicodependência?


1. Antecedentes tóxicos conhecidos
2. Presença de seringa (a recolha da seringa deve ser efetuada sempre com luvas)
3. Sinais de injeção recente
4. Presença de droga
5. Local da ocorrência
6. Varizes esofágicas (causadas pelo abuso de álcool, fazem com que o sangue seja expelido pela boca).

Note-se que o que interessa recolher na seringa não é a agulha. Esta não serve para nada e traduz-se num risco
para se transportar (pode picar). Já a seringa em si pode ser muito importante para retirar informações relativas às
substâncias que estavam misturadas na droga, podendo indicar inclusive qual a sua origem (país/traficante)

3.13. Ferimentos por arma de fogo

Quatro notas a considerar:


1. Não tocar nas mãos do cadáver
2. Não deslocar a arma do local onde foi encontrada
3. Localizar cápsulas, buchas e projéteis
4. Preservar ao máximo o local ocorrência

3.14. Suspeita de intoxicação

Deve-se averiguar:
1. Procurar frascos de produtos tóxicos ou embalagens de medicamentos
2. Na presença de vómito não deixar retirar a roupa
3. Averiguar tentativas de intoxicação anteriores
4. Procurar notas de despedida

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3.15. Carboxihemaglobina

Esta análise é útil para saber se houve morte por inalação de monóxido de carbono. Contudo, não faz parte das
análises normais realizadas, pelo que só é pedido se existir informações sobre as circunstâncias da morte que
indiciem a sua relevância.

*NÃO ESQUECER:

Durante a investigação não se pode esquecer de registar quando, onde, por quem e em que circunstâncias a
vítima tinha sido vista viva pela última vez e procurar obter informação sobre eventuais incidentes prévios à morte e
sobre eventuais queixas/sintomas prévios à morte.

A análise das evidências documentais e testemunhais pode revelar-se de extrema importância na estratégia a
adotar no decorrer da autópsia – análise testemunhal, análise dos antecedentes da vítima, informação clínica
disponível e informação policial.

4. Exame Externo do Cadáver (importância, procedimentos e


elaboração do relatório)

Como vimos na autópsia médico-legal, procedemos ao exame do local, do vestuário, do hábito externo e interno
e a exames complementares.

A Lei nº45/2004 de 19 de agosto prevê no artigo 13º a realização de perícias urgentes e o artigo 17º o óbito
verificado fora de instituições de saúde.

a) Exame externo do cadáver:


1. Sinais relativos à identificação
2. Sinais relativos à data de morte
3. Sinais relativos à causa de morte
4. Sinais relativos ao meio em que permaneceu o cadáver

b) Exame do vestuário e objetos que acompanham o cadáver: vítima não identificada e danos/manchas.
1. Número de peças, estado de conservação.
2. Tamanho, cor, marcas, monogramas, compostura ou desalinho.
3. Arranjos, estragos (rasgões, arrancamentos, cortes, orifícios, queimaduras, falta de botões, etc) e a sua
correspondência com eventuais lesões na superfície cadavérica.

c) Exame externo:
1. Sinais relativos à identificação: idade aparente, sexo, altura, peso, estado de nutrição, cor e forma do
cabelo, cor da íris, estado e particularidades da dentadura, cicatrizes/tatuagens,
deformidades/malformações, estigmas profissionais, impressões digitais, vestuário/objetos de uso
pessoal, etc.
2. Sinais relativos à causa de morte:
2.1. Processos patológicos espontâneos – colorações anormais, edemas, ascite, varizes e úlceras
varicosas, escaras de decúbito, processos sépticos locais, desnutrição.
2.2. Lesões traumáticas – natureza da lesão, localização, número de lesões, distância a pontos fixos,
forma da lesão, dimensões, direção, características da lesão.
2.3. Cor dos livores.
2.4. Posição do cadáver.

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d) Colheitas: amostras de cabelos e pêlos.

e) Nunca esquecer: é necessário uma descrição rigorosa e precisa, atenção a todos os pormenores, é preferível
colher a mais do que perder um vestígio.

5. Fenómenos Cadavéricos
arrefecimento

desidratação
imediatos
rigidez

livores
Fenómenos
Cadavéricos
autólise
destrutito
putrefação
tardios
mumificação
conservadores
saponização

5.1. Fenómenos Cadavéricos Imediatos:


A. Arrefecimento
- Fenómeno mais útil para determinar o intervalo post-mortem nas primeiras 24h após a morte, resultando da
cessação da produção de calor. Inicia-se pela cara, mãos e pés, depois alastra para as extremidades, tórax e dorso;
finalmente, abdómen, axilas e pescoço.
- Há casos excecionais de hipertermia post-mortem (o corpo aquece em vez de arrefecer)
- Evolução:
o Planalto inicial (mantém a temperatura da morte)  30min-1h
Temp. desce
até = temp.
o 1.º período  0,5ºC/h  3h-4h
ambiente; lei o 2.º período  1ºC/h  6h-10h
de Newton o 3.º período  3-4ºC/h  até igualar temperatura ambiente
não se aplica

- Tato (deteção de arrefecimento pelo tato):


 Regiões descobertas estão frias após 2h
 Regiões cobertas, 4-5h
 Arrefecimento completo, 8-17h (10-12h + frequentes)
- Termómetro: o monograma de Hessenge permite fazer uma estimativa do intervalo post-mortem através da
temperatura ambiente e peso.
- Fatores de variação:
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 Causa da morte (é mais rápida nas doenças crónicas, hemorragias e grandes queimaduras; mais lento nas
doenças agudas e sufocação)
 Fatores individuais (peso, idade, vestuário)
 Fatores ambientais (temperatura, humidade e ventilação)
B. Rigidez cadavérica
- Mecanismo: coagulação do plasma muscular associado à desidratação, aumento do ácido láctico e
desaparecimento da ATP
- Evolução:
 Flacidez inicial
 Rigidez
 Flacidez secundária
- Evolução da rigidez propriamente dita:
 Início - 2-4h
 Completa - 6-12h
 Intensidade máxima - 13-24h
 Desaparece - 36h
Nota: início precoce  intensidade e duração baixas (crianças e velhos); início tardio  intensidade e duração
elevadas (adultos)

- Inicia-se na musculatura lisa (aparece 1.º nos pequenos músculos da face), mais tardia nos músculos esqueléticos
(6-8h depois da morte)  lei de Nysten: a rigidez começa na cara e depois espalha-se em direção às mãos e aos
pés.
- Fatores que influenciam - depende do grau de desenvolvimento muscular
 Calor ou frio acentuadas produzem rigidez rapidamente, embora no calor passe rapidamente, por ação da
putrefação
 Nas crianças e velhos é precoce, pouco acentuada e de curta duração; nos adultos é tardia, intensa e
prolongada; em caso de hemorragias crónicas ou atrofias musculares é tardia, pouco acentuada e de curta
duração.
- Espasmo cadavérico: contração muscular sem que tenha havido flacidez primária. Pode ser generalizado (raro)
ou localizado; ocorre habitualmente em morte violenta (ex: feridas por armas de fogo; asfixias mecânicas)
C. Desidratação cadavérica
- Traduz-se numa série de fenómenos observados no cadáver:
 Perda de peso (constante, mas só apreciável nos recém-nascidos e crianças de pouca idade)
 Apergaminhamento cutâneo (pode tornar lesões traumáticas mais visíveis): peles amareladas, secas e
duras, e áreas de pele fina (escroto)
 Desidratação das mucosas (lábios dos recém-nascidos e vulvas das crianças)
 Fenómenos a nível ocular: opacificação da córnea; mancha esclerótica de Sommer-Lancher; afundamento
do globo ocular.
D. Livores
- Manchas de coloração vermelho-arroxeado nas zonas de declive não sujeitas a pressão, resultantes da
acumulação do sangue não circulante  fenómeno puramente mecânico.
- Nem sempre são fáceis de ver –> ex: hemorragia interna ou externa (sangue não está nos vasos); indivíduo de
cor; queimaduras
- Cor: geralmente roxo-avermelhada ou vermelho-arroxeada; pode variar em função da causa da morte
(carminam se por intoxicação por CO; esverdeados se por ácido cianídrico)
- Intensidade: depende da fluidez do sangue e causa de morte
- Localização: depende da posição do cadáver  formam-se nas zonas de declive (não se formam nas zonas
cutâneas sujeitas a compressão)
- Evolução
 Livores móveis - até 6h (surgem 1.º no lóbulo da orelha)
 Livores semi-móveis - entre as 6 e as 12h
 Livores fixos - após 12h
Sinal de digitação: se pressionarmos um livor e este ficar branco, é móvel; se não se modificar, é fixo.
- Possível indicador da causa de morte, de eventual mudança de posição do cadáver e intervalo post-mortem
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- Livores paradoxais: surgem em regiões que não são de declive, acompanhadas frequentemente de petéquias
hemorrágicas; surgem nas mortes súbitas e asfixias  não concordantes com a posição do cadáver, mas não
devido à ação de terceiro.
- Hipostases viscerais: fenómeno dos livores nos órgãos.
- Estimativa do intervalo post-mortem através dos fenómenos imediatos:
 Tanto mais preciso, quanto menor o intervalo post-mortem  importante por motivos civis e em casos de
investigação criminal.
 Em cadáveres recentes
 Alterações nos músculos e tecidos
 Química do humor vítreo
 Alterações noutros fluídos
 Em cadáveres antigos
 Métodos químicos
 Entomologia cadavérica
 Métodos
 Nomograma de Henssege (temperatura rectal, temperatura ambiente e peso) – não permite
determinar hora exata. Não usar se corpo sujeito a forte radiação; grandes alterações de
temperatura ou clima; suspeita de febre elevada ou hipotermia; local de levantamento diferente
do local da morte;
 Esquema de Knight: em condições ideais.
» Corpo quente e flácido: morte há menos de 3h
» Corpo quente e rígido: morte entre 3 e 8h
» Corpo frio e rígido: morte entre 8 e 36h
» Corpo frio e flácido: morte há mais de 36h

5.2. Fenómenos Cadavéricos Tardios:


A. Destrutivos
1. Autólise:
Conjunto de fenómenos fermentativos que têm lugar no interior da célula por ação das próprias enzimas; ao fim
de algum tempo as enzimas destroem-se a si próprias e este fenómeno é substituído pela putrefação. Verifica-se
em todas as células do organismo; mas não evolui à mesma velocidade em todas elas.
o Alterações nos fluídos (sangue e bílis)
o Alterações nos órgãos (mais resistentes  estômago e esófago; mais sensíveis  cérebro e pâncreas)
2. Putrefação:
Processo de fermentação pútrida de origem bacteriana, consequência da atividade bacteriana e enzimática.
Evolução: intensidade geralmente proporcional à precocidade)
 Período cromático:
» Início 24h após a morte; duração  vários dias
» Mancha verde: primeira manifestação da putrefação, produzida pela ação do ácido sulfúrico, início na
fossa ilíaca direita (afogados  pescoço; fetos  face e tórax; em zonas cutâneas perto de lesões internas
ou em redor de lesões gangrenosas e neoplásicas). Nos cadáveres congelados pode adquirir cor
avermelhada.
 Período enfisematoso:
» Duração de vários dias até duas semanas
» Desenvolvimento de grandes quantidades de gases que invadem o tecido celular subcutâneo, inchando
e desfigurando o cadáver.
» Incha a cabeça; exoftalmia; projeção exterior da língua; distensão do tórax e abdómen; distensão dos
genitais masculinos; prolapso rectal e expulsão do feto em grávida; a rede venosa superficial torna-se
aparente.
 Período coliquativo:
» Duração de vários meses (geralmente 8 a 10)
» A epiderme separa-se da derme; formam-se bolhas cutâneas de dimensões variáveis com líquido
escuro; soltam-se as unhas e pêlos; gases escapam, diminuindo o volume do corpo.
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 Período esquelético:
» Duração de 2 a 3 anos, até um máximo de 5 anos
» As partes moles do cadáver desaparecem progressivamente através da liquidificação; o conjunto de
órgãos e vísceras vai-se destruindo progressivamente, mas com variações em função da resistência da
estrutura.
 Fatores que influenciam (quanto mais precoce, mais intenso)
o Individuais
» Constituição física (mais rápida nos obesos)
» Idade (mais rápida na criança e mais tardia nos idosos)
» Influências patológicas (causa de morte; processos patológicos prévios à morte)
o Ambientais:
» Humidade, frio, calor, arejamento e fauna
» Secura  mumificação; arejamento  mumificação; humidade  saponificação.
o Dificuldades das autópsias em caso de putrefação:
» Dificulta identificação
» Pode mascarar ferimentos e lesões
» Simula equimoses
» Produz alcalóides cadavéricos  impossibilidade de determinar taxa de alcoolemia.
» Hemorragia nasal, comida nas vias respiratórias, pode produzir falso sulco (asfixia)

B. Conservadores
a. Naturais b. Artificiais
 Mumificação: magreza + boa ventilação +  Embalsamento
temperatura ambiental elevada →Dissecação  Refrigeração.
rápida do cadáver, volume do cadáver
diminuída por perda de água
 Saponificação: obesidade + humidade + falta
de ventilação → formação de camada
gordurosa, untosa e viscosa à superfície
 Congelação

6. Tipos de Ferimentos – lesões por instrumentos contundentes e


cortantes

6.1. Agente externo


É toda a fonte de energia física ou química externa capaz de produzir no corpo humano lesões anatómicas
e/ou funcionais – lesões traumáticas.

6.2. Classificação dos agentes externos


1. Físicos
2. Químicos
3. Biológicos
4. Mecânicos

1. Físicos
a) Resultantes da ação do calor:
- fogo ou chama
- calor radiante
- objetos sólidos ao rubro ou em fusão
- gases – vapor/gases em ignição, etc.
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» Lesões traumáticas: queimaduras
b) Resultantes da ação do frio:
- localizada
- generalizada
» Lesões traumáticas: queimaduras
c) Resultantes da ação da eletricidade
- industrial (alta ou baixa voltagem)
- atmosférica
- estática
» Lesões traumáticas: queimadura ou marca elétrica na pele; queimaduras nos órgãos internos; fraturas e
luxações; roturas musculares e vasculares; etc.
d) Resultantes da ação de ondas eletromagnéticas
- raios X
- raios gama
» Lesões traumáticas: queimaduras; radiodermites, etc.
e) Resultantes da ação de substâncias radioativas e radiações nucleares
» Lesões traumáticas: queimaduras; radiodermites, etc.
2. Químicos
Resultam da ação de substâncias químicas que em contacto com a pele ou mucosas, reagem quimicamente
produzindo alterações desorganizativas e de destruição celular.

Por exemplo: substâncias cáusticas (ácidos, bases e gases bélicos) e corrosivas (sais metálicos)
» Lesões traumáticas: queimaduras químicas
3. Biológicos
Resultantes da ação de seres vivos:
a) Insetos
b) Medusas
c) Peixes
d) Batráquios
e) Plantas
» Lesões traumáticas: queimaduras
4. Mecânicos
 São aqueles em que há transformação em energia cinética de uma força mecânica aplicada ao corpo
humano. As lesões traumáticas localizam-se, de algum modo, em contiguidade com a área de ação do
agente.
 Estes exercem ação de natureza contundente, cortante, perfurante ou mista.
 Lesão ou ferimento: dano em qualquer parte do corpo devido à aplicação de uma força mecânica. Surge
quando a intensidade da força aplicada excede a capacidade dos tecidos de se adaptarem ou resistirem.
 Fatores de variação da força em jogo:
1. Massa do corpo atuante
2. Velocidade do impacto
3. Área de aplicação da força
4. Natureza dos órgãos alvo
5. Transferência de energia cinética
6. Modo de atuação das forças
 Anatomia forense da pele: a maior parte das lesões traumáticas atingem a superfície corporal e
consequentemente a pele, o órgão de revestimento do corpo humano (epiderme, derme e tecido celular
subcutâneo ou hipoderme)
Ação de Natureza Contundente:
Caracteriza-se pelo contacto de um objeto duro, de superfície plana ou romba, animado de uma força viva
mais ou menos considerável, com uma área da superfície corporal de extensão variável.
 Tipo de instrumentos contundentes:
a) Objetos ou utensílios: pedra, pau, martelo, pá, tijolo, coronha de arma, cassetete, bengala, etc.
b) Partes do corpo humano: cabeça, mãos, unhas, pés e dentes.

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c) Superfícies de embate: solo, paredes, peças de mobiliário, veículos automóveis, árvores,
paredes, superfícies aquáticas, etc.
 Estes instrumentos podem originar diferentes lesões corporais, de acordo com as características do
instrumento e com a violência do traumatismo.
a) Lesões traumáticas externas:
i) Contusão superficial – equimose/hematoma
É o resultado de uma ação contundente exercida perpendicular ou obliquamente sobre
a superfície corporal, com integridade a nível da epiderme, não criando ainda solução de
continuidade.
Nestas lesões, existe a rotura dos casos com extravasamento de sangue que infiltra os
tecidos – equimose; ou coleção de sangue em cavidade neoformada – hematoma. Se o
traumatismo ocorre à distância da região em que aparecem as lesões, não se deve falar
em equimose mas sim em infiltração sanguínea.
A sua coloração vai variando com o decorrer do tempo, desde a sua formação até ao seu
desaparecimento completo (7-15 dias): inicialmente é vermelho-violácea, torna-se
azulada, depois esverdeada e, por fim, amarelada antes de desaparecer. Efetivamente, a
evolução da cor de uma contusão superficial não nos fornece dados precisos sobre o seu
tempo de evolução, antes dá-nos uma noção da evolução e havendo múltiplas lesões
com colocações distintas podemos afirmar que as agressões sucederam durante vários
dias – isto é especialmente importante nas situações de maus tratos.
ii) Abrasão – esfoliação/escoriação
É o resultado de uma ação contundente exercida obliquamente, por deslizamento entre
duas superfícies, com solução de continuidade da epiderme.
iii) Ferida contusa
Ação contundente exercida perpendicular ou obliquamente sobre a superfície corporal,
de intensidade que determina solução de continuidade de todas as camadas da pele, de
bordos irregulares, escoriados e esmagados, com área equimiótica, de fundo irregular
com pontes de tecido.
I. Lesões modeladas
Lesões traumáticas, que podem ser escoriações, equimoses ou feridas contusas, cuja
morfologia e características permitem a identificação do instrumento que as produziu.
II. Estigmas ungueais
Lesões traumáticas, geralmente, escoriações, podendo estar associadas a equimoses,
resultantes da aplicação das unhas na pele.
III. Mordeduras
As lesões têm a forma de dois arcos interrompidos, opostos e rodeados de equimose.
Ocasionalmente podem desenhar certas particularidades da arcada dentária do autor
(ex: falhas) que, sendo observadas podem possibilitar a sua identificação.
b) Lesões traumáticas internas:
i) Contusão profunda
Produzida por um traumatismo de grande intensidade que dá origem a uma infiltração
hemorrágica em profundidade, no plano muscular e/ou visceral.
Pode associar-se ou não a escoriações ou contusões na superfície corporal. Logo, a
existência de lesões cutâneas obriga sempre a investigar a existência de lesões
profundas.
No plano muscular, a infiltração pode ocorrer por contusão direta, ou por infiltração
hemorrágica a partir de um foco de fratura vizinho.
A contusão visceral surge com mias frequência em órgãos maciços (cérebro, fígado,
baço, rins, etc.)
ii) Fratura óssea
Lesão contusa, resultado de um traumatismo violento que dá origem a uma solução de
continuidade do osso.

iii) Laceração/esfacelo de órgãos

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iv) Lesões traumáticas complexas
Lesões traumáticas em que se associam aspetos das diversas lesões traumáticas
referidas, resultantes da associação de mecanismos traumáticos de diferentes ações ou
de sobreposição do efeito dos mesmos.

As primeiras não têm grande interesse clínico, mas têm uma enorme importância em termos médico-legais,
devendo ser corretamente estudadas, descritas e interpretadas.

Dão-nos informações valiosas, muitas vezes indispensáveis para a resolução de casos judiciais tais como a
produção vital ou post mortem dos ferimentos, a direção e, por vezes, o sentido do traumatismo, a
ocorrência de luta, a forma de instrumentos que as produziu, etc.
 Diagnóstico diferencial:
a) Lesões traumáticas produzidas post-mortem:
- por mordeduras de insetos ou roedores
- no transporte do cadáver
- na autópsia
b) Lesões traumáticas produzidas à distância
c) Lesões de origem não traumática (por exemplo, petéquias)
 É essencial distinguir as características vitais ou post-mortem dos ferimentos, para reconhecer se
determinadas lesões observáveis no cadáver foram feitas em vida ou se resultaram, por exemplo, do
seu arraste para um lugar diferente daquele onde ocorreu a morte:
a) Características vitais:
i) Infiltração sanguínea dos tecidos
ii) Retração dos tecidos
iii) Formação de crosta
iv) Supuração
b) Lesões post-mortem:
i) Lesões cobertas por placas ressequidas, duras, amarelo-acastanhadas, sem infiltração
sanguínea dos tecidos (placas apergaminhadas)

Ação de natureza cortante


 Armas brancas: são instrumentos lesivos que, manejados manualmente, lesam a superfície corporal
por ação de um gume, uma ponta ou ambos. A legislação estipula que só é arma branca a partir de
mais ou menos 7 cm de comprimento.
 A ação de natureza cortante caracteriza-se pelo contacto linear, exercido pelo comprimento do
gume do objeto no corpo humano. Nesse contacto predomina o comprimento sobre a superfície e a
profundidade.
 Tipos de feridas produzidas:
a) Por instrumentos cortantes
São os que têm um ou mais gumes: lâminas, facas, arestas de vidro, de cerâmica, etc.
São providos de uma lâmina a qual, através de um mecanismo de pressão e/ou deslizamento,
produz uma ferida.
Ferida incisa – solução de continuidade da pele, fusiforme, de bordos retos e nítidos,
sem lesões macroscópicas, de extremidades angulosas (em ponta de V) e fundo da
ferida irregular. Análise da cauda de rato: extremos da ferida incisa, onde ela se torna
mais superficial – a cauda inicial, de ataque e cauda final ou de saída. Esta última é
geralmente mais comprida. A partir desta análise conseguimos saber qual a direção e o
sentido da agressão.
A morfologia das feridas incisas podem ser: lineares, em retalho, mutilantes, atípicas
(escoriações, em ziguezague, irregulares).
Note-se que, uma agressão com arma cortante é um incidente dinâmico e com movimentos
quer do agressor, quer da vítima, que raramente se encontra numa posição anatómica estática.

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Considerações médico-legais:
i) Sobre os instrumentos – dimensões, afunilamento da lâmina
ii) Sobre os movimentos do instrumento na ferida
iii) Sobre o modo como o instrumento foi utilizado – profundidade e direção
iv) Sobre a quantidade de força usada.

Ação de natureza perfurante


Caracteriza-se pelo contacto punctiforme ou circular do objeto com o corpo humano em que predomina a
profundidade sobre a superfície da pele.
Os instrumentos são aqueles em que o comprimento é muito superior: alfinetes, agulhas, etc.
Tem geralmente uma secção cilíndrica ou eleática, terminando em posta.

Ação de natureza mista


Caracteriza-se pela combinação de dois modos de ação, o que leva à produção de lesões traumáticas com
características de ambos os componentes.
a) Por instrumentos corto-perfurantes
Aqueles em que se combinam a ação cortante (de um ou dois gumes do instrumento) com a
perfurante (do maior comprimento do instrumento): punhal, faca, canivete, navalha, tesoura,
etc.
Feridas corto-perfurante:
Apresentam-se em regra, com uma componente na pele, que é uma ferida incisa, e com o
componente perfurante do trajeto nos tecidos e órgãos subjacentes, de bordos retos e nítidos, e
extremidades angulosas, sendo a profundidade deste trajeto maior que o comprimento e
largura da entrada na pele.

b) Por instrumentos corto-contundentes


Aqueles em que se combinam a ação cortante (de um ou dois gumes) com o efeito de uma
grande força viva, contundente, resultante do peso considerável do próprio instrumento (ou da
violência no seu manejo): machado, sabre, etc.
O efeito cortante é coadjuvado pelo peso da arma (efeito contundente), sendo por isso, mas
lesivo. Quanto maior for o peso da arma, maior será a ação contundente e, quanto mais afiada
for a lâmina, maior será a sua ação cortante.
Feridas corto-contundentes:
Apresentam-se, em regra, com uma componente na pele, que é um ferida incisa, e com o
componente contundente que nos é dado, por exemplo, por uma fratura óssea subjacente, ou
um esfacelo de uma víscera maciça.
Estas feridas diferem das feridas cortantes por: terem bordos mais irregulares e com orla de
contusão, atingirem planos mais profundos, não respeitando as estruturas mais duras como o
osso e não apresentarem causa. Da mesma forma, diferem das feridas contusas, porque não
têm pontes tecidulares a unir os bordos e atingem estruturas mais profundas.

6.3. Etiologia médico-legal


Não basta, na maioria dos casos, a observação e o estudo das feridas existentes, sendo necessário conjugar
as suas características com outras informações:
 Por exemplo, no exame do local, a existência de sinais de luta (móveis desarranjados, objetos
partidos, etc.), impressões digitais, manchas de sangue não pertencentes à vitima, pelos, pistas de
suicídio, etc.
 É de igual modo importante conhecer os antecedentes pessoais como psicoses, estados depressivos,
tentativas anteriores de suicídio, etc.

 O diagnóstico de acidente é difícil, muitas vezes de exclusão.

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 Quanto às características das feridas:

Suspeitas de suicídio aquelas que atingirem locais e Suspeitas de homicídio aquelas que se traduzem como
importância vital como a região pré-cordial, face lateral múltiplos e graves ferimentos em locais muito diversos,
do pescoço, punhos, flexuras dos cotovelos ou varizes sobretudo onde a vítima não poderia chegar facilmente
dos membros interiores e pouco compatíveis com gestos do próprio.
a) Estas feridas deverão ser compatíveis com o a) Lesões de defesa, que resultam da tentativa de
gesto da vítima: nos indivíduos destros, defesa da vítima (exemplo: feridas contusas ou
aparecerão predominantemente no lado incisas na palma da mão e/ou bordo cubital do
esquerdo e vice-versa. antebraço)
b) Habitualmente existem feridas de ensaio b) Feridas muitos extensas e profundas no
(pouco profundas e localizadas junto à ferida pescoço (sobretudo na face antero-lateral
principal) direta em destros) e contusões à volta da boca
c) O vestuário é habitualmente poupado, isto é, o e do nariz e no pescoço (por vezes estigmas
suicida lesa quase sempre zonas desnudadas. ungueais).
c) Vestuário habitualmente danificado.
Igualmente importante é a existência de
dedadas de sangue no vestuário ou no corpo da
vítima em locais que ela dificilmente pudesse
tocar.

 Identificação da arma
Em regra, apenas podemos determinar a natureza do instrumento, isto é, se é contundente, cortante,
perfurante, etc.
Outras vezes, havendo um instrumento suspeito, podemos pronunciar-nos sobre se ele poderia ou não ter
produzido as lesões apresentadas no cadáver.
Só num pequeno número de casos é possível determinar o instrumento específico.

 Ordem de produção dos ferimentos


Temos de partir de alguns pressupostos (a ausência de sinais vitais numa ferida, indica que ela foi produzida
após outras feridas com características vitais).
Quando todas as feridas foram produzidas pela mesma arma e se esta, no decurso da agressão sofreu um ou
mais mossas, tornando-se irregular, as feridas ocorridas posteriormente serão igualmente mais disformes, etc.

 Posição relativa agressor/vítima


Por vezes, é possível determinar a posição do agressor em relação à vítima, atendendo a alguns elementos
como o local e direção da ferida e as estaturas do agressor e da vítima.

 Violência das lesões


Podemos estimar a violência com que se produziu a lesão, avaliando o número, a profundidade dos
ferimentos e o grau de destruição tecidular.

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 Classificação dos instrumentos – etiologia médico-legal das causas da morte
Etiologia médico-legal acidental Etiologia médico-legal suicida Etiologia médico-legal homicida
Instrumentos de Instrumentos de Instrumentos de Instrumentos Instrumentos de Instrumentos
natureza natureza natureza de natureza natureza de natureza
contundente: cortante ou contundente cortante ou contundente cortante ou
perfurante: perfurante: perfurante:
Acidentes de Acidentes Queda de local Degolação, Objetos/utensílios Facas, punhais,
viação, quedas, domésticos e de elevado secção de vasos atuando sobre a atuando no
acidentes de trabalho (defenestrações, periféricos, cabeça pescoço ou
trabalho quedas de pontes, região pré- tórax.
etc.) cordial, etc.

 Lesões de defesa e lesões intencionais:

A. Lesões de defesa
Considerável significado médico-legal:
1. Indica que a vítima estava, pelo menos no início consciente;
2. Indica que a vítima estava, pelo menos inicialmente, não mobilizada ou capaz de usar os membros
para se proteger das lesões, verificando-se estas nos antebraços, mãos e menos frequentemente,
nas pernas;
3. Indica que a vítima foi apanhada completamente de surpresa

As feridas de defesa – características:


1. Resultam mais frequentemente de murros, pontapés ou agressões com objetos contundentes ou
cortantes
2. Classicamente localizadas nos antebraços e mãos, que são instintivamente levantados para proteger
os olhos, a face e cabeça;
3. Podem ser infligidas nas coxas, quando dirigidas aos genitais.

Tipos de feridas de defesa:


1. Equimoses – face anterior e bordo cubital dos antebraços, pulsos, face dorsal das mãos e
articulações
2. Escoriações
3. Fraturas – ossos do carpo, metacárpicos e dedos
4. Feridas incisas – flexuras das falanges, no primeiro espaço interdigital.

Feridas de defesa com instrumentos cortantes: Feridas de defesa com instrumentos contundentes:
a) Feridas de defesa ativas – ocorrem quando a A localização é idêntica às produzidas por instrumento
vítima agarra a faca com a mão, as lesões cortante.
localizam-se na face palmar da mão Lesões infligidas nas coxas resultam provavelmente de
b) Feridas de defesa passivas – desferidas quanto tentativas de atingir, com pontapés, os genitais ou a
a vítima levanta as mãos ou antebraços para metade inferior do corpo.
proteger a região corporal atacada As lesões mais frequentes são as equimoses e
Presente em 30 a 50% das vítimas. escoriações na face dorsal das mãos, pulsos e
Mais de 2/3 das lesões de defesa são localizadas no antebraços.
braço ou mão esquerdas. As lacerações podem ocorrer em zonas de pele que
assentam sobre superfícies ósseas.
As vítimas raramente apresentam fraturas de ossos da
mão. Um local clássico de fratura é a do cubital.

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B. Lesões intencionais (em especial as lesões auto-infligidas):

As lesões intencionais podem ser: auto-infligidas, abuso de direitos humanos, abuso sexual, agressão e
lesões médicas. Vamos dar especial atenção às lesões auto-infligidas.
Estas são frequentemente não fatais e têm como características a ideia de autodestruição, ideia de
alterações mentais, a perspetiva de lucro (ao simular agressão).
Desta forma, é importante diferenciar umas das outras, perceber quais as que resultam do intuito de
autodestruição, que resultam de perturbações mentais e as que resultam de simulação com vista à obtenção de um
ganho. Devem ainda ser diferenciadas das lesões de natureza acidental ou de etiologia homicida. Estas distinções
podem ser muito difíceis e, até mesmo, impossíveis.

O diagnóstico baseia-se em:


1. Característica da lesão (contusões, feridas, etc)
2. Localização da lesão
3. Acessibilidade da zona onde se situa a lesão
4. Fisiopatologia e mecanismo lesivo
5. Análise dos indícios.

Podemos ter:
1. Simulação de ofensa criminal
a) Alegada falsa violação
b) Simular um assalto ou agressão por outros motivos
2. Auto-mutilação com vista a fraudes de seguros
3. Auto-mutilação ou simulação de doença em doentes do foro psiquiátrico
4. Atitudes suicidas

Atendendo às lesões auto-infligidas sem fins suicidas:


1. Indivíduos com patologia psiquiátrica que mutilam o próprio corpo
2. Indivíduos com objetivo de obtenção de lucro
3. Indivíduos que pretendem simular agressão (incriminar alguém ou para chamar a atenção sobre si
próprio)
4. Síndrome de Munchausen – simulações repetidas de doença ou de pequenas lesões auto-infligidas com
o objetivo de dar entrada no hospital e ter tratamento médico e atenção.
5. Síndrome de Munchausen por procuração – um progenitor reiteradamente provoca lesões na criança
ocasionalmente fatais, para obter a atenção dos médicos e facilidades médicas.

 Suspeitar sempre que estejam em causa:


1. Lesões (cortes) superficiais (raramente provocando perigo para a vida, a não se infetem)
2. Lesões (cortes) que não atingem áreas sensíveis (como a face, por exemplo)
3. Lesões (cortes) regulares (profundidade igual na origem e no final).
4. Lesões (cortes) habitualmente múltiplas e frequentemente paralelas
5. Evitam zonas vitais ou sensíveis como os olhos, os lábios, nariz e orelhas, sendo frequentes na face,
região frontal e temporal, regiões laterais do pescoço, tórax, ombros, braços e dorso das mãos e coxas.
6. Inconsistentes com ataques praticados por terceiros (não é suposto a vítima manter-se estática de modo
a permitir cortes uniformes e delicados)
7. Maioria das lesões localizadas à esquerda (face e mão) em destros
8. Soluções de continuidade corporais não estão em consonância com as do vestuário (quando feitas em
áreas cobertas por este).

 Achados típicos em casos de simulação de ofensa corporal:


1. Lesões produzidas por instrumentos cortantes, pontiagudos ou unhas
2. Multiplicidade de lesões
3. Forma semelhante (cortes não penetrantes e escoriações uniformes, lineares ou ligeiramente
curvilíneos)
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4. Agrupadas e/ou paralelas ou cruzadas
5. Simetria ou preferência pelo lado não dominante
6. Localizadas em zonas corporais acessíveis
7. Ausência de soluções de continuidade na roupa ou danos inconsistentes
8. Ausência de lesões de defesa
9. Por vezes presença de cicatrizes devidas a comportamentos auto-infligidos prévios

 Características das efetuadas com propósito de fraude de seguros:


1. Danos resultam normalmente em mutilações com perda substancial de um segmento periférico
2. Mutilações frequentes dos dedos ou mão
» Nos casos típicos o polegar ou indicador é amputado proximalmente em ângulo reto em relação ao seu
eixo. Contrariamente às situações não intencionais em que é normalmente acompanhado de lesões nos
dedos adjacentes; nos acidentes a amputação é habitualmente distal e parcial, obliquamente em relação ao
eixo do dedo.
3. Circunstâncias que apontam para tentativa de fraude:
a) Seguro anormalmente elevado e feito pouco tempo antes
b) Múltiplos contratos de seguro de acidentes prévios
c) Ausência de testemunhas
d) Desaparecimento imediato da parte amputada e remoção de vestígios biológicos do local

7. Lesões por Armas de Fogo

7.1. Classificação das armas de fogo


A) De acordo com o tipo de cano
Cano Curto Cano Longo
B) De acordo com o tipo de carga
Projéteis únicos (nas de cano curto) Projéteis múltiplos (nas de cano longo)
C) De acordo com a sua constituição
Típicas Atípicas
(armas de fogo) (armas feitas manualmente com engenhos diversos)
D) De acordo com o mecanismo de disparo
Disparo único Semi-automática Automática

7.2. Componentes de uma arma

7.3. Tipos de cano:


1. Almalisa sem estrias 2. Estriados
Quando a munição é disparada, os gases passam pela munição através dos tubos, o que impreime na bala um
movimento rotatório, o quer faz com que corte o ar com maior precisão.
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7.4. Aspetos gerais sobre as munições
Quanto às munições temos de saber distinguir entre bala e projétil.

A configuração da ponta da bala é variável: ogival, cone truncado, ponta oca, etc., bem como a configuração
do corpo do estojo (que pode ser cilíndrico, cónico ou em forma de garrafa) e a configuração da base do estojo (que
pode ser cinturado, com semi-aro, sem aro, com aro ou rebatido)

De notar que, os projéteis com ponta oca e ponta branda produzem ferimentos muito graves.

7.5. Elementos que integram o disparo

a) Gases explosivos:
- Ação violenta quando em grande volume
- Produzem lesões por interposição do corpo no cone de expansão
- Ação em disparos de contacto firme ou em cavidade (boca, por exemplo).
b) Chama:
- Alcance reduzido, igual ou inferior ao cumprimento do cano
- Pode causar danos nos tecidos, sobretudo sintéticos e até incendiá-los
c) Grãos de pólvora:
- Abandonam o cano pelo orifício de saída
- Efeitos traumáticos apensas em distâncias curtas
- Podem atuar em massa ou como grãos individuais
- Distribuição de acordo com ângulo de disparo
d) Negro fumo:
- Depósito produzido pelo fumo
- Coloração negra nas pólvoras antigas
- Coloração cinzento- esverdeadas pólvoras piroxiladas
e) Bucha:
- Ação em disparos de curta distância
- Ação menos relevante nas armas modernas
- Ação como projétil ou corpo em ignição
f) Projétil:
As lesões produzidas por um projétil de arma de fogo
depende essencialmente da conjugação:
1. Interação mecânica entre os tecidos e o(s) projét(il/eis)
2. Efeitos da cavidade temporária

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Com a entrada de projéteis de alta intensidade, no momento a seguir à formação da cavidade temporária
pode produzir mais danos do que o próprio projétil.

7.6. Feridas por armas de cano curto


 Temos de interpretar os danos no corpo humano. Um orifício de entrada por armas de fogo de cano curto
forma uma orla de contusão, à volta desta forma-se uma “tatuagem”, que pode ser delével (falsa) pelo
negro fumo ou indelével (verdadeira) por corresponder à queimadura e/ou à incrustação de graus de
pólvora.

 Todo o material que sai do cano introduz-se sob a pele, num disparo por contacto firme.

 À medida que se for afastando o disparo da pele, menos marcas existirão nela. A característica para se poder
dizer que é um orifício de entrada é a contusão.

 Feridas atípicas:
a) Simples contusões
b) Erosões ou sulcos: lesão tangencial
c) Feridas em fundo de saco: feridas pouco profundas, podendo o projétil encontrar-se no fundo da mesma ou
não

 Nas feridas provocadas por armas de cano curto verifica-se o seguinte:


I. Orifício de entrada
a) Geralmente único (podendo haver exceções)
b) Geralmente arredondado ou oval (pode ser estrelado se o cano estiver encostado à pele; pode ser
linear se tiver sido disparado a longa distância)
c) Tem dimensões inferiores ao tamanho da bala, mas depende sempre da distancia e da força com
que abala atinge a pele (é maior nos disparos de curta distância), isto porque, a pele é elástica e
contrai após a entrada
d) A tatuagem não existe nos disparos de longa distância, ou com cano encostado ao corpo – nestes
dois casos, apenas temos orifício de entrada e orla de contusão. Numa tatuagem ovalar é possível
avaliar a direção do disparo.
e) Orla de contusão – é o elemento característico do orifício de entrada. Existe sempre, é geralmente
circular ou em meia-lua e é estreita, enegrecida e apergaminhada no cadáver.
II. Trajeto – à medida que vai entrando, a bala produz lesões cada vez mais graves
a) Retilíneo se seguir a direção do disparo ou com desvios por colisão com os ossos
b) Trajeto único ou múltiplo (quando a bala se fragmenta)
III. Orifício de saída
a) Nem sempre existe e tem forma e tamanho muito variáveis, podendo até ser múltiplo se a bala se
fragmentar ou houver colisão com osso; pode até ser maior que o de entrada
b) Geralmente não tem orla de contusão (apenas terá se a bala bater em qualquer coisa dura à saída)
c) Bordos revertidos com exteriorização de tecido adiposo

7.7. Feridas por armas de cano longo


 As feridas são manifestamente maiores.

 No que respeita ao orifício de entrada este vai estar em proporção à distância.

 Na autópsia deve ter-se em conta sempre o exame do local e os exames complementares.

 Nas feridas provocadas por armas de cano longo verifica-se o seguinte:


I. Orifício de entrada:
a) Se o tiro for dado a curta distância (<1 metro), os chumbos não dispersam e atuam como projétil
único – nestes casos a orla de entrada é de grandes dimensões e irregular, com destruição
acentuada dos tecidos subjacentes

31
b) Geralmente é múltiplo quando a distância é superior a 1 metro

7.8. Discussão da distância do disparo (note-se que estas distinções são teóricas e podem variar):
I. Contacto direto (cano encostado): os gases entrem na pele e provocam o seu rebentamento (forma
estrelada). Tudo o que sai da arma vai para dentro do corpo, logo não há tatuagem. Pode deixar
marca da arma. Pelo que verificamos assim: orifício de entrada + orla de contusão
II. Curta distância (=disparo do alcance dos elementos da tatuagem)
1) Disparo à queima-roupa: o corpo está ao alcance da chama (5 centímetros), havendo
queimadura da pele. Logo, verificamos: orifício de entrada + orla de contusão + queimadura
2) Disparo a curta distância próxima: orifício arredondado ou ovalar, com bordos invertidos, com
negro fumo. Logo, verificamos: orifício de entrada arredondado ou ovalar com bordos invertidos
+ orla de contusão + negro fumo
3) Disparo a curta distância remota: presença de grãos de pólvora (tatuagem verdadeira). Logo,
verificamos: orifício de entrada + orla de contusão + grãos de pólvora
III. Longa distância: só tem orla de contusão, não há tatuagens. Um tiro a média distância pode
aparentar a média, o negro fumo pode ficar no vestuário (daí que seja importante analisar a roupa).
Logo, verificamos: orifício de entrada + orla de contusão

As características dos orifícios de entrada dependem assim da natureza da arma, do angulo de incidência
do disparo, da distância do disparo e da superfície vulturante do projétil

7.9. Abordagem pelos profissionais de saúde


1. Manipular o menos possível a área corporal/roupa (desde que não prejudique o socorro)
2. Após diagnóstico de morte, não realizar mais tratamentos sobre os ferimentos
3. Proteger as mãos do cadáver com sacos de papel
4. Evitar corte no vestuário coincidentes com orifícios dos projéteis
5. Preservação da roupa (não deixar abandonadas no local)
6. Identificar o número de lesões
7. Registo de todos os procedimentos médico/cirúrgicos
8. Entregar à autoridade competente os projéteis e corpos estranhos retirados da vítima durante a cirurgia

7.10. Exame do Local

a) Sinais de desalinho
b) Arma (verificar se está ou não presente, o tipo de arma, os dispositivos para acionar o gatilho e a sua
localização)
c) Cadáver (posição, sinais de defesa ou lesões autoinfligidas, número de orifícios e a sua correspondência com
o vestuário)
d) Antecedentes pessoais
e) Preservar a arma, o cartucho, os projéteis em invólucro
f) Proteger as mãos
g) Preservar a roupa
h) Outros vestígios que possam estar relacionados com o caso

7.11. Exame do Vestuário e do Hábito Externo

a) Vestuário e outros elementos que acompanham o cadáver


b) Colheita de resíduos de disparo
c) Inspeção minuciosa da superfície corporal

7.12. Exame Radiográfico Pré-Autópsia

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7.13. Exames complementares
a) Genética e Biologia Forense
b) Toxicologia Forense
c) Histopatologia Forense
d) Análise dos resíduos de disparo (mãos, pele e roupa)

7.14. GSR ICP-MS (análise elementar de resíduos de arma de fogo)


a) Remover sacos de papel
b) Abrir porta-amostras
c) Remover película plástica com pinça de plástico
d) Colher face dorsal e palmar (+área interdigital 1º e 2º)
e) Acondicionar corretamente

7.15. GSR SEM-EDX (análise de resíduos de arma de fogo por raio-x)


a) Dissecar retalho cutâneo com lesão centrada e 2 a 4 cm de lado
b) Colher amostra de controlo
c) Colocar retalhos em caixas de Petri
d) Deixar secar
e) Acondicionar as amostras (eventual congelamento)

7.16. Alguns Problemas Médico-Legais


a) Ferimentos ante e post mortem
b) Reconstituição do evento
c) Determinação do instrumento usado
d) Etiologia médico-legal

7.17. Etiologia Médico-Legal


a) Informação circunstancial:
- Sinais de desalinho no local
- Análise dos vestígios de sangue
- Vestígios de pés e mãos de terceiros
- Ausência de arma
- Suicídio diante do espelho
- Porta trancada por dentro
- Notas suicidas, antecedentes sociais, patológicos, económicos e familiares
b) Natureza do disparo:
- Tipo de arma (arma de ocasião, improvisadas ou com dispositivos extravagantes e complicados indicam
suicídio)
- Disparos sem projétil
c) Sinais no cadáver:
- Sinais de luta
- Estado da indumentária
- Localização dos ferimentos
- Número de feridas
- Direção do disparo
- Distância do disparo
- Resíduos de disparo na mão do suicida
- Lesões de ensaio

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8. Queimaduras
8.1. Conceito
Lesões resultantes da ação de agentes que ao atuar sobre os tecidos originam reações locais ou generalizadas
cuja gravidade está em relação com a sua extensão e profundidade.

8.2. Graus das queimaduras:


Queimaduras de 1º Grau - Limitadas à camada superficial
- Eritema e edema (inflamação cutânea)
- Bolhas (flictenas) por descolamento da epiderme (raras)
Queimaduras de 2º Grau - Destruição da espessura total da epiderme e parte da derme
- Formação de flictenas
- Tendem a respeitar os anexos cutâneos (pelos)
Queimaduras de 3º Grau - Necrose da pele com formação de escara
- Destruição dos tecidos cutâneos
- Ausência de flictenas
- Aspeto apergaminhado, esbranquiçado, amarelado e acastanhado
Queimaduras de 4º Grau - Destruição dos tecidos profundos incluindo gordura, músculo e osso
– aqui temos cadáver.

8.3. Agentes

Agentes Biológicos a) Plantas


b) Animais

Agentes Químicos a) Ácidos: ácido sulfúrico ou ácido clorídrico


» formam escaras brancas que passam a negras e duras (o aspeto varia
conforme o ácido)
b) Bases: soda cáustica ou hidróxido de potássio
» formam zonas translúcidas e húmidas
c) Sais: cloreto de zinco
» formam escaras brancas e secas
Podem exercer os seus efeitos
1. Sob a forma de intoxicações por via digestiva ou por inalação de gases e vapores irritantes
2. Lesões propriamente ditas por contacto com a superfície cutânea, olhos e face
O agente cáustico atua de forma igual em todos os locais em que contacta.
As lesões são uniformes em toda a sua extensão.
Forma irregular tratando-se de líquidos porque são muitas vezes projetados.
Uma ferida com base é muito pior do que uma ferida com ácido, porque as bases solidificam e corroem.

Agentes Físicos a) Resultantes da Ação de Calor


1. Gases 2. Líquidos 3. Sólidos
1. Gases
 Chama ou fogo
1) Queimaduras largas e extensas
2) Superfície irregular e contornos mal definidos
3) Direção de baixo para cima
4) Carbonização de pêlos
5) Poupam pele protegida por vestuário
6) Eventuais flictenas
 Gases em ignição
1) Queimaduras extensas e, normalmente, pouco profundas

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2) Limites pouco definidos
3) Podem produzir carbonização dos fâneros
4) Lesões internas na árvore respiratória
 Vapor a elevadas temperaturas
1) Em geral, queimaduras de grau não elevado
2) Extensão pode ser grande
3) Produção de flictenas
4) Afeta áreas cobertas
2. Líquidos quentes
1) Água ou outros fluídos quentes (óleo, borracha derretida, por exemplo)
2) Comum em acidentes domésticos, especialmente com crianças e
pessoas idosas
3) Normalmente, associada a queimadura de 1º e 2º graus
4) Em contactos breves, a temperatura muito alta gera lesões graves
5) Normalmente, sem carbonização ou destacamento dos pêlos (ao
contrário do que ocorre com o calor seco)
6) A roupa pode ter dois efeitos: se for impermeável ajuda a proteger a
pele; se for absorvente, mantém o líquido quente em contacto com a
pele e as lesões são mais graves
7) Lesões mais graves no local do contacto inicial
8) Arrefece à medida que se dispersa
9) Acidentes em crianças – comum na face, pescoço, tórax e braços
3. Objetos sólidos ao rubro ou em fusão
b) Resultantes da Ação do Frio
Pode ser localizada ou generalizada. As lesões traumáticas são
queimaduras.

c) Resultante da Ação da Eletricidade


Pode ser industrial, atmosférica ou estática. As lesões traumáticas são as
queimaduras ou marcas elétricas na pele, queimaduras nos órgãos internos,
fraturas ou luxações, roturas musculares e vasculares, etc.

d) Resultante da Ação de Radiações


 Ação de substâncias eletromagnéticas: raios x, raios gama.
 Ação de substâncias radioativas e radiações nucleares
Provocam queimaduras, radiotermites, etc.

8.4. Consequências das queimaduras – morte num contexto de incêndio

1. Rápida
a) Imediata
- queimaduras
- intoxicação
- espasmos da glote
- choque neurogénico
b) Tardia
- duração de horas ou dias
- alteração do estado de consciência
- convulsões
- hipotermia
- choque
2. Diferida
- complicações como pneumonia e sépsis

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8.5. Autópsia

1. Identificação do cadáver
2. Diagnóstico e descrição das queimaduras
a) Espuma rosa na boca e narinas por edema pulmonar (irritação das vias aéreas e pulmões)
b) Língua entre arcadas dentárias (sinais de desidratação)
c) Áreas queimadas com extensão e profundidade variáveis até à cremação total
d) Tecido gordo = combustível
e) Formação de massas pretas friáveis
f) Fusão com músculos secos subjacentes
g) Tecidos (+músculos(») pálidos, acastanhados e parcialmente cozidos
3. Diagnóstico diferencial entre queimaduras ante e post mortem
a) As queimaduras antemortem apresentam bolhas com um halo vermelho (5-20 milímetros de
extensão)
b) Na maioria das bolhas antemortem, após rebentarem, observa-se uma base vermelha brilhante
c) Contraturas musculares por calor intenso (surgem post mortem, são efeitos profundos do calor
incompatíveis com a vida, ocorre pelo encurtamento muscular causado pela desidratação e
desnaturação das proteínas; ocorre mais nos flexores)
d) Se a pessoa estava viva então (ante-mortem):
 Produtos de combustão atingem as vias aéreas inferiores e/ou a via digestiva
 Queimaduras na base da língua, epiglote, faringe e brônquios
 Carboxihemoglobina inferior a 10% (análise de sangue cardíaco ou femoral)
 Inalação da fuligem
*É um mecanismo comum de morte, sobretudo, nos fogos que ocorrem dentro de habitações,
pela combustão de chãos de madeira, telhados, mobílias e carpetes que produzem fumo preto,
as partículas entram pela boca e saem pelas vias aéreas inferiores.
Após a morte, a fuligem não ultrapassa as cordas vocais ou atinge o esófago distal.
Na autópsia, observa-se a coloração vermelho carminado da pele, sangue e tecidos (a cor do
sangue é características, mas pode ser difícil de observar em caso de anemia ou exsanguinação).
Se a saturação de carboxihemoglobina for superior a 40% terá levado à morte. Para as pessoas
idosas ou debilitadas menos de 25% pode ser mortal.
A ausência de carboxihemoglina não significa que o indivíduo estava morto antes do incêndio. O
marcador de inalação ante mortem é o monóxido de carbono no sangue (>10% é indicativo de
vitalidade). Embora, valores inferiores não signifiquem a morte prévia ao incêndio (por exemplo,
nos incêndios ao ar livre).
4. Reconhecimento e interpretação dos artefactos (=elaborado manualmente)
a) Ruturas que resultam da contração da pele
b) Atividade criminosa?
c) Podem ser causadas pela manipulação do cadáver
d) Superfícies dos extensores, nas articulações e na cabeça
e) Ausência de hemorragias nos tecidos mais profundos

Análise dos artefactos


 Hematoma:
A aplicação de calor no crânio leva à formação de coleção de sangue que se pode confundir com
hematoma subdural.
 Fraturas cranianas:
Podemos ter dois mecanismos:
1. Rápido ↑P intracaniana com fratura óssea e deslocamento de fragmentos ósseos para fora
2. Rápida exsicação do osso por contração da tábua externa, fratura com forma estrelada, sem
deslocamento dos fragmentos.
As fraturas vitais aparecem deprimidas e com lesão da massa encefálica.
 Fratura espontânea da abóbada
 Hematoma na calote devido ao calor

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 Posição de pugilista por contração das fibras musculares

5. Etiologia médico-legal

9. Asfixias Mecânicas

9.1. Asfixis – conceito


Consiste na “falta de ar”/falta de oxigénio. Etimologicamente significa ausência de pulso. Mas podemos ter
uma hipoxia, que consiste na falta de sangue suficiente para transportar o oxigénio através da hemoglobina.

9.2. Sinais gerais de asfixia:


1. Petéquias – resulta quando os vasos sanguíneos rebentam e o sangue extravasa
2. Congestão e edema – os vasos sanguíneos dilatam e os órgãos ficam mais dilatados
3. Engorgitamento do coração direito
4. Fluidez sanguínea – o sangue fica mais escuro e simultaneamente fica muito mais fluido
5. Cianose – a hemoglobina passa a ficar ligada ao dióxido de carbono

 A valoração destes cinco sinais é, atualmente, muito relativo. “The Obsolete Quintet”: antes achava-se que
perante este quadro estávamos sempre perante uma asfixia. Atualmente sabemos que estes sinais não são
exclusivos desta causa de morte.

9.3. Quais os mecanismos de morte?


1. Obstrução das vias aéreas
2. Oclusão das veias do pescoço
3. Compressão das artérias carótidas
4. Compressão nervosa
5. Restrição dos movimentos respiratórios
6. Etc.

Quando há compressão os vasos sanguíneos ficam mais frágeis e consequentemente obstruídos, o que leva a que o
cérebro deixe de receber oxigénio.

9.4. Classificação
1. Compressão externa do pescoço:
a) Enforcamento
 Conceito: suspensão do corpo a partir de um ponto fixo que constringe o pescoço com ação dependente
do peso do corpo.
 A suspensão pode ser completa ou incompleta. Não é preciso haver compressão completa para haver
asfixia.
 O enforcamento pode ser típico ou atípico.
 O laço depois de retirado evidencia um sulco, que pode ser único, duplo ou múltiplo. No enforcamento
há só um sulco, enquanto no estrangulamento, a corda tem de se sobrepor em pelo menos uma parte. Em
caso de homicídio, normalmente temos duplo sulco (são casos raros). De todo o modo, pode haver
deslocamento da corda que dá origem a vários sulcos. A esganadura deixa marcas dispersas, que podem
confundir o técnico pois podemos ter um enforcamento por laço complexo.
 O sulco pode ainda ser duro ou mole, ascendente, descendente ou horizontalizado:
- É duro quando o laço é feito com uma corda de nylon ou arame, deixando uma textura impressa na pele.
E mole quando o laço é feito com um lençol ou peça de vestuário (aqui o sulco é mais difícil de visualizar).
Pode ainda ser misto, feito com corda e peça de vestuário.

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- O nó mais frequente é o ascendente (nó no mento, nó na nuca ou nó lateral). O descendente ocorre na
suspensão incompleta, em que a cabeça está num plano inferior ao corpo (é mais raro). E o
horizontalizado ocorre também na suspensão incompleta mas em decúbito dorsal ou ventral (também é
raro).
 Falsos sulcos:
a) Naturais: pele intacta, pouco profundos e moles, resultam da flexão da cabeça sobre o tronco e
desfazem-se com a extensão da cabeça. São mais frequentes em pessoas obesas e em recém-
nascidos.
b) Artificiais: pele intacta, pouco profundos e moles e reproduzem, habitualmente, a configuração do
objeto que os produziu (por exemplo, se o indivíduo usa gravata ou pela marca do colarinho)
c) Patológicos: devidas a lesões cutâneas (dermatoses); a ausência da epiderme pode levar a
apergaminhamento da superfície do cadáver
d) Putrefativos: produzidos pela distensão dos tecidos pelos gases, acima e abaixo do objeto situado em
torno do pescoço (colarinho, gravata, lenço)
 Exame do Hábito Externo:
a) Livores em “luvas” e “meias” (nas mãos e nos pés – extremidades do corpo)
b) Palidez facial
c) Máscara equimiótica/congestão crânio-facial (*depende da irrigação vascular)
d) Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas
e) Protusão da língua entre as arcadas dentárias
f) Sulco (normalmente, acima da cartilagem tiroideia)
g) Escoriações no dorso das mãos ou membros inferiores
h) Saída de esperma pelo meato urinário
i) Análise da marca no pescoço:
- Verificação de um sulco único, profundo e duro
-A zona mais larga corresponde ao nó
- Medição da profundidade do sulco e da largura
 Exame do Hábito Interno – dissecação do pescoço por planos
a) Infiltração sanguínea das partes moles
b) Linha argêntea
c) Lesões na íntima dos vasos por tração longitudinal
d) Equimose retrofaríngea
e) Fraturas do aparelho laríngeo
- normalmente, no grande corno da cartilagem tiróide e do osso hióide
- pontos de maior fragilidade
- observar presença de infiltração sanguínea nos bordos da fratura
f) Espuma na laringe e na traqueia
g) Raramente, surgem lesões raquidianas com rutura de ligamentos, fraturas ou fratura-luxação
h) Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas
i) Congestão generalizada dos órgãos
j) Sangue fluido e escuro
b) Estrangulamento por laço
 Conceito: constrição violenta do pescoço, por meio de laço, devia a ação independente do peso do corpo.
Pode eventualmente haver suspensão da vítima se houver uma desproporção física enorme entre a vítima
e o agressor (por exemplo: a vítima é uma criança e o agressor um adulto corpulento). Implica, pois, em
regra, a interferência de um terceiro. Em suicídio é preciso que haja algo que mantenha a pressão depois
de perder a consciência.
 Exame do Hábito Externo:
a) Congestão crânio-facial
b) Palidez da face
c) Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas
d) Máscara equimótica
e) Sulco: normalmente completo; horizontal e uniformemente marcado; mas pode ser ascendente ou
descendente; sulco mole; normalmente, inferior à cartilagem laríngea.

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 Exame do Hábito Interno:
a) Infiltração sanguínea do pescoço
b) Fraturas do aparelho laríngeo (do osso hióide e/ou mais comum da cartilagem tiroideia)
c) Sinais gerais de asfixia
d) Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas
c) Esganadura
 Conceito: constrição do pescoço por meio das mãos. Normalmente há desproporção física entre agressor
e vítima ou algum tipo de vulnerabilidade desta: crianças, mulheres, idosos, pessoas acamadas, homens
alcoolizados. Pelo que aqui estamos sempre perante situações de homicídio.
 Exame do Hábito Externo:
a) Congestão crânio-facial
b) Palidez da face
c) Máscara aquimótica
d) Ausência de sulco
e) Estigmas ungueais: escoriações de configuração semilunar (típico) e escoriações lineares (por
deslizamento das unhas na pele) dispostas em várias direções em torno do pescoço
f) Equimoses
g) Escoriações no pescoço e/ou face
h) Exoftalmia
 Exame do Hábito Interno:
a) Infiltração sanguínea das partes moles
b) Equimose retrofaríngea
c) Fraturas do aparelho laríngeo (osso hióide e cartilagem tiroideia – é muito frequente, exceto em
indivíduos jovens com cartilagens não ossificadas)
d) Sinais asfíxicos gerais
e) Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas
2. Sufocação
a) Oclusão extrínseca das vias aéreas – oclusão da boca e fossas nasais (mão, fita adesiva, papel, saco de
plático, etc.) – muito comum em casos de homicídio
*nota: problemas médico-legais nestes casos: quando não há vestígios de lesões perinasais ou
peribucais, quando não foi efetuado o exame do local antes de mobilizar o cadáver e quando foi
retirado o objeto que ocluiu as vias respitatórias
b) Oclusão intrínseca das vias aéreas – obstrução das vias aéreas com corpos estranhos (bolo alimentar,
objetos vários) – muito comum em casos de acidentes
c) Compressão toraco-abdominal – mais comum em casos de acidentes
d) Confinamento ou carência de ar respirável – espaço reduzido dispondo de uma quantidade de
oxigénio limitada – é muito importante aqui o exame do local
 Exame do Hábito Externo
a) Podem apresentar petéquias
b) No caso de compressão toraco-abdominal o quadro pode ser mais exuberante com petéquinas
abundantes, máscara equimótica e hemorragia nos ouvidos e nariz.
c) Lesões traumáticas diversas
 Exame do Hábito Interno
a) Sinais gerais asfíxicos
b) Oclusão das ias aéreas por alimentos ou corpos estranhos
c) Vias aéreas preenchidas por meio pulvurento (no caso de soterramento)

 Asfixia postural
Conceito: ocorre pela permanência numa dada posição por um período de tempo mais ou menos longo,
com a inversão de todo o corpo ou da sua parte superior.
Geralmente associado ao consumo de drogas e álcool.
3. Afogamento
 Conceito: intromissão de meio líquido, normalmente, água, no interior das vias aéreas.

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 Exame do Hábito Externo
a) Depósito de areais, algas, lama na superfície corporal
b) Livores mais ténues que o habitual (livores róseos)
c) “cogumelo de espuma” a cobrir a boca e fossas nasais
*isto não é sinónimo de afogamento! Temos de ter cuidado ao mexer no cadáver para não eliminar
este achado.
d) Pele de “galinha” por arrefecimento cutâneo curtis anserina
e) Maceração da pele (mais evidente nas mãos e pés)
- podem ser numerosas se o corpo esteve em águas agitadas
 Exame do Hábito Interno
a) Presença de corpos estranhos na via aérea e digestiva (areia, algas, líquido)
b) Congestão generalizada dos órgãos
c) Sangue fluido e escuro
d) Pulmões insuflados, com congestão muito marcada e saída abundante de líquido de edema nas
secções de corte
e) Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas
f) Estômago: volume de água superior a 0,5 litros pressupõe caráter vital; rutura da mucosa do cardia
devido a esfoço intenso para vomitar
g) Fígado: cortes perpendiculares com escorrência prolongada de sangue fluido e escuro
h) Espuma nos brônquios principais
 Diagnóstico: a morte por afogamento é um diagnóstico de exclusão!
I. Exame Histológico
A histologia do pulmão é muito importante!
Disrupção dos alvéolos pulmonares
Focos de edema
Corpos estranhos intra-alveolares – reação vital
Em cerca de 15% dos casos a água não chega a entrar nas vias aéreas e a morte é devida a
espasmo da glote.
II. Exame Toxicológico
Ponderar os exames a pedir em função do estado de decomposição cadavérica e da informação
disponível sobre o caso (álcool, drogas de abuso, medicamentos, pesticidas, etc.)
4. Asfixias Autoeróticas
 Muito frequente por enforcamento (corre mal)
 Frequente em indivíduos do sexo masculino
 Ocorre em áreas privadas (quarto)
 Utilização de roupas do sexo oposto
 Parafernália sexual
 Os mecanismos de proteção quando falham levam à morte por asfixia

10. Toxicologia Forense


10.1. Conceito
A toxicologia é o estudo da interação entre os xenobióticos e os sistemas biológicos com o objetivo de
determinar qualitativamente o potencial do xenobiótico para induzir danos, de onde resultem efeitos adversos
para os diferentes organismos.

Investiga, igualmente, a natureza destes efeitos adversos, a sua incidência, o seu mecanismo de produção, os
fatores que influenciam o seu desenvolvimento e a sua reversibilidade e desenvolve os tratamentos para as
intoxicações por xenobióticos. Deste modo, podemos dizer que a toxicologia é a ciência que estuda as
substâncias tóxicas e as alterações que estas produzem no organismo, com o fim de prevenir, diagnosticar e
tratar os seus efeitos nocivos. Mais de metade do trabalho efetuado nesta área é em pessoas vivas (isto porque,
os exames de toxicologia são pedidos, na maior parte dos casos para exclusão da possibilidade de presença de
substâncias).

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O “Pai” da Toxicologia foi Theophrastus Phillippus Aureolus Bombastus von Hohenheim (mais conhecido
como Paracelsus). Nasceu na Suíça em 1493. Afirmava que “Todas as substâncias são venenos; Não há nenhum
que não seja um veneno. A dose certa diferencia um veneno de um remédio."

Mas o que é a toxicologia forense?


“ Conjunto de conhecimentos aplicáveis na resolução dos problemas toxicológicos que se levantam em sede
do Direito “ Gisbert Calabuig, 1958
“Estudo e aplicação da Toxicologia ao Direito para encontrar a verdade em causas civis, criminais e sociais
com o objetivo de que não se causem injustiças a nenhum membro da sociedade.” Paul Matte, 1970, modif.
“ Aplicação da Toxicologia aos objetivos da Lei” Cravey & Baselt, 1981
“Apoia-se inseparavelmente na Toxicologia Analítica” Casarett & Doull’s, 1996

Depois de uma autópsia, há lugar à realização de exames complementares de matéria patológica e


toxicológica (álcool e drogas de abuso é obrigatório).

10.2. Distinção entre tóxico e veneno


 Tóxico é todo o agente (químico ou físico) suscetível de gerar efeitos nocivos sobre os seres vivos
 Veneno é aquela substância tóxica empregue de um modo intencional – aqui são consideradas as
intoxicações homicidas ou suicidas, mas nunca acidentais.
Para se poder dizer que houve um envenenamento é preciso dizer-se se a morte foi ou não causada
por uma intencional interferência de tóxico. Logo: toxicologia analítica, criminalística e depois a
parte jurídica.

10.3. Conceito de toxicologia analítica: visa identificar substâncias tóxicas.

10.4. Considerações gerais


O toxicologista “faz o que lhe mandam”, mas se se aperceber de algo, deve comunicar ao médico no sentido
de poder haver outros exames importantes a realizar. Para passar à quantificação de tóxicos, temos de
recorrer a padrões. Só há aqui identificação do tóxico qualitativamente – por exemplo: heroína (e não o tipo
específico.

10.5. Tipos de intoxicação


a) Aguda – é a mais frequente, aqui entra a importância da toxicologia clínica
b) Crónica – o indivíduo vai estando exposto ao tóxico, a sua concentração vai acumulando
progressivamente

10.6. Organização médico-legal:


As delegações do INML (Porto, Coimbra e Lisboa) têm quatro tipos de serviços técnicos:
1) Clínica e patologia forense
2) Genética e biologia forense
3) Química e toxicologia forense
4) Tecnologia forense e criminalística
Assim, as perícias toxicológicas apenas são realizadas no âmbito dos serviços e nunca nos gabinetes médico-
legais (estes apenas realizam perícias no âmbito da patologia e clínica forense para evitar a deslocação dos
cadáveres e pessoas às delegações)

10.7. Investigação toxicológica

O sangue é a amostra de eleição de toxicologia (colhida nas extremidades – sangue periférico; isto porque o
sangue cardíaco pode ser contaminado com os órgãos adjacentes ao estômago).
As substâncias mais procuradas são o álcool, drogas e medicamentos. Se há conhecimento prévio de tóxico
envolvido, empregam-se meios específicos para identificação e quantificação dele. Porém, a situação mais frequente
é ser o tóxico desconhecido, o que implica uma metodologia complexa.

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Assim, a investigação toxicológica consiste no conjunto de processos analíticos com o objetivo de separar,
detetar, identificar e quantificar uma ou mais substâncias, principalmente consideradas tóxicas.

 Atualmente o campo de investigação da toxicologia é muito vasto:


- Cadáver
- Indivíduo vivo – análises hospitalares são prioritárias
- Atividade laboral
- Meio ambiente

 Dificuldades associadas às análises toxicológicas:


- Dificuldades associadas às implicações judiciais
- Limitações associadas à qualidade e quantidade de amostra
- Diversidade de substâncias existentes possíveis de provocarem efeitos tóxicos

 Tipos de amostras:
a) Sangue – periférico, colhido nas extremidades porque este é mais útil para a identificação de exames e
especialmente para quantificar (confirmar/quantificar). No caso de envenenamento por tóxico, pode
analisar-se o sangue cardíaco e o estômago (conteúdo gástrico), mas para quantificar/confirmar usa-se o
sangue periférico.
b) Urina
c) Bílis – importante quando não há urina
d) Pulmão – suspeita de tóxico volátil
e) Rins – intoxicações crónicas por metais
f) Fígado – importante quando não existe sangue; porque faz a biotransformação da maioria dos tóxicos
g) Cérebro – mortes por inalação de solventes
h) Cabelo – informação toxicológica muito anterior à morte
i) Humor vítreo – útil para análise de álcool etílico (é resistente à contaminação bacteriana)
j) Amostras não biológicas – ajuda no esclarecimento dos acontecimentos

Note-se que, o exame do corpo na autópsia (patologia forense) não permite ao perito tirar conclusões distintivas
sobre as substâncias responsáveis pela morte.

 Cadeia de custódia em toxicologia forense


O princípio básico é assegurar que tudo o que fazemos é fiável, credível e não pode ser posto em causa. Em
cada ramo os cuidados são diferentes – por exemplo, em genética há maior risco de contaminação, em
toxicologia é muito importante rotular e etiquetar.

Passos:
1. Abertura do processo
2. Seleção e divisão de vísceras de acordo com os exames a realizar
3. Extração das substâncias a analisar
4. Deteção, identificação, confirmação e quantificação por técnicas analíticas e específicas

Desde que se faz a recolha da amostra até ao seu processamento, temos de respeitar uma série de passos
que nos dão garantias de que não houve violação:
1. Colheita das amostras para análise: temos e saber que amostras é que se colem, o seu tipo e quantidade
2. Acondicionamento das amostras: atualmente os meios de acondicionamento está uniformizado
3. Transporte das amostras
Depois de tudo isto, a amostra entra no serviço e temos de verificar se as amostras estão frescas, para
depois registar. A primeira coisa a fazer no serviço de toxicologia é avaliar se a cadeia de custódia foi
cumprida.
Conclusão: a cadeia de custódia pretende que se tenha um controlo de tudo o que se fez e que todo o
resultado é obtido com confiança e certeza. É necessário:
1. Colheita adequada a cada tipo de análise
2. Contentores adequados para cada tipo de amostra
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3. Fechados e selados
4. Mantidos ao abrigo da luz e a baixas temperaturas
5. Requisições devidamente preenchidas
6. Etiquetas com identificação inequívoca, conteúdo, proveniência, data e hora da colheita

O facto de a cadeia não ser cumprida nem sempre significa adulterações. Mas é algo muito importante para
garantir que a análise será bem feita.

10.8. Medicamentos
Um medicamento é toda a preparação farmacêutica contendo um ou mais princípios ativos destinado ao
diagnóstico, prevenção ou tratamento de doenças ou dos seus sintomas ou à correção de funções orgânicas.

O que é a margem terapêutica?


A margem ou janela terapêutica é um intervalo de séricas ou plasmáticas de um fármaco entre as quais é
seguro ou eficaz o tratamento ou uma dada situação clínica.

Os medicamentos são tóxicos potenciais se administrados em dose tóxica. Nos últimos anos tem havido
um grande aumento de intoxicações medicamentosas – resultante da facilidade de aquisição e decorrente
da automedicação.
 Ocorrem erros de medicação – por exemplo: repetirem a dose de xaropes ou antibióticos.
 Acidentes com crianças – atraídas pelas cores dos comprimidos
 Utilização suicida – a própria pessoa quer pôr fim à vida
 Utilização homicida – uma pessoa matar outra. Aqui é difícil haver uma administração da dose letal
sem que a vítima se aperceba. Mas pode sim estar associada a uma tentativa de diminuição da
resistência da vítima para a execução de delitos (importante não só quando não há lesões aparentes).

Quais os fármacos mais detetados nas intoxicações forenses?


1. Psicotrópicos
1.1. Antipsicóticos (ex: halopenidol)
1.2. Ansiolíticos (benzodiazepinas, que tem um efeito muito semelhante ao álcool)
1.3. Hipnóticos não barbitúricos
1.4. Antidepressivos (tricíclicos)
2. Antipiréticos e Analgésicos
2.1. AAS e derivados
2.2. Paracetamol
3. Antiepiléticos, Antihistamínicos e Digitálicos

10.9. Monóxido de Carbono


Pode ser detetado morte em caso de suicídio, acidente e homicídio pela utilização deste gás. Trata-se de um
gás incolor, inodoro, insipido, não corrosivo e de elevada difusibilidade.
No exame do hábito externo encontramos: livores carminados, pele pigmentada (lábios, leito ungueal,
língua, palmas e plantas, face interna das pálpebras), anemia e vesículas nas zonas de pressão em indivíduos
comatosos.
No exame do hábito interno é detetada a coloração carminada dos tecidos.

10.10. Drogas de abuso


1. Depressores do Sistema Nervoso Central (SNC)
a) Ópio
b) Morfina – a morfina é o protótipo dos agonistas opioides; tem a capacidade de aliviar a dor intensa
com notável eficácia; é o padrão a partir do qual todos os fármacos com acentuada ação analgésica
são comporados; sendo o principal alcaloide do ópio, está presente numa concentração de cerca de
10%. A estrutura básica da morfina pode ser alterada levando a modificações drásticas nos efeitos
da droga. A acetilação de grupos hidroxilo podem levar à síntese de heroína (diacetilmorfina), com

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muito maior capacidade para atravessar a barreira hemato-encefálica. No cérebro, no entanto, a
heroína é convertida em morfina e monoacetil morfina.
c) Heroína – a pior droga é a heroína (produto derivado da morfina – a heroína entra mais facilmente
no cérebro mas atua como morfina). Note-se que é necessário verificar se o indivíduo foi medicado
com morfina por exemplo. Mas é importante nesses casos saber a origem e a (i)licitude da morfina.
Se se a heroína transforma-se em morfina muito rapidamente. Daí que seja essencial o exame do
local (examinar a colher, a seringa). Havendo suspeita de intoxicação por heroína – procedimento:
local da morte + tudo o que estiver perto do cadáver + características/antecedentes do indivíduo +
autópsia + análise toxicológico.
 Exame do Hábito Externo no caso de heroína
1. Estigmas de punção recente
2. Cicatrizes
3. Abcessos e úlceras
4. Marcas do trajeto da agulha
5. Escoriações cutâneas
 Exame do Hábito Interno no caso de heroína
1. Aspetos específicos de asfixia
2. Edema e congestão (+ frequente)
3. Gânglios linfáticos aumentados

2. Estimulantes do SNC
a) Anfetaminas
Existem anfetaminas naturais (plantas medicinais) e anfetaminas sintéticas (a mais conhecida é a
MDMA).
Os locais típicos de consumo destas substâncias são em raves, discotecas, festivais de música e “house
parties”.
- Efeitos/reações: hipertensão, insónia, anorexia, transpiração, sede, taquicardia, náuseas, má
disposição, dor de cabeça, frequência de tiques exagerados e anormais das mandibulas ou movimento
estereotipados, tremores e dano cerebral por morte de neurónios.
- Sistema Nervoso Central: irritabilidade/distúrbios de humor, comprometimento cognitivo, perda de
apetite, instabilidade emocional, febre, isolamento social em crianças, surtos psicóticos, esquizofrenia,
ansiedade, pânico e depressão.
- Efeitos neurológicos: alucinações, convulsões, coma, confusão e delirium por hiponatrémia, AVC
- Efeitos cardiovasculares: arritmias, morte súbita
b) Cocaína
A cocaína é o principal alcalóide encontrado nas folhas do arbusto da coca. É um estimulante do SNC.
Em 2500 a.C. a folha da coca era utilizada pelos povos da América do Sul, considerada um presente dos
Deuses apenas acessível às elites. Era utilizada em várias cerimónias, como anestésico local, dores de estomago,
combater a fadiga e a fome. Com o tempo foi sendo utilizada para o tratamento de diversas doenças e, mais tarde
foram surgindo bebidas.
Vias de consumo: injetável, pulmonar, oral e inalatória.
Formas de apresentação:
I. Folhas de coca: Absorção muito variável, Mascadas ou em infusão, Velocidade de atuação lenta,
Capacidade limitada de consumo
II. Pasta de coca: Produto não refinado resultante da maceração das folhas de coca com ácido sulfúrico,
e outros solventes. É fumada. O Inicio de ação muito rápida
III. Cloridrato de cocaína: Resulta da adição de ácido clorídrico formando um sal. Trata-se de um pó
cristalino, branco, inodoro de sabor amargo e solúvel em água. Inalada ou endovenosa. Ação rápida.
IV. Base de cocaína (crack): Resulta da mistura clorídrato de cocaína com uma solução básica
(amoníaco, hidróxido de sódio ou bicarbonato de sódio) e éter. É fumado. Início de ação muito
rápida.
Exame do Hábito Externo no caso da cocaína:
1) Midríase: dilatação da pupila
2) Lesões traumáticas provocadas por convulsões (língua e lábios)
3) Perfuração do septo nasal
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4) Sinais de punções venosas recentes, equimoses (manchas roxas na pele)
5) Necrose extensa secundária a injeção (mancha negra na pele)
6) Queratite
7) Erosões do esmalte
8) Calo na última falange do polegar
9) Queimaduras superficiais, hiperqueratose e escurecimento palmar

3. Drogas alucinogénias
a) Carabinóides
b) LSD
A partir de 2004, o seu consumo em Portugal aumentou exponencialmente. Temos várias espécies de planta
cannabis, com várias concentrações. A concentração de THC que existia há uns anos atrás não tem nada a ver com a
que existe hoje – um consumidor de cannabis nos dias de hoje está exposto a doses francamente mas elevadas do
que nas anteriores décadas de 60 ou 70.
É consumido como erva (marijuana), a resina, o haxixe e o óleo extraído da planta.
De facto, existem vários fatores/variáveis que podem afetar as propriedades psicoativas dos carabinóides: a
potência do cannabis usado (depende da % de THC existente), a via de administração, a técnica de fumar, a dose, a
experiência e expetativa do consumidor, bem como a vulnerabilidade biológico dos efeitos da droga. O THC é o
princípio ativo que se transforma no organismo em OH-THC e atua em dois recetores do cérebro.
O consumo de cannabis provoca os seguintes efeitos corporais:
- olhos: vermelhidão, diminuição da pressão intra-ocular;
- boca: secura
- pele: sensação de calor e frio
- coração: aumento da frequência cardíaca
- músculos: relaxamento
Tem como efeitos fisiológicos: a sensação de prazer, bem-estar, euforia, intensificação da consciência
sensorial, maior sensibilidade aos estímulos externos, ideias paranoides, confusão de pensamentos, sonolência,
relaxamento, instabilidade no andar, alteração da memória imediata, diminuição da capacidade para a realização de
tarefas que requeiram operações múltiplas variadas, lentificação da capacidade de reação e défice na aptidão
motora ou interferência na capacidade de condução de veículos e outras máquinas.

4. Consumo atual
Nos últimos anos novas drogas estão a entrar no mercado a um ritmo assustador. Estas mimetizam os
efeitos de drogas já conhecidas, não estão previstas na lei (estatuto de legalidade), são vendidas em lojas online ou
lojas físicas sobre várias formas e a sua toxicidade não está estudada.
O aumento do consumo destas substâncias foi relatado quase globalmente. Constituindo, por isso, um
perigo para a saúde pública. Verificou-se um aumento significativo da recorrência aos serviços de emergência
médica, casos de internamento e mortes. Traduzindo, dessa forma, num desafio para os sistemas de controlo de
narcóticos a nível nacional, regional e global.
Smart shops: são estabelecimentos comerciais especializados na venda de substâncias psicoativas,
originárias da Holanda. E Portugal a primeira smart shop abriu em 2007. Contudo, em 2013, o Decreto-Lei nº54/2013
levou ao encerramento de todos estes estabelecimentos em território nacional.
Efetivamente, os efeitos produzidos pelas drogas ilegais e pelas legal highs são os mesmos e ambas podem
levar à morte.

5. Consumidores: podem ser experimentais, ocasionais, habituais, compulsivos e dependentes.

6. Quando é que há overdose? A overdose é o excesso de dosagem e pode ocorrer:


a) Após períodos de abstinência
b) Por outros adulterantes presentes na amostra
c) Quando surge no mercado heroína com grande grau de pureza
*a etiologia mais frequente é acidente

A overdose passa por três fases:

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1ª fase: agitação psicomotora, diminuição das inibições, aumento da energia e da autoconfiança. Podem
ainda surgir alucinações visuais, auditivas e sensitivas, ansiedade, confusão e desorientação.
2ª fase: convulsões tónico-clónicas, taquicardia, cianose e dispneia.
3º fase: depressão do sistema nervoso central com paralisias musculares, cianose, paragem cardio-
respiratória, coma e morte.

Também podemos ter uma morte por falência multiorgânica motivada por um consumo continuado ao
longo dos anos.

Através da medicina legal conseguimos apurar se o consumidor é esporádico ou habitual.

10.11. Enquadramento legal nacional e internacional – drogas


 Em 2011 ocorreu uma epidemia na ilha da Madeira, com a ocorrência de 200 internamentos, 308 entradas
nos serviços de urgência e 4 mortes. O Decreto-Legislativo Regional nº15/93 adiciona à lista de substâncias
proibidas todas aquelas incluídas nas listas de novas substâncias psicoativas publicadas anualmente pela
OEDT. Previu um regime cautelar de suspensão de venda por 18 meses de todas as substâncias que possuem
estrutura química ou efeitos biológicos similares às incluídas no DL. Obrigou também à identificação de
todos os constituintes psicoativos na rotulagem de produtos disponibilizados ao público.
 O Decreto-Lei nº54/2013 proíbe o comércio e publicidade de substâncias não especificamente enquadradas
e controladas ao abrigo de legislação própria que, em estado puro ou num preparação, podem constituir
uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias previstas na legislação.
 A Portaria nº154/2013 contém uma lista de novas substâncias psicoativas que se anexa ao referido DL (159
substâncias divididas em 7 grupos).

10.12. Álcool
 Efeitos do álcool:
a) Pele:
– Dilatação vascular cutânea
– Flush da face, pescoço e tronco
– Em doses elevadas: palidez da pele por insuficiência circulatória do tipo do choque
b) Rim:
– Poliúria, ↑ acidez urina
– Inibe libertação de HAD
c) Fígado:
– hepatotóxico directo
– Esteatose e cirrose
d) Cardiovascular:
– Vasodilatação
– Elevação da TA
– Aumento do débito cardíaco
– ↑↑ Quantidades: asfixia, impede circulação, choque e analgesia
e) Tubo Digestivo:
– ↑ Fluxo de saliva e suco gástrico
– Inibe motilidade, secreções
– Vómitos de origem central

 Efeitos no sistema nervoso central (SNC)


a) Deprime todas as áreas e funções do cérebro
b) Depressão nos centros inibitórios mais elevadas (libertação dos mecanismos normais de
controlo social e comportamental = efeito inibidor e euforizante)
c) Depressão das áreas de integração mais elevadas (alteração do raciocínio, da discriminação fina,
da capacidade de decisão e da função motora)
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Altera as capacidades cognitivas e psico-motoras. Levando ao aumento dos tempos de reação, menor
capacidade e rapidez de decisão, diminuição do poder de diversificar a atenção, descoordenação dos
movimentos; comportamentos desviantes: suicídios ou criminalidade (ofensas corporais, homicídios,
agressões sexuais)

Com mais de 0,45g/ml o álcool leva à morte. Entre 0,35 e 0,50 está em estado de coma.

Em cada pessoa a reação é diferente, pelo que se verifica uma acentuada variabilidade inter-individual.

 Comportamentos de risco:
A. Os acidentes de viação podem ocorrer por fator técnico (10-15% dos casos) ou por fator humano (85-
90% dos casos). Sempre que um indivíduo morre na estrada tem de colher sangue para avaliação da
alcoolemia. O Decreto Regulamentar nº18/2007, de 17 de maio, define o processo de fiscalização ao
álcool e às substâncias psicotrópicas. Esta fiscalização pode ser feita pela GNR ou pela PSP no caso do
álcool e pelo INML no caso de drogas.
A GNR e a PSP podem fazer:
1. Teste de ar expirado
- 1º teste qualitativo – indica a presença
- 2º teste quantitativo – quantifica a TAS
2. Teste da saliva (este é só triagem, não basta para sanção)

Assim e mediante a requisição da entidade fiscalizadora (GNR ou PSP), o Estabelecimento de Saúde, deve
promover a realização da colheita de sangue para análise de quantificação da Taxa de Álcool no Sangue
O profissional de saúde que recebe a Requisição da Entidade Fiscalizadora deve: providenciar a colheita, no
mais curto espaço de tempo, de um volume mínimo de 5ml de sangue, utilizando para recolha, acondicionamento e
expedição da amostra, o material fornecido pela entidade fiscalizadora no momento da entrega da requisição de
exame. A colheita de sangue deve ser feita, preferencialmente, numa veia que não tenha sido canalizada e a limpeza
e desinfeção da pele não podem ser feitas com produtos que contenham álcool.

Tem de haver um exame de confirmação ao sangue que só a medicina legal pode fazer. No caso das drogas
há obrigatoriedade de confirmação. Apenas o INML pode fazer análises toxicológicas para determinação do álcool.

B. No direito do trabalho, em caso de acidentes, não há obrigatoriedade de determinação das substâncias


no organismo. Mas as boas práticas de medicina legal determinam que tal seja obrigatório, para que os
processos não fiquem parados.

C. Alcoolémia cadavérica
É necessário fazer um cálculo retrospetivo da alcoolemia. Este visa determinar a concentração de álcool no
sangue num determinado momento prévio.

A fórmula é Co = Ct + Bt
Co=concentração de álcool extrapolada para a hora pretendida
Ct=concentração de álcool no sangue no momento da extração
B=coeficiente de etiloxidação de álcool no sangue
t=período de tempo decorrido

O coeficiente de etiloxidação indica a capacidade metabólica do indivíduo, mas tem uma grande
variabilidade inter e intra individual. Isto é, da fase da absorção para a eliminação há uma série de fatores que
influenciam essa passagem. Nomeadamente, tipo de bebida, dose ingerida, padrão de consumo, estado digestivo,
natureza e composição dos alimentos ingeridos, patologia gastrointestinal, medicação, características genéticas,
peso, idade, sexo, estado emocional, etc.

As fórmulas para o cálculo retrospetivo são apenas aplicáveis na fase de eliminação. Para serem de maior
fidedignidade exigem diversas determinações da TAS e tao próximas quanto possível da ingestão. Foram elaboradas
a partir de estudos experimentais desenvolvidos em condições não correspondentes às da prática médico-legal,
nomeadamente tanatológica. O cálculo exponencial utilizado em muitas delas leva a uma multiplicação do erro da
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própria da própria determinação, o que pode conduzir a desvios inadmissíveis. Um estudo recente (2006) mostrou
que varia entre 0,095 a 0,371 g/l/h. Esta fórmula pode ser usada de um ponto de vista técnico, em que o patologista
queira ter mais uma ideia sobre o caso. Mas esta fórmula deve ser rejeitada para efeitos de limites legais em
acidentes de trabalho ou de aviação. É uma fórmula principalmente teórica, na prática legal e forense e que não
deve ser usada (é um cálculo exponencial que leva a erros inadmissíveis).

Devemos ter diferentes tipos de sangue uma vez que as amostras não são iguais consoante os locais da
colheita. No cadáver tira-se sempre mais do que uma amostra: sangue arterial e sangue venoso – central e
periférico. No cadáver, a concentração de etanol no sangue periférico é, teoricamente, mais representativa de
concentração existente no momento da morte, embora não necessariamente a mesma.

Existem três fatores que influenciam a concentração:


1. Difusão post-mortem do etanol
2. Amostras sanguíneas não homogéneas (coagulação – sendo que o sangue dos vasos sanguíneos
periféricos tê menor probabilidade de ter coágulos)
3. Absorção post-mortem do etanol (a absorção do etanol presente no tubo digestivo)

Logo, concluímos que o sangue venoso periférico é a amostra de eleição!

≠Se não for possível obter sangue venoso periférico, podemos recorrer ao sangue central, mas só se se
verificarem determinados pressupostos:
1. Não pode haver putrefação (o cadáver tem estar conservado a 4ºC)
2. Tem de estar dentro do intervalo post-mortem inferior a 18 horas
3. Ausência de traumatismos tóraco-abdominais severos
4. Ausência de aspiração de vómito
5. Ausência de etanol no conteúdo gástrico

Porém, podemos não ter nenhuma amostra de sangue. Nestes casos, tem de haver uma determinação
indireta da alcoolemia (TAS=Concentração na amostra X Raxa de conversão). Há outras amostras:
a. Medula óssea: mas do ponto de vista laboratorial é muito difícil e, por isso, não se usa
b. Músculo: em Coimbra também não se usa
c. Humor vítreo: é o melhor para a exclusão (é a amostra alternativa ideal). O humor vítreo é o líquido
anatomicamente muito protegido, que se localiza por detrás do olho, ausente de fenómenos
putrefativos.
- Facilidade na obtenção da amostra
- Protegido dos fenómenos putrefativos e traumas
- Fluido com boa estabilidade química e fácil de processar analiticamente
- Reduzida probabilidade de contaminação por síntese post mortem
- Amostra pode ser obtida sem necessidade de autópsia
Porém, tem um grande problema: tal como no ar expirado, não tem uma correlação com a taxa (do
sangue). É no entanto, muito importante para determinar a negatividade (ausência de álcool). Já a
positividade é mais problemática em termos de identificação. Atendemos aqui à taxa de conversão para
o humor vítreo.
Mas podemos também fazer análises no humor vítreo e no sangue podendo concluir em que fase é que
estava o indivíduo (fase absorção – TAS/TAHV > 1 ou de eliminação – TAS/TAHV < 1).

Outro problema é a formação e destruição de etanol no cadáver como referimos. O etanol pode ser
sintetizado ou destruído post mortem. A síntese post mortem do etanol pode ocorrer no cadáver pelos
microorganismos (contaminação externa, endógena) ou pode ocorrer in vitro pelos substratos (glucose, glicerol,
aminoácidos, etc). A destruição não tem problema, vai diminuir a concentração. Mas a formação/sintetização é
importante, porque temos muitas bactérias nos intestinos que levam à putrefação que produzem álcool. Isto pode
ser evitado através da refrigeração do cadáver e das amostras.

Também por isso há sempre repetição do exame, no mesmo dia ou 1 a 2 dias depois.

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Note-se que basta o início da putrefação para que o patologista negue o exame de alcoolemia. Contudo,
se fizer e der negativo, pode seguir. Se der positivo, o patologista deve indicar que não deve ser indicada
para limites legais.

10.13. Objetivos da Toxicologia Forense


a) Segurança no trabalho (álcool, drogas e medicamentos)
b) Comportamentos desviantes: suicídios e criminalidade (ofensas corporais, homicídios e agressões
sexuais)

10.14. Perícia toxicológica


Temos assim que recorrer à análise toxicológica para face à interpretação de resultados determinar se está
em causa um acidente, suicídio, homicídio ou morte relacionada com o consumo.
A perícia toxicológica requer vários procedimentos de divisão de amostras, extração e de purificação. É
muito importante aqui o exame do local (colheita de vestígios biológicos e não biológicos).
É importante recolher informação social junto de familiares e/ou amigos ou vizinhos da vítima, questionando
nomeadamente:
- Sintomas antes da morte? Medicação? Qual? Quantidades? Desde?
- Consumo de drogas? Tipo? Vias? Desde?
- Antecedentes patológicos? (doença psiquiátrica?)
- Tentativas de suicídio anteriores? Quantas? Meios empregues?
- Carta ou bilhete de despedida?

Nos casos de suspeita de morte por intoxicação, o perito deve dar especial atenção à informação
circunstancial da morte e material encontrado junto da vítima! Tais como:
1. Restos de vómito – na vítima (corpo, roupa suja de vómito) e no local onde foi encontrada;
2. Cheiro ou odores no local (intoxicação por gases, etc.); torneira de gás aberta/fechada
3. Presença de braseira ou qualquer outra fonte produtora de monóxido de carbono
4. Janelas e portas abertas/fechadas
5. Existência de dispositivos para recolher gases de combustão de motores (exemplo: mangueira ligada ao
cano de escape)
6. Presença de outros elementos indiciadores de morte por intoxicação
7. Seringas/agulhas, algodão e limão
8. Tampas de garrafas, colheres, pratas, cachimbos
9. Embalagens de medicamentos
10. Frascos ou contentores de outros xenobióticos (pesticidas, outros produtos químicos)

10.15. Exame do hábito externo e interno


 Do hábito externo – verificar o cheiro:
a) xilol (organofosforados)
b) a amêndoas amargas (compostos cianídricos)
 Do hábito interno – se houver odor a amêndoas amargas, em casos de suspeita de intoxicação por cianeto, a
cavidade craniana deve ser aberta logo de início uma vez que este odor se encontra bem evidente nos
tecidos cerebrais. Mas será sempre verdade?

10.16. Exame do corpo na autópsia


 Resultados da patologia forense: as lesões macroscópicas ou microscópicas são apenas indicativas de
determinado tipo de intoxicação e carecem de confirmação toxicológica. O que significa que os aspetos
lesionais que podem ser objetivados durante a autópsia (quer do hábito interno ou externo) em que se
suspeita de intoxicação, não permitem ao perito médico tirar conclusões definitivas sobre a(s)
substância(s) responsáveis por determinada morte.

10.17. Dados da toxicologia forense


Não existe substituto para uma inequívoca identificação e/ou quantificação de uma substância em amostras
biológicas para explicar a lesão com razoável grau de probabilidade científica.

49
11. Verificação e Certificação do Óbito
A verificação e certificação do óbito são da competência do médico e qualquer médico inscrito na Ordem dos
Médicos deverá estar habilitado a fazê-lo.
O Código Deontológico da Ordem dos Médicos – artigo 93º (deveres sanitários) – prevê que no exercício da sua
profissão, deve o médico cooperar com os serviços sanitários para a defesa da saúde púbica, competindo-lhe
designadamente: verificar e certificar o óbito da pessoa a que tenha prestado assistência médica, devendo na
respetiva certidão indicar a doença causadora da morte. Para este efeito, considerar-se-á como assistente o Médico
que tenha preceituado ou dirigiu o tratamento da doença até à morte, ou que tenha visitado ou dado consulta extra-
hospitalar ao doente dentro da semana que tiver procedido o óbito.

Na prática, pode certificar o óbito o médico que:


1) Tenha assistido o doente nos últimos 7 dias que antecederam a sua morte
2) Ou no caso de se tratar do seu médico assistente habitual, mesmo que o não tenha observado nas últimas
semanas, que a morte seja uma consequência previsível da evolução da doença.

A verificação do óbito destina-se a estabelecer com segurança que um determinado indivíduo se encontra
morto. Baseia-se essencialmente na identificação clínica dos sinais negativos de vida (=positivos de morte)
observados durante um período de tempo apropriado, recorrendo, se necessário, a exames complementares e/ou
testes adequados.

11.1. Quais são os sinais devidos à cessação das funções vitais (sinais positivos de morte)?
1. Ausência de movimentos respiratórios (ausência de sopro nasal);
2. Ausência de batimentos cardíacos (durante 5 minutos nos 4 focos, ECG isoelétrico, ausência de circulação
periférica e pulso sistólico)
3. Ausência de resposta a estímulos dolorosos
4. Ausência de movimentos (imobilidade, flacidez, ausência de tónus muscular)
5. Ausência de reflxos
6. EEG isoelétrico
Devem ser excluídos desta análise os sinais de hipotermia, intoxicação por fármacos depressores do SNC e as
alterações endócrinas ou metabólicas.

11.2. Quais são os sinais de certeza de morte?


a) Precoces:
1. Livores
2. Rigidez cadavérica
3. Arrefecimento
4. Desidratação
5. Autólise
b) Tardios:
1. Putrefação

*nota: sinais positivos de morte ≠ sinais de certeza de morte

11.3. Conceito de morte clínica


a) Morte cardio-respiratória ou cardíaca
b) Morte cerebral ou morte tronco-encefálica ou morte encefálica
Durante muito tempo era pela falta de batimento cardíaco que se aferia a morte (na lei anterior).
Atualmente, a morte é aferida pela morte cerebral.

O Decreto-Lei nº11/98, de 24 de janeiro, no artigo 50º apenas se refere à verificação do óbito.

50
A Lei nº141/99 de 28 de agosto regula especificamente a verificação da morte. O artigo 1º estabelece os
princípios em que se baseia a verificação da morte. O artigo 2º determina que se pode dizer que um indivíduo está
morto quando houver cessação irreversível das funções do tronco cerebral.

11.4. Competência para verificar o óbito

O artigo 3º/1 da Lei nº141/99 determina que quem verifica a morte é o médico nos termos da lei.
Determinando o artigo 4º que o médico que verifica o óbito deve ser aquele a quem estiver acometida a
responsabilidade do doente no momento da morte ou o que chegue em primeiro lugar.

Em relação a quem chega em primeiro lugar:


1. Se o indivíduo ainda não estava morto e foi acionado o INEM, os médicos da emergência serão os primeiros;
2. Quando o indivíduo é encontrado já cadáver, dependerá da autoridade policial, que não tem formação nem
sensibilidade para chamar o médico indicado.

11.5. Como se deve verificar o óbito?

Com base em critérios médicos, técnicos e científicos a definir pela Ordem dos Médicos (artigo 3º/2), que devem
ser atualizados regularmente.
Efetivamente estes critérios ainda não foram definidos. Existe a declaração da OM com os critérios de Morte
Cerebral. Na prática é baseada nos conhecimentos e convicção pessoal do médico, de acordo com a legis artis.
Para o perito não traz grandes dificuldades uma vez que quase sempre há sinais de certeza de morte.

11.6. O que deve figurar na verificação do óbito (artigo 4º/1)?


1. Identificação possível do falecido e o modo como esta se obteve (por informação verbal ou por
documento de identificação existente)
2. Local, data e hora da verificação
3. Informação clínica ou observações eventualmente úteis
4. Identificação do médico e o seu número de cédula da Ordem dos Médicos

11.7. Existem impressos próprios para a verificação do óbito?

Não (ficha do INEM, boletim da autoridade de saúde, guia de remoção do cadáver).


Então os elementos enunciados devem ser escritos em que impresso ou formulário (artigo 4º/3)?
a) No ambulatório devem ser escritos em papel timbrado do médico, de instituição ou outro;
b) Nos estabelecimentos de saúde públicos ou privados no processo clínico do indivíduo.

11.8. A quem se entrega este documento (artigo 4º/3)?


Deve ser entregue à família ou à autoridade que compareça no local.

11.9. Em que situações é obrigatória a presença de mais do que um médico para a verificação do óbito?
Nos casos de sustentação artificial das funções cardio-circulatória e respiratória, a verificação da morte deve
ser efetuada por dois médicos, de acordo com o regulamento elaborado pela Ordem dos Médicos.

11.10. Conceito de morte cerebral:


Traduz-se na situação em que o indivíduo se encontra em coma profundo por lesão irreversível com ausência
de função do SNC e com as restantes funções vitais mantidas por meios extraordinários de suporte.
A sua certificação requer a demonstração da cessação das funções do tronco cerebral e da sua
irreversibilidade.
Ora, a verificação da morte cerebral requer:
1) Realização de, no mínimo, dois conjuntos de provas com intervalo adequado à situação clínica e à idade;
2) Realização de exames complementares de diagnóstico, sempre que for considerado necessário;

51
3) A execução das provas de morte cerebral por dois médicos especialistas (em neurologia, neurocirurgia
ou com experiência de cuidados intensivos);
4) Nenhum dos médicos que executa as provas poderá pertencer a equipas envolvidas no transplante de
órgãos ou tecidos e pelo menos um não deverá pertencer à unidade ou serviço em que o doente esteja
internado.

11.11. Declaração da morte cerebral


O tempo legal da declaração da morte é o tempo em que os testes da morte cerebral foram repetidos pela
segunda vez e relevaram-se inequivocamente positivos.

11.12. Utilização de cadáveres


A lei 12/93 de 22 de abril regula a colheita de tecidos e órgãos para fins terapêuticos.
O Decreto-Lei 244/94 de 26 de Setembro regula a organização e o funcionamento do Registo Nacional de
Não Dadores (RENNDA) – o sistema é de opting-out, o que significa que, somos todos dadores até
expressarmos declaração em contrário.

11.13. Duas notas a não esquecer:


1. Mesmo que a morte seja uma consequência previsível na evolução de um estado mórbido bem
caracterizado e conhecido do médico, não exclui a obrigatoriedade do exame do hábito externo do
cadáver.
2. Por outro lado, o médico deve conhecer as situações em que se encontra habilitado a certificar o óbito e
as que obrigam a autópsia médico-legal, facultando, nestes casos, a necessária informação.

11.14. Certificado de Óbito


O óbito é certificado, na generalidade dos casos, apenas com base nos conhecimentos e convicção do
médico, de acordo com a leges artis.
Mas a sua certificação vincula profissional e legalmente o médico.
Há necessidade de estabelecer, com segurança, a causa da morte.
No caso dos certificados fetais ou neo-fetais, estes destinam-se a fetos mortos com 22 ou mais semanas e
óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade. É de modelo diferente devendo ser preenchido, sempre que
possível, com auxílio do médico que tenha assistido à mãe.

a) Certificado de Óbito – modelo nº1725


b) Certificado de Óbito Fetal e Neo-Fetal – modelo nº1725º-A

A este propósito é de salientar o que refere Jaime Silveira Botelho (direção de Serviço de Epidemiologia e
Estatísticas da Saúde): “Salienta o desconhecimento dos médicos sobre a importância do certificado de óbito do
ponto de vista epidemiológico”.
Chama a atenção das “muitas implicações” das certidões de óbito, nomeadamente, no que respeita a
“seguros de vida, heranças e indemnizações, que, por vezes, inibem os médicos de expressarem a verdadeira causa
da morte”.
Ora, o certificado de óbito deve ser totalmente preenchido pelo médico responsável pela informação e não
apenas a parte relativa à causa de morte.

11.14.1. Causa da morte


Esta deve ser expressamente referida: Causa da Morte (CID 10)
*nota: não confundir a causa da morte com o mecanismo da morte!

A OMS recomenda que de distingam vários tipos de causa de morte, nomeadamente:


1. Causa direta (alínea a) – o estado patológico ou lesão traumática que provocou diretamente a morte.
Constitui a última consequência ou efeito da causa básica.
Exemplos: (1) lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas; (2) peritonite
2. Causa básica (alínea c) – é o estado patológico responsável pelo desencadeamento de outros estados
patológicos classificáveis como causa direta. Em medicina legal corresponde às circunstâncias que
estiveram na origem da produção das lesões – acidente, suicídio, homicídio.
52
Exemplo: (2) apendicite
3. Causa intermédia (alínea b) – estado patológico que relaciona a causa básica com a direta, quando
existe. Quando não existe, apenas há lugar às outras duas. Muito importante para nós é o instrumento
que produziu as lesões traumáticas (causa direta).
Exemplos: (1) queda de andaime; (2) rutura do apêndice

11.14.2. Parte II – “outros estados mórbidos, fatores ou estados fisiológicos que contribuíram para o
falecimento, mas não mencionados na Parte I”
É importante a avaliação do nexo de causalidade e eventuais concausas, e ainda, para fins estatísticos.

11.14.3. Outros dados presentes na certidão de óbito:


1. Intervalo de tempo decorrido entre o começo da doença e a morte
2. Elementos que fundamentam a causa da morte (laboratoriais e autópticos)
3. Circunstâncias da morte (local do óbito, data/hora, assistência médica e translação e prazo para o
enterramento);
4. Observações: muito útil para se escrever o que não se sabe onde pôr
5. Identificação do médico (nome legível e número da cédula da OM).

11.14.4. Situações em que a verificação e certificação do óbito constituem ato único:


1. Sempre que a morte ocorra no domicílio, com assistência médica e é possível estabelecer, com
segurança, a causa de morte:
- admitir sempre, ainda que remota, a hipótese de uma morte não natural, pelo que o exame do hábito
externos é obrigatório e, em caso de dúvida, exigência de autópsia médico-legal;
- exemplos diversos de certificados de complacência
- o médico assistente deve passar o respetivo certificado

2. Sempre que a morte se verifique em estabelecimento de saúde e o médico assistente tenha chegado a
um diagnóstico da doença em causa
- este deverá passar o respetivo certificado
- se não houver diagnóstico seguro, ou o doente morreu subitamente em curso improvável para a
doença por que estava internado, ou há suspeita de morte violenta, deve ser pedida a autópsia:
a) se anátomo-patológica: o médico hospitalar com base nos resultados da anatomia patológica,
passará o certificado;
b) se médico-legal: o perito deverá ser o responsável.

11.14.5. Situações em que a verificação e certificação do óbito constituíram atos distintos:


1. A maioria das autópsias médico-legais;
2. Mortes súbitas, ignoradas ou violentas;
3. Um médico (autoridade de saúde, médico do INEM, o próprio perito ou médico legista, outro)
verificou o óbito e houve lugar a autópsia médico-legal:
3.1. O perito passará o certificado depois da autópsia
3.2. Às vezes a autoridade sanitária ou outro médico já passou o certificado. Se após a autópsia, esta
demonstrar elementos diagnósticos seguros sobre a causa da morte, deve ser passada uma
nova e rejeitada a primeira… mas cuidado, se já foi entregue no Registo Civil
3.3. Atenção aos homicídios e eventuais prejuízos para a investigação.

11.14.6. SICO – Sistema de Informação dos Certificados de Óbito

O SICO teve origem na medida 117 do programa SIMPLEX de simplificação administrativa e legislativa na
Administração Pública, tendo como objetivos principais a Desmaterialização dos Certificados de óbito (DCO) e a
comunicação eletrónica dos dados respetivos às entidades públicas para os quais são relevantes.

A Lei nº15/2012 de 3 de abril institui o SICO. Segundo este diploma o SICO é um sistema de informação cuja
finalidade é permitir uma articulação das entidades envolvidas no processo de certificação dos óbitos, com vista
53
a promover uma adequada utilização dos recursos, a melhoria da qualidade e do rigor da informação e a rapidez
de acesso aos dados em condições de segurança e no respeito pela privacidade dos cidadãos.

Tem como objetivos:


1) A desmaterialização dos certificados de óbito
2) O tratamento estatístico das causas de morte
3) A atualização da base de dados de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do corresponde número
de identificação atribuído no âmbito do registo nacional de utentes (RNU).
4) A emissão e a transmissão eletrónica dos certificados de óbito para efeitos de elaboração dos assentos
de óbitos

O sistema é suportado por uma base de dados para registo e disponibilização de dados, cuja
administração compete à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), sendo o diretor-geral
da Saúde a entidade responsável pelo respetivo tratamento. Os dados constantes do SICO resultam do
tratamento realizado pelos médicos e pelas seguintes entidades, de acordo com os respetivos perfis:
Instituto dos Registos e do Notariado; ACSS; DGS; INEM; INMLCF; Ministério Público e Autoridades de polícia.

O artigo 13º da Lei nº15/2012 prevê o preenchimento do certificado de óbito:


“1 – O médico preenche o certificado de óbito, por via eletrónica, nos termos e condições fixados no
respetivo formulário do SICO, incluindo os dados pessoais e, quando exista, o número de utente do SNS da
pessoa falecida, para efeitos de atualização do RNU.
4 – O médico que não cumprir os deveres impostos nos números anteriores responde, disciplinarmente,
salvo nos casos em que demonstre ser impossível aceder ao SICO nos termos a regular por portaria dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, da justiça e da saúde.”

O Despacho nº14240/2012 de 23 de outubro determinou o início do período experimental do SICO nos


Hospitais da Universidade de Coimbra, integrados no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.,
bem como nos serviços de Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses,
I.P., a partir das 0 horas de 15 de novembro de 2012.
Dados da DGS: em 25/09/2013 dos certificados de óbitos emitidos por dia, cerca de 70% já eram
eletrónicos; entre 15/11/2012 e 25/09/2013 o total de certificados emitidos foi de 18866.
O Despacho nº13788/2013 de 29 de outubro determinou o término do período experimental às 23h59m
do dia 31 de dezembro de 2013, pelo que a utilização do SICO passou a ser obrigatória para a certificação
dos óbitos ocorridos em território nacional a partir das 0 horas de 1 de janeiro de 2014.

Quais as vantagens?
1) Conhecimento do nº de mortes/dia
2) Conhecimento mais precoce das causas de morte
3) Processos de codificação mais rápidos e estatísticas melhores
4) Incorporar a informação obtida a posteriori do resultado da autópsia
5) Fim do envio de cartas da DGS aos médicos

O Protocolo DGS/INMLCF no artigo 3º/c) exige que o INMLCF tenha de registar os dados de autópsia
médico-legal de óbitos registados no SICO no que respeita à causa da morte.
Quais as vantagens?
1) Boletins de informação clínica legíveis
2) Aumento do direito à privacidade dos cidadãos (porque a Conservatória não tem acesso à causa da
morte nem ao nº da autópsia)
3) Preservação de informação importante em investigação criminal
4) Atualizar a BD de Utentes com os óbitos ocorridos e devidamente validados
5) Efetuar a integração com a BD do IRN para validação dos dados de identificação recolhidos
informaticamente nos CO.

54
11.14.7. Notas finais:

 O certificado de óbito será emitido após a realização da autópsia médico-legal ou a receção da decisão
de dispensa da autópsia.
 Imprimir a guia de transporte, que acompanhará o cadáver (e não o certificado de óbito).
 Este documento deve ser acompanhado de comprovativo da intervenção do Ministério Público.
 É necessário ter a certeza de que a informação presente no certificado de óbito está completa
 Não especule sobre a causa da morte! Em caso de dúvida use a designação “morte de causa
desconhecida”. Neste caso se tiver informação adicional, mas que não lhe permita estabelecer um
diagnóstico, escreva essa informação nas observações.

 A emissão de Certificados de Óbito em papel requere, nos termos da lei, um documento emitido pelo
helpdesk do SICO.
 Este documento deve ser apresentado na conservatória para acompanhar o Certificado de Óbito em
papel.
 O certificado em papel tem, obrigatoriamente, que ser inserido no SICO num prazo máximo de 48h.
 Os certificados de óbito em papel deixam de ser válidos para todas as finalidades após a entrada em
vigor do SICO.

12. Autópsias Médico-Legais (objetivos, alcances e limitações)


Análise etimológica da palavra autópsia: autos (“o próprio”) + ophis (“vista) = “ver com a própria vista”.

12.1. Existem dois tipos de autópsias, embora tenham uma zona em comum/de sobreposição (têm
objetivos, regras, práticas e filosofias diferentes):

1) Autópsia Anátomo-Clínica ou Hospitalares 2) Autópsia Médico-Legal ou Forenses


Diferenças:
a) Fazem-se em ambiente hospitalar quando um a) Ocorrem nos casos em que o estudo do cadáver
doente morre, para que o médico perceba o tem interesse judicial
porquê de tal ter acontecido, podendo no b) Esclarecimento da causa da morte
futuro agira de forma diferente c) Esclarecimento das circunstâncias que
b) Tem com objetivo investigar a causa da morte rodearam a morte, nomeadamente, da
c) Quais as alterações provocadas nos diversos eventual intervenção de terceiros, sua
órgãos e tecidos por um determinado processo identificação e seu grau de responsabilidade
mórbido
d) Como tais alterações poderão ter provocado os Deste modo, reunindo e interpretando evidências
sintomas funcionais manifestados em vida relevantes contribuirá para a investigação de uma
e) É centrada no exame interno e na correlação morte pelas autoridades.
dos elementos observados com os elementos
clínicos
Objetivos: Objetivos:
a) Estudo da causa da morte a) Estabelecimento da causa da morte
b) O estudo da natureza e desenvolvimento da b) Identificação do cadáver
doença c) Estimativa do tempo de morte
c) A avaliação da eficácia do tratamento (cronotanatognose)
d) O controlo de qualidade dos cuidados médicos d) Ajudar na interpretação e correlação dos factos
e) Informação à família, sociedade e médicos e das circunstâncias que envolveram a morte
f) Educação e formação médicas e) Colheita e preservação de evidências
Em alguns países exige-se uma percentagem de Pode haver objetivos mais específicos, dependendo dos
autópsias deste tipo para controlo da qualidade dos casos:
cuidados médicos. Em Portugal não há nenhuma a) Identificação do(s) agressor(es)
55
legislação que regule estas autópsias. Apenas existe um b) Tempo de sobrevida após a produção das
parecer: Parecer do Conselho Nacional de Medicina lesões
Legal de 2006. c) Cronologia das lesões
É necessário o consentimento dos familiares – 12 horas d) Ferimentos vitais e post mortem
a partir do momento em que a família tomou e) Influência de álcool ou de substâncias
conhecimento do óbito. Por causa disto, em Portugal psicotrópicas
quase não ocorrem este tipo de autópsias. f) Distância do disparo
g) Etc.

12.2. Fases da autópsia médico-legal


1) Exame do local
2) Autópsia psicológica (perfil psicológico)
3) Exame da documentação/testemunhas
4) Exame do vestuário
5) Exame externo do cadáver Deve fazer-se sempre um exame completo de
6) Exame interno do cadáver todo o corpo, não parando se se encontrar
7) Exames complementares uma lesão num dado órgão.

12.3. Estado em que o corpo é levado para autópsia:


1. Cadáver íntegro e em bom estado de conservação
2. Cadáver com mutilações mais ou menos intensas
3. Cadáver em decomposição
4. Restos cadavéricos

12.4. Quem ordena? Quando é feita? Quem realiza? Onde se realiza a autópsia?
Encontramos estas respostas no regime jurídico das perícias médico-legais: Lei nº45/2004.
Quem ordena as autópsias é o Ministério Público é feita nos termos dos artigos 18º e 19º e realiza-se no
INMLCF (que tem sede em Coimbra, tem 3 delegações e 27 gabinetes).

Artigo 18º

Nº1: Determina que é obrigatória em situações de morte violenta ou de causa ignorada, salvo se existirem
informações clínicas suficientes. Esta dispensa não é possível em casos de acidentes de trabalho ou de viação
de que resulte morte violenta/imediata.

Nº3: Determina que pode ser dispensada em casos de risco de contaminação (por exemplo: doença das vacas
loucas), pois exige uma sala muito especial.

Nº5: Pode ser realizada após a constatação de sinais de certeza de morte (entre 4 a 5 horas depois da morte).
Antes só podiam ser realizadas 24 horas depois da morte.

Artigo 19º

É realizada por um médico perito, salvo se houver suspeita de crime doloso (nestes casos é realizada por dois
médicos peritos) – ver a este respeito a Recomendação nº R (99) 3 UE

12.5. Objetivos gerais da autópsia – regra dos 6 Ws


1. Who?
Saber quem morreu não constitui habitualmente problema, mas pode ser particularmente complexo em
alguns casos. Designadamente, quando há ausência de evidências circunstanciais sobre a identidade da
pessoa encontrada morte e quando a identificação visual é impossível devido à putrefação,
queimaduras, mutilação, etc.

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2. When?
Quando a pessoa morreu determina-se habitualmente das evidências circunstanciais e tal não constitui
habitualmente um problema. Mas pode ser um problema crítico quando:
- um álibi é apresentado como defesa num homicídio;
- esteja em causa a sequência de mortes em membros da mesma família (mortes no mesmo
incidente) influencia problemas sobre as heranças;
- no que toca às apólices de seguros que caducaram no decurso do tempo decorrido entre o
desaparecimento da pessoa e a descoberta do corpo
3. Where?
O local onde a pessoa morreu é habitualmente aquele onde foi encontrado, mas nem sempre!
Por exemplo, as vítimas de homicídio podem ser transportadas para outros lugares, os corpos podem
viajar longas distâncias em rios ou no mar até à sua descoberta.
4. Why?
Existem muitas causas de morte, tanto naturais como violentas, que não podem ser estabelecidas com
certeza absoluta. Apenas o sendo através da autópsia.
Num pequeno número de casos uma investigação completa, incluindo autópsia, pode não conseguir
estabelecer a causa da morte (“autópsia negativa” ou “autópsia branca”).
5. How?
Etiologia da morte. A morte pode ser natural ou violenta, e se violenta pode ser acidental, suicida ou
homicida.
Em algumas mortes a maneira como ela ocorreu pode ser indeterminada, porque a causa da morte é
desconhecida ou porque as circunstâncias são pouco credíveis (por exemplo: se o afogamento for
acidental ou suicida)
6. What?
Estabelecer o que aconteceu, quais as circunstâncias que envolveram a morte. Traduz-se no foco de
qualquer processo legal. A autópsia pode contribuir no processo estabelecimento objetivamente as
evidências de algumas coisas que aconteceram ou, mais comum, da evidência limitada ao que poderia
ter acontecido. Por exemplo: nas investigações de homicídios, a autópsia pode fornecer informações
sobre a posição da vítima, a arma usada, a sequência das lesões, o período de consciência, o tempo de
sobrevivência, o tempo da morte, a interferência post mortem com o corpo e o método de disposição.

6.6. Objetivos particulares


1) Determinação da data da morte
2) Diagnóstico diferencial entre ferimentos vitais e post mortem
3) Cronologia dos ferimentos
4) Diagnóstico diferencial entre morte rápida e morte lenta
5) Se houve deslocação do cadáver
6) Identificação do agressor
7) Distância a que foi efetuado o disparo
8) Se o indivíduo viveu no foco do incêndio
9) Se o projétil atingiu o indivíduo diretamente ou após ricochete
10) Qual o seu grau de intoxicação etílica
11) Etc. etc..

13. Antropologia Forense

13.1. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE O ALCANCE E LIMITAÇÕES DAS PERÍCIAS DE ANTROPOLOGIA FORENSE

Quando o cadáver não está “fresco” passamos logo para a parte da antropologia forense, que resolve os
problemas de identificação quando a identificação visual não é possível.

O esqueleto é um conjunto intacto, devido a fibroses, ligamentos que permitem os movimentos nas
articulações (ligação dos ossos). Com a putrefação, os ligamentos destroem-se e os ossos desarticulam-se.
57
Relativamente à cabeça, os ligamentos são muito fracos, por isso é natural que ela se desprenda, principalmente em
zona de declive.

Podemos ter casos em que os cadáveres não estão em decomposição, mas estão de tal forma deformados
que é impossível identificar. O mesmo se diga para os casos em que os cadáveres estão carbonizados.

A identificação positiva só é possível através dos elementos comparativos.

O perfil morfológico é a descrição das características do corpo, podendo levar a uma identificação de
presunção (não há comprovação científica de um perito), pode haver mais do que um sujeito com possibilidade de
correspondência naquele coro.

13.2. Âmbito de aplicação da antropologia forense:


1. Recuperação de restos esqueléticos
2. Estimativa do intervalo pós-morte
3. Determinação da espécie
4. Avaliação do perfil biológico
5. Fatores de identidade
6. Aproximação e sobreposição crânio-facial
7. Causas e circunstâncias da morte
8. Desastres de massa
9. Crimes contra a humanidade
10. Identificação nos vivos
11. Estimativa da idade de menores
12. Estimativa de idade através de imagens /envelhecimento

13.3. Identificação de restos humanos:


É o ato forense que dá um nome a um falecido com um grau de certeza científica, através da comparação
entre dados antemortem e os dados obtidos postmortem.

Note-se que: identificar ≠ reconhecer


Os métodos de identificação podem ser primários ou secundários:
Primários Secundários
a) Genética a) Características médicas e antropológicas
b) Dactiloscopia b) Radiologia
c) Odontologia
Da análise antropológica dos restos humanos, podemos ter como resultados:
1. Identificação positiva
2. Identificação presumida
3. Não identificação (por exclusão)
4. Não identificação (por resultado inconclusivo)
Muitas vezes é impossível estabelecer a identidade absoluta, mas é possível excluir a identidade com absoluta
certeza.

13.4. Papel do antropólogo no trabalho de campo:


1. Colabora na localização dos vestígios cadavéricos
2. Maximiza a recuperação de restos humanos
3. Manter a cadeia de custódia: escavar para expor os vestígios humanos e objetos associados; fazer os
registos e proceder à exumação
4. O antropólogo forense deve responder a 10 primeiras questões:
a) É osso?
b) É humano?
c) Tempo decorrido desde a morte (é um caso forense)?
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d) Quantos indivíduos estão presentes?
e) Ancestralidade
f) Sexo Perfil biológico
g) Idade
h) Estatura

» fatores gerais de identificação: só por si não identificam mas ajudam a eliminar possíveis vítimas

13.5. Processo de identificação:


I. FASE I
 Parâmetros genéricos/fatores genéricos de identificação - Perfil Biológico:
Idade, sexo, ancestralidade, estatura
1) Determinação das afinidades populacionais: antes, pensava-se que as diferentes
manifestações morfológicas nos humanos correspondiam a espécies diferentes. O que
efetivamente existe são grupos raciais. Com o advento da biologia molecular e do ADN,
entendeu-se melhor a idade de afinidades populacionais. Hoje em tida, as variações são
cada vez menos percetíveis pela mistura de etnias. O que significa que esta
determinação é a tarefa mais difícil e menos precisa de qualquer análise forense.
Em termos ósseos, o crânio é a melhor parte para determinar as afinidades
populacionais. É a face que nos permite identificar características raciais (estas não têm
tradução a nível genético, apenas morfológico)
2) Determinação do sexo: baseada na morfologia óssea depois da puberdade
- Robustez física: o esqueleto masculino é mais robusto, pelo que os ossos são mais
rugosos (devido à produção de hormonas sexuais)
- Dimorfismo sexual: os ossos da bacia são os ossos mais dimórficos, por motivos da
função reprodutora (também se deve às hormonas); também os dentes, isto é, a
mandibula e o sistema dentário
3) Determinação da estatura: é feita através do método anatómico ou do método
matemático
- método anatómico: medição do esqueleto
- método matemático: correlação entre a estatura e o comprimento dos ossos (a
correlação é de 0,8)
Note-se que a estatura também é uma manifestação do dimorfismo sexual – deve ser
calculada depois da determinação do sexo.
4) Determinação da idade:
- até aos 20-25 anos a determinação é fácil porque as alterações ósseas seguem uma
cronologia óssea diferenciada; em crianças e adolescentes recorre-se, pois, ao
desenvolvimento dentário, à ossificação do crânio e ao comprimento das diáfises e
união das epífises às diáfises
- partir daí é complicado, porque temos apenas os indicadores de degeneração óssea e
dentária (que nos dão intervalos alargados).

II. FASE II
 Parâmetros individualizantes:
- Características anatómicas únicas
- Características de natureza patológica e/ou procedimentos terapêuticos´
Através da aplicação de métodos comparativos que permitem a identificação positiva. Deve dar-se
prioridade à morfologia sobre o perfil genético (através destas raramente chegamos à identificação positiva). Aqui
devemos atender, nomeadamente:
a) Traumatismos
b) Patologias – aqui apenas relevam as patologias que afetam os ossos (pelo que, a existência
de patologias no esqueleto são uma mais-valia para a identificação)

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c) Lado dominante
d) Sinais particulares
e) Comparação fotográfica/radiográfica
f) Reconstrução fácil
g) Marcadores genéticos

III. FASE III


 Comparação entre os dados ante mortem e os obtidos post mortem
É preciso comparar os dados da perícia morfológica com os dados do desaparecido.

13.6. Determinação da causa e circunstância da morte:

As causas de morte podem ser, por exemplo, acidente vascular cerebral, traumatismo craniano, asfixia,
intoxicação, etc. Já quanto às circunstâncias da morte podemos dizer que é natura, homicídio, suicídio ou
acidente. Em antropologia apenas podemos observar os traumatismos.

O que significa que, é difícil através da antropologia atingir com precisão a causa da morte. Daí que a
genética seja reservada para os casos em que a morfologia é escassa e insuficiente. O ADN pode ser nuclear
(está dentro das células e é difícil de extrair) ou mitocondrial (herda-se da mãe). Com o ADN temos de fazer
estudos indiretos na maior parte dos casos, mas é excelente para diagnósticos de exclusão.  A este propósito
ver o ponto relativo à identificação genética individual.

Os traumatismos, de acordo com o objeto que os produziu, podem ser:


Contundentes Perfurantes Incisivas ou cortantes
- podem levar a dobragem óssea - fraturas por irradiação - tendem a ser mais longas que
- a lesão pode refletir por vezes a forma e - fraturas concêntricas profundas
tamanho do objeto do agressor - à medida que a faca penetra vai
- fraturas radiais e concêntricas cortando e dividindo o osso, ao
contrário do que acontece com
os contundentes, em que o osso
é esmagado
Apresentam padrões diferentes, concordantes com o respetivo instrumento. No entanto, “diferentes causas
podem produzir as mesmas lesões e diferentes lesões podem ser produzidas pela mesma arma e/ou mecanismo”.
É preciso diferenciar entre lesões traumáticas peri-mortem, ante-mortem e post-mortem:
É preciso avaliar as lesões devidas a fatores tafotómicos (danos nos ossos que acontecem depois da morte devido
a vários fatores, como animais, clima, etc.)
Ante-mortem Peri-mortem Post-mortem
Há regeneração óssea O osso está ainda elástico Os traumatismos tendem a ser
irregulares porque não houve
regeneração

13.7. Datação do esqueleto


É importante para:
a) Âmbito civil – problemas de sucessão, seguros, etc.
b) Âmbito penal – prescrição dos crimes

Existem diferentes métodos para proceder à datação do esqueleto:

i. Morfológico
ii. Biológicos (entomologia forense)
iii. Físicos e químicos
A entomologia forense é o modo mais científico de fixar a datação. É a biologia que se dedica a estudar
insetos. Há um tropismo das moscas para a matéria em decomposição, deixando no corpo larvas. Havendo

60
um ciclo de metamorfose que nos pode indicar o intervalo de tempo pós-morte. A partir deste método
podemos dizer: “tem de estar morto há x tempo”, mas pode ter morrido há mais.

13.8. Desastres de massa


Nestes casos, os principais objetivos da antropologia forense é a recuperação dos cadáveres e a sua
identificação.

13.9. Crimes contra a humanidade


Nestes casos, os principais objetivos da antropologia forense é a recuperação dos cadáveres, a sua
identificação e a determinação da causa e circunstância da morte.

13.10. Identificação dos vivos


Nestes casos, os principais objetivos da antropologia forense é a estimativa da idade em indivíduos vivos e a
identificação por foto/vídeo.

14. Exames e Perícias Médico-Legais e Forenses no âmbito da


Avaliação do Dano corporal (em direito civil, penal e do trabalho)
 A metodologia do exame é relativamente comum para todas as perícias, mas o objetivo e as conclusões são
diferentes.

A. ESTABELECIMENTO DA IMPUTABILIDADE MÉDICA (NEXO DE CAUSALIDADE) E O ESTADO


ANTERIOR

O nexo de causalidade é a “relação entre a situação psico-física de um determinado indivíduo e um


determinado facto, é o elemento que permite admitir cientificamente a existência de uma ligação entre um
qualquer evento e um estado patológico…a explicação dos mecanismos fisiopatológicos que permitiram às
lesões iniciais gerar lesões temporárias ou permanentes, apesar, por exemplo, dos eventuais tratamentos”.
Não podemos confundir o nexo de causalidade médico com o nexo de causalidade jurídico.
Efetivamente o médico não pode avaliar pressupondo coisas que não aconteceram ou pressupondo coisas
das quais não tem dados.

 Critérios clássicos de Muller e Cordonnier/Simonin:

a) Natureza adequada do traumatismo para produzir as lesões evidenciadas


Por exemplo: “uma fratura espiroide da tíbia não pode ser produzida por um
traumatismo direto”
b) Natureza adequada das lesões a uma etiologia (causa/origem) traumática
Por exemplo: “uma hepatite, uma febre tifóide, uma doença vénerea, etc, não admitem
uma causalidade traumátia”
c) Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão
Por exemplo: “patologia encefálica e craniana temporal por contra-pancada”
d) Adequação temporal
Por exemplo: “chicote cervical e aparecimento da sintomatologia”
e) Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao traumatismo
Por exemplo: “uma fratura com características radiológicas de antiga será excluída do
dano pós-traumático recente”
f) Encadeamento anátomo-clínico
“deverá existir continuidade sintomatológica”
g) Exclusão de uma causa estranha ao traumatismo
61
Por exemplo: “agressão com murro na face (sem lesões traumáticas), após algumas
horas nova agressão com murro na face, mas com lesões traumáticas”.

Estes sete critérios não devem constituir senão elementos de reflexão, a serem
interpretados cuidadosa e ponderadamente em cada situação concreta.

 O nexo de causalidade pode ser (*se for certo, direto e total, não existem dificuldade):
1) Certo ou hipotético
Quando é hipotético “a análise dos critérios relativos ao nexo de causalidade não
consente o seu estabelecimento com segurança, sucedendo todavia que o perito médico
também o não pode afastar formalmente”.
2) Direto ou indireto
Quando indireto, visa a filiação patogénica entre a causa e o efeito. Por exemplo: “será
indireta para o médico a ligação entre um traumatismo abdominal e a sua
seropositividade para a SIDA, na sequência de uma laparotomia e da esplenetomia que
necessitou de transfusão. É, pois, necessário que o médico explique esta ligação indireta,
para que o decisor possa compreender e tirar as consequências sobre o plano de
responsabilidade do autor da reparação do dano sofrido pela vítima”.
3) Total ou parcial
Parcial quando num estado patológico intervém mais do que um único fator etiológico, o
nexo é parcial porque há uma ou mais causas que concorrem, entre as quais o
traumatismo, para o resultado dano. são situações de concausalidade em que o dano é
imputável só parcialmente ao traumatismo.

 Estado intercorrente
É toda a alteração de saúde, acidente ou outra, que surge durante ou depois da ação
traumática, que é uma das causas do estado atual.

 Predisposição
É um variedade do estado anterior, que é por definição um estado anterior muitas vezes
mudo ou ignorado, correspondendo frequentemente a um estado psicológico, mental ou a
fatores de risco.
- por exemplo: osteoporose da mulher idosa predisponente para a fratura do colo do fémur,
os antecedentes diabéticos, a personalidade paranoide, o alcoolismo, o tabagismo, etc.

 Estado anterior
Estado que se verifica imediatamente antes, ou seja, no momento da ocorrência do fator
causador da lesão, objeto de valorização. Independentemente do papel que o estado
anterior possa ter sobre a evolução do processo patológico decorrente do evento
traumático, o perito médico também deve explicar qual a sua influência sobre o estado
anterior.
Podemos estar perante:
a) Exteriorização – é a passagem de um estado latente, conhecido ou desconhecido, mas
silencioso, ao estado patente
b) Descompensação – o estado anterior era já conhecido, mas estava estabilizado. O
evento veio fazer evoluir este estado.
c) Aceleração – precipitação do processo evolutivo, sendo a evolução a que se previa para
a doença pré-existente, mas sendo o intervalo evolutivo encurtado
d) Agravamento – passagem de um estado patológico conhecido e com uma evolução
determinada a uma situação de maior gravidade desencadeada pelo traumatismo.

62
»NOTA: no âmbito do Direito do Trabalho, estão legalmente definidas e publicadas
regras que devem ser aplicadas quando se verifique a existência de estado anterior, o
que não sucede no campo de avaliação do dano corporal de natureza cível.

B. AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL (PESSOAL) – CONCEITO


Identificar, estudar, descrever, documentar e valorar em termos técnicos e num quadro jurídico
determinado, as lesões e sequelas (os elementos de dano) suscetíveis de serem objeto de sanção penal e/ou
de concessão de pensão, de indemnização, de benefícios fiscais, benefícios sociais, etc….
Esta avaliação do dano corporal pode ocorrer em diversas áreas: em direito penal, em direito do trabalho,
em direito civil, em direito administrativo, etc.

C. AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO PENAL – corresponde a 90% da atividade da medicina


legal

1) Sua importância e avaliação

É em processo penal que se decidem: as consequências jurídicas de um comportamento criminoso, a


existência de crime e de quem praticou o crime. Pelo que, os exames e perícias médico-legais visam
avaliar as consequências das ofensas corporais, sendo um auxílio para os magistrados para a tipificação
do crime.

As entidades requisitantes de exame médico-legal são: judiciais, policiais, unidades de saúde e a


própria vítima.

Os exames efetuados em sede de Direito Penal são relativos a:


a) Crimes contra a integridade física (agressões físicas, acidentes de viação e agressões provocadas por
animais)
b) Maus tratos e violência doméstica
c) Crimes sexuais

É importante que a perícia constitua um instrumento que, qualquer seja o contexto típico, habilite o julgador
(ou o Ministério Público, na fase de inquérito) a afirmar a existência (ou a inexistência) do dano corporal que o tipo
legal supõe.

Através da perícia médico-legal deve proceder-se:


a) À descrição pormenorizada do dano e das suas consequências para o ofendido (sua natureza e
extensão)
b) Efeitos para o corpo e a saúde do ofendido
c) Eventual criação de perigo para a vida
d) Prestar informação sobre a influência da conduta do agente na produção do resultado
e) Adequação da agressão à produção do resultado
f) Justificar, numa perspetiva científica, a orientação da conclusão médico-legal.

Atendendo às ofensas à integridade física, quais são aqui os objetivos da perícia?


1. Avaliar as consequências de ofensas corporais, sendo um auxílio para os magistrados quanto à
tipificação do crime e referência quanto ao doseamento da pena a aplicar
2. Investigar se as vítimas apresentam alguns dos resultados previstos na lei
 Código Penal – Capítulo III – DOS CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA (artigos 143º e 144º)

63
Artigo 143º - ofensa à integridade física simples Artigo 144º - ofensa à integridade física grave
Trata-se de um crime doloso que comporta qualquer Atendendo à gravidade das consequências para o corpo
grau de dolo ou a saúde da vítima, justificam uma reação penal mais
Quando se refere a “lesões recíprocas” não devemos acentuada.
confundir esta situação com os casos de legítima
defesa!

2) Da letra da lei à prática médico-legal


- conceitos utilizados na prática pericial
i) doença
– não importa que a alteração incida ou não sobre a capacidade de trabalho, requeira ou não
intervenção terapêutica e comporte ou não um rebate geral apreciável do organismo
ii) tempo de doença
– corresponde ao período de tempo que decorre entre a produção das lesões e a cura ou consolidação
iii) cura
– consiste na recuperação anatómica, funcional e psico-sensorial integral com restitutio ad integrum
(isto é, a pessoa fica como antes da lesão)
iv) consolidação
– consiste na recuperação anatómica, funcional e psico-sensorial parcial, com sequelas que se mantêm a
partir de determinado momento.

3) Conceito funcional de órgão importante (conceito médico-legal)


– órgão ou membro que funcionalmente sejam relevantes, podendo a sua “privação” ser temporária ou
permanente, total ou parcial (não tem de resultar necessariamente da supressão ou privação total do
órgão, bastando que haja diminuição ou redução grave da função específica que ele desempenha).
– esta importância está dependente da ciência médica e deverá ser aferida para cada vítima em
particular, atendendo à atividade por ela desempenhada e á relevância que o órgão ou membro tem
para si.
– a importância é suscetível de ser valorizada através da descrição pormenorizada das consequências da
sua produção, incluindo o efeito nas situações concretas da vida da vítima (gerais ou profissionais).
– não tem obrigatoriamente que ser permanente
– a importância de um membro determina-se tendo em conta os fatores individuais da vítima (por
exemplo: a privação de um dedo de um pianista – a amputação de um dedo na maioria das pessoas,
apesar de criar um prejuízo estético e limitar funcionalmente, será enquadrável enquanto resultado de
ofensa corporal do artigo 143º CP).

4) Desfiguração grave (alteração, em grau elevado, do aspeto, da figura, do ofendido)


*aqui temos de ter atenção à descrição pormenorizada e à foto-documentação
– o perito deverá informar se a desfiguração é ou não permanente, ou seja, se não é suscetível de ser
alterada com o tempo ou através de uma intervenção médico-cirúrgica
– o dano não deve ser considerado apenas do ponto de vista estático mas, também, dinâmico
– a desfiguração grave deverá efetivamente ser grave e permanente e, apesar de ser referido a questão
da visibilidade, a desfiguração grave não se limite ao rosto ou às zonas descobertas do corpo
– deve ter em conta a extensão e visibilidade do dano bem como circunstâncias pessoais da vítima (sexo,
idade e profissão) que possam ser relevantes

5) Afetação grave da capacidade de trabalho


– reporta-se ao trabalho em geral, e que é comum também à criança, ao idoso e ao desempregado, bem
como ao profissional
– o dano tanto pode ser permanente como temporário, bastante que seja grave: “tirar-lhe” releva
caráter de permanência, enquanto “afetar-lhe” pode ter caráter permanente ou temporário.

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6) Afetação das capacidades intelectuais (alteração da inteligência e da vontade)

7) Afetação da capacidade de procriação ou de fruição sexual (ablação dos órgãos sexuais ou afetação da
capacidade de fecundação ou gerar um ser, bem como de fruição sexual)

8) Afetação da possibilidade de utilização do corpo, os sentidos ou a linguagem


– alteração respetivamente: da capacidade funcional geral; da visão, audição, gosto, olfato e tacto; dos
processos de expressão e comunicação.

9) Doença particularmente dolorosa ou permanente


– corresponde a uma situação clinicamente identificada como causadora de elevado sofrimento físico,
podendo ser temporária ou permanente
– a avaliação da intensidade deste sofrimento pode ser feita através da descrição do tipo de lesões e dos
tratamentos efetuados (penosidade e morosidade envolvidas)
– doença duradoura, sem contudo envolver a ideia de perpetuidade

10) Anomalia psíquica grave ou incurável


– justifica sempre uma avaliação por psiquiatria forense, sendo fundamental o estabelecimento do nexo
de causalidade entre a agressão e a anomalia psíquica, que deverá ser fundamentada no relatório
pericial
– engloba todos os casos de afetação profunda das capacidades mentais e intelectuais

11) Perigo para a vida – quando o legislador qualifica a conduta em função do resultado perigo para a vida,
questiona-se a natureza do perigo: pelo que atendemos a duas noções (perigo concreto ≠ perigo
potencial):
a) Perigo concreto para a vida:
- probabilidade concreta e presente do resultado letal;
- perigo sério, atual, efetivo e não remoto ou meramente presumido, para a vida do lesado;
- as situações que correspondem à formulação clínica de um “prognóstico reservado”;
- traduz uma situação de morte iminente, em dado momento em consequência das lesões corporais
Exemplos: choque hemorrágico, choque séptico, coma profundo, insuficiência renal aguda, paragem
cardio-respiratória.
b) Perigo potencial para a vida:
- deve ser assinalado no relatório os casos em que existiu risco, ainda que potencial;
- é uma expetativa, ainda que razoavelmente possível ou mesmo provável;
- falta a sua concretização, o estado crítico real
- a doença que põe em perigo a vida do ofendido não tem que ser permanente ou de perigo
constante; em muitos casos, eles ao recuperarem, ficam curados e sem sequelas permanentes.

12) Presunção da intenção de matar


- não compete ao perito médico, nem mesmo através de uma mera presunção médico-legal; não
compete ao perito pronunciar-se sobre a intenção com que os ferimentos foram produzidos
- a intenção de matar não configura um juízo técnico-científico, mas sim apenas, um juízo de
probabilidade sobre essa intenção que deve ser apreciado pela experiência do julgador
- o papel do perito será apenas de se pronunciar sobre a adequabilidade de determinado facto – em
regra, agressão – a produzir determinado resultado
- ou seja: o perito médico, apenas se deverá pronunciar se a região atingida aloja órgãos essenciais à
vida (por exemplo: tórax ou cabeça), e se tal agressão foi com instrumento que, pela sua natureza e pela
violência da atuação (por exemplo: número, extensão e profundidade das lesões), o tornavam apto e
adequado a produzir lesões mortais

65
- compete ao perito médico fornecer à justiça os elementos objetivos colhidos na perícia, cabendo
inequivocamente ao juiz e só a ele, na posse dos elementos (perícias e extra-perícias) a responsabilidade
de decisão nesta matéria.

13) Nexo de causalidade – relação de imputabilidade entre um traumatismo e um dano, tendo em conta:
- adequação entre o tipo de lesão e a sua etiologia (causa/origem da doença)
- o tipo de traumatismo e o tipo de lesão
- a sede do traumatismo e a sede da lesão
- a existência de continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo, as lesões e
as sequelas
- exclusão da pré-existência do dano ou de uma causa estranha relativamente ao traumatismo

Em direito penal valorizam-se ofensas contra a integridade física. A pena é o castigo do agressor
determinada pelo Tribunal. O dano não é personalizado, deve fazer-se a objetivação dos danos. Valorizamos os
danos corporais. E, note-se que, o dano não se valoriza em termos futuros.

14) Conclusões:
a) Natureza do instrumento (não o instrumento em si, mas a forma como atuou):
- contundente
- perfurante
- cortante
- misto
- agente físico
- agente químico
b) Consequências temporárias da agressão
- indicação dos dias de doença, sendo X dias com afetação da capacidade para o trabalho geral e X
dias com afetação para o trabalho profissional
c) Consequências permanentes
Deve indicar-se se:
- do evento não resultaram quaisquer consequências permanentes
- do evento não resultarão, em condições normais, quaisquer consequências permanentes
- do evento resultaram as consequências permanentes descritas, as quais sob o ponto de vista
médico-legal…(fazer descrição)
- do evento resultou, em concreto, perigo para a vida do examinado
- adoção de medidas psicossociais

Neste sentido, a avaliação da intensidade ou gravidade da ofensa é ponderada através:


1) Tempo de doença e da afetação temporária da capacidade de trabalho que aquela
determinou;
2) Eventuais consequências permanentes
3) Existência ou não de perigo para a vida

Em suma, o fundamental é que o perito médico seja capaz de descrever o dano corporal de forma
pormenorizada e sistematizada, fundamentando as suas conclusões, sem que no entanto tenha de enquadrar a
ofensa em qualquer artigo ou, ainda menos, presumir a intenção de matar. A “missão” pericial é permitir as
autoridades judiciárias e judiciais uma sustentada apreciação jurídica do caso, através da descrição das
consequências médico-legais do facto praticado.

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D. AVALIAÇÃO DO DANO EM DIREITO DO TRABALHO

Todos os anos morrem cerca de 5 500 pessoas na União Europeia vítimas de acidentes de trabalho. O
número de acidentes de trabalho dos quais resulta mais do que três dias de ausência de trabalho é superior a cerca
de 146 milhões de dias de trabalho perdidos. Este problema coloca-se em particular incidências nas pequenas e
médias empresas. Isto porque, a segurança e prevenção decaiu com a crise económica o que é problemático
traduzindo-se numa fase menos boa nesta área. Portugal tem uma taxa de acidentes de trabalho superior à da UE.

Um estudo realizado a nível nacional permitiu concluir que as empresas aumentam a segurança apenas
depois de um acidente ocorrer (este aumento foi de 12%) e que, 40% dos sinistrados julga que acidente poderia ter
sido evitado por maior atenção e segurança (isto resulta da falta de prevenção e de consciencialização dos
trabalhadores).

1) Noções básicas sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais

 Conceito de acidente de trabalho (artigos 8º e 9º da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei


98/2009)
É acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e tempo de trabalho e produza
direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte
ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima.

No trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto, ou quando


haja desvios ou interrupções motivados por necessidades atendíveis, força maior ou caso fortuito:
a) Entre a residência habitual ou ocasional (da porta de acesso para as partes comuns do edifício ou
para a via pública) e o local de trabalho;
b) Entre a residência habitual ou ocasional ou o posto de trabalho e o local de pagamento da
retribuição
c) Entre a residência habitual ou ocasional ou o posto de trabalho e o local onde deve ser prestada
assistência em virtude de anterior acidente
d) Entre o local de trabalho e o local de refeição
e) Entre o local de trabalho e o local onde deva prestar qualquer trabalho determinado pela
entidade empregadora
f) No local de trabalho ou fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de
representantes de trabalhadores, nos termos previstos no Código de Trabalho
g) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local
de trabalho quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência
h) Em atividade de procura de emprego
i) Quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade patronal

 Descaracterização do Acidente de Trabalho (artigos 14º e 15º da Lei)


a) Quando for dolosamente provocado pelo sinistrado
b) O que provier de ato ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das
condições de segurança
c) O que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado
d) Que provier de caso de força maior
e) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, salvo
se tal privação derivar da própria prestação de trabalho

67
2) A reparação (artigos 23º e 25º)

Em espécie Em dinheiro
1. Assistência médica e medicamentos 1. Incapacidade temporária absoluta
2. Assistência farmacêutica 2. Incapacidade temporária permanente
3. Enfermagem 3. Indemnização em capital ou pensão em caso de
4. Hospitalização e tratamentos termais incapacidade permanente
5. Hospedagem 4. Pensões aos familiares
6. Transporte (para observação, tratamento ou 5. Hospedagem
comparência a atos judiciais) 6. Subsídios de elevada incapacidade permanente
7. Adequados aparelhos de prótese, ortótese e 7. Re-adaptação da habitação
ortopedia (sua reparação ou renovação)
8. Reabilitação

3) Avaliação pericial do dano corporal em direito do trabalho

Em direito do trabalho não contemplamos os danos subjetivos. O objetivo visado é a indemnização que
pretende compensar a perda da capacidade de ganho para o trabalho. Enquanto em direito civil o objetivo é a
reparação integral do dano.

A avaliação é feita em percentagem e este valor entra no cálculo da indemnização.

 Nos acidentes de trabalho o direito à reparação visa reparar o quê? Os acidentes dos quais resultem
lesão corporal, perturbação ou doença, quando se verifique a morte ou a redução da capacidade de
ganho ou de trabalho.
 Limitação dos danos reparáveis:
a) Apenas a incapacidade para o trabalho
b) E para o trabalho tal como ele era no dia do acidente
 Pode concorrer com outras linhas de responsabilidade:
a) A vítima pode ser titular de mais de um direito de reparação
b) O mesmo dano só pode ser reparado uma vez apesar de poder haver vários processos
Por vezes, acontece que a pessoa quando chega, já não tem a mesma atividade profissional e,
nesses casos, não se tem em conta o trabalho atual, mas apenas a repercussão que a sequela tinha
no trabalho anterior. A seguradora responsabiliza-se pela situação à data em que o acidente
ocorreu (até porque os seguros podem ser diferentes consoante o tipo de atividade).

 Quais os exames a realizar:


a) Exames Singulares
b) Juntas Médicas
c) Exames de Revisão

 Os tipos de incapacidade

68
A avaliação do dano corporal em direito do trabalho pressupõe a cooperação entre a medicina e a justiça.
Nos acidentes de trabalho, o objetivo desta avaliação é indemnizar a incapacidade de ganho (ao passo que em
direito penal é ver outra pessoa condenada e, no direito civil, é a reparação integral do dano).

No âmbito da atividade profissional temos de atender ao tipo de incapacidade em que a pessoa se encontra
para depois calcular a indemnização. Assim, por exemplo: quando o indivíduo tem um acidente de trabalho do qual
resulta a fratura no joelho, é internado e operado no hospital. Quando sai, passa a frequentar consultas externas.
Durante esse período ainda não se sabe quais são as sequelas que irão ficar e, enquanto não se chegar ao momento
em que não há possibilidade de cura, deixa de haver tratamentos e passa a haver incapacidade permanente. Isto é,
no final do tratamento podemos ter como resultado: a cura ou o dano permanente. Isto é muito importante porque
é partir dessa data que se começa a contar a indemnização.

Durante o período que vai desde o acidente de trabalho até àquele momento uma incapacidade de trabalho
temporária que pode ser absoluta ou parcial. Só a partir do momento em que não há possibilidade de cura é que
temos uma incapacidade permanente (que pode ser absoluta, absoluta para o trabalho habitual ou parcial).

Tudo isto precisa de ser graduado em percentagem uma vez que se traduzirá em pagamento. Quem vai
pagar é a companhia de seguros e, por isso, a responsabilidade passa para esta. Como é que se opera:

a) Se for uma incapacidade temporária absoluta (ITA) a companhia de seguros paga o salário integralmente
b) Se for uma incapacidade temporária parcial (ITP) a companhia paga uma parte e a empresa o restante
*os conflitos surgem quando o trabalhador passa da ITA para a ITP, porque a tendência é de a entidade
patronal não ter razão para retornar para a companhia de seguros pois também não está a pagar o
ordenado completo

Se houver cura, o processo termina. Se não houver cura, ficando com um dano permanente, este pode ser:

a) Parcial – aqui a pessoa já está a trabalhar e recebe uma indemnização pela incapacidade com que vai ficar
(até 30% a indemnização pode ser entregue de uma vez por capital que depende do ordenado, idade e
profissão do sinistrado; em caso de incapacidade superior a 30% a indemnização pode ser dada por pensão)
b) Absoluta – quando o indivíduo não puder exercer mais a sua atividade profissional (por exemplo: pianista de
profissão) no relatório deverá constar a indicação de uma IPATH (incapacidade permanente absoluta para o
trabalho habitual), considerando que o indivíduo pode vir a exercer outras atividades e para essas atividades
terá uma IPP (incapacidade permanente parcial) de determinada percentagem. Ora, isto traduz-se em duas
coisas:
- o valor da indemnização que vai receber é completamente diferente: o valor da IPATH de 100% tem de ser
calculado com base na percentagem de IPP
- nunca mais poderá exercer a atividade profissional anterior
Quando não esteja nenhuma das hipóteses referidas, temos uma IPA que se refere a toda e qualquer
atividade.

 Processo em direito do trabalho (participação do Tribunal de Trabalho pela Seguradora)

Em direito do trabalho, o processo é tendencialmente gratuito para o trabalhador e a companhia de seguros


tem de comunicar ao Tribunal de Trabalho a situação do acidente.
1) As incapacidades permanentes devem ser participadas aos Tribunais de Trabalho até 8 dias, a contar da
cura clínica, por escrito.
2) As mortes, imediatamente, por telescópia ou putra via de registo escrito de mensagens com o mesmo
efeito, o que não invalida a participação formal, no prazo de 8 dias, a contar do falecimento
3) As incapacidades temporárias superiores a 12 meses, por escrito, no prazo de 8 dias a contar da sua
verificação.
4) As incapacidades temporárias convertem-se em permanentes decorridos 18 meses, podendo ser
requerido exame pericial para avaliar o respetivo grau de incapacidade. Sendo que, este prazo pode ser
prorrogado até ao máximo de 30 meses pelo Ministério Público, a pedido da entidade responsável.

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Como vemos, a participação do Tribunal de Trabalho é feita sempre que haja um período de incapacidade
permanente ou incapacidade temporária.
Se a companhia de seguros não comunicar ao Tribunal de Trabalho será aplicada coima (pela não
comunicação devida). Podendo neste caso o próprio trabalhador dirigir-se ao tribunal, sem qualquer custo
associado.

 Fases do Processo (conciliatória e contenciosa) decorrentes da participação do Tribunal de Trabalho


1) Fase conciliatória – por acordo entre os três intervenientes (companhia de seguros, empregador e
trabalhador sinistrado) podem pedir uma outra avaliação
2) Fase contenciosa – aqui há conflito entre a companhia de seguros e o parecer médico. Nestes casos,
haverá uma junta médica constituída por três médicos e a decisão da junta terá valor definitivo.
Normalmente, o médico da companhia de seguros é pago pela própria e, quanto ao médico do
sinistrado, se este for de medicina legal pode ser pago pelo tribunal, mas se quiser um médico específico
terá de lhe pagar honorários.

 Direito do trabalho (notas gerais)

 As prestações de AT e DP são irrenunciáveis


 Obrigatoriedade de participação dos AT e DP
 Processo judicial completamente gratuito para as vítimas ou familiares
 Existência de fundo de garantia e atualização de pensões
 Infração da Companhia de Seguros se não pagar e da EP se não estiver segura
 As vítimas de AT não necessitam de fazer ónus da prova. As lesões verificadas a seguir ao acidente
presumem-se dela (a EP é que tem de provar o contrário).

 Conceito de doença profissional e distinção com doença natural e acidente de trabalho

A doença diz-se profissional porque tem uma ligação com a atividade profissional o que não quer dizer que
todas as doenças que tenham uma conexão profissional sejam consideradas doença profissional. Caracteriza-se,
efetivamente, pela causa e pela circunstância em que ocorre.
Distingue-se do acidente sobretudo pela forma de atuação do agente – o acidente ocorre subitamente e a
doença insidiosamente.

 Revisões
A revisão terá lugar quando se modifique a capacidade de ganho por: agravamento, recidiva, recaída ou
melhoria da lesão, intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese e formação ou reconvenção
profissional.
No caso de recidiva ou agravamento, o direito às prestações em espécie mantém-se após a alta, seja qual for
a situação nesta definida, e abrange as doenças intercorrentes relacionadas com as consequências da doença
profissional.

 Tabela nacional de incapacidades (vantagens e desvantagens) – Decreto-lei nº352/2007 de 23 de outubro


Vantagens Desvantagens
1. Mantém o equilíbrio e a harmonia (permitem a 1. Valorizam as sequelas de forma imprecisa,
uniformização de critérios – igualdade de acautelando pouco o rigor científico
tratamento para situações equiparáveis) 2. Não têm em consideração a capacidade
2. Controlam a indisciplina/subjetividade do restante
perito 3. Muitos peritos sujeitam-se passiva e
3. Facilitam os acordos extrajudiciais acriticamente aos valores arbitrados nas
4. Os coeficientes de incapacidades arbitrados tabelas (as tabelas devem dar só um valor
têm um valor indicativo (não é vinculativo) indicativo)

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A tabela nacional de Incapacidades (TNI) tem por objetivo fornecer as bases de avaliação do prejuízo
funcional sofrido em consequência de um acidente de trabalho e de doença profissional, com redução da capacidade
de ganho.
Nessa tabela encontramos as instruções gerais nos números, subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos,
relativas às sequelas de que resultam incapacidades permanentes.
A cada situação de prejuízo funcional corresponde um coeficiente (%) que traduz a perda da capacidade de
trabalho (relembrando que a disfunção total designada como IPA para toda e qualquer profissão, expressa pela
unidade).
Note-se que, sempre que as circunstâncias excecionais o justifiquem, pode ainda o perito médico, afastar-se
dos valores dos coeficientes previsto, inclusive nos valores iguais a 0,00, desde que, exponha claramente e
fundamente as razoes que a tal o conduzem e indique o sentido e medida do desvio em relação ao coeficiente.
Existem, contudo situações não previstas na TNI. Nestes casos, as incapacidades que derivem de disfunções
ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo à disfunção análoga ou equivalente.
Em relação à atribuição da IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual) devemos ter
em conta, como referido anteriormente, a capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta
incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada,
de integração profissional do sinistrado ou doente.

 Ónus da prova:
a) Se a lesão corporal/perturbação/doença for reconhecida a seguir a um acidente, ela presume-se
consequência deste
b) Se a lesão corporal/perturbação/doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao
sinistrado/beneficiários legais provar que foi na consequência dele.

 Durante o tratamento
Não obstante, confere também direito à reparação a lesão/doença que se manifeste durante o tratamento e
que seja consequência de tal tratamento.

 Predisposição (Lei nº100/97 de 13 de setembro – artigo 9º)


A predisposição patológica não exclui o direito à reparação integral. Salvo quando tiver sido ocultada ou se
tiver sido causa única da lesão ou doença.
 Dados complementares – Decreto-Lei nº352/2007 de 23 de outubro

 Sempre que seja considerado adequado ou conveniente, pode o tribunal solicitar parecer às
entidades competentes, sobre as efetivas possibilidades de reabilitação do sinistrado.

 O processo deve conter obrigatoriamente:


a) Inquérito profissional
b) Estudo do posto de trabalho
c) História clínica
d) Exames complementares de diagnóstico necessários

 Aumento do valor da capacidade


Quando a extensão da gravidade do défice funcional inclinar para o valor mínimo do intervalo de variação
dos coeficientes, os peritos podem aumentar o valor da incapacidade global no sentido máximo, tendo em
atenção:
a) Estado geral da vítima (capacidade físicas e mentais)
b) Natureza das funções exercidas, aptidão e capacidade profissional
c) Idade (envelhecimento precoce, etc.)

 Princípio da Capacidade Restante – Regra de Balthazard (Decreto-Lei 352/2007)


a) No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global da incapacidade será obtido pela soma dos coeficientes
parciais, segundo o Princípio da Capacidade Restante, calculando-se primeiro o coeficiente por
71
referência à capacidade anterior ao acidente e os demais à capacidade restante, fazendo-se a dedução
sucessiva do coeficiente/coeficientes já tomados em conta.

*prevalece norma especial

b) No caso de lesões múltiplas que respeitem a funções diferentes, o coeficiente global de incapacidade
será determinado pela soma dos coeficientes que correspondem a cada situação. O primeiro dos
coeficientes considerado referir-se-á à capacidade do sinistrado anterior ao acidente e os demais
reportar-se-ão à mesma capacidade, feita, porém, dedução do coeficiente/coeficientes já tomados em
conta.

 Fator de bonificação 1.5


a) Quando esteja em causa a perda/diminuição de função inerente/imprescindível ao posto de trabalho, os
coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo fator 1.5 se: a vítima
não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou se tiver mais de 50 anos de idade
b) A incapacidade será igualmente corrigida com a multiplicação pelo fator de 1.5 quando a lesão implicar
alteração visível do aspeto físico (posto de trabalho) e se a vítima não for reconvertível em relação ao
posto de trabalho ou se tiver mais de 50 anos de idade.

 Estado anterior (Lei nº98/2009 de 4 de setembro – artigo 11º)


a) Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior ou
quando esta for agravada pelo acidente: a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não
ser que pela lesão/doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital
de remição
b) No caso de incapacidade permanente anterior, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre
a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.

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 RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA A REALIZAÇÃO DE RELATÓRIOS PERICIAIS DE CLÍNICA FORENSE NO
ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO (VER TEXTO – ANEXO II)

E. AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO CIVIL


É a área mais abrangente e complexa dentro da avaliação do dano corporal. O papel do perito é interpretar os
indícios nos vestígios para chegar a uma imagem próxima da realidade possível. Consoante o ramo no âmbito do
qual se faz a avaliação, haverá abordagens parciais distintas, daí sendo possível haver conclusões distintas.

Em direito civil, prevalece o princípio da reparação integral do dano (medicamente utópico). Já não em direito
do trabalho, onde prevalece a capacidade de ganho. Ora, trata-se de um princípio, do ponto de vista médico,
utópico, pois não ficará na situação em que estava antes do dano. Porém, fazemos tudo para que fique na posição o
mais próximo possível, inclusive por meios compensatórios.
A reparação integral do dano traduz-se, assim, em restabelecer exatamente quanto possível o equilíbrio
destruído pelo dano e recolocar a vítima, a expensas do responsável, na situação em que esta se encontraria se o
facto produtor das lesões não tivesse ocorrido.
No âmbito do direito civil indemniza-se uma vítima pelo sofrimento. Todas as perícias médico-legais têm algo em
comum, ou seja, definir em termos técnicos um quadro jurídico. O que se pretende é tentar restabelecer o equilíbrio
destruído pelo dano e colocar a vítima na situação em que estaria se o ato produtor das lesões não tivesse ocorrido.
Isto, naturalmente, em dadas circunstâncias não é fácil pelo que se tenta compensar a vítima com uma quantia
monetária. Em direito penal, a única compensação para a vítima era ver o alegado agressor punido, mas em direito
civil há uma quantia monetária direta ao lesado.
É do senso comum que esta avaliação não é simples, tem de ser ponderada, caso a caso e exige uma certa
experiência para fazer estas avaliações de forma equilibrada. É, assim, uma atividade difícil porque há uma
subjetividade dupla na avaliação, tanto o doente como o médico tiveram de determinar graus de dor, que serão o
máximo de que conhecerão. Neste contexto encontramos vários problemas: por um lado, existem imensos casos de
dissimilação e, por outro, a relação de confiança com o médico-clínico é maior do que com um médico-perito.

 Há dois tipos de dano que podem ser reparados:


a) Danos patrimoniais (por exemplo: a compra de uma cadeira de rodas)
b) Danos não patrimoniais (o sofrimento)
A reparação dos danos não patrimoniais justifica-se, mais do que pela ideia de indemnização em sentido
próprio, pela ideia de compensação para o lesado e de sanção para o lesante. O dinheiro não remove o
dano, mas proporciona uma satisfação ao lesado, suscetível de o compensar e uma “pena” para o lesante.

 ICF/CIF = Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (é uma organização


internacional)

 Uma mesma lesão ou sequela orgânica pode ter consequência diferentes em termos pessoais e
profissionais.

 Os problemas que aqui se colocam são vários:


a) Dificuldade na obtenção de dados sobre os antecedentes
b) Antiguidade dos factos
c) Dificuldade na obtenção de dados sobre a evolução das lesões
d) Dificuldade na interpretação das lesões e sequelas
e) Subjetividade na valorização
f) Impossibilidade de submeter o examinado a determinados exames complementares
g) Reações psicológicas aos traumatismos
h) Situações de simulação ou dissimulação

 Atendendo às lesões traumáticas podemos ter duas evoluções:


a) Cura – traduz-se na recuperação anatómica, funcional e/ou psicosensorial integral, não ficando a vítima
afetada por qualquer dano permanente (a pessoa fica exatamente igual ao que era antes das lesões)
*não confundir com a noção de cura clínica!
73
b) Consolidação – consiste na estabilização das lesões que deixam de sofrer uma evolução regular
medicamente observável – seja pelo facto de terem de facto estabilizado definitivamente, seja porque não
são suscetíveis de sofrer modificações a não ser após um longo período de tempo – e não sendo necessários
mais tratamentos a não ser para evitar um agravamento, tendo ficado a vítima afetada por dano(s)
permanente(s) (sequelas); ou seja, a evolução para num ponto onde o sujeito não era igual ao que era antes,
não recupera totalmente, tendo sequelas para o resto da vida (é o que ocorre na maioria dos casos).

Vejamos: atendendo a um dado evento traumático e a um período em que a pessoa está a recuperar ativamente,
verificamos que a pessoa curou (teve o restabelecimento total das lesões não ficando com sequelas) ou que a pessoa
ficou com sequelas (consolidação médico-legal – momento em que na sequencia de um estado transitório que
constitui o período de cuidados, o lesado se fixa e toma um caráter permanente, de tal forma que qualquer
tratamento não é mais necessário a não ser para evitar um agravamento e em que é possível apreciar um
determinado juízo definitivo. Note-se que há casos em que ao lesado é recomendado fazer sessões regulares de
fisioterapia para ajudar a não piorar a situação, mas o dano em si já é permanente.

 Momentos da perícia:
1. O primeiro grande momento da perícia é a determinação da data da cura ou da consolidação.
É muito importante para se distinguir os danos temporários dos danos permanentes (os danos vão
sofrendo alterações contínuas, no sentido da cura ou da consolidação). Como referido, uma lesão pode
consolidar-se ainda que o sujeito permaneça em tratamentos que servem não para promover melhorias,
mas apenas para evitar um retrocesso.
Sob o ponto de vista formal a conclusão sobre a data de cura ou de consolidação deve apontar para uma
data, isto é, em vez de fixar uma data propor uma data fixável em….
Por exemplo: data de consolidação fixável em 10 de janeiro de 2011 – trata-se do momento em que
se constatou clinicamente que…  o perito propõe a data e o juiz fixa
2. Estabelecida a data, passamos para a avaliação dos parâmetros:
a) Danos temporários:
I. Défice funcional temporário (total ou parcial): são atividades comuns a todos nós, são
atividades normais do nosso dia-a-dia (perspetiva de um cidadão comum). Constitui, assim,
a perturbação temporária total ou parcial das atividades pessoais (incluindo atividades
desportivas e de lazer)
II. Repercussão temporária na atividade profissional (total ou parcial): aqui poderemos
alterar as conclusões adaptando caso a caso. Estas são específicas de cada pessoa.
Aqui é necessário precisar durante quanto tempo as lesões em evolução impediram a vítima
de exercer total ou parcialmente a sua atividade profissional.
III. Quantum doloris: traduz-se na valorização da dor física resultante não só dos ferimentos
como dos tratamentos e da dor em sentido psicológico.
Pretende-se avaliar:
- as dores físicas e orgânicas, consecutivas à natureza do traumatismo;
- e as dores psicogéneas, individuais, dependentes da vítima, da sua constituição física e
psíquica, da sua idade, das suas taras, raça, etc.
 Quantum doloris – fatores internos/subjetivos:
Esta, por sua vez, constitui uma valorização muito subjetiva (fatores internos) – não
só é avaliada diferentemente, como pode ser sentida de modo distinto consoante a lesão
traumática, consoante a sua extensão física e psíquica. Efetivamente, a valorização pericial
aqui é tipicamente subjetiva, decorrendo, nomeadamente, da angústia e ansiedade criadas
pelas circunstâncias inerentes ao acidente, como sejam as resultantes da hospitalização, a
anústia e ansiedade face a intervenções cirúrgicas e particularmente à anestesia geral, a
consciência do risco de vida, o afastamento do meio e das responsabilidades familiares, o
afastamento das ocupações profissionais, etc.
Há pessoas que consciente ou inconscientemente tentam exagerar o seu sofrimento e aqui
tem de haver uma avaliação caso a caso, pedindo a colaboração aos psiquiatras forenses.
74
 Quantum doloris – fatores externos/objetivos:
De todo o modo, há fatores que são objetivos, designadamente:
a) Características das lesões traumáticas (natureza e gravidade das lesões iniciais,
localização, extensão, profundidade, número de lesões)
b) Modalidades de tratamento (tipo e número de tratamentos, número e natureza
das intervenções cirúrgicas, tempo de permanência em extensão contínua,
natureza e duração dos tratamentos de fisiatria, etc)
c) Evolução das lesões (incidentes da imobilização e evolutivos, número e duração
dos internamentos hospitalares, numero e natureza dos exames
complementares, transportes, etc)

 Método utilizado na avaliação do quantum doloris:

Sabemos qua há dores que outras, por exemplo, uma fratura exposta é uma situação
medicamente mais dolorosa.

Existem vários métodos de medição da dor. Em todo o caso, deve haver uma
cooperação do examinado, deve ter-se em conta a idade, o contexto clínico (ansiedade,
compromisso do nível de consciência, patologia psiquiátrica, etc), nível inteletual, eventuais
benefícios económicos, etc.

Neste sentido, atendemos a escalas de intensidade da dor, sendo por nós adotadas
escalas quantitativas e não qualitativas. Antes utilizávamos escalas qualitativas (que iam
desde o “muito ligeiro” ao “muito importante”). Contudo, a nível europeu convencionou-se
abandonar a escala qualitativa e substitui-la por uma escala quantitativa graduada de 1 a 7.

Note-se que, na maioria dos casos, o quantum da dor para lá da consolidação está
contida nos parâmetros dos danos permanentes! Decorre do princípio da dupla valoração
do mesmo dano.

IV. Dano estético temporário


b) Danos permanentes:
A dor é avaliada dentro da incapacidade permanente da pessoa e não integrados como quantum
doloris. Dentro da incapacidade permanente, temos uma situação já consolidada. Aqui avaliamos
seis parâmetros (não avaliamos todos se as pessoas os não tiverem como sequelas):
I. Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (total ou parcial): quando
apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, permanece um estado
deficitário de natureza anatómico-funcional, ou psico-sensorial, isto é, uma alteração da
integridade física e psíquica responsável por um défice funcional, a título de dano definitivo.

 Afetação da integridade físico-psíquica


Diminuição definitiva do potencial risco, psico-sensorial ou inteletual, resultante de uma
afetação temporária ou permanente da integridade física e psíquica:
a) Medicamente constatável e, como tal apreciável por um exame clínico apropriado,
completado pelo estudo dos exames complementares realizados;
b) À qual se juntam os fenómenos dolorosos e as repercussões psicológicas habitualmente
associadas à afetação sequelar descrita, assim como as consequências habitualmente e
objetivamente associadas a esta afetação.

 A taxa de incapacidade:
Não é uma unidade medida. É antes uma unidade de apreciação! Recorremos a uma tabela
com pontos e não com percentagens.
- Esta unidade de apreciação é resultado da integração de medidas de fenómenos diversos,
feita com a ajuda de instrumentos diversos, e como tal expressos em unidades diversas e

75
alimentada pela opinião intuitiva do perito, fortalecida pela sua experiência e capacidade
apreender os imponderáveis.
Isto porque uma tabela científica exigiria hierarquizar as depreciações no seio dos órgãos e
das funções (o que é possível), hierarquizar os órgãos e as funções (o que é impossível).
Mélennec postulava o conceito de 100% = perda total de todas as capacidades fisiológicas
(morte), 99% = estado vegetativo e 95% = tetraplégico. Consideramos isto um absurdo!
As capacidades fisiológicas restantes podem ser muito diferentes para pontuações idênticas!
“O dano físico permanente é frequentemente expresso por um taxa, mas esta taxa só
adquire todo o seu significado se a sua génese é explicada e as suas componentes bem
caracterizadas” PIERRE LUCAS.
De facto, não existe uma tabela realista e utilizável que consiga fragmentar as pontuações de
forma a que a sua adição, em casos de sequelas múltiplas fisiologicamente possíveis, não
ultrapasse os 100%. Todas as tabelas graduadas entre 0 e 100% de incapacidade ou entre 0 e
100 pontos, representam assim um compromisso cuja aplicação deve ser temperada pela
apreciação das capacidades restantes, em particular segundo a existência de sinergia de
sequelas.
Caráter redutor da regra de Balthazard (regra da capacidade restante).

Ora, antes de fixar a pontuação corresponde ao indivíduo o perito deve assegurar-se


da estabilidade do estado sequelar e da sua inacessibilidade a uma terapêutica. Note-se que
o perito não deve majorar a possibilidade de agravamento no futuro!
Em relação ao dano futuro, antigamente era valorizado (situação que
inevitavelmente será agravada, era previsível que acontecesse). Era uma forma de satisfazer
mais o sinistrado. Hoje já não damos essa valoração, o que se faz é dar a possibilidade de
quando isso decorrer, a pessoa poder abrir novo processo. De todo o modo, quando o perito
verifique a previsibilidade da ocorrência do dano futuro, deve fundamentá-lo na “discussão”
do relatório e assinala-la nas conclusões.
 O problema das “mini-taxas”: é por vezes mais difícil justificar uma pontuação
pequena e a sua permanência do que uma pontuação importante. Não deve o perito propor
alguns pontos apenas para satisfazer a vítima e facilitar uma eventual resolução. Deve
permanecer na avaliação técnico-cientíica e não fazer da avaliação do dano corporal uma
“negociação tarifária”. A verdade médico-legal em matéria de afetação da integridade física
e psíquica não é um verdade matemática!
 Coloca-se aqui um problema relativo às sequelas essencialmente subjetivas.
Estas são medicamente explicáveis e plausíveis, mas não são constatáveis e mensuráveis.
Pelo que, a avaliação apenas pode ser feita através de uma pontuação única. Não é possível
modular o que não se pode objetivar!
De todo o modo, devemos olhar para este problema da taxa de incapacidade
como um mal necessário, favorecendo o equilíbrio e a harmonização dos critérios e
controlando a indisciplina. Mas, destinam-se a ser usadas por verdadeiros peritos, só
proporcionam valores indicativos (o perito não pode sujeitar-se passiva e acriticamente aos
valores arbitrados pelas tabelas), os coeficientes de incapacidade arbitrados não têm um
valor taxativo nem indicam idoneamente a verdadeira situação do indivíduo e não são um
tratado de patologia sequelar.

II. Repercussão permanente na atividade profissional (total ou parcial): não tem nada a ver
com o direito do trabalho, são coisas diferentes. Aqui avalia-se em pontos e não em
percentagem.
III. Dano estético: tem de haver uma avaliação estática e dinâmica. Este dano suscita muitas
questões. Efetivamente, cada sequela deve ser avaliada apenas uma vez, com exceção do
dano estético. Assim, esta deve ser uma avaliação personalizada. O dano estético pode
inclusive ter virtualidades de dano patrimonial quando tenha reflexos na atividade
profissional (por exemplo: uma modelo). Por outro lado, um dano estético temporário pode

76
ser incluído no âmbito da avaliação do quantum doloris. Também aqui se utiliza a escala de 1
a 7 (quantitativa).
IV. Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer: designadamente, a
impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas, de
lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representava um
amplo e manifesto espaço de gratificação e realização. Isto significa que, se a pessoa não
tinha hobbies este parâmetro não é avaliado. O reflexo das sequelas sobre atividades
integradas na vida corrente, similares às exercidas pelo comum dos cidadãos, está integrado
na pontuação atribuída à afetação permanente da integridade físico-psíquica que vimos
anteriormente.
V. Repercussão permanente na atividade sexual: afetações urogenitais como sejam ablação de
um órgão, um atingimento neurológico, lesionados medulares, etc., serão valoradas no
âmbito de uma pontuação e afetação permanente da integridade físico-psíquica. As
situações envolvendo apenas queixas relativas essencialmente à realização do ato sexual
poderão ser valoradas numa escala quantitativa de 7 graus.
VI. Dependências (necessidades atuais e futuras): estas podem ser técnicas, medicamentos ou
tratamentos de fisioterapia. Traduz-se nos cuidados médicos após a consolidação. Isto é, o
perito deve pronunciar-se sobre a necessidade de cuidados médicos, paramédicos ou
próteses após a consolidação para evitar um agravamento do estado sequelar. Deve
justificar a imputabilidade dos cuidados ao evento traumático em causa precisando que se
trata de tratamentos ocasionais, isto é, limitados no tempo, ou permanentes, para o resto da
vida.

Notas:
CEREDOC – propôs
1º versão do Guia europeu concluída em 2003 – utilização experimental a partir de 2006
2ª versão do Guia concluída em 2010 – ver Decreto-Lei 352/2007 de 23 de outubro (no anexo II consta a
tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil)
As tabelas exigem uma revisão periódica!
Em França, a perícia tem de ser feita por um médico com especial formação. Entre nós, qualquer médico
pode elaborar perícias. Mas entendem que, efetivamente, apenas deveriam poder aqueles que têm competência em
avaliação do dano corporal. As próprias organizações europeias por exemplo, referem-se expressamente a esta
exigência: “todos os peritos avaliadores devem ser titulares de um diploma universitário de estudos especializados
em avaliação do dano corporal”. “A igualdade das valorações de danos corporais idênticos qualquer que seja o perito
avaliador, é condição indispensável em qualquer harmonização da reparação, constituindo um pré-requisito prévio
essencial. Supõe competência, garantia da qualidade dos procedimentos periciais”. Logo, impõe-se uma formação
adequada com competência (e não improvisação), com rigor (e não severidade) e objetividade (e não flexibilidade).

Em suma:
Danos temporários Danos permanentes
Repercussão temporária na Dano Repercussão permanente Danos patrimoniais
atividade profissional patrimonial na atividade profissional
Défice funcional temporário Danos não Dependências
Quantum doloris patrimoniais Défice funcional Danos não patrimoniais
permanente
Dano estético permanente
Repercussão na atividade
sexual
Repercussão nas
atividades desportivas e
de lazer

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 Proceder à perícia:
a) Após a consolidação funcional
b) Quando o sinistrado tiver regressado ao domicílio que ocupará definitivamente e esteja instalado em
condições de vida presumivelmente duráveis
c) No domicílio do sinistrado (já adaptado) e no momento em que todas as ajudas técnicas desejáveis
tenham sido concretizadas
d) Após a consolidação situacional
e) Por vezes, envolver no interrogatório não apenas a vítima, mas também a sua família e o seu entorno
paramédico e médico.

F. Relatório médico-legal (em qualquer um dos ramos)

O relatório médico-legal tem de ser o mais completo possível de forma a permitir a compreensão do prejuízo real.
O relatório tem os seguintes momentos:
1. Identificação e descrição dos danos (independentemente do ramo)
2. Interpretação e valoração dos elementos observados (sempre independentemente do ramo)
3. Identificação/descrição dos danos
a) Informação
b) História do evento
c) Dados documentais (a sua recolha é fundamental pois são eles que fornecem a prova do dano e que
permitem conjugados com o resultado do exame feito pelo perito médico, o estabelecimento do
nexo de causalidade)
4. Antecedentes – é fundamental no âmbito da ponderação do nexo de causalidade (pois pode dar
indicações quanto a um eventual estado anterior)
5. Estado atual
a) Queixas
b) Exame objetivo
c) Exames complementares
6. Discussão – é a parte fundamental do relatório. É o que fundamenta as conclusões, se há nexo de
causalidade e ainda os motivos para a classificação do dano estético e do quantum doloris. Este ponto
varia consoante as especificidades do enquadramento legal, mas envolverá sempre a análise do nexo de
causalidade e da proposta da data de cura/consolidação.
7. Conclusões – aqui é feita a avaliação em dinheiro.

15. Avaliação do dano corporal em situações de Violência


Doméstica – a intervenção médica pericial

15.1. Noção de violência

A violência é o tratamento físico e/ou emocional, não acidental e inadequado, resultante de disfunções nas
relações entre a vítima e o agressor no contexto de uma relação de confiança, poder e dependência.

A vítima fica privada dos seus direitos e liberdades, afetando de forma concreta ou potencial a sua saúde,
bem estar, dignidade e desenvolvimento (físico, psicológico e social, no caso de menores).

Podemos distinguir diferentes tipos de violência, nomeadamente: abuso financeiro/material, abuso físico,
negligência, abuso psicológico/emocional, abuso sexual.

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Ao longo do ciclo da vida encontramos diversos tipos de violência, vejamos:

Fase Tipos de violência


Pré-parto Aborto seletivo, efeitos do abuso nos resultados da
gravidez
Lactentes Infanticídio; abuso físico, sexual e psicológico
Infância Casamentos forçados; mutilação genital feminina;
abuso físico, sexual e psicológico; prostituição e
pornografia
Adolescência/vida adulta Violência nas relações íntimas; assédio no trabalho;
prostituição/pornografia; tráfico; gravidez forçada
Terceira idade “suicídio” forçado ou homicídio por razões económicas;
abuso físico, sexual e psicológico.

A violência tem vários impactos na saúde e a diferentes níveis: por exemplo: gravidezes indesejadas,
transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e até a morte. Tem-se falado muito hoje em dia nos indícios
de violência durante o namoro, cada vez mais comum. A informação circula cada vez mais acerca das táticas do
agressor, do ciclo da violência e das próprias marcas que nos devem alertar.

15.2. Âmbito de atuação:


A intervenção médica pericial em situações de:
a) Abuso em menores
b) Abuso em mulheres
c) Abuso em idosos

A violência doméstica é um conceito muito abrangente, não diz respeito só ao casal.

Atualmente há uma maior sensibilidade e intolerância social para estas situações o que tem levado a uma
denúncia mais precoce e, por outro lado, os profissionais estão mais preparados.

15.3. Enquadramento jurídico

A violência doméstica é um crime público, o que significa que, independentemente da vontade da vítima,
qualquer pessoa pode e deve fazer denúncia. O artigo 152º do CP prevê o crime de violência doméstica e o
artigo 152º-A o crime de maus tratos (a crianças).

15.4. Maus tratos – abuso de menores

No que diz respeito às situações de abuso em menores, de maus tratos, considera-se que a criança ou
jovem está em perigo, designadamente, quando se encontra numa destas situações:

a) Está abandona ou vive entregue a si própria


b) Sofre de maus tratos físicos e psíquicos ou é vítima de abusos sexuais
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal
d) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação
pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento
e) Está sujeita a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou seu equilíbrio emocional
f) Assume comportamentos ou se entrega a consumos que afeta gravemente a sua saúde, segurança,
formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a
guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação

Considerações gerais:
1. A identificação de fatores de risco serve de guia da prevenção e da intervenção.
2. Qualquer criança pode ser objeto de abuso.

79
3. Em cada um pode haver a sobreposição de diferentes tipos de abuso.
4. Aos sintomas de qualquer tipo de abuso associam-se sempre sintomas de abuso emocional.
5. Os sinais, mas sobretudo os sintomas, variam conforme a gravidade do abuso, o sexo, a idade da
vítima, a sua capacidade para reagir e a existência de estruturas de apoio no seu meio.
6. Podem existir situações de abuso, sem que existam sinais/sintomas evidentes e que a vítima revela
uma relação saudável com o abusador (ocorre maioritariamente nos grupos etários mais baixos).
7. Podem existir sintomas sugestivos de abuso sem que estes se verifiquem de facto.

 Quais são os indicadores de abuso?

A maior parte dos sinais ou sintomas não são patognomónicos de determinado tipo de abuso!

Podemos ter indicadores psicológicos (de abuso físico, sexual e emocional) e indicadores de físicos.

Indicadores psicológicos de abuso:


De abuso físico De abuso sexual De abuso emocional
1. Comportamentos agressivos 1. Ansiedade; depressão; crises 1. Tristeza persistente
2. Dificuldades na auto- de pânico 2. Baixa auto-estima
regulação emocional 2. Baixa auto-estima; 3. Atraso generalizado do
3. Dificuldade na integração no impotência; insegurança; desenvolvimento
grupo de pares desconfiança 4. Baixo rendimento escolar
4. Atividades delinquenciais 3. Isolamento social 5. Comportamentos de
5. Baixa auto-estima 4. Ambivalência afetiva oposição
6. Perceção negativa de si 5. Desenvolvimento de uma 6. Internalização de problemas
7. Internalização dos sexualização traumática 7. Desenvolvimento de quadros
problemas 6. Alteração de psicopatológicos
comportamento 8. Comportamentos
7. Mentira compulsiva autodestrutivos.
8. Redução do rendimento
escolar
9. Comportamentos
regressivos
*ver tabela seguinte -
comportamentos

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Indicadores físicos de abuso
Os indicadores físicos, como determinadas lesões ou sequelas deverão ser sempre valorizados no contexto da
história e do resultado do exame médico-legal, bem como de outros eventuais exames complementares de
diagnóstico que possam ser realizados, sendo de destacar os de psicologia forense.
Mecanismos mais comuns:
1. Murros, bofetadas e pontapés
2. Beliscão e mordeduras
3. Empurrão e abanões
4. Traumatismos com objetos contundentes, cortantes, perfurantes e mistos
5. Compressão de parte do corpo com mãos ou laços
6. Queimaduras
7. Intoxicações
Suspeitar quando:
1. Inadequação/ausência/mudança nas explicações
2. Tempo de evolução e atraso na procura de assistência
3. Discrepância entre o aspeto observado e a história da produção
4. Lesões em diferentes estádios de evolução
5. Lesões em locais pouco comuns aos traumatismos de natureza acidental
6. Lesões em diferentes localizações
7. Lesões desfigurantes
8. Reflexos de defesa
9. Lesões com determinadas características.
Diagnósticos diferenciais:
1. Acidentes
2. Patologias
3. Sequelas pós-operatórias ou lesões iatrogénicas
4. Lesões devido a práticas de medicinas tradicionais
5. Malformações
6. Condições morfológicas
7. Simulação
8. Lesões auto-infligidas

 Primeira abordagem da criança/jovem:


a) Exame médico-legal
b) Exame de psicologia forense
- Avaliação do desenvolvimento da criança, do seu enquadramento sociofamiliar
- Informações sobre o evento
- Avaliação do impacto psicológico
- Apurar a veracidade ou credibilidade de testemunho
c) Exames complementares de diagnóstico

 Valorizar os sinais – quanto ao:


a) Tipo (feridas contusas, perfurantes, cortantes, mistas, queimaduras)
b) Localização
c) Número e dimensões
d) Forma
e) Gravidade
f) Mecanismo e grau de violência com que denotam ter sido produzidos
g) Período de tempo desde a sua produção
h) Outro diagnóstico diferencial que as possa explicar

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A informação colhida deve ser, por sua vez, sistematizada de acordo com a sua pertinência, importando
sobretudo destacar a informação relevante sobre o processo a partir do discurso da criança e de outros dados
disponíveis.

 Protocolo de colaboração (2011) entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça e a Comissão Nacional
de Proteção de Crianças e Jovens em Risco:

 Fraturas específicas de abuso:


Fraturas muito específicas de abuso: Fraturas menos específicas de abuso:
1. Fraturas metafisárias 1. Fraturas mediais da clavícula
2. Fraturas costais 2. Fraturas únicas dos ossos longos
3. Fraturas da omoplata 3. Fraturas simples (lineares do crânio)
4. Fraturas da extremidade da clavícula
5. Fraturas vertebrais ou subluxação
6. Fraturas dos dedos em lactentes
7. Fraturas do crânio bilaterais e complexas
8. Fraturas simultâneas em diferentes
“idades” (datação das lesões)

 Shaken Baby Syndrome


Bastam cinco segundos para causar lesões irreversíveis.
Resulta do facto de:
a) A cabeça da criança corresponder entre 10 a 15% do peso corporal
b) Ossificação incompleta da caixa craniana
c) Base do crânio mais plana – o que leva à facilidade do deslizamento das estruturas encefálicas
d) Encéfalo de menor consistência (mais líquido)
e) Musculatura cervical não totalmente desenvolvida

Deste modo, o movimento whiplash-type (abanar como movimento de chicote) pode levar a lesões
meningo-encefálicas graves, entre outros. Pode não haver uma lesão externa na cabeça, mas interiormente pode
haver hematoma subdural e subaracnoideia, hemorragia retiana e lesão axonal difusa. Pode levar também a fratura
das costelas, vértebras e ossos longos.

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8.5. A intervenção médica pericial em situações de abusos em idosos

O que se verifica é que os profissionais de saúde podem ser as únicas pessoas na vida da vítima com
oportunidade para reconhecerem o abuso e proporcionarem ajuda. Contudo, os médicos raramente denunciam
situações de abuso, apesar de ocuparem a posição ideal para o fazerem.

A maioria dos casos de abuso ocorre em ambiente doméstico e é perpetrado por familiares ou cuidadores
pagos. Sendo que destes últimos, se verifica uma menor prevalência de abuso por parte dos cuidadores
institucionais que têm menos horas de contacto com o idoso.

 Também aqui o abuso pode ocorrer de várias formas: negligência, abuso emocional ou psicológico, abuso
financeiro/material e físico ou sexual.

 Fatores de risco
1. Fatores individuais da vítima
a) Classicamente, ser do género feminino
b) Idade superior a 75 anos
c) Incapacidade física/inteletual
d) Quadros demenciais
2. Fatores individuais do agressor
a) Familiares (filho; cônjuge)
b) Drogas de abuso/consumo abusivo de álcool
c) Inexperiência/período prolongado como cuidador
d) História de abuso em criança
e) Personalidade hipercríticas
f) Expetativas irrealistas
3. Fatores relacionais
a) Dependência financeira/emocional/habitacional do abusador em relação à vítima
b) Transmissão intergeracional da violência
c) História de relacionamento interpessoal difícil
d) Coabitação e superlotação
e) Excesso de lealdade para o abusador e interiorização da culpa
4. Fatores comunitários e sociais
a) Isolamento social (poucos contactos sociais)
b) Carência de suporte social (recursos e sistemas de suporte)
c) Discriminação em função da idade
d) Outras formas de discriminação
e) Cultura de violência
83
f) Fatores sociais e económicos

 Suspeitar:
a) Situação conflituosa entre o paciente e alegado abusador
b) Recursa do cuidador em deixar o paciente sozinho com o médico
c) Vestuário inadequado
d) Ausência de óculos, prótese auditivas, próteses dentárias
e) Despreocupação evidente na nutrição e higiene, com apatia, depressão ou outros indícios de tristeza
f) Evidência de restrição física
g) Disparidade nas explicações fornecidas pela vítima e cuidador

 Em caso de suspeita de maus tratos a idosos deve o médico estabelecer a urgência da situação e a
necessidade de chamar o médico legista. Mas não é só o médico quem pode solicitar a perícia, a própria
vítima ou o seu responsável também o podem fazer, assim como, os assistentes sociais ou profissionais da
área, os polícias em tribunais ou qualquer médico.

Assim, deve desencadear-se o procedimento: entrevista + exame objetivo + orientação:

Na entrevista deve ter-se o cuidado de: separar a vítima do cuidador, permitir tempo para resposta, partir do
geral para o específico, utilizar uma linguagem e questões adequadas ao nível de instrução, respeitar as diferenças
culturais e étnicas, não fazer confrontos/acusações/frustrações, determinar se existe défice cognitivo e deve
realizar-se mais que uma entrevista (outros profissionais devem participar).

No exame objetivo é feita análise do estado geral, da superfície corporal e da região anogenital (crimes
sexuais). Os critérios utilizados no exame objetivo variam conforme as lesões encontradas:

I) Critério quantitativo quando estejam em causa múltiplas lesões


II) Critério qualitativo quando estejam em causa diversos tipos de lesões
III) Critério cronológico quando se verifiquem diferentes fases de evolução das lesões
IV) Critério topográfico uma vez que muitas vezes as lesões não se localizam em zonas salientes
habitualmente atingidas nos traumatismos de natureza acidental.
Deve ter-se em conta os diagnósticos diferenciais:
a) Achados cutâneos
b) Hemorragias
c) Fraturas
d) Malnutrição
e) Achados ano-genitais
f) Doenças de base

Finalmente, o apoio e orientação é feito por várias formas:


 Estabelecer a urgência da situação e a necessidade de chamar médico legista
 144 (linha de emergência da Segurança Social)
 Associação de Apoio à Família e à Criança
 APAV
 GNR e PSP
 Informar os serviços judiciais e sociais

 Ver norma procedimental – ANEXO III

84
16. Crimes de Natureza Sexual e Exame Médico de Vítimas de
Agressão

16.1. Conceito de Agressão Sexual

Toda a atividade sexual na qual uma vítima é forçada ou constrangida a participar por um determinado
agressor, com ele próprio, consigo mesma ou com uma terceira pessoa, contra a sua vontade, por
manipulação efetiva, física, material ou abuso de autoridade, de maneira evidente ou não, seja o agressor
conhecido ou não, haja ou não evidência de lesão ou traumatismo físico ou emocional, e
independentemente do sexo das pessoas envolvidas.

16.2. Enquadramento jurídico

Livro II – Título I – Capítulo V – Crimes contra a liberdade sexual e crimes contra a autodeterminação sexual
Artigo 163º - Coação sexual (“ato sexual de relevo…”)
Artigo 164º - Violação
Artigo 165º - Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
Artigo 166º - Abuso sexual de pessoa internada
Artigo 170º - Importunação sexual
Artigo 171º - Abuso sexual de crianças
Artigo 172º - Abuso sexual de menores dependentes
Artigo 173º - Atos sexuais com adolescentes

16.3. Epidemiologia das agressões sexuais e fatores de risco

 Perfil geral dos agressores sexuais:


a) Maioritariamente são conhecidos da vítima
b) Classes socioeconómicas mais baixas
c) 25% têm antecedentes de casos semelhantes
d) Lugares habitualmente frequentados pela vítima
e) 3 em cada 4 violadores atuam de forma solitária

 Fatores de risco:
I. Características Individuais
Vítima Agressor
a) Vulnerabilidade em termos de idade e de a) Alcoolismo e toxicodependência
necessidades b) Perturbação da saúde mental ou física
b) Na dependência e sob o poder do agressor c) Antecedentes de comportamento desviante
c) Personalidade e temperamento não ajustados ao d) Personalidade imatura e impulsiva, baixo auto-
do agressor controlo e auto-estima, reduzida tolerância às
d) Perturbação da saúde mental ou física frustrações, grande vulnerabilidade ao stress
(handicap) e) Antecedentes de terem sofrido maus tratos
f) Atitude intolerante, indiferente ou
excessiva/ansiosa face às responsabilidades
familiares
g) Incapacidade para admitirem que a vítima foi ou
possa ter sido maltratada e incapacidade para
lhe oferecer proteção no futuro
h) Baixo nível económico e cultural, desemprego,
excesso de vida pessoal ou profissional que
dificulta o estabelecimento de relações positivas.
85
II. Contexto familiar
a) Família monoparental, reconstituída ou com filhos de outras relações
b) Família destruturada, relação disfuncional no casal
c) Crises na vida familiar
d) Mudança frequente de residência ou emigração
e) Famílias com problemas sócio-económicos e habitacionais
III. Contexto social e cultural
a) Aceitação social da desigualdade
b) Força física, pode económico e estatuto social superiores
c) Vulnerabilidade das mulheres, menores e idosos
d) Influência de valores sociais existentes
e) Violência como método socialmente aceite para resolver problemas ou para estabelecimento de identidade.

 Fases da violência
Vítima Agressor
a) Segredo a) Aumento da tensão
b) Sentimento de abandono b) Explosão de violência
c) Acomodação à situação c) Arrependimento
d) Relevação do segredo
e) Contradição da revelação
f) Aceitação dos acontecimentos e criação de
estratégias de auto-aceitação
g) Revelação

 Exames realizados a pedido de:


1. Vítima ou seus representantes
2. Unidades hospitalares
3. Associações de apoio
4. Entidades policiais ou judiciárias

16.4. Conduta no caso de suspeita de um caso

Em caso de suspeita de agressão sexual:

1. Colher informação sumária sobre o caso


(O quê? Quando? Como? Denúncia)
*EVITAR vitimização secundária – isto significa que é preciso colher a informação sumária sobre o caso, mas
sem tentar saber a história detalhada (tentativa de não fazer re-vitimização)
2. Estabelecer a urgência da situação e a necessidade de chamar médico legista
Os atos urgentes e os exames “por marcação” são realizados nas instalações do INMLCF, IP. e/ou os atos
urgentes podem ser realizados em unidades hospitalares (no caso de não haver perito médico-legal deve
outro médico realizar os atos, de acordo com o protocolo)
3. Fornecer informação sobre preservação de eventuais vestígios
Designadamente:
a) Não mudar de roupa nem lavar
- se mudou de roupa conservar a que usava na ocorrência
- conservar fraldas, toalhetes, pensos higiénicos, tampões, preservativos, etc.
b) Não tomar banho nem lavar qualquer parte do corpo
c) Não lavar as mãos nem limpar as unhas
d) Não escovar os dentes nem lavar a boca (sobretudo no coito oral)
e) Não pentear o cabelo (também sobretudo no coito oral)
f) Evitar urinar ou defecar (se necessário, colher para contentor) previamente à observação

86
g) Não comer, beber ou fumar (sobretudo no coito oral – isto porque, os vestígios biológicos presentes na
boca não duram muito mais do que 7/8 horas)
h) Preservar o local onde decorreu o abuso
4. Tranquilizar e transmitir confiança à vítima
5. Definir a forma de intervenção inicial
6. Contactar outros profissionais da rede
7. Orientar/proteger a vítima

16.5. Exame sexual forense

O exame médico-legal passará pela recolha de informação, exame do vestuário, exame físico, exames
completares e, por fim, a elaboração do relatório.

Papel do médico legista – exame (5 componentes – entrevista, exame do vestuário, exame físico, exames
complementares e relatório):

1. Entrevista
- é o ponto de partida do exame médico-legal
- o relato do evento e das circunstâncias que o rodeiam orientam o perito na sua atuação pericial
(determinando o exame físico, as amostras biológicas e outras que se deve recolher e a necessidade de
acompanhamento médico posterior)
- a entrevista deve ter um planeamento prévio, deve decorrer num local que ofereça privacidade, conforto,
seja adequado à idade, etc.), a colheita de informação deve ocorrer no mais curto espaço de tempo após o
evento, os pais, familiares e outros acompanhantes devem estar a par do sucedido, não deve haver
interrupções e deve realizar-se uma única entrevista
- durante a entrevista deve ser abordado o assunto de modo neutro, adequando a linguagem à idade da
vítima, explicando as “regras da entrevista” (dizendo por exemplo, que não se vai contar aos pais), fazendo
um convite à narrativa, fazendo perguntas abertas e sem repetições, determinando um tempo de resposta,
aceitando lacunas nas respostas/ocultação e fazendo uma abordagem em funil (do geral para o particular)
- a entrevista requer, claro está, conhecimentos da técnica de entrevista forense, compreender as
dificuldades da vítima, imparcialidade e objetividade, open mind e evitar o caráter julgador, considerar todas
as alternativas possíveis e cautelar a interpretação de elementos aparentemente inexplicáveis.
- na entrevista devem ser abordados os antecedentes pessoais (ginecológicos e obstétricos, médico-
cirúrgicos e patológicos/traumáticos), os antecedentes familiares e o contexto social. Valorizar a situação de
terceiros (existência de irmãos, por exemplo) e os riscos de recidiva.

2. Exame clínico
a) Exame do vestuário
- roupa vestida à data da agressão/depois (fazer o registo de achados; não interessam apenas os
vestígios biológicos, os detritos, como areias, terra e folhas são importantes porque podem corroborar
a história da vítima)
- a vítima deverá despir-se em cima de um lençol ou papel branco de captação
- manipular o menos possível o vestuário
- as peças deverão ser secas ao ar livre e acondicionadas individualmente em sacos de papel (se o
vestuário estiver humedecido/molhado deve haver indicação anexa ao saco de papel a alertar esse
facto ao laboratório e o envio deve ser o mais rápido possível)
b) Exame físico
- Registo de todas as queixas da vítima
- Exame objetivo:
i. Estado geral (sobretudo para determinar se a vítima tem um discurso coerente)
- orientação temporo-espacial
- colaboração, tipo de discurso
- estadio psicológico adequado ou não à idade

87
- peso, altura, tipo constitucional
- idade aparente e estadio de Tanner (desenvolvimento corporal – mamário e pelos púbicos)
- membro dominante
- tipo de marcha
ii. Lesões/sequelas relacionáveis com o evento
- Superfície corporal em geral
Descrição das lesões (número, dimensões, cor, forma, distância, direção e características)
a) Quanto à natureza:
- equimose, edema, hematoma, escoriação, ferida, queimadura, mordedura
b) Quanto à sede
- zonas de apoio, zonas de contenção, zonas de proteção, zonas particularmente suscetíveis,
cavidade bucal e dentes, restante superfície corporal
c) Por imobilização/contenção: braços, coxas, punhos e tornozelos
d) Por tentativas de calar a vítima: face, pescoço, boca, orofaringe, freios da língua e lábios
e) Intenção de atordoamento: cabeça
f) Sinais de apoio forçado: pélvis, escápulas, joelhos, cotovelos, ombros, região lombar, mãos
g) Sinais de agressividade sádica: sugilações, mordeduras e feridas
Fotografar, assinalar em diagramas corporais
Efetuar colheitas no decurso das diversas fases do exame

- Cavidade oral

- Região genital e peri-genital


Técnicas de observação:
a) Posição ginecológica habitual para a mulher
b) Posição genupeitoral para o homem
c) Posição de rã para as crianças
d) Decúbito lateral
» Nas vítimas do sexo feminino é feita análise genital por tração labial e separação labial (dos
lábios vaginais). É feita, ainda, análise da região vulvar, hímen e vagina e colo do útero.
Normalmente o sémen localiza-se às 6h () se olharmos para a imagem da vagina como um
relógio, mas pode variar de acordo com a posição do agressor. Ora, são observadas todas as
regiões, sendo o hímen uma das mais importantes.
As lesões mais comuns na região genital feminina são as lacerações, equimosis,
escoriações/fissuras, eritema e edema.
» Nas vítimas do sexo masculino observa-se o escroto, testículos e pénis (prepúcio, glande e
meato uretral).
As lesões mais comuns na região genital masculina são as lacerações, mordeduras, edema,
escoriações e equimoses.
Se possível, devem ser documentadas todas as lesões com fotografia, utilizando-se
colposcópio e ter em atenção às soluções aquosas de ácidos, em caso de dúvidas, utilizam-se
corantes que vão distinguir os locais das lesões.
» Na esmagadora maioria dos casos de abuso sexual de crianças não há penetração. O abuso
sexual é feito de atos sexuais de relevo, como acariciar, beijar, esfregar, etc.
» A região anal também tem de ser muito bem explorada e deve-se distinguir das questões de
trânsito intestinal mais intenso ou outros antecedentes patológicos. Deve verificar-se se
existem vestígios de sangue, fissuras, eritema, escoriações, esperma e lubrificante do canal
anal.
» Muito importante: não é por não haver lesões traumáticas visíveis ou não ter ADN positivo
do agressor que a vítima deixa de ser vítima de agressão sexual. Propõe-se que sejam
adotadas medidas psicossociais tendentes a assegurar a proteção da examinada bem como o
seu desenvolvimento. A vítima não tem de sair de casa, mas o agressor sim.
iii. Lesões/sequelas sem relação com o evento

88
É muito importante haver aqui colaboração dos vários profissionais de saúde que possam detetar
estes problemas, nomeadamente: os profissionais de ginecologia e obstetrícia, pediatria, infeciologia,
dermatologia, urologia e a própria assistência social.

3. Recolha e preservação de vestígios

4. Exames complementares

Os exames complementares de diagnóstico que podem ser realizados são:


a) Exames de psiquiatria e/ou psicologia forenses
b) Estudos de genética e biologia forense
c) Estudos de criminalística não biológica
d) Estudos toxicológicos
e) Exames microbiológicos
f) Exames imagiológicos
g) Teste de gravidez

Vestígios biológicos
Sangue Sémen
Utilizado para análise da toxicologia e genética A colheita deve ser feita por zaragatoas estéreis:
A colheita de sangue da vítima (secar ao ar frio e - cavidade oral: até 6 a 8 horas
colocar em sacos de papel; conservar a 4º ou congelar a - região anorretarl: até 24horas
-20ºC) - cavidade vaginal: até 72horas
- sangue fresco: zaragatoa estéril - outras.
-sangue seco: zaragatoa com água destilada
- sangue seco em cabelos ou pelos: cortar e colocar Limpeza da mancha – zaragatoa com água bidestilada
num papel de captação

Saliva Raspado das unhas


- zaragatoa oral (em tubos de eppendorf) - cortar as unhas/raspado subungueal (zaragatoas)
- limpeza de mordeduras com água destilada - guardar em envelopes de papel
(zaragatoas)
Pelos Urina
-pentear com um pente a região genital e guardar os Utilizado para análise de intoxicação e gravidez
pelos e o pente num envelope de papel - colheita normal em frascos de plástico com tampa
*A zaragatoa é um exame laboratorial, realizado com o objetivo de identificar microrganismos presentes em
determinado local do nosso corpo e os antibióticos específicos para os combater.
O material utilizado para a colheita é um cotonete comprido, fornecido dentro de um invólucro esterilizado ou não.

Conclusões:
 Diagnóstico de contacto sexual:
1) Gravidez
2) Presença de sémen em amostras colhidas do corpo da vítima

 Achados fortemente sugestivos de traumatismo e/ou contacto sexual


1) Traumatismo recente dos genitais externos ou região perianal
2) Traumatismo não recente – cicatriz peri-anal ou do freio dos lábios
3) IST (excluídos modos de transmissão não sexual)

 Achados indeterminados:
1) Soluções de continuidade incompletas posteriores do hímen (4-8 horas) em pré-púberes
2) Soluções de continuidade incompletas ou completas às 3 ou 9h

89
3) Altura himenial posterior < 1mm
4) Dilatação anal marcada e imediata >2cm, na ausência de fatores predisponentes
 Geralmente não resultam vestígios:
1) Cicatrização rápida e geral das lesões anogenitais
2) Tipo de ato sexual (ausência de penetração)
3) Penetração sem lesão (nos jovens)
4) Ejaculação fora das cavidades ou uso de preservativo
5) Lavagem frequente
6) Atos fisiológicos

É essencial que o exame médico-legal seja o mais precocemente possível para colheira e preservação de vestígios. É
essencial uma adequada valorização da sintomatologia e informação prestada pela vítima.

Como referido, repita-se que, a ausência de lesões traumáticas e de vestígios biológicos não invalida a possibilidade
de se ter verificado abuso sexual!

 Ver norma procedimental – ANEXO IV

17. Psiquiatria Forense (Doença Mental – capacidade mental e


responsabilidade criminal)

17.1. Introdução

Ao longo da história, a doença mental tem tido várias aceções.

a) Cultura greco-romana: foi aqui que as doenças começaram a ser classificadas. Hipócrates é o 1.º a falar de
epilepsia (antes chamava-se ser possessão demoníaca). No direito romano, surge a ideia de “persona”, e
considerava o direito vedado aos mentecaptos.
b) Idade média:
retrocesso ao conceito mítico-religioso. Surgem os primeiros hospitais.
c) Racionalismo: a revolução francesa trouxe a 1.ª grande revolução da psiquiatria. Pirel libertou os asilados de
um manicómio, e introduz os conceitos de “liberdade” e “moral”. Começou nesta altura a introduzir-se o
conceito de que não há crime quando o sujeito estivesse sob uma força mental irresistível, sendo
impossibilitado de fazer uma escolha.

Nascem os hospitais psiquiátricos, que visariam também a defesa da segurança pública – é onde se recolhe o
doente para não prejudicar a sociedade. Os médicos alienistas eram chamados aos tribunais e no início quando o
sujeito acusado tivesse doença mental – início de psiquiatria forense.

Os exageros do racionalismo levaram ao aparecimento de modelos xxx – deterministas  o delinquente é o


resultado de um determinismo biológico, social e educacional. O ser criminoso é um ser doente com
necessidade de tratamento.

90
 Fins do século XIX: a psiquiatria é já uma especialidade médica, preocupada com questões legais e
administrativas. Surge a terapia de raiz psicanalítica (Freud e seus discípulos). É estudada a “demência precoce”
(hoje esquizofrenia); e as doenças degenerativas do SNC (Alzheimer).

 Depois da 1.ª Guerra Mundial: surgem grandes autores como Bleuler, Paveav, etc. Em 1952, surgem os 1.º
tratamentos para psicoses através de fármacos. Também as primeiras classificações operativas: DSTI (não deve ser
usado para fins jurídicos) e CID.

 Já no fim do século XX, houve um grande desenvolvimento das neuro-ciências, sobretudo da neuro imagem.

17.2. Noção de psiquiatria forense

Pode definir-se como o conjunto de conhecimentos médicos e especialmente psiquiátricos, necessários para a
resolução dos problemas que coloca o Direito na sua aplicação dos doentes mentais. Não é um mero ramo da ML
nem uma subespecialidade psiquiátricas; é uma especialidade clínica posta ao serviço da justiça; a perícia é um acto
médico, ainda que não termine com prescrição terapêutica.

17.3. Em Portugal, a evolução da psiquiatria dá-se em 6 períodos:


1. Fundação em 1848 do Hospital de Rilhafoles e, em 1883, do Hospital Conde Ferreira.
2. Reforma assistencial e avanço na investigação.
3. Criação do ensino universitário de psiquiatria (1911).
4. Ação pedagógica nos anos 20 e 30, com a formação de psiquiatras (Sobral Cid).
5. Auge de terapêutica ocupacional com o surgimento posterior das terapêuticas farmacológicas.
6. Início do ensino de psicologia médica e criação dos serviços de psiquiatria nos hospitais gerais (1995).

17.4. Legislação regulamentar da psiquiatria forense:


A. 1.º Código Penal: não faz referência ao doente mental (1852)
B. Revisão do CP de 1886: já se faz referência à doença mental
C. Lei da obrigatoriedade do exame médico-legal: ideia de hospital de alienados, tratamentos
D. Decreto-Lei nº39/688 (1954): surge pela 1.ª vez o conceito de perigosidade; referida como “tendência
para a perpetração de atos de violência”.

Quer o conceito de doença mental, quer o de perigosidade, são conceitos jurídicos.

O Decreto-Lei nº326/86: exige que uma perícia seja solicitada às delegações da área do tribunal, que a
distribuirá pelos diversos serviços, aos quais cabe a realização de vários exames. O professor entende que esta lei
ainda está em relação à urgência das perícias. São prioritárias as perícias que envolvem cidadãos internados em
cumprimento de medidas de segurança ou outras medidas privativas da liberdade.

17.5. Havendo necessidade de intervenção psiquiátrica:


1) Pedido ao INML o Realização da perícia ou no instituto ou
2) Distribuição pelas instituições psiquiátricas (excepcional). Por exemplo, um dos critérios de distribuição é
a proximidade da localização: todos os psiquiatras podem ser chamados a fazer perícias ainda que não
tenham competência.

Mas temos ainda a Lei nº 45/2004 (é a que está em vigor):


 Art.2º: as perícias médico-legais são realizadas obrigatoriamente nas delegações e gabinetes do INML.
 Art.24º: os exames a perícias de psiquiatria e psicologia forense são solicitadas pela entidade competente à
delegação do INML da área territorial do tribunal que os requer (n.1º)
Porém, sempre que a delegação não disponha de especialistas em número suficiente nesta
área, pode definir os exames a serviços especializados do SNS (n.2º). Na prática, é isto que sucede.
Ou seja, é obrigatoriamente realizada nas delegações e gabinetes; excecionalmente, por entidades
terceiras, públicas ou privadas (solicitadas à Delegação da área competente, que pode definir os serviços
especializados tendo em conta: possibilidade de resposta dos serviços; área assistencial; residência habitual dos
examinados).

91
O art. 159.º/7 do CPP estabelece quem pode requerer a perícia psiquiátrica – representante legal do
arguido/cônjuge (na falta deles, ascendentes, descendentes, etc.)

17.6. Valor da prova pericial (artigo 163.º CPP):


a) O juízo técnico-científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador
b) Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele
fundamentar a divergência.
Assim:
» O perito declara o sujeito inimputável – o juiz fica de “mãos atadas” para dizer o contrário (“ditadura
pericial”)
» Quando há divergência, o juiz deve fundamentá-la, podendo ser pedida uma nova perícia
» Muitas vezes o perito tem grande dificuldade em se decidir por uma das hipóteses de conclusão
» De qualquer forma, em última instância, não é o perito a declarar a inimputabilidade/imputabilidade
do sujeito, dado que este é um conceito jurídico – o perito apenas deve apontar os dados médico-
psiquiátricos para o juiz decidir.

17.7. Em relação à perigosidade:


Não é um diagnóstico nem tão pouco representa um prognóstico, tratando-se de uma previsão que exige a
consideração da pluralidade das diferentes causas criminogénicas:
a) Patológicas
b) Psicológicas
c) Sociológicas

Não se limita a investigações exclusivamente psiquiátricas

 Disgnóstico do estado perigoso do ponto de vista médico-legal:


a) Indícios médico-psicológicos
b) Indícios legais (antecedentes judiciários)
c) Indícios sociais (fatores do meio)

Não é um estado permanente e imutável!

Está previsto no artigo 91º do CP  quando é de esperar que venha a cometer outros crimes

 Compete ao tribunal extrair uma conclusão sobre a perigosidade com base na:
1. Anomalia mental
2. Personalidade do agente
3. Crime cometido Não é o médico a avaliar
4. Meio circundante

 Tipos de exames:
Temos exames psiquiátricos nos vários âmbitos do Direito: penal, civil e trabalho principalmente. O trabalho
pericial deverá ser solicitado pelo juiz em situações que escapam ao seu entendimento técnico-jurídico.
Perícias no direito penal. Os artigos clássicos no CP são:
 Art. 20.º: imputabilidade;
 Art. 144.º: vítima de uma agressão com consequências psíquicas (agravação da moldura);
 Art. 165.º: abuso sexual de menor incapaz

No direito civil, é principalmente para avaliação das sequelas de um acidente; o mesmo no direito do
trabalho.

92
17.8. Exame psiquiátrico ≠ Exame clínico
O exame psiquiátrico forense distingue-se do exame clínico. Apesar de a entrevista não ser muito diferente,
o objetivo é completamente distinto – a avaliação clínico-psiquiátrica visa o estabelecimento de um diagnóstico
psiquiátrico, a criação de um plano terapêutico e o prognóstico do doente.
Tem três fases:
1. Triagem
2. Fase intermédia Principal objetivo: elaborar plano tratamento (base social)
3. Plano terapêutico

Já no exame forense, o motivo tem de ser determinado pelo tribunal, a base social desaparece. É menos
abrangente e termina com um relatório, um parecer.

A entrevista forense é mais antropológica, determina o conjunto de elementos que rodearam o


comportamento do indivíduo em dada situação. Reporta-se a uma atuação circunscrita, não ao comportamento em
geral  a imputabilidade não é aferida em abstrato, antes em relação a um facto (perspetiva ideográfica).

Já as conclusões têm de esclarecer o tribunal sobre as questões que colocou. Seria muito extenso se
contivesse todas as informações que o perito deve recolher. Deve ser pormenorizado, mas não extenso.

No caso das perícias, o segredo médico não se aplica – os dados relevantes para o caso/crime devem ser
admitidas. A pessoa deve é ser informada que aquelas informações não são confidenciais.

17.9. Imputabilidade – direito penal


A perícia sobre a imputabilidade é a clássica no direito penal. “Imputar” significa atribuir culpa a alguém. A
anomalia psíquica é um conceito misto – psicológico e normativo; mas há outros sistemas que funcionam de forma
diferente.

A imputabilidade mantém pelo menos duas funções psíquicas intactas: juízo de realidade e volição;
inteligência e vontade. O médico tem de responder a este conceito jurídico  noção exclusivamente jurídica; a
medicina apenas oferece à justiça os meios que facilitem a decisão do juiz.

Havendo declaração de inimputabilidade, o perito tem de se pronunciar sobre a perigosidade. Também é um


conceito jurídico, não há critérios psicológicos para determinar se alguém vai ou não voltar a cometer crimes. Há
patologias mais inclinadas ao crime, mas estas tendem a ser atribuídas a imputáveis. A perigosidade deve ser sujeita
a tratamento adequado, com o qual estará comprometida a sua atuação. É um conceito sempre dependente do
tratamento. É um juízo muito difícil de se fazer.

*A perícia não devia ser só feita na audiência de julgamento – devia ser logo na fase de inquérito.

Artigo 20.º CP:


N.º1: inimputabilidade
N.º2: imputabilidade diminuída (ainda não se aplicou em Portugal)
N.º3: incapacidade para ser influenciado pelas penas (assenta aos anti-sociais e psicopatas)
Artigo 91.º CP: o n.º2 impõe uma duração mínima de internamento de 3 anos, o que não faz sentido.
Artigo 509.º CPP: é possível pedir a realização de uma segunda perícia, até porque há casos de erros ou
incongruência.
Artigo 131.º CPP: capacidade para testemunhar. Há casos em que pessoas não podem prestar declarações, por
questões médicas.
Artigo 104.º CP: imputáveis com anomalia psíquica. É possível declarar uma pessoa imputável, mas ser portador
de anomalia psíquica. Nesses casos, pode ser internado em vez de ir para a prisão, se tal for perigoso para ele.

 Inimputabilidade por anomalia psíquica: duplo pressuposto


a) Pressuposto biológico: anomalia psíquica, designação ampla que engloba toda a gama de patologia
psiquiátrica, desde que produza o efeito psicológico referido.

93
b) Pressuposto psicológico ou normativo: incapacidade do agente para avaliar a ilicitude do facto de se
determinar de acordo com ela. Reporta-se apenas ao acto.

Notas: não é por o perito encontrar uma patologia (esquizofrenia) que se atribui a inimputabilidade  não
depende diretamente do diagnóstico do distúrbio, mas sim da análise cuidadosa do caso. Reporta-se à ação.

Lei da Droga (1993): determina que, logo no interrogatório, se se aperceber que alguém é toxicodependente,
pode ser submetido a uma avaliação para determinar o seu estado de toxicodependência.

É preciso saber…
1. Pressupostos médico-legais
2. Conceito de psiquiatria forense
3. Imputabilidade
4. Lei da droga
5. Mecânica de distribuição das perícias e como são feitas
» Tem de se pedir à Delegação, não ao médico Região Centro e Ilhas vão para Coimbra.

17.10. Grandes quadros psiquiátricos com particular interesse para a psiquiatria forense

a. Perturbações da ansiedade
- São praticamente sempre imputáveis
1. Fobias (medo desproporcionado, ilógico, irracional)
2. Pânico (ataque de ansiedade aguda paroxística)
3. Ansiedade generalizada (ansiedade persistente…)
4. P. obsessivo-compulsiva (obsessões/compulsões)
5. P. de stress pós-traumático (grande trauma)
b. Perturbações dissociativas
- São considerados imputáveis, com imputabilidade diminuída ou inimputáveis?
Tratam-se de casos complexos em situação de limite: crime cometido em estreitamente/obnubilação do
estado de consciência, como na fuga dissociativa…
c. Perturbações do humor
- São considerados imputáveis:
1. Depressões major sem componente psicótico
2. Distimias
3. Reações de ajustamento/adaptação
4. Hipomanias
5. Ciclotimias
- São considerados inimputáveis:
1. Depressões major com componente psicótico (ideias deliróides psicóticas)
2. Manias graves
d. Psicoses:
1. Esquizofrenia – imputáveis (se delírio ou alucinações ou se crime correlacionado)
2. Parafrenia (“esquizofrenia” do idoso) – inimputáveis (se delírio ou alucinações ou se crime
correlacionado)
3. Paranoia (exemplos: delírios de perseguição ou de ciúme, síndrome de Otelo) – inimputáveis (se
delírio ou alucinações ou se crime correlacionado)
4. Erotomania (Síndrome de Clérambault) – inimputáveis?
Nota: Nas perícias não se deve fazer questões que induzam o agente à resposta!
e. Álcool e outras substâncias (como o cannabis, cocaína, anfetaminas, heroína, LSD, etc.)
- Praticamente sempre imputáveis (porque comummente reconhecem os efeitos maléficos sobre o corpo
e o risco para a sociedade devido aos seus comportamentos)
• Exceções:
a) Se crime cometido em alteração do estado de consciência (delirium tremens, demência alcoólica,
embriaguez patológica primária…)
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b) Se crime cometido em psicose associada, com delírios ou alucinações (S. Otelo, S. Korsakov, psicose
da cocaína, das anfetaminas...)
*Clássico síndrome de dependência: compulsão, descontrolo, privação, tolerância, obsessão e
persistência.

Do DSM-IV (1994) ao DSM-5 (-2013): o DSM-IV descrevia duas perturbações – abuso e dependência; o DSM-5
integra o abuso e dependência numa só: na perturbação do uso de álcool (AUD/Alcohol Use Disorder). Bastam
dois critérios de entre onze durante doze meses para se fazer o diagnóstico de perturbação do uso de álcool.
f. Epilepsia
- São imputáveis se fora do ataque de epilepsia
- São inimputáveis se em estado crespular
- E a imputabilidade diminuída?
g. Perturbações do controlo do impulso
*reconhecem os malefícios dos seus atos e eventuais consequências – devem ser considerados imputáveis
ou com imputabilidade diminuída?
1. Explosiva intermitente
2. Piromania
3. Cleptomania
4. Jogo patológico
5. Oniomania?
h. Perturbações da personalidade
- Algumas questões:
1. Imputabilidade diminuída para os anti-sociais? (conflito temperamento vs. caráter)
2. Imputabilidade diminuída ou inimputabilidade para os “borderline”? (se em crise psicótica transitória)
3. Imputabilidade diminuída para os doentes do “cluster” A?
i. Oligofrenia (deficiência inteletual)
- Inimputáveis
- Imputabilidade diminuída? – casos de fronteira em termos de Q.I.
*Nota: atenção à comorbilidade frequente com alcoolismo e epilepsia (isto é, resulta muitas vezes destas
outras perturbações)

Um estudo realizado pelo IMLC de 234 casos revelou que de entre esses casos:
- 22% esquizofrenia
- 17% oligofrenia
- 13% alcoolismo
- 12% psicopatia
Havendo comorbilidade – alcoolismo aparece em 1º lugar
O estudo revelou ainda que 56% eram considerados imputáveis, mas ¾ com imputabilidade diminuída e,
44% eram considerados inimputáveis, mas 13% com perigosidade.
Os crimes praticados foram: 28% de furto, 17% de ofensas corporais e 12% fogo.
Geralmente os crimes de homicídio são cometidos por esquizofrénicos e psicopatas, os crimes de burla por
maníacos e os crimes de fogo por oligofrénicos.

17.11. Psiquiatria forense em direito civil e direito do trabalho

Em direito civil, o que estão em causa são as capacidades civis do indivíduo – terá a pessoa capacidade para
dispor dos seus bens e da sua própria pessoa?
Vontade (liberdade) + inteligência: a partir destes conceitos fala-se em imputabilidade em direito penal,
sendo os sujeitos imputáveis a partir dos 16 anos; e em capacidade no direito civil, a partir dos 18 anos.
Em termos psiquiátricos, as perícias de direito civil são mais difíceis.
A incapacidade pode ser declarada em menores, surtindo os seus efeitos logo na data em que atinja a
maioridade (casos de deficiência grave).

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Dois conceitos:
a) Habitualidade
b) Atualidade

 Interdição, art. 138.º: aplica-se a casos de anomalia psíquica, surdez-mudez e cegueira. É preciso avaliar o
caso na sua especificidade, ver a adaptação do indivíduo ao meio em que se insere e ao tipo de vida que
tem. Um interdito é equiparado a um menor.
 Inabilitação, art. 152.º: tem pressupostos semelhantes, cabendo aqui os casos menos graves. São casos mais
raros – ex: alcoolismo crónico (pelo art. 20.º/2 CP pode ser declarado inimputável, tem de se demonstrar no
caso um não controlo do juízo e de vontade).
 Artigos CPC:
Art. 896.º: realização do exame pericial e interrogatório
Art. 897.º: interrogatório pelo juiz
Art. 898.º: exame pericial, pelo perito. Deve precisar:
- Espécies de afeção que sofre o requerido
- Extensão da incapacidade
- Data provável de começo
- Meios de tratamento propostos

Quais as patologias mentais suscetíveis de levar à interdição ou inabilitação? Demências, quadro


psicóticos, Alzheimer. Quanto às psicoses, estas podem não afetar a inteligência e a vontade, a conduta pelos
padrões de sociedade, mas tudo depende do caso.
Quanto à extensão da incapacidade, este pode ser total ou parcial.

Quanto à data de início:


1. No caso de atraso mental, que normalmente vem do período pré-natal, a data é a data de nascimento
2. Já nos casos dos doentes, determinar uma data é muito difícil.
3. Se a anomalia psíquica provier, por exemplo, de um acidente, é fácil.

Finalmente, ao juiz também interessa saber se há possíveis medidas de acompanhamento.

Capacidade de testar: a questão aqui é a de saber se estava capaz no momento da feitura do testamento.
Mesmo que haja um registo do hospital, pode não conter toda a informação relevante  é muito difícil de
averiguar. Para além do caso da incapacidade acidental, são incapazes de testar os menores não emancipados e os
interditos por anomalia psíquica (art. 2189.º CC).

Reparação do dano: interessa aqui quanto a sequelas psíquicas, no caso de um evento traumático tiver
repercussões sobre a integridade psíquica e tal se mantiver no tempo.

Evento traumático:
a. Stress pós-traumático
b. Traumatismo craniano: pode levar a lesões neurológicas ou neuropsiquiátricas (epilepsia) ou a lesões a
nível psicológico.

Reparação em direito civil ≠ direito do trabalho


 Reparação em direito civil – reparação integral de todos os danos subsequentes ao evento traumático
 Reparação em direito do trabalho – apenas releva a capacidade de trabalho (=ganho), mais nada

Logo, utilizam-se 2 tabelas distintas e avaliações diferentes

Nexo de causalidade: na classificação americana, que nós não usamos, tem de ser o médico a provar o nexo
de causalidade, sendo que um dos critérios é a existência de uma experiência pós-traumática. Entre nós, é a vítima
que tem de demonstrar o nexo de causalidade. Esta prova só o médico pode colocar em causa, fazendo-o com base
em princípios técnicos.
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Tipos de avaliações periciais – há 3 tipos:
1. Transversais
o Anomalia psíquica posterior
o Interação/inabilitação
2. Retrospetivas
o Imputabilidade no momento da prática do facto
o Capacidade de testar
3. Prospetivas
o Perigosidade
o Processo gracioso de liberdade condicional

Quando alguém está a ser avaliado para ver se tem uma anomalia psíquica, em virtude de um acidente,
implica determinar uma indemnização em dinheiro  leva a muitas simulações.
A simulação distingue-se do transtorno factício e dissociativo:
a) Transtorno dissociativo: motivação inconsciente + produção de sintomas inconscientes
b) Transtorno factício: motivação inconsciente + produção de sintomas consciente
c) Simulação: motivação consciente + produção de sintomas consciente.
Tem vários tipos: dissimulação, sobressimulação, etc.

Stress pós-traumático: é uma das possíveis patologias decorrentes de um trauma. Pode ter uma duração
curta ou longa e são atendidos três tipos de sintomas.

Síndrome pós-concecional: ocorre após um traumatismo crânio-encefálico, quando este origina lesões
neurológicas.

 Como avaliar? O Decreto-Lei nº352/2007 tem duas tabelas de avaliação:


* Não há tabela em direito penal
1. Para incapacidades por acidentes de trabalho 2. Para avaliação de incapacidades
e doenças profissionais permanentes em direito civil

Tabela de direito do trabalho – avaliamos de 1-95%, Tabela de direito civil – temos vários pontos de
sendo difícil para o perito usar esta escala de avaliação:
valorização.
o Até 30% podemos incluir traumas sem lesões o Ponto 9 – perturbações persistentes do
crânio-encefálicas humor
o A partir de 60% têm de ser lesões muito graves o Ponto 10 – stress pós-traumático
o Ponto 11 – síndrome pós-concecional
o Etc.

18. Alcance e limites das perícias em Psiquiatria Forense


18.1. O psiquiatra no papel de perito
Tem de proceder ao diagnóstico, verificar se é ou não imputável, sendo imputável se é ou não perigoso e se
há quesitos para responder.

 Procedimentos importantes:
1. Particular atenção ao processo e às fontes (desejável serem diversificadas, principalmente para
obtenção de dados sobre circunstâncias, contextos, família, personalidade, etc.)
2. Se dúvidas, repetir exame mental, quantas vezes as necessárias (em certos casos poderá haver interesse
em ser efetuado ao fim da tarde)

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 Especificidades importantes :
1. A fenomenologia é importante para perceber o comportamento, o compreender e o explicar
(“quando, porquê, como…”)
2. As grandes tipologias da personalidade - “clusters” A, B e C - como “filtro” ou “modelação” dos
comportamentos

18.2. Alcance

 Os testes sobre a personalidade e a inteligência

 Perturbações da ansiedade
- exemplos de eventuais crimes cometidos em situação limite:
a) Sob ataque de pânico
b) Em perturbação obssevivo-compulsiva grave
c) Em certas perturbações de stress pós-traumático
 Perturbação Somatização – múltiplas queixas, sintomas dolorosos, gastrointestinais, etc
 Perturbação Conversão – “paralisia, cegueira, mudez”, etc.
 Dissociação – fugas, amnésias lacunares, etc.
 Álcool e perturbações da memória
1. Intoxicação aguda pode causar episódios de perda de memória
2. Há uma rápida subida da taxa de alcoolémia
3. O verdadeiro “black-out” começa num ponto preciso e acaba de forma vaga e lenta
4. A amnésia é anterógrada (semelhante à provocada por certos hipnóticos, ex: Midazolam)
5. É possível guiar um carro, p. ex. (memória processual praticamente íntegra)
Alucinose alcoólica
• Paragem súbita do consumo
• Intensas
• Auditivas (principalmente)
• Juízo e senso crítico parcial

18.3. Atenção à possibilidade de simulação


• Mais comum: simulação de quadros psicóticos (esquizofrenia), dissociativos (amnésia
psicogénica) ou doenças factícias (auto-mutilações)
*NOTA: Atenção também a examinando negativista ou em mutismo

Se o perito se apercebe de simulação:


• Particular atenção ao processo e às fontes (desejável serem diversificadas, para obtenção de dados
sobre a personalidade e a anamnese)
• Se dúvidas, repetir exame mental
• Não fazer perguntas que induzam respostas
• Serenidade do perito

 Simular depressão
FÁCIL DIFÍCIL
• Inibição psicomotora • Insónia (quando observável)
• Desmotivação • Variação diurna do humor
• Ideias de morte ou suicidas • Desconcentração
NOTA: Incoerência entre a entrevista e o comportamento observável (ex: enfermaria)

 O que é a perturbação factícia?


Sintomas O que fazer?
• Intenção de criar sintomas • Não antagonizar
• Tipologias mais comuns:“Borderlines”, Histriónicos, • Fazer dx
Narcisistas • Internamento curto

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• Acontecimentos de vida • Envolver a família?
• Abusos na infância • Psicofármacos?
• Psicoterapias?

 Diferenças entre Simulação e Perturbação Factícia

Simulação Perturbação Factícia


• Incentivos externos • Papel de doente
• Temporária • Traços persistentes
• Sintomas repetidos • Diversidade de sintomas
• Anti-sociais • “Borderlines”
• Desejam testes “benignos” • Desejam testes “exigentes/dolorosos”

 Memórias induzidas, Memórias delirantes, Memórias por indícios, Falsas memórias


A confabulação é uma falsa memória, uma fantasia que substitui inconscientemente uma lacuna na
memória, baseada parcialmente em factos ou que é produto completo da imaginação.

 Simulação de amnésias
É difícil distinguir o que é verdadeiro e o que é fácil. Mas existem algumas pistas que podem orientar o
perito:
- “organicidade” sugere verdadeira amnésia
- “toque de personalidade” sugere falsas memórias
- por exemplo se o perito diz: “Se eu lhe for dando pistas achas que se vai lembrando de alguma coisa?”, o
simulador geralmente responde que “não”, enquanto o verdadeiro amnésico geralmente responde “talvez”.
- há uma série de testes para memória que são realizados

 Casos complexos com substâncias (drogas)

 Simulação de PSPT
- Recusa emprego pouco exigente
- Sempre com novas queixas físicas
- Sempre o mesmo pesadelo
NOTA: Incapaz para trabalhar mas joga às cartas e vai ao futebol?

 Síndrome de Ganser (CID-10 F44.8)


- Produção de sintomatologia psiquiátrica grave exuberante, com respostas incoerentes (ex: pararespostas),
movimentos bizarros
- P: “Qual é a capital de Portugal?” R: “Paris”
- P: “Quanto é 2+2?” R: “5”
- Imperativo: estudar antecedentes, entrevistar pessoas, familiares e outros
- Pode ocorrer em “normais”, histéricos, maníacos, alcoólicos, consumidores de substâncias
- Outras denominações: Psicose histérica? Pseudodemência histérica? Psicose de prisão?

 Sugestões para deteção da simulação


1) Conhecer o registo criminal detalhado
2) Ir ao Estabelecimento Prisional, se caso disso
3) Falar com Chefe dos Guardas, Assistente Social, etc.
4) Procurar empatia para melhor colheita de informação
5) Evitar perguntas que induzam respostas
6) Repetir observações e exames mentais
7) Saber se o indivíduo passou por Unidades de Saúde, conviveu com profissionais de saúde, etc.
8) Avisar que se vão pedir análises ao sangue para detetar medicamentos por ele mencionados ou requerer
exames altamente sofisticados...

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 Delírios e psicoses – o que fazem os simuladores e o que fazem os verdadeiros psicóticos?
O que fazem os simuladores? O que fazem os verdeiros psicóticos?
• Exageram no papel • Excentricidades
• “Convicção” abalável • Barricam-se
• Imitam mal a forma... • Isolamento
• Referem que tudo começou rapidamente... • Sem amigos
• “Esquecem-se” de imitar sintomas negativos... • Mudam de residência
• Só “atuam” quando observados • Fazem viagens longas...
• Compram armas
• Vão fazer queixas à PSP, PJ ou GNR
NOTA: Incoerência entre a entrevista e o comportamento observável (ex: enfermaria)

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