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UBI HOMO IBI

SOCIETAS UBI
SOCIETAS IBI JUS.

Março de 2023.
Crime

1. O que são as contraordenações, contravenções e transgressões?


Para além do comportamento violador de normas que é considerado crime, também
existem outros comportamentos violadores da lei a que é dada menor relevância por serem
considerados menos graves: as contraordenações, puníveis com coimas e processadas em
entidades administrativas com recurso para os Tribunais. Anteriormente o mesmo tipo de
condutas era punido como contravenção ou transgressão, processadas nos Tribunais.
Uma contraordenação é uma infração punível com uma sanção pecuniária denominada
coima, que não é convertível em prisão.
São em número bastante expressivo, em virtude de terem vindo a substituir as
contravenções (p. ex., no domínio rodoviário — Código da Estrada). A sua punibilidade
verifica-se a título doloso e por negligência.
A competência para o seu processamento cabe a diversas entidades administrativas, que
procedem à instrução do processo e à aplicação da coima (e, eventualmente, de sanção
acessória).
Os Tribunais são competentes para apreciar os recursos das decisões das entidades
administrativas que aplicam as coimas.
Uma contravenção era uma infração punível com uma sanção pecuniária denominada
multa, que não era convertível em prisão. A competência para o seu processamento cabia
aos tribunais, e não a entidades administrativas. Porém, todas as contravenções e as
transgressões foram entretanto substituídas por contraordenações.

2. O que é um crime?
Crime é o comportamento que viola a lei e que, como tal, é punido com uma pena.
Para efeitos do Código de Processo Penal Timorense, crime é o conjunto de
pressupostos de que depende a aplicação ao seu autor de uma pena ou medida de
segurança criminais.
A maior parte dos crimes só é punível a título de dolo (intenção de praticar o facto). A
punibilidade a título de negligência deve estar expressamente prevista na lei.
Existem penas de diversas espécies, como a admoestação, a prestação de trabalho a favor
da comunidade, a multa (convertível em prisão alternativa em certos casos), a prisão (cuja
execução pode ser suspensa ou ser substituída por multa em certos casos), existindo,
também, penas acessórias (p. ex. proibição de conduzir veículos motorizados), aplicáveis
a certos tipos de crime (p. ex., a condução em estado de embriaguez).

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3. A quem compete investigar um crime?
A competência para a investigação de um crime (ilícito penal) cabe exclusivamente ao
Ministério Público, na fase de inquérito, embora exista uma delegação de competência
nos Órgãos de Polícia Criminal (uma vezes genérica, outras vezes, pontual).

4. O que é um crime público?


É um crime para cujo procedimento basta a sua notícia pelas autoridades judiciárias ou
policiais, bem como a denúncia facultativa de qualquer pessoa.
As entidades policiais e funcionários públicos são obrigados a denunciar os crimes de que
tenham conhecimento no exercício de funções.
Nos crimes públicos o processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses
ofendidos.

5. O que é um crime semipúblico?


É um crime para cujo procedimento é necessária a queixa da pessoa com legitimidade
para a exercer (por norma o ofendido ou seu representante legal ou sucessor).
As entidades policiais e funcionários públicos são obrigados a denunciar esses crimes,
sem embargo de se tornar necessário que os titulares do direito de queixa exerçam
tempestivamente o respetivo direito (sem o que não se abrirá inquérito).
Nos crimes semipúblicos é admissível a desistência da queixa.

6. O que é um crime particular?


É um crime cujo procedimento depende da prévia constituição como assistente da pessoa
com legitimidade para tal (normalmente o ofendido com a prática do crime, ou seu
representante ou sucessor) e da oportuna dedução da acusação particular por essa pessoa.
Os mais divulgados são os crimes contra a honra (injúria e difamação, bem como alguns
crimes contra a propriedade entre pessoas com laços de parentesco próximo).

7. Como apurar se determinado crime é público, semipúblico ou particular?


Quando o preceito que prevê o tipo de crime nada refere, o crime em apreço é público;
quando se indica que o procedimento criminal “depende de queixa” estamos perante um
crime semipúblico; quando a lei refere que o procedimento criminal depende de
“acusação particular” (além da queixa), o crime é particular.

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8. Quem pode ser responsabilizado pela prática de um crime?
Qualquer pessoa maior de 16 anos pode ser responsabilizada pela prática de um crime,
desde que não seja judicialmente considerado como inimputável em razão de anomalia
psíquica.
Os menores de 16 anos e maiores de 12 que praticarem factos tipificados como crime,
são sujeitos a um procedimento tutelar educativo.
Os jovens delinquentes (com idades entre 16 e 21 anos) podem beneficiar de um regime
especial que atenda à sua particular situação e às circunstâncias concretas do facto,
podendo ver a pena suspensa ou especialmente atenuada, em situações que o não seriam
nos termos normais.
Também as pessoas coletivas e entidades equiparadas podem ser penalmente
responsabilizadas, por certos crimes previstos expressamente no artigo 12.º/2, do Código
Penal Timorense e noutros diplomas penais avulsos (como, p. ex., por crimes de
natureza fiscal, antieconómica e informática.)

9. O que significa ser inimputável?


Significa não ter discernimento, em virtude de uma anomalia psíquica grave e existente
no momento da prática do facto criminoso, que impeça o arguido de entender o
significado proibido do ato que cometeu.
Aos inimputáveis (maiores de 16 anos) não são aplicadas penas, mas sim medidas de
segurança, que podem ser privativas da liberdade.

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Queixa

1. Em que circunstâncias é necessário apresentar queixa?


Quando o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é
necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para
que este promova o processo (ver «O que é um crime semipúblico?»). Noutros casos, o
processo inicia-se independentemente da apresentação da queixa (ver crimes públicos).
Finalmente, existem crimes para os quais não basta só a comunicação do crime ao
Ministério Público, é necessária a constituição como assistente (ver «O que é um crime
particular?»).

2. Onde posso apresentar uma queixa?


Uma queixa pode ser apresentada presencialmente em qualquer departamento policial ou
do Ministério Público.
Ainda que os factos denunciados não venham a ser investigados nesse departamento, a
queixa será transmitida e encaminhada para a entidade competente. Relativamente a
certos tipos de crime.

3. Como é que denuncio um crime?


Não tem que saber qualificar juridicamente o tipo de crime em causa (o “nome” do crime).
Não tem que saber a identidade do autor do crime. Não tem que ter advogado. Não tem
que pagar.
Se o crime tiver natureza pública (por exemplo, a violência doméstica, um
“assalto”/roubo, a corrupção), qualquer cidadão o pode denunciar, mas o cidadão não é
obrigado a denunciar. A obrigatoriedade de denúncia de crimes públicos só existe para
funcionários que dele tenham conhecimento no exercício de funções ou por causa delas,
e para as polícias, sempre.
As entidades competentes para receber queixa/denúncias de crimes são o Ministério
Público e as polícias.
O Ministério Público é o titular da ação penal, cabendo-lhe instaurar, dirigir e encerrar o
inquérito criminal e sustentar a acusação em julgamento.
Denunciar significa fazer o relato de factos perante a entidade competente: contar o quê,
quem, quando, onde, como, porquê. A denúncia pode ser feita oralmente pela
comparência pessoal junto da entidade competente, ou por escrito, em papel ou correio
eletrónico (e-mail) no endereço dos serviços do Ministério Público

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4. Qual o prazo para apresentar uma queixa?
Estando em causa crimes dependentes de queixa (crimes semipúblicos e particulares), a
mesma tem de ser apresentada no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular da
queixa tiver conhecimento do facto e dos seus autores, sob pena de extinção daquele
direito.

5. É preciso pagar para fazer uma queixa ou para denunciar um crime?


Há um interesse público no esclarecimento dos crimes e na sua repressão e por isso o
cidadão que o relate às autoridades não tem que pagar para o fazer. A regra é a de que
não é preciso pagar qualquer quantia para que a vítima de um crime se queixe ou o
denuncie, ou para que um cidadão denuncie um crime público de que teve conhecimento.
Para entregar documentos nos serviços do Ministério Público para juntar ao processo,
também não tem que pagar, nem tem que pagar para saber informações verbais dos
funcionários judiciais competentes — as informações que forem possíveis — sobre o seu
processo.

6. É preciso advogado para fazer uma queixa ou denunciar um crime?


Não é preciso advogado para apresentar denúncia criminal. Mas se a vítima, na qualidade
de ofendida/testemunha/demandante cível, quiser ser assistida por advogado no processo
penal, tem esse direito e pode constituir advogado livremente. Se não tiver meios
económicos para tal, pode pedir a concessão de apoio judiciário, na modalidade de
nomeação de patrono, junto de qualquer serviço de atendimento da Segurança Social.
Para o efeito, terá que fazer prova de que a sua situação económica não lhe permite
recorrer à contratação de um advogado privado.

7. É possível desistir da queixa?


Sim, mas só no caso de se tratar de crimes semipúblicos (ver «O que é um crime
semipúblico?») e particulares (ver «O que é um crime particular?»).

8. A vítima de um crime de violência doméstica pode desistir do processo?


O crime de violência doméstica tem natureza pública, o que significa que, feita a denúncia
ou participação, não é admissível desistência por parte da vítima/ofendida.
No entanto, no processo penal, para além da acusação que conduz ao julgamento do
agressor, o Ministério Público pode decidir-se e a requerimento livre e esclarecido da
vítima —, pela Suspensão Provisória do Processo (entenda-se, no encerramento do
inquérito), mediante a imposição ao agressor de injunções e regras de conduta. Caso o

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agressor/arguido cumpra as injunções e regras concretamente fixadas, o processo é
arquivado, sem julgamento.

Inquérito
1. O que é o inquérito?
O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de
um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
A apresentação de uma queixa, caso contenha factos que integrem um crime, dá origem
a um inquérito, o mesmo acontecendo com a apresentação pelas autoridades policiais ou
pelo próprio Ministério Público de um auto de notícia.

2. A quem compete a direção do inquérito?


Compete ao Ministério Público dirigir o inquérito, podendo delegar a prática de atos
nos Órgãos de Policia Criminal.

3. Qual é a duração máxima do inquérito?


O inquérito deve terminar por despacho do Ministério Público (arquivando-o,
suspendendo o processo provisoriamente ou deduzindo acusação), nos prazos máximos
de 6 meses (se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação) ou
de 8 meses (se os não houver), a contar do momento em que correr contra pessoa
determinada ou da data da sua constituição como arguido.

4. Em que consiste (o despacho de) a acusação?


É a peça processual em que, aquando do encerramento do inquérito, formalmente se
imputam a uma pessoa os factos que integram um ou mais crimes.
A acusação pública é elaborada pelo Ministério Público. O assistente também pode
deduzir acusação, designadamente nos casos de crimes particulares (ver «O que é um
crime particular»), em que é obrigatoriamente deduzida por ele, sob pena de o processo
não poder prosseguir.

5. O que é o (despacho de) arquivamento?


O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver
recolhido prova bastante de se não ter verificado nenhum crime, de o arguido não o(s) ter
praticado ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.

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O Ministério Público também determina o arquivamento do inquérito se não tiver sido
possível obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus
autores.

6. Em que consiste a suspensão provisória do processo?


É uma outra solução processual, respeitante a crimes de reduzida gravidade, em que o
Ministério Público, com o acordo do arguido e do assistente, determina, com a
homologação do juiz, a sujeição do arguido a regras de comportamento ou injunções
durante um determinado período de tempo. Caso as mesmas não sejam cumpridas pelo
arguido, é deduzida acusação.

7. O que se pode fazer se for denunciante, for notificado do arquivamento do


inquérito e não concordar com a decisão?
Se não for assistente, deve requerer a constituição formal como tal e, uma vez assistido
por advogado (ou patrono nomeado pela Segurança Social, ao abrigo do regime de Apoio
Judiciário), pode requerer a abertura da instrução, fazendo assim intervir um juiz de
instrução, a fim de serem reapreciados os fundamentos do despacho de arquivamento.
Se já for assistente, pode requerer a abertura de instrução, o que só pode fazer no prazo
de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento.
Também pode solicitar a intervenção do superior hierárquico do Magistrado do
Ministério Público que proferiu o despacho de arquivamento que analisará o referido
despacho, mantendo-o ou revogando-o.
Pode ainda, se dispuser de novos elementos que invalidem os fundamentos invocados
pelo Ministério Público no despacho de arquivamento, solicitar a reabertura do Inquérito.

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Medidas de coação

1. O que são medidas de coação?


São medidas processuais que, condicionando a liberdade do arguido, visam garantir a
contactabilidade do mesmo, a não repetição da atividade criminosa e a produção de certos
efeitos processuais (p. ex., eficácia de comunicações, mesmo não pessoais).
As medidas de coação só podem ser impostas aos arguidos.
A aplicação de qualquer medida de coação deve ser proporcional e adequada à situação
processual concreta.
As medidas de coação previstas na lei são: termo de identidade e residência; caução;
obrigação de apresentação periódica; suspensão do exercício de funções, de profissão e
de direitos; proibição de permanência, de ausência e contactos; obrigação de permanência
na habitação e prisão preventiva.
Com exceção do termo de identidade e residência, as medidas de coação só podem ser
aplicadas por um juiz.

2. O que é o “habeas corpus”?


É um meio processual excecional de reação contra uma detenção ou prisão ilegais, com
carácter de urgência.

3. Em que consiste o termo de identidade e residência (TIR)?


É a menos grave das medidas de coação podendo ser aplicada pelo juiz, pelo Ministério
Público e pelas polícias.
É de aplicação obrigatória sempre que alguém for constituído como arguido, e consiste,
para além da identificação e da indicação da residência (na qual o arguido se considera
validamente notificado com o envio de notificações postais simples), em o arguido ficar
obrigado a comparecer perante as autoridades sempre que a lei o obrigar ou para tal for
notificado. Ao prestar o TIR, o arguido fica igualmente obrigado a não mudar de
residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem previamente comunicar a
nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.

4. Em que consiste a caução?


É uma medida de coação que pode ser aplicada a um arguido a quem é imputado um
crime punível com pena de prisão. Consiste na obrigatoriedade de o arguido entregar
determinado montante como garantia de comparecimento aos futuros atos processuais e

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de cumprimento das obrigações que lhe forem fixadas com outras medidas de coação. A
caução pode ser prestada por depósito, penhor, hipoteca ou fiança, bancária ou não.

5. O que é a obrigação de permanência na habitação?


É uma medida de coação que se traduz no dever de o arguido não se ausentar, ou de não
se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida.

6. O que é a prisão preventiva?


É a mais grave das medidas de coação aplicáveis ao suspeito da prática de crime, só sendo
aplicável quando forem inadequadas ou insuficientes todas as outras medidas de coação.

7. As medidas de coação têm prazos máximos?


Algumas medidas de coação — designadamente as que condicionam a liberdade pessoal,
como a prisão preventiva, a obrigação de permanência na habitação (vulgo, «prisão
domiciliária»), a obrigação de apresentação periódica e a suspensão do exercício de
direitos — têm prazos máximos de duração, de acordo com a fase do processo.
Entende-se que as demais podem durar o tempo de duração do processo.

9. Qual é o prazo máximo da prisão preventiva?


A prisão preventiva tem os seguintes prazos de duração máxima, extinguindo-se quando,
desde o seu início, tiverem decorrido: 4 meses sem que tenha sido deduzida acusação; 8
meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; 1 ano
e 2 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; 1 ano e 6 meses sem que
tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Estes prazos podem, no entanto, ser prolongados em casos de certos tipos de crimes, bem
como em casos de excecional complexidade do processo.

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Violência Doméstica

1. O que é
A violência doméstica inclui comportamentos, reiterados ou não, utilizados num
relacionamento, por uma das partes, sobretudo, mas não só, para controlar a outra.
Pratica o crime de violência doméstica quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos,
uma ou várias vezes, sobre cônjuge ou ex-cônjuge, unido/a de facto ou ex-unido/a de
facto, namorado/a ou ex-namorado/a ou progenitor de descendente comum em 1.º grau,
quer haja ou não coabitação. E ainda a menor que seja seu descendente ou de uma das
pessoas referidas anteriormente, ainda que com ele não coabite.
Também pratica o crime de violência doméstica quem infligir maus tratos físicos ou
psíquicos, uma ou várias vezes, sobre pessoa particularmente indefesa, por exemplo, em
razão de fatores de vulnerabilidade relacionados com a idade, deficiência, doença,
gravidez ou dependência económica, desde que com ela coabite.
A violência doméstica não ocorre apenas em relacionamentos entre pessoas de sexos e/ou
géneros diferentes. É um fenómeno criminal que ocorre também nos relacionamentos
entre pessoas do mesmo sexo. Os maus tratos podem ocorrer em ambiente virtual.
Em decorrência do princípio da legalidade e da própria natureza pública do crime de
violência doméstica, todos os factos que sejam noticiados têm de ser investigados.

2. As vítimas
Embora as mulheres em relacionamentos heterossexuais representem a maioria das
vítimas conhecidas, a violência doméstica inclui vítimas de todo o tipo de
relacionamentos.
A violência exercida sobre pessoas em situação de especial vulnerabilidade, como
crianças, idosos ou pessoas com deficiência, que coabitem com a pessoa agressora,
constitui também violência doméstica.
Relativamente às crianças e jovens (até aos 18 anos), tanto são vítimas as crianças ou
jovens contra as quais são praticados os atos de violência como as que que presenciam ou
vivenciam a prática dos mesmos, na medida em que se traduz sempre num impacto
negativo no seu desenvolvimento, saúde e bem-estar.
É necessário, portanto, compreender que a violência doméstica pode manifestar-se por
diversas maneiras, desde a violência física à, por exemplo, violência psicológica ou
sexual, e envolver uma diversidade de vítimas, sendo transversal aos diferentes estatutos
económico-sociais, géneros, grupos étnicos-raciais, crenças religiosas ou orientações
sexuais.

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Os casos de violência doméstica requerem, ainda, uma sensibilidade e atenção especiais
devido às fragilidades que podem envolver as vítimas, as quais, não raramente, estão
condicionadas física e psicologicamente no que respeita à proteção dos seus interesses e
dos seus filhos menores de idade ou dependentes.

3. Tipos de violência
Violência emocional: qualquer comportamento da pessoa agressora que visa fazer o
outro sentir medo ou sentir-se inútil. Pode manifestar-se por: ameaçar os filhos; magoar
os animais de estimação; humilhar o outro na presença de amigos, familiares ou em
público, entre outros.
Violência social: qualquer comportamento que pretenda exercer controlo sobre vida
social do(a) companheiro(a), por exemplo, impedir que este(a) visite familiares ou
amigos, cortar o telefone ou controlar as chamadas e as contas telefónicas, trancar o outro
em casa.
Violência física: qualquer forma de violência física que um agressor(a) inflige ao
companheiro(a). Pode traduzir-se em comportamentos como: esmurrar, pontapear,
estrangular, queimar, induzir ou impedir que o(a) companheiro(a) obtenha medicação ou
tratamentos.
Violência sexual: qualquer comportamento em que o(a) companheiro(a) força o outro a
protagonizar atos sexuais que não deseja. Alguns exemplos: pressionar ou forçar o(a)
companheiro(a) para ter relações sexuais quando este não quer; pressionar, forçar ou
tentar que o(a) companheiro(a) mantenha relações sexuais desprotegidas; forçar o outro
a ter relações com outras pessoas.
Violência financeira e patrimonial: qualquer comportamento que intente controlar o
dinheiro do(a) companheiro(a) sem que este o deseje. Alguns destes comportamentos
podem ser: controlar o ordenado do outro; recusar dar dinheiro ao outro ou forçá-lo a
justificar qualquer gasto; ameaçar retirar o apoio financeiro como forma de controlo.
Perseguição: qualquer comportamento que visa intimidar ou atemorizar o outro. Por
exemplo: seguir o(a) companheiro(a) para o seu local de trabalho ou quando este(a) sai
sozinho(a); controlar constantemente os movimentos do outro, quer esteja ou não em
casa.

4. Vítimas especialmente vulneráveis


A vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de
saúde ou de deficiência, bem como das lesões resultantes do facto de o tipo, o grau e a
duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu
equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

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As pessoas que sejam alvo de crimes dolosos e que coloquem em causa a vida, a
integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e forem
puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos, são sempre
consideradas, por força da lei, vítimas especialmente vulneráveis.

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MINISTÉRIO PÚBLICO E O CRIME

Há comportamentos que ofendem de forma tão grave os direitos das pessoas ou valores
fundamentais de um Estado de Direito, assente na dignidade da pessoa humana, que quem
os pratica pode sofrer uma pena.
A lei determina quais são esses comportamentos e qual a pena que lhes cabe: são os
crimes.
A lei determina ainda quais as regras a que deve obedecer a investigação dos crimes e o
julgamento dos seus autores (processo penal).
No processo penal, o Ministério Público, para além do mais:
Dirige a fase processual de inquérito, que se destina a recolher prova indiciária da
existência de crime e de quem foram os seus autores (é a primeira fase do processo). O
Ministério Público procura todas as provas, quer sejam desfavoráveis aos suspeitos, quer
lhes sejam favoráveis. Nessa actividade é coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, os
quais actuam sob a sua orientação e na sua dependência funcional.
Recebe as denúncias, as queixas e as participações apresentadas pelos cidadãos em geral
e, em particular, pelas vítimas de crimes, directamente ou através dos órgãos de polícia
criminal.
Requer ao juiz de instrução a aplicação de medidas de coacção aos arguidos, caso se
verifiquem em concreto um ou vários perigos, tais como o perigo de fuga, o perigo de
perturbação do inquérito, o perigo de continuação da actividade criminal ou o perigo de
perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas. As medidas de coacção visam
impedir que esses perigos se concretizem.
Caso seja recolhida prova indiciária suficiente da existência de crime e do seu autor, o
Ministério Público apresenta contra ele uma acusação e sustenta-a no julgamento. Mas se
a prova que se produzir em julgamento não permitir concluir para além de qualquer
dúvida razoável que foi o acusado o autor do crime, o Ministério Público pede ao tribunal
a sua absolvição.
Interpõe recursos das decisões judiciais proferidas no processo, ainda que no exclusivo
interesse dos arguidos, sempre que da aplicação das mesmas possa resultar a violação da
lei.
Promove a execução das penas e das medidas de segurança aplicadas aos arguidos
condenados.
Os magistrados do Ministério Público actuam sempre vinculados a critérios de legalidade
(sempre em obediência ao que determina a lei) e de objectividade (procuram sempre e
apenas a descoberta da verdade, seja esta favorável ou desfavorável aos ofendidos pelos
crimes ou aos suspeitos da sua prática).

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Os inquéritos são realizados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal ou
pelos Departamentos de Investigação e Acção Penal.

O Ministério Público:
 Dirige o inquérito criminal;
 Fiscaliza a actividade policial;
 Promove a concretização dos direitos das vítimas de crimes;
 Fiscaliza as decisões judiciais;
 Promove objectivamente o cumprimento da lei, agindo em favor de todos os
cidadãos intervenientes no processo criminal, particularmente das vítimas de
crime, mas também dos próprios arguidos, sempre que os seus direitos sejam
postos em causa;
 Não é acusador público;
 Não é polícia nem juiz;
 Não é o advogado do Estado.
Como agir:
O Ministério Público, para poder desencadear um processo criminal, necessita saber que
foi praticado um crime. Pode saber disso pelos seus próprios meios, mas também por
intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia.
Qualquer cidadão que tiver notícia de um crime pode denunciá-lo ao Ministério Público
ou aos órgãos de polícia criminal.
Qualquer cidadão que for vítima de um crime pode apresentar uma queixa ao Ministério
Público ou aos órgãos de polícia criminal.
– A qualquer órgão de polícia criminal, como PNSIC, PCIC, CAC,

FIM.

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