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MINISTÉRIO PÚBLICO
J. Amaral
Sumário 02
CONTRATO DE
EMPREITADA
Direito Civil – Dos contratos emespecial
a. Noção de obra
O contrato de empreitada constitui uma das modalidades do contrato de prestação
de serviço (artigo 1075º do Código Civil). Esta, por sua vez, delimita o universo
contratual onde uma das partes se vincula a proporcionar à outra certo resultado do seu
trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1074º do Código Civil). A
particularidade, nesta óptica, está em que o contraente devedor não se obriga a
desenvolver certo teor de trabalho ou de processo produtivo, mas a apresentar ao seu
credor o produto final, o remate do seu trabalho. É a partir da análise do conteúdo das
declarações negociais constitutivas do contrato que é possível determinar se ele enquadra
num dos tipos descritos pela lei civil – caso em que será típico ou nominado – ou se assim
não acontece – caso em que será atípico ou inominado –, sustentado aqui pela regra da
liberdade contratual contida no artigo 340º do Código Civil. Se a prestação de serviços
não quadra num dos três contratos típicos, que o artigo 1075º menciona, então será
também inominado ou atípico, embora dentro do género que a lei civil retrata. Neste caso,
em princípio, são as regras do mandato aquelas que hão-de ser convocadas para a
regulamentação negocial (artigo 1076º do CC), certamente por a lei entender que, via de
regra, há-de ser esse o contrato com mais conexões com as diversas e concebíveis
prestações de serviços inominadas. Mas outras aproximações são possíveis de conceber.
Suponha-se que determinado contraente acorda com um célebre compositor
musical a encomenda de uma canção (poema e música) que, a troco de um certo preço,
aquele se compromete a entregar a este. Que tipo de contrato aqui encontramos? Com
toda a certeza um contrato oneroso de prestação de serviços, mas não um contrato de
empreitada, por o resultado aqui combinado – a obra – não revestir as características
próprias desse negócio.
O contrato de empreitada é aquele mediante o qual uma das partes – o empreiteiro
– se obriga em relação à outra – o dono da obra ou comitente – a realizar certa obra,
mediante um preço (artigo 1127º do Código Civil). É, portanto, um contrato oneroso cujo
objectivo é uma prestação de resultado. O produto (ou resultado) que a empreitada tem
em vista pode ser (o produto de) uma construção, (o resultado de) uma intervenção sobre
um imóvel ou (o resultado de) a execução de um qualquer trabalho, como pode ser, por
exemplo, (o resultado de) uma demolição de um edifício – mas sempre com carisma de
materialidade. Na medida em que a obra (material) não seja contrária à lei, física ou
legalmente impossível ou indeterminável – hipótese em que o contrato será nulo (artigo
271º, nº 1, do CC) – ela pode revestir as mais diversas características.
A controvérsia sobre se a obra deve ser estritamente entendida em sentido material
ou se a obra intelectual pode igualmente ser objecto do contrato de empreitada é,
genericamente, na doutrina e na jurisprudência resolvida pela primeira opção. O objecto
1
Luís Menezes Leitão, “Direito das obrigações”, volume III (contratos em especial), 6ª edição, páginas 513
a 514, nota 1037, onde o autor termina por afirmar que a decisão do Supremo se não pode aceitar: “Uma
coisa é a realização da obra intelectual, e outra o suporte da mesma, sendo que o objecto do contrato de
produção de filmes é o filme enquanto tal, e não o seu suporte”.
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Trata-se aí do efeito ou vínculo fundamental que decorre do contrato de empreitada – o de ser concretizada
a obra na exacta conformidade do que ficou ajustado pelo contrato, significando todas as decorrências
seguintes da disciplina deste tipo de contrato uma tentativa de efectiva realização do objectivo assim
estabelecido.
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A verificação deve ser feita “depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder
fazer”, quer dizer, após o comissário dar por encerrado o trabalho e a obra por finda e, como tal, a fazer
presente ao dono; por outro lado deve ser feita “dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período
que se julgue razoável”, o que significa que, não havendo uso (artigo 2º do CC), será de apurar um tempo
que se tenha por aceitável, no quadro das condições e circunstâncias concretas do caso, a contar da
disponibilização da obra pelo empreiteiro, para o comitente a realizar (artigo 1138º, nº 2). Ultrapassado
esse tempo, que se admite possa até ser fixado pelo empreiteiro ao dono da obra, desde que seja
objectivamente razoável e sob cominação, considera-se a obra aceite, se o dono a não verificar (artigo
1138º, nº 5).
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Esta expressão, também utilizada no artigo 1128º, nº 1, do CC, tem o significado de “comum” ou
“corrente”, de certa forma, o que é normal ou expectável, em conformidade com os ditames evidenciados
pelas regras da experiência comum e da razoabilidade, à luz do caso concreto e das regras técnica e
socialmente aceitáveis.
5
João Serras de Sousa, “Código Civil anotado – Ana Prata (Coord.)”, volume I, 2017, páginas 1494 a 1495.
6
João Serras de Sousa, “Código Civil …”, citado, página 1494.
7
João Serras de Sousa, “Código Civil …”, citado, página 1495
8
João Serras de Sousa, “Código Civil …”, citado, página 1518.
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É importante reter a noção de “defeito” no contexto do resultado da empreitada. Numa outra especificação,
e para a concreta situação que previne, o artigo 1145º, nº 1, refere a obra que “por vício do solo ou da
construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente,
ou apresentar defeitos”. Em qualquer hipótese, interessa ter em conta que os defeitos, as imperfeições, as
falhas, têm de ser evidenciadas por factos e enunciações concretas, que os permitam reconhecer. A tarefa
linguística e descritiva, com a maior pormenorização, desempenha nesta matéria um papel fundamental;
tem que se dizer com o maior rigor e pormenorização o aspecto concreto que se tem por não idóneo,
descrevendo-o na sua própria realidade empírica. E há-de ser o confronto entre essa enunciação linguística,
e a sua significação, e o que consta descrito e pormenorizado no contrato, que há-de fazer reconhecer a
desconformidade – portanto, o defeito.
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É o dono da obra que tem o ónus da prova dos factos reveladores de cada um dos vícios ou defeitos
carentes de supressão, de reparação ou de indemnização. De facto, embora configurem incumprimento do
devedor (empreiteiro), a verdade é que se tratam de factos constitutivos do direito do dono da obra (artigo
510º nº 1 CPC), como o revela transversalmente o regime jurídico da empreitada e bem assim as
consequências jurídicas da sua prova (como é o caso da extinção, por resolução) de que são pressupostos
necessários.
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Quando é que para efeitos do artigo 1142º, nº 1, se deve considerar que os defeitos não foram eliminados
ou construída de novo a obra, quer num caso, quer no outro, podendo sê-lo? Essa não supressão de vícios
ou falta de nova construção constituem condições de operacionalidade das faculdades que aquele artigo
concede ao comitente. Entendo que elas ocorrem quando, por exemplo, o empreiteiro declara de uma forma
séria, firme e inequívoca ao dono da obra de que o não fará. Mas também quando, por exemplo, o dono da
obra conceda um prazo razoável (admonitório) ao empreiteiro para o efeito, com a cominação de não o
fazendo considerar definitivamente impossibilitada a supressão ou a nova construção, ainda que estas
materialmente se afigurem possíveis (situação portanto assemelhada à do não cumprimento definitivo
estabelecida no artigo 742º, nº 1, do CC).
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Por exemplo, transmitindo ao comitente a sua declaração séria, firme e inequívoca de que não irá
cumprir.
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A indemnização que neste caso seja pedida (artigo 1223º) há-de destinar-se a integrar o interesse
contratual negativo do dono da obra, destinando-se a colocá-lo numa situação como que se nunca tivesse
sido firmada a empreitada.
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Distintamente, nesta hipótese, a indemnização (artigo 1223º) destina-se a salvaguardar o interesse
contratual positivo e a colocar a esfera do comitente como se a empreitada tivesse sido ajustadamente, e
conforme o convencionado, realizada pelo empreiteiro.
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Na acção executiva para prestação de facto a possibilidade de a prestação ser realizada por terceiro à
custa do devedor, como o artigo 762º do direito substantivo estabelece, decorre da conjugação normativa
dos artigos 802º, nº 1, e 804º, do CPC.
16
João Serras de Sousa, “Código Civil …”, citado, página 1517.
FIM.
17
Creio ser este também o entendimento defendido por João Serras de Sousa, “Código Civil …”, citado,
páginas 1517 a 1518.
3 – Imagine que após o início da construção da moradia, e com a sua realização a meio,
ocorria na zona um incêndio que destruía totalmente a obra já construída, bem como todos
os materiais guardados no estaleiro da obra.
Bento informa Abel que para continuar a realização da obra este terá de lhe pagar novos
materiais.
Abel recusa invocando que combinou com ele um preço e que apenas paga o preço
acordado.
4-Imagine agora que após a conclusão da obra, Abel aceitava a mesma, sem proceder à
sua verificação. Um mês mais tarde informa Bento de um defeito em todas as portas da
casa. Bento declina qualquer responsabilidade, invocando que a carpintaria da obra foi
realizada por Carlos, e que será ele o responsável por eventuais defeitos.
Abel pretende saber a que tem direito.
6 – Imagine que a obra foi entregue a Abel em Maio de 2001. Em Janeiro de 2002, Abel
vende a casa a Daniel. Em Maio de 2004, por causa de um vício do solo, o tecto da sala
desabou.
David vem exigir a Bento a reparação do tecto, bem como o pagamento das mobílias que
foram modificadas. Bento recusa invocando nunca ter assumido qualquer obrigação
perante David.
Quid Juris?