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22 de Dezembro de 2020

O Contrato de Empreitada à Luz do Código Civil Brasileiro

Considerações relevantes sobre o contrato de empreitada.

Naceso Alves Soares Júnior[1]

A empreitada é tipo contratual regulado no Código Civil de 2002. Trata-se


de contrato onde uma parte (empreiteiro) se obriga, sem subordinação, a
executar uma obra para a outra parte (proprietário, comitente), sendo
estipulada retribuição pecuniária pela entrega do objeto.

Tendo em vista sua regulamentação na lei civil, é importante a adequação


dos empresários e contratantes às disposições estipuladas, sob pena do
surgimento de problemas de dimensões jurídicas na prática de suas
atividades: nos referidos negócios jurídicos, presencia-se a dificuldade da
elaboração de um instrumento escrito nos termos específicos da Lei, até
porque os contratantes desconhecem as disposições que legislam a relação.
Existe também confusão entre os tipos contratuais de empreitada e
prestação de serviço, o que pode ocasionar, na prática, diversas
complicações e ingerências sobre a execução da obra.

Logo, conhecer o que é aduzido no Código Civil é medida importante para o


empreiteiro, pois reduz o risco de eventuais prejuízos. Pode-se dizer o
mesmo para quem pretende a execução de uma obra sob sua propriedade.
O conhecimento da Lei, em qualquer caso, é essencial para uma relação
contratual harmônica.

Dessa forma, as considerações seguintes podem ajudar as partes a se


prevenirem de fatos indesejáveis ou chegarem à composição de uma lide
existente:

I – CONCEITO DE OBRA E PARTES DA RELAÇÃO

Necessário, antes de se adentrar às demais considerações, explicitar o


conceito de obra. Para isso, nada melhor que buscar as definições dadas
pelo próprio legislador.

Na Lei 8.666/93, que dispõe sobre licitações públicas, tem-se a seguinte


definição:

Art. 6º. Para os fins desta Lei, considera-se: I - Obra - toda construção,
reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução
direta ou indireta

Certamente, a definição acima aproveita ao conceito de obra trazido no


Código Civil, no entanto, se limita às finalidades da própria Lei de
Licitações. Deve-se mencionar que a administração pública, como será
elucidado nos seguintes tópicos, se utiliza também desse tipo contratual.

Em que pese o conceito acima se aplicar somente a bens corpóreos, através


de contribuição da doutrina jurídica pode-se estender a empreitada a bens
incorpóreos ou criações intelectuais. Portanto, ao se mencionar o termo
obra, pode-se também fazer referência, a título de exemplo, a uma
composição musical, sem prejuízo da sua compatibilização ao contrato em
comentário.
Dessa forma, pode-se dizer que obra corresponde a toda construção,
reforma, fabricação, recuperação ou ampliação de um bem corpóreo,
compatibilizando-se também o termo à criação ou implementação de
trabalho intelectual.

A respeito da denominação das partes da relação contratual, empreiteiro é


aquele que executa o trabalho e se obriga a entregar a obra. A parte que
“encomenda” a obra, denomina-se comitente, proprietário ou dono da obra.

II – DAS ESPÉCIES DO CONTRATO DE EMPREITADA

As espécies do contrato dizem respeito a como ele poderá ser dividido em


relação às suas características. Neste tipo contratual, as espécies estão
prescritas no Código Civil. Divide-se a empreitada, portanto, nas seguintes
espécies: a) empreitada de mão de obra ou b) empreitada mista.

A primeira espécie (empreitada de mão de obra), é também denominada de


empreitada de lavor ou simples, sendo conceituada na própria Lei, onde o
empreiteiro contribuirá somente com o seu trabalho, isso é, com a mão de
obra, ficando o material sob responsabilidade do proprietário da edificação
(comitente, dono da obra, aquele que “encomenda” a obra).

No caso supracitado, os riscos inerentes à execução da obra correrão por


conta de seu dono, com exceção de algum fato onde o empreiteiro,
exclusivamente, deu causa, devendo, nessa hipótese, ser responsabilizado.

A segunda espécie, empreitada mista, compreende a mão de obra e o


fornecimento de materiais pelo próprio empreiteiro. Os riscos da execução,
por sua vez, recaem ao empreiteiro até o momento da entrega da obra.

Conforme o artigo 610, do Código Civil, em seu § 1º, “a obrigação de


fornecer os materiais não se presume”. Significa dizer que o fornecimento
de materiais pelo empreiteiro (empreitada mista) deve ser fruto de
manifestação entre as partes, podendo, outrossim, ser cláusula expressa no
contrato.

III – DOS RISCOS


Importante tecer comentários aos riscos contratuais que as partes podem
suportar. Como já mencionado anteriormente, existem riscos diferentes
para ambas as espécies do contrato.

Na empreitada de lavor, onde o dono da obra fornece o material, a este


caberá os riscos da obra, salvo se o fato ocorrer por culpa do empreiteiro.
Necessário o cuidado do comitente nesse tipo de situação, onde deverá
provar, se o caso, a culpa do executor da obra (empreiteiro).

Continuando a abordagem dessa espécie do contrato, verifica-se que a


redação do artigo 613, do Código Civil, traz uma situação especial: em caso
de perecimento da coisa (da obra) antes da sua entrega, sem mora do
proprietário ou culpa do empreiteiro, este não terá direito à retribuição
avençada. Nesse caso, se a obra, antes da entrega, já apresenta vício que
torne seu uso ou habitação inviável, não se atendeu à finalidade do
contrato, pois resultou em perda do objeto - deve-se ter em mente que o
contrato de empreitada é de resultado e, portanto, a obra deve ser
entregue em perfeitas condições, como prefixado no projeto -. Nessa
hipótese, o empreiteiro perderá a retribuição avençada pela entrega da
obra.

Ainda sobre o perecimento da coisa, outra situação pode acontecer: veja-se


que o proprietário é quem fornece o material. Nessa ocasião, se o
proprietário o fornece na qualidade e/ou quantidade não adequada, a
responsabilidade pelo perecimento da coisa, consequentemente, é do
próprio dono da obra. Logo, cabe ao empreiteiro provar que o proprietário
é quem deu causa ao perecimento. Para isso deve reclamar (recomenda-se
por escrito) sobre os materiais inadequados, informando a sua
inviabilidade à obra, livrando-se, assim, da responsabilidade pelo
perecimento da coisa. Nessa hipótese, será devida a retribuição ao
empreiteiro, eis que informou, a tempo, sobre a possibilidade do
perecimento, fazendo recair o risco à outra parte.

A respeito da espécie empreitada mista (mão de obra e material), os riscos


correm por conta do empreiteiro até o momento da entrega da obra. Caso o
proprietário se encontre em mora para receber o objeto contratado, a partir
desse momento correrão por sua conta os riscos.
IV – FIXAÇÃO DO PREÇO

Compulsando a Lei Civil, pode-se concluir que o preço pode ser fixado
livremente entre as partes. Ressalta-se aqui duas modalidades que podem
ser usuais a esse tipo contratual.

Na primeira, verifica-se a possibilidade de estipulação de um preço fixo


(global), o qual pode ser efetivado integralmente ao final da obra, ou ser
parcelado (mês a mês, por exemplo). Sendo estipulado um preço fixo ficam
as partes adstritas a ele, não podendo sofrer alteração.

Na segunda modalidade, tem-se a possibilidade de fixação de preço por


etapa da obra concluída. As etapas podem compreender o fracionamento da
obra ou a mensuração de preço por área construída. Assim, pode-se
convencionar o preço por unidade autônoma construída e, sendo verificada,
realiza-se o pagamento. Da mesma forma, se convencionado por medida,
verifica-se a área construída para a fixação do preço.

Para melhor esclarecimento, a verificação da obra compreende a vistoria e


concordância daquilo que se está construindo, seja por parte do dono da
obra ou por aquele responsável pela sua fiscalização junto ao comitente.

V – DA REVISÃO DO PREÇO

Se o projeto inicial sofre alterações, de forma que o preço da obra seja


modificado, surge a necessidade de revisão do preço originariamente
convencionado. Isso pode evitar a rescisão contratual por ônus excessivo de
uma das partes, o que não é raro acontecer em empreitadas.

Sendo verificada essa situação, as partes podem estipular novo preço,


fazendo adendo ao contrato, preferencialmente de forma escrita, evitando
qualquer problema futuro.

O empreiteiro deve se atentar àquilo que prescreve o artigo 619, do Código


Civil. A razão para a cautela é que o executor da obra deve construir o que
foi colocado no projeto inicial e, se construiu mais do que fora requisitado
no projeto, só poderá exigir o acréscimo no preço, salvo estipulação em
contrário, nas seguintes hipóteses: a) os acréscimos serem provenientes de
instrução escrita do proprietário e b) caso o proprietário, sempre presente
na obra, não se oponha às inovações ou acréscimos feitos, isso é, se o dono
da obra conhece das alterações, pode o empreiteiro exigir a revisão do
preço.

Um ponto crítico do contrato reside justamente nas hipóteses elencadas


acima, visto que, não raras as vezes, o empreiteiro se vê prejudicado em
razão de ordem de acréscimo advinda do proprietário, que não é feita por
escrito, não existindo também disposição a respeito no contrato. Por
desconhecimento da lei, o executor da obra procede à construção, sem
antes convencionar a revisão do preço ou exigir que a ordem seja feita por
escrito. Decorrente a isso, a recuperação do valor construído a maior
termina em demanda no judiciário. Dessa forma, é importante que conste
cláusula no contrato a respeito da alteração no projeto e revisão no preço,
conferindo maior segurança jurídica às partes.

No caso de o proprietário visitar sempre a obra e não se opor aos


acréscimos, pode o empreiteiro exigir a revisão, pois se presume que o
comitente esteja ciente de tudo que ocorre na construção. Portanto, se o
dono da obra nota alguma inovação ou acréscimo do qual não concorda,
deve imediatamente notificar o empreiteiro. A presunção, no entanto, é
relativa e pode o comitente provar que não sabia do acréscimo.

Outra causa de revisão contratual é aquela disposta no artigo 620, da Lei


Civil. É assegurado ao dono da obra a revisão no caso de ocorrência de
diminuição do preço do material ou mão de obra superior a dez por cento
no mercado. Em caso de encarecimento dos preços desses itens (matéria-
prima e mão de obra), não pode o empreiteiro requerer o pagamento pelo
seu sobrepreço, a não ser que exista cláusula de reajustamento no contrato,
a qual, certamente, se recomenda a inserção.

VI - DO PAGAMENTO

Não havendo disposição no contrato a respeito do pagamento, será


efetivado ao final da obra, no entanto, é normal que as partes estipulem
livremente a sua forma.
Como visto em item anterior, é possível também o pagamento por etapa
concluída da obra ou por medida daquilo que foi construído. Sendo
dividida em partes ou por medida de área construída, o empreiteiro poderá
exigir o pagamento na proporção da obra executada.

Sendo realizado o pagamento por parte ou medida construída, presume-se


que a obra fora verificada, precluindo a oportunidade do proprietário em
alegar vícios na obra. Presume-se verificada a obra, também, quando
realizada a medição e, em trinta dias, a contar dela, não se alegar vícios ou
defeitos, devendo o comitente proceder ao pagamento.

Logo, nessa hipótese, o proprietário tem obrigação de vistoriar a obra e


verificar a sua adequação ao que fora combinado. Sendo verificada a
edificação, poderá apontar desconformidades com o projeto ou realizar o
pagamento.

É bom mencionar que, em que pese estar previsto na lei que se presume
verificado aquilo que se pagou, esse efeito só pode se estender à entrega
parcial ou total da obra: se o proprietário pagou uma etapa concluída da
obra (entrega parcial), se presume verificada, mas, se as partes estipularam
o parcelamento do pagamento (de mês a mês, por exemplo), não existe
possibilidade de aplicar o retromencionado dispositivo legal. Logo, a
presunção é relativa e depende da forma de pagamento estipulada.

VII – DO RECEBIMENTO DA OBRA

Concluída a obra, e estando de acordo com o que foi estabelecido entre as


partes, o dono é obrigado a recebê-la. Caso existam inconsistências em
desacordo com o projeto, poderá rejeitá-la ou recebê-la com abatimento do
preço. Se a obra estiver em conformidade com o que fora acordado entre as
partes e o proprietário se negue a recebê-la, poderá o empreiteiro depositá-
la em juízo, para se livrar de eventuais riscos.

VIII – DA RESPONSABILIDADE TÉCNICA

O artigo 618, do Código Civil, prevê a responsabilidade técnica do


empreiteiro: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras
construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução
responderá, durante o prazo irredutível de 5 anos, pela solidez e
segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.

Tratando-se, pois, de empreitada mista, onde o empreiteiro é responsável


pela mão de obra e fornecimento de materiais, a responsabilidade é
objetiva. Dessa forma, ao proprietário não será necessário provar a culpa do
empreiteiro, id est, a culpa se presume.

Disporá, o dono da obra, de 180 dias do aparecimento do vício para


postular em juízo. Se o vício é aparente, o prazo começará a contar da
entrega da obra.

Saliente-se que na espécie de empreitada simples ou de mão de obra (de


lavor), onde o empreiteiro fornece tão somente a mão de obra, a
responsabilidade por vícios ou defeitos é subjetiva. Consequentemente,
cabe ao proprietário provar a culpa do empreiteiro, sujeitando-se a
pretensão ao prazo prescricional de três anos, à luz do artigo 206, § 3º,
inciso V, do Código Civil.

IX – DA RESCISÃO CONTRATUAL UNILATERAL

A rescisão contratual pode ocorrer por iniciativa de ambas as partes. Se


unilateralmente rescindido por iniciativa do proprietário e sem justa causa,
este deverá pagar ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços
já feitos, mais uma indenização razoável. Conforme a Lei essa indenização é
calculada em função do que teria ganhado o empreiteiro se concluída a
obra, ocorre que, ao fixar essa indenização, o Juiz deve levar em
consideração o andamento da obra, bem como os gastos e despesas
dispendidos, a fim de alcançar um valor razoável.

A rescisão, sem justa causa, por iniciativa do empreiteiro gera o dever de


indenizar pelas perdas e danos ocasionados ao comitente. Autoriza-se,
entretanto, rescisão unilateral por parte do empreiteiro justificada
seguintes casos: a) por culpa do dono, quando, por exemplo, deixa de
realizar pagamento ou fornecer materiais; b) por motivo de força maior; c)
quando, no decorrer dos serviços, manifestarem-se dificuldades
imprevisíveis, resultantes de causas geológicas, hídricas, ou semelhantes,
que torne a empreitada excessivamente onerosa, recusando-se o
proprietário a arcar com o reajuste dos preços; d) quando ocorrer
exigências, por parte do dono da obra, de modificações que, por seu vulto e
natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o
proprietário se disponha a arcar com o acréscimo do preço. Importante
mencionar que toda modificação de maior vulto deverá ser aprovada pelo
empreiteiro, pois não tem obrigação de aceitá-la.

X – DO CONTRATO DE EMPREITADA NA ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA

Deve-se salientar que a empreitada é amplamente utilizada na


administração pública, especificamente em licitações.

Trata-se, a empreitada, nos termos da Lei 8.666/93, de formas de execução


indireta. São as seguintes: a) empreitada por preço global; b)empreitada
integral; c) empreitada por preço unitário.

A empreitada por preço global é o modo de contratação onde a


administração já contém dados precisos em relação aos quantitativos
necessários para a execução da obra, alcançando-se um preço total para que
seja concluída nos termos prefixados, transferindo-se os riscos do valor
total do empreendimento ao empresário contratado.

A empreitada integral trata-se da contratação do empreiteiro para entrega


de uma edificação funcional, ou seja, além da entrega do bem, a
administração pretende a contratação de toda a estrutura interna e logística
para o funcionamento da edificação, de forma que venha a atingir o
objetivo público daquela obra.

A empreitada por preço unitário destina-se à contratação de empreiteiro


para execução de obra por preço certo de unidades autônomas que
componham o objeto integral pretendido pela administração.

Em consequência das restrições legais inerentes à administração pública, a


relação contratual com o ente público implica em menor liberdade para o
empreiteiro, eis que estará sujeito às cláusulas, muitas vezes exorbitantes,
dos contratos administrativos, outrossim, sofrerá fiscalização quanto ao
andamento e demais detalhes da obra.
XI - CONCLUSÃO

Alfim, pode-se concluir que o contrato de empreitada é prático e confere


igualdade às partes contratantes. O seu uso na maioria das obras e serviços
de engenharia justifica tal alegação.

Apesar de sua praticidade e previsão em Lei, é necessário o conhecimento


das hipóteses acima mencionadas, sob pena do indesejável prejuízo na
obra.

Para os empreiteiros, é essencial estipular preço que venha gerar lucro, em


decorrência da dificuldade de uma revisão futura. Importante também
delinear estratégias para prever eventuais problemas e livrar-se de riscos
desnecessários. Aos comitentes, é importante saber dos riscos que podem
ser evitados na hora da contratação, bem como as possibilidades de revisão
de preço e recebimento da obra.

Recomenda-se, sempre, o auxílio de um advogado, a ambas as partes. A


prevenção é primordial para evitar os conflitos!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.

BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Licitações e Contratos da


Administração Pública.

NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 3: Contratos – 8 ed. rev. atual. e


ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

[1] Naceso Alves Soares Júnior é Advogado, inscrito na OAB/DF 51.003,


fundador do escritório Naceso Alves Advocacia e Consultoria. Atuação
com ênfase no Direito Penal, Administrativo e Empresarial.

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