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Sumário

1.REGIME JURÍDICO DA EMPRETITADAS DE OBRAS PARTICULARES E DE O


BRAS PÚBLICAS............................................................................................................2
1.1. Modalidades de empreitada de obras públicas quanto ao modo de retribui
ção. 3
1.2. Aplicação subsidiária do regime da empreitada de obras públicas às
empreitadas de obras particulares.............................................................................4
1.3. Regime jurídico aplicável a um contrato de empreitada de obra pública
celebrado em 2008.......................................................................................................5
2. PROJECTO DE EXECUÇÃO. ERROS E OMISSÕES............................................7
2.1. Erros E Omissões..............................................................................................7
3. RECEPÇÃO PROVISÓRIA E RECEPÇÃO DEFINITIVA.....................................9
3.1. Recepção Provisória.........................................................................................9
3.2. Prazo De Garantia..........................................................................................10
3.3. Recepção Definitiva........................................................................................12
4. OS AUTOS DE MEDIAÇÃO.................................................................................13
5. REGRAS DE BOA-FÉ E DE CONFIANÇA VS BOAS PRÁTICAS DA
CONSTRUÇÃO CIVIL..................................................................................................15
6. DEFEITTO DE CONSTRUÇÃO............................................................................18
7. FISCALIZAÇÃO PELO DONO DA OBRA..........................................................22
1. REGIME JURÍDICO DA EMPRETITADAS DE OBRAS PARTICULARES E DE
OBRAS PÚBLICAS.

“O contrato de Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em


relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.” Artigo 1207.º do Código
civil.
O objecto do Contrato de Empreitada não se limita na construção e reparação de
edifícios. Outros negócios jurídicos mediante os quais se acorda a construção ou
reparação de bens imóveis, tais como automóveis, navios, mobiliários também se
enquadram na noção de empreitada1.
O contrato de empreitada celebrado entre os particulares, ou simplesmente,
empreitada civil, encontra-se regulada no Capítulo XII (artigos 1207.º a 1230.º), do
Título II (dos contratos em especial), do Livro II do Código Civil (Direito das
Obrigações).
O contrato de empreitada, juntamente com o mandato e o depósito, surge como uma
modalidade do contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º CC), tendo, no caso, por
objecto especificamente uma obra. Neste sentido, nada impede que possam ser
aplicadas ao contrato de empreitada, com as necessárias adaptações, algumas
disposições sobre o mandato.
Quanto à forma, a empreitada é em princípio um contrato não formal, dado que a lei
não a sujeita a forma especial, podendo assim ser celebrada consensualmente, nos
termos do artigo 219.º CC, in fine, “a validade da declaração negocial não depende
da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir”.
Do contrato de empreitada resulta o direito do dono da obra de exigir que a obra
venha a ser por ele adquirida e recebida. A obra deve ser integralmente realizada, em
conformidade com o contrato. no prazo convencionado, e sem vícios que excluam ou
reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, tal
como o disposto no artigo1208.º CC.
O contrato de empreitada de obras Públicas, encontra actualmente o seu regime
jurídico no Título V da lei dos Contratos Públicos, Lei n.º 41/20 de 23 de Dezembro2.
Nos termos do artigo 185.º da LCP, “Entende-se por Empreitada de Obras Públicas
o contrato oneroso que tenha por objecto a execução ou a concepção e execução de
Obra Pública”3
Diferente da Empreitada civil, a empreitada de Obra pública é um contrato formal.
No mesmo sentido o artigo 42.º do Decreto 40/05 de 8 de junho, que estabelece o
regime de empreitadas de obras públicas.
Assim como na empreitada de obra civil, são partes da empreitada de Obras Públicas
O dono da Obra e o Empreiteiro. A particularidade aqui reside no facto de o Dono da
obra ser sempre uma entidade pública enunciada no artigo 6.º do mesmo diploma legal.
1
Martinez, Pedro Romano, in Direito das Obrigações (parte especial). Contratos, 2.º Edição, Almedina
Editora, pág. 317.
2
Esta lei revogou a anterior lei dos contratos públicos, lei n.º 9/16 de 16 de junho, que por sua vez
revogou a lei 20/10 de 7 de Setembro.
3
Esta noção não tem sofrido qualquer alteração ao longo dos anos, continua sendo mesma que tem vindo
a ser utilizada pelo legislador, assim o foi no artigo 181.º da antiga Lei de bases dos Contratos Públicos,
Lei n.º 9/16 de 16 de Junho e no n.º 1 do artigo 180.º da Lei n.º 20/10 de 7 de Setembro, Lei da
Contratação Pública;
Deste modo, dispõe o artigo 6.º que, “Para efeitos da presente Lei, são Entidades
Públicas contratantes:
a) O Presidente da República, os Órgãos da Administração Central e Local do Estado,
a Assembleia Nacional, os Tribunais, a Procuradoria Geral da República, as
Instituições e Entidades Administrativas Independentes e as Representações de
Angola no Exterior;
b) As Autarquias Locais;
c) Os Institutos Públicos;
d) Os Fundos Públicos;
e) As Associações Públicas;
f) As Empresas Públicas e as Empresas com Domínio Público, conforme definidas na
Lei;
g) organismos de direito público, considerando-se como tais quaisquer pessoas
colectivas que, independentemente da sua natureza pública ou privada, prossigam o
interesse público sem carácter comercial ou industrial e que na sua prossecução
sejam controladas ou financiadas pelo Estado Angolano com recurso à afectação do
Orçamento Geral do Estado”
Segundo o Professor Jorge Andrade da Silva4, para que de uma Empreitada de Obra
Pública se trate, torna-se necessário a coexistência de três elementos fundamentais:
1- Elemento material, que respeita ao objecto da empreitada e que deve traduzir-se em
trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração. reparação, conservação,
limpeza, restauro, adaptação, beneficiação ou demolição de imóveis;
2- Elemento intencional, que se traduz no fim de interesse colectivo que coma obra se
visa satisfazer;
3- Elemento pessoal, em função do qual, a obra deve ser adjudicada por alguma das
entidades referidas no artigo 6.º ou por uma pessoa colectiva privada no exercício de
funções materialmente administrativas.
1.1. Modalidades de empreitada de obras públicas quanto ao modo de retribuição.

As modalidades de empreitada de obras Públicas encontram-se reguladas nos termos


do artigo 189.º e seguintes da LCP. Dispõe o n.º 1 do artigo 189.º, in fine, “De acordo
com o modo de retribuição estipulado, as empreitadas de obras públicas podem
ser:
a) Por preço global;
b) Por série de preços;
c) Por percentagem”.

Nos termos do artigo 190 da actual lei dos contratos púbicos, “diz-se por preço
global a empreitada cuja remuneração é fixada antecipadamente numa soma
certa, correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a
execução da obra ou parte da obra, objecto do contrato”. A aplicação dessa
modalidade de empreitada de obra pública sujeita-se as obras relativamente às quais seja
possível calcular, sobre o projecto, com pequena probabilidade de erro, a natureza e a
quantidade dos trabalhos a efectuar.
4
In Lei da Contratação Pública de Angola Comentada e Anotada, 2.º Edição, Almedina Editora, pág. 318.
Relativamente às empreitadas por série de preço, dispõe o artigo 200.º que, “A
empreitada é estipulada por série de preços, quando a remuneração do
empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato para
cada espécie de trabalho a realizar, tendo em conta a quantidade da execução real
dos trabalhos”. O contrato terá sempre por base a previsão das espécies e das
quantidades dos trabalhos necessários para a execução da obra, obrigando-se o
empreiteiro a executar pelo respectivo preço unitário do contrato, todos os trabalhos de
cada espécie. Os trabalhos cuja espécie ou quantidade não tiverem sido incluídos na
previsão que serve de base ao contrato, serão executados pelo empreiteiro como
trabalhos a mais.
Quanto a empreitada por percentagem, dispõe o n.º 1 do artigo 222.º, que “Diz-se
empreitada por percentagem, o contrato pelo qual o empreiteiro assume a
obrigação de executar a obra por preço correspondente ao seu custo, acrescido de
uma percentagem destinada a cobrir os encargos de administração e a
remuneração normal da empresa”. O custo dos trabalhos é o que resultar da soma dos
dispêndios correspondentes a materiais, pessoal, direcção técnica, estaleiros,
transportes, seguros e encargos inerentes à depreciação de instalações, de utensílios e de
máquinas e a tudo o mais necessário para a execução dos trabalhos, desde que tais
dispêndios sejam feitos com o acordo do dono da obra, nos termos estabelecidos no
caderno de encargos. É lícito adoptar, na mesma empreitada, diversos modos de
retribuição para distintas partes da obra ou diferentes tipos de trabalho.
Diferente da Empreitada global e a por série, de acordo com o n.º 1 do artigo 225.º,
“O empreiteiro não é obrigado a executar trabalhos a mais que excedam 1/4 do
valor dos que foram objecto do contrato”.
Salvo estipulação em contrário, os pagamentos serão feitos mensalmente, com base
em factura apresentada pelo empreiteiro, correspondente ao custo dos trabalhos
executados durante o mês anterior.
1.2. Aplicação subsidiária do regime da empreitada de obras públicas às
empreitadas de obras particulares.

A aplicação do regime da empreitada pública à empreitada particular é justificável,


pelo facto da primeira gozar de maior amplitude na sua regulação em relação as
empreitadas particulares, resultante do facto da empreitada de obra pública ser objecto
de um diploma autônomo, o qual tem merecido da parte do legislador uma atenção no
sentido da sua constante atualização e desenvolvimento, em grande parte devido a
importância económica deste contrato5.
O professor Marcelo Caetano entende que o contrato administrativo de empreitada de
Obras Públicas é antes de mais um contrato, integrando-se no género a que pertence o
contrato Civil e definindo-se pelos mesmos elementos essenciais: a capacidade dos
contraentes, mútuo consentimento e o objecto possivel6. No mesmo sentido, a

5
Neste sentido, José Manuel Costa Marças, in A Aplicação Do Regime Jurídico Das Empreitadas De
Obras Públicas Às Empreitadas Particulares, relatório de Mestrado apresentado em Outubro de 1993, na
faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 507.
6
Neste sentido, José Manuel Costa Marças, in A Aplicação Do Regime Jurídico Das Empreitadas De
Obras Públicas Às Empreitadas Particulares, relatório de Mestrado apresentado em Outubro de 1993, na
faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 507.
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, decisão de 15 de Março de 1963,
acolhe esta permissa ao afirmar que:

“O contrato administrativo embora enquadre ou integre o


género a que pertence o Contrato civil, e se defina pelos
mesmos elementos essenciais, distingue-se desta pela sujeição
do contraente particular ao interesse público.”
É hoje possível afirmar que as divergências entre a empreitada de obras públicas e a
empreitada privada foram quase totalmente eliminadas, ao ponto de a concepção
tradicional acerca da especificidade da primeira estar irremediavelmente ultrapassada.
Assim, quando não esteja em causa a prossecução de um interesse público, e quando
não estejamos perante uma norma excepcional (cfr. Art. 11.º CC) ou ainda, quando a
norma pela sua natureza administrativa não seja inaplicável, é possível a sua aplicação
analógica à empreitada de obras particulares quando exista uma lacuna no direito civil.
Entre a doutrina, há quem entenda não só ser possivel a aplicação analógica do regime
da empreitada de Obra Pública às empreitadas de obras particulares, como também, a
derrogação de normas supletivas do Código Civil em prol da aplicação do regime da
Empreitada Pública7.
No que respeita ao regime jurídico, verifica-se que no Brasil, em França, na Itália, na
Bélgica, No Luxemburgo, bem como na Suíça os contratos de empreitada de obras
públicas, para além de algumas diferenças de pormenor, designadamente quanto à sua
formação, estão sujeitas às regras estabelecidas nos respectivos códigos civis 8. Esta
solução adoptada é facilmente compreensível, na mediada em que, nesses ordenamentos
jurídicos encontramos o regime jurídico da empreitada de obra civil concebido de forma
composto e detalhada.

1.3. Regime jurídico aplicável a um contrato de empreitada de obra pública


celebrado em 2008.

Feito o enquadramento jurídico, levanta-se agora uma das mais importantes questões
no que toca a correcta aplicação do Direito aos factos juridicamente relevantes, que é a
questão da Aplicação da lei no tempo.
Entre nós vigora o princípio geral da não retroactividade da Lei, consagrado no
artigo 12.º do Código Civil, nos termos do qual, a Lei só dispõe para o futuro, ou seja,
uma vez aprovada a Lei apenas visa a regulação de factos novos que venham a surgir
depois da sua entrada em vigor.
O conflito de aplicação da lei no tempo é primeiramente resolvido pelo Direito
intertemporal ou Direito transitório, podendo atribuir eficácia retroactiva a lei nova,
entretanto, ficando sempre ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos.
Quanto a questão principal, a de saber qual é a lei aplicável a um contrato de
Empreitada de obras Públicas celebrado em 2008, o artigo 362.º da Lei dos Contratos
Públicos de 2010, Lei n.º 20/10 de 7 de Setembro, cuja epígrafe é “aplicação no tempo”,
determina que esta lei aplica-se exclusivamente aos contratos celebrados após a data da
7
Nesse sentido, Leitão, Luís Menezes, in Direito das Obrigações, Vol. III, 14.º Edição, Almedina Editora,
pág. 506.
8
Nesse sentido, Martinez, Pedro Romano, in Direito das Obrigações (parte especial). Contratos, 2.º
Edição, Almedina Editora, pág. 319.
sua entrada em vigor, isto é, 90 dias após a sua publicação9. Excluindo-se todos os
contratos celebrados antes de 2010.
Art. 362.º: “A presente Lei é Aplicável aos procedimentos de Contratação
Pública iniciados após a data da sua entrada em vigor.”10
Logo, deve-se aplicar o regime consagrado no Decreto n.º 40/05 de 08 de Junho, que
estabelece o Regime de Empreitadas de Obras Públicas que vigorou no nosso
ordenamento jurídico até o ano de 2010.

9
Tendo entrado em vigor no dia 6 de Dezembro de 2010.
10
Diferente da Fórmula que nos é apresentada pelo artigo 413.º da Lei dos Contratos Públicos de 2016,
Lei n.º 9/16 de 16 de Junho, que revoga a Lei n.º 20/10, onde se procede nitidamente a divisão entre a
fase da celebração do contrato e a fase da sua execução, sendo que, esta lei aplicava-se aos contratos
públicos iniciados após a sua entrada em vigor, bem como aos contratos públicos iniciados antes da sua
entrada em vigor cuja sua execução ocorreria em momento posterior a sua entrada em vigor.
2. PROJECTO DE EXECUÇÃO. ERROS E OMISSÕES.

Em sede das Empreitadas de Obras públicas, quer seja procedido de concurso ou de


adjudicação directa, o empreiteiro apresenta um projecto de Obra, também designado de
projecto de base, que a posterior é utilizada para a realização do projecto de execução da
Obra.
Art. 19.º do Dec. 40/05 “Quando a adjudicação de uma empreitada resulte de
projecto base apresentado pelo empreiteiro, competirá a este a elaboração do
projecto de execução, nos termos estabelecidos para a empreitada por preço
global.”
Tal explicação tornou-se mais nítida na Lei dos Contratos Públicos de 2020. Assim,
nos termos do n.º 2 do artigo 192.º da lei 40/20: “Escolhido no Concurso um projecto
base, serve este para a elaboração do projecto de execução.”
O Projecto de Execução é um documento elaborado pelo empreiteiro a partir de um
estudo prévio ou do projecto de base aprovado pelo dono da Obra, destinado a facultar
todos os elementos necessários à definição rigorosa dos trabalhos a executar. O projecto
de Execução é a última das fases pela qual se desenvolve o projecto e que são as
seguintes: projecto base, estudo prévio, anteprojecto e projecto de execução.
No Projecto de Execução, o empreiteiro procede ao desenvolvimento do projecto
base, sendo constituído por um conjunto coordenado de informações escritas e
desenhadas de fácil e inequívoca interpretação por parte do dono da obra e das demais
entidades intervenientes na execução da obra. O projecto de Execução torna-se parte
integrante do caderno de encargo.
Nas empreitadas de Obra particular, é comum o dono da Obra celebrar um contrato
de elaboração do projecto de execução desejado, sendo certo que, a maior parte das
vezes esse contrato acaba sendo igualmente celebrado entre as mesmas partes do
contrato de Empreitada, ou seja, acaba sendo o empreiteiro quem elabora o projecto de
execução. Tratam-se de contratos diferentes, pois o contrato de elaboração de um
projecto não implica a obrigação de executá-lo.
2.1. Erros E Omissões

Quando falamos de erros e omissões em sede dos contratos de empreitada, temos


desde logo duas possíveis percepções, por um lado, os erros e omissões na execução da
obra e por outro, os erros e omissão na elaboração do projecto de execução. Neste ponto
trataremos exclusivamente sobre os erros e omissões do projecto de execução.
Segundo o professor Antunes de Oliveira: “A Omissão consiste num trabalho
indispensável à execução da empreitada, mas que não consta do projecto ou não consta
para efeito de remuneração do empreiteiro no mapa das medições enquanto um Erro
consiste na incorrecta quantificação, no projecto ou no mapa das medições, de um
trabalho indispensável à execução da empreitada”11.
Ora, nos termos do artigo 195.º da Lei 41/20, actual Lei dos Contratos Públicos e do
n.º 1 do artigo 12 do Decreto 40/05:
1- “Constitui um erro do projecto a incorrecta representação da espécie ou quantidade
dos trabalhos necessários à execução da empreitada, decorrente de uma diferença
11
Vide, Oliveira, Antunes, in Contrato de Empreitada. Manual de Execução, Gestão e Fiscalização, 2002,
Pág. 111.
entre as condições locais existentes e as previstas ou entre os dados em que aquele
projecto se baseia e a realidade.
2- Constitui uma omissão do projecto a ausência de previsão, em espécie ou
quantidade, de trabalhos necessários à execução da empreitada, decorrente de uma
diferença entre as condições locais existentes e as previstas ou entre os dados em
que aquele projecto se baseia e a realidade”.
De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo: “A incorrecta representação ou ausência de
previsão de determinado trabalho no projecto só pode ser qualificada como erro ou
omissão, nos termos dos números anteriores, se, à luz da diligência objetivamente
exigível, em face das circunstâncias concretas, pudesse ter ido detectada pelo autor
desse projecto no momento da sua elaboração.”
Esta enumeração legal é meramente exemplificativa, na medida em que, podemos
nos deparar com outros erros e omissões de elementos essenciais do projecto de
execução que não tenham sido citados pelo legislador, assim como exemplo, a irreal
determinação do tempo previsto da conclusão da Obra.
Quanto a rectificação dos erros, estabelece o artigo 196.º da Lei 41/20:
1- “Se o projecto de execução é da autoria do Empreiteiro ou de Projectista por este
contratado, cabe-lhe suportar o custo dos trabalhos de suprimento dos erros e
omissões do projecto.
2- Se o projecto de execução é da autoria de Projectista ao serviço do Dono da Obra,
cumpre-lhe assumir os custos dos trabalhos de suprimento dos erros e omissões do
projecto.
3- Se o projecto de execução é da autoria do Dono da Obra, é este o responsável pelos
trabalhos de suprimento de erros e omissões, excepto:
a) Se estiverem em causa erros e omissões cuja detecção era exigível ao
Empreiteiro na fase de formação do contrato, nos termos do artigo 52.º 12, sendo
que neste caso a responsabilidade do Empreiteiro corresponde a metade do preço
dos trabalhos de suprimentos dos erros e omissões executados;
b) Se estiverem em causa erros e omissões cuja detecção não era exigível ao
Empreiteiro na fase de formação do contrato nos termos do artigo 51.º13, mas
também não tenham sido por ele identificados no prazo de trinta dias a contar da
data em que, pelo decurso da execução dos trabalhos, fosse exigível a sua
detecção, nestes casos a responsabilidade do Empreiteiro corresponde ao
referido na alínea anterior.”
Segundo o professor, Jorge Andrade da Silva14: “quanto à natureza do regime legal
das reclamações relativas a erros e omissões do projecto, vigora o princípio dominante
no regime jurídico dos contratos administrativos, segundo o qual, sempre que uma
norma expressamente se não disser supletiva, as dúvidas que quanto à sua natureza
surgirem deverão ser resolvidas no sentido da sua injuntividade, a menos que outros
elementos claramente conduzam para conclusão diferente. Assim, deve entender-se que
o regime legal das reclamações por erros e omissões do projecto não pode ser afastado
ou substituído.”

12
Que trata sobre os erros e omissões do projecto em procedimentos de formação de contratos de
empreitada ou de concessão de Obras públicas.
13
Que trata sobre o esclarecimento e rectificações das peças de procedimentos na fase concursal.
14
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Lei da Contratação Pública de Angola, 2.º Edição, Almedina
Editora, 2014, pág. 336.
3. RECEPÇÃO PROVISÓRIA E RECEPÇÃO DEFINITIVA.
3.1. Recepção Provisória

A recepção provisória é o acto pelo qual, no contrato de empreitada de obras


públicas, o dono da obra, concluída esta nos termos contratuais, a transfere para o seu
domínio público15. Concretiza-se num acto unilateral do dono da obra, baseado numa
vistoria aos trabalhos destinada a verificar se estes foram executados nos termos das
cláusulas contratuais, das prescrições legais e das regras de arte. A recepção provisória é
sempre antecedida pelo acto de visória.
Nesse sentido prescreve o artigo 198.º do Decreto 40/05: “Logo que a obra esteja
concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da
obra, a sua vistoria para o efeito de recepção provisória.”
Manteve a mesma redação o n.º 1 do artigo 306.º da actual Lei dos contratos
públicos, Lei 41/20: “Logo que a obra esteja concluída, procede-se, a pedido do
Empreiteiro ou por iniciativa do Dono da obra, à sua vistoria para o efeito de
recepção provisória.”
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo: “O Fiscal da Obra16 deve convocar, por
escrito, o Empreiteiro para a vistoria, com a antecedência mínima de 5 dias17 e, se
este não comparecer nem justificar a falta, realiza-se a diligência com a
intervenção de duas testemunhas que também assinam o auto, notificando-se de
imediato ao Empreiteiro o conteúdo deste, para os efeitos do disposto nos n.º 3, 4 e
5 do artigo seguinte.”
Se, a pedido do Empreiteiro, o Dono da obra não comparecer para a realização da
vistoria no prazo de 45 dias e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou
em virtude da própria natureza e extensão da obra, considera-se esta, para todos os
efeitos, recebida no termo desse prazo (aceitação tácita)18. Nesse sentido o n.º 5 do
mesmo artigo. A razão de ser desta disposição normativa reside no facto de não se
considerar razoável retardar a recepção e o início do prazo de garantia por facto
inteiramente imputável ao dono da obra e de todo injustificável19.
Segundo o professor Romano Martinez20, a obrigação de realização da vistoria se
mante independentemente da acção fiscalizadora que o dono da obra exerce ao longo do
processo executivo, sendo que este não substitui ou dispensa aquela.
Realizada a vistoria, caso se verifica que a obra se encontra aparentemente conforme
com o projecto e em condições de ser recebida, deve-se lavrar no Auto de Recepção.
Tal como o disposto no n.º 1 do artigo 308.º da LCP: “Quando, pela vistoria

15
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Dicionário dos Contratos Públicos, 2.º Edição, Almedina
Editora, pág. 507.
16
Não constitui um imperativo legal a celebração de um contrato de prestação de serviço de fiscalização
da obra, tal como se verá infra no ponto 7. A fiscalização pode ser feita pelo próprio Dono da Obra ou por
um comissário, n.º 2 do artigo 1208.º CC. Inexistindo o fiscal da obra, a convocatória deve ser feita pelo
Dono da obra.
17
Sob pena de nulidade da convocatória.
18
É igualmente passivo o entendimento segundo o qual, há aceitação provisória tácita nos casos em que
o Dono da Obra toma definitivamente posse da Obra com intenção de a receber. Assim ocorre, por
exemplo, nos casos em que o Dono da Obra aloca o bem ao serviço do fim pelo qual foi concebido.
19
Nota explicativa do Decreto-Lei n.º 48 871, 33-1 pág.88 que, em Portugal aprovou a primeira versão do
RJEOP (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas).
20
Neste sentido, Martinez, Pedro Romano, in Empreitada de Obras Públicas, Almedina editora, pág. 151.
realizada, se verificar estar a obra em condições de ser recebida, assim se declara
no auto, contando-se da data deste o prazo de garantia fixado no contrato.”
Entretanto, o n.º 1 do artigo 199.º do Decreto 40/05, cuja redação é idêntica ao do n.º
1 do artigo 307.º da LCP, determina que, se da vistoria realizada, o Dono da Obra
constatar deficiências, que tenham resultado de infração às obrigações contratuais e
legais do Empreiteiro, a obra não estiver, no todo ou em parte, em condições de ser
recebida, o representante do Dono da Obra deve especificar essas deficiências no auto
exarando ainda, neste, a declaração de não recepção, bem como as respectivas razões,
notificando o Empreiteiro e fixando o prazo para que este proceda às modificações ou
reparações necessárias. O Professor Pedro Romano Martinez21 entende que aqui só
podem ser enquadrados os erros ou deficiências que, segundo as regras da boa-fé e
razoabilidade, possam afectar a solidez, segurança, funcionalidade e estética da
construção, não se incluindo os que, pela sua insignificância, podem ser rápida e
facilmente reparados.
Todavia, a Lei permite a recepção provisória de parte da Obra que se encontre
conforme. É o que dispõe o n.º 2 das disposições mencionadas no parágrafo anterior:
“Pode, o Dono da Obra, fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver
em condições de ser recebida.”
Segundo o Professor Jorge Andrade Silva22, constituem pressupostos da recepção
provisório:
• Estar a execução da obra concluída;
• Cumprimento, pelo empreiteiro de todas as suas obrigações contratuais e legais;
• Cumprimento do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e de
demolição;
• Correção pelo empreiteiro de todas as deficiências detectadas na vistoria
anterior.
A recepção provisória trata-se da manifestação de uma única vontade, a do dono da
obra (negócio unilateral recipiendo), que tem o poder de ajuizar sobre se o contrato foi
bem ou mal cumprido, sem prejuízo da possibilidade de impugnação, por parte do
empreiteiro, do juízo assim emitido.
Quanto aos efeitos, a recepção provisória da obra traduz:
• Fixa a data da conclusão da obra para efeitos de averiguação do cumpri mento
do respectivo prazo contratual;
• Determina a impossibilidade de aplicação de sanções contratuais por
incumprimentos até aí ocorridos;
• Estabelece o início do período de garantia da obra;
• Transtere para o dono da obra a propriedade desta e respectiva posse;
• Permite ao dono da obra colocá-la ao serviço do fim para que foi realizada;
• Transfere para o dono da obra o encargo de proceder à sua conservação e
guarda;
• Transfere para o dono da obra as consequências do seu uso;
• Transfere para o dono da obra o risco pelas deteriorações por facto de terceiro.

21
Neste sentido, Martinez, Pedro Romano, in Empreitada de Obras Públicas, Almedina editora, pág. 82
22
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Dicionário dos Contratos Públicos, 2.º Edição, Almedina
Editora, pág. 508.
3.2. Prazo De Garantia

Com a recepção provisória, não fica encerrada a relação jurídica nascida com a
celebração do contrato de empreitada de obras públicas entre o dono da obra e o
empreiteiro, pois, sugue-lhe o prazo de garantia, durante o qual a obra é posta à prova
no sentido de averiguar a existência de vícios de execução que se revelem após a
recepção provisória da obra.
Assinado o auto de recepção provisória inicia se o prazo de garantia, durante o qual o
empreiteiro está obrigado a corrigir todos os defeitos que venham a ser identificados na
obra.
De acordo com o n.º 1 do artigo 207.º do Decreto 40/07: “O Prazo de garantia deve
ser estabelecido no caderno de encargos, tendo em atenção a natureza dos
trabalhos.”
No silêncio das partes, o prazo de garantia será de 5 anos, neste sentido o n.º 2 do
mesmo artigo: “No silêncio do caderno de encargos, o prazo de garantia é de cinco
anos”.
Quanto ao prazo supletivo, a nova lei dos contratos públicos reduziu para três os anos
de garantia, n.º 2 do artigo 315.º da Lei 41/20.
O Empreiteiro tem a obrigação de corrigir, por conta própria, todos os defeitos da
obra e dos equipamentos nela integrados que sejam identificados até ao termo do prazo
de garantia, entendendo-se como tais, designadamente, quaisquer desconformidades
entre a obra executada, os equipamentos fornecidos ou integrados e o previsto no
contrato. deficiências de execução da obra que se revelem no decurso deste prazo.
Trata-se de proteger o dono da obra relativamente a defeitos de execução ou falta de
solidez da obra e assegurar a sua conformidade com as cláusulas do contrato,
designadamente do caderno de encargos, e das regras da arte.
Na empreitada de obra particular, os direitos do dono da obra resultantes de vícios de
execução desta, mesmo que desconhecidos do respetivo dono à data da sua aceitação,
caducam se não forem exercidos no prazo de 2 (dois) anos após a entrega da obra, n.º 2
do artigo 1224º do CC: “Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a
aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso,
porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre
a entrega da obra.”
Por outro lado, tratando-se de construção, modificação ou reparação de edifícios ou
outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e no decurso de cinco anos
a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício
do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir total ou parcialmente, ou
apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo
para com o dono da obra, tal como consta do artigo 1225º CC.
A não eliminação dos vícios por parte do empreiteiro confere ao dono da obra o
direito de redução do preço e/ou resolução do contrato, nos termos do n.º 1 do artigo
1222.º “Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono
pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem
a obra inadequada ao fim a que se destina”. Sendo igualmente aplicável as
empreitadas de obras públicas.
A redução do preço opera-se nos termos do artigo 882.º CC: “1 - Se a venda ficar
limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros
preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste
figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global. 2 - Na falta de
discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.”
3.3. Recepção Definitiva

A recepção definitiva é o acto pelo qual o dono da obra, decorrido que seja o prazo
de garantia e mediante prévia vistoria, considera, definitivamente, cumprido o contrato
de empreitada de obras públicas23.
Nos termos do n.º 1 do artigo 208.º do Decreto 40/05: “Findo o prazo de garantia e
por iniciativa do dono da obra ou a pedido do empreiteiro, proceder-se-á à nova vistoria
das obras de toda a empreitada.” A mesma redação é nos apresentada o n.º 1 do artigo
316.º da actual Lei dos contratos públicos.
Se da vistoria realizada se verificar que as obras não apresentam deficiências,
deteriorações, indícios de ruínas ou falta de solidez, pelos quais deva responsabilizar-se
o Empreiteiro, proceder-se-á à recepção definitiva.
Segundo o professor Jorge Andrade da Silva24, a recepção definitiva depende da
verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
1- Funcionalidade regular, no termo do período de garantia, em condições normais de
exploração, operação ou utilização, da obra e respetivos equipamentos, de forma
que cumpram todas as exigências contratualmente previstas;
2- Cumprimento, pelo empreiteiro, de todas as obrigações decorrentes do período de
garantia relativamente à totalidade ou à parte da obra a receber.

Tal como a recepção provisória, a recepção definitiva pode ser total ou parcial, visto
que o n.º 1 do artigo 209.º do Decreto 40/05 determina que: “Se, em consequência da
vistoria se verificar que existem deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de
falta de solidez, de responsabilidade do empreiteiro, somente se receberão os
trabalhos que se encontram em bom estado e que sejam susceptíveis de recepção
parcial”. No mesmo sentido o n.º 1 do artigo 317.º da actual Lei dos contratos públicos.
São aplicáveis à vistoria e ao auto de recepção definitiva, bem como à falta de
agendamento ou realização da vistoria pelo dono da obra, os preceitos que regulam a
recepção provisória quanto as mesmas matérias.
O empreiteiro fica exonerado da responsabilidade pelos defeitos da obra que sejam
verificados após a recepção definitiva, salvo quando o dono da obra prove que os
defeitos lhe são culposamente imputáveis. A responsabilidade do empreiteiro não se
estende a toda e qualquer deficiência ou deterioração que a obra apresente no fim do
prazo de garantia, mas apenas aquelas que se devam a facto seu, isto é, ao processo de
execução da obra e não sejam aparentes aquando da vistoria da recepção provisória.

23
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Dicionário dos Contratos Públicos, 2.º Edição, Almedina
Editora, pág. 505.
24
In Código dos Contratos Públicos. Anotado e comentado, 8.º Edição, Almedina Editora, pág. 846.
4. OS AUTOS DE MEDIAÇÃO.

A medição dos trabalhos é uma operação que visa fins vários, sendo através dela que
se verifica a situação dos trabalhos, portanto se em que medida a execução corresponde
ao previsto no plano de trabalhos e é também através das medições que se calculam os
montantes a pagar ao empreiteiro25.
Os autos de medição dos trabalhos executados constituem um dos mais relevantes
instrumentos de controlo físico e financeiro da obra, na medida em que permitem
detectar desvios aos planos de trabalhos em vigor (através do confronto entre os
trabalhos previstos e os efetivamente executados) e confirmar as quantidades dos
trabalhos e correlativos montantes para efeitos de pagamento das verbas constantes nas
faturas posteriormente apresentadas pelo empreiteiro.
Segundo o n.º 1 do artigo 182.º do Decreto 40/05, a medição deve realizar-se
mensalmente, salvo se as partes acordarem em contrário. No mesmo sentido o n.º 1 do
artigo 292.º da actual Lei dos Contrato Público.
As medições devem ser feitas no local da obra com a assistência do Empreiteiro ou
seu representante e delas se lavrará auto (Auto de Medição), assinado pelos
intervenientes, no qual os interessados podem fazer exarar tudo o que reputarem
conveniente, bem como a colheita de amostras de quaisquer materiais ou produtos de
escavação.
O Auto de medição desempenha um papel fundamental:
1- Para efeitos de pagamentos;
2- Para averiguação dos desvios verificados entre as previsões e a realidade no que se
refere à natureza e volume de trabalhos necessários à realização da obra;
3- Para a fixação da situação de facto a considerar quando se introduzem alterações no
projeto.
Segundo o disposto no n.º 3 dos mesmos artigos, “Os métodos ou critérios a
adoptar para a realização das medições são obrigatoriamente estabelecidos no
caderno de encargos e, em caso de alterações, os novos critérios de medição que,
porventura, se tornem necessários, devem ser logo definidos”
Quanto ao objecto da medição, estabelece o artigo 183.º do Decreto 40/05: “Far-se-á
medição dos trabalhos executados, ainda quando não se considerem previstos no
projecto nem devidamente ordenados e independentemente da questão de saber se
devem ou não ser pagos ao empreiteiro”. No mesmo sentido o artigo 293.º da actual
Lei dos Contratos Públicos.
Como ficou visível, no silencio das partes as medições devem ser realizadas todos os
meses, entretanto, caso o dono da obra não proceder à medição dos trabalhos
efectuados, em tempo oportuno, deverá o empreiteiro apresentará até ao fim do mês
seguinte o mapa de trabalhos efectuados no mês anterior com os documentos
respectivos. O mesmo acontece quando, por questão da distância, o difícil acesso ou
multiplicidade das frentes, a própria natureza dos trabalhos ou outras circunstâncias
impossibilitarem a realização da medição mensal e bem assim quando a fiscalização por
qualquer motivo a deixe de fazer, tal como o disposto no n.º 1 do artigo 188.º do c e n.º
1 do artigo 298.º da actual Lei dos contratos públicos. Apresentado o mapa e visado
25
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Código dos Contratação Pública, 8.º Edição, Almedina
Editora, pág. 827.
pela fiscalização, só para o efeito de comprovar a verificação de alguma das condições
que justifiquem o procedimento, será considerado como situação provisória de trabalhos
e proceder-se-á como se de situação de trabalho se tratasse. A exactidão das quantidades
escritas nos mapas será verificada no primeiro auto de medição que se efectuar com
base no qual se procederá às rectificações a que houver lugar.
E se o empreiteiro dolosamente inscrever no seu mapa trabalhos não efectuados?
De acordo com o n. 4 do artigo 188.º do Decreto 40/05, “o Empreiteiro sujeita-se a
pena de Burla aplicadas em função do valor dos trabalhos dolosamente inscritos e
o facto será comunicado à Comissão Nacional de Registo e Classificação dos
Empreiteiros de Obras Públicas”. A actal lei dos contratos públicos concebe uma
solução ligeiramente diferente, o n.º 4 do artigo 298.º, determina que nessas situações,
“o Dono da obra poderá resolver o contrato e informar tal facto ao órgão
responsável pela regulação da contratação civil de Obras Públicas, para efeito de
averbamento e redução para a categoria imediatamente inferior da classe do
respectivo alvará, e para o órgão responsável pela regulação e supervisão da
contratação pública para efeito de inclusão na lista de empresas incumpridoras,
nos termos do n.º 1 do artigo 57.º”
Feita a medição, elaborar-se-á a respectiva conta corrente, especificação das
quantidades de trabalho apuradas, dos preços unitários, do total creditado, dos descontos
a efectuar, dos adiantamentos concedidos ao empreiteiro e do saldo a pagar a este. A
violação destas disposições é susceptível de gerar pagamentos indevidos. Nesse sentido
o acordão n.º 42/2020 do Tribunal de Contas de Portugal26, afirmando
peremptoriamente:

“A violação dos artigos 387.º e 392.º do CCP é apta a produzir


pagamentos indevidos.”

Após a assinatura pelo empreiteiro dos documentos que constituem a situação de


trabalhos, promover-se-á a liquidação do valor correspondente às quantidades de
trabalhos medidos sobre os quais não haja divergências, depois de deduzidos descontos
a que houver lugar nos termos contratuais, notificando-se o empreiteiro dessa liquidação
para efeito de pagamento.
Relativamente aos erros e omissões constante dos autos de medição, o artigo 184.º do
Decreto 40/05 estabelece: “Se em qualquer altura da empreitada se reconhecer que
houve erros ou faltas em alguns dos autos de medição anteriormente lavrados,
deve fazer-se a devida correcção no auto de medição que se seguir a esse
reconhecimento, caso ambas as partes estejam de acordo quanto ao objecto e
quantidades a corrigir”. No mesmo sentido o n.º 1 do artigo 294.º da actual lei dos
contratos públicos.

26
Disponível em: https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/acordaos/3s/Documents/2020/ac042-2020-
3s.pdf
5. REGRAS DE BOA-FÉ E DE CONFIANÇA VS BOAS PRÁTICAS DA
CONSTRUÇÃO CIVIL.

A boa-fé objetiva caracteriza-se como uma espécie de “exigência de lealdade,


modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada
pessoa ajuste a própria conduta a estes moldes ou padrões de actuação, imposta por lei
ou pelos usos sociais. Por essa razão, entende-se que o princípio da boa-fé (objectiva)
tutela a confiança nascida da própria actuação negocial das partes.
Estatui o n.º 1 do artigo 227.º CC: “quem negoceia com outrem para a conclusão
de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder
segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente
causar à outra parte.”
A boa-fé traduz um princípio de comportamento, de fundo ético, que exige uma
consideração racional, razoável das situações jurídicas concretas, designadamente da
outra parte contratante, não as encarando com base em artifícios enganadores, mas
antes, ativa e passivamente, de forma correta, honesta, leal e sem reservas.
A boa-fé não está apenas presente na fase preliminar da formação do contrato, se
estendendo durante a execução do contrato e até mesmo depois da cessação do
contrato27. Trata-se de um conceito indeterminado, cujo preenchimento só pode ser
avaliado casuisticamente.
A boa-fé pressupõe o estabelecimento de relações de confiança recíproca, durante a
vida do contrato, de cuja ausência decorrem consequências jurídicas. Constitui um dos
limites à atividade discricionária do contraente público, do fiscal da obra e do
empreiteiro.
Deste princípio decorre o princípio da colaboração recíproca das partes, devendo
estas em todo o momento exercer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato
de forma a não prejudicar os interesses da contraparte, de forma a agir da maneira mais
correcta possivel.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela28, o dever de agir de boa-fé no
cumprimento da obrigação envolve dois corolários muito importantes: Por um lado, o
devedor não pode limitar-se a uma realização puramente literal ou farisaica da prestação
a que se encontra adstrito. Por outro, o dever de boa-fé não se circunscreve ao simples
acto da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os actos
destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) ou a
prevenir prejuízos deste, perfeitamente evitáveis com o cuidado ou a diligência exigível
do obrigado. No mesmo sentido o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido
em sede do processo n.º 99A641, no dia 28 de Setembro de 199929, entendendo o Douto
tribunal que:

27
Sendo possivel falar de responsabilidade civil pós-contratual, por violação de certas regras impostas
pela boa-fé, mesmo depois de cessar o contrato.
28
In Código Civil Anotado", volume II, 3ª edição, pág. 3.
29
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cbc04f4ec128fdae8025697d00458318?
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“Os deveres acessórios de esclarecimento obrigam as partes a,
na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente
de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que,
com ele, tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que,
da execução contratual, possam advir. Por fim, os deveres
acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência
contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear
o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações
por elas consignado.”

Devida atenção merece o acordão do Supremo Tribunal de Justiça, em sede do


processo n.º 3244/19.8T8STB.E1.S1, datado de 19 de Janeiro de 2023, julgada em sede
do recurso de Revista30:
Numa acção que opunha as partes relativamente a uma empreitada por preço global,
levantou-se a questão de saber se os trabalhos a mais pedidos/ordenados pelo Réu (por
si ou por intermédio do seu representante - Arquitecto), de forma verbal, bem como o
diferencial do valor dos materiais orçamentados e escolhidos pelo dono da obra, deviam
ser pagos à empreiteira, uma vez que o respectivo valor não foi previamente aprovado
por escrito pelo dono da obra antes de serem executados, como determina o contrato de
empreitada. Em primeira instância o tribunal entendeu que esses valores não deveriam
ser pagos por existir uma clausula no contrato que determinava o seguinte:
«Verificando-se a necessidade ou conveniência por proposta do
Dono da Obra, na realização de trabalhos a mais que não constem da
lista de preços unitários, serão propostos novos preços pelo
Empreiteiro, que estarão sujeitos a aprovação escrita do Dono da Obra
antes de serem executados.»
Esta decisão foi revogada pelo tribunal da Relação que julgou o processo em recurso,
reconhecendo, embora, que os trabalhos a mais levados a cabo pelo empreiteiro não
foram aprovadas por escrito, como exigia a cláusula 9ª do contrato, considerou, no
entanto, que, atenta a factualidade provada, teve lugar, quanto a tais trabalhos e suporte
do respectivo custo pelo dono da obra, uma aceitação tácita dos mesmos por banda
deste. Determinou o tribunal:
“Os factos provados evidenciam presuntivamente que o dono da
obra quis e aceitou as alterações necessárias, bem como as que
ordenou direta ou indiretamente, incluindo o custo das mesmas,
pois ao longo da execução das alterações nunca questionou o
preço das mesmas, o impacto que as mesmas tinham no preço
final da empreitada, nem nunca suscitou perante o empreiteiro
a necessidade de aprovar por escrito o preço das mesmas
previamente à sua execução. Sendo que sempre esteve a par do
andamento dos trabalhos por os ter acompanhado diretamente
ou através do seu representante na obra. As alterações assim
introduzidas na obra - os trabalhos a mais e os trabalhos a
30
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ba84d1afc59ec7748025893d0034c717?
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menos - foram ou necessárias à boa execução da mesma ou
pedidas pelo dono da obra, com aceitação tácita dos respetivo
custo, e executadas pelo empreiteiro sem as sujeitar a prévia
aprovação por escrito do dono da obra quanto ao aumento do
preço da empreitada, pelo que o comportamento das partes ao
longo da execução das alterações e da obra em geral, é
concludente no sentido de aceitação das alterações e dos
respetivos custos, devendo ser interpretado nos termos dos
artigos 217.º e 236.º do Código Civil, como vontade negocial de
tacitamente revogarem a cláusula 9.ª, n.º 3 e 6 do contrato de
empreitada. Afigura-se-nos que outro não pode ser o sentido
que um declaratário normal colocado na posição das partes,
retira desse comportamento negocial”

Entendeu ainda o tribunal que:

“A conduta do Réu, ao vir invocar a ausência de forma escrita


para não pagar os trabalhos que aceitou (por si ou pelo seu
representante na obra) fossem feitos, consubstancia mesmo um
abuso do direito, na modalidade de venire contra factum
proprium.”
As regras da arte são normas de natureza técnica relativas ao exercício de uma
determinada atividade produtiva, que integram o usual procedimento relativo a uma boa
execução do produto. É o saber fazer respeitante a uma determinada atividade
produtiva.
Em outras palavras, as regras da arte constituem os procedimentos relativos ao
exercício de uma determinada atividade produtiva que usualmente são aplicados para
que o produto tenha a qualidade exigível e que normalmente se espera sejam adotados
por quem exerce essa atividade31. Essas regras não estão codificadas, sendo imanentes
ao exercício da atividade respetiva.
Essas regras da arte constituem, supletivamente, um critério fundamental quando os
trabalhos são executados sem ordem de serviço que especifique o respetivo modus
faciendi. Assim, as regras da arte intervêm na averiguação sobre o cumprimento do
contrato e recepção do produto.
No mesmo sentido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no acordão
datado de 27 de Maio de 2004, proverido em sede de recurso de Revista32, condenando
o empreiteiro a reparação dos defeitos na obra pelo não cumprimento das regras de arte,
afirmando:
“Se, de acordo com as regras da arte, a implantação de um
soalho de tábuas por sobre um piso térreo não deve ser feita
antes de um adequado levantamento, reforço e
impermeabilização do piso, cabe ao empreiteiro, como
profissional da arte da construção civil, incluir esses trabalhos
31
Neste sentido, Silva, Jorge Andrade, in Dicionário dos Contratos Públicos, 2.º Edição, Almedina
Editora, pág. 525.
32
Disponível em: https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=17119&codarea=1
no caderno de encargos, a partir do momento em que o dono da
obra se decidiu pelo pavimento em tábuas. Não o tendo feito e
tendo o soalho, por causa disso, 'levantado', devido à
humidade, não pode o empreiteiro fugir à responsabilidade de
eliminar os defeitos, tal como previsto no art.º 1221, CC.”

6. DEFEITTO DE CONSTRUÇÃO.

É obrigação do empreiteiro executar a obra sem defeitos, sendo considerados


defeitos os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso
ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado.
Nesse sentido o disposto no artigo 1208.º CC: “O empreiteiro deve executar a obra
em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou
reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no
contrato”.
O defeito consiste num desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja
relevante. O defeito pode ser oculto, aparente ou conhecido. O defeito oculto é aquele
que, sendo desconhecido do credor, pode ser legitimamente ignorado, pois não era
detectável através de um exame diligente. O defeito é oculto se, no momento da
aceitação da coisa, os seus efeitos não são perceptíveis, porque se vêm a verificar em
momento posterior33.
O defeito será aparente sempre que a desconformidade se poder detectar mediante
um exame diligente, ou seja, quando ele se revela por elementos exteriores. Todavia,
mesmo quando o defeito é aparente, se o devedor garantiu a sua inexistência ou o
encobriu, o vício deverá ser considerado oculto34.
O defeito conhecido corresponde ao vício que foi revelado ao credor, tanto pela
contraparte, como por terceiros, ou de que ele se apercebeu pela sua perícia. Para que o
defeito seja conhecido não basta uma vaga informação de desconformidade, torna-se
necessário que o dono da obra tenha ficado ciente da gravidade da situação.
A existência de defeitos na obra traduz-se no cumprimento defeituoso da obrigação,
Segundo Baptista Machado35, o cumprimento defeituoso ou inexacto ocorre quando a
prestação efectuada não tem os requisitos idóneos para corresponder ao conteúdo do
programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da
correcção e boa fé. Essa desconformidade pode ser quantitativa ou qualitativa. É
quantitativa quando representa um minus em relação ao objecto da prestação contratada.
É qualitativa quando existe uma diversidade da prestação, uma deformidade, um vício
ou falta de qualidade da mesma ou sobre o seu objecto recaem direitos de terceiro.

33
Nos contratos de empreitadas é comum deparar-se com defeitos de fundação do prédio ou fendas nas
paredes dos imóveis que em regra, só são perceptíveis passados muitos anos.
34
Neste sentido, Martinez, Pedro Romano, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e
na empreitada. Coleção teses, Almedina Editora, pág. 182.
35
in Resolução por Incumprimento, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º,
pág. 386
Nos contratos de empreitada vigora uma presunção iuris tamtum no sentido de os
defeitos aparentes serem do conhecimento do dono da obra, nesse sentido o n.º 2 do
artigo 1219.º CC,
“presume-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da
obra”.
Sobre esses defeitos, o empreiteiro só responde se o dono da obra tiver aceitado a obra
com reserva de correção dos defeitos. Nos termos do n.º 1 do artigo 1219.º CC, in fine,
“O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono aceitou sem reserva, com
conhecimento deles”.
No mesmo sentido, o Acordão do Tribunal supremo, datado de 24 de Maio de 2018,
decidido em sede do Processo N.º 2092/1436, alegando:
“A Decisão do é praxe nas lides da construção civil, que uma
obra de empreitada, tão logo esteja concluída a sua entrega ao
Dono, deverá ser feita mediante alguma formalidade a ser
observada pelo Empreiteiro. O formalismo ora referido não é,
nada mais, nada menos, que, o Termo de Entrega da obra”

O Termo de Entrega deve sempre ser antecedido de verificação e vistoria do imóvel,


no qual o Dono declara estar de acordo com o contratado, tal como o disposto no n.º 1
do artigo 1218.º CC, in fine, “O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se
ela se encontra nas condições convencionadas e sem vício”. Fala-se aqui de um dever
de exame por parte do dono da obra, ou melhor, de um ónus de exame, uma vez que se
exerce em interesse próprio para obtenção de uma vantagem.
Os defeitos na obra podem ser presentes ou futuros. Os defeitos presentes são
aqueles que existem a data do cumprimento (entrega da obra), estando as suas causas
ínsitas na prestação. Os defeitos futuros por sua vez, serão aqueles que, no momento do
cumprimento se verificam apenas em potência, manifestando-se em momento posterior
a da recepção da obra. Entretando, não é correcto admitir a existência de
responsabilidade por cumprimentos defeituosos nos casos em que o vício resulta da
normal deterioração do uso da obra37. O defeito deve sempre advir de uma execução
imperfeita da obra por culpa do empreiteiro.
No que toca aos defeitos constantes de uma empreitada de obras particulares, o n.º 1
do artigo 1221.º CC determina, in fine, “Se os defeitos puderem ser supridos, o dono
da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação, se não puderem
ser eliminados, o dono pode exigir uma construção nova”. Entretanto, o n.º 2 do
mesmo artigo faz cessar esses direitos nos casos de as despesas forem
desproporcionadas em relação ao proveito.
Solução semelhante foi consagrada no n.º 1 do artigo 180.º do Decreto 40/05,
“Quando a fiscalização reconheça que na obra existem defeitos de execução ou que
nela não foram observadas as condições de contrato, lavrará auto a verificar o
facto e notificará o empreiteiro para, dentro do prazo razoável, que lhe será

36
Disponível em: https://tribunalsupremo.ao/tsccafa-acordao-proc-n-o2092-2014-de-24-de-maio-de-
2018-accao-declarativa-de-condenacao-recurso-de-apelacao-contrato-de-empreitada-entrega-de-obra-
cumprimento-defeituoso-da-obrigacao/
37
Assim por exemplo, no caso do mal funcionamento de certas lâmpadas instaladas no edifício passados
alguns anos de uso.
designado, remediar os defeitos da obra”38. No mesmo sentido o disposto no n.º 1 do
artigo 290.º da actual lei dos contratos públicos.
Se o dono da obra presumir a existência dos referidos defeitos, mas não poderem ser
comprovados por simples observação, pode, quer durante a execução dos trabalhos,
quer depois da conclusão dos mesmos, mas dentro do prazo de garantia, ordenar as
demolições necessárias, a fim de apurar se ocorrem ou não tais deficiências lavrando-se
em seguida auto. “Serão da conta do empreiteiro os encargos de demolição e
reconstrução se se apurar existirem os presumidos defeitos, serão da conta do dono da
obra no caso contrário”, assim dispõe o n.º 3 do 180.º do Decreto 40/05 e n.º 3 do artigo
290.º da actual lei dos contratos públicos.
A nova lei dos contratos públicos traz uma novidade no n.º 5 do mesmo artigo,
consagrando a responsabilidade solidária do fiscal da obra em caso de omissão dos
defeitos na execução da obra. Solução que se apresenta bastante justa pela omissão do
exercício das suas funções.
No cumprimento defeituoso a culpa está sujeita ao mesmo critério vigente em
matéria de responsabilidade contratual39, assim, vigora o regime da presunção de culpa
do devedor nos termos do n.º 1 do artigo 799.º CC. Neste caso, opera-se a inversão do
ónus da prova, cabendo ao empreiteiro demostrar a execução perfeita da obra e que
aquele defeito resultou de uma causa estranha e alheia a sua actuação 40. No mesmo
sentido o acordão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Fevereiro de 2014,
proferida em sede do processo n.º 362730/10.8YIPRT.P141:
“Convém acrescentar que tratando-se de uma relação
contratual a culpa da autora nesse cumprimento defeituoso se
presume e essa presunção não se mostra afastada, e que a ré
não apenas denunciou os defeitos como exigiu a sua reparação,
sendo, pois, credora das prestações previstas no regime jurídico
dos defeitos da obra realizada pelo empreiteiro.”
No mesmo sentido, o acordão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25 de
Outubro de 2005, proferido em sede do processo n.º 05A308342:
“Existindo defeitos, provando-se a sua existência, presume-se a
culpa do empreiteiro, ainda que, na execução da obra, este
tenha sido fiel ao projecto da obra ou ao caderno de encargos -
é que além desse respeito se lhe exige a conformidade com as

38
Esse direito é naturalmente extensivo ao dono da Obra.
39
Neste sentido, Martinez, Pedro Romano, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e
na empreitada. Coleção teses, Almedina Editora, pág. 273.
40
Em sede do Direito Comparado, esta parece ter sido a solução comummente adoptada, assim o fez o
código civil francês, no artigo 1792.º in fine, A responsabilidade do empreiteiro só pode ser afastada se
ele provar que os danos advêm de uma causa estranha. No código Civil Brasileiro, o mesmo regime é
consagrado nos artigos 1102.º e 1103.º, a responsabilidade do devedor (empreiteiro) em caso de
cumprimento defeituoso é independente de culpa. No mesmo sentido o artigo 79.º da convenção de
Viena.
41
Disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/F00EFF9EA61E791880257D700046F114
42
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1983f8de70ae73c8802570c8006001ae?
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regras da arte e as normas técnicas exigidas em matéria de
construção.”
Todavia via, visando afastar essa presunção de culpa, o empreiteiro poderá invocar três
causas: força maior, atitude negligente do dono da obra e o facto de terceiro.
A causa de força maior não abrange os efeitos próprios do risco profissional. Na atitude
negligente do dono da obra, como por exemplo o caso do já citado n.º 1 do artigo
1219.º, conhecendo o dono da obra dos defeitos da obra, o tiver aceitado sem reserva.
Quanto ao facto de terceiro, assim, na hipótese de uma co-empreitada, em que vários
empreiteiros se obrigam, em conjunto, a exercer parte do mesmo trabalho, estando cada
um deles ligado a obra, pelo que, qualquer dos empreiteiros pode afastar a sua
responsabilidade invocando de o defeito se ter ficado a dever a falhas nos trabalhos
efectuados pelos demais empreiteiros. A culpa do empreiteiro só será excluída por facto
de terceiro se este for imprevisível e incontrolável43.

43
Assim por exemplo, o empreiteiro não poderá afastar a sua responsabilidade invocando ser o vício
imputável ao fabricante do produto.
7. FISCALIZAÇÃO PELO DONO DA OBRA.

Nos contratos de empreitada, pela sua natureza, é indispensável a existência de


fiscalização, cuja principal função consiste em vigiar e verificar o exacto cumprimento
do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de
trabalhos em vigor. É assim permitido ao dono da obra controlar a forma como o
empreiteiro a vem executando, designadamente quanto a materiais utilizados, respeito
pelo plano acordado e ausência de vícios na construção. Através da fiscalização. o dono
da obra pode inclusivamente aperceber-se de que se justifica efectuar alterações ao
plano convencionado e exigir que sejam efectuadas, artigo 1216.º CC.
Apesar de estarmos perante um contrato de execução instantânea, a realização ou
execução da obra se prolonga por um período considerável, período este em que é
dispendido uma pluralidade de recursos de forma a materializar obra convencionada.
Sem a possibilidade de fiscalização da execução da empreitada, muitos problemas se
levantariam no momento da entrega da obra. O fiscal da obra garante esse contacto
permanente entre o empreiteiro e o dono da obra, de modo a garantir a convergência
destes em todos os aspectos relevantes durante a execução do projecto de execução. Por
esta razão dispõe o n.º 1 do artigo 120.º do Decreto 40/05, in fine, “empreiteiro ou seu
representante não pode ausentar-se do local dos trabalhos, sem autorização do
fiscal”
Há a necessidade de o empreiteiro residir permanentemente na localidade da obra
assim como o fiscal, facilitando o contacto entre as partes. Em caso de impossibilidade
de residir na localidade da obra deve o empreiteiro designar um representante com
residência permanente que disponha de poderes necessários para o representar, em todos
os actos, que requeiram a sua presença e ainda para responder perante a fiscalização da
marcha dos trabalhos. Há esta corrente necessidade de contacto entre o dono da obra e o
empreiteiro ou pelo menos entre os seus representantes.
Nas empreitadas de obras particulares, a fiscalização da obra consiste numa
faculdade concedida por lei ao dono da obra, nesse sentido o disposto no n.º 1 do artigo
1209.º CC, segundo o qual, “o dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução
dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada”.
A maior parte da doutrina qualifica como injuntiva esta faculdade de fiscalização por
parte do dono da obra, considerando nula a cláusula que lhe retire esse direito, visto que,
sem esta faculdade ele perderia todo e qualquer controle sobre a execução que
contratou. sendo o contrato qualificável como venda de bens futuros e não como em
preitada44.
Em sentido diametralmente oposto o entendimento do professor Romano Martinez,
sustentando que, através da fiscalização poderia o comitente tomar conhecimento de
certos dados técnicos que o empreiteiro não estaria interessado em revelar, como por
exemplo, novas técnicas de tingir tecidos ou de perfuração de túneis pelo que, havendo
motivos plausíveis, nada impede as partes de afastar essa fiscalização.
A fiscalização tem que ser realizada à custa do dono da obra podendo ser efectuada
por ele próprio ou por um comissário por si contratado. Sendo uma faculdade do dono

44
Nesse Sentido, Leitão, Luís Menezes, in Direito das Obrigações, Vol. III, 14.º Edição, Almedina
Editora, pág. 519; Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, pág. 870.
da obra, naturalmente que ele pode deixar de exerce-la, sem incorrer em
responsabilidade.
No regime das empreitadas de obras públicas, há uma expressa obrigação legal de
realização da fiscalização da obra, que deve ser realizado pelos agentes designados pelo
dono da obra, tal como o disposto no n.º 1 do artigo 159.º do Decreto 40/05, no mesmo
sentido o n.º 1 do artigo 269.º da actual lei dos contratos públicos.
Nos termos do artigo 160.º do Decreto 40/05, “À fiscalização incumbe vigiar e
verificar o exacto cumprimento do projecto e as suas alterações, do contrato, do caderno
de encargos e do plano de trabalhos em vigor, designadamente:
a) Verificar a implantação da obra, de acordo com as referências necessárias
fornecidas ao empreiteiro;
b) Verificar a exactidão ou o erro eventual das previsões do projecto, em especial, e
com a colaboração do empreiteiro, no que respeita às condições do terreno;
c) Aprovar os materiais a aplicar;
d) Vigiar os processos de execução;
e) Verificar as características dimensionais da obra;
f) Verificar, em geral, o modo como são executados os trabalhos;
g) Verificar a observância dos prazos estabelecidos;
h) Proceder às medições necessárias e verificar o estado de adiantamento dos
trabalhos;
i) Averiguar se foram infringidas quaisquer disposições do contrato e das leis e
regulamentos aplicáveis;
j) Verificar se os trabalhos são executados pela ordem e com os meios
estabelecidos no respectivo plano;
k) Comunicar ao empreiteiro as alterações introduzidas no plano de trabalhos pelo
dono da obra e a aprovação das propostas pelo empreiteiro;
l) Informar da necessidade ou conveniência do estabelecimento de novas
serventias ou da modificação das previstas e da realização de quaisquer aquisições ou
expropriações, pronunciar-se sobre todas as circunstâncias que, não havendo sido
previstas no projecto, confiram a terceiro direito a indemnização e informar das
consequências contratuais e legais desses factos;
m) Resolver, quando forem da sua competência, ou submeter, com a sua
informação, no caso contrário, à decisão do dono da obra todas as questões que surjam
ou lhe sejam postas pelo empreiteiro e providenciar no que seja necessário para o bom
andamento dos trabalhos, para a perfeita execução, segurança e qualidade da obra e
facilidade das medições;
n) Transmitir ao empreiteiro as ordens do dono da obra e verificar o seu correcto
cumprimento;
o) Praticar todos os demais actos previstos em outros.

Nos termos do artigo 161.º do Decreto 40/05, “quando se trata de trabalhos realizado
s por percentagem, a fiscalização, além de promover o necessário para que a obra se exe
cute com perfeição e dentro da maior economia possível, deve:
a) acompanhar todos os processos de aquisição de materiais, sugerindo ou impondo,
se for necessário, a consulta e a aquisição à empresas que possam oferecer melhores
condições de fornecimento, quer em qualidade, quer em preço;
b) vigiar todos os processos de execução, sugerindo ou impondo, se for necessário, a
adopção dos que conduzam à maior perfeição ou economia;
c) visar todos os documentos e despesas, quer de materiais, quer de salários;
d) velar pelo conveniente acondicionamento dos materiais e pela sua guarda e
aplicação;
e) verificar toda a contabilidade da obra, impondo a efectivação dos registos que
considere necessários”.
Tal como na empreitada de obra particular, aqui também a fiscalização deve
processar-se sempre de modo a não perturbar o andamento normal dos trabalhos e sem
anular a iniciativa e com relativa responsabilidade do empreiteiro, tal como dispõe o n.º
3 do artigo 162.º do Decreto 40/05 e n.º 3 do artigo 272.º da actual lei dos contratos
públicos.
O empreiteiro deve sempre obediência ao fiscal da obra. Neste sentido estatui os n.ºS
1 e 2 do artigo 164.º do Decreto 40/05 e 274.º da actual Lei dos contratos públicos “Se o
empreiteiro não cumprir ordem legal demandada do fiscal da obra, dada por
escrito sobre matéria relativa à execução da empreitada, nos termos contratuais e
não houver sido absolutamente impedido de o fazer por caso de força maior,
assiste ao dono da obra o direito de, se assim o entender, rescindir o contrato por
culpa do empreiteiro. Se o dono da obra não rescindir o contrato, fica o
empreiteiro responsável pelos danos emergentes da desobediência”.

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