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O Prof. Galvão Telles fundamenta o contrato de empreitada numa natureza comercial, mas fê-lo
antes de existir Código Comercial. Atualmente, este fundamento pode ser acrescentado: o
contrato de empreitada tem caráter comercial se a obra for realizada por uma organização
comercial (art. 230º/6 CCom).
1. A obra
O objeto da empreitada é a obra, elemento essencial do contrato, através do qual o credor vê o
seu direito satisfeito. Mas é necessário averiguar o conceito de obra para determinar o que se
encontra dentro da obra.
No Direito Romano, defendia-se que a obra apenas abrangia as coisas corpóreas, uma vez que as
coisas incorpóreas não se integravam no regime da locatio-conductio. As doutrinas italiana e
francesa atuais defende que o conceito de obra deve abranger tanto coisas corpóreas como
incorpóreas.
Segundo o art. 1207º CC, a obra consiste na construção, reparação, destruição ou demolição de
uma coisa móvel ou imóvel, pelo que o regime da empreitada se encontra previsto apenas para
as coisas corpóreas. Este é também o entendimento da maioria da doutrina (Prof. Baptista
Machado e Prof. Menezes Leitão), que defendem que as coisas incorpóreas não se inserem no
contrato de empreitada por 3 razões:
• Ao contrário das coisas corpóreas, nas incorpóreas não existe um plano de execução da
obra
• É permitido ao empreiteiro desvincular-se do contrato, p.e., por falta de inspiração, ao
contrário do que acontece na empreitada, em que só o dono da obra o pode fazer
• A exteriorização da obra que tenha por objeto coisas incorpóreas não se confunde com a
obra em si
Outro setor da doutrina (Prof. Carlos Ferreira de Almeida e Prof. Oliveira Ascensão) afirmam que
as coisas incorpóreas são suscetíveis de ser objeto de um contrato de empreitada porque a
atividade de empreitada é suscetível de ser entregue ao dono da obra. Aliás, o mero suporte da
coisa incorpórea já seria razão para se aplicar o regime do contrato de empreitada.
Para o Prof. Pedro de Albuquerque, não se pode confundir a obra com o seu suporte físico, no
entanto, não se podem descurar as regras do Direito de Autor, nomeadamente a da
originalidade da expressão da ideia que expresse o espírito do autor. Para ele, quando se
encomenda uma obra intelectual, está-se a encomendar a realização de um processo que pode
dar origem ou não a uma obra que seja protegida pelo Direito de Autor; só depois do resultado é
possível verificar se a situação merece ou não a tutela do Direito – tipo contratual autónomo
Acrescenta ainda que, apesar de haver algumas incompatibilidades entre o regime de
empreitada de coisas corpóreas com a empreitada de obras intelectuais, nada obsta a que esta
seja qualificada como empreitada, desde que estejam preenchidos os elementos contratuais da
empreitada:
• Que o resultado seja suscetível de entrega e aceitação
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Direito dos Contratos I
• Que o resultado seja específico e concreto, ou seja, que possa distinguir-se do processo
produtivo
• Que o resultado esteja conforme com o projeto (pode ser uma encomenda especificada
ou um plano de obra).
Poderão haver situações de obra que não sejam reconduzíveis a empreitada, como no caso em
que as partes não querem dar um caráter de empreitada por não quererem sujeitar à orientação
do dono da obra – neste caso, deverão ser considerados contratos de prestação de serviços
atípicos.
2. O preço
O contrato de empreitada é um contrato oneroso, sendo necessário estipular e fixar um preço;
sem essa fixação, o contrato será considerado atípico. Mas para todos os efeitos, é possível
haver dação em cumprimento (art. 837º e ss. CC), com o consentimento do empreiteiro, que é o
credor da obrigação.
O preço, apesar de ser um elemento essencial, não precisa de estar, à partida, determinado (art.
1211º/2 CC --» art. 883º CC). Segundo o art. 833º CC, na falta de estipulação de preço estamos
perante um contrato de empreitada atípico, em que se aplica o regime do mandato do art.
1157º e ss. CC.
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Direito dos Contratos I
Por outro lado, no contrato de prestação de serviços, o risco corre por conta do cliente,
enquanto que na empreitada corre por risco do empreiteiro. Neste sentido, o Prof. Carlos
Ferreira de Almeida criticou este critério: o 1154º CC determina que o prestador tem a
obrigação de proporcionar ao cliente o resultado do seu trabalho manual ou intelectual, e
tendo em conta que a empreitada é uma modalidade da prestação de serviços, então a
empreitada deveria ter como objeto a realização do resultado do resultado.
O Prof. Pedro de Albuquerque discorda, afirmando que em qualquer prestação existe uma
obrigação de resultado, mesmo nas obrigações de meios, não existindo realmente uma
diferenciação, uma vez que em ambas se requer a satisfação do interesse do credor, tal
como defende o Prof. Menezes Cordeiro.
• Mandato:
Enquanto que no mandato o mandatário se encontra adstrito a realizar determinados atos
jurídicos (art. 1157º CC), na empreitada o empreiteiro encontra-se adstrito a realizar atos
materiais que se reconduzam à elaboração de uma obra (art. 1207º CC).
Tal como defende o Prof. Romano Martinez, apesar de o mandatário poder praticar atos
materiais ligados ao cumprimento da obrigação e de o empreiteiro poder praticar atos
jurídicos, estes atos não deixam de pertencer ao núcleo essencial destes contratos.
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Direito dos Contratos I
• Contrato de trabalho:
No contrato de trabalho o trabalhador encontra-se adstrito a uma obrigação de meios, a de
prestar o seu trabalho, pelo que o é o empregador que comporta o risco; pelo contrário, no
contrato de empreitada o empreiteiro tem total autonomia relativamente aos meios a seguir
para a conclusão da obra, sendo que é o empreiteiro que comporta o risco.
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Direito dos Contratos I
Relativamente à fixação do preço, se o orçamento for aceite pelo dono da obra, celebra-se o
contrato de empreitada. Então, o preço poderá ser entendido como um valor fixo que não
poderá ser ultrapassado, ou como uma estimativa (empreitada por preço unitário ou empreitada
por quantidades).
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Direito dos Contratos I
4. Pluralidade de sujeitos
Poderão ser celebrados contratos de empreitada em que existe uma pluralidade de sujeitos do
lado do dono da obra. Ora, se se tratar de uma empreitada civil, aplica-se o regime da conjunção
(art. 513º CC), sendo os direitos e obrigações exercidos conjuntamente; mas se se tratar de uma
empreitada comercial, vigora a regra da solidariedade (art. 100º CCom.).
Mas o mesmo poderá acontecer com uma pluralidade de empreiteiros, sendo aplicadas as
mesmas regras: conjunção, se for civil; solidariedade, se for comercial.
Havendo pluralidade de partes na posição do empreiteiro, os empreiteiros podem associar-se
em modalidades contratuais específicas, nomeadamente o consócio, desde que não constituam
uma nova pessoa coletiva. Se o fizerem, deixa de haver pluralidade de partes, passando a haver
apenas uma parte do lado do empreiteiro.
Não há pluralidade de empreiteiros se o dono da obra contratar com vários empreiteiros, por
diferentes negócios jurídicos.
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Direito dos Contratos I
O art. 1208º CC exige que a obra seja executada de acordo com o convencionado e sem vícios
que excluam ou reduzam o valor da coisa, bem como a sua aptidão para o fim visado. Desta
forma, exige-se que a obra seja cumprida dentro do estabelecido e que estejam verificadas as
regras de arte, corolário do princípio da pontualidade do art. 762º/1 CC.
No caso de o dono de obra conhecer os vícios ou problemas no projeto e, mesmo assim, exigir a
execução da obra nos termos exatos acordados entre as partes, o Prof. Pedro de Albuquerque
defende que o empreiteiro deve cumprir, mas fica exonerado de responsabilidade; ou seja,
apesar de se presumir a culpa do devedor (art. 799º CC), esta presunção poderá ser ilidida se se
provar que os vícios eram do conhecimento do dono de obra.
Discute-se se as partes podem afastar o direito de fiscalização do dono da obra, mas a maioria
da doutrina defende que esta é uma norma injuntiva, que não pode ser afastada; isto porque a
fiscalização é uma faculdade, pelo que o dono da obra não está obrigado a exercê-la.
Por outro lado, o exercício da fiscalização pelo dono da obra não implica a renúncia dos direitos
do empreiteiro em caso de má execução da obra.
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Direito dos Contratos I
Quanto ao regime da empreitada de obras públicas, exige-se que o poder de fiscalização deve
ser exercido quanto ao estritamente necessário para garantir a prossecução do interesse público
visado pela obra; nem ir contra a autonomia de meios de que o empreiteiro goza.
Segundo o art. 1211º/2 CC, o preço deve ser pago no ato de aceitação da obra, sendo que a
disposição poderá ser afastada pelas partes ou pelos usos em contrário. Se as partes não
disserem nada e não existirem usos, o preço apenas poderá ser devido após a aceitação da obra.
No caso de o pagamento se processar por fases e o dono da obra não pagar, o empreiteiro pode
exercer a exceção de não cumprimento, nos termos do art. 428º CC, suspendendo a execução da
obra até ao pagamento do preço devido.
Também pode exigir o pagamento de uma indemnização moratória (art. 804º CC) e, no limite, a
resolução do contrato se estiverem preenchidos os pressupostos do art. 801º/2 CC.
Se, por efeito da exceção de não cumprimento, passar o prazo de execução da obra, este deve
ser prorrogado.
Para haver verificação da obra, o empreiteiro deve comunicar ao dono da obra a conclusão da
mesma, nos termos do art. 1218º/2 CC, o que exige que o empreiteiro faculte a obra ao seu
dono (conduta positiva) e que se abstenha de praticar atos que prejudiquem a verificação da
obra (conduta negativa).
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Direito dos Contratos I
Em relação ao prazo da verificação da obra, este deverá ser determinado pela vontade das
partes e, se tal não for possível, aplicam-se os usos (art. 1218º/2 CC). Se não houver usos, é
aplicado o prazo que se considere razoável para que o dono da obra esteja em condições de
poder verificar a obra.
A denúncia dos efeitos poderá ser feita mesmo sem ter existido verificação, p.e., no caso de os
vícios terem sido descobertos durante a fiscalização ou se o empreiteiro confessar, na conclusão
da obra, a existência de defeitos.
Posteriormente à verificação, procede-se à aceitação (art. 1218º/4 CC), que, segundo o Prof.
Menezes Leitão corresponde a um dever e, para o Prof. Romano Martinez, é um ónus material.
A aceitação corresponde a um ato jurídico simples no qual se comunica a existência ou
inexistência de vícios na obra, que deverá ser exercida pelos mesmos critérios do art. 1218º/2
CC, por analogia.
Na falta de verificação e de comunicação, o silêncio tem valor declarativo e vale como aceitação
sem reservas, nos termos do art. 1218º/5 CC, o que conduz à irresponsabilidade do empreiteiro,
nos termos do art. 1219º/1 CC.
Neste caso, tal como defende o Prof. Romano Martinez, só se presume a aceitação sem reservas
se houver incumprimento definitivo do ónus material de verificação ou do dever de
comunicação.
Há aceitação se o dono da obra, se este utilizar meios, mesmo que ilícitos, que coloquem a obra
sobre o seu controlo. P.e., se o empreiteiro se recusar a entregar as chaves do imóvel construído
por falta de pagamento, e o dono da obra arrombar a porta e passar a usufruir do imóvel,
presume-se que a aceitou sem reservas.
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Direito dos Contratos I
No caso de o dono da obra não prestar a colaboração necessária, poderá haver responsabilidade
por danos ou prorrogação do prazo de execução da obra.
3. Direitos do empreiteiro
3.1. Receção do preço
Sendo o contrato de empreitada um contrato sinalagmático, o direito de receção do preço
corresponde ao dever do dono da obra de pagar o preço.
A jurisprudência defende que o pagamento do preço do crédito do empreiteiro não está sujeito
ao prazo de prescrição presuntiva de 2 anos, arguindo que o crédito do credor é essencial à sua
subsistência
O Prof. Pedro de Albuquerque discorda, afirmando que o art. 317º/e) CC apenas se afasta se
estivermos perante um credor comerciante ou industrial ou se o devedor for um comerciante ou
industrial.
A doutrina atual, onde se inclui o Prof. Pedro de Albuquerque, defende que o empreiteiro
poderá ter um direito de retenção, uma vez que o direito de retenção é uma forma de repor o
equilíbrio do sacrifício exercido pelo empreiteiro durante a execução da obra; e esse equilíbrio
apenas será reposto com o pagamento do preço.
Por fim, discute-se se poderá haver direito de retenção sobre coisas próprias:
• Prof. Romano Martinez – não é possível porque o direito de retenção pressupõe o seu
exercício contra coisa alheia
• Prof. Pedro de Albuquerque – aplica-se, por analogia, o regime da confusão do art,
871º/4 CC, pelo que nada obsta a que haja direito de retenção sobre coisas próprias
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Direito dos Contratos I
4. Deveres do empreiteiro
4.1. Realização da obra
Segundo o art. 1208º CC, a obra deve ser executada sem vícios e em conformidade com o plano
convencionado e as regras de arte, enquanto corolário do principio da pontualidade.
Neste caso, as regras de arte atuam como um standard para determinar objetivamente as
diligências tomadas pelo empreiteiro.
O empreiteiro, na execução do contrato, não pode invocar a falta de conhecimento das regras
de arte, porque é seu dever conhecê-las e dominá-las.
É irrelevante se, na execução da obra, o empreiteiro não dispor de meios para executá-la,
porque ele está sujeito a uma obrigação de resultado, que deve ser cumprida no prazo
estipulado – caso contrário, o devedor entra em mora, nos termos do art. 805º/2 a) CC.
No caso de as partes não determinarem um prazo de realização da obra, a sua determinação não
fica na total disponibilidade do dono da obra mas fica sujeita a um prazo natural, nos termos do
art. 777º/2 CC, devendo este ser determinado pelo tribunal.
O fornecimento dos materiais pode ser da conta do empreiteiro, sendo possível que se recuse a
iniciar ou prosseguir a obra se a entrega dos materiais não ocorrer.
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Direito dos Contratos I
O empreiteiro não pode usar ou fruir da coisa objeto da empreitada durante a sua execução e
depois de estar terminada.
Quanto aos materiais, estes são de uso exclusivo da obra.
Segundo o Prof. Pedro de Albuquerque, o art. 1228º CC, relativo ao risco da coisa, não pode
afastar as soluções do art. 807º/1 CC, nomeadamente quanto à inversão do risco em caso de
mora do empreiteiro.
Para o Prof., não há contrariedade entre estes artigos porque:
• O art. 1228º/2 CC aplica-se no caso de mora do dono da obra, o que não acontece
• O art. 1228º/1 CC não pode avantajar o devedor em falta, fazendo recair no proprietário
o risco de perecimento da coisa
A aceitação da obra exige a interpelação para entrega da obra, sendo que essa interpelação está
sujeita ao principio da liberdade de forma do art.219º CC e pode ser realizada escrita ou
oralmente, nos termos gerais do art. 217º CC. Se não houver essa interpelação de entrega
imediata da coisa, então o empreiteiro entra em mora.
Se, pelo contrário, o empreiteiro interpelar o dono da obra, mas este recusar, então há mora do
dono da obra, o que traduz a inversão do risco, nos termos do art. 815º CC.
Segundo a doutrina, o principio da boa-fé exige também que o empreiteiro utilize os seus
conhecimentos técnicos para avisar o dono da obra de eventuais problemas existentes na obra
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Direito dos Contratos I
O regime é tratado especialmente no art. 1212º CC que, segundo o Prof. Pedro de Albuquerque,
é um regime supletivo, pelo que pode ser afastado pelas partes.
Apesar de o art. 1212º apenas mencionar as empreitadas de construção, isso não significa que
haja problemas de transferência da propriedade nas empreitadas de reparação ou modificação –
nestes casos, apenas há problemas quanto à transferência dos materiais utilizados na obra.
Se os materiais forem do dono da obra, ele não perde a propriedade sobre os mesmos,
adquirindo-os no momento da conclusão da obra, nos termos do art. 1212º/2 2ª parte CC.
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Direito dos Contratos I
Segundo ML, a transmissão da propriedade do solo poderá ocorrer antes, durante ou depois da
conclusão da obra:
• Se ocorrer antes da conclusão, a propriedade pertence ao dono da obra desde o inicio,
nos termos do art. 1212º/2 CC
• Se ocorrer durante, transmite-se a propriedade com o contrato de compra e venda,
sendo o resto adquirido á medida que vai sendo incorporado no solo, nos termos do art.
1212º/2 CC
• Se ocorrer depois, a propriedade é transferida apenas com o contrato translativo
Se o risco de perecimento incidir sobre os materiais utilizados na obra mas que ainda não foram
incorporados, então aplica-se o regime geral do art. 796º CC, sendo que o risco corre por conta
do empreiteiro.
Mas se os materiais pertenciam ao dono da obra, o risco corre por conta dele, sendo que deverá
fornecer novos materiais, sem mais custos para o empreiteiro.
O art. 1228º/2 CC faz recair o risco sobre o dono da obra, no caso de este estar em mora na
altura da verificação, por haver falta de colaboração na verificação ou aceitação da obra – casos
em que a propriedade do solo pertence ao empreiteiro ou em que os materiais são fornecidos
no todo ou na maior parte pelo empreiteiro e que, portanto, o dono da obra ainda não é
proprietário.
Segundo o art. 1228º CC, o empreiteiro tem ainda um dever de custódia sobre as coisas que tem
de guardar.
Neste caso, o empreiteiro é responsável pela deterioração ou perecimento da coisa, podendo-se
excluir a responsabilidade se ilidir a presunção de culpa do art. 799º/1 CC e provar que atuou
com as diligências necessárias e mesmo assim a coisa se ter deteriorado ou perecido.
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Direito dos Contratos I
IV. Subempreitada
Segundo o art. 1213º CC, a subempreitada corresponde a um contrato em que o terceiro se
obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este está vinculado, ou só parte dela.
1. Regime
Segundo o art. 1213º/1 CC, o empreiteiro fica numa posição de dono da obra em relação ao
subempreiteiro.
O contrato de subempreitada tem uma relação de dependência relativamente ao contrato de
empreitada, apesar de corresponderem a vínculos contratuais diferentes.
Aplica-se o regime da empreitada, salvo nos termos cuja teleologia seja a proteção de um dono
da obra leigo perante um empreiteiro experiente, como no caso do art. 1214º/3 CC.
O art. 1213º/2 CC remete para o art. 264º CC, pelo que se pode concluir que o empreiteiro se
pode fazer substituir por outro na execução da obra, do mesmo modo que um procurador:
• Se houver aceitação do dono da obra
• Se o contrato entre o dono da obra e o empreiteiro o permitir
• Se tal for necessário para garantir a execução do contrato
A doutrina, bem como a jurisprudência, têm admitido uma habilitação tácita, na falta de
consentimento expresso do dono da obra. Esta existe mesmo que tal não resulte do contrato,
exceto se se verificar a infungibilidade da prestação do empreiteiro.
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Direito dos Contratos I
A subempreitada não exonera o empreiteiro das obrigações a que ele está vinculado perante o
dono da obra, continuando a responder pelos defeitos da obra, mesmo que sejam da
responsabilidade exclusiva do subempreiteiro, nos termos do art. 800º/1 CC.
Nos termos do art. 1226º CC, se o subempreiteiro for chamado a responder perante o dono da
obra, o empreiteiro tem direito de regresso face ao subempreiteiro.
Segundo a doutrina, se o empreiteiro aceitou a obra sem reservas, mas esta tinha defeitos que
depois foram comunicados ao dono da obra, o empreiteiro já não tem direito de regresso em
relação ao subempreiteiro.
Questiona-se se, nos casos de subempreitada, deve ser aplicado o regime de caducidade na
comunicação dos defeitos ao dono da obra do art 1226º CC. Como estamos perante um
subcontrato, este deve ser regulado pelo regime base, neste caso, o da empreitada; pelo que se
aplica esta regra.
No entanto, PA defende que não se deve considerar o termo inicial o momento da entrega da
obra da subempreitada ao empreiteiro, mas o momento da entrega da obra ao dono da obra.
Para provar a existência de uma relação entre o dono da obra e o subempreiteiro, é necessário:
1. Saber se o dono da obra pode exigir ao subempreiteiro a reparação dos defeitos da obra
2. Verificar se o subempreiteiro tem direito de exigir o pagamento da subempreitada ao
dono da obra, por não ter sido ainda paga pelo empreiteiro
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Direito dos Contratos I
o que não significa que o dono da obra atue da mesma forma que atuaria em relação ao
empreiteiro, mas que haja, pelo menos, uma paridade de tratamento.
O Prof. Menezes Leitão discorda, defendendo que, segundo o art. 1226º CC, apenas pode haver
uma relação entre o dono da obra e o empreiteiro, pelo principio da relatividade dos efeitos.
Só poderá haver essa relação no caso excecional do art. 1225º CC, porque, se o dono da obra é
responsável perante terceiro, então o subempreiteiro também poderá ser responsável perante o
dono da obra, que é um terceiro na relação contratual – o art. 1225º CC é uma exceção ao
principio da relatividade dos efeitos.
Para o Prof. Pedro de Albuquerque defende que, como o contrato visa um único objetivo – o de
satisfazer o crédito do dono da obra – nada obsta a que o dono da obra exerça o seu direito em
relação ao subempreiteiro.
O art. 1226º CC apenas se aplica nas relações entre o subempreiteiro e o dono da obra, se o
dono da obra tiver agido junto do empreiteiro.
Abrantes Geraldes aceita a ação direta, apenas se se provar que existem aspetos de ordem
subjetiva considerados relevantes, não bastando a prova de um direito contra o empreiteiro.
Cunha Barbosa defende a possibilidade de haver ação direta, se ambas as prestações estiverem
vencidas e se houver incumprimento por parte dos respetivos devedores, ou seja, que o dono da
obra não tenha pago ao empreiteiro, e que o empreiteiro não tenha pago ao subempreiteiro.
O Prof. Pedro de Albuquerque não concorda com a opção da ação direta porque a prestação do
subempreiteiro ao empreiteiro não interessa ao dono da obra, uma vez que ele não está
obrigado a satisfazer a prestação do empreiteiro e não foi ele que estabeleceu essa relação com
o subempreiteiro.
No entanto, não descarta essa hipótese, por razões de equilíbrio entre as partes e pelo facto de
o dono da obra beneficiar diretamente do trabalho do empreiteiro, ou seja, de a sua prestação
estar dependente da prestação do empreiteiro.
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Direito dos Contratos I
No caso de estarmos perante um projeto de autor, que não o empreiteiro ou o dono da obra,
esse projeto não pode ser alterado sem o consentimento do autor, nos termos do art. 5º Código
de Direitos de Autor; caso contrário, o autor pode valer-se dos meios adequados de tutela dos
direitos de propriedade industrial.
Sem o consentimento do dono da obra, se mesmo assim o empreiteiro fizer essas alterações, há
cumprimento defeituoso. Mesmo assim, o dono da obra pode aceitar a obra sem reservas, sem
que isso implique o aumento do preço (art. 1214º/2 CC).
Se estivermos perante uma empreitada de preço global, se a autorização do dono da obra não
tiver a forma escrita nem indicar o aumento do preço, então este tem direito ao enriquecimento
sem causa, nos termos do art. 1214º/3 CC.
Mas se as partes convencionarem a diminuição do preço, PA afirma que não é necessário que
haja consentimento por escrito com indicação da diminuição do preço, uma vez que o que o nº3
pretende é proteger o dono da obra do aumento do preço globalmente fixado.
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Direito dos Contratos I
Segundo o art. 1215º/2 CC, se o preço aumentar em mais de 20% do preço inicialmente
estabelecido, o empreiteiro pode denunciar o contrato e pedir uma indemnização equitativa,
tendo em conta o trabalho já realizado e as despesas – principio da proibição do enriquecimento
sem causa.
Menezes Leitão e Vaz Serra acrescentam que se deve ter em conta a utilidade
proporcionada pela obra
No caso de o empreiteiro não ter o consentimento do dono da obra e, mesmo assim, proceder
às alterações necessárias, qual a consequência?
Pires de Lima e Antunes Varela – aplica-se o regime do art. 1215º/2 e 3 CC, segundo o
qual o tribunal deve determinar em que medida serão feitas as alterações, bem como o
preço e o prazo, no caso de as partes em nada concordarem
o PA discorda, afirmando que não estamos perante alterações voluntárias, mas de
alterações necessárias
Outro setor da doutrina – o empreiteiro pode, sem o consentimento do dono da obra,
executar essas alterações, mas continua a ter proteção jurídica do art. 1215º CC
Tese intermédia – o empreiteiro tem um dever de informar previamente o dono da obra
das alterações, mas não haverá nenhuma sanção se não o fizer
o PA afirma que, neste caso, o dono da obra pode prescindir da execução da
empreitada, nos termos do art. 1229º CC, por deixar de ter interesse na execução
da mesma
Pedro de Albuquerque afirma que, do art. 1215º CC, resulta a existência de um dever do
empreiteiro de acordar com o dono da obra a realização das alterações, o que significa que não
pode haver a mesma tutela para o caso de ter ou não consentimento do dono da obra.
Deste modo, a solução será a seguinte:
Se o empreiteiro executou as alterações necessárias sem avisar o dono da obra, então
este deverá ser ressarcido do preço das alterações por inteiro; mas se o dono da obra
aceitar a obra sem reservas, não há sanção para o empreiteiro, porque dá o seu acordo
tácito
Se as alterações necessárias não corresponderem ao acordado entre as partes, o dono da
obra tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos, por ser uma obra defeituosa, nos
termos do art. 1214º/1 CC.
o Se a eliminação dos defeitos não for possível, deve haver ressarcimento do
enriquecimento sem causa
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Direito dos Contratos I
No entanto, este direito tem alguns limites, que podem ser, nos termos do art. 1216º CC:
Qualitativos – as alterações não podem alterar a natureza da obra; caso contrário, aplica-
se o art. 1217º CC
Quantitativos – as alterações não podem exceder a quinta parte do preço estipulado; o
valor das alterações é o valor da contraprestação a pagar ao empreiteiro
o Se as partes não determinarem o preço global no inicio do contrato, deve-se ter
em conta o valor estimado pela multiplicação dos valores unitários
o Se não houver acordo entre as partes, o preço das alterações é estipulado pelo
tribunal
Nos termos do art. 1216º/1 CC, o empreiteiro tem direito ao aumento do preço determinado
pelos novos trabalhos e do prazo, uma vez que o que se pretende é o reequilíbrio entre as
partes.
A doutrina discute se o empreiteiro pode renunciar antecipadamente, através de uma cláusula
contratual, o direito a receber a compensação pelas alterações: Pedro de Albuquerque defende
que estamos perante remissão de dividas futuras, pelo que se aplica, por analogia, o regime das
doações de bens futuros do art. 863º/2 CC.
Segundo o art. 1217º CC, não se aplicam os arts. 1214º a 1216º CC aos trabalhos que tenham
autonomia em relação ao contrato. Desta forma, se o empreiteiro executar as alterações sem a
autorização do dono da obra, este pode exigir a eliminação do defeitos e uma indemnização pelo
prejuízo.
E se o dono da obra aceitar a obra com as alterações, também deve haver compensação ao
empreiteiro, no entendimento de PA, que será calculada segundo as regras do enriquecimento
sem causa.
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Direito dos Contratos I
Se existirem vícios de Direito na prestação do empreiteiro, então deve-se aplicar o art. 939º CC,
segundo o qual se aplica o regime da compra e venda a contratos em que se transfiram direitos
sobre bens imóveis.
Nos termos do art. 1219º CC, o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra se o dono da
obra tiver aceite a mesma sem reservas.
Acrescenta ainda o nº2 que se presumem conhecidos os defeitos aparentes, mesmo que não
tenha havido verificação da obra, sendo esta presunção ilidível nos termos do art. 350º/2 CC.
Caso de irresponsabilidade do empreiteiro pelos defeitos conhecidos pelo dono da obra
Nota: defeito aparente é um defeito que seja facilmente descoberto por uma pessoa de comum
diligência. Mas se a verificação for feita por um perito, é um defeito aparente aquele que é
descoberto por um perito de conhecimentos comuns.
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Direito dos Contratos I
No caso de haver uma intempérie, p.e., um terremoto ou um incêndio, deve-se ter em conta as
regras do risco.
Nos termos do art. 1219º e ss. CC, o empreiteiro responde pelos defeitos na obra, mesmo
durante a sua execução, que devem ser provados pelo dono da obra nos termos do art. 342º/1
CC.
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Direito dos Contratos I
Se o empreiteiro ocultou os defeitos através de dolo ou manter o dono da obra em erro, aplica-
se e regime da compra e venda do art. 916º/1 CC, segundo o qual não há ónus de denunciar o
defeito.
Pda defende que o dono da obra pode exercer os seus direitos sem limite de prazo, uma
vez que não se pretende beneficiar o doloso
Por outro lado, a recusa de aceitação da obra implica que não haja transferência da propriedade
para o dono da obra, nos termos do art. 1212º CC, e o risco de perecimento ou perda fortuita da
coisa recai sobre o empreiteiro (art. 1228º CC).
A falta de aceitação da obra pelo seu dono não faz com que haja mora, porque é uma
situação justificada
Apesar de não se exigir um prazo específico para a eliminação dos defeitos, o Prof. Pedro de
Albuquerque considera que o dono da obra tem o ónus de fixar um prazo razoável para a
eliminação dos mesmo que, se for ultrapassado, faz incorrer o empreiteiro em mora.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, é possível admitir que, nos termos do art. 336º CC, se o dono
da obra tiver alguma urgência na reparação e se provar que o empreiteiro não tenha intenção de
proceder a essa reparação, que faça o próprio dono da obra essas alterações, com direito de
reembolso do empreiteiro.
Nos termos do art. 1221º/2 CC, se o preço da reparação for manifestamente superior ao
proveito, cessa o direito de eliminação dos defeitos.
24
Direito dos Contratos I
Se o empreiteiro se recusar a reparar os defeitos, o dono da obra pode requerer que, se se tratar
de uma prestação fungível, que a reparação seja feita por outra pessoa, à custa do empreiteiro,
nos termos do art. 828º CC. Mas se se tratar de um prestação infungível, o dono da obra pode
exigir uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A CC.
O Prof. Pedro de Albuquerque defende que o dono da obra pode exigir do empreiteiro a
eliminação dos defeitos existentes durante a execução da norma, uma vez que os defeitos têm
que ser eliminados de qualquer forma, portanto, deve fazê-lo sob pena de ser responsabilizado –
a aceitação da obra conduz à irresponsabilidade do empreiteiro.
O direito de exigir nova construção não cessa consoante tenha havido ou não aceitação sem
reservas, porque o único efeito disto é a irresponsabilidade do empreiteiro por defeitos
aparentes que existam na obra, pelo que nada obsta a que o dono da obra peça a
responsabilização pelos defeitos ocultos.
A aceitação sem reserva não pode ser vista como renúncia do dono da obra ao direito de
exigir a eliminação dos defeitos ou a construção de nova obra.
Este direito pode ser excluído nos mesmos termos do direito à reparação dos defeitos, se as
despesas forem superiores ao beneficio que se retire da reparação dos mesmos (art. 1221º/2
CC).
A redução do preço não visa a compensação do dono da obra pelos danos causados, mas a
estabelecer um equilíbrio económico entre o preço pago na empreitada e o valor da obra
realizada.
Segundo o Prof. Cura Mariano, deve ser apicado um critério objetivo; o Prof. Pedro de
Albuquerque afirma que se deve determinar a diferença entre o preço e o valor real da obra
sem defeitos
25
Direito dos Contratos I
Se essa inadequação apenas tiver ligada a uma parte da obra, apenas se procede à resolução se
essa for uma parte de particular importância, caso contrário, deve-se proceder à reparação dos
defeitos ou à redução do preço.
Questiona-se se o dono da obra pode renunciar a estes direitos e, ao invés de os exercer, pode
requerer uma indemnização pelos danos resultantes do cumprimento defeituoso.
A maioria da doutrina (Prof. Menezes Leitão) e da jurisprudência defendem que o direito de
indemnização previsto no art. 1224º/1 CC é subsidiário e não pode ser exercido em relação a
danos insuscetíveis de serem reparados pelos meios do art. 1224º CC.
26
Direito dos Contratos I
Segundo o art. 1224º/1 CC, os direitos do dono da obra devem ser exercidos num prazo de um
ano; passando esse prazo, os direitos caducam.
Segundo o art. 1225º/2 CC, a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, e a
indemnização pedida no ano seguinte à denúncia, havendo um alargamento do prazo em
relação a art. 1224º CC.
Requisitos de aplicação do art. 1225º CC:
A empreitada deve ter por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios
ou outros imóveis destinados a longa duração – ex. edifícios, pontes, túneis, etc.
Deve-se verificar ruína total ou parcial da obra ou o surgimento de defeitos derivados de
vícios no solo ou da execução dos trabalhos
o Prof. Romano Martinez – o empreiteiro responde pelos vícios do solo ou da
construção de que se deveria ter apercebido
o Prof. Pereira de Almeida – o empreiteiro tem de se certificar que o solo tem as
condições necessárias para a execução da obra
o Prof. José Manuel Vilalonga e Prof. Menezes Leitão – há responsabilidade
objetiva, decorrente de uma garantia do dono da obra contra o empreiteiro;
deste modo, o empreiteiro não pode ilidir a sua responsabilidade pela ausência
de culpa
No prazo de 5 anos ou dentro do prazo de garantia convencionado
O termo inicial do prazo de denúncia dos defeitos e da caducidade da ação ocorre com a entrega
da obra ao dono da obra. Como o terceiro adquirente não é parte do contrato de empreitada
não tem direito de redução do preço nem de resolução do contrato, mas pode exercer os
restantes direitos enunciados no art. 1224º CC.
Para que se aplique este regime, é necessário que o construtor-vendedor tenha atuado
pessoalmente, e tenha construído, reparado ou modificado o imóvel em questão.
27
Direito dos Contratos I
O art. 1225º/4 CC aplica-se também nos casos de contrato-promessa de compra e venda, pelo
principio do paralelismo de regimes entre o contrato-promessa e o contrato prometido.
Em relação a terceiros, o Prof. Pedro de Albuquerque defende que estamos num caso de
contrato com proteção de terceiros, uma vez que este se encontra protegido pelos deveres
acessórios da boa-fé.
4. Empreitada de consumo
O regime encontra-se previsto no DL 67/2003 de 4 de abril, que se aplica às relações de
consumo:
Há relação de consumo quando o consumidor encomenda ao fornecedor do bem uma
obra destinada a um fim não profissional; o fornecedor do bem fá-lo no âmbito de uma
atividade económica que visa o lucro
Discute-se se o consumidor apenas pode ser uma pessoa singular, ou se pode abranger uma
pessoa coletiva:
Um setor da doutrina defende o conceito restrito de consumidor
PdA afirma que nada obsta a que haja extensão às pessoas coletivas às entidades sem
personalidade jurídica
É necessário fazer uma apreciação objetiva das normas de Direito do consumo, de forma
a verificar se poderá haver extensão às pessoas coletivas
O DL 67/2003 tutela a posição do dono da obra consumidor de coisas móveis e imóveis, bem
como de empreitadas que não tenham por objeto coisas novas.
O regime da empreitada de bens de consumo deve ser articulado com o art. 1220º e ss. CC,
nomeadamente com o regime dos defeitos em imóveis de longa duração, que tem relevanic aem
3 situações:
28
Direito dos Contratos I
No entanto, não há falta de conformidade se o dono da obra conhecia ou não podia ignorar a
falta de conformidade à data da entrega do objeto da empreitada, nos termos do art. 2º/3.
O empreiteiro não é responsável pelos defeitos conhecidos ou aparentes, que se
presumem conhecidos pelo dono da obra
A prova da falta de conformidade da obra é feita pelo consumidor
Relativamente aos defeitos aparentes, o Prof. Cura Mariano defende que deverá haver uma
diligência média de um leigo; o Prof. Pedro de Albuquerque discorda, uma vez que isso poderá
conduzir à proteção excessiva do consumidor.
O Prof. Romano Martinez defende que o DL afasta o art. 1218º CC, pelo que o consumidor não
tem um dever de verificar a obra. No entanto, o Prof. Pedro de Albuquerque afirma que não há
razão para afastar o art. 1218º CC, regime relativo a alguns efeitos, nomeadamente o da
transmissão da obra e da repartição do risco.
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Direito dos Contratos I
A nulidade apenas pode ser arguida pelo consumidor ou pelos seus representantes, podendo
optar pela nulidade do contrato ou pela sua redução, retirando-se as cláusulas contratuais.
A impossibilidade tem de ser superveniente, nos termos do art. 1227º CC, que remete para o art.
790º : a impossibilidade de execução da obra determina a liberação do empreiteiro em relação à
obrigação de a realizar e a extinção da obrigação do dono da obra de pagar o preço.
Se o dono da obra já tiver pago o preço, tem direito à sua restituição integral
No caso de a obra já se ter iniciado, o art. 1227º CC dispõe que o empreiteiro tem o direito de
ser remunerado no seu trabalho e despesas cometidas desde o início da execução da obra, e
ainda receber o enriquecimento sem causa do dono da obra.
Relativamente ao risco de deterioração ou perda da coisa, aplica-se o regime do art. 1228º CC,
segundo o qual o risco corre por conta do proprietário, que é determinado nos termos do art.
1212º CC.
Se o empreiteiro for o proprietário da coisa, mas o dono da obra estiver em mora quanto à
verificação ou aceitação da coisa, então o risco inverte para o dono da obra, nos termos do art.
1228º/2 CC.
A desistência apenas produz efeitos para o futuro, pelo que os seus efeitos anteriores não são
retroativamente destruídos e o dono da obra mantém o seu direito à coisa realizada.
A desistência encontra-se sujeita ao principio da liberdade de forma do art. 219º CC, podendo
ainda ser expressa ou tácita nos termos gerais do art. 217º CC.
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Direito dos Contratos I
Tanto a doutrina como a jurisprudência afastam a exigência de um pré-aviso razoável, por ser
um elemento dos contratos de duração indeterminada que uma parte pode dispor para exigir à
outra mais tempo para atuar em relação aos efeitos da cessação do contrato. O empreiteiro não
pode ter uma tutela excessiva, já que, com a desistência do contrato, este recebe uma
indemnização.
Relativamente à natureza da desistência, o Prof. Antunes Varela defende que estamos perante
uma forma de cessação do contrato de empreitada que não pode ser reconduzida a outro tipo
de cessação contratual, tendo em conta a tutela dos interesses do dono da obra.
Com a desistência, o empreiteiro tem o direito a uma indemnização, que abrange os gastos com
o trabalho e os materiais e o proveito retirado da execução da obra pelo empreiteiro –
indemnização pelo interesse contratual positivo.
Mas no caso de o dono da obra ter tido em conta especiais atributos ou talentos do empreiteiro,
ou seja, se a obrigação for infungível, então não há sucessão e o contrato extingue-se por
impossibilidade objetiva, ocorrendo a exoneração de ambas as prestações, nos termos do art.
1230º/2 CC.
Segundo o Prof. Vaz Serra, no caso de se verificar que os herdeiros não garantirem a boa
execução da obra, o dono da obra tem um direito de resolução do contrato por justa causa. Os
herdeiros, por seu lado, também têm um direito de denúncia do contrato.
Nos termos do art. 1227º CC, no caso de morte ou de extinção do empreiteiro, deve ser pago
aos sucessores do empreiteiro o preço relativo ao trabalho executado e às despesas efetuadas.
4. Insolvência
A insolvência do empreiteiro não conduz à caducidade do contrato, uma vez que o
administrador da insolvência pode optar pelo cumprimento ou denúncia do contrato, mediante
o interesse da massa insolvente (art. 102º/1 CIRE).
Até que o administrador decida, suspende-se o contrato, nos termos do art. 102º/1 CIRE. Se for
fixado um prazo para dar resposta e o administrador não o fizer dentro do mesmo, considera-se
que decidiu pelo não cumprimento.
31
Direito dos Contratos I
Se o dono da obra se tornar insolvente, o empreiteiro pode denunciar o contrato, nos termos do
art. 111º CIRE.
Segundo o art. 874º CC, o contrato de compra e venda corresponde à transmissão de coisas ou
direitos mediante o pagamento de um preço.
Caso contrário, o contrato é considerado doação (art. 940º CC)
Mas se a quantia não for pecuniária, o contrato é considerado uma troca
A assunção de dívidas não é uma compra e venda, uma vez que se transmitem obrigações, e não
direitos.
A posse, segundo o Prof. Menezes Leitão, não corresponde a uma compra e venda, uma vez que
não se trata de um direito subjetivo
32
Direito dos Contratos I
No caso dos bens imóveis e frações autónomas, também se exige a referência ao alvará, sendo
esta dispensada se a autorização tiver sido anotada no registo predial e o prédio não tiver
sofrido alterações.
No caso dos bens móveis sujeitos a registos, p.e., automóveis, não se exige nenhuma forma
especial, vigorando o princípio do art. 219º CC, por remissão do art. 205º/2 CC.
A preterição de forma do contrato de compra e venda, quando seja exigida forma especial,
conduz à nulidade do contrato, nos termos do art. 220º CC.
33
Direito dos Contratos I
O art. 408º/1 CC parecer abranger os casos excecionais de venda obrigatória, que se caracteriza
pelo facto de o contrato nunca produzir efeitos reais e por visar apenas a constituição de
obrigações.
Neste sentido, a propriedade da transferência não ocorre pelo contrato, mas porque o vendedor
se obriga a transferi-la e fá-lo num 2º ato: a tradição da coisa, no caso das coisas móveis, ou o
registo, no caso das coisas imóveis.
Ex. compra e venda de coisas alheias, de bens indeterminados ou de bens futuros, casos
em que há uma dissociação entre a conclusão do contrato e a transmissão da
propriedade (art. 408º/2 CC)
Nestes casos, a transferência da propriedade não depende do cumprimento de uma
obrigação de transmissão, o efeito translativo ocorre automaticamente
No sistema de título (Portugal) atende-se aos interesses das partes, sacrificando-se o interesse
da segurança do comercio jurídico ao interesse da regularidade na constituição do direito real.
No nosso sistema, o registo tem valor meramente declarativo. A publicidade apenas será
constitutiva na hipótese de aquisição tabular, caso em que a segunda venda que primeiro
foi registada prevalece sobre a primeira.
Ao contrario do que sucede normalmente nos países que consagram o sistema de titulo,
não se institui em Portugal o principio da posse vale titulo, que permitiria fazer funcionar
também uma hipótese de publicidade constitutiva em relação às coisas moveis não
registáveis. Tal implica ter o nosso sistema optado por uma aplicação quase irrestrita dos
princípios da consensualidade e da causalidade fazendo assim prevalecer o interesse do
proprietário em detrimento da proteção de terceiro de boa fé.
3.1.2. O risco
Com a transferência da propriedade, o comprador torna-se o credor a obrigação, deixando de
estar sujeito ao concurso de credores do art. 604º/1 CC porque tem pleno direito sobre a coisa,
nos termos do art. 1305º/1 CC.
Por maioria de razão, se o comprador pode beneficiar disto, também tem de suportar os riscos
inerentes à coisa, no caso de a mesma se deteriorar ou perecer.
34
Direito dos Contratos I
Segundo o art. 796º/1 CC, a partir do momento em que o contrato de compra e venda é
celebrado, o risco recai sobre ele, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações
resultantes do contrato.
Isto só não acontece se a coisa continuar no pode do alienante, caso em que o risco se transfere
apenas com a entrega da coisa.
Quanto à coisa comprada, deveremos distinguir os casos em que esta é uma coisa específica ou
genérica:
Coisa específica: o vendedor apenas cumpre com a entrega da coisa objeto da venda,
não a podendo substituir, mesmo que isso não traga prejuízo para o comprador.
Segundo o art 882º/1 CC, a coisa deve ser entregue no estado em que se encontra no
momento da venda, pelo que o vendedor tem um dever específico de custódia da coisa,
que deve executar com a diligência de um bom pai de família (art. 799º/2 e 487º/2 CC),
caso contrário, presume-se a sua responsabilidade (art. 918º CC).
Coisa genérica: o vendedor cumpre com a entrega de uma coisa dentro do género e na
quantidade estipulada e deverá escolher coisas de qualidade média.
Segundo o art. 882º/2 CC, a obrigação entrega abrange a coisa comprada, as suas partes
integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito, salvo estipulação
em contrário.
Depois da compra e venda, o vendedor não pode separar as coisas móveis ligadas
materialmente ao prédio vendido com carácter de permanência, não pode colher os
frutos pendentes ou conservar os documentos
A obrigação de entrega pode ainda abranger a embalagem de acondicionamento do bem
vendido, consoante os usos relativos àquele bem.
A obrigação de entrega encontra-se sujeita às regras gerais do tempo (art. 777º e ss. CC) e do
lugar do cumprimento (art. 772º e ss. CC).
Tempo do cumprimento: se não foi estipulado prazo, o comprador pode exigir a entrega
da coisa e o vendedor a entrega do preço a todo o tempo (art. 777º/1 CC); neste caso, o
devedor entra em mora com a interpelação do credor (art. 805º/1 CC).
Se tiver sido convencionado prazo, o vendedor tem de entregar a coisa até ao final do
prazo, caso contrário, entra em mora (art. 805º/2 a) CC); mas poderá optar pelo
cumprimento antecipado.
35
Direito dos Contratos I
Segundo o art. 885º/1 CC, o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa
vendida, salvo estipulação em contrário, o que pressupõe a coincidência entre a transmissão da
propriedade e a entrega e, por outro lado, o cumprimento da obrigação com o pagamento do
preço.
Deste modo, se a houver entrega antecipada da coisa ocorrer antecipadamente à transmissão da
propriedade, o vendedor não pode obrigar o comprador a pagar o preço.
Por outro lado, também pressupõe que a obrigação seja integralmente cumprida: se o
cumprimento ocorrer por fases, o pagamento do preço apenas deve ser feito no momento da
entrega da última entrega.
Mas se as partes convencionarem o pagamento do preço ao longo da entrega das coisas, o
vendedor pode exigir o pagamento à medida em que for realizando as entrega.
36
Direito dos Contratos I
4. Proibições de venda
Casos em que a lei proíbe a celebração de contratos de compra e venda entre determinadas
pessoas.
Fora destes casos, a venda de coisa ou direito litigioso é permitida, mediante a substituição
processual do vendedor pelo comprador.
Se, nos casos proibidos, ocorrer a venda de coisas litigiosas, esta considera-se nula (art. 876º/2 e
580º/1 CC), não podendo a nulidade ser invocada pelo comprador porque, se tal fosse possível,
o comprador poderia declarar nulo um contrato apenas porque não tinha as condições
económicas desejadas.
O vendedor, por outro lado, tem direito a uma indemnização limitada ao interesse ao interesse
contratual negativo.
No entanto, se a venda vier a ser realizada, o contrato não é nulo, mas anulável, sendo que a
anulabilidade pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento para a
venda, num prazo de 1 ano a contar do conhecimento da celebração do contrato (art. 877º/2
CC).
O art. 877º CC abrange também os casos de venda por pais a filhos e a venda de avós a netos,
mas não a venda por bisavós a bisnetos nem a venda por filhos ou netos a pais ou avós.
37
Direito dos Contratos I
No caso de a venda ser feita a um filho, é necessário o consentimento dos restantes filhos, mas
não dos netos, salvo se forem descendentes de um filho falecido, atuando em direito de
representação.
Mas se a venda for feita a netos, já é necessário o consentimento dos filhos e dos netos que
sejam irmãos do comprador.
Mas a anulação pode continuar a ser requerida se se provar que só se teve conhecimento da
celebração do contrato nos 6 meses anteriores à proposição da ação (art. 1893º/2 CC).
Enquanto o menor não atingir a maioridade ou não se emancipar, a ação pode ser requerida
pelas pessoas com legitimidade para requerer a inibição das responsabilidade paternais, nos
termos do art. 1893º/3 CC.
Mesmo que não seja autorizada, a compra e venda pode ser confirmada pelo MP, extinguindo-
se o direito de anulação.
Relativamente ao tutor, segundo o art. 1937º/c) CC, a proibição é extensível ao curador, nos
termos do art. 156º CC, e ao administrador de bens, nos termos do art. 1971º/1 CC.
Nestes casos, se se realizar a compra e venda, o negócio é considerado nulo, não podendo ser
invocada pelo tutor ou seus herdeiros nem por interposta pessoa.
Depois da cessação da incapacidade, o negócio poderá ser confirmado, mas só enquanto
a nulidade não for declarada por sentença transitada em julgado, nos termos do art.
1939º CC
A partir do momento em que seja decretada a separação judicial de pessoas e bens, deixa de
existir esta proibição, uma vez que deixa de existir fundamento para a mesma.
Segundo o art. 1714º/3 CC, é possível a dação em cumprimento por um dos cônjuges ao
consorte.
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Direito dos Contratos I
A venda de bens futuros ocorre quando o vendedor aliena bens que não existem no momento
da declaração negocial ou que não está no seu poder naquele momento ou então não tem um
direito relativamente ao mesmo.
Mas ao contrário do que acontece na venda de bens alheios, as partes conhecem o facto de o
bem não pertencer ao alienante, mesmo que haja a expectativa de o bem integrar o património
do alienante.
A venda de bens futuros pode ser clausulada como um contrato aleatório, nos termos do art.
880º/2 CC, no qual existe apenas uma expectativa de aquisição das coisas.
O comprador está obrigado ao pagamento do preço, mesmo que não se chegue a verificar a
transmissão dos bens, correndo o risco da não verificação por sua conta.
Em princípio, só podem ser vendidas as coisas que existem e pertencem ao vendedor, já que se a
venda tiver por objeto a venda de coisa inexistente, o contrato é nulo, nos termos do art. 280º/1
CC.
39
Direito dos Contratos I
Contudo, se a venda se basear em coisa de titularidade incerta, o contrato é válido (art. 881º
CC). Como a lei presume que as partes celebraram um contrato aleatório, o preço é devido, só se
os bens existirem e pertencerem ao vendedor – esta presunção pode ser ilidida
Neste caso, a incerteza é subjetiva, que tem de se verificar em relação a ambas as partes
Esta venda não se confunde com a venda de bens futuros, porque o contrato não se baseia na
expectativa de futura aquisição ou autonomização da coisa no património do vendedor, porque
os bens, neste caso, já existem, só não se sabe a sua titularidade.
Mas se as partes recusarem o contrato aleatório, a obrigação de pagar o preço fica dependente
do cumprimento da obrigação de entrega do art. 885º CC; deste modo, o comprador pode
recusar-se o cumprir a obrigação enquanto o vendedor não proceder à entrega do objeto do
contrato.
Por outro lado, o vendedor deixa ter a possibilidade de resolver o contrato por incumprimento
da outra parte (art. 801º/2 CC), uma vez que a propriedade já foi transferida e, como tal, é o
comprador que tem plenos direitos sobre a coisa vendida.
A cláusula de reserva de propriedade encontra-se prevista no art. 409º CC, e corresponde a uma
convenção segundo a qual o alienante reserva para si próprio a propriedade da coisa, até ao
cumprimento das obrigações da outra parte.
As partes convencionam que a transferência da propriedade ocorre num momento
posterior ao da celebração do contrato, que pode ser com o pagamento do preço.
40
Direito dos Contratos I
Estando a cláusula inserida no contrato, deve obedecer à forma legal exigida para o contrato de
compra e venda. Se este não exigir forma especial, então a cláusulas pode ser consensual.
Só nos casos de insolvência do comprador é que se exige que a cláusula de transferência de
propriedade esteja reduzida a escrito (art. 104º/4 CIRE).
Segundo o art. 409º/2 CC, se o contrato se basear numa coisa imóvel ou móvel sujeita a registo,
só a cláusula é oponível em relação a terceiros.
Questiona-se se continuará a ser oponível se se basear em móveis não sujeitos a registo:
Prof. Antunes Varela e Prof. Almeida Costa – se a cláusula de reserva de propriedade se
basear numa coisa móvel não sujeita a registo, esta vale em relação a terceiros de boa-fé,
e não se exige a verificação de uma formalidade especial, nomeadamente a publicidade
da cláusula (art. 409º/2 CC), pelo que não vigora, quanto às coisas móveis, o princípio
segundo o qual a posse vale título, pelo que a lei permite que o verdadeiro proprietário
reivindique a coisa de terceiro.
Prof. Romano Martinez e Prof. Fuzeta da Ponte – não é oponível a terceiros de boa fé
pelo princípio da relatividade dos contratos (art. 406º/2 CC) e porque na compra e venda
de coisa sujeita a registo, a falta de registo da cláusula implica apenas a sua eficácia inter
partes, pelo que, pelo elemento sistemático, seria incompreensível que relativamente às
coisas não sujeitas a registo a oponibilidade da cláusula fosse erga omnes; e porque, em
caso de incumprimento, o comprador pode resolver o contrato, mas isso não prejudica
os direitos adquiridos por terceiros.
Prof. Menezes Leitão – segundo os princípios da causalidade e da consensualidade, a
cláusula é, normalmente, oponível a terceiros de boa fé. Nestes casos, não se exige a
publicidade da cláusula, ao contrário do que acontece se o contrato tiver por base um
bem sujeito a registo.
Quanto ao risco, a doutrina defende que, sendo que a cláusula tem por base uma condição
suspensiva, é o vendedor que continua a responder o risco pela perda ou deterioração da coisa,
mesmo que ela tenha sido entregue ao comprador.
Prof. Menezes Leitão afirma que o risco corre por conta de quem tem o direito de uso e
fruição da coisa; assim, o comprador apenas comporta o risco com a transmissão da
propriedade da coisa, apesar de este não ficar exonerado do pagamento do preço com a
perda ou deterioração da coisa
41
Direito dos Contratos I
Se a perda ou deterioração da coisa ocorrer por facto culposo de terceiro, o vendedor não pode
exigir a indemnização por inteiro ao comprador, uma vez que, se se manter o preço, não se
verifica nenhuma diminuição do património do vendedor.
Esta norma funciona como derrogação do art. 781º CC, que prevê que, na falta de pagamento de
uma das prestações, todas as prestações se consideram vencidas, o que conduz à perda do
benefício do prazo.
42
Direito dos Contratos I
No caso da venda de prestações, esta solução é considerada drástica, pelo que só há perda do
benefício do preço no caso de o comprador faltar ao preço de 2 prestações, independentemente
do seu valor ou que a prestação que não foi cumprida não excedesse 1/8 do preço.
A doutrina discute a natureza supletiva ou imperativa do art. 934º CC, uma vez que determina
que pode haver convenção em contrário:
• A maioria da doutrina, incluindo o Prof. Menezes Leitão, considera que é uma norma
imperativa, já que a norma visa a proteção do comprador, que normalmente é a parte
mais fraca do contrato
• Para o Prof. Romano Martinez, a norma do art. 886º é supletiva e a do art. 934º é
imperativa, por motivos de defesa do consumidor associados com a proteção da parte
mais desfavorecida e menos esclarecida.
Para evitar estas situações, é usual que sejam estipuladas cláusulas penais se o vendedor
incumprir com o contrato, que poderiam chegar ao preço do próprio contrato.
Foi desta forma que o legislador determinou a redução equitativa da cláusula penal (art. 935º/1
CC), com um limite de metade da cláusula penal. As partes podem ainda estipular a
indemnização pelos danos excedentes (art. 811º/2 CC).
Sendo definido como contrato de crédito, encontra-se sujeito a regras especiais de proteção do
consumidor – dever de informação sobre a taxa anual efetiva global (art. 6º).
Se não observar os requisitos do art. 6º, o contrato de crédito é nulo, nos termos do art. 7º/5.
43
Direito dos Contratos I
5.5. Locação-venda
A doutrina discute a natureza da locação-venda:
Prof. Galvão Telles e Prof. Romano Martinez – é uma união alternativa de contratos,
uma vez que se o locatário pagar todas as prestações, aplica-se o regime da compra e
venda; mas se não o fizer, aplica-se o regime da locação.
Teresa Anselmo Vaz – é uma venda com reserva de propriedade, uma vez que em ambos
os casos, a natureza económica é a mesma.
Prof. Menezes Leitão – é uma modalidade específica da compra e venda, uma vez que
até ao pagamento do preço, o vendedor obriga-se perante o comprador a proporcionar-
lhe o gozo da coisa enquanto locatário.
Ao contrário do que acontece com as coisas genéricas, como estamos perante coisas
determinadas, a venda ocorre antes do processo de contagem, pesagem ou medição, ocorre
com a celebração do contrato. A partir do momento em que o comprador celebra o contrato,
torna-se proprietário dos bens vendidos (art. 408º/1 CC), pelo que suporta o risco com a perda
ou deterioração dos mesmos, nos termos gerais do art. 796º CC.
Poderá haver discrepância entre o valor previsto no contrato e o valor real no caso dos arts. 887º
e 888º CC:
No art. 887º, independentemente da quantidade referida no contrato, o comprador deve
o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas
No art. 888º, o comprador deve o preço estabelecido no contrato, mesmo que não tenha
correspondência com a quantidade real, salvo se a discrepância for superior a 1/20 da
quantidade declarada; neste caso, há redução ou aumento proporcional do preço
convencionado, mas só se a discrepância for superior a 5%
No entanto, este direito de recebera a diferença do preço pode ser excluído se houver
compensação pelas faltas e excessos, até ao limite da concorrência, nos termos do art. 889º CC.
Mas quando há falta de uma parte e excesso de outra, há compensação, não sendo exigida a
diferença do preço, mesmo que a discrepância seja superior a 1/20 do preço convencionado (art.
888º/2 CC).
44
Direito dos Contratos I
Segundo o art. 890º/1 CC, o direito de receber a diferença deve ser exercido no prazo de 6
meses (coisa móvel) ou 1 ano (coisa imóvel) após a entrega da coisa. Mas se a diferença só for
exigível num momento posterior à entrega, o prazo começa a contar a partir desse momento.
Se houver obrigação de entrega da coisa, o prazo começa a contar quando o comprador a
receber.
O art. 891º CC possibilita a resolução do contrato quando o comprador esteja obrigado a pagar
mais de 1/20 do preço declarado exceto se houver dolo do comprador.
O direito à resolução do contrato caduca no prazo de 3 meses a partir da data em que o
comprador exigir o excesso.
O regime da venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição não exclui a aplicação do
regime do erro, desde que estejam preenchidos os seus pressupostos:
Essencialidade
Cognoscibilidade
A declaração baseada em erro é anulável, nos termos do art. 247º CC.
Pela sua natureza económica, questiona-se se será proibida a estipulação de pactos comissórios
(art. 694º CC).
O CC proíbe a atribuição ao comprador de qualquer benefício como contrapartida à resolução do
contrato.
Se não houver intenção de transferir a propriedade, mas de constituir uma garantia de
pagamento a favor do comprador, o Prof. Menezes Leitão defende que estamos perante uma
alienação fiduciária em garantia.
Quanto à forma da cláusula de retro, sendo uma estipulação do contrato de compra e venda,
está sujeito à forma do mesmo.
A venda a retro visa a resolução do contrato de compra e venda; no entanto, a resolução tem
limites: segundo o art. 929º este direito só pode ser exercido no prazo de dois (coisa móvel) ou
cinco anos (coisa imóvel) a contar da venda.
Mas se as partes convencionarem um prazo diferente ou a prorrogação do prazo legal, o prazo é
reduzido para esse limite determinado (art. 929º/2 CC).
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Direito dos Contratos I
Outro limite à resolução do contrato: se por algum motivo não imputável ao comprador o
vendedor não puder ou não estiver em condições de reembolsar o preço, o contrato não pode
ser resolvido (art. 928º/2 CC).
Segundo o art. 932º, a cláusula a retro não é oponível a terceiros, pelo que a exceção de
resolução do contrato não afeta direitos de terceiros.
Assim, parece que a cláusula de venda a retro só tem eficácia real quando estiverem em causa
bens imóveis ou móveis sujeitos a registo; e, nos restantes casos, a venda a retor só tem eficácia
inter partes.
Sendo o comprador um possuidor de boa fé, este responde apenas pela perda ou
deterioração da coisa se tiver procedido com culpa (art. 1269º CC)
Se houver perda fortuita da coisa, o vendedor não tem direito de resolver porque não tem
qualquer interesse nisso. Se resolver o contrato, neste caso, a propriedade cimenta-se na esfera
jurídica do comprador e, assim, não pode reaver a coisa.
Segundo o art. 927º CC, a venda a retro é um contrato de ato atributivo de direito de resolução a
exercer pelo comprador e dotado de eficácia retroativa.
Concessão de um direito de resolução (art. 924º CC), no caso de a coisa não agradar ao
comprador. Mas a concessão desse direito não impede a transmissão da propriedade nos
termos do art. 408º CC, pelo que o risco pela perda ou deterioração da coisa corre pelo
comprador, nos termos do art. 796º/1 CC.
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Direito dos Contratos I
O art. 925º CC determina que a venda sujeita a prova está sujeita a condição de a coisa ser
idónea ao fim visado e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor.
A doutrina francesa defende que a situação é semelhante à da venda a contento, pelo
que deve ser qualificada como promessa unilateral de venda
Alguns autores italianos defendem que é uma condição imprópria e outros que não é
uma condição mas uma categoria específica da venda, cujos efeitos estão dependentes
da verificação da idoneidade da coisa
O Prof. Menezes Leitão defende esta última orientação, uma vez que os requisitos do
art. 925º CC não se distinguem dos do art. 913º CC
A maioria da doutrina defende que a venda sobre documentos não corresponde ao objeto da
venda, mas as coisas a que estes se referem. O direito incorporado no título de crédito apenas
constitui um crédito à entrega das coisas e não a propriedade das mesmas.
Nos termos do art. 463º CCom. é possível determinar que a natureza da compra e venda é
estabelecida pelo facto de a coisa ser adquirida com o intuito de revenda; pelo que a coisa
comprada, no contrato de compra e venda, não se destina ao consumidor final.
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Direito dos Contratos I
Se o comprador não cumprir com as suas obrigações, o vendedor pode atuar nos termos do art.
474º CCom, depositando a coisa por conta do comprador ou revender a coisa a outrem em asta
pública ou por intermédio de um corretor.
Este art. só se pode aplicar se o vendedor não tiver entregue a coisa
Se o preço da revenda não for suficiente para satisfazer o crédito do vendedor, este mantém o
direito na parte não satisfeita (art. 472 CCom).
Mas se houver excesso, esse excesso pertence ao comprador, uma vez que a revenda foi
realizada por sua conta.
Segundo o art. 476º CCom, o vendedor está obrigado a emitir faturas e recibo do preço.
Na compra e venda comercial, ao contrário da civil, é válida a venda de bens alheios (art. 476º/2
CCom), mas o vendedor fica obrigado a adquirir a título legítimo a propriedade da coisa vendida
e a fazer a sua entrega, sob pena de responder por perdas e danos.
Nos termos do art. 904º CC, o regime da venda de bens alheios não se aplica se o vendedor
alienar a coisa como alheia, mesmo que não tenha legitimidade para o fazer, p.e., por vender a
coisa em nome de outrem sem poderes para o fazer ou abusar dos poderes de representação.
O contrato é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário da coisa, se este não o
ratificar, e não produz efeitos em relação ao representante porque nunca foi parte do
negócio
1.1. Pressupostos
1.1.1. Falta de legitimidade
O vendedor tem de carecer de legitimidade para alienar o bem, sendo que essa legitimidade é
atribuída em principio ao proprietário da coisa.
Mas existem casos em que a lei atribui essa legitimidade a outra pessoa, p.e., ao credor
pignoratício (art. 674º CC).
Aplica-se o regime da venda de bens alheios no caso de a coisa alheia ser vendida como própria,
mesmo que seja vendida no interesse do seu titular – é o que acontece no caso da gestão de
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Direito dos Contratos I
negócios representativa (art. 268º/4 CC), salvo se o representado vier a regularizar a situação
através da transmissão para este do bem vendido.
Quanto à legitimidade para arguir a nulidade, esta é restringida, já que não pode ser arguida por
uma parte que esteja de má fé em relação à outra que esteja de boa fé, nem pode ser arguida
pelo vendedor quando o comprador estiver de boa fé (art. 892º CC).
Em relação a terceiros, o Prof. Menezes Leitão defende que não podem invocar a nulidade do
negócio, uma vez que a nulidade é estabelecida em benefício das parte no contrato.
Por outro lado, o verdadeiro proprietário da coisa não pode invocar a nulidade, uma vez que,
para ele, o contrato será sempre ineficaz (art. 406º/2 CC).
No entanto, a possibilidade da convalidação tem algumas restrições, enunciadas no art. 896º CC:
• Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos
contraentes
• Restituição do preço ou pagamento de indemnização, se o credor aceitar
• Declaração escrita, feita por um dos estipulantes, de que não quer que o contrato seja
declarado nulo
O Prof. Menezes Leitão considera que a nulidade da venda de bens alheios é provisória, que
pode ser sanada com a aquisição da propriedade pelo vendedor.
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Direito dos Contratos I
O comprador, nestes casos, adquire um direito de crédito sobre o vendedor a que este proceda
à aquisição do bem.
Mas este direito encontra-se dependente da concordância do titular do direito, uma vez que, se
este não puder ou não quiser alienar o bem, o comprador não pode fazer nada.
2.4. Indemnização
O direito de indemnização pelos danos eventualmente sofridos tem 3 fundamentos:
• Indemnização em caso de dolo (art. 908º CC, por remissão do art. 913º CC) – o Prof.
Menezes Leitão afirma que se deve considerar também a negligência consciente – o
vendedor deve indemnizar o comprador pelo interesse contratual negativo, ou seja, os
prejuízos que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada
• Indemnização em caso de simples erro (art. 909º CC por remissão do art. 913º CC) – a
indemnização apenas abrange os danos emergentes, mas não os lucros cessantes;
segundo o art. 915º CC, a indemnização é excluída se o vendedor ignorava sem culpa o
vício ou a falta de qualidade da coisa
• Indemnização por incumprimento da obrigação de convalidar (art. 907º CC por remissão
do art. 913º CC) – o vendedor está sujeito à responsabilidade obrigacional
Como a lei não exige forma especial para a denuncia, aplica-se o regime da liberdade de forma
do art. 219º CC, podendo até ser feita tacitamente.
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Quanto aos prazos, este dependem de se tratar de um bem móvel (30 dias depois de conhecido
o defeito e dentro de 6 meses após a entrega da coisa) ou imóvel (1 ano depois de conhecido o
defeito e dentro de 5 anos após a entrega da coisa) – art. 916º/2 e 3 CC.
Prazos aplicam-se cumulativamente, pelo que, se não se verificar um deles, os direitos
caducam.
Se os prazos não forem cumpridos, os direitos também caducam.
O Prof. Mota Pinto defende que é possível aplicar aos contratos simultaneamente profissionais
e não profissionais; no entanto, o Prof. Menezes Leitão discorda, afirmando que se o bem
comprado tiver um destino profissional, então não se aplica o regime da venda de bens de
consumo.
Para o Prof. Carlos Ferreira de Almeida, a conformidade, nestes casos, corresponde a uma
relação entre o referente e o objeto do ato executivo, pelo que o conceito de desconformidade
não corresponde ao do art. 913º CC.
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Segundo o art. 2º/2 DL, há uma presunção de não conformidade do bem entregue com o
contrato, se se verificarem alguns desses factos.
O Prof. Menezes Leitão critica esta solução, uma vez que o ónus de provar o cumprimento da
obrigação conforme ao contrato cabe a vendedor, mas só o comprador pode comprovar a
conformidade
Quando o bem de consumo não é idóneo para o uso a que o comprador o destine e do
qual o vendedor o tenha comunicado, mas mesmo assim este aceitou
Quando os bens não forem adequados às utilizações normalmente dadas a bens daquele
tipo
Quando os bens de consumo não apresentarem as qualidades e desempenho habituais
nos bens do mesmo tipo, e que o consumidor pode esperar dos mesmos
A doutrina tem limitado a exclusão da garantia de conformidade aos casos de culpa grave do
consumidor, não abrangendo os casos de culpa leve.
Segundo o art. 3º/1 DL, o momento da conformidade deve ocorrer no momento em que a coisa
é entregue ao consumidor, pelo que o riscos relativos a defeitos na coisa passam a correr por
conta do consumidor (derrogação do art. 796º/1 CC).
A doutrina estrangeira tem entendido que se deve alterar o regime, através de uma presunção
de que o risco se transfere para o consumidor apenas com a entrega efetiva da coisa, o que não
é compatível com o art. 3º/1.
Quanto aos prazos, o art. 5º/1 DL determina um prazo de 2 anos a contar da entrega do bem –
prazo de manifestação da desconformidade e não um prazo de caducidade.
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