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Direito dos Contratos I

Parte I – Contrato de empreitada


I. Aspetos gerais, classificações
Segundo o art. 1207º CC, o contrato de empreitada corresponde a um contrato bilateral em que
uma das partes se compromete a realizar uma obra mediante o pagamento de um preço.
Os elementos do contrato de empreitada são: 1. a realização da obra e 2. o pagamento do preço,
e são consideradas obrigações de um contrato sinalagmático.
Segundo o CC, o contrato de empreitada é uma modalidade do contrato de prestação de
serviços, apesar de incidir sobre uma obra e não um serviço.

Distingue-se do contrato de trabalho: enquanto que o contrato de empreitada está sujeito a


uma obrigação de resultados com liberdade de meios, no contrato de trabalho está sujeito à
direção do dono da obra.
Também se distingue do contrato de prestação de serviços atípico, no caso de a empreitada não
puder ser reconduzida a uma obra – o que abrange a construção, modificação, reparação ou
demolição de uma coisa móvel ou imóvel.
Distingue-se do mandato porque na empreitada o empreiteiro não pratica atos jurídicos, mas
atos materiais e atua por conta própria, ao contrário do que acontece no contrato de mandato,
em que o mandatário atua em nome e por conta do mandante.
Discute-se a distinção entre o contrato de empreitada e o de compra e venda, especialmente em
relação às casas pré-fabricadas. O tribunal tem seguido a orientação de que a empreitada
corresponde a um contrato em que o alienante se compromete a realizar qualquer atividade
material (construção, modificação, reparação ou demolição), mesmo estando ligado à compra e
venda.

O Prof. Galvão Telles fundamenta o contrato de empreitada numa natureza comercial, mas fê-lo
antes de existir Código Comercial. Atualmente, este fundamento pode ser acrescentado: o
contrato de empreitada tem caráter comercial se a obra for realizada por uma organização
comercial (art. 230º/6 CCom).

Características do contrato de empreitada:


• Contrato nominado e típico (art. 1207º e ss. CC)
• Contrato (normalmente) não formal, vigorando o princípio da liberdade de forma,
EXCETO no caso da empreitada de obras públicas, que exige forma especial (art. 94º CCP)
• Contrato obrigacional, que produz efeitos entre as partes
o Pode ser um contrato quoad effectum, no caso de a obra ser realizada com
materiais pertencentes ao empreiteiro. Neste caso, ocorre a transferência da
propriedade para o dono da obra.
• Contrato oneroso
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• Contrato sinalagmático, composto por obrigações recíprocas: o empreiteiro tem o dever


de realizar a obra, enquanto que o dono da obra tem o dever de lhe pagar
• Contrato de execução instantânea, apesar de se prolongar no tempo – não se poderá
considerar um contrato de execução continuada porque o tempo não altera o conteúdo
do contrato, e as partes encontram-se vinculadas a ele da mesma forma

1. A obra
O objeto da empreitada é a obra, elemento essencial do contrato, através do qual o credor vê o
seu direito satisfeito. Mas é necessário averiguar o conceito de obra para determinar o que se
encontra dentro da obra.
No Direito Romano, defendia-se que a obra apenas abrangia as coisas corpóreas, uma vez que as
coisas incorpóreas não se integravam no regime da locatio-conductio. As doutrinas italiana e
francesa atuais defende que o conceito de obra deve abranger tanto coisas corpóreas como
incorpóreas.

Segundo o art. 1207º CC, a obra consiste na construção, reparação, destruição ou demolição de
uma coisa móvel ou imóvel, pelo que o regime da empreitada se encontra previsto apenas para
as coisas corpóreas. Este é também o entendimento da maioria da doutrina (Prof. Baptista
Machado e Prof. Menezes Leitão), que defendem que as coisas incorpóreas não se inserem no
contrato de empreitada por 3 razões:
• Ao contrário das coisas corpóreas, nas incorpóreas não existe um plano de execução da
obra
• É permitido ao empreiteiro desvincular-se do contrato, p.e., por falta de inspiração, ao
contrário do que acontece na empreitada, em que só o dono da obra o pode fazer
• A exteriorização da obra que tenha por objeto coisas incorpóreas não se confunde com a
obra em si

Outro setor da doutrina (Prof. Carlos Ferreira de Almeida e Prof. Oliveira Ascensão) afirmam que
as coisas incorpóreas são suscetíveis de ser objeto de um contrato de empreitada porque a
atividade de empreitada é suscetível de ser entregue ao dono da obra. Aliás, o mero suporte da
coisa incorpórea já seria razão para se aplicar o regime do contrato de empreitada.

Para o Prof. Pedro de Albuquerque, não se pode confundir a obra com o seu suporte físico, no
entanto, não se podem descurar as regras do Direito de Autor, nomeadamente a da
originalidade da expressão da ideia que expresse o espírito do autor. Para ele, quando se
encomenda uma obra intelectual, está-se a encomendar a realização de um processo que pode
dar origem ou não a uma obra que seja protegida pelo Direito de Autor; só depois do resultado é
possível verificar se a situação merece ou não a tutela do Direito – tipo contratual autónomo
Acrescenta ainda que, apesar de haver algumas incompatibilidades entre o regime de
empreitada de coisas corpóreas com a empreitada de obras intelectuais, nada obsta a que esta
seja qualificada como empreitada, desde que estejam preenchidos os elementos contratuais da
empreitada:
• Que o resultado seja suscetível de entrega e aceitação

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• Que o resultado seja específico e concreto, ou seja, que possa distinguir-se do processo
produtivo
• Que o resultado esteja conforme com o projeto (pode ser uma encomenda especificada
ou um plano de obra).

Poderão haver situações de obra que não sejam reconduzíveis a empreitada, como no caso em
que as partes não querem dar um caráter de empreitada por não quererem sujeitar à orientação
do dono da obra – neste caso, deverão ser considerados contratos de prestação de serviços
atípicos.

2. O preço
O contrato de empreitada é um contrato oneroso, sendo necessário estipular e fixar um preço;
sem essa fixação, o contrato será considerado atípico. Mas para todos os efeitos, é possível
haver dação em cumprimento (art. 837º e ss. CC), com o consentimento do empreiteiro, que é o
credor da obrigação.

Modalidades de empreitada tendo em conta os critérios de fixação do preço:


• Empreitada de preço global: é fixado um preço global para toda a obra, sendo que esse
preço abrange já a mão-de-obra e os materiais a utilizar. Haverá sempre uma assunção
de risco pelo empreiteiro, tendo em conta as vicissitudes do mercado, que deve já
calcular o valor global tendo em vista possíveis discrepâncias de valores que possam
existir. No caso de o dono de obra aceitar as condições da empreitada, mas de não ser
determinado o valor global, deve operar o regime do erro de escrita ou de cálculo do art.
249º CC. Por outro lado, esta modalidade não é alheia ao regime da alteração das
circunstâncias, se estiverem preenchidos os pressupostos, uma vez que isto decorre do
princípio da boa-fé.
• Empreitada por artigo, por medida ou por tempo de trabalho – é fixado o preço de cada
item da obra, sendo o preço global uma estimativa da multiplicação dos preços vezes as
quantidades utilizadas ou realizadas. O empreiteiro não pode exigir nada do dono da
obra sem que haja prova do trabalho realizado. As partes assumem um duplo risco: o
empreiteiro assume o risco de fixar um preço global e o dono da obra assume o risco de
serem necessários mais trabalho ou materiais do que os previstos
• Empreitada por percentagem – o empreiteiro é reembolsado pelo custos que teve com a
realização da obra, sendo esta uma forma de o dono de obra controlar os gastos e, por
outro lado, de se excluir o risco de o empreiteiro em relação aos custos de produção,
sendo que esse risco é transferido para o dono de obra.

O preço, apesar de ser um elemento essencial, não precisa de estar, à partida, determinado (art.
1211º/2 CC --» art. 883º CC). Segundo o art. 833º CC, na falta de estipulação de preço estamos
perante um contrato de empreitada atípico, em que se aplica o regime do mandato do art.
1157º e ss. CC.

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3. Figuras afins da empreitada


• Contrato de prestação de serviços:
Está inerente uma obrigação de execução de uma atividade, enquanto que no contrato de
empreitada está inerente uma obrigação de resultados.

Por outro lado, no contrato de prestação de serviços, o risco corre por conta do cliente,
enquanto que na empreitada corre por risco do empreiteiro. Neste sentido, o Prof. Carlos
Ferreira de Almeida criticou este critério: o 1154º CC determina que o prestador tem a
obrigação de proporcionar ao cliente o resultado do seu trabalho manual ou intelectual, e
tendo em conta que a empreitada é uma modalidade da prestação de serviços, então a
empreitada deveria ter como objeto a realização do resultado do resultado.

O Prof. Pedro de Albuquerque discorda, afirmando que em qualquer prestação existe uma
obrigação de resultado, mesmo nas obrigações de meios, não existindo realmente uma
diferenciação, uma vez que em ambas se requer a satisfação do interesse do credor, tal
como defende o Prof. Menezes Cordeiro.

Para determinar se um contrato se qualifica como empreitada ou prestação de contratos


atípica, é necessário interpretar o contrato no sentido de saber se o devedor se vinculou a
algum resultado onde atua de forma autónoma relativamente ao preço e aos meios para
alcançar o resultado, em que o devedor atua por seu nome e por conta própria – se
estiverem preenchidos estes pressupostos, estamos perante um contrato de empreitada.
Pelo contrário, se o contrato for celebrado por conta e em nome do comitente, então
estamos perante um contrato de mandato.

• Mandato:
Enquanto que no mandato o mandatário se encontra adstrito a realizar determinados atos
jurídicos (art. 1157º CC), na empreitada o empreiteiro encontra-se adstrito a realizar atos
materiais que se reconduzam à elaboração de uma obra (art. 1207º CC).
Tal como defende o Prof. Romano Martinez, apesar de o mandatário poder praticar atos
materiais ligados ao cumprimento da obrigação e de o empreiteiro poder praticar atos
jurídicos, estes atos não deixam de pertencer ao núcleo essencial destes contratos.

Enquanto que no mandato o mandatário atua em nome e por conta do mandante, o


empreiteiro atua em seu próprio nome.
Enquanto que o mandato pode ser gratuito (art. 1158º CC), a empreitada está sujeita à
fixação de um preço (art. 1207º CC).
No mandato, o mandante responde objetivamente pelos danos sofridos pelo mandatário na
execução do mandato (art. 1167º/d CC), pelo contrário, na empreitada, é o dono da obra que
responde pelos danos causados na execução da obra, nos termos do art. 798º CC. no
mandato, o mandante responde objetivamente perante terceiros, nos termos do art. 500º
CC; mas o mesmo não acontece na empreitada, uma vez que não existe uma relação de
comissão, já que o empreiteiro tem autonomia em relação ao dono da obra.

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• Contrato de trabalho:
No contrato de trabalho o trabalhador encontra-se adstrito a uma obrigação de meios, a de
prestar o seu trabalho, pelo que o é o empregador que comporta o risco; pelo contrário, no
contrato de empreitada o empreiteiro tem total autonomia relativamente aos meios a seguir
para a conclusão da obra, sendo que é o empreiteiro que comporta o risco.

• Contrato de compra e venda:


No contrato de compra e venda, o comprador encontra-se adstrito a uma obrigação de dare,
enquanto que na empreitada, o empreiteiro encontra-se adstrito a uma obrigação de facere.
O contrato de compra e venda é quoad effectum com eficácia real, pelo contrário, a
empreitada é um contrato obrigacional, que poderá ter ou não eficácia real.
Se estivermos perante um contrato que tenha por objeto uma coisa futura, existem vários
critérios:
o O elemento principal determina a qualificação – critério aplicado nos casos em que
há transferência da coisa acompanhada por uma prestação acessória
o Configuração económica do contrato (Prof. Menezes Leitão) – se o contrato tiver por
base um produto acabado, deverá ser considerado como compra e venda, mas se se
basear no trabalho que permita realizar uma obra, então deverá ser considerado
empreitada

4. Classificação do contrato de empreitada


• Contrato nominado e típico – encontra-se previsto nos arts. 1207º e ss. CC, tendo um regime
próprio
• Contrato não formal (por norma), sendo aplicado o regime da liberdade de forma do art.
219º CC, salvo exceções
• Contrato consensual, não dependendo da entrega das coisas essenciais à realização da obra
para produzir efeitos
• Contrato obrigacional, com obrigações recíprocas: a obrigação de realização da obra e a
obrigação de pagamento do preço. Poderá ser um contrato quoad effectum com eficácia real
(art. 408º CC), no caso de haver transferência da propriedade por efeito do contrato, p.e., no
caso do art. 1212º CC (caso em que os materiais pertencem ao empreiteiro)
• Contrato oneroso, uma vez que o preço é um dos elementos essenciais da empreitada (art.
1207º CC)
• Contrato sinalagmático, com obrigações recíprocas, já que o empreiteiro está adstrito à
realização da obra, mediante o pagamento de um preço pelo dono da obra
• Contrato comutativo, cujas prestações estão determinadas quanto à existência e ao
conteúdo, apesar de existir um risco económico
• Contrato de execução instantânea e prolongada, já que o objeto da obrigação não se altera
com o passar do tempo, mas a prestação prolonga-se pelo tempo

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II. Formação do contrato


1. Processo de formação da empreitada
O contrato de empreitada encontra-se previsto no art. 1207º e ss. CC, mas a sua formação
encontra-se sujeita às regras gerais do art. 224º e ss. CC.
As partes devem acordar as características da obra, bem como o plano, apesar de este não ser
um elemento essencial na empreitada, mas é importante para a determinação da prestação.
O projeto, se estivermos perante um caso de construção civil, deverá ser aprovado pelas
entidades administrativas competentes, bem como a obtenção de uma licença administrativa
para a realização da obra.

De seguida, procede-se à negociação dos elementos da prestação, enquadrados no projeto, e


elaborado pelo empreiteiro, pelo dono da obra ou por terceiro; bem como à orçamentação do
projeto. Se necessário, procede-se à realização de estudos geológicos, essenciais para a
estimativa do preço e do trabalho.

Relativamente à fixação do preço, se o orçamento for aceite pelo dono da obra, celebra-se o
contrato de empreitada. Então, o preço poderá ser entendido como um valor fixo que não
poderá ser ultrapassado, ou como uma estimativa (empreitada por preço unitário ou empreitada
por quantidades).

2. Capacidade das partes


Relativamente à capacidade das partes, aplicam-se as regras gerais da capacidade nos negócios
jurídicos.
Em alguns casos – menor emancipado e representante legal do menor – é necessário distinguir
entre atos de administração, quando os efeitos jurídicos não atinjam a esfera jurídica de quem
os celebra e atos de disposição, cujos efeitos jurídicos atingem a esfera jurídica. Os atos de
administração ordinária apenas podem ser praticados por pessoas para tal capacitadas

Para o Prof. Romano Martinez, a celebração de empreitadas, para o empreiteiro, seria


considerada sempre como ato de administração ordinária. O Prof. Pedro de Albuquerque
concorda, uma vez que, se se tratar de um empreiteiro profissional, a celebração de empreitadas
corresponde a um ato normal da sua profissão.

3. Legitimidade das partes


Para que haja empreitada, exige-se que o dono da obra tenha legitimidade, ou seja, que tenha,
na sua esfera jurídica, um direito que permita a realização da obra.
Mas o problema da legitimidade também pode ser colocado do lado do empreiteiro, p.e., no
caso de propor a realização da obra num terreno alheio.

O problema da legitimidade é solucionado pela existência de um alvará de empreiteiro de


construção civil. Relativamente à consequência da falta de alvará, o Prof. Pedro de Albuquerque
afirma que será o pagamento de uma coima por parte do empreiteiro.

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4. Pluralidade de sujeitos
Poderão ser celebrados contratos de empreitada em que existe uma pluralidade de sujeitos do
lado do dono da obra. Ora, se se tratar de uma empreitada civil, aplica-se o regime da conjunção
(art. 513º CC), sendo os direitos e obrigações exercidos conjuntamente; mas se se tratar de uma
empreitada comercial, vigora a regra da solidariedade (art. 100º CCom.).

Mas o mesmo poderá acontecer com uma pluralidade de empreiteiros, sendo aplicadas as
mesmas regras: conjunção, se for civil; solidariedade, se for comercial.
Havendo pluralidade de partes na posição do empreiteiro, os empreiteiros podem associar-se
em modalidades contratuais específicas, nomeadamente o consócio, desde que não constituam
uma nova pessoa coletiva. Se o fizerem, deixa de haver pluralidade de partes, passando a haver
apenas uma parte do lado do empreiteiro.
Não há pluralidade de empreiteiros se o dono da obra contratar com vários empreiteiros, por
diferentes negócios jurídicos.

A pluralidade de empreiteiros também não se confunde com a empreitada com permissão e


subcontratação, ou subempreitada: na pluralidade de empreiteiros, eles atuam como uma única
parte no contrato; na subempreitada, o empreiteiro celebra o contrato com o dono da oba, mas
contrata com terceiros para realizar a obra. Na subempreitada, a relação entre o dono da obra e
o empreiteiro mantém-se intacta, sendo que os subempreiteiros não se tornam partes no
contrato original, mas sim do contrato com o empreiteiro (art. 1213º CC).

5. Forma do contrato de empreitada


O contrato de empreitada não está sujeito ao princípio da liberdade de forma (art. 219º CC). No
entanto, a doutrina tem admitido a possibilidade de certos contratos estarem sujeitos a forma
especial, nomeadamente os contratos de maior valor, por razões de segurança na determinação
das obrigações.

No caso de o empreiteiro exigir a alteração do projeto inicial ao dono da obra, é necessário


autorização escrita do dono da obra, em que aceita o aumento do preço (art. 1214º/3 CC).
É também necessária forma escrita nos casos em que o empreiteiro fornece o solo para a
construção da obra, havendo transmissão, por escrito, da transmissão do direito.
Também nos contratos públicos se exige a forma escrita (art. 94º CCP), salvo nos casos de obras
de obras pouco complexas e de baixo valor (art. 95º CCP).
Por fim, é também necessária forma escrita nos contratos de subempreitada de obras públicas
de execução de uma obra em que o empreiteiro atua (art. 384º/1 CCP).

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III. Efeitos do contrato de empreitada


1. Direitos do dono da obra
1.1. Direito de aquisição e receção da obra
O dono da obra tem o direito de aquisição e receção da obra, sendo esta a forma de satisfazer o
principal interesse deste no contrato de empreitada.

O art. 1208º CC exige que a obra seja executada de acordo com o convencionado e sem vícios
que excluam ou reduzam o valor da coisa, bem como a sua aptidão para o fim visado. Desta
forma, exige-se que a obra seja cumprida dentro do estabelecido e que estejam verificadas as
regras de arte, corolário do princípio da pontualidade do art. 762º/1 CC.

No caso de o empreiteiro conhecer a existência de vícios ou de problemas no projeto que


possam prejudicar a execução do projeto, e não os der a conhecer ao dono da obra, é
responsável pelo cumprimento defeituoso da obrigação (art. 798º CC).

No caso de o dono de obra conhecer os vícios ou problemas no projeto e, mesmo assim, exigir a
execução da obra nos termos exatos acordados entre as partes, o Prof. Pedro de Albuquerque
defende que o empreiteiro deve cumprir, mas fica exonerado de responsabilidade; ou seja,
apesar de se presumir a culpa do devedor (art. 799º CC), esta presunção poderá ser ilidida se se
provar que os vícios eram do conhecimento do dono de obra.

Para o Prof. este caso deverá ser resolvido da seguinte forma:


• o empreiteiro deve reconhecer a possibilidade de impor alterações do projeto ao dono
da obra – mas não pode resolver o contrato, porque isso seria o mesmo que se eximir das
suas obrigações
• se o dono da obra não concordar com as alterações pretendidas, não pode exigir o
cumprimento da obra nos termos iniciais, mas pode-se opor à realização das alterações
por meio da desistência da empreitada, desde que indemnize o empreiteiro, nos termos
do art. 1229º CC

1.2. Direito de fiscalizar a obra


O dono da obra tem também um direito de fiscalizar a obra (art. 1209º/1 CC), sendo uma
faculdade (Prof. Pedro de Albuquerque) que deve ser exercida segundo as regras da boa-fé. Esta
faculdade permite ao dono da obra fiscalizar a obra de modo a aperceber-se de possíveis desvios
ao projeto ou às regras de arte e, como tal, da necessidade de alteração do projeto inicial.

Discute-se se as partes podem afastar o direito de fiscalização do dono da obra, mas a maioria
da doutrina defende que esta é uma norma injuntiva, que não pode ser afastada; isto porque a
fiscalização é uma faculdade, pelo que o dono da obra não está obrigado a exercê-la.
Por outro lado, o exercício da fiscalização pelo dono da obra não implica a renúncia dos direitos
do empreiteiro em caso de má execução da obra.

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Quanto ao regime da empreitada de obras públicas, exige-se que o poder de fiscalização deve
ser exercido quanto ao estritamente necessário para garantir a prossecução do interesse público
visado pela obra; nem ir contra a autonomia de meios de que o empreiteiro goza.

2. Deveres do dono da obra


2.1. Pagamento do preço
Um dos deveres do dono da obra é o pagamento do preço que, uma vez estabelecido, não pode
ser alterado unilateralmente. Poderá ser alterado através de cláusulas de revisão de preços ou
pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada (art. 406º CC).

Segundo o art. 1211º/2 CC, o preço deve ser pago no ato de aceitação da obra, sendo que a
disposição poderá ser afastada pelas partes ou pelos usos em contrário. Se as partes não
disserem nada e não existirem usos, o preço apenas poderá ser devido após a aceitação da obra.

No caso de o pagamento se processar por fases e o dono da obra não pagar, o empreiteiro pode
exercer a exceção de não cumprimento, nos termos do art. 428º CC, suspendendo a execução da
obra até ao pagamento do preço devido.
Também pode exigir o pagamento de uma indemnização moratória (art. 804º CC) e, no limite, a
resolução do contrato se estiverem preenchidos os pressupostos do art. 801º/2 CC.
Se, por efeito da exceção de não cumprimento, passar o prazo de execução da obra, este deve
ser prorrogado.

Na empreitada de obras públicas, apenas poderá haver exceção de não cumprimento se o


credor estiver em mora há mais de um mês (art. 366º/3 b) CCP). Se houver suspensão da
execução da obra, deverá haver prorrogação do prazo de execução da obra, nos termos do art.
298º/2 e 3 CCP.

2.2. Verificação, comunicação e aceitação da obra


A verificação da obra ocorre depois da conclusão da obra e antes da aceitação, sendo uma forma
de verificar se a obra está conforme com o projeto e se tem vícios (art. 1218º/1 CC).

Para haver verificação da obra, o empreiteiro deve comunicar ao dono da obra a conclusão da
mesma, nos termos do art. 1218º/2 CC, o que exige que o empreiteiro faculte a obra ao seu
dono (conduta positiva) e que se abstenha de praticar atos que prejudiquem a verificação da
obra (conduta negativa).

Relativamente à posição do dono da obra relativamente à verificação da obra:


• Prof. Romano Martinez – é um ónus material, sendo que o dono da obra não é obrigado
a verificar a obra, mas se não o fizer, daí poderão advir consequências negativas. O Prof.
Pedro de Albuquerque segue esta posição
• Prof. Cura Mariano – é um direito do dono da obra
• Prof. Menezes Leitão – é um dever do dono da obra, tal como indica o art. 1218º CC

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Em relação ao prazo da verificação da obra, este deverá ser determinado pela vontade das
partes e, se tal não for possível, aplicam-se os usos (art. 1218º/2 CC). Se não houver usos, é
aplicado o prazo que se considere razoável para que o dono da obra esteja em condições de
poder verificar a obra.

A denúncia dos efeitos poderá ser feita mesmo sem ter existido verificação, p.e., no caso de os
vícios terem sido descobertos durante a fiscalização ou se o empreiteiro confessar, na conclusão
da obra, a existência de defeitos.

Posteriormente à verificação, procede-se à aceitação (art. 1218º/4 CC), que, segundo o Prof.
Menezes Leitão corresponde a um dever e, para o Prof. Romano Martinez, é um ónus material.
A aceitação corresponde a um ato jurídico simples no qual se comunica a existência ou
inexistência de vícios na obra, que deverá ser exercida pelos mesmos critérios do art. 1218º/2
CC, por analogia.

Na falta de verificação e de comunicação, o silêncio tem valor declarativo e vale como aceitação
sem reservas, nos termos do art. 1218º/5 CC, o que conduz à irresponsabilidade do empreiteiro,
nos termos do art. 1219º/1 CC.
Neste caso, tal como defende o Prof. Romano Martinez, só se presume a aceitação sem reservas
se houver incumprimento definitivo do ónus material de verificação ou do dever de
comunicação.

Há aceitação se o dono da obra, se este utilizar meios, mesmo que ilícitos, que coloquem a obra
sobre o seu controlo. P.e., se o empreiteiro se recusar a entregar as chaves do imóvel construído
por falta de pagamento, e o dono da obra arrombar a porta e passar a usufruir do imóvel,
presume-se que a aceitou sem reservas.

Na aceitação, o dono da obra pode:


• Aceitar sem reservas
• Aceitar com reservas e denunciar os defeitos (art. 1220º CC)
Nota: A aceitação com reservas significa que o dono da obra aceita a obra, mesmo com vícios,
mas declara que não quer prescindir dos seus direitos em caso de defeitos na execução da obra.
• Não aceitar e denunciar os defeitos

Efeitos da aceitação da obra:


• Transferência da propriedade no caso de a obra ter sido executada com materiais do
empreiteiro (art. 1212º/1 CC)
• Transferência do risco (art. 1228º/2 CC)
• Irresponsabilidade do empreiteiro por vícios conhecidos do dono da obra e pelos vícios
aparentes, que se presumem conhecidos (art. 1219º/1 e 2 CC)
• Inicio do prazo de garantia legal ou convencional (art. 1224º/1 CC)
• Vencimento da obrigação de pagamento do preço (art. 1211º/2 CC)

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2.3. Dever de cooperação


O dono da obra tem um dever de prestar ao empreiteiro a colaboração necessária para a boa
execução da obra, que decorre da boa-fé.

No caso de o dono da obra não prestar a colaboração necessária, poderá haver responsabilidade
por danos ou prorrogação do prazo de execução da obra.

3. Direitos do empreiteiro
3.1. Receção do preço
Sendo o contrato de empreitada um contrato sinalagmático, o direito de receção do preço
corresponde ao dever do dono da obra de pagar o preço.

A jurisprudência defende que o pagamento do preço do crédito do empreiteiro não está sujeito
ao prazo de prescrição presuntiva de 2 anos, arguindo que o crédito do credor é essencial à sua
subsistência
O Prof. Pedro de Albuquerque discorda, afirmando que o art. 317º/e) CC apenas se afasta se
estivermos perante um credor comerciante ou industrial ou se o devedor for um comerciante ou
industrial.

3.2. Direito de retenção


Uma posição mais tradicional da doutrina rejeita ao empreiteiro o direito de retenção, uma vez
que o art. 754º CC apenas refere as “despesas” o que não se confunde com o “preço”.

A doutrina atual, onde se inclui o Prof. Pedro de Albuquerque, defende que o empreiteiro
poderá ter um direito de retenção, uma vez que o direito de retenção é uma forma de repor o
equilíbrio do sacrifício exercido pelo empreiteiro durante a execução da obra; e esse equilíbrio
apenas será reposto com o pagamento do preço.

Questiona-se se poderá haver direito de retenção sobre coisas de terceiro:


• Um setor da doutrina defende que sim, basta que o empreiteiro tenha um título legitimo
sobre a coisa retida, sendo este o entendimento do Prof. Pedro de Albuquerque
• A jurisprudência discorda, afirmando que só há direito de retenção contra o dono da
obra

Por fim, discute-se se poderá haver direito de retenção sobre coisas próprias:
• Prof. Romano Martinez – não é possível porque o direito de retenção pressupõe o seu
exercício contra coisa alheia
• Prof. Pedro de Albuquerque – aplica-se, por analogia, o regime da confusão do art,
871º/4 CC, pelo que nada obsta a que haja direito de retenção sobre coisas próprias

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4. Deveres do empreiteiro
4.1. Realização da obra
Segundo o art. 1208º CC, a obra deve ser executada sem vícios e em conformidade com o plano
convencionado e as regras de arte, enquanto corolário do principio da pontualidade.

Neste caso, as regras de arte atuam como um standard para determinar objetivamente as
diligências tomadas pelo empreiteiro.
O empreiteiro, na execução do contrato, não pode invocar a falta de conhecimento das regras
de arte, porque é seu dever conhecê-las e dominá-las.

É irrelevante se, na execução da obra, o empreiteiro não dispor de meios para executá-la,
porque ele está sujeito a uma obrigação de resultado, que deve ser cumprida no prazo
estipulado – caso contrário, o devedor entra em mora, nos termos do art. 805º/2 a) CC.

No caso de as partes não determinarem um prazo de realização da obra, a sua determinação não
fica na total disponibilidade do dono da obra mas fica sujeita a um prazo natural, nos termos do
art. 777º/2 CC, devendo este ser determinado pelo tribunal.

O empreiteiro goza de autonomia na execução da obra, o que o distingue do contrato de


trabalho ou da prestação de serviços atípica. Essa autonomia tem 3 vertentes:
• Autonomia de organização
• Autonomia de ritmo dos trabalhos
• Autonomia de divisão e organização dos trabalhos tendentes à conclusão da obra

4.2. Fornecimento de materiais e utensílios


Na ausência estipulação das partes, o empreiteiro deve fornecer os materiais e utensílios
necessários para a execução da obra (art. 1210º/1 CC).
A doutrina defende que se deve acrescentar ainda os caminhos de serventia, sendo este
também o entendimento do Prof. Pedro de Albuquerque.

Sem estipulação das partes, presume-se que os materiais deverão corresponder às


características da obra e não podem ser de qualidade inferior à média (art. 1210º/2 CC).
Se forem de qualidade inferior à média, considera-se que há cumprimento defeituoso,
independentemente de haver mais defeitos.
Mas se os materiais forem de qualidade superior à média, isso não poderá ser fundamento para
que o empreiteiro possa pedir um aumento do preço, se para tal não teve autorização.

O fornecimento dos materiais pode ser da conta do empreiteiro, sendo possível que se recuse a
iniciar ou prosseguir a obra se a entrega dos materiais não ocorrer.

4.3. Guarda e conservação da coisa


O empreiteiro tem o dever de guardar e conservar a coisa até ao momento de entrega da obra.
No caso de perda ou perecimento de coisa, presume-se a culpa do empreiteiro nos termos do
art. 799º CC.

12
Direito dos Contratos I

O empreiteiro não pode usar ou fruir da coisa objeto da empreitada durante a sua execução e
depois de estar terminada.
Quanto aos materiais, estes são de uso exclusivo da obra.

4.4. Entrega da coisa


No caso de não ter sido estipulado prazo para o cumprimento, a doutrina discute quando ocorre
o vencimento da obrigação:
• Ocorre logo após a aceitação da obra – Prof. Pereira de Almeida
• Aplica-se o art. 777º/2 CC, uma vez que é uma obrigação natural – Prof. Romano
Martinez.
o O Prof. Pedro de Albuquerque discorda, dizendo que a entrega da obra não é uma
obrigação de prazo natural porque a realização da obra é que é
• Ocorre com a interpelação do dono da obra (art. 777º/1 CC) – Prof. Menezes Leitão e
Prof. Pedro de Albuquerque

Segundo o Prof. Pedro de Albuquerque, o art. 1228º CC, relativo ao risco da coisa, não pode
afastar as soluções do art. 807º/1 CC, nomeadamente quanto à inversão do risco em caso de
mora do empreiteiro.
Para o Prof., não há contrariedade entre estes artigos porque:
• O art. 1228º/2 CC aplica-se no caso de mora do dono da obra, o que não acontece
• O art. 1228º/1 CC não pode avantajar o devedor em falta, fazendo recair no proprietário
o risco de perecimento da coisa

A aceitação da obra exige a interpelação para entrega da obra, sendo que essa interpelação está
sujeita ao principio da liberdade de forma do art.219º CC e pode ser realizada escrita ou
oralmente, nos termos gerais do art. 217º CC. Se não houver essa interpelação de entrega
imediata da coisa, então o empreiteiro entra em mora.
Se, pelo contrário, o empreiteiro interpelar o dono da obra, mas este recusar, então há mora do
dono da obra, o que traduz a inversão do risco, nos termos do art. 815º CC.

Quanto ao lugar do cumprimento:


• Se estivermos perante uma obrigação de entrega de coisa móvel, esta deverá ser
cumprida no domicilio do credor, nos termos do art. 772º/1 CC
• Se for uma obrigação de entrega de coisa imóvel, deverá ser cumprida no sítio onde se
encontra o imóvel

4.5. Deveres acessórios


O empreiteiro está sujeito ao dever acessório de informação, devendo fornecer as informações
necessárias ao dono da obra para que este exerça os seus direitos relativamente à obra da forma
mais eficaz, nomeadamente o poder de fiscalização.

Segundo a doutrina, o principio da boa-fé exige também que o empreiteiro utilize os seus
conhecimentos técnicos para avisar o dono da obra de eventuais problemas existentes na obra

13
Direito dos Contratos I

ou para aconselhar a forma de executar a obra da melhor forma, conforme ao projeto


convencionado e às regras de arte.

Na altura de entrega da obra, o empreiteiro deve dar as informações necessárias acerca do


funcionamento da mesma, através de manuais de instruções, caderneta do imóvel, certificados
energéticos; nos termos gerais do art. 882º/2 CC.

5. Transferência da propriedade da obra


Segundo o art. 408º/2 CC, o contrato de empreitada tem eficácia real, contrariamente à regra
das obrigações.

O regime é tratado especialmente no art. 1212º CC que, segundo o Prof. Pedro de Albuquerque,
é um regime supletivo, pelo que pode ser afastado pelas partes.
Apesar de o art. 1212º apenas mencionar as empreitadas de construção, isso não significa que
haja problemas de transferência da propriedade nas empreitadas de reparação ou modificação –
nestes casos, apenas há problemas quanto à transferência dos materiais utilizados na obra.

5.1. Empreitada de construção de coisa móvel


Se a maior parte dos materiais utilizados na obra pertencerem ao empreiteiro, a transferência da
propriedade ocorre com a aceitação da obra pelo dono da obra, nos termos do art. 1212º/1 1ª
parte CC .
Isto indica também que se transfere o risco de perecimento ou deterioração fortuitos da coisa
para o dono da obra, agora proprietário.

Se os materiais forem do dono da obra, ele não perde a propriedade sobre os mesmos,
adquirindo-os no momento da conclusão da obra, nos termos do art. 1212º/2 2ª parte CC.

5.2. Empreitada de construção de coisa imóvel


Se o solo ou superfície pertencerem ao dono da obra, é ele o proprietário da coisa, mesmo que
os materiais sejam fornecidos apenas pelo empreiteiro. A propriedade dos mesmos transmite-se
à medida que são incorporados no solo, nos termos do art. 1212º/2 CC.

No caso de o solo ou a superfície pertencerem ao empreiteiro:


• Um setor da doutrina, onde se insere ML, afirmou a existência de uma lacuna.
• Para PA, trata-se de um contrato misto, onde existem duas obrigações:
1. obrigação de realizar a obra
2. promessa de venda do imóvel onde a obra se vai realizar
• RM afirma que o ato gerador da transmissão da propriedade é a aceitação da obra, se
preencher os requisitos para os contratos de transmissão de direitos sobre imóveis do
art. 913º e ss. e 1225º CC
• PA afirma que é a existência de um contrato translativo da propriedade do solo

14
Direito dos Contratos I

Neste caso, segundo PA, a transferência da propriedade ocorre com a transferência da


propriedade do solo para o dono da obra; antes disso, a obra é propriedade do empreiteiro,
mesmo que a maior parte dos materiais utilizados tenham sido fornecidos pelo dono da obra.

Segundo ML, a transmissão da propriedade do solo poderá ocorrer antes, durante ou depois da
conclusão da obra:
• Se ocorrer antes da conclusão, a propriedade pertence ao dono da obra desde o inicio,
nos termos do art. 1212º/2 CC
• Se ocorrer durante, transmite-se a propriedade com o contrato de compra e venda,
sendo o resto adquirido á medida que vai sendo incorporado no solo, nos termos do art.
1212º/2 CC
• Se ocorrer depois, a propriedade é transferida apenas com o contrato translativo

6. Risco de deterioração ou perecimento da coisa


O regime está tratado no art. 1228º/1 CC, devendo ser articulado com o regime da transferência
da propriedade da empreitada.
Segundo este artigo, o risco de deterioração ou perecimento fortuito da obra corre por quem é o
seu proprietário naquele momento.

Se o risco de perecimento incidir sobre os materiais utilizados na obra mas que ainda não foram
incorporados, então aplica-se o regime geral do art. 796º CC, sendo que o risco corre por conta
do empreiteiro.
Mas se os materiais pertenciam ao dono da obra, o risco corre por conta dele, sendo que deverá
fornecer novos materiais, sem mais custos para o empreiteiro.

O art. 1228º/2 CC faz recair o risco sobre o dono da obra, no caso de este estar em mora na
altura da verificação, por haver falta de colaboração na verificação ou aceitação da obra – casos
em que a propriedade do solo pertence ao empreiteiro ou em que os materiais são fornecidos
no todo ou na maior parte pelo empreiteiro e que, portanto, o dono da obra ainda não é
proprietário.

Segundo o art. 1228º CC, o empreiteiro tem ainda um dever de custódia sobre as coisas que tem
de guardar.
Neste caso, o empreiteiro é responsável pela deterioração ou perecimento da coisa, podendo-se
excluir a responsabilidade se ilidir a presunção de culpa do art. 799º/1 CC e provar que atuou
com as diligências necessárias e mesmo assim a coisa se ter deteriorado ou perecido.

15
Direito dos Contratos I

IV. Subempreitada
Segundo o art. 1213º CC, a subempreitada corresponde a um contrato em que o terceiro se
obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este está vinculado, ou só parte dela.

Atualmente tem-se verificado uma difusão da subempreitada pelas seguintes razões:


• O empreiteiro não tem todas as valências que lhe permitam realizar a obra da melhor
forma possível, sendo necessário recorrer a profissionais com especialização técnica
• Regime mais favorável para o empreiteiro, que consegue controlar melhor a utilização
dos seus meios e responsabilizar os subempreiteiro por determinadas partes da obra

1. Regime
Segundo o art. 1213º/1 CC, o empreiteiro fica numa posição de dono da obra em relação ao
subempreiteiro.
O contrato de subempreitada tem uma relação de dependência relativamente ao contrato de
empreitada, apesar de corresponderem a vínculos contratuais diferentes.

Aplica-se o regime da empreitada, salvo nos termos cuja teleologia seja a proteção de um dono
da obra leigo perante um empreiteiro experiente, como no caso do art. 1214º/3 CC.

O art. 1213º/2 CC remete para o art. 264º CC, pelo que se pode concluir que o empreiteiro se
pode fazer substituir por outro na execução da obra, do mesmo modo que um procurador:
• Se houver aceitação do dono da obra
• Se o contrato entre o dono da obra e o empreiteiro o permitir
• Se tal for necessário para garantir a execução do contrato

Para PA, do art. 264º CC resulta uma distinção entre subempreiteiros:


• Substitutos (art. 264º/1 CC) – tomam a posição do empreiteiro na execução obrigação
principal, nos mesmos termos que o empreiteiro, com autonomia e liberdade de meios.
Neste caso, apenas são admitidos mediante autorização do representado, se tal resultar
da procuração ou da relação contratual
• Auxiliares (art. 264º/4 CC) – meros auxiliares de apoio através da execução das
obrigações assumidas perante o empreiteiro. Não são admitidos auxiliares, salvo se tal
resultar da natureza do ato a praticar

A doutrina, bem como a jurisprudência, têm admitido uma habilitação tácita, na falta de
consentimento expresso do dono da obra. Esta existe mesmo que tal não resulte do contrato,
exceto se se verificar a infungibilidade da prestação do empreiteiro.

No caso de o empreiteiro contratar com subempreiteiros, contrariamente ao disposto no


contrato:
• Um setor doutrinário defende que é fundamento de nulidade do contrato de
subempreitada, que apenas pode ser invocada pelo dono da obra

16
Direito dos Contratos I

• PA defende que é um caso de incumprimento do contrato, gerador de responsabilidade


contratual e de inoponibilidade do contrato de subempreitada. Deste modo, o dono da
obra pode impedir a execução da subempreitada e até contratar outro subempreiteiro
por ele autorizado

A subempreitada não exonera o empreiteiro das obrigações a que ele está vinculado perante o
dono da obra, continuando a responder pelos defeitos da obra, mesmo que sejam da
responsabilidade exclusiva do subempreiteiro, nos termos do art. 800º/1 CC.

Nos termos do art. 1226º CC, se o subempreiteiro for chamado a responder perante o dono da
obra, o empreiteiro tem direito de regresso face ao subempreiteiro.
Segundo a doutrina, se o empreiteiro aceitou a obra sem reservas, mas esta tinha defeitos que
depois foram comunicados ao dono da obra, o empreiteiro já não tem direito de regresso em
relação ao subempreiteiro.

Questiona-se se, nos casos de subempreitada, deve ser aplicado o regime de caducidade na
comunicação dos defeitos ao dono da obra do art 1226º CC. Como estamos perante um
subcontrato, este deve ser regulado pelo regime base, neste caso, o da empreitada; pelo que se
aplica esta regra.
No entanto, PA defende que não se deve considerar o termo inicial o momento da entrega da
obra da subempreitada ao empreiteiro, mas o momento da entrega da obra ao dono da obra.

O empreiteiro não pode basear a falta de pagamento ao subempreiteiro no facto de o dono da


obra não lhe ter pago, uma vez que a empreitada e a subempreitada são contratos autónomos;
EXCETO se as partes estipularem uma cláusula “pay when paid”.

1.1 Relações entre o dono da obra e o subempreiteiro


Do art. 1226º CC retira-se a ideia de que, entre o dono da obra e o subempreiteiro, há a
interposição do empreiteiro, p.e., no caso de existirem defeitos na obra, o empreiteiro responde
perante o dono da obra, tendo um direito de regresso em relação ao subempreiteiro.
Por outro lado, vigora a regra de que o contrato tem eficácia entre as partes, nos termos do art.
406º/2 CC, sendo que o contrato apenas produz efeitos entre as partes.
 PA admite que entre o dono da obra e o subempreiteiro existem direitos decorrentes de
uma ação sub-rogatória, nos termos do art. 606º e ss. CC

Para provar a existência de uma relação entre o dono da obra e o subempreiteiro, é necessário:
1. Saber se o dono da obra pode exigir ao subempreiteiro a reparação dos defeitos da obra
2. Verificar se o subempreiteiro tem direito de exigir o pagamento da subempreitada ao
dono da obra, por não ter sido ainda paga pelo empreiteiro

1. O dono da obra pode exigir ao subempreiteiro a reparação dos defeitos da obra?


Segundo o Prof. Romano Martinez, os dois contratos têm o mesmo fim, existindo uma
aglutinação de fins, que é o de satisfazer o crédito do dono da obra. Deste modo, deve-se
considerar a possibilidade de o dono da obra ter uma ação direta no contrato de subempreitada,

17
Direito dos Contratos I

o que não significa que o dono da obra atue da mesma forma que atuaria em relação ao
empreiteiro, mas que haja, pelo menos, uma paridade de tratamento.

O Prof. Menezes Leitão discorda, defendendo que, segundo o art. 1226º CC, apenas pode haver
uma relação entre o dono da obra e o empreiteiro, pelo principio da relatividade dos efeitos.
Só poderá haver essa relação no caso excecional do art. 1225º CC, porque, se o dono da obra é
responsável perante terceiro, então o subempreiteiro também poderá ser responsável perante o
dono da obra, que é um terceiro na relação contratual – o art. 1225º CC é uma exceção ao
principio da relatividade dos efeitos.

Para o Prof. Pedro de Albuquerque defende que, como o contrato visa um único objetivo – o de
satisfazer o crédito do dono da obra – nada obsta a que o dono da obra exerça o seu direito em
relação ao subempreiteiro.
O art. 1226º CC apenas se aplica nas relações entre o subempreiteiro e o dono da obra, se o
dono da obra tiver agido junto do empreiteiro.

2. O subempreiteiro pode demandar o dono da obra para o pagamento do preço?


Segundo Pinto Monteiro, apesar de o dono da obra não ser o devedor e de o subempreiteiro ser
apenas responsável perante o empreiteiro, pode haver uma ação direta do subempreiteiro em
relação ao dono da obra por motivos de justiça material.

Abrantes Geraldes aceita a ação direta, apenas se se provar que existem aspetos de ordem
subjetiva considerados relevantes, não bastando a prova de um direito contra o empreiteiro.

Cunha Barbosa defende a possibilidade de haver ação direta, se ambas as prestações estiverem
vencidas e se houver incumprimento por parte dos respetivos devedores, ou seja, que o dono da
obra não tenha pago ao empreiteiro, e que o empreiteiro não tenha pago ao subempreiteiro.

O Prof. Pedro de Albuquerque não concorda com a opção da ação direta porque a prestação do
subempreiteiro ao empreiteiro não interessa ao dono da obra, uma vez que ele não está
obrigado a satisfazer a prestação do empreiteiro e não foi ele que estabeleceu essa relação com
o subempreiteiro.
No entanto, não descarta essa hipótese, por razões de equilíbrio entre as partes e pelo facto de
o dono da obra beneficiar diretamente do trabalho do empreiteiro, ou seja, de a sua prestação
estar dependente da prestação do empreiteiro.

18
Direito dos Contratos I

V. Vicissitudes do objeto da empreitada


1. Alterações ao plano convencionado
Encontram-se previstas nos arts. 1214 a 1217º CC:
 Alterações em sentido estrito (art. 1214º-1216º CC) VS obras com autonomia em relação
ao plano inicial (art. 1217º CC)
 Alterações com iniciativa do empreiteiro (art. 1214º CC) VS alterações com iniciativa do
dono da obra (art. 1216º CC)
 Alterações necessárias (art. 1215º CC)

No caso de estarmos perante um projeto de autor, que não o empreiteiro ou o dono da obra,
esse projeto não pode ser alterado sem o consentimento do autor, nos termos do art. 5º Código
de Direitos de Autor; caso contrário, o autor pode valer-se dos meios adequados de tutela dos
direitos de propriedade industrial.

1.1. Alterações da iniciativa do empreiteiro


Regra geral, o empreiteiro não pode introduzir alterações ao projeto sem o consentimento do
dono da obra, nos termos do art. 1214º/1 CC. Neste caso, deve propor ao dono da obra essas
alterações.

Sem o consentimento do dono da obra, se mesmo assim o empreiteiro fizer essas alterações, há
cumprimento defeituoso. Mesmo assim, o dono da obra pode aceitar a obra sem reservas, sem
que isso implique o aumento do preço (art. 1214º/2 CC).

PA defende que o art. 1214º/2 CC deve ser interpretado restritivamente: no caso de as


alterações implicarem uma valorização objetiva sem desvalorização subjetiva, ou seja, sem que
os interesses do dono da obra sejam prejudicados, o dono da obra não pode exigir a substituição
das coisas alteradas que valorizaram a obra, por outras de valor médio.

Se estivermos perante uma empreitada de preço global, se a autorização do dono da obra não
tiver a forma escrita nem indicar o aumento do preço, então este tem direito ao enriquecimento
sem causa, nos termos do art. 1214º/3 CC.
Mas se as partes convencionarem a diminuição do preço, PA afirma que não é necessário que
haja consentimento por escrito com indicação da diminuição do preço, uma vez que o que o nº3
pretende é proteger o dono da obra do aumento do preço globalmente fixado.

1.2. Alterações necessárias


Podem ocorrer por exigência das regras de arte ou do projeto convencionado, ou seja, por
fatores externos ao contrato (art. 1215º CC) – ex. se existirem problemas no solo que exijam a
alteração do projeto ou se as regras urbanísticas não permitirem a execução do projeto da
maneira inicialmente convencionada
 Ao contrário das alterações do art. 1214º CC, as alterações necessárias não resultam da
livre iniciativa das partes

19
Direito dos Contratos I

Se existirem problemas, p.e., no solo, o empreiteiro é obrigado a comunicar esses problemas a


dono da obra; caso contrário, o empreiteiro é responsabilizado.

Quando as partes convencionam as alterações, também deverão convencionar a alteração do


preço e do prazo inicialmente estabelecido. Se estes aspetos não forem definidos, sê-lo-ão pelo
tribunal, nos termos do art. 1215º/1 CC.

Segundo o art. 1215º/2 CC, se o preço aumentar em mais de 20% do preço inicialmente
estabelecido, o empreiteiro pode denunciar o contrato e pedir uma indemnização equitativa,
tendo em conta o trabalho já realizado e as despesas – principio da proibição do enriquecimento
sem causa.
 Menezes Leitão e Vaz Serra acrescentam que se deve ter em conta a utilidade
proporcionada pela obra

No caso de o empreiteiro não ter o consentimento do dono da obra e, mesmo assim, proceder
às alterações necessárias, qual a consequência?
 Pires de Lima e Antunes Varela – aplica-se o regime do art. 1215º/2 e 3 CC, segundo o
qual o tribunal deve determinar em que medida serão feitas as alterações, bem como o
preço e o prazo, no caso de as partes em nada concordarem
o PA discorda, afirmando que não estamos perante alterações voluntárias, mas de
alterações necessárias
 Outro setor da doutrina – o empreiteiro pode, sem o consentimento do dono da obra,
executar essas alterações, mas continua a ter proteção jurídica do art. 1215º CC
 Tese intermédia – o empreiteiro tem um dever de informar previamente o dono da obra
das alterações, mas não haverá nenhuma sanção se não o fizer
o PA afirma que, neste caso, o dono da obra pode prescindir da execução da
empreitada, nos termos do art. 1229º CC, por deixar de ter interesse na execução
da mesma

Pedro de Albuquerque afirma que, do art. 1215º CC, resulta a existência de um dever do
empreiteiro de acordar com o dono da obra a realização das alterações, o que significa que não
pode haver a mesma tutela para o caso de ter ou não consentimento do dono da obra.
Deste modo, a solução será a seguinte:
 Se o empreiteiro executou as alterações necessárias sem avisar o dono da obra, então
este deverá ser ressarcido do preço das alterações por inteiro; mas se o dono da obra
aceitar a obra sem reservas, não há sanção para o empreiteiro, porque dá o seu acordo
tácito
 Se as alterações necessárias não corresponderem ao acordado entre as partes, o dono da
obra tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos, por ser uma obra defeituosa, nos
termos do art. 1214º/1 CC.
o Se a eliminação dos defeitos não for possível, deve haver ressarcimento do
enriquecimento sem causa

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Direito dos Contratos I

1.3. Alterações exigidas pelo dono da obra


Este regime é uma exceção ao art. 406º CC, uma vez que o dono da obra pode impor alterações
ao projeto, sem o consentimento do empreiteiro.
A notificação ao empreiteiro está sujeita ao principio da liberdade de forma do art. 219º CC.

No entanto, este direito tem alguns limites, que podem ser, nos termos do art. 1216º CC:
 Qualitativos – as alterações não podem alterar a natureza da obra; caso contrário, aplica-
se o art. 1217º CC
 Quantitativos – as alterações não podem exceder a quinta parte do preço estipulado; o
valor das alterações é o valor da contraprestação a pagar ao empreiteiro
o Se as partes não determinarem o preço global no inicio do contrato, deve-se ter
em conta o valor estimado pela multiplicação dos valores unitários
o Se não houver acordo entre as partes, o preço das alterações é estipulado pelo
tribunal

Nos termos do art. 1216º/1 CC, o empreiteiro tem direito ao aumento do preço determinado
pelos novos trabalhos e do prazo, uma vez que o que se pretende é o reequilíbrio entre as
partes.
A doutrina discute se o empreiteiro pode renunciar antecipadamente, através de uma cláusula
contratual, o direito a receber a compensação pelas alterações: Pedro de Albuquerque defende
que estamos perante remissão de dividas futuras, pelo que se aplica, por analogia, o regime das
doações de bens futuros do art. 863º/2 CC.

Segundo o art. 1216º/2 CC, os trabalhos necessários implicam um aumento do esforço do


empreiteiro.
Mas se estivermos perante um caso de “trabalhos a menos”? O empreiteiro recebe o preço
acordado, com dedução do que possa ter comprado ou do montante poupado (art. 1216º/3 CC).
 Pedro de Albuquerque defende que o trabalho a menos deve ser compensado com
trabalho a mais, desde que não ultrapasse um quinto de preço determinado.

1.4. Trabalhos extracontratuais


O art. 1217º CC distingue entre as alterações posteriores à entrega e as obras novas – trabalhos
suscetíveis de serem objeto de uma obra independente
 Segundo Rubino, as obras novas são aquelas que, mesmo que tenham uma relação com
a obra contratada, não são necessárias para a sua realização nem fazem parte dela

Segundo o art. 1217º CC, não se aplicam os arts. 1214º a 1216º CC aos trabalhos que tenham
autonomia em relação ao contrato. Desta forma, se o empreiteiro executar as alterações sem a
autorização do dono da obra, este pode exigir a eliminação do defeitos e uma indemnização pelo
prejuízo.

E se o dono da obra aceitar a obra com as alterações, também deve haver compensação ao
empreiteiro, no entendimento de PA, que será calculada segundo as regras do enriquecimento
sem causa.

21
Direito dos Contratos I

Se for o dono da obra a requerer as alterações posteriores à entrega ou obras novas, o


empreiteiro não é obrigado a executá-las, mas pode fazê-lo, desde que sejam fixadas as
condições, nos termos do art. 406º CC.

VI. Vicissitudes e patologias da empreitada


1. Responsabilidade do empreiteiro
Aplica-se o regime geral da responsabilidade contratual, se os seus pressupostos estiverem
preenchidos.
Também se presume a culpa do empreiteiro por defeitos na obra, nos termos do art. 799º CC,
que poderá ser ilidida.

Se existirem vícios de Direito na prestação do empreiteiro, então deve-se aplicar o art. 939º CC,
segundo o qual se aplica o regime da compra e venda a contratos em que se transfiram direitos
sobre bens imóveis.

Os danos causados a meros terceiros inserem-se no regime da responsabilidade delitual; no caso


de serem causados danos na esfera do dono da obra:
 Prof. Pedro Romano Martinez afirma que se deve fazer uma distinção entre danos circa
rem – danos que incidam sobre o objeto da prestação – e danos extra rem – danos que
têm autonomia em relação ao objeto da prestação
o Aos danos extra rem aplica-se o regime da responsabilidade delitual e aos danos
circa rem aplica-se o regime do cumprimento defeituoso
 Prof. Pedro de Albuquerque afirma que o problema dos danos não pode ser
autonomizado dos deveres de proteção e segurança e que não se pode incluir a violação
destes deveres na aplicação da responsabilidade aquiliana.

1.1. Irresponsabilidade do empreiteiro


Apesar de se presumir a responsabilidade do empreiteiro, nos termos do art. 799º CC, a
presunção poderá ser afastada se o empreiteiro provar que o vicio foi devido a causa estranha a
este e que essa causa não lhe era imputável.

Nos termos do art. 1219º CC, o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra se o dono da
obra tiver aceite a mesma sem reservas.
Acrescenta ainda o nº2 que se presumem conhecidos os defeitos aparentes, mesmo que não
tenha havido verificação da obra, sendo esta presunção ilidível nos termos do art. 350º/2 CC.
 Caso de irresponsabilidade do empreiteiro pelos defeitos conhecidos pelo dono da obra

Nota: defeito aparente é um defeito que seja facilmente descoberto por uma pessoa de comum
diligência. Mas se a verificação for feita por um perito, é um defeito aparente aquele que é
descoberto por um perito de conhecimentos comuns.

22
Direito dos Contratos I

Outra situação e irresponsabilidade do empreiteiro é a existência de defeitos nos materiais


fornecidos pelo dono da obra, e que provocaram defeitos na obra, sem que isso fosse detetado
pelo empreiteiro.
O mesmo acontece no caso de o solo pertencer ao dono da obra e de o empreiteiro ter atuado
segundo as diligências necessárias e, mesmo assim, não tenha sido possível detetar a existência
desses defeitos. Mas também há irresponsabilização se, mesmo tendo sido detetado o defeito, o
dono da obra insistiu na execução da obra.

No caso de haver uma intempérie, p.e., um terremoto ou um incêndio, deve-se ter em conta as
regras do risco.

1.2. Modificação convencional da responsabilidade


O regime da responsabilidade da empreitada pode ser alterado convencionalmente pelas partes
por meio de cláusulas contratuais; desta forma, aplica-se o regime do art. 809º e ss. CC.

Relativamente à possibilidade de redução convencional dos prazos de caducidade dos direitos


do dono da obra do art. 1224º CC, especialmente em relação aos imóveis destinados a longa
duração (art. 1225º CC):
 Um setor da doutrina defende que o prazo convencionado é supletivo, podendo ser
reduzido ou alargado pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada
 Outro setor defende que a redução do prazo é possível, desde que não comprometa a
possibilidade de o dono da obra exercer os seus direitos nem viole o art. 809º CC
 PdA defende que o prazo de 5 anos é um supletivo mínimo, que apenas pode ser
alargado, uma vez que, se o regime de transferência da propriedade para o terceiro
adquirente é imperativo, também o do prazo o é

2. Responsabilidade por defeitos


Um defeito corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a prestação
efetuada, e mesmo em relação à redução do seu valor inicial.
Dentro deste conceito, poderemos ter:
 Vícios – desconformidade com as regras de arte
 Desconformidades – desconformidade com o plano convencionado, relativamente ao
projeto ou aos materiais

Nos termos do art. 1219º e ss. CC, o empreiteiro responde pelos defeitos na obra, mesmo
durante a sua execução, que devem ser provados pelo dono da obra nos termos do art. 342º/1
CC.

2.1. Irresponsabilidade do empreiteiro


Segundo o art. 1219º CC, a aceitação da obrassem reservas pelo dono da obra que conhece os
defeitos afasta a responsabilidade do empreiteiro.
 São conhecidos os defeitos percebidos pelo dono da obra pelo, quer sejam aparentes ou
ocultos, através do critério do homem médio

23
Direito dos Contratos I

o Mas se os defeitos apenas forem percebidos através de conhecimentos técnicos,


então são considerados defeitos ocultos
 O desconhecimento com culpa equivale ao conhecimento

2.2. Denúncia dos defeitos


Os defeitos devem ser denunciados pelo dono da obra, num prazo de 30 dias a partir do seu
conhecimento (art. 1220º CC).
A confissão do defeito (depois da aceitação da obra)pelo empreiteiro corresponde à sua
denúncia (art. 1220º/2 CC).

Se o empreiteiro ocultou os defeitos através de dolo ou manter o dono da obra em erro, aplica-
se e regime da compra e venda do art. 916º/1 CC, segundo o qual não há ónus de denunciar o
defeito.
 Pda defende que o dono da obra pode exercer os seus direitos sem limite de prazo, uma
vez que não se pretende beneficiar o doloso

A denúncia está sujeita ao princípio da liberdade de forma do art. 217º CC.

2.3. Recusa da obra


Segundo o art. 1224º CC, o dono da obra pode recusar-se a receber a obra por não estar
conforme ao projeto inicial, uma vez que só há dever de aceitar a obra se esta conforme ao
projeto e não tiver vícios.

Por outro lado, a recusa de aceitação da obra implica que não haja transferência da propriedade
para o dono da obra, nos termos do art. 1212º CC, e o risco de perecimento ou perda fortuita da
coisa recai sobre o empreiteiro (art. 1228º CC).
 A falta de aceitação da obra pelo seu dono não faz com que haja mora, porque é uma
situação justificada

2.4. O direito de eliminação dos defeitos


No caso de existir cumprimento defeituoso, o dono da obra tem direito à eliminação dos
defeitos, através da sua reparação.

Apesar de não se exigir um prazo específico para a eliminação dos defeitos, o Prof. Pedro de
Albuquerque considera que o dono da obra tem o ónus de fixar um prazo razoável para a
eliminação dos mesmo que, se for ultrapassado, faz incorrer o empreiteiro em mora.

Segundo o Prof. Menezes Leitão, é possível admitir que, nos termos do art. 336º CC, se o dono
da obra tiver alguma urgência na reparação e se provar que o empreiteiro não tenha intenção de
proceder a essa reparação, que faça o próprio dono da obra essas alterações, com direito de
reembolso do empreiteiro.
Nos termos do art. 1221º/2 CC, se o preço da reparação for manifestamente superior ao
proveito, cessa o direito de eliminação dos defeitos.

24
Direito dos Contratos I

Se o empreiteiro se recusar a reparar os defeitos, o dono da obra pode requerer que, se se tratar
de uma prestação fungível, que a reparação seja feita por outra pessoa, à custa do empreiteiro,
nos termos do art. 828º CC. Mas se se tratar de um prestação infungível, o dono da obra pode
exigir uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A CC.

O Prof. Pedro de Albuquerque defende que o dono da obra pode exigir do empreiteiro a
eliminação dos defeitos existentes durante a execução da norma, uma vez que os defeitos têm
que ser eliminados de qualquer forma, portanto, deve fazê-lo sob pena de ser responsabilizado –
a aceitação da obra conduz à irresponsabilidade do empreiteiro.

2.5. O direito de exigir nova construção


Se não for possível proceder à eliminação dos defeitos, o dono da obra pode exigir uma nova
construção, nos termos do art. 1222º/1 CC – consequência da impossibilidade de eliminação dos
defeitos, que deve ser avaliada objetivamente.

O direito de exigir nova construção não cessa consoante tenha havido ou não aceitação sem
reservas, porque o único efeito disto é a irresponsabilidade do empreiteiro por defeitos
aparentes que existam na obra, pelo que nada obsta a que o dono da obra peça a
responsabilização pelos defeitos ocultos.
 A aceitação sem reserva não pode ser vista como renúncia do dono da obra ao direito de
exigir a eliminação dos defeitos ou a construção de nova obra.

Este direito pode ser excluído nos mesmos termos do direito à reparação dos defeitos, se as
despesas forem superiores ao beneficio que se retire da reparação dos mesmos (art. 1221º/2
CC).

2.6. O direito de redução do preço


Segundo o art. 1222º/1 CC, se não for possível proceder à eliminação dos defeitos nem exigir
nova construção, o dono da obra tem o direito de exigir a redução do preço, que será feita nos
termos do art. 884º CC.

A redução do preço não visa a compensação do dono da obra pelos danos causados, mas a
estabelecer um equilíbrio económico entre o preço pago na empreitada e o valor da obra
realizada.

Segundo o Prof. Cura Mariano, deve ser apicado um critério objetivo; o Prof. Pedro de
Albuquerque afirma que se deve determinar a diferença entre o preço e o valor real da obra
sem defeitos

2.7. O direito de resolução do contrato


Segundo o art. 1222º/1 CC, o dono da obra pode ainda requerer a resolução do contrato, se os
defeitos alterarem a natureza da obra ou não permitirem a realização do seu fim normal.

25
Direito dos Contratos I

Se essa inadequação apenas tiver ligada a uma parte da obra, apenas se procede à resolução se
essa for uma parte de particular importância, caso contrário, deve-se proceder à reparação dos
defeitos ou à redução do preço.

Como a resolução tem efeitos retroativos:


 O dono da obra deixa de ter a obrigação de pagar o preço da empreitada
 Se os materiais da obra foram fornecidos pelo dono da obra, esta passa a ser da sua
propriedade, independentemente de ter havido ou não aceitação
 Se os materiais de empreitada móvel forem fornecidos pelo dono da obra:
o Para um setor da doutrina, a propriedade da obra transmite-se para o
empreiteiro, mas o dono da obra pode exigir a restituição dos materiais do
mesmo género ou o valor correspondente
o Para outro setor, a propriedade da coisa móvel não deixa de ser do dono da obra,
nem mesmo com a resolução do contrato. Todavia, o dono da obra pode requerer
ao empreiteiro a destruição da obra, a devolução dos materiais entregues ou, se
tal não for possível, requerer o valor correspondente aos mesmos
o Menezes Leitão defende que se aplica o art. 1336º CC
 Se se tratar de uma empreitada de coisas imóveis:
o Se o solo pertencer ao dono da obra, a propriedade é-lhe transferida,
independentemente de quem lhe forneceu os materiais. O dono da obra pode
exigir a demolição da obra a custo do empreiteiro ou então aceitar a obra, nos
termos do art. 1340º CC
o Se o solo pertencer ao empreiteiro, a propriedade não se transfere para o dono
da obra, mas este tem a faculdade de pedir a restituição dos materiais ou do seu
valor correspondente

2.8. O direito de indemnização


Segundo o art. 1223º CC, o exercício do direito de eliminação dos defeitos, de exigir nova
construção, de redução do preço ou de resolução do contrato não obsta a que haja direito a
indemnização.

Questiona-se se o dono da obra pode renunciar a estes direitos e, ao invés de os exercer, pode
requerer uma indemnização pelos danos resultantes do cumprimento defeituoso.
A maioria da doutrina (Prof. Menezes Leitão) e da jurisprudência defendem que o direito de
indemnização previsto no art. 1224º/1 CC é subsidiário e não pode ser exercido em relação a
danos insuscetíveis de serem reparados pelos meios do art. 1224º CC.

A medida da indemnização depende dos meios que foram executados:


 Se for possível proceder à reparação dos danos ou à construção de nova obra, a
indemnização irá abranger, por norma, os custos e despesas em que o dono da obra
tenha incorrido
 Mas se proceder à redução do preço, a indemnização não terá em conta a parte reduzida
 Se proceder à resolução do contrato, a indemnização apenas vai abranger o interesse
contratual negativo

26
Direito dos Contratos I

Segundo o art. 1224º/1 CC, os direitos do dono da obra devem ser exercidos num prazo de um
ano; passando esse prazo, os direitos caducam.

3. Empreitada de imóveis de longa duração


O art. 1225º CC estabelece um regime específico para a empreitada de imóveis destinados a
longa duração, segundo o qual, se ruir total ou parcialmente, o empreiteiro é responsável
perante o dono da obra ou terceiro adquirente.

Segundo o art. 1225º/2 CC, a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, e a
indemnização pedida no ano seguinte à denúncia, havendo um alargamento do prazo em
relação a art. 1224º CC.
Requisitos de aplicação do art. 1225º CC:
 A empreitada deve ter por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios
ou outros imóveis destinados a longa duração – ex. edifícios, pontes, túneis, etc.
 Deve-se verificar ruína total ou parcial da obra ou o surgimento de defeitos derivados de
vícios no solo ou da execução dos trabalhos
o Prof. Romano Martinez – o empreiteiro responde pelos vícios do solo ou da
construção de que se deveria ter apercebido
o Prof. Pereira de Almeida – o empreiteiro tem de se certificar que o solo tem as
condições necessárias para a execução da obra
o Prof. José Manuel Vilalonga e Prof. Menezes Leitão – há responsabilidade
objetiva, decorrente de uma garantia do dono da obra contra o empreiteiro;
deste modo, o empreiteiro não pode ilidir a sua responsabilidade pela ausência
de culpa
 No prazo de 5 anos ou dentro do prazo de garantia convencionado

3.1. Responsabilidade do empreiteiro relativamente ao terceiro adquirente


O art. 1225º CC tutela os interesses do terceiro que adquire o direto real de propriedade sobre o
imóvel edificado e o terceiro que tenha um direito de gozo sobre o mesmo.

O termo inicial do prazo de denúncia dos defeitos e da caducidade da ação ocorre com a entrega
da obra ao dono da obra. Como o terceiro adquirente não é parte do contrato de empreitada
não tem direito de redução do preço nem de resolução do contrato, mas pode exercer os
restantes direitos enunciados no art. 1224º CC.

3.2. Responsabilidade do construtor-vendedor em relação ao adquirente


Segundo o art. 1225º/4 CC, o construtor-vendedor responde nos mesmos termos que o
empreiteiro.

Para que se aplique este regime, é necessário que o construtor-vendedor tenha atuado
pessoalmente, e tenha construído, reparado ou modificado o imóvel em questão.

27
Direito dos Contratos I

O art. 1225º/4 CC aplica-se também nos casos de contrato-promessa de compra e venda, pelo
principio do paralelismo de regimes entre o contrato-promessa e o contrato prometido.

3.3. Natureza da responsabilidade por defeitos em imóveis de longa duração


Questiona-se se estamos perante uma responsabilidade objetiva ou subjetiva:
 Prof. Menezes Leitão – responsabilidade objetiva, uma vez que estamos perante uma
garantia legal que é suscetível de responsabilizar o empreiteiro, que não pode ilidir a
presunção de culpa, salvo se os defeitos se deverem a um facto exterior a ele
 Prof. Romano Martinez e Prof. Pedro de Albuquerque – responsabilidade subjetiva

Em relação ao dono da obra, há responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa do


empreiteiro, nos termos do art. 799º/1 CC.

Em relação a terceiros, o Prof. Pedro de Albuquerque defende que estamos num caso de
contrato com proteção de terceiros, uma vez que este se encontra protegido pelos deveres
acessórios da boa-fé.

4. Empreitada de consumo
O regime encontra-se previsto no DL 67/2003 de 4 de abril, que se aplica às relações de
consumo:
 Há relação de consumo quando o consumidor encomenda ao fornecedor do bem uma
obra destinada a um fim não profissional; o fornecedor do bem fá-lo no âmbito de uma
atividade económica que visa o lucro

Discute-se se o consumidor apenas pode ser uma pessoa singular, ou se pode abranger uma
pessoa coletiva:
 Um setor da doutrina defende o conceito restrito de consumidor
 PdA afirma que nada obsta a que haja extensão às pessoas coletivas às entidades sem
personalidade jurídica
 É necessário fazer uma apreciação objetiva das normas de Direito do consumo, de forma
a verificar se poderá haver extensão às pessoas coletivas

O DL 67/2003 tutela a posição do dono da obra consumidor de coisas móveis e imóveis, bem
como de empreitadas que não tenham por objeto coisas novas.

Na redação originária do DL, segundo o art. 1º/2 tutelavam-se as empreitadas de consumo a


fabricar ou produzir; o Prof. Cura Mariano, desta forma, exclui do DL as empreitadas de
reparação ou modificação. No entanto, esta ideia ficou sem fundamento, uma vez que a redação
atual abrange as empreitas de reparação e de modificação.

O regime da empreitada de bens de consumo deve ser articulado com o art. 1220º e ss. CC,
nomeadamente com o regime dos defeitos em imóveis de longa duração, que tem relevanic aem
3 situações:

28
Direito dos Contratos I

 Entre dono da obra profissional e empreiteiro profissional


 Entre dono da obra particular e empreiteiro particular
 Entre dono da obra profissional e empreiteiro particular – “relação de consumo
invertida”

4.1. O regime da desconformidade da obra com o contrato de empreitada de bens de consumo


A existência de defeitos na obra, por falta de conformidade com o projeto, equivale ao
incumprimento ou ao cumprimento defeituoso, nos termos do art. 2º/1 DL 67/2003.

No entanto, não há falta de conformidade se o dono da obra conhecia ou não podia ignorar a
falta de conformidade à data da entrega do objeto da empreitada, nos termos do art. 2º/3.
 O empreiteiro não é responsável pelos defeitos conhecidos ou aparentes, que se
presumem conhecidos pelo dono da obra
 A prova da falta de conformidade da obra é feita pelo consumidor

Relativamente aos defeitos aparentes, o Prof. Cura Mariano defende que deverá haver uma
diligência média de um leigo; o Prof. Pedro de Albuquerque discorda, uma vez que isso poderá
conduzir à proteção excessiva do consumidor.

O Prof. Romano Martinez defende que o DL afasta o art. 1218º CC, pelo que o consumidor não
tem um dever de verificar a obra. No entanto, o Prof. Pedro de Albuquerque afirma que não há
razão para afastar o art. 1218º CC, regime relativo a alguns efeitos, nomeadamente o da
transmissão da obra e da repartição do risco.

Verificada a falta de conformidade da obra, o consumidor tem direito:


 À reparação dos defeitos
 À substituição do bem
 À redução do preço
 À resolução do contrato
 À indemnização pelos danos causados ao consumidor
Aplica-se o regime geral do art. 1221º CC, relativo à subsidiariedade destas soluções e à sua
proporcionalidade.

Quanto à possibilidade de o consumidor receber uma indemnização ou compensação pela


utilização do bem não conforme, durante a sua reparação, o Prof. Pedro de Albuquerque afirma
que não existe, uma vez que contraria o escopo da norma do art. 4º/1 e 2, que dispõe que a
reposição da conformidade será feita sem custos para o empreiteiro.

O regime da responsabilidade pela desconformidade da obra é imperativo, nos termos do art.


10º, não podendo ser dispensada pelas partes. Esta é uma forma de reforçar a proteção do
consumidor.
Os pactos que excluam ou limitem a responsabilidade do empreiteiro são nulas, bem como as
cláusulas que limitem ou excluam os direitos do consumidor antes da denúncia dos defeitos.

29
Direito dos Contratos I

A nulidade apenas pode ser arguida pelo consumidor ou pelos seus representantes, podendo
optar pela nulidade do contrato ou pela sua redução, retirando-se as cláusulas contratuais.

VII. Extinção do contrato de empreitada


Extingue-se nos termos gerais dos contratos: impossibilidade de cumprimento, desistência do
dono da obra, caducidade do contrato por morte ou incapacidade do empreiteiro.

1. Impossibilidade de não imputável às partes


À impossibilidade de cumprimento aplica-se o regime do art. 790º CC, nos termos do qual a
impossibilidade deve ser objetiva, absoluta (não pode ser realizada pelo empreiteiro nem por
terceiro) e definitiva.
Esta impossibilidade pode ocorrer pela natureza das coisas, p.e., se o solo não for apto à
construção de um imóvel, ou decorrer de uma impossibilidade jurídica.

A impossibilidade tem de ser superveniente, nos termos do art. 1227º CC, que remete para o art.
790º : a impossibilidade de execução da obra determina a liberação do empreiteiro em relação à
obrigação de a realizar e a extinção da obrigação do dono da obra de pagar o preço.
 Se o dono da obra já tiver pago o preço, tem direito à sua restituição integral

No caso de a obra já se ter iniciado, o art. 1227º CC dispõe que o empreiteiro tem o direito de
ser remunerado no seu trabalho e despesas cometidas desde o início da execução da obra, e
ainda receber o enriquecimento sem causa do dono da obra.

Relativamente ao risco de deterioração ou perda da coisa, aplica-se o regime do art. 1228º CC,
segundo o qual o risco corre por conta do proprietário, que é determinado nos termos do art.
1212º CC.

Se o empreiteiro for o proprietário da coisa, mas o dono da obra estiver em mora quanto à
verificação ou aceitação da coisa, então o risco inverte para o dono da obra, nos termos do art.
1228º/2 CC.

2. Desistência do dono da obra


Esta situação encontra-se prevista no art. 1229º CC, segundo o qual o dono da obra pode desistir
a todo o tempo, mesmo que já se tenha iniciado a sua execução.

A desistência apenas produz efeitos para o futuro, pelo que os seus efeitos anteriores não são
retroativamente destruídos e o dono da obra mantém o seu direito à coisa realizada.

A desistência encontra-se sujeita ao principio da liberdade de forma do art. 219º CC, podendo
ainda ser expressa ou tácita nos termos gerais do art. 217º CC.

30
Direito dos Contratos I

Tanto a doutrina como a jurisprudência afastam a exigência de um pré-aviso razoável, por ser
um elemento dos contratos de duração indeterminada que uma parte pode dispor para exigir à
outra mais tempo para atuar em relação aos efeitos da cessação do contrato. O empreiteiro não
pode ter uma tutela excessiva, já que, com a desistência do contrato, este recebe uma
indemnização.

Relativamente à natureza da desistência, o Prof. Antunes Varela defende que estamos perante
uma forma de cessação do contrato de empreitada que não pode ser reconduzida a outro tipo
de cessação contratual, tendo em conta a tutela dos interesses do dono da obra.

Com a desistência, o empreiteiro tem o direito a uma indemnização, que abrange os gastos com
o trabalho e os materiais e o proveito retirado da execução da obra pelo empreiteiro –
indemnização pelo interesse contratual positivo.

3. Morte, incapacidade ou extinção


Segundo o art. 1230º/1 CC, as obrigações da empreitada são transmissíveis por sucessão por
morte, nos termos do art. 2024º CC – são transmissíveis porque são obrigações de prestação
fungível.
Neste caso, os herdeiros ficam obrigados nos mesmos termos que o empreiteiro.

Mas no caso de o dono da obra ter tido em conta especiais atributos ou talentos do empreiteiro,
ou seja, se a obrigação for infungível, então não há sucessão e o contrato extingue-se por
impossibilidade objetiva, ocorrendo a exoneração de ambas as prestações, nos termos do art.
1230º/2 CC.

Segundo o Prof. Vaz Serra, no caso de se verificar que os herdeiros não garantirem a boa
execução da obra, o dono da obra tem um direito de resolução do contrato por justa causa. Os
herdeiros, por seu lado, também têm um direito de denúncia do contrato.

Nos termos do art. 1227º CC, no caso de morte ou de extinção do empreiteiro, deve ser pago
aos sucessores do empreiteiro o preço relativo ao trabalho executado e às despesas efetuadas.

4. Insolvência
A insolvência do empreiteiro não conduz à caducidade do contrato, uma vez que o
administrador da insolvência pode optar pelo cumprimento ou denúncia do contrato, mediante
o interesse da massa insolvente (art. 102º/1 CIRE).

Até que o administrador decida, suspende-se o contrato, nos termos do art. 102º/1 CIRE. Se for
fixado um prazo para dar resposta e o administrador não o fizer dentro do mesmo, considera-se
que decidiu pelo não cumprimento.

31
Direito dos Contratos I

Se o dono da obra se tornar insolvente, o empreiteiro pode denunciar o contrato, nos termos do
art. 111º CIRE.

Parte II – Contrato de compra e venda


I. Noções e aspetos gerais
O contrato de compra e venda encontra-se previsto nos art. 874º a 939º CC, bem como nos art.
463º a 476º CCom.

Segundo o art. 874º CC, o contrato de compra e venda corresponde à transmissão de coisas ou
direitos mediante o pagamento de um preço.
 Caso contrário, o contrato é considerado doação (art. 940º CC)
 Mas se a quantia não for pecuniária, o contrato é considerado uma troca

A assunção de dívidas não é uma compra e venda, uma vez que se transmitem obrigações, e não
direitos.
A posse, segundo o Prof. Menezes Leitão, não corresponde a uma compra e venda, uma vez que
não se trata de um direito subjetivo

1. Características do contrato de compra e venda:


 Contrato nominado e típico
 Contrato não formal, estando normalmente sujeito ao principio da liberdade de forma do
art. 219º CC; SALVO certos casos, como o contrato de compra e venda de imóveis (art.
875º CC)
 Contrato consensual, sujeito a uma obrigação de entrega (art. 879º/b) CC)
o Questiona-se se as partes podem estipular o contrato como real quoad
constitutionem: a doutrina italiana defende que sim, porque se as partes podem
determinar uma forma não convencionada para o contrato, então também
podem determinar que o contrato é celebrado com a tradição da coisa.
o O Prof. Menezes Leitão discorda, havendo apenas a possibilidade de se impor o
pagamento do preço antes da entrega da coisa
 Contrato obrigacional, uma vez que constitui 2 obrigações: a de entregar a coisa e a de
pagar o preço
 Contrato real quoad effectum, uma vez que ocorre transmissão de direitos reais
 Contrato oneroso
 Contrato sinalagmático, pelo que as obrigações encontram-se dependentes uma da outra
 Contrato (normalmente) comutativo, uma vez que ambas as prestações são certas
quanto à sua existência e conteúdo
o Poderão haver casos em que o contrato seja aleatório, p.e., no caso de venda de
bens futuros
 Contrato de execução instantânea

32
Direito dos Contratos I

2. Forma do contrato de compra e venda


O contrato de compra e venda encontra-se sujeito ao principio da liberdade de forma do art.
219º CC, não sendo prevista uma forma especial.
 Exceto nos contratos de compra e venda de bens imóveis (875º CC), que exige a escritura
pública ou documento particular autenticado
 Mas há casos em que a compra e venda de bens imóveis pode ser feita por documento
particular, forma menos solene, p.e., na compra e venda de imóvel com recurso a crédito
bancário

No caso dos bens imóveis e frações autónomas, também se exige a referência ao alvará, sendo
esta dispensada se a autorização tiver sido anotada no registo predial e o prédio não tiver
sofrido alterações.

Também na compra e venda de alguns bens móveis exige-se a forma escrita:


 Alienação de herança quando não abranja bens sujeitos a escritura pública ou
documento particular autenticado (art. 2126º/2 CC), alienação de direitos sobre bens
industriais, como a patente ou a marca (art. 31º/6 CPI).

No caso dos bens móveis sujeitos a registos, p.e., automóveis, não se exige nenhuma forma
especial, vigorando o princípio do art. 219º CC, por remissão do art. 205º/2 CC.

A preterição de forma do contrato de compra e venda, quando seja exigida forma especial,
conduz à nulidade do contrato, nos termos do art. 220º CC.

3. Efeitos do contrato de compra e venda


Segundo o art. 874º CC, os efeitos do contrato de compra e venda são os seguintes:
 Transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade de um direito
 Obrigação de entregar a coisa
 Obrigação de pagar o preço

3.1. Efeito real


Um dos efeitos do contrato de compra e venda é a transmissão da coisa ou da titularidade do
direito – transmissão de um direito real.

Para a constituição e transmissão do mesmo, é necessário o consentimento de ambas as partes


– principio da consensualidade.
Desta forma, com a celebração do contrato, opera a transmissão da propriedade (art. 408º/1
CC).
 No âmbito dos direitos reais, a constituição do direito real é imediata e instantânea, pelo
que o adquirente se torna titular do direito pelo mero efeito do contrato

33
Direito dos Contratos I

Ligado ao princípio da consensualidade está o princípio da causalidade, segundo o qual é


necessário que haja justa causa para a constituição ou transmissão do direito real e que a causa
de aquisição seja válida.

O art. 408º/1 CC parecer abranger os casos excecionais de venda obrigatória, que se caracteriza
pelo facto de o contrato nunca produzir efeitos reais e por visar apenas a constituição de
obrigações.
Neste sentido, a propriedade da transferência não ocorre pelo contrato, mas porque o vendedor
se obriga a transferi-la e fá-lo num 2º ato: a tradição da coisa, no caso das coisas móveis, ou o
registo, no caso das coisas imóveis.
 Ex. compra e venda de coisas alheias, de bens indeterminados ou de bens futuros, casos
em que há uma dissociação entre a conclusão do contrato e a transmissão da
propriedade (art. 408º/2 CC)
 Nestes casos, a transferência da propriedade não depende do cumprimento de uma
obrigação de transmissão, o efeito translativo ocorre automaticamente

3.1.1. Publicidade da transmissão da propriedade


Com a transmissão da propriedade de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (com valor
meramente declarativo), a compra e venda tem de ser registada, sob pena de não ser oponível a
terceiros. O principio da publicidade exige a publicidade da compra e venda para que os
interessados conheçam da sua existência.

No sistema de modo, a cognoscibilidade do direito real é mesmo o interesse fundamental para


salvaguarda da segurança e celeridade do comercio jurídico, vigorando uma situação de
publicidade constitutiva: é o próprio registo que determina a transmissão da propriedade.

No sistema de título (Portugal) atende-se aos interesses das partes, sacrificando-se o interesse
da segurança do comercio jurídico ao interesse da regularidade na constituição do direito real.
 No nosso sistema, o registo tem valor meramente declarativo. A publicidade apenas será
constitutiva na hipótese de aquisição tabular, caso em que a segunda venda que primeiro
foi registada prevalece sobre a primeira.
 Ao contrario do que sucede normalmente nos países que consagram o sistema de titulo,
não se institui em Portugal o principio da posse vale titulo, que permitiria fazer funcionar
também uma hipótese de publicidade constitutiva em relação às coisas moveis não
registáveis. Tal implica ter o nosso sistema optado por uma aplicação quase irrestrita dos
princípios da consensualidade e da causalidade fazendo assim prevalecer o interesse do
proprietário em detrimento da proteção de terceiro de boa fé.

3.1.2. O risco
Com a transferência da propriedade, o comprador torna-se o credor a obrigação, deixando de
estar sujeito ao concurso de credores do art. 604º/1 CC porque tem pleno direito sobre a coisa,
nos termos do art. 1305º/1 CC.
Por maioria de razão, se o comprador pode beneficiar disto, também tem de suportar os riscos
inerentes à coisa, no caso de a mesma se deteriorar ou perecer.

34
Direito dos Contratos I

Segundo o art. 796º/1 CC, a partir do momento em que o contrato de compra e venda é
celebrado, o risco recai sobre ele, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações
resultantes do contrato.
Isto só não acontece se a coisa continuar no pode do alienante, caso em que o risco se transfere
apenas com a entrega da coisa.

3.2. Efeitos obrigacionais


3.2.1. Dever de entrega da coisa
O vendedor tem um dever de entregar a coisa (art. 882º CC), pelo que o contrato atribui ao
comprador um direito de crédito de entrega da coisa.

No entanto, a entrega da coisa não é um elemento essencial do contrato de compra e venda,


uma vez que, nos casos em que o bem já se encontrar no poder do comprador ou a venda
respeitar a coisa incorpórea, não é necessária entrega da coisa.

Quanto à coisa comprada, deveremos distinguir os casos em que esta é uma coisa específica ou
genérica:
 Coisa específica: o vendedor apenas cumpre com a entrega da coisa objeto da venda,
não a podendo substituir, mesmo que isso não traga prejuízo para o comprador.
Segundo o art 882º/1 CC, a coisa deve ser entregue no estado em que se encontra no
momento da venda, pelo que o vendedor tem um dever específico de custódia da coisa,
que deve executar com a diligência de um bom pai de família (art. 799º/2 e 487º/2 CC),
caso contrário, presume-se a sua responsabilidade (art. 918º CC).
 Coisa genérica: o vendedor cumpre com a entrega de uma coisa dentro do género e na
quantidade estipulada e deverá escolher coisas de qualidade média.

Segundo o art. 882º/2 CC, a obrigação entrega abrange a coisa comprada, as suas partes
integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito, salvo estipulação
em contrário.
 Depois da compra e venda, o vendedor não pode separar as coisas móveis ligadas
materialmente ao prédio vendido com carácter de permanência, não pode colher os
frutos pendentes ou conservar os documentos
A obrigação de entrega pode ainda abranger a embalagem de acondicionamento do bem
vendido, consoante os usos relativos àquele bem.

A obrigação de entrega encontra-se sujeita às regras gerais do tempo (art. 777º e ss. CC) e do
lugar do cumprimento (art. 772º e ss. CC).
 Tempo do cumprimento: se não foi estipulado prazo, o comprador pode exigir a entrega
da coisa e o vendedor a entrega do preço a todo o tempo (art. 777º/1 CC); neste caso, o
devedor entra em mora com a interpelação do credor (art. 805º/1 CC).
Se tiver sido convencionado prazo, o vendedor tem de entregar a coisa até ao final do
prazo, caso contrário, entra em mora (art. 805º/2 a) CC); mas poderá optar pelo
cumprimento antecipado.

35
Direito dos Contratos I

 Lugar do cumprimento: se nada for estipulado, devemos distinguir os casos de coisas


móveis e imóveis:
o Coisa móvel determinada – a coisa deve ser entregue no lugar onde estiver ao
tempo da conclusão do negócio (art. 773º/1 CC); nos outro casos, deverá ser
cumprida no domicílio do devedor (art. 772º/1 CC)
o Coisa imóvel – a entrega deverá ser feita no local onde se encontra, mas pode-se
aplicar o critério do domicílio do devedor se as partes estabelecerem que a
entrega será um ato simbólico

No caso de incumprimento da obrigação de entrega por parte do devedor, o comprador pode


intentar um ação de cumprimento (art. 817º e ss. CC) e, se a coisa for determinada, pode ainda
intentar uma ação de execução específica (art. 827º e ss. CC).
O vendedor encontra-se ainda obrigado a indemnizar o comprador pelo incumprimento da
obrigação (art. 798º CC) ou pela mora (art. 804º/1 CC).

3.2.2. Dever de pagar o preço


Sendo uma obrigação pecuniária, encontra-se sujeita ao regime geral dos arts. 550º e ss. CC.

A determinação do preço no momento da celebração do contrato não é um elemento essencial,


nos termos do art. 280º/1 CC, bastando que seja determinável.

No entanto, o art. 883º CC determina os critérios supletivos:


 O preço que o vendedor praticar à data da conclusão do contrato
 O valor de mercado no momento do contrato e no lugar que o devedor deva cumprir
 Se nenhum for possível, o tribunal determina o preço segundo a equidade

Segundo o art. 885º/1 CC, o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa
vendida, salvo estipulação em contrário, o que pressupõe a coincidência entre a transmissão da
propriedade e a entrega e, por outro lado, o cumprimento da obrigação com o pagamento do
preço.
Deste modo, se a houver entrega antecipada da coisa ocorrer antecipadamente à transmissão da
propriedade, o vendedor não pode obrigar o comprador a pagar o preço.

Por outro lado, também pressupõe que a obrigação seja integralmente cumprida: se o
cumprimento ocorrer por fases, o pagamento do preço apenas deve ser feito no momento da
entrega da última entrega.
Mas se as partes convencionarem o pagamento do preço ao longo da entrega das coisas, o
vendedor pode exigir o pagamento à medida em que for realizando as entrega.

O incumprimento da obrigação de pagamento do preço pode conduzir à resolução do contrato


por incumprimento, nos termos do art. 801º/2 CC.
No entanto, o art. 886º CC restringe esta faculdade:
 É necessária convenção em contrário
 Ainda não ter sido entregue a coisa

36
Direito dos Contratos I

 Ainda não ter ocorrido a transmissão da propriedade

4. Proibições de venda
Casos em que a lei proíbe a celebração de contratos de compra e venda entre determinadas
pessoas.

4.1. Venda de coisa ou direito litigioso


Proibição regulada no art. 876º/1 CC, que remete para os arts. 579º e ss. CC, segundo o qual se
consideram coisas e direitos litigiosos quando tiverem sido contestadas em juízo contencioso
(art. 579º/3 CC) – forma de evitar a venda dos bens a um valor mais baixo só porque são objeto
de um processo.
Também se proíbe a venda de coisas litigiosas por interposta pessoa, p.e., o cônjuge do inibido
(art. 579º/2 CC).

Fora destes casos, a venda de coisa ou direito litigioso é permitida, mediante a substituição
processual do vendedor pelo comprador.

Se, nos casos proibidos, ocorrer a venda de coisas litigiosas, esta considera-se nula (art. 876º/2 e
580º/1 CC), não podendo a nulidade ser invocada pelo comprador porque, se tal fosse possível,
o comprador poderia declarar nulo um contrato apenas porque não tinha as condições
económicas desejadas.
O vendedor, por outro lado, tem direito a uma indemnização limitada ao interesse ao interesse
contratual negativo.

4.2. Venda a filhos ou netos


Proibição prevista no art. 877º/1 CC, mas se a venda não for consentida por todos os filhos ou
netos.
 Forma de evitar que ocorram doações a filhos ou netos para não imputar na quota
legitimária dos restantes sucessores, prejudicando os mesmos

No entanto, se a venda vier a ser realizada, o contrato não é nulo, mas anulável, sendo que a
anulabilidade pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento para a
venda, num prazo de 1 ano a contar do conhecimento da celebração do contrato (art. 877º/2
CC).

O consentimento não se encontra sujeito a forma especial, vigorando o princípio da liberdade de


forma do art. 219º CC, podendo até ser dado de forma tácita (art. 217º CC).
A falta de consentimento pode ser suprida pelo tribunal, p.e., no caso de um dos descendentes
ser incapaz (art. 1425º CPC).

O art. 877º CC abrange também os casos de venda por pais a filhos e a venda de avós a netos,
mas não a venda por bisavós a bisnetos nem a venda por filhos ou netos a pais ou avós.

37
Direito dos Contratos I

No caso de a venda ser feita a um filho, é necessário o consentimento dos restantes filhos, mas
não dos netos, salvo se forem descendentes de um filho falecido, atuando em direito de
representação.

Mas se a venda for feita a netos, já é necessário o consentimento dos filhos e dos netos que
sejam irmãos do comprador.

4.3. Compra de bens do incapaz pelos pais ou representantes legais


Proibição prevista no art. 1892º/1 CC, se não existir autorização do MP. Se o negócio for
celebrado, será anulável por requerimento do menor, até 1 ano depois de atingir a maioridade
ou de se tornar emancipado (art. 1893º/1 CC).

Mas a anulação pode continuar a ser requerida se se provar que só se teve conhecimento da
celebração do contrato nos 6 meses anteriores à proposição da ação (art. 1893º/2 CC).

Enquanto o menor não atingir a maioridade ou não se emancipar, a ação pode ser requerida
pelas pessoas com legitimidade para requerer a inibição das responsabilidade paternais, nos
termos do art. 1893º/3 CC.

Mesmo que não seja autorizada, a compra e venda pode ser confirmada pelo MP, extinguindo-
se o direito de anulação.

Relativamente ao tutor, segundo o art. 1937º/c) CC, a proibição é extensível ao curador, nos
termos do art. 156º CC, e ao administrador de bens, nos termos do art. 1971º/1 CC.
Nestes casos, se se realizar a compra e venda, o negócio é considerado nulo, não podendo ser
invocada pelo tutor ou seus herdeiros nem por interposta pessoa.
 Depois da cessação da incapacidade, o negócio poderá ser confirmado, mas só enquanto
a nulidade não for declarada por sentença transitada em julgado, nos termos do art.
1939º CC

4.4. Venda entre cônjuges


Segundo o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais do art. 1714º/1 CC, os
cônjuges não podem alterar o regime de bens a que ficaram vinculados, o que engloba a
proibição de celebração de contrato de compra e venda entre cônjuges.

A partir do momento em que seja decretada a separação judicial de pessoas e bens, deixa de
existir esta proibição, uma vez que deixa de existir fundamento para a mesma.

Segundo o art. 1714º/3 CC, é possível a dação em cumprimento por um dos cônjuges ao
consorte.

38
Direito dos Contratos I

5. Modalidades específicas do contrato de compra e venda


5.1. Venda de bens futuros, frutos pendentes e partes integrantes de uma coisa
Modalidade de venda prevista no art. 880º CC e 467º/1 CCom.

A venda de bens futuros ocorre quando o vendedor aliena bens que não existem no momento
da declaração negocial ou que não está no seu poder naquele momento ou então não tem um
direito relativamente ao mesmo.

Mas ao contrário do que acontece na venda de bens alheios, as partes conhecem o facto de o
bem não pertencer ao alienante, mesmo que haja a expectativa de o bem integrar o património
do alienante.

Se as partes, no âmbito do contrato, estipularem que a transferência da propriedade ocorre


diretamente da esfera do terceiro para o comprador, então não se aplica o art. 880º CC.
O vendedor encontra-se obrigado a atuar com as diligências necessárias para que o comprador
adquira os bens vendidos (art. 408º/2 CC); caso contrário, responde perante o comprador nos
termos do art. 798º CC, e deverá pagar uma indemnização pelo interesse contratual positivo e
negativo.

A venda de bens futuros pode ser clausulada como um contrato aleatório, nos termos do art.
880º/2 CC, no qual existe apenas uma expectativa de aquisição das coisas.
O comprador está obrigado ao pagamento do preço, mesmo que não se chegue a verificar a
transmissão dos bens, correndo o risco da não verificação por sua conta.

A doutrina discute a natureza dos bens futuros:


 Prof. Raul Ventura – é um contrato incompleto, uma vez que o consenso das partes não
é suficiente para que ocorra o efeito de transmissão da propriedade da coisa, que apenas
ocorreria com a aquisição da coisa pelo vendedor.
 Prof. Romano Martinez – é um contrato sujeito a condição suspensiva de os bens
passaram para a disponibilidade do vendedor
 A jurisprudência italiana defende que se trata de uma modalidade especial de venda
obrigatória, já que o vendedor se obriga a realizar as condutas necessárias para que haja
aquisição da propriedade pelo comprador.
 Prof. Menezes Leitão – defende a venda de bens futuros, apesar de não ser uma venda
obrigatória

5.2. Venda de bens de existência ou titularidade incerta


Encontra-se prevista no art. 881º CC e 476º/1 CCom.

Em princípio, só podem ser vendidas as coisas que existem e pertencem ao vendedor, já que se a
venda tiver por objeto a venda de coisa inexistente, o contrato é nulo, nos termos do art. 280º/1
CC.

39
Direito dos Contratos I

Contudo, se a venda se basear em coisa de titularidade incerta, o contrato é válido (art. 881º
CC). Como a lei presume que as partes celebraram um contrato aleatório, o preço é devido, só se
os bens existirem e pertencerem ao vendedor – esta presunção pode ser ilidida
Neste caso, a incerteza é subjetiva, que tem de se verificar em relação a ambas as partes

Esta venda não se confunde com a venda de bens futuros, porque o contrato não se baseia na
expectativa de futura aquisição ou autonomização da coisa no património do vendedor, porque
os bens, neste caso, já existem, só não se sabe a sua titularidade.

Questiona-se se o preço é devido logo no momento da celebração do contrato ou só no


momento em que se conhece a efetiva situação dos bens.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, o preço é devido no momento da celebração do contrato, uma
vez que esta obrigação surge logo com a celebração do contrato; o pagamento do preço não
está dependente de condição suspensiva.

Mas se as partes recusarem o contrato aleatório, a obrigação de pagar o preço fica dependente
do cumprimento da obrigação de entrega do art. 885º CC; deste modo, o comprador pode
recusar-se o cumprir a obrigação enquanto o vendedor não proceder à entrega do objeto do
contrato.

5.3. Venda com reserva de propriedade


Regra geral, com a celebração do contrato, o comprador torna-se proprietário do bem vendido e
pode aliená-lo novamente, mesmo que não tenha sido entregue ou o preço ainda não tenha sido
pago.
O vendedor tem apenas a hipótese de cobrar o preço; mas não pode ter direito de preferência
no pagamento da dívida, pelo que o comprador concorre com os restantes devedores na
situação de concurso de devedores do art. 604º/2 CC.

Por outro lado, o vendedor deixa ter a possibilidade de resolver o contrato por incumprimento
da outra parte (art. 801º/2 CC), uma vez que a propriedade já foi transferida e, como tal, é o
comprador que tem plenos direitos sobre a coisa vendida.

A cláusula de reserva de propriedade encontra-se prevista no art. 409º CC, e corresponde a uma
convenção segundo a qual o alienante reserva para si próprio a propriedade da coisa, até ao
cumprimento das obrigações da outra parte.
 As partes convencionam que a transferência da propriedade ocorre num momento
posterior ao da celebração do contrato, que pode ser com o pagamento do preço.

5.3.1. Regime da venda com reserva de propriedade


Esta cláusula tem de ser estipulada no âmbito do contrato de compra e venda, desde que o
mesmo ainda não tenha sido cumprido, uma vez que, neste caso, a propriedade já se transferiu

40
Direito dos Contratos I

Estando a cláusula inserida no contrato, deve obedecer à forma legal exigida para o contrato de
compra e venda. Se este não exigir forma especial, então a cláusulas pode ser consensual.
Só nos casos de insolvência do comprador é que se exige que a cláusula de transferência de
propriedade esteja reduzida a escrito (art. 104º/4 CIRE).

Segundo o art. 409º/2 CC, se o contrato se basear numa coisa imóvel ou móvel sujeita a registo,
só a cláusula é oponível em relação a terceiros.
Questiona-se se continuará a ser oponível se se basear em móveis não sujeitos a registo:
 Prof. Antunes Varela e Prof. Almeida Costa – se a cláusula de reserva de propriedade se
basear numa coisa móvel não sujeita a registo, esta vale em relação a terceiros de boa-fé,
e não se exige a verificação de uma formalidade especial, nomeadamente a publicidade
da cláusula (art. 409º/2 CC), pelo que não vigora, quanto às coisas móveis, o princípio
segundo o qual a posse vale título, pelo que a lei permite que o verdadeiro proprietário
reivindique a coisa de terceiro.
 Prof. Romano Martinez e Prof. Fuzeta da Ponte – não é oponível a terceiros de boa fé
pelo princípio da relatividade dos contratos (art. 406º/2 CC) e porque na compra e venda
de coisa sujeita a registo, a falta de registo da cláusula implica apenas a sua eficácia inter
partes, pelo que, pelo elemento sistemático, seria incompreensível que relativamente às
coisas não sujeitas a registo a oponibilidade da cláusula fosse erga omnes; e porque, em
caso de incumprimento, o comprador pode resolver o contrato, mas isso não prejudica
os direitos adquiridos por terceiros.
 Prof. Menezes Leitão – segundo os princípios da causalidade e da consensualidade, a
cláusula é, normalmente, oponível a terceiros de boa fé. Nestes casos, não se exige a
publicidade da cláusula, ao contrário do que acontece se o contrato tiver por base um
bem sujeito a registo.

Na cláusula deve ser determinado que a transmissão da propriedade ocorre no momento do


pagamento integral do preço, de forma a proteger o vendedor se o comprador não cumprir o
contrato.
 Se o bem estiver na propriedade do vendedor até ao pagamento do preço, os credores
do comprador não podem executar o bem, por não ter legitimidade sobre o mesmo.
 Mas se o comprador não cumprir o contrato, o vendedor tem a possibilidade de resolver
o contrato, nos termos do art. 801º/2 CC.

Quanto ao risco, a doutrina defende que, sendo que a cláusula tem por base uma condição
suspensiva, é o vendedor que continua a responder o risco pela perda ou deterioração da coisa,
mesmo que ela tenha sido entregue ao comprador.
 Prof. Menezes Leitão afirma que o risco corre por conta de quem tem o direito de uso e
fruição da coisa; assim, o comprador apenas comporta o risco com a transmissão da
propriedade da coisa, apesar de este não ficar exonerado do pagamento do preço com a
perda ou deterioração da coisa

41
Direito dos Contratos I

Se a perda ou deterioração da coisa ocorrer por facto culposo de terceiro, o vendedor não pode
exigir a indemnização por inteiro ao comprador, uma vez que, se se manter o preço, não se
verifica nenhuma diminuição do património do vendedor.

5.3.2. Natureza jurídica da venda com reserva de propriedade


A doutrina aponta algumas posições:
 Teoria da condição suspensiva (Prof. Antunes Varela e Prof. Galvão Telles): a cláusula de
reserva de propriedade é uma condição suspensiva, uma vez que a venda está
dependente de um facto futuro e incerto.
o O Prof. Menezes Leitão discorda, dizendo que não é uma condição porque a
obrigação de pagamento do preço é determinada logo no momento da
celebração do contrato, pelo que o vendedor pode cobrar o preço se não se o
comprador não cumprir a obrigação; assim, não há efeitos suspensivos.
 Teoria da venda obrigacional, segundo a qual o efeito de transmissão da propriedade
não ocorre com a celebração do contrato mas depois de ser instituída uma obrigação
+para o vendedor de fazer o comprador adquirir a propriedade da coisa, após o
pagamento do preço.
 Teoria da dupla propriedade: desde a celebração do contrato até ao pagamento do
preço, as partes são consideradas proprietárias da coisa, sendo que a cláusula de reserva
de propriedade apenas determina regras especiais sobre a propriedade. Deste modo,
poder-se-ia considerar que o comprador adquire uma posição de proprietário sob
reserva de pagamento do preço. O vendedor, por sua vez, apenas ia conservar a posição
de proprietário apenas para conservar os efeitos de garantia do pagamento do preço.
 Teoria da venda com eficácia translativa imediata: a venda com reserva de propriedade
dá a propriedade temporária ao vendedor para que ele reveja a propriedade da coisa no
caso de não ser pago o preço. Com o pagamento do preço, extingue-se essa garantia real
do vendedor, e transmite-se imediatamente a propriedade para o comprador.
o O vendedor conserva a propriedade sobre o bem, sendo-lhe permitido resolver o
contrato por falta de pagamento e exigir a restituição da coisa, mas já não pode
reivindicar a coisa do comprador sem motivo.
o A reserva de propriedade é oponível a terceiros, mesmo que tenha de ser
registada, se tiver na sua base um bem imóvel ou móvel sujeito a registo

5.4. Venda a prestações


O regime encontra-se previsto no art. 934º e ss. CC.
 Ao contrário do que a letra da lei aponta, a reserva de propriedade, apesar de ser uma
convenção comum, não é necessária à venda por prestações.

Esta norma funciona como derrogação do art. 781º CC, que prevê que, na falta de pagamento de
uma das prestações, todas as prestações se consideram vencidas, o que conduz à perda do
benefício do prazo.

42
Direito dos Contratos I

No caso da venda de prestações, esta solução é considerada drástica, pelo que só há perda do
benefício do preço no caso de o comprador faltar ao preço de 2 prestações, independentemente
do seu valor ou que a prestação que não foi cumprida não excedesse 1/8 do preço.

A doutrina discute a natureza supletiva ou imperativa do art. 934º CC, uma vez que determina
que pode haver convenção em contrário:
• A maioria da doutrina, incluindo o Prof. Menezes Leitão, considera que é uma norma
imperativa, já que a norma visa a proteção do comprador, que normalmente é a parte
mais fraca do contrato
• Para o Prof. Romano Martinez, a norma do art. 886º é supletiva e a do art. 934º é
imperativa, por motivos de defesa do consumidor associados com a proteção da parte
mais desfavorecida e menos esclarecida.

Na venda a prestações, a resolução do contrato depende de haver ou não reserva de


propriedade.
Mas poderão haver casos em que a natureza do contrato conduz à desvalorização do objeto do
contrato, mesmo que não tenha havido cláusula de reserva de propriedade. Nestes casos,
poderá ser desaconselhada a resolução do contrato, mesmo que o vendedor tenha direito a uma
indemnização, por incumprimento do contrato (art. 801º/2 CC) porque é o vendedor que tem de
provar a falta de cumprimento, e isso é difícil de provar.

Para evitar estas situações, é usual que sejam estipuladas cláusulas penais se o vendedor
incumprir com o contrato, que poderiam chegar ao preço do próprio contrato.
Foi desta forma que o legislador determinou a redução equitativa da cláusula penal (art. 935º/1
CC), com um limite de metade da cláusula penal. As partes podem ainda estipular a
indemnização pelos danos excedentes (art. 811º/2 CC).

5.4.1. Venda a prestações nas relações de consumo


O regime encontra-se estipulado no DL nº 359/91, que define o contrato de crédito de consumo.

Sendo definido como contrato de crédito, encontra-se sujeito a regras especiais de proteção do
consumidor – dever de informação sobre a taxa anual efetiva global (art. 6º).
Se não observar os requisitos do art. 6º, o contrato de crédito é nulo, nos termos do art. 7º/5.

Outra especificidade do contrato de crédito de consumo é o direito de livre resolução ou de


arrependimento.
Segundo o art. 8º, a declaração negocial do consumidor só é válida se não for revogada pelo
mesmo, em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de receção.

Quanto ao cumprimento do contrato de compra e venda a prestações realizada a consumidor, o


art. 9º determina que o consumidor pode cumprir antecipadamente o contrato, sendo que o
valor do mesmo é determinado por uma taxa de atualização mencionada no art. 9º/1.

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Direito dos Contratos I

Se o cumprimento antecipado for realizado antes da 4ª parte do prazo convencionado, o credor


pode exigir os juros e outros encargos relativos a essa 4ª parte (art. 9º/4).

5.5. Locação-venda
A doutrina discute a natureza da locação-venda:
 Prof. Galvão Telles e Prof. Romano Martinez – é uma união alternativa de contratos,
uma vez que se o locatário pagar todas as prestações, aplica-se o regime da compra e
venda; mas se não o fizer, aplica-se o regime da locação.
 Teresa Anselmo Vaz – é uma venda com reserva de propriedade, uma vez que em ambos
os casos, a natureza económica é a mesma.
 Prof. Menezes Leitão – é uma modalidade específica da compra e venda, uma vez que
até ao pagamento do preço, o vendedor obriga-se perante o comprador a proporcionar-
lhe o gozo da coisa enquanto locatário.

5.6. Venda de coisas sujeitas a contagem, peso e medição


O regime encontra-se previsto no art. 887º e ss. CC, que qualifica estas coisas como sendo
determinadas e específicas, ainda que sujeitas a contagem, pesagem ou medição.
A compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição encontra-se sujeita a um
ato de contagem, pesagem ou medição.
 Ex: “A compra a B um saco de batatas, tem que se pesar depois”.

Ao contrário do que acontece com as coisas genéricas, como estamos perante coisas
determinadas, a venda ocorre antes do processo de contagem, pesagem ou medição, ocorre
com a celebração do contrato. A partir do momento em que o comprador celebra o contrato,
torna-se proprietário dos bens vendidos (art. 408º/1 CC), pelo que suporta o risco com a perda
ou deterioração dos mesmos, nos termos gerais do art. 796º CC.

Poderá haver discrepância entre o valor previsto no contrato e o valor real no caso dos arts. 887º
e 888º CC:
 No art. 887º, independentemente da quantidade referida no contrato, o comprador deve
o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas
 No art. 888º, o comprador deve o preço estabelecido no contrato, mesmo que não tenha
correspondência com a quantidade real, salvo se a discrepância for superior a 1/20 da
quantidade declarada; neste caso, há redução ou aumento proporcional do preço
convencionado, mas só se a discrepância for superior a 5%

No entanto, este direito de recebera a diferença do preço pode ser excluído se houver
compensação pelas faltas e excessos, até ao limite da concorrência, nos termos do art. 889º CC.
Mas quando há falta de uma parte e excesso de outra, há compensação, não sendo exigida a
diferença do preço, mesmo que a discrepância seja superior a 1/20 do preço convencionado (art.
888º/2 CC).

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Direito dos Contratos I

Segundo o art. 890º/1 CC, o direito de receber a diferença deve ser exercido no prazo de 6
meses (coisa móvel) ou 1 ano (coisa imóvel) após a entrega da coisa. Mas se a diferença só for
exigível num momento posterior à entrega, o prazo começa a contar a partir desse momento.
Se houver obrigação de entrega da coisa, o prazo começa a contar quando o comprador a
receber.

O art. 891º CC possibilita a resolução do contrato quando o comprador esteja obrigado a pagar
mais de 1/20 do preço declarado exceto se houver dolo do comprador.
O direito à resolução do contrato caduca no prazo de 3 meses a partir da data em que o
comprador exigir o excesso.

O regime da venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição não exclui a aplicação do
regime do erro, desde que estejam preenchidos os seus pressupostos:
 Essencialidade
 Cognoscibilidade
A declaração baseada em erro é anulável, nos termos do art. 247º CC.

5.7. Venda a retro


O regime encontra-se previsto no art. 927º e ss. CC e corresponde à venda na qual se reconhece
ao vendedor a possibilidade de resolver o contrato, podendo reaver a propriedade do bem
alienado, a restituição do preço e o reembolso das despesas.
 Forma de tutelar o interesse do vendedor que vende o bem mas mantém o interesse em
reavê-lo quando a sua situação económica o permitir
 Segundo o Prof. Menezes Leitão, a venda a retro não tem uma função de transmissão da
propriedade mediante o pagamento do preço, mas uma função de crédito em relação ao
vendedor e uma função de garantia em relação ao comprador

Pela sua natureza económica, questiona-se se será proibida a estipulação de pactos comissórios
(art. 694º CC).
O CC proíbe a atribuição ao comprador de qualquer benefício como contrapartida à resolução do
contrato.
Se não houver intenção de transferir a propriedade, mas de constituir uma garantia de
pagamento a favor do comprador, o Prof. Menezes Leitão defende que estamos perante uma
alienação fiduciária em garantia.

Quanto à forma da cláusula de retro, sendo uma estipulação do contrato de compra e venda,
está sujeito à forma do mesmo.

A venda a retro visa a resolução do contrato de compra e venda; no entanto, a resolução tem
limites: segundo o art. 929º este direito só pode ser exercido no prazo de dois (coisa móvel) ou
cinco anos (coisa imóvel) a contar da venda.
Mas se as partes convencionarem um prazo diferente ou a prorrogação do prazo legal, o prazo é
reduzido para esse limite determinado (art. 929º/2 CC).

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Direito dos Contratos I

Outro limite à resolução do contrato: se por algum motivo não imputável ao comprador o
vendedor não puder ou não estiver em condições de reembolsar o preço, o contrato não pode
ser resolvido (art. 928º/2 CC).

Segundo o art. 932º, a cláusula a retro não é oponível a terceiros, pelo que a exceção de
resolução do contrato não afeta direitos de terceiros.
Assim, parece que a cláusula de venda a retro só tem eficácia real quando estiverem em causa
bens imóveis ou móveis sujeitos a registo; e, nos restantes casos, a venda a retor só tem eficácia
inter partes.

Sendo o comprador um possuidor de boa fé, este responde apenas pela perda ou
deterioração da coisa se tiver procedido com culpa (art. 1269º CC)

Se houver perda fortuita da coisa, o vendedor não tem direito de resolver porque não tem
qualquer interesse nisso. Se resolver o contrato, neste caso, a propriedade cimenta-se na esfera
jurídica do comprador e, assim, não pode reaver a coisa.

Quanto à natureza da venda a retro:


 Alguns autores defendem que é uma venda sujeita a condição resolutiva potestativa
 O Prof. Pedro de Albuquerque defende que é uma possibilidade de revogação ou
resolução do contrato, com eficácia retroativa
 Outros defendem que é uma situação de propriedade temporária
 Larenz defende que é um caso de transmissão da propriedade associada a uma opção de
compra ou a uma promessa unilateral de bens

Segundo o art. 927º CC, a venda a retro é um contrato de ato atributivo de direito de resolução a
exercer pelo comprador e dotado de eficácia retroativa.

5.8.Venda a contento e venda sujeita a prova


O regime encontra-se previsto no art. 923º e ss. CC.

Quanto à venda a contento, há 2 modalidades: mera proposta de venda e concessão de um


direito de resolução.
 Mera proposta de venda: a transmissão da propriedade e a atribuição do risco ao
comprador só se verificam com o decurso do prazo estabelecido, o que vai comprovar a
sua intenção em adquirir a coisa nos termos do art. 218º CC. até lá, o comprador será
considerado um mero detentor da coisa. Se a coisa se perder ou deteriorar antes de
acabar o prazo, o risco corre por conta do vendedor.

 Concessão de um direito de resolução (art. 924º CC), no caso de a coisa não agradar ao
comprador. Mas a concessão desse direito não impede a transmissão da propriedade nos
termos do art. 408º CC, pelo que o risco pela perda ou deterioração da coisa corre pelo
comprador, nos termos do art. 796º/1 CC.

46
Direito dos Contratos I

Relativamente à venda sujeita a prova, o contrato só se torna definitivo depois de ser


apresentada prova da idoneidade da coisa objeto do contrato e que tem as qualidades
asseguradas pelo vendedor.

O art. 925º CC determina que a venda sujeita a prova está sujeita a condição de a coisa ser
idónea ao fim visado e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor.
 A doutrina francesa defende que a situação é semelhante à da venda a contento, pelo
que deve ser qualificada como promessa unilateral de venda
 Alguns autores italianos defendem que é uma condição imprópria e outros que não é
uma condição mas uma categoria específica da venda, cujos efeitos estão dependentes
da verificação da idoneidade da coisa
 O Prof. Menezes Leitão defende esta última orientação, uma vez que os requisitos do
art. 925º CC não se distinguem dos do art. 913º CC

5.9. Venda sobre documentos


O regime encontra-se previsto no art. 937º e ss. CC. Na obrigação de entrega a que o vendedor
está obrigado, incluem-se os documentos relativos à coisa ou direito (art. 882º/2 CC).

A maioria da doutrina defende que a venda sobre documentos não corresponde ao objeto da
venda, mas as coisas a que estes se referem. O direito incorporado no título de crédito apenas
constitui um crédito à entrega das coisas e não a propriedade das mesmas.

Quanto à repartição do risco, aplicam-se as regras gerais.


No entanto, há um caso excecional, no art. 938º CC, sobre a venda de coisa em viagem: as
alíneas a) e b) determinam que o risco pela perda ou deterioração da coisa ocorre a partir do
momento em que a coisa é entregue ao transportador, porque o seguro com os riscos do
transporte evita mesmo estas situações (mas isso pressupõe que haja seguro).

5.10. Compra e venda comercial


Encontra-se prevista nos art. 463º a 476º CCom.

Nos termos do art. 463º CCom. é possível determinar que a natureza da compra e venda é
estabelecida pelo facto de a coisa ser adquirida com o intuito de revenda; pelo que a coisa
comprada, no contrato de compra e venda, não se destina ao consumidor final.

A compra e venda comercial encontra-se sujeita a um prazo supletivo de cumprimento das


obrigações: 24 horas seguintes à conclusão do contrato (art. 473º CCom).
Se o contrato foi celebrado em feira ou mercado (art. 475º CCom), a obrigação deve ser
cumprida no mesmo dia da constituição do contrato ou, o mais tardar, no dia seguinte.

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Direito dos Contratos I

Se o comprador não cumprir com as suas obrigações, o vendedor pode atuar nos termos do art.
474º CCom, depositando a coisa por conta do comprador ou revender a coisa a outrem em asta
pública ou por intermédio de um corretor.
 Este art. só se pode aplicar se o vendedor não tiver entregue a coisa

Se o preço da revenda não for suficiente para satisfazer o crédito do vendedor, este mantém o
direito na parte não satisfeita (art. 472 CCom).
Mas se houver excesso, esse excesso pertence ao comprador, uma vez que a revenda foi
realizada por sua conta.

Segundo o art. 476º CCom, o vendedor está obrigado a emitir faturas e recibo do preço.

Na compra e venda comercial, ao contrário da civil, é válida a venda de bens alheios (art. 476º/2
CCom), mas o vendedor fica obrigado a adquirir a título legítimo a propriedade da coisa vendida
e a fazer a sua entrega, sob pena de responder por perdas e danos.

II. Situações de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda


1. Venda de bens alheios
Segundo o art. 892º CC, ocorre nos casos em que o vendedor não tenha legitimidade para
realizar a venda da coisa, p.e., por não lhe pertencer.

Nos termos do art. 904º CC, o regime da venda de bens alheios não se aplica se o vendedor
alienar a coisa como alheia, mesmo que não tenha legitimidade para o fazer, p.e., por vender a
coisa em nome de outrem sem poderes para o fazer ou abusar dos poderes de representação.
 O contrato é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário da coisa, se este não o
ratificar, e não produz efeitos em relação ao representante porque nunca foi parte do
negócio

1.1. Pressupostos
1.1.1. Falta de legitimidade
O vendedor tem de carecer de legitimidade para alienar o bem, sendo que essa legitimidade é
atribuída em principio ao proprietário da coisa.
Mas existem casos em que a lei atribui essa legitimidade a outra pessoa, p.e., ao credor
pignoratício (art. 674º CC).

Não se coloca a questão de se aplicar o regime da venda de bens alheios em relação ao


representante do credor (art. 268º CC), uma vez que é o credor o verdadeiro sujeito na relação
contratual, e não o representante.

Aplica-se o regime da venda de bens alheios no caso de a coisa alheia ser vendida como própria,
mesmo que seja vendida no interesse do seu titular – é o que acontece no caso da gestão de

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Direito dos Contratos I

negócios representativa (art. 268º/4 CC), salvo se o representado vier a regularizar a situação
através da transmissão para este do bem vendido.

2. Efeitos da venda de bens alheios


2.1. Nulidade da venda e obrigação de restituição
Esta solução é fundamentada no facto de, sendo a compra e venda um contrato transmissivo da
propriedade e esta não pertence ao vendedor, então o negócio deverá ser nulo (apesar de este
regime não ser compatível com o regime geral da nulidade dos negócios jurídicos).

Quanto à legitimidade para arguir a nulidade, esta é restringida, já que não pode ser arguida por
uma parte que esteja de má fé em relação à outra que esteja de boa fé, nem pode ser arguida
pelo vendedor quando o comprador estiver de boa fé (art. 892º CC).
Em relação a terceiros, o Prof. Menezes Leitão defende que não podem invocar a nulidade do
negócio, uma vez que a nulidade é estabelecida em benefício das parte no contrato.
Por outro lado, o verdadeiro proprietário da coisa não pode invocar a nulidade, uma vez que,
para ele, o contrato será sempre ineficaz (art. 406º/2 CC).

Relativamente à restituição do preço:


 Segundo o Prof. Antunes Varela, se o comprador estiver de má fé, pelo art. 894º/1 a
contrario CC, não pode pedir a restituição do preço, mas apenas o enriquecimento do
vendedor (art. 479º/2 CC)
 Se o comprador estiver de boa fé, pode pedir a restituição do preço nos termos do art.
894º/1 CC embora com dedução do proveito por ele havido (nº 2) – o risco, neste caso,
corre por conta do vendedor.

2.2. Eventual convalidação do contrato


A nulidade da venda de bens alheios pode ser sanada se o alienante adquirir a propriedade da
coisa, nos termos do art. 895º CC.
Ao desaparecer o impedimento à transmissão da propriedade da coisa, o contrato produz os
seus efeitos normais, nomeadamente a transferência da propriedade.

No entanto, a possibilidade da convalidação tem algumas restrições, enunciadas no art. 896º CC:
• Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos
contraentes
• Restituição do preço ou pagamento de indemnização, se o credor aceitar
• Declaração escrita, feita por um dos estipulantes, de que não quer que o contrato seja
declarado nulo

O Prof. Menezes Leitão considera que a nulidade da venda de bens alheios é provisória, que
pode ser sanada com a aquisição da propriedade pelo vendedor.

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Direito dos Contratos I

2.3. Obrigação de convalidação


Se o comprador estiver de boa fé, o vendedor encontra-se obrigado a sanar a nulidade da venda
através da aquisição da propriedade da coisa ou do direito vendido (art. 897º CC).

O comprador, nestes casos, adquire um direito de crédito sobre o vendedor a que este proceda
à aquisição do bem.
Mas este direito encontra-se dependente da concordância do titular do direito, uma vez que, se
este não puder ou não quiser alienar o bem, o comprador não pode fazer nada.

Se o vendedor proporcionar ao comprador a aquisição da propriedade do bem por outro meio,


esta situação corresponde a uma dação em cumprimento.

Quando o vendedor estiver obrigado à convalidação do contrato, o comprador pode requerer


judicialmente a declaração de nulidade do contrato a titulo subsidiário, no caso de o vendedor
não proceder à convalidação no prazo estipulado pelo tribunal (art. 897º/2 CC).

2.4. Indemnização
O direito de indemnização pelos danos eventualmente sofridos tem 3 fundamentos:
• Indemnização em caso de dolo (art. 908º CC, por remissão do art. 913º CC) – o Prof.
Menezes Leitão afirma que se deve considerar também a negligência consciente – o
vendedor deve indemnizar o comprador pelo interesse contratual negativo, ou seja, os
prejuízos que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada
• Indemnização em caso de simples erro (art. 909º CC por remissão do art. 913º CC) – a
indemnização apenas abrange os danos emergentes, mas não os lucros cessantes;
segundo o art. 915º CC, a indemnização é excluída se o vendedor ignorava sem culpa o
vício ou a falta de qualidade da coisa
• Indemnização por incumprimento da obrigação de convalidar (art. 907º CC por remissão
do art. 913º CC) – o vendedor está sujeito à responsabilidade obrigacional

2.5. Redução do preço


Atua como alternativa à anulação do contrato por erro ou dolo (art. 911º CC por remissão do art.
913º CC). É uma alternativa imposta se se comprovar que os vícios da coisa não afetariam a
decisão de adquirir a coisa, mas que o comprador teria pago um preço mais baixo.

2.6. Forma e prazos de exercício do direito


Segundo o art. 916º/1 CC, o comprador deve denunciar (ónus) ao vendedor o vício da coisa,
salvo se este tiver atuado com dolo – se ele atuou de forma dissimulada, não havia justificação
para que se exigisse a prévia denuncia dos defeitos.

Como a lei não exige forma especial para a denuncia, aplica-se o regime da liberdade de forma
do art. 219º CC, podendo até ser feita tacitamente.

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Quanto aos prazos, este dependem de se tratar de um bem móvel (30 dias depois de conhecido
o defeito e dentro de 6 meses após a entrega da coisa) ou imóvel (1 ano depois de conhecido o
defeito e dentro de 5 anos após a entrega da coisa) – art. 916º/2 e 3 CC.
 Prazos aplicam-se cumulativamente, pelo que, se não se verificar um deles, os direitos
caducam.
 Se os prazos não forem cumpridos, os direitos também caducam.

3. Venda de bens de consumo


Neste caso, o cumprimento defeituoso é tratado como cumprimento da obrigação. Por outro
lado, exclui-se a responsabilidade do vendedor quando ele não tenha culpa no defeito e quando
o defeito seja aparente – o risco corre por conta do comprador.

O regime encontra-se prevista no DL nº 67/2003, que reconhece ao consumidor um direito à


qualidade dos bens ou serviços destinados ao seu consumo – imposição de garantia de
qualidade.

No DL abrangem-se os contratos relativos à transmissão de bens e os contratos que envolvam o


seu fabrico e produção, nomeadamente os contratos de empreitada e a locação de bens de
consumo.
No entanto, segundo o art. 1º, essa garantia de qualidade apenas se aplica aos contratos
celebrados entre pessoas que fornecem bens de consumo com caráter profissional no exercício
de uma atividade profissional que visa a obtenção de lucros e consumidores, que adquirem os
bens com fins não profissionais.
Assim, excluem-se do âmbito de aplicação do DL:
 Os contratos celebrados entre profissionais
 Os contratos celebrados entre não profissionais
 Os contrato de compra e venda invertida, em que o profissional compra um bem ao
consumidor

O Prof. Mota Pinto defende que é possível aplicar aos contratos simultaneamente profissionais
e não profissionais; no entanto, o Prof. Menezes Leitão discorda, afirmando que se o bem
comprado tiver um destino profissional, então não se aplica o regime da venda de bens de
consumo.

3.1. A imposição de conformidade do bem entregue com o contrato


Do art. 2º/1 resulta a imposição de conformidade do bem entregue com o contrato, pelo que se
estabelece uma garantia contratual.

Para o Prof. Carlos Ferreira de Almeida, a conformidade, nestes casos, corresponde a uma
relação entre o referente e o objeto do ato executivo, pelo que o conceito de desconformidade
não corresponde ao do art. 913º CC.

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Direito dos Contratos I

Segundo o art. 2º/2 DL, há uma presunção de não conformidade do bem entregue com o
contrato, se se verificarem alguns desses factos.
O Prof. Menezes Leitão critica esta solução, uma vez que o ónus de provar o cumprimento da
obrigação conforme ao contrato cabe a vendedor, mas só o comprador pode comprovar a
conformidade
 Quando o bem de consumo não é idóneo para o uso a que o comprador o destine e do
qual o vendedor o tenha comunicado, mas mesmo assim este aceitou
 Quando os bens não forem adequados às utilizações normalmente dadas a bens daquele
tipo
 Quando os bens de consumo não apresentarem as qualidades e desempenho habituais
nos bens do mesmo tipo, e que o consumidor pode esperar dos mesmos

A garantia de conformidade pode ser excluída quando o consumidor, ao momento da celebração


do contrato, conhecer a desconformidade e não puder razoavelmente ignorá-la (defeitos
aparentes) ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor (art. 2º/3 DL).

A doutrina tem limitado a exclusão da garantia de conformidade aos casos de culpa grave do
consumidor, não abrangendo os casos de culpa leve.

Segundo o art. 3º/1 DL, o momento da conformidade deve ocorrer no momento em que a coisa
é entregue ao consumidor, pelo que o riscos relativos a defeitos na coisa passam a correr por
conta do consumidor (derrogação do art. 796º/1 CC).
A doutrina estrangeira tem entendido que se deve alterar o regime, através de uma presunção
de que o risco se transfere para o consumidor apenas com a entrega efetiva da coisa, o que não
é compatível com o art. 3º/1.

A prova de que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem cabe ao


consumidor.
O art. 3º/2 DL estabelece uma presunção de que as faltas de conformidade que se verifiquem
num prazo de 2 (coisa móvel) ou de 5 anos (coisa imóvel) a contar da data da entrega da coisa já
existiam nessa data.

1.2. Direitos do consumidor


Segundo o art. 4º DL, o consumidor tem direito à:
 Reparação
 Substituição – a substituição (ou reparação) da coisa deve ser feita sem encargos para o
consumidor
 Redução do preço
 Resolução do contrato
 Indemnização (art. 12º/1)

Quanto aos prazos, o art. 5º/1 DL determina um prazo de 2 anos a contar da entrega do bem –
prazo de manifestação da desconformidade e não um prazo de caducidade.

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1.3. Responsabilidade do produtor


O DL não determinou uma responsabilidade direta, só o art. 4º é que atribui responsabilidade do
produtor, mas de forma indireta, através do direito de regresso do vendedor.

O art. 6º determina a responsabilidade do produtor, segundo o qual o consumidor pode exigir


dele a reparação da coisa ou a sua substituição. No entanto, a responsabilidade pode ser
excluída nos casos do art. 6º/2 DL.

1.4. Caráter injuntivo do regime de venda de bens de consumo


Forma de proteger a parte mais fraca do contrato, normalmente o consumidor

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