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. Lenocínio (ac. do TC n.

º 72/2021)
Qual é o bem jurídico previsto pelo 169.º, n.º 1 do CP?
 Prof. FP: autonomia para a dignidade; 
 Prof. Reis Alves: interesse geral da sociedade na preservação da moral sexual e do
ganho honesto; 
 Prof. Mota Pinto: exploração de uma pessoa por outra; 
 Prof. Pinto de Albuquerque: liberdade sexual da pessoal que se dedica à prostituição; 
 Prof. Anabela Miranda Rodrigues: 169º/1 - moral sexual; 169º/2 - liberdade de
autodeterminação sexual; 
 Prof. Augusto Silva Dias: sentimento geral de pudor e de moralidade  

Sendo inequívoco que os crimes sexuais tutelam a liberdade e a autodeterminação sexual,


dúvidas subsistem quanto ao n.º 1 do art. 169.º, tendo em conta a sua ambígua redação, fruto
da reforma introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro – a questão referente ao bem
jurídico previsto neste artigo revela-se particularmente controversa, não existindo
unanimidade doutrinal e jurisprudencial.

Argumentos a favor da inconstitucionalidade do art. 169º, CP:


 Invoca-se que, ao incriminar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição
de pessoa livre e autodeterminada, viola-se o princípio da subsidiariedade do direito
penal, plasmado no art. 18º/2 da CRP e previsto no art. 40º/1 do CP, bem como os
direitos à livre expressão da sexualidade, à vida privada, à identidade pessoal,
liberdade de consciência, liberdade de escolha de profissão e direito ao trabalho,
previstos nos ART. 26º/1, ART. 27º/1, ART. 41º/1, ART. 47º/1 e ART. 58º/1 da
CRP; 
 No acórdão de 2016 já se invoca a violação do princípio da exigência de lei certa e o
princípio da legalidade; 
 Defende-se que a inconstitucionalidade só poderá ser afastada se se realizar uma
interpretação restritiva do preceito que repristine a exigência eliminada pela revisão
do Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, em que se requeria que a prática do crime de
lenocínio implicasse a exploração de "situação de abandono ou de extrema
necessidade económica", porque este requisito era de difícil prova; 
 A incriminação em causa visa a defesa de valores de ordem moral, pelo que é
controversa a criminalização de condutas, entre adultos, de práticas de natureza sexual
que ofendam apenas a moralidade e o pudor público; 
 Ao criminalizar-se quem exerce uma atividade comercial que tem por base a
prostituição ou "atos similares", quando pode ser exercida pelo próprio ou por terceiro
(este, sem intuito lucrativo) parece estar a privar-se o cidadão de exercer uma
atividade profissional por imposição de regras e princípios morais; 
 Nesse sentido, para a generalidade dos autores, a tutela pretendida localiza-se agora
no plano de puras situações imorais (FIGUEIREDO DIAS, MARIA JOÃO ANTUNES,
MAFALDA SERRASQUEIRO e JORGE REIS NOVAIS); de valorações morais sobre a
condução da vida pessoal (VERA RAPOSO); considerações puramente sociológicas e
culturais (JORGE MIRANDA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO); sentimento geral de
pudor e de moralidade (AUGUSTO SILVA DIAS), etc.

Argumentos contra a inconstitucionalidade do ART. 169º, CP:


 Para outros, minoritários na doutrina, o tipo legal de crime visa a proteção da
liberdade e da autodeterminação sexual (JORGE DIAS DUARTE); a dignidade da pessoa
que se prostitui, ainda que desta proteção decorram opções éticas em matéria sexual
(PEDRO VAZ PATTO); a dignidade da pessoa humana e a paz pública ( JOSÉ MARIA
ALBERTO), etc.
 Prof. M. Fernanda Palma, no Ac. 144/2004, começa por estabelecer que, na senda de
Kaufmann e Batista Machado, é aceite que o Direito e a Moral, embora a partir de
perspetivas diferentes, podem consagrar bens e valores coincidentes. O Direito pode,
assim, tutelar valores morais; 
o Esses valores morais não estão limitados àqueles que estão consagrados
constitucionalmente, mas também aos que resultam da História, da Cultura e
das análises sobre a Sociedade; 
o Subjacente ao ART. 170º/1 está a ideia de que as situações de prostituição
relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são
situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída; 
o Prof. MFP considera que é legítimo que a Ordem Jurídica garanta situações
em que a dignidade humana seja posta em causa por se tratar a pessoa como
um puro instrumento ou meio ao serviço de outrem; 
o Não se concebe, assim, uma mera proteção de sentimentalismos ou de uma
ordem moral convencional, que não esteja relacionada, intrinsecamente, com
os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem; 
o A liberdade de consciência não integra uma dimensão de liberdade de se
aproveitar de carências alheias ou de lucrar com a utilização da sexualidade
alheia; 
o [(…)“Ainda que a prostituição possa ser, num certo sentido, uma expressão da
livre disponibilidade da sexualidade individual, o certo é que o aproveitamento
económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência, que
comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na
autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), na
medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente
íntima do outro não para os fins próprios, mas para os fins de terceiros”]-
Acórdão n.º 144/2004; 
o Além disso, existem casos onde é incriminado o terceiro comparticipante, mas
não o autor da conduta: p.e., auxílio ao suicídio (ART. 135º CP); 
o A liberdade de exercício de profissão ou de atividade económica tem
obviamente, como limites, o enquadramento, valores e direitos diretamente
associados à proteção da autonomia e da dignidade do outro ser humano
(ART. 471º/1, 61º/1 da CRP); 
 Começando pelo ART. 27º CRP, segundo o qual todos têm direito à liberdade, não
podendo ser ninguém privado, total ou parcialmente, da mesma, cumpre dizer que a
liberdade da pessoa que se prostitui não é posta em causa pelo ART. 169º/ 1, pois
cada um tem a liberdade de dispor do seu corpo – o que está em causa é alguém
aproveitar-se de quem dispõe do seu corpo para daí retirar vantagens patrimoniais, o
que consubstancia um ato de “mercantilização” do corpo de outrem. Deve esta
suposta liberdade beneficiar de proteção constitucional? “Liberdade” essa que
consiste em retirar proveitos económicos da prática de prostituição por parte de
outrem? As respostas apresentam-se, ambas, como negativas.
o Quanto à aplicação da pena de prisão, tal revela-se justa, adequada e
proporcional, pois esta deve ser aplicada sempre que a liberdade sexual for
posta em causa – mesmo considerando, como alguma doutrina e
jurisprudência o faz, que o preceito legal não tutela a liberdade sexual, a
utilização da sexualidade alheia como modo de subsistência conflitua com o
princípio da dignidade humana, logo a pena de prisão continua a afigurar-se
como legítima.
 Também não faz sentido invocar o ART. 18.º/2 da CRP para arguir a
inconstitucionalidade do ART. 169.º/1 CP. O que esta disposição constitucional nos
diz é que “a lei só pode restringir (…) devendo as restrições limitar-se ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. O
direito de uma pessoa se prostituir não é restringido. O suposto direito de lucrar com
quem se dedica à prostituição também não é restringido visto que esse “direito” não é
sequer constitucionalmente reconhecido e não possui dignidade constitucional, não
fazendo sentido, por conseguinte, chamar à colação o ART. 18.º/2 CRP.
o Por outro lado, este artigo permite ainda que seja restringida a liberdade
através da pena de prisão, de forma a proteger bens jurídicos de caráter
essencial – se se admitir que o bem jurídico em causa é a liberdade sexual,
dúvidas não se colocam quanto à legitimidade da aplicação de pena de prisão e
que esta se revela adequada e proporcional.
 Todavia, sabemos que a atual redação do artigo é propensa a várias interpretações, o
que leva determinada doutrina a negar que a liberdade sexual seja tutelada pelo ART.
169º/1 e a questionar se esta norma é desprovida de bem jurídico – mesmo assim, é
inegável que as condutas descritas neste tipo legal não respeitam o princípio da
dignidade humana, pois este princípio repudia a instrumentalização da pessoa. Tratar
uma pessoa como mero instrumento de prestação sexual, mesmo com o
consentimento da vítima, revela-se incompatível com a dignidade humana, valor
constitucional que representa um dos corolários de um Estado de Direito como o
nosso.
O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento de um tipo uma
concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação
fundamental da incriminação. Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais
situações de exploração, risco considerado elevado e não aceitável (Almiro Simões
Rodrigues, José Martins Barra da Costa e Lurdes Barata Alves). Essa opção não é
inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relacionados
com a autonomia e a liberdade. É justificada por um princípio de ofensividade.
Pode considerar-se o tipo legal previsto no ART. 169.º, n.º 1 um crime de perigo abstrato?
Encontramos crimes de perigo concreto [: o perigo faz parte do tipo, preenchendo-se
o tipo legal quando o bem jurídico é efetivamente posto em perigo – exemplo: crime de
abandono (ART. 138.º)] e abstrato [: o perigo não é elemento do tipo, é simplesmente motivo
de proibição – exemplo: crime de condução de veículo em estado de embriaguez (ART.
292.º)].
Questiona-se a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato por constituírem
uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico – a doutrina maioritária e a
jurisprudência têm-se pronunciado a favor da sua não inconstitucionalidade quando visarem
proteger bens jurídicos de grande importância, quando for possível identificar claramente o
bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma precisa e minuciosa
(FIGUEIREDO DIAS). [MARIA FERNANDA PALMA : pode haver contraprova]
O que legitima os crimes de perigo abstrato é a existência de um concreto e
determinado bem jurídico-penal – assim, se entendermos que o crime de lenocínio, na sua
redação atual, visa acautelar a liberdade sexual (: bem jurídico com inegável dignidade
constitucional), podemos configurá-lo como um crime de perigo abstrato.

A culpa é limite e pressuposto da pena – todavia, será fundamento da pena (: um determinado


nível de culpa sustenta a pena)? DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA:
1) MARIA FERNANDA PALMA: a culpa é fundamento da pena – como? arts. 1.º e 27.º
da CRP; arts. 71.º ss. e várias normas gerais do CP;
2) FIGUEIREDO DIAS: a culpa não é fundamento, mas sim somente pressuposto e
limite.
08.11.2021
Blasfémia: efeito secundá rio da transposiçã o da linha entre o sagrado e o profano. Do
ponto de vista jurídico, consiste num ato ilícito de ultraje, ofensa ou ridicularizaçã o de
Deus, doutrinas religiosas, figuras ou objetos sagrados.
Dos danos à blasfémia, os mais juridicamente relevantes (o que se atesta pela sua
invocaçã o perante o TEDH) sã o os relacionados com a ofensa dos sentimentos dos fiéis,
o perigo de discriminaçã o e a perturbaçã o da paz social.

Do lado dos arguidos ver a fundamentação que levam ao tribunal para arguirem a
inconstitucionalidade do preceito? - condicionamento da consciência pessoal e liberdade de
escolher a profissão; violação do 18º nº2 - necessidade penal (haveria outras formas de tutelar
o bem jurídico); violação de exigência de lei certa (os tipos devem ser descritos de forma
rigorosa e detalhada para apreender o desvalor da ação e bom jurídico tutelado) e principio da
legalidade; bem jurídico é principio constitucional implícito (não há possibilidade de
materializar um bem jurídico tutelado) FD: partir do bem jurídico enquanto padrão critico,
olha-se para a letra do 169º nº1 e tentar identificar um bem jurídico - não se consegue.

9 diretrizes de Roxin: a dignidade da pessoa humana é um princípio abstrato que não


consegue ter materialização suficiente para fundamentar o sentido proibido da norma penal.
 Leis penais arbitrárias, fundadas em razões ideológicas ou contrárias a direitos
fundamentais não protegem bens jurídicos;
 Comportamentos imorais ou reprováveis não fundamentam por si só a lesão a bens
jurídicos;
 Ofensa da dignidade humana não é lesão de um bem jurídico;
 A proteção de sentimentos apenas pode corresponder à proteção de um bem jurídico
quando pressuponha uma ameaça real;
 A autolesão consciente e responsável da própria pessoa por ela mesma (e o auxílio
que lhe seja prestado) não é uma lesão do bem jurídico (de outrem);
 O auxílio que seja prestado à pessoa no caso do § anterior não é uma lesão do bem
jurídico (de outrem);
 Normas penais predominantemente simbólicas não protegem bens jurídicos;
 Crenças e tabus não são bens jurídicos;
 Objetos de tutela abstratos de difícil apreensão não podem ser tidos como bens
jurídicos.
DOUTRINA: Bem jurídico tutelado?
- MFP (Ac. TC 144/2004): autonomia para a dignidade

- Reis Alves: interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho


honesto, propondo inserção em “Dos crimes contra a vida em sociedade”
- Paulo Mota Pinto (Ac. TC 196/2004): exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de
usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do
agente
- Paulo Pinto de Albuquerque: liberdade sexual da pessoa que se dedica à prostituição
- IFL: liberdade sexual
- ASD: sentimento geral de pudor e de moralidade
- Anabela Miranda Rodrigues: artigo 169º nº1 3 moral sexual; artigo 169º nº2 - liberdade de
autodeterminação sexual da pessoa

MFP: a partir das 4 etapas conclusivas- importa o bem jurídico (constrói-o a partir da
dignidade da pessoa humana); os princípios (necessidade da pena lato sensu); e o argumento
criminológico (nos estudos que existem, as mulheres e homens que se prostituem fazem por
necessidade e não por escolha, são explorados e espancados, e o ordenamento jurídico não
pode tolerar esses comportamentos).
CONCLUSÕES:
C, D, F, E, G não seriam suscetíveis de responsabilidade jurídico-penal – não exploram o
outro como o artigo 169º proíbe. Dúbio poderia ser o G, que vive do amor da prostituta e que
recebe o dinheiro que lhe dá, mas face à forma da hipótese, não faz com que o seu
comportamento potencie à prática do ato descrito.
A e B- discussão responsabilidade jurídico-penal- em 98 retirou-se a exigência de exploração
da situação de abandono ou da necessidade económica (era necessário que o MP fizesse
prova disso, o que era muito difícil). A partir daqui havia uma presunção legal que gerou
problemas (há que fazer uma interpretação restritiva da norma porque senão era
inconstitucional- ex: a viúva endinheirada que tem atos sexuais por diversão gerava
responsabilidade por parte dos proprietários do bar). Veio-se admitir uma contraprova.
-De acordo com a jurisprudência fixada do TC (MFP)- artigo 169º/1 relativamente a F e C; e
169º/2, al. d) eventualmente quanto a D, mas não quanto a E, que não se prostituía, sendo que
depois ainda seria de discutir se existiria apenas um crime de lenocínio (concurso de
normas/unidade de lei) ou tantos crimes de lenocínio quantas as pessoas exploradas (concurso
efetivo);
- Paulo Pinto de Albuquerque: admite aplicação do 169º nº1, mas exige interpretação
constitucional restritiva com prova adicional do elemento típico implícito da <exploração da
necessidade económica e social= da vítima prostituta;
- Seguindo FD + AMR + MJA + CA + Ac. TC 134/2020: 169º nº1 será inconstitucional, pelo
que só o artigo 169º nº2 poderia operar, eventualmente quanto a D. Portanto, no caso de F e C
3 169º nº1, não pode gerar responsabilidade. No caso de D- a fragilidade económica pode
caber na letra do 169º nº1. Seguindo a linha de que o artigo é inconstitucional, A e B não
poderiam ser responsabilizados quanto a ninguém, exceto quanto a D partindo do pressuposto
que ela era explorada (155º nº1 b)- vulnerabilidade).

Ac. TC 144/2004- O Tribunal Constitucional português usou um argumento empírico com


alguma referência Criminológica- neste caso para sustentar a manutenção da incriminação em
que se invocaram os dados sobre a prostituição em Portugal ilustrativos da associação entre a
prostituição a necessidade social das pessoas que se prostituem e as situações de exploração
lucrativa dessa necessidade. Neste caso o argumento empírico sobre a realidade
Criminológica foi apenas de reforço da afirmação da necessidade da pena (argumento
criminológico dependente/enfraquecido). mas pode a análise Criminológica ser a fonte
exclusiva do argumento sobre a necessidade da pena (argumento criminológico em sentido
restrito)?

Jakobs, Mead, Merton + Durkheim- funcionalismo- as normas visam estabilizar expetativas


sociais, quando elas não são cumpridas as pessoas deixam de confiar no sistema penal.
Prática do crime é funcional- assegura a validade das normas, e inova o sistema- prevenção
geral positiva

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