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Os Sujeitos Processuais e as Partes Civis

Sujeitos Processuais – Tribunal, MP, Arguido, Defensor, Assistente

 Perspetiva do FD – Sujeitos Processuais:


o Os SP são os intervenientes no processos com poderes de conformação da
instância = têm um estatuto que tem poder de influência sobre o andamento
do processo.
 Resumo – o critério para FD é o poder de conformação.
 + são SP quando:
 Têm controlo do ato processual em que intervêm.
 Têm poderes legais para determinarem a concreta tramitação
do processo.
o Existem intervenientes no processo que têm um papel decisivo, mas não têm
este poder de influência:
 Testemunha = só tem controlo do seu depoimento;
 Perito = só tem controlo na sua peritagem;
o FD autonomiza 5 sujeitos processuais:
 Tribunal Penal;
 MP;
 Arguido;
 Defensor do Arguido;
 Assistente e o seu representante.

Partes Civis – Lesado e Pessoa com Responsabilidade Civil

 Partes Civis:
o Têm uma intervenção limitada no processo - limitada à pretensão cível.
o Nota:
 O PP organiza-se de forma a determinar a responsabilidade criminal
de alguém mas também pode incluir uma ação cível que visa reparar
os danos sofridos pela vítima.
 No processo cível podemos falar de partes =/= sujeitos processuais.
 As partes civis são o lesado e a pessoa com responsabilidade civil:
o Lesado – 74º:
 É a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime e deduz um
pedido de indemnização civil, ainda que não se tenha constituído ou
não possa vir a constituir-se assistente.
 Ela deduz um pedido de indemnização civil contra a pessoa com RC.
o Pessoa com Responsabilidade Civil – 73º:
 Estas pessoas podem ser demandadas não pela parte criminal, mas
pela reparação dos danos civis.
 Quando se diz “alguém passível de ser demandado” não se quer
excluir o arguido.
 E.g – casos de seguradoras, que são demandadas no pedido de
indemnização que acompanha o PP.
o Exemplo:
 A foi objeto de um crime de agressão à integridade física, teve
despesas hospitalares e pede uma indemnização.
 -> esta parte da indemnização é questão conexa, mas autonomizada
em relação à questão penal.
o Exemplo:
 Se um adolescente de 14 anos é titular do bem jurídico “integridade
física” que é objeto que uma agressão, claramente que é o lesado, mas
como é menor não se pode constituir assistente.
 = Os assistentes serão os seus pais que podem ter tido despesas
autónomas e assumir a posição de lesado nessa parte (não se
confunde com o estatuto de assistente)
o Pode existir tanto na parte ativa como na parte passiva.

Os Órgãos de Polícia Criminal

 Definição – 1º/c) do CPC, 55º e 56º da LOIC (Lei 49/2008) atualizada em 2015.
 Não são sujeitos processuais.
o MAS são absolutamente decisivos = realizam, na prática, a investigação
criminal.
 Não são SP:
o O CPC não lhes atribui a titularidade de nenhuma fase processual.
o = São intervenientes adjuvantes quer ao tribunal quer ao MP.
o Fazem a IC, mas não são eles a tomar as decisões em função dessa
investigação.
o Não podem promover autonomamente a passagem do processo da
investigação para a fase de instrução.
 Eles executam os seus atos sob direção funcional.

Ofendido

 Não é um SP.
 Tem alguns poderes significativos.
o Por exemplo, no campo do segredo de justiça.
 Se o ofendido quiser ter um estatuto mais intenso, tem de se constituir assistente.

Vítimas

 Ganhou autonomização no CPP em 2015:


o O código fez uma alteração em 2015 para acolher o estatuto da vítima sob a
forma processual.
o MAS já existia uma certa tradição do nosso CPP que atribuía poderes à vítima –
e.g, já tinha direito à palavra.
o Até 2015, tinha poderes reconhecidos:
 Os mesmos que ao ofendido;
 Ou os poderes do assistente – caso tivesse requerido a constituição de
assistente.
 A partir de 2015, passou a ter direitos específicos:
o Direitos de informação;
o Garantias de comunicação;
o Garantias de atendimento e de proteção da produção da prova;
o Instrumentos de proteção e reparação dos danos sofridos.

Suspeito

 Definido no 1º/e) /CPP.


o É alguém em relação ao qual existem indícios de envolvimento na prática de
um crime.
 FCP – diz que é um assunto delicado:
o O CPP define o que é suspeito mas depois não lhe reconhece nenhum
estatuto processual ao suspeito.
 O suspeito não é SP:
o Ele só ganhará estatuto quando se formalizar a suspeita e ele se constituir
como arguido = aí ganha estatuto formal de arguido.
 Tendo o estatuto formalizado = tem conjunto de direito e deveres
enquanto arguido.
o O suspeito é uma situação transitória.
 Em algumas situações, nós podemos identificar casos em que alguém está a ser
tratado como suspeito sem ter o estatuto do arguido:
o Exemplo - ações de prevenção em que se faz identificação de casos suspeitos:
 As pessoas que frequentam esse local são suspeitas de participar no
caso ilícito – estão indiciadas de envolvimento na prática de um crime.
 Às vezes, o legislador cria soluções ad-hoc – 86º/Nº14:
o Este confere ao suspeito, nos casos em que se confirmar que este assume a
qualidade de suspeito, o direito de ser ouvido no processo.

O Tribunal Penal

Tipos de Tribunais, Competência e Critérios Legais

O Estatuto Constitucional do TP:

 O TP tem o seu estatuto especificamente definido na CRP.


 Ideias:
o 211º CRP - Só os tribunais judiciais têm competência em matéria penal.
 = Os tribunais administrativos, os tribunais laborais, etc. não têm
competências de natureza penal.
o A competência é a medida de jurisdição de cada tribunal:
 A competência determina o acervo de casos que o tribunal pode
legalmente apreciar.
 Há certos critérios legais que determinam a competência dos tribunais
em função do território, na matéria ou da função.
 Na matéria legal = importam critérios como o de se tratar de
uma matéria específica, de uma pessoa com um certo estatuto
(se é um cidadão ou um titular de um órgão de soberania) ou
da pena cominada para o facto.
 + A lei associa às matérias da competência a tutela forte das
nulidades:
 119º/e) – a lei processual pune a violação das matérias de
competência com nulidade.

Regras Constitucionais

 111º CRP - Existe um regime de separação de poderes em que os tribunais são


sujeitos à lei e são órgãos de soberania (202º)
 203º - vinculação à lei.
 203º e 205º/Nº2 – Autoridade das Decisões Judiciais:
o TPs não têm dever de obediência ao poder político nem ao poder
administrativo.
 Resulta dos 203º CRP e 216º CRP que os juízes têm um estatuto definido
constitucionalmente de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade:
o Estes 3 valores fundamentais visam garantir a imparcialidade e a autonomia
dos tribunais.
 Inamovibilidade = não podem ser deslocados por simples atos
administrativos.
 Irresponsabilidades = não são responsáveis pelas decisões que tomam.
 209º/Nº4 CRP – Proibição de TP com competência exclusiva para julgar certas
categorias de crimes:
o Exemplo – não podemos ter tribunais específicos para julgar apenas crimes de
corrupção.
o Pode haver e há especialização do MP ao nível da investigação, mas não dos
tribunais.
 207º CRP - Proibição de júri em crimes de terrorismo e criminalidade altamente
organizada:
o Temos esta proibição constitucional para que se possa garantir a
imparcialidade da justiça penal e a sua autonomia.
 = O tribunal de júri é passível de ser influenciado pela comunicação
social, por pressões, por ameaças, por receios e medos.
o O juiz não pode atribuir competências para julgar crimes.
 32º/Nº9 – Princípio do Juiz Natural/ Juiz Legal:
o O tribunal penal não pode ser escolhido de uma forma ad hoc = tem de ser
determinado através de critérios legais de competência.
 + não há possibilidade de desaforamento do tribunal com
competência legal.
o Não pode ser condicionado por atos políticos ou administrativos.
 32º/Nº4 – Reserva do juiz em matéria que diga respeito a atos que colidam com
direitos fundamentais:
o Por isso, nas fases processuais em que a titularidade não é do juiz (e.g
inquérito), se exige a intervenção do juiz criminal para decidir um certo ato
processual que colida com direitos fundamentais.

A Organização Judiciária Penal e os Tribunais Penais

 Temos 2 critérios fundamentais de competência – em função do território e em função


da matéria:
o Território - o nosso sistema judiciário está repartido por todo o país:
 Comarcas - existe uma competência geográfica delimitada pelo
território.
 Tribunais Superiores – organizam-se por um critério territorial:
 São 5 Tribunais da Relação: Lisboa, Guimarães, Porto, Coimbra
e Évora.
o Matéria.
 Nota sobre a Competência:
o A competência do tribunal, regulada pelo 13º e ss, é sobre a competência do
tribunal para fazer o julgamento.
o MAS o processo penal começa antes:
 264º/Nº5 e 288º/Nº2 – as regras de competência do tribunal para a
julgamento são aplicáveis por remissão ao inquérito e à instrução.
 Estrutura do tribunal:
o O tribunal realiza a competência em função da composição.
o O tribunal penal pode funcionar com uma composição de:
 Tribunal Singular –16º;
 Têm competência para a pequena e média criminalidade.
 Existem em todo o país, funcionam com um único magistrado.
 Tribunal Coletivo – 14º:
 Têm competência para crimes mais graves ou crimes com um
certo peso ético-social.
 Têm sempre 3 juízes.
 Tribunal de júri – 13º:
 Só funciona a requerimento de um dos sujeitos processuais e
se o júri for possível = se não for um dos casos em que a CRP
ou a lei interdita a constituição do júri.
 Selecionam-se as pessoas através de um sorteio por entre as
pessoas da comarca, e depois há uma constituição de 4 juris
efetivos e 4 juris suplentes.

Modalidades de Competência – Critério Funcional, Material e Territorial

Critérios Legais

 O legislador utiliza critérios quantitativos e qualitativos.


 Critérios Quantitativos:
o Medida da Pena Legal:
 14º/Nº2/b) ou 16º/Nº2/b) CPP.
 Se o crime tiver uma pena até 5 anos, é da competência do tribunal
singular.
 Se for superior a 5, é da competência do tribunal coletivo.
o A pena conta-se como pena abstrata:
 Neste momento, em que se passa da fase da acusação para a fase do
julgamento, não há penas efetivas.
 Caso – imputação em concurso de crimes – crime A (1-3 anos) e crime
D (2-5 anos):
 O cúmulo material jurídico só há no julgamento, com as penas
concretas.
 Temos de analisar as penas abstratamente = a soma das penas
abstratas resulta na pena máxima aplicável de 8 anos = vai
para o tribunal coletivo.
 A pena mínima é de 3 anos (pena máxima do crime mais
baixo)
 Critérios Qualitativos:
o Pessoas:
 Avulta o cargo que a pessoa exerce = têm um estatuto jurídico-político
que implica uma certa competência especial para fazer o julgamento.
 Exemplos - PR, juízes, procuradores.
 11º/Nº3/a) – é o STJ que julga o PR, PR AR, PM.
 11º/Nº4/a) – é o STJ que julga os crimes cometidos pelos juízes do STJ,
magistrados MP.
 12º/Nº3/a) CPP.
o Matérias:
 E.g – Habeas Corpus:
 São decididos pelo STJ.
 HC é uma providencia ordinária para libertar imediatamente
uma pessoa.
o Crimes:
 14º/Nº2/a) e 16/Nº2/a).
 São da competência ou de um tribunal ou de outro.
 Exemplo – crimes de homicídio doloso – 14º/Nº2/a):
 São da competência do tribunal coletivo.
 Exemplo – contra a autoridade – 16º/Nº2/a):
 Competência reservada ao tribunal singular.
 Importância da Legalidade da Competência:
o A incompetência pode determinar invalidade total (nulidade) do processo e as
garantias para o arguido não são iguais em todos os casos – 119º/e) e 32º e
33º.

Competência Funcional

 CF = tem que ver com a função específica de um certo tribunal.


o Resulta do 17º, 18º e 288º.
 Exemplo – 18º - sobre o tribunal de execução de penas – remete a sua regulação para
lei especial.
 Nas palavras do prof.Germano Marques da Silva:
o A competência funcional delimita a jurisdição dos diferentes tribunais
materialmente competentes dentro do mesmo processo e segundo as suas
fases ou degraus e para a prática de determinados atos dentro de cada fase
ou grau de jurisdição.
 É delimitada com base na função específica do Tribunal – TIC, Julgamento, Recurso ou
Execução da Pena.

Competência Territorial

 De acordo com este critério, o tribunal competente é aquele que permite uma certa
conexão do crime com aquela localização geográfica -> 19º a 23º do CPP.
 Regra Fundamental – 19º/Nº1:
o É competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver
verificado a consumação:
 Conceito de consumação formal = significa a verificação integral de
todos os elementos do tipo incriminador.
 E.g – crime de furto – é o local onde o agente tiver suprido um
objeto com intenção de apropriação.
o Nota – Crimes com Resultado Morte– Regime Legal desde 2007:
 Segundo o Nº1, o local em que tiver morrido uma pessoa será o lugar
onde será julgado o crime de homicídio.
 Em 2007, legislador criou a exceção do Nº2:
 Tratando-se de crime que compreenda como elemento do
tipo a morte de uma pessoa, o critério é o do local onde a
conduta foi praticada (a ação ou omissão que culminou na
morte) e não o local da consumação = vale o local da ação e
não o local da morte.
 Razão desta exceção:
 O regime anterior associava a competência do tribunal ao local
onde tivesse ocorrido a morte:
o . Se uma pessoa fosse atacada em Coimbra, mas fosse
transportada de helicóptero para Lisboa, a aplicação
do critério geral obrigava a que todas as provas e
todos os envolvidos fossem reconduzidos para
Lisboa.
 Opinião FCP = acredita que esta opção é muito razoável
porque gera uma aproximação entre o tribunal competente,
as pessoas envolvidas e o local da prática do ato.
 Outros números do 19º - Regras Especiais:
o Nº3 – Crimes Habituais e Crimes Duradouros:
 = é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último ato
ou tiver cessado a consumação.
 = Regra Especial que contempla Crimes de Natureza Diferente.
 Crimes Habituais:
 Crimes que pressupõem uma repetição homogénea de um
facto que realiza o mesmo tipo.
 Exemplo - caso do crime de exercício ilegal de uma profissão,
do crime de tráfico de droga ou do lenocínio (169º), tráfico de
pessoas (160º), exploração de menores (296º).
 NESTES CASOS – Critério da Lei:
o O critério é o do local do último ato que tiver sido
praticado.
o E.g - se alguém vendeu droga em Cascais e em Lisboa,
e isso corresponde ao mesmo crime de tráfico de
droga, é competente o tribunal do último local em
que tiver sido praticada a venda de droga.
 Crimes Duradouros/Permanentes:
 Crime cuja conduta típica é suscetível de se prolongar no
tempo e no espaço por vontade do agente.
o = O facto típico não se esgota num certo momento.
 Exemplo – caso de sequestro – 158º:
o A pessoa é detida num certo momento e, enquanto
for mantida nessa situação, a pessoa está sequestrada
e o crime está a verificar-se.
o Neste caso temos 2 momentos de consumação - a
agressão do bem jurídico e a ilicitude que se prolonga
no tempo por decisão do agente.
 Outro exemplo - crime de furto de uso de veículo - 208º CP:
o O crime de furto é instantâneo = ocorre no momento
com o ato de subtração do objeto.
o O crime de furto de uso de veículo é duradouro = o
facto prolonga-se no tempo e no espaço.
 Temos 2 momentos de consumação = a consumação prolonga-
se no tempo mas também pode prolongar-se no espaço o que
coloca questões de territorialidade.
 NESTES CASOS – Critério da Lei:
o Nº3 - é o local em que cessou o período de
consumação.
o Se a pessoa foi sequestrada em Lisboa, mas fugiu em
Coimbra, é esse segundo local a área do tribunal
competente.
o Nº4 – Para atos preparatórios puníveis ou para a tentativa:
 Se o crime não tiver chegado a consumar-se, é competente para dele
conhecer o tribunal em cuja área se tiver praticado o último ato de
execução ou o último ato de preparação.
 Exemplo:
 Se foi tentada a extorsão por uma chamada telefónica de
Cascais para Lisboa, o último ato será o que determina a
competência.
 20º - Competência Territorial para os crimes ocorridos a bordo de navios ou
aeronaves:
o Estabelece o critério do local onde está ou para onde se dirige o veículo.
 21º - Situações de dúvida ou de local desconhecido de consumação:
o Se o crime estiver relacionado com diversas áreas e houver dúvidas:
 É competente o tribunal de qualquer das áreas, preferindo-se aquela
onde primeiro tiver havido notícia do crime.
o Se for desconhecida a localização do elemento relevante, é competente o
tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime:
 É um critério funcional residual.
 E.g - aparece um cadáver em São João do Estoril, que faz parte da
comarca de cascais, mas percebe-se pela medicina legal que a pessoa
morreu dois dias antes e foi largada ali - desconhecendo-se o local da
consumação ou da ação que conduziria à consumação, é competente
o tribunal da comarca de cascais que é a área onde houve notícia do
crime.

Competência Material

 Competência Material no CPC:


o 13º - Tribunal de Júri;
o 14º - Tribunal Coletivo;
o 16º- Tribunal Singular.
 A esta distribuição material de competência estão subjacentes 2 considerações:
o 1 – Os crimes mais graves são atribuídos ao tribunal coletivo e,
eventualmente, ao tribunal de júri:
 É o aspeto visível no nosso CPC.
o 2- O tribunal coletivo tem, em regra, magistrados mais experientes:
 O tribunal coletivo é composto por magistrados que já têm dez, quinze
ou até vinte anos de experiência de julgamento do que os
magistrados dos tribunais singulares.
 É um aspeto que não está tão visível no nosso código.

Critérios para a distribuição material de competência – Qualitativos e Quantitativos:

 Critérios Quantitativos:
o Medida da Pena:
 Resulta do confronto entre o 16º e o 14º:
 Quando os crimes têm uma pena máxima abstrata superior a 5
anos de prisão são da competência do tribunal coletivo.
 Contrariamente, se a pena máxima for igual ou inferior a 5
anos, o crime é da competência do tribunal singular.
 MAS este critério sofre várias alterações:
o Além do critério quantitativo, o legislador aplica também critérios
qualitativos - certas matérias ou certos crimes são atribuídos a um certo
tribunal.
 E.g – critério relacionado com a natureza do crime (crime doloso de
homicídio) - 14º/Nº2/a) – nestes casos, em que temos um crime
doloso em que a morte faz parte do tipo, temos obrigatoriamente a
competência do tribunal coletivo.
o Ou seja:
 No crime do homicídio privilegiado (133º CP) ou no infanticídio (136º
CP) a pena abstrata máxima não ultrapassa os 5 anos -> olhando
apenas para o critério quantitativo, diríamos que a competência
material seria do tribunal singular.
 Se olharmos para o critério qualitativo, como há dolo de morte,
concluiríamos que o tribunal competente seria o coletivo.
 Articulação dos Critérios – Regras Hermenêuticas - Prevalência dos Critérios
Qualitativos e Prevalência das Reservas de Competência:
o Os critérios não se podem confundir = quando se usa um não se usa o outro.
o Prevalência dos Critérios Qualitativos:
 Temos de atender à natureza do crime e não à medida da pena.
 Assim = os crimes de homicídio dolosos são sempre da competência
do tribunal coletivo, independentemente da medida da pena.
 Mesmo que sejam casos de homicídio privilegiados ou
infanticídios.
o Prevalência das reservas de competência:
 Alguns critérios qualitativos estão formulados como reserva de
competência de um tribunal – temos 2 reservas:
 14º/Nº2/a):
 Estabelece que os homicídios dolosos são da reserva de
competência do tribunal coletivo perante o singular.
o (está a prescindir do critério da medida da pena – é
residual)
 16º:
 Crimes que são da reserva de competência do tribunal
singular.
o Para preservar as regras legais de distribuição material de competência, têm
que ser respeitadas as reservas legais de competência:
 E.g – o legislador entendeu eliminar a reserva do tribunal coletivo em
2013, mas recuperou-a em 2016.

Distribuição da Competência Material em PP

 Nota:
o A competência é uma questão prévia em relação ao conhecimento do mérito
da causa.
o Os enquadramentos que determinam estas competências para o julgamento
são os que constam do conteúdo da acusação.
o Temos de respeitar a prevalência dos critérios qualitativos sobre os
quantitativos + a reserva da competência a um certo tribunal.
 Desrespeito = regime de nulidade = 119º/e).

Competência do Tribunal de Júri – 13º

 É sempre necessário requerimento:


o Não havendo requerimento, esses crimes são da competência do tribunal
coletivo.
 Abrange vários crimes previstos no Código Penal:
o Direito penal humanitário;
o Crimes contra a segurança do Estado;
o Todos os crimes graves com uma pena superior a 8 anos, incluindo o homicídio
– 13º/Nº2.
 São os que têm a seta – significa que podem passar para TJ se existir
requerimento para a sua competência.
 Depois, há exclusões:
o Terrorismo =207º CRP - organizações poderiam influenciar o júri.
o Responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
 Objetivo de salvaguardar qualidade – evitar influências populistas ou
de natureza política.

Competência do Tribunal Coletivo

 Crimes do TColetivo que são proibidos pela CRP de serem da competência do Tribunal
de Júri:
o Como não podem ser do Júri, acabam por ser da reserva do tribunal coletivo.
 = Não pode em relação a eles existir requerimento para júri.
 Se for formado tribunal de júri, haverá uma incompetência
material que viola a CRP.
 Reserva legal do tribunal coletivo em função da natureza de certos crimes – 14º/Nº2:
o É relativo aos crimes dolosos ou agravados pelo resultado e quando a morte
faz parte do tipo:
 Abrange todos os homicídios dolosos, independentemente da medida
da pena porque a morte faz parte do tipo e é doloso.
o Estes casos não podem ser objeto de um reenvio para o tribunal singular.
o MAS não há reserva perante o tribunal do júri:
 Se a pena for superior a 8 anos, pode haver requerimento para o
tribunal de júri.
o Este regime significa ainda que não pode nestes casos ser aplicado o
mecanismo do 16º/Nº3:
 Este permite o reenvio para tribunal singular de crimes que, apesar de
a pena abstrata ser superior a cinco anos, o MP considera que a pena
concreta será inferior a cinco anos de prisão.
 = É relativo a situações que por via da medida da pena abstrata seriam
da competência do tribunal coletivo, mas pode ser reenviada para o
tribunal singular se o MP considerar que a pena concreta deve ser
inferior a cinco anos.
 A competência originária é do tribunal coletivo, mas há
possibilidade de reenvio para o singular.
 ORA - Se tivermos um crime de homicídio doloso que a morte faz
parte do tipo, com pena de prisão entre 8 a 16 anos:
 Não usamos o critério quantitativo.
 Usamos o critério qualitativo do 14º/Nº2 que faz com que não
se possa ativar o 16º/Nº3.
 Diferentemente, se forem dois crimes de ofensas simples à
integridade física, com 6 anos de pena máxima.
 A competência seria do coletivo = critério quantitativo.
 MAS seria possível fazer uso do mecanismo de reenvio para o
tribunal singular do 16º/Nº3.
o + Questão:
 Se o tipo incriminador for doloso, tiver a morte como elemento do
tipo, mas a pena for inferior a 5 anos, o que acontece?
 -> Se usarmos o critério da medida da pena temos competência do
singular, mas se formos pela natureza do crime vamos para o tribunal
coletivo.
 Solução:
 Alguma doutrina entendia que o tribunal regra era o singular
e que este tinha competência em função da medida da pena.
o = Isto significava que todos os homicídios privilegiados
com pena até 5 anos seriam julgados pelo singular e
não estavam na reserva do coletivo.
 Hoje é pacifico que a reserva do tribunal coletivo não é
condicionada pela medida da pena:
o Qualquer crime doloso com morte como elemento do
tipo é da reserva do coletivo, independentemente do
critério quantitativo.
o Que crimes se incluem no 14º/Nº2?
 Homicídios Privilegiados;
 Crimes agravados pelo resultado:
 Quando o resultado é a morte enquanto agravante de um
crime doloso base.
 Sempre que se imputa a morte de uma pessoa a um facto
doloso = há intervenção do tribunal coletivo (vai ser apreciado
por conjunto de 3 juízes).
 Quanto à Tentativa de Homicídio – TS ou TC?
 Opinião FCP:
o A ratio do regime legal faz com que a tentativa de
homicídio esteja incluída na reserva do tribunal
coletivo.
o Razões:
 1º - A tentativa é a punição de um facto
associado a um tipo em especial = a tentativa
é um tipo dependente.
 2º - O dolo da tentativa é o mesmo dolo da
forma consumada = em ambos há dolo de
morte.
 Princípio da congruência temporal =
do ponto de vista do dolo não há
diferença entre a tentativa e a
consumação.
 3º - O que se exige no 14º/Nº2/a) é que a
morte faça parte do tipo e não que a morte se
verifique.
 Interpretação Declarativa = não se
exige a produção efetiva da morte.
o Conclusão = a tentativa de homicídio está na reserva
do tribunal coletivo porque é um tipo dependente, o
dolo de morte é o mesmo e a norma não exige
expressamente a verificação da morte.
 Jurisprudência:
o Foi-se confirmando esta solução e hoje é um aspeto
pacífico.
o MAS pode deixar de ser pacífico num caso concreto =
a tentativa não vem expressamente referida nestas
normas sobre a competência.
 2 Questões Controvertidas:
o Cláusulas de Suicídio:
 A questão que se coloca consiste em saber se, quando a morte está
prevista no tipo incriminador como uma agravante, pelo suicídio da
vítima, como morte autoacusada pela pessoa, esses casos são da
reserva do coletivo ou não.
 Exemplo – quando na sequência de uma violação ou um
sequestro, a vítima se suicida.
 FCP:
 Faz uma interpretação extensiva e considera que devemos
incluir na reserva do tribunal coletivo todos os crimes que
tenham um resultado agravante em que surja a morte de
uma pessoa.
 2 Razões:
o 1º - O suicídio se imputa enquanto desvalor do
resultado ao facto doloso:
 Se tivermos um sequestro que é sucedido de
suicídio da vítima, esse resultado é-lhe
imputado nem que seja a título de
negligência.
o 2º - Argumento literal, formal = a referência legal no
14º/Nº2/a) é a uma morte que faça parte do tipo, não
especifica se é auto ou hétero provocada.
o Crimes de Aborto:
 140º a 142º CP.
 Discute-se se são da reserva do tribunal coletivo por caberem no
14º/Nº2/a) ou se, não sendo, se opera o critério quantitativo.
 Prática jurídica:
 Os crimes de aborto têm sido julgados de acordo com o
critério quantitativo:
o Se se tratar de um aborto enquadrado com pena
máxima inferior a 5 anos, será da competência do
tribunal singular;
o Se for um aborto enquadrado com pena máxima
superior a 5 anos, já será da competência do coletivo,
mas com possibilidade de reenvio para o singular –
16º/Nº3.
 Considera que o aborto não é homicídio (daí haver uma
distinção) e logo não cabe nesta norma.
o CP considera que só há uma pessoa a partir do
momento em que se inicia o parto.
 = é a medida da pena (critério quantitativo) a determinar o
tribunal competente + há a possibilidade de aplicar o
mecanismo de reenvio do 16º/Nº3.
 MAS – Opinião Diversa – FCP:
 Defende que pela gravidade ético-social, os crimes de aborto
devem ser da competência do tribunal coletivo:
o Qualquer agressão que tenha por objeto a mãe e o
feto, ambos merecem tutela.
o = Defende que a vida humana é sempre a mesma e
que a diferença é entre a vida humana em formação e
a vida humana já formada.
 A diferença entre o crime de aborto e do
crime de infanticídio, está na ideia de vida
não autónoma.
 Podemos falar de uma pessoa na mesma, mas
uma pessoa em formação.
 Implicações de seguir esta linha de raciocínio:
o Inserir todos os crimes de aborto no 14º/Nº2/a) =
incluídos na reserva do tribunal coletivo.
o Consideraríamos o critério qualitativo + afasta-se a
possibilidade de usar o mecanismo de reenvio para o
tribunal singular.

Competência do Tribunal Singular

 É competente para julgar todos os casos cuja pena máxima não exceda os cinco anos
de prisão – 16º/Nº2/b):
o Exceto as reservas do tribunal coletivo.
 Outra reserva – Crimes contra a Autoridade Pública – 16º/Nº2/a):
o Razão:
 Deve-se a uma razão de eficácia e de celeridade.
 Como o singular é o tribunal com maior cobertura no país, é um
tribunal com menos dificuldades de agenda ou de funcionamento que
o coletivo e como tem competência para julgar os processos especiais,
o legislador entendeu que os crimes contra a autoridade pública,
independentemente da medida da pena, são da competência
exclusiva do singular.
 3 outras situações:
o Casos que são enviados para um tribunal singular por uso do mecanismo de
reenvio do 16º/Nº3:
 TS tem uma competência específica que resulta de o MP utilizar o
mecanismo para promover o julgamento em tribunal singular.
o Crime de Homicídio Negligente:
 É da competência do TS porque não é doloso, apesar de a morte fazer
parte do tipo.
 Exemplo - mesmo que haja concurso de vários homicídios
negligentes, no caso de um acidente de viação por exemplo, o
que corresponderia a pena máxima de três anos por cada
morte, sendo da competência do tribunal coletivo por
aplicação do critério quantitativo, poderia ser reenviado para
o tribunal singular.
 Se ele estiver associado a um crime agravado pelo resultado, é do
tribunal coletivo = 14º/Nº2/a).
o Crime de participação em rixa:
 No tipo incriminador previsto no 151º CP, o comportamento ilícito é
participar na rixa.
 + A condição de punibilidade da rixa é existir uma morte ou
uma ofensa grave = a rixa só se torna facto punível quando
desta resultar ou a morte ou uma ofensa grave.
 Se virmos os tipos, participação em rixa e homicídio, percebemos que
estes se afastam reciprocamente:
 Se alguém participar numa rixa com dolo de homicídio estará
na verdade a executar um crime de homicídio e não de
participação em rixa – aí será TC.
 Estes elementos de condição objetiva de punibilidade (morte ou
ofensa grave) não se imputam subjetivamente, pelo que não se
realiza a imputação prevista no artigo 14º nº2 a).
 A condição objetiva de punibilidade é uma restrição do âmbito
do tipo, enquanto o 14º/Nº2/a) exige uma imputação
subjetiva no sentido de que há dolo de morte.
 Não é 14º/Nº2/a) porque este exige que o crime seja doloso e a
morte faça parte do tipo = pressupõe sempre dolo ou negligência (em
relação à morte).
 O 151º pressupõe que não há uma imputação subjetiva da morte = se
quem participa numa rixa tem dolo de morte, então não podemos
julgar como participava de rixa, mas sim tentativa de homicídio.

15.11

O Regime do 16º/Nº3

Conteúdo, Finalidades e Limites

 É um método de determinação concreta da competência do tribunal - competência


que é determinada por uma promoção específica do MP:
o Se o MP não disser nada:
 A acusação pelo concurso dos crimes de furto (203ºCP) e de dano
(212ºCP), segue para o tribunal coletivo:
 A pena máxima de cada um destes crimes é de três anos,
existindo um cúmulo jurídico que, em termos abstratos,
ultrapassa a competência do tribunal singular que é de 5
anos.
o MAS o MP pode entender que a gravidade concreta do caso está dentro do
limite de 5 anos da competência do tribunal singular e para isso faz um
requerimento de reenvio ao abrigo do 16º/Nº3.
 Implica um desaforamento do tribunal coletivo.
 Objetivo:
o Libertar os tribunais coletivos.
o Este desaforamento tem que ver com razões da boa gestão da máquina
judiciária, em que intervém uma avaliação do MP.
 Questões que se suscitam:
o 1º - É possível aplicar este mecanismo a qualquer caso da competência
abstrata do tribunal coletivo?
 Não.
 O 16º/Nº3 foi alterado, limitando o seu campo de aplicação aos casos
do 14º/Nº2/b).
 Assim, só é possível usar o mecanismo de reenvio quando se aplica o
critério quantitativo e nunca pode ser derrogada a reserva material
do tribunal coletivo.
o 2º - Possibilidade do tribunal singular aplicar uma pena superior a cinco anos a
um caso que recebesse através do mecanismo de reenvio?
 Nº4 - veio esclarecer que essa possibilidade está vedada ao
estabelecer expressamente que o tribunal singular não pode aplicar
pena de prisão superior a cinco anos.
 + FCP considera que nem era necessária esta disposição porque o
simples facto de o tribunal singular receber um caso via 16º/Nº3 não
altera o limite da sua jurisdição.
o 3º - O que é que acontece se, mais tarde, os cinco anos de pena máxima se
revelarem insuficientes por se descobrir prova indiciária de uma conduta mais
grave do que a inicialmente considerada?
 O 16º/Nº4 não esclarece, a questão está em saber se o MP pode
vincular o tribunal a um certo padrão de vinculatividade concreto.
 FCP:
 Defende que se o julgamento revelar que, uma vez produzida
toda a prova, o caso é mais grave do que parecia, temos um
caso de incompetência superveniente, devendo o caso ser
reenvidado para o coletivo.
 Doutrina Maioritária – GMdS:
 Defende que recebido o processo ao abrigo do 16º/Nº3, o
tribunal singular não pode declarar-se incompetente.
o = o requerimento é vinculativo para o juiz, ele tem de
se declarar competente, mesmo que depois discorde
da gravidade do facto.
o FCP acredita que é preferível o tribunal poder
declarar-se incompetente nestes casos.
o + Dizer que o tribunal não se pode declarar
incompetente depois de já ter sido declarada a sua
competência não é um argumento válido – 32º CRP
permite a declaração de incompetência material a
todo o momento.
o Ou seja, estes 3 argumentos não procedem.
 Os problemas de suposta inconstitucionalidade do 16º/Nº3.
o Razões da Doutrina para a Inconstitucionalidade do 16º/Nº3 – MFP:
 Princípio da Legalidade das Penas:
 Isto porque é o MP que retira ilações quanto à pena aplicável,
quando é ao legislador que cabe prever as penas e ao
tribunal de julgamento aplicá-las – não cabe ao MP decidir
isto.
 FCP = responde que esse argumento não é exato porque não é
uma decisão ad hoc mas sim uma decisão prevista por lei (foi
o próprio legislador que criou o 16º/Nº3) e portanto, a
ponderação feita pelo MP não é uma decisão puramente
administrativa que permite um julgamento de forma
diferente, mas uma opção legalmente enquadrada.
 Princípio da Independência das Magistraturas:
 Nota:
o Este princípio só será eventualmente questionado se
entendermos que o tribunal de julgamento não se
pode declarar incompetente, porque nesse caso
estaria o Ministério Público a fazer julgamento contra
a convicção jurídica do tribunal.
o FCP = Aceitando a possibilidade de o tribunal de
julgamento de declarar incompetente por facto
superveniente, está salvaguardado o princípio da
independência das magistraturas.
 Princípio do Juiz Legal ou Juiz Natural:
 Segundo este = é a lei a determinar a competência do tribunal
e este não pode ser concretamente escolhido.
 FCP = Ora, é o legislador que permite a opção pelo julgamento
em tribunal singular e, além disso, o MP não escolhe o
tribunal em concreto, o que faz é enviar o caso para o tribunal
singular e não para o juiz x ou y.
o = O TC já analisou a questão e declarou a não inconstitucionalidade do
16º/Nº3.
 Acs. 393/89, 435/89, 143/90, 31/91, 212/91.
o Porém, há outros temas que podem suscitar verdadeiros problemas.
 1º - Possível limitação ao princípio in dubio pro reo:
 FCP defende que se o mecanismo do 16º/Nº3 for
corretamente aplicado, não implica uma limitação ao in dubio
pro reo nem sequer sobre a presunção de inocência.
 Isto porque ao receber o processo, o tribunal não se
pronuncia sobre a gravidade do caso, mas sim sobre a
possibilidade de fazer o julgamento e para isso apenas verifica
os elementos do 16º/Nº3.
o Só haveria essa limitação se, no despacho sobre a
competência, o tribunal se pronunciasse sobre o
mérito da causa.
o O tribunal apenas averigua se a lei consente que o
tribunal singular pode julgar o caso – 311º-1 CPP.
 A declaração de competência, em geral, nunca
incide sobre o mérito da causa.
 2º - O facto de existir este desaforamento implica ou não uma violação
das garantias do arguido?
 Nota = não é a mesma coisa ser julgado pelo tribunal coletivo
ou pelo tribunal singular:
o No singular = a prova não é apreciada por três juízes,
não há troca de impressoes e dúvidas, e não é possível
um voto contra = temos menos garantias.
 No TS, o arguido perde a garantia de o caso ser apreciado por
três juízes MAS POR OUTRO LADO passa a ter uma garantia
adicional que resulta de não se poder ultrapassar a jurisdição
do tribunal singular:
o Se o crime em causa tiver uma moldura penal entre 2
a 8 anos, o arguido tem a garantia de que ao ser
julgado pelo tribunal singular, não pode ser julgado
em mais de 5 anos = 16º/Nº4.
 A questão está em saber se o arguido se conforma com a
vantagem do 16º/Nº3 ou se lhe é mais vantajoso o tribunal
coletivo.
 3º - O arguido ou o assistente podem manifestar a sua oposição ao
requerimento do mecanismo do 16º/Nº3?
 No anteprojeto de FD, o requerimento dependia da
concordância de ambos, arguido e assistente, porém hoje não
há base legal para essa exigência.
o Eles eram ouvidos e podiam opor-se ao requerimento
do MP.
 Doutrina Maioritária:
o Entende que não há lugar a requerimento de sentido
contrário ao 16º/Nº3.
o Funciona por opção exclusiva do MP e o arguido e o
assistente não se podem opor.
 Doutrina Minoritária:
o FCP defende que há razões de independência da
magistratura e tutela do ofendido para permitir essa
oposição.
o O arguido deve ter a possibilidade de se opor ao uso
desse mecanismo se isso implicar uma diminuição das
suas garantias.
 Ou seja, ele pode alegar a incompetência do
tribunal num requerimento e requerer o
julgamento pelo TC.
o O assistente deve ter a oportunidade de se opor ao
mecanismo se este uso for contra a sua pretensão.
 Não obstante = o entendimento geral é o de que não é
possível reagir e que o mecanismo é da exclusiva competência
do MP.
 + O requerimento de abertura de instrução desfaz o efeito do mecanismo de reenvio:
o Entendimento de FCP, não acompanhado pela jurisprudência:
 Se for requerida a abertura de instrução, o juiz de instrução decide
autonomamente.
 O mecanismo é para o julgamento e ao haver instrução está-se noutra
fase.
o Gera 2 problemas distintos:
 1º - Saber se, não sendo usado o mecanismo de reenvio pelo MP,
pode o JIC fazer uso dele.
 FCP = o JIC não pode usar o mecanismo do artigo 16º nº3
porque a lei não prevê essa possibilidade.
 2º - Saber se, havendo abertura de instrução, é possível ou não
continuar a usar o requerimento que foi apresentado anteriormente:
 FCP entende que o 16º/Nº3 contém um mecanismo que é um
ato do titular do inquérito que já terminou, assim sendo, foi
um ato que não teve sequência porque não foi seguido de
julgamento, mas de fase de instrução.

A Competência por Conexão

Conteúdo

 É um regime legal específico de atribuição de competência -24º a 31º.


 A competência por conexão pressupõe que, existindo uma pluralidade de processos
diferentes, um deles gera uma força atrativa em relação aos outros e uma
concentração de competências.
o Significa que há um alargamento da competência de um dos tribunais com
derrogação da competência de outros tribunais.
 Exemplo:
o Imaginemos que o processo A é da competência do tribunal 1, o processo B é
do 2 e o processo C do 3.
 Burla no Porto, burla em Aveiro e burla em Coimbra.
o Em princípio, o tribunal 3 não ia julgar o processo A nem o B, mas por força do
regime da competência por conexão, há um alargamento da sua competência
podendo ser competente para julgar tanto o processo C como os A e B, pelo
que vai receber processos autónomos que seriam da competência de outros
tribunais.
 = Um processo exerce uma força atrativa em relação a outros.
 =/= Concurso de crimes:
o É um erro dizer que há situação de competência por conexão quando há
concurso de crimes.
o A competência por conexão pressupõe sempre uma pluralidade de processos
em que um exerce uma força atrativa ao outro ou outros.
 Quando, por exemplo, o MP deduz acusação, identificando três
situações criminalmente relevantes, imputando três crimes, há uma
situação de potencial concurso, mas não há nada que tenha que ver
com competência de conexão porque já está tudo no mesmo
processo.
 = A competência por conexão pressupõe uma agregação de processos.

Pressupostos e Efeitos

 Pressupostos:
o 1º - Pluralidade de processos distintos;
 Não há CdC por concurso de crimes.
o 2º - Pluralidade de tribunais competentes.
 -> Portanto, exige vários processos com vários tribunais competentes.
o 3º - Fator de conexão/ de relação entre os processos.
 Situações de conexão – 24º/Nº1 e 25º.
 Normalmente estes fatores de conexão são objetivos (entre os crimes)
ou subjetivos (entre os agentes) ou mistos.
o 4º - Tramitação Concomitante – 24º/Nº2:
 Os processos têm de estar na mesma fase processual para que se
possam juntar.
 + Efeito:
o Há o alargamento da competência de um tribunal com derrogação da dos
outros.
o Exemplo:
 Se um homicida em série praticar vários crimes de acordo com o
mesmo padrão ao longo do país =em cada lugar que ocorreu o crime,
há um processo.
 Poderá acontecer que estes processos sejam agregados num só
tribunal que, em princípio, será o tribunal com maior competência.

Finalidades/Razões de Ser
 1º - A CpC permite uma melhor apreensão da prova:
o É possível obter uma melhor apreciação da prova em conjunto com os vários
factos dos vários processos conexos.
 2º - Comunhão de Prova:
o O facto de existirem provas que individualmente têm pouco valor, mas em
conjunto são o bastante para fazer prova de um facto.
 3º - Economia Processual:
o Em vez de termos vários processos e vários tribunais que até podem envolver
um mesmo o arguido a repartir-se por todos eles, passamos a concentrar tudo
num só.
o Essas razões de economia processual funcionam quer para o aparelho de
justiça, quer para o arguido e o seu defensor.
 4º - Evitar a contradição de julgados:
o Podem existir vicissitudes processuais diversas que determinem decisões
distintas e assim evita-se uma aparência de contradição.
o Se for tratado tudo junto, minimizam-se as discrepâncias na condução do
processo.
 5º - Ponderando tudo junto, consegue-se entender melhor os aspetos do concurso da
própria determinação da pena única:
o As penas não são somadas de forma aritmética porque em concurso há o
cúmulo jurídico mitigado.
 Se os processos estiverem dispersos, na prática vamos ter uma
espécie de cumulo aritmético por via judicial.
 A dispersão de processos dificulta, por isso, a aplicação do cúmulo
jurídico mitigado e se for tudo junto para efeitos de julgamento, a
decisão final faz ela própria o cumulo jurídico mitigado.
o Exemplo – cúmulo jurídico:
 77º CP – Regras de Punição do Concurso.
 Imaginemos um arguido que cometeu três crimes com as seguintes
penas: crime A, 5 anos, crime B, 4 anos e crime C, 5 anos.
 -> Um regime de cúmulo material (ou aritmético) seria somar
estes valores, o que resultaria numa pena de 14 anos.
 O nosso sistema é de cúmulo material, mas mitigado por um
critério jurídico – o 77º CP exige que se aplique uma pena
única determinada de acordo com uma nova moldura penal
que resulta das somas concretamente aplicadas.
 Assim, o limite máximo será a soma das penas (neste caso 14
anos) e a pena concretamente mais elevada será o limite
mínimo (neste caso 5 anos).
o Desta forma, e tendo em conta o exemplo, a moldura
penal dentro da qual o juiz definirá a pena em
concreto será de 5 a 14 anos.
 Razão deste mecanismo:
 Serve para que se relacione a culpa do arguido;
 Porque as penas têm efeitos cumulados:
o Quer isto dizer que os efeitos da pena não são
aritméticos e aumentam quanto maior for o período
de isolamento do agente.
o Quando uma pessoa cumpre uma pena de 9 anos, não
está a cumprir 3 + 3 + 3, porque há uma quebra de
laços com o mundo exterior, maior isolamento, entre
outros fatores que fazem com que o sofrimento do
agente vá aumentando consoante o passar do
tempo. Assim, os segundos 3 anos serão muito mais
penosos do que os primeiros 3, daí que tenha havido
uma opção pela pena única.
o Assim, pelo facto de o limite máximo desta moldura
penal ser a soma das penas concretamente aplicáveis,
o agente vai, na maiorias das vezes, beneficiar de uma
pena menor àquela que seria aplicada no caso de não
haver esta regra do 77º CP.

Conexão de Processos v. Junção de Processos

 Competência por conexão:


o É um sistema de concentração de competências de um tribunal com
derrogação de competências de outros.
o É atribuída pela lei = a lei tipifica os casos em que há lugar a junção de
processos para efeito de determinação da competência = regime imperativo.
 Junção de Processos:
o Pode ser pela mera conveniência jurídica.
o A conexão não pode gerar perturbações processuais, o que significa que nos
casos em que isso aconteça, as razões substantivas vão ser preteridas, mas
depois quando for para determinar a pena única pede-se a junção de
processos para esse feito = a junção de processos pode surgir se falhar algum
dos requisitos da conexão.

Interpretação Restritiva do 24º/Nº2

 24º/Nº2:
o Os processos só se fazem operar pelas regras de competência de conexão
quando se encontram simultaneamente na mesma fase.
 Interpretação Restritiva – Jurisprudência:
o Consiste em dizer que não basta que os processos estejam simultaneamente
na mesma fase, é necessário que estejam em momentos compatíveis da
mesma fase.
o Exemplo:
 A fase de julgamento vai desde o saneamento à efetiva decisão.
 Se um processo estiver no saneamento e o outro estiver já no fim do
julgamento, seria absurdo conectá-los porque seria um fator de
perturbação processual já que implicaria repetir ou anular os atos
processuais já praticados neste último processo.
 = Assim sendo, além de os processos terem de estar na mesma fase processual, devem
estar em momentos compatíveis.
Aplicação das regras de conexão: competência para o julgamento (24º e ss) e também
instrução (288º-2) e inquérito (264º-5).

A Nulidade por Incompetência

 O regime das invalidades é o seguinte:


o Provas proibidas – 126º;
o Nulidades Insanáveis;
o Nulidades Sanáveis;
o Ineficácia;
o Irregularidades;
 Princípio da Tipicidade das Nulidades – 118º/Nº1.
 119º/e):
o Prevê uma nulidade insanável do processo por violação das regras de
competência.
 Demonstra que o legislador leva muito a sério a determinação e a
regras de competências.
o Isto em especial para as regras de incompetência material.
 Exceções – 32º e 33º:
o Limitam os efeitos dessa nulidade e em alguns casos converte-a em nulidade
atípica ou mista.
 Conjugação das Normas:
o Regra Geral da violação das regras de competência material:
 Nulidade insanável = 119º/e).
o A violação das regras de competência não é a mesma em todas as
modalidades de competência:
o Competência Territorial – Regime Específico – 32º/Nº2:
 Gera uma nulidade sanável – só pode ser arguida até ao início do
debate instrutório ou até ao início do julgamento – depois, sana-se.
 Solução especial = o momento para arguir a incompetência
territorial é anterior face às outras incompetências (que
podem ser alegadas até ao trânsito em julgado da decisão
final) – Nº1.
o Limitações que resultam do princípio da economia e aproveitamento dos atos
processuais:
 33º/Nº3 – Validade das Medidas de Coação e de Garantia Patrimonial
decretadas pelo Tribunal Incompetente:
 Prevê que as medidas de coação ou de garantia patrimonial
ordenadas pelo tribunal declarado incompetente conservam
eficácia, mas devem ser convalidas ou infirmadas pelo
tribunal competente.
 Em regra, as medidas de coação estão imunizadas em relação
à declaração de nulidade por incompetência do tribunal que
as decretou = são reavaliadas e revalidadas pelo tribunal
competente, não obstante manterem a sua eficácia por razões
preventivas.

MINISTÉRIO PÚBLICO
O MP: origem, natureza e funções, artigo 4º Lei 68/2019

 O Ministério Público é um sujeito processual:


o Tem um estatuto no processo penal + cuja concretização implica poderes de
conformação da tramitação do processo.
 O MP é o órgão judiciário de aplicação do direito - não é um órgão de soberania, é
uma entidade pública com poderes específicos.
 Origem Histórica:
o O MP tem origem na figura dos procuradores da coroa que, representavam os
interessa na coroa nos vários locais do país, e ao mesmo tempo tinham
funções de salvaguarda e proteção de certos elementos da sociedade,
designadamente os menores.
o O princípio da separação de poderes levou a que se distinguisse entre o
procurador público e o procurador da coroa, em que um representava o
interesse do Estado e o outro tinha legitimidade para decidir sobre o caso e
aplicar o direito.
o Esta separação foi-se consolidando ao longo do século XVIII + as leis da
organização judiciária do século XIX já contemplam claramente esta
separação:
 Por um lado, a representação dos interesses públicos nos diversos
locais do país;
 Por outro, a competência decisória para aplicar o direito ao caso
concreto.
 Características do MP, entre nós:
o É uma entidade com competência muito alargada e com estatuto específico
no âmbito do processo penal.
o O MP tem a seu cargo a representação do Estado (dos seus interesses,
incluindo em contencioso administrativo), representação dos menores em
todos os processos, funções de fiscalização, consulta, funções específicas do
âmbito do processo penal ligadas ao exercício da ação penal e ainda funções
específicas em relação aos trabalhadores, em processos de natureza laboral.
 = São competências muito heterógenas – 219º CRP e 4º do Estatuto.
 Há quem entenda que estas competências heterogéneas são
excessivamente heterogéneas:
o Que existir uma representação estadual dos
trabalhadores é algo incompatível com a função do
Ministério Público no século XXI.
o MAS isto tem a ver com a origem histórica do
Ministério Público, que protegia as pessoas que
estavam numa situação de maior debilidade.
 Hoje em dia as competências são heterogéneas e abrangem
tanto poderes de promoção da ação penal como a proteção
de pessoas em situações debilitadas ou a representação do
Estado em termos nacionais e internacionais.
 De onde resultam as funções do MP?
o As funções do MP resultam desde logo da CRP – 219º e 220º.
o + Estatuto: Lei nº 68/2019;
o MAS o MP também exerce a ação penal de acordo com princípios
estruturantes do seu estatuto orgânico segundo critérios de legalidade,
objetividade e imparcialidade.
 Há quem entenda que isto é uma descaracterização do MP.
 Na verdade, a posição do Ministério Público no âmbito do processo
penal português é de exercício da ação penal de acordo com critérios
de legalidade e imparcialidade = O MP não decide o caso, mas tem
critérios legais objetivos para decidir como é que promove o caso.
 Importância do MP no PP:
o Controlo do inquérito criminal por uma magistratura, evitando inquéritos
exclusivamente policiais, obrigando a uma articulação dos OPC com o MP
dentro e no âmbito do inquérito.
o Controlo judicial de atos e do resultado do inquérito.
 = CPP encontrou um equilíbrio entre a titularidade do inquérito e o
controlo judicial.
 Vai contra a ideia de que a direção do inquérito devia caber a um juiz e
não ao MP - se fosse titularidade de um JIC seria um JIC a controlar um
JIC, ou então deixaria de haver controlo externo.
o Separação clara entre acusação e julgamento.
o Clarificação do responsável pela investigação criminal = MP.

Organização Hierárquica e Dever de Obediência

 O nosso MP organiza-se de acordo com o princípio da hierarquia e com dever de


obediência aos superiores hierárquicos.
 Princípio da Hierarquia – 219º/Nº4 CRP:
o Faz com que toda a estrutura do MP na organização judiciária portuguesa seja
uma estrutura em pirâmide:
 Cada magistrado do Ministério Público tem sempre algum magistrado
acima de si.
 Exceção = Procurador-Geral da República = é o topo da hierarquia.
 Depois vice-PGR, procuradores-gerais adjuntos com funções
distritais, procuradores da República e depois temos o início
da carreira dos magistrados do Ministério Público.
o Limites = Atenuada em matérias que correspondam a processos criminais =
97º/Nº4 e Nº5 = impede a reapreciação imediata do ato pelo superior
hierárquico.
o O superior hierárquico tem o poder de avocar o processo e redistribuir o
processo – pode significar que um outro magistrado está em melhores
condições para fazer aquele julgamento.
o Assim sendo, o MP organiza-se de acordo com um sistema hierárquico em
que há dever de obediência ao superior hierárquico, mas contido dentro da
hierarquia.
 Dever de obediência:
o Este dever de obediência pode cessar por razões de consciência e ilegalidade,
em algumas situações – 97º e 100º da Lei 68/2019:
 Os subalternos podem pedir a confirmação das ordens, o que é uma
forma de documentar objetivamente a ordem e o dever de obediência
à ordem.

Autonomia, Responsabilidade, Objetividade e Imparcialidade

 Os magistrados do MP não são uma parte apreciadora.


o Ele exerce a ação penal, mas tem de a exercer de acordo com critérios de
objetividade, legalidade e imparcialidade e não de acordo com o critério de
uma parte acusadora.
 = A expressão máxima disso é a possibilidade de interpor recursos
favoráveis ao arguido.
 Legalidade, objetividade e imparcialidade = 219º CRP, 2º CPP.
 Quanto à autonomia:
o Eles têm autonomia, mas está integrada dentro da organização hierárquica:
 Isto significa que os magistrados do MP não recebem indicações ou
instruções fora da sua hierarquia.
 Rege um princípio da responsabilidade:
o Os magistrados podem ser responsabilizados pelos atos que praticam.
 Critério de objetividade:
o Os magistrados visam apurar a verdade dos factos mesmo em sede de
inquérito.
 Têm de assumir uma postura de imparcialidade.
 Garantia de estabilidade e inamovibilidade - 219º-4 CPP e 99º Estatutos.
 Nota – como entender a posição do magistrado do MP:
o A magistratura do MP corresponde a uma magistratura de carreira = têm um
percurso que corresponde a uma magistratura autónoma em relação à
magistratura judicial, e, portanto, são também magistrados de carreira com
funções públicas.
 Não são, ao contrário de outros sistemas, pessoas escolhidas ou
selecionadas fora da carreira para esse efeito.
 Ao contrário dos juízes, o Procurador-geral da República é nomeado e
exonerado pelo PR, por proposta do Governo – 133º-m CRP.
o No nosso sistema, o MP tem competências penais específicas:
 Algumas delas são exclusivas = direção do inquérito, que é
fundamental para a realização da justiça penal, fazendo-o de acordo
com critérios de legalidade e de imparcialidade.
o O nosso MP tanto realiza as suas funções acusando como pedindo a
absolvição:
 Ou seja, depois de pedir a prova, ele pode pedir a condenação ou
pedir a absolvição.
 A nossa magistratura do MP não corresponde a uma parte acusadora:
 Ele tem funções de titularidade do inquérito e de sustentação
da acusação no julgamento, mas tem liberdade para, de
acordo com os factos e a lei, fazer a promoção do processo de
acordo com a sua consciência.
o Há quem entenda que isto gera uma crise de identidade = que o MP é como
uma parte acusadora que consegue uma coisa completamente distinta:
 FCP discorda:
 O MP é intencionalmente uma magistratura de carreira de
acordo com poderes de legalidade, e isto favorece a
descoberta da verdade material, porque dá uma liberdade
muito significativa aos magistrados do Ministério Público para
a realização da justiça penal e para a sua humanização.
 Aquilo que seja a promoção do caso é feita de acordo com
razões de legalidade e pelo estatuto de magistrado = por isso é
que é possível o magistrado do MP pedir a absolvição dos
arguidos.
 Nota:
o Um pedido de absolvição só é possível em função das
vicissitudes do caso concreto e da produção de prova
em julgamento.
o Se por exemplo, não foi feita prova ou se já decorreu
o prazo para a prescrição, um magistrado do MP que
se orienta de acordo com o seu estatuto por critérios
de legalidade não pode fazer outra coisa senão pedir
a absolvição.
 = O MP não pode pedir a condenação em
todos os casos em todo o custo, tem de tomar
a decisão em função daquilo que seja uma
situação concreta do julgamento concreto em
que participou.
 Se se concluiu que a lei tem uma lacuna e que
o facto não é típico, é evidente que não pode
deixar de pedir a absolvição.
 Se se chegou à conclusão de que a prova não é
suficiente, têm de operar as regras do in dubio
pro reo.

Regime – 401º/Nº1/a)

 Expressão máxima sobre o estatuto do MP + o facto de este fazer justiça penal


acusando ou arquivando, pedido a condenação ou a absolvição.
 Nº1 – Legitimidade do MP para interpor recursos:
o Enquanto a legitimidade do arguido e do assistente estão condicionadas às
decisões que os afetem, o Ministério Público pode interpor recursos quer em
desfavor quer a favor do arguido.
o O MP deve pugnar pela justiça do caso concreto = essa justiça do caso
concreto exige que tome a decisão mais adequada ao caso que tiver em mão:
 Pode pedir a condenação;
 Pedir a absolvição da responsabilidade;
 Pedir a interposição de recurso para obter uma decisão mais
favorável:
 Exemplos:
o Se a pena for excessiva;
o Se houver uma condenação num caso em que não
houve prova e devem ser acionadas as regras do in
dubio pro reo;
o Se for feita uma condenação com provas proibidas.
o = A ideia de objetividade e imparcialidade prevalece sobre a posição que toma.
 Funções específica do MP no processo penal (elenco exemplificativo):
o Titularidade do inquérito e competência exclusiva para acusar e arquivar (com
derrogação específica nos crimes particulares)
o Homologação da desistência (51º-2) – faz atos parajurisdicionais.
o Promoção do 280º, 281º= mediação penal.
o Promoção dos processos penais.
o Promoção 16º/Nº3 e casos excecionais de crimes semipúblicos (interessa da
vítima – 113º-5).

A relação entre o MP e os OPC

 Artigos 55º e 56º + 263º.


 O legislador atribuiu a titularidade do inquérito ao MP e não a um JIC ou às polícias:
o = MP dirige o inquérito.
o O nosso legislador rejeitou os inquéritos exclusivamente judiciais e rejeitou a
atribuição dos inquéritos integralmente a um juiz de instrução criminal.
o Nota - há quem entenda que o legislador português fez uma má opção,
porque a estrutura do MP é menos garantística do que a magistratura
judicial, e, portanto, os inquéritos criminais respeitariam as garantias
fundamentais de uma forma mais profunda se a competência fosse atribuída
a um juiz de instrução e não ao Ministério Público:
 FCP discorda:
 Se fosse um JIC o titular do inquérito, a fazer a investigação
criminal, ele teria esse encargo legal + teria de haver uma
outra entidade (um outro JIC) a fazer o controlo do
cumprimento das garantias.
 A opção do nosso legislador é muito equilibrada e acertada:
o Por um lado, não atribui a investigação criminal às
policias.
o Por outro, cria a possibilidade de haver controlo do
juiz de instrução criminal em vários atos no âmbito
do próprio inquérito.
o = Desse ponto de vista, a solução do legislador é
aquela que permite um maior aprofundamento das
garantias.
 A magistratura do Ministério Público tem a titularidade do inquérito criminal, mas é
uma magistratura, não é uma polícia de investigação criminal:
o A titularidade do inquérito está atribuída a uma magistratura que não tem
competências específicas de investigação criminal.
 = são competências dos OPC e em particular da polícia de investigação
criminal (polícia judiciária).
o Isto significa que é necessário o MP articular-se com os órgãos de polícia
criminal no âmbito dos inquéritos judiciais criminais.
 Isto é deixado à ponderação do Ministério Público em sede de
inquérito = MP tem direção funcional e titularidade do inquérito.
 Existem regras para essas matérias, mas o MP pode praticar ele
próprio alguns atos e utilizar algumas diligências e outras atribuí-las
aos órgãos de polícia criminal = os OPC podem ter um protagonismo
maior ou menor.

A “direção funcional” e a autonomia técnica e tática dos OPC

 A direção funcional do MP tem de ser articulada com a autonomia dos próprios OPC:
o Ver 2º, 1º e 4º LOIC.
 O que significa o reconhecimento legal da autonomia técnica e tática dos OPC?
o A forma, o modo e o tempo de fazer as coisas = cabem aos OPC decidir.
o Ver 2º, 5º e 6º LOIC.
 Mas há uma relação de direção funcional do MP:
o É uma relação de supremacia sem hierarquia.
o 2º LOIC, Lei 48/2008:
 O MP pode determinar a realização de certas diligências, pode dar
indicação preferencial quanto à obtenção de certos meios de prova,
pode avocar os processos que tenham sido distribuídos à polícia
judiciária ou aos órgãos de polícia criminal e pode realizar ele próprio
as diligências no caso concreto.
 Tem poderes de dirigir, requerer, fiscalizar, dar instruções e avocar o
processo – 2º/Nº7 LOIC.
 Exemplo:
 Pode enviar um processo para investigação, mas depois
entender que, para ouvir certas testemunhas ou arguidos, é
preferível que seja devolvido ao MP.
o = Isto está previsto na LOIC e não colide com a
autonomia técnica e tática dos OPC.

Os OPC de competência genérica e os OPC de competência especifica

 Artigo 1º:
o Os OPCs são entidades com uma estrutura ou natureza policial a quem cabe a
prática de atos previstos no código.
o = É a lei que qualifica as entidades como órgãos de polícia criminal, não é a
prática do ato:
 Uma entidade administrativa pode colaborar numa investigação
criminal, mas não se converte em órgão de polícia criminal por isso.
 Continua a ser uma entidade administrativa, a colaborar no
processo criminal, considerados coadjuvantes ou de
assistência.
 LOIC – 2 parâmetros importantes:
o 1- Relação entre Ministério Público (titular do inquérito) + e os órgãos de
polícia (executam as diversas diligências com maior ou menor autonomia.)
o 2 - A repartição de competências entre os órgãos de polícia criminal,
estabelecendo, designadamente, uma competência reservada à polícia
judiciária em certos casos e competência genérica aos outros.
 Classificação como OPC – Dupla Técnica Legislativa:
o É feita pela lei diretamente ou por equiparação.
 Ou o legislador declara que uma certa entidade é um órgão de polícia
criminal;
 Ou declara que se equipara a órgão de polícia criminal, o que significa
que de acordo com a sua natureza não é, mas tem os poderes e o
estatuto de um órgão de polícia criminal.
 Classificação feita por lei – 3º LOIC:
o Nº1 - OPC de competência genérica - PJ PSP e GNR;
o Nº2 - OPC de competência específica - SEF, ASAE, AT;
o + nota:
 As entidades reguladores não são órgãos de polícia criminal, mesmo
que tenham algumas competências paracriminais ou que se articulem,
= Banco de Portugal, CMVM, a Autoridade de Seguros, a Autoridade
da Concorrência, o que aliás seria incompatível com a sua natureza.
 Funções:
o OPC podem constituir arguido (58º-3)
o Podem deter um suspeito e lavrar auto de notícia que dá origem à constituição
(58º-2-c) e d) e 243º-3).
o Podem aplicar TIR (196-1)
o Têm deveres de comunicação às autoridades judiciárias (58º-3; 243º-3; 248º;
259º CPP, em regra no prazo máximo de 10 dias (com exceção da detenção
que é imediato).
o Praticam todos os atos cautelares necessários e urgentes à conservação da
prova (art.5 LOIC), previstos no art. 248º e ss.
o Iniciam o processo, mas a competência final para abrir o inquérito formal é
sempre do MP (263º e ss).

Considerações Finais

 Porque o Ministério Público corresponde a uma magistratura de carreira e porque não


foi aceite entre nós o sistema dos inquéritos policiais, é que muitos atos do Ministério
Público são atos que transcendem as funções tradicionais do Ministério Público num
processo de partes:
o Pode promover a suspensão provisória do processo e promover o seu
arquivamento, o que significa promover uma decisão no âmbito do inquérito.
o Pode homologar a desistência da queixa, o que impede a sua renovação.
o Pode utilizar o mecanismo do processo sumaríssimo, fazendo uma proposta
sancionatória concreta.
 Lembrar que o nosso MP é uma magistratura de carreira que contribui para a
realização da justiça penal:
o Tem poderes parajudiciais que permitem tomar decisões que vão acabar por
determinar o caso concreto e que em certo sentido correspondem a decisões
do caso.
o Mas porquê?
 Nós não temos um Ministério Público como uma pura e simples parte
acusadora.
 As funções históricas do MP são muito mais amplas e a autonomia do
Ministério Público a partir do momento em que corresponde a uma
magistratura de carreira tem outra dignidade institucional que não
tem noutros países.
 FCP = acredita que isto é uma grande vantagem do sistema penal
português:
 Já viu casos de julgamento em que a liberdade que o
Ministério Público tem para pedir a condenação ou a
absolvição é fundamental para o magistrado promover uma
decisão para o caso concreto = ele não decide o caso, mas isso
permite que atue de acordo com a consciência e de acordo
com a verdade do julgamento.

O ASSISTENTE E AS PARTES CIVIS

Notas Iniciais

 1º - A figura do assistente corresponde a um sujeito processual específico que só


depois de investido judicialmente nessa posição é que assume os poderes
processuais inerentes a esse estatuto.
o = A figura do assistente molda-se na figura do ofendido, mas só existe
assistente depois de seguido um procedimento:
 Tem de haver um requerimento, controlo da legitimidade,
contraditório, e proferimento de uma decisão.
 Assim, a figura do assistente tem uma componente formal = tem de
seguir o processo que culmina numa situação de investidura de
alguém numa situação de assistente.
 2º - Os assistentes são sujeitos do processo:
o Isto por contraste com as partes civis, que são apenas parte do pedido cível
que pode acompanhar o processo pena.
 = não têm o mesmo estatuto nem os mesmos poderes.

Assistente, Ofendido e Lesado – CPP

 O CPP tem uma parte específica dedicada ao assistente no 68º e ss.


o + no 67º-A, refere-se à figura da vítima.
 Nota - Vítima:
o Esta figura foi acrescentada em 2015:
 Resulta de compromissos internacionais do Estado português de
direitos da UE.
 É uma figura que acresce à figura do assistente, que já existia desde o
Código de 1987.
o A vítima tem um estatuto jurídico:
 São-lhe conferidos alguns direitos - 67º-A/Nº4.
o MAS mesmo assim, não é uma figura equivalente nem se confunde com a do
assistente:
 A figura do assistente tem uma conotação formal de investidura no
estatuto de participação no processo com poderes processuais =
enquanto o CPP se continuar a referir à figura do assistente, isso
corresponde a uma figura específica com poderes processuais.
 Para FCP a vítima não é um sujeito processual.
 Os vários conceitos:
o Lesado:
 É a pessoa que sofre as consequências civis relacionadas com o crime:
 Sofre danos patrimoniais ou morais relacionados com a
prática do crime.
 74º CPP:
 O lesado pode fazer um pedido de indemnização que, em
regra, acompanha o processo penal em curso.
 Vigora aqui o ‘princípio da adesão’.
 O lesado é, no fundo, uma parte do pedido de natureza cível que
acompanha o processo.
o Ofendido:
 Nos termos do CP e do CPP:
 É o titular de um interesse que a lei especialmente quis
proteger.
o = É o titular do BJ protegido pela norma incriminadora.
o e.g – usado para identificar o titular do direito de
queixa, aferindo a sua legitimidade.
o Assistente:
 É o sujeito processual investido nessa qualidade e que corresponde
ao ofendido ou a quem represente ou suceda na posição do
ofendido.
 Nota – há casos em que o assistente não é o ofendido:
 Nos casos de incapacidade do ofendido, há uma situação de
representação.
 Casos em que o ofendido morre e lhe sucede outra pessoa.
o Relação:
 O ofendido tem um estatuto processual, mas não é sujeito processual.
 Em regra, o ofendido corresponde à vítima do crime, embora o
conceito de vítima do crime seja mais amplo porque este se estende
aos familiares, nos termos do 67º-A/Nº1/a) ii).
 O assistente é alguém cuja legitimidade se recorta a partir do conceito
material do ofendido, em princípio.
o Os conceitos podem ou não coincidir:
 Imaginemos que uma pessoa adulta é vítima de ofensas à integridade
física.
 = Nesse caso, a mesma pessoa é vítima, é titular do bem
jurídico (é o ofendido) e pode, em função disso, constituir-se
assistente.
o + Uma vez que sofreu danos, pode também pedir uma
indemnização.
 Diferentemente, se a vítima de ofensas à integridade física for um
menor de idade inferior a 16 anos:
 É vítima + é o ofendido (porque é o titular do bem jurídico)
MAS como é menor, não tem legitimidade para se constituir
assistente.
 Quem pode ser o assistente? – 68º/Nº1/d):
o Atribui a legitimidade para constituição de assistentes
às pessoas próximas ao ofendido menor.
 + Pode ser pedida uma indemnização, tanto pelo ofendido
que foi lesado, como pelos pais do ofendido que tiveram
despesas patrimoniais com o tratamento do menor.
 = Neste caso, os conceitos não coincidem.
 Assim, é possível haver ou não uma coincidência entre os vários
conceitos:
 A determinação do que seja o assistente implica sempre uma
operação hermenêutica = temos de determinar o bem
jurídico, e depois determinar se o bem jurídico está na
titularidade da pessoa, para podermos atribuir a essa pessoa
a legitimidade de constituição do assistente.
 + Concluímos que em regra, o ofendido (o titular do bem jurídico
agredido) é a vítima, mas o conceito de vítima é mais amplo do que o
conceito de ofendido porque inclui a família.
 Portanto a vítima, nos crimes com vítima, é sempre o
ofendido.
 + O critério de constituição de assistente molda-se sobre o
critério do ofendido, mas é mais amplo.

Conceito Amplo e Restrito de Ofendido

Nota Introdutória - Jurisprudência portuguesa

 A jurisprudência portuguesa tem oscilado bastante quanto à concretização do conceito


de ofendido dando origem a 2 correntes:
o Uma de natureza jurisprudencial:
 Faz uma interpretação restritiva do conceito de ofendido.
 Concretiza-a com a formulação de requisitos adicionais àqueles que
são os requisitos legais.
o Outra doutrinária:
 Conceito amplo do conceito de ofendido.

Conceito de Ofendido na Lei

 O conceito de ofendido está estabelecido na lei – 68º/Nº1.


o Esta norma pressupõe a possibilidade de se identificar o bem jurídico e a sua
titularidade numa pessoa concreta.

Conceito Restrito de Ofendido – Posição da Jurisprudência

 A jurisprudência relativiza um pouco o conceito legal de ofendido:


o Com base nisto, nega por vezes a legitimidade de certa pessoa para se
constituir assistente por entender que a lei não quis, naquele caso, proteger
interesses individuais de pessoas concretas, mas antes interesses gerais.
 Historicamente - Casos
o Historicamente, a discussão fez-se a propósito do segredo de justiça ou a
propósito do crime de manipulação de mercado, como também a propósito
da falsificação de documentos.
o O que se dizia nestes casos?
 A violação do segredo de justiça visa proteger interesses relacionados
como o andamento do processo =/= não são interesses de pessoas
concretas.
 A manipulação do mercado visa regular o mercado, e não interesses
de pessoas concretas.
 A falsificação de documentos visa proteger a fiabilidade nos
documentos, e não certas posições concretas.
 Com base neste conceito restrito de ofendido, a jurisprudência limitava muito a
legitimidade para constituição de arguido.
 Ao longo dos tempos, quer a doutrina, quer o legislador, quer a própria jurisprudência
foram introduzindo inflexões a este conceito:
o Prof. Paulo Sousa Mendes:
 Entendeu que o conceito restrito de ofendido, tal como era
sustentado pela jurisprudência, implicava uma violação do próprio
conceito de ofendido.
 Quando se diz “considerando-se o interesse que
predominantemente a lei quis proteger”, estaria a relativizar-
se e a hierarquizar-se os interesses quando a lei não o faz.
o A jurisprudência teve algumas dificuldades de concretização deste conceito:
 1º - Quando a falsificação de documentos correspondesse à
falsificação da assinatura de uma pessoa, questionava-se se essa
pessoa podia ou não se constituir como assistente num crime de
falsificação de documentos, quando era a sua assinatura falsificada.
 Caso do Acórdão 1/2003 do STJ:
o De forma completamente inovadora, veio dizer, ao
contrário do que defendeu durante décadas, que o
titular dos dados falsificados se podia constituir como
assistente no processo.

Posição da Doutrina – Conceito Amplo de Ofendido

 Para a doutrina, o que importa é determinar qual o bem jurídico e se esse bem
jurídico tem alguma relação com uma esfera jurídica concreta.
o = o fundamental para determinar se alguém é ou não ofendido, é a operação
hermenêutica de determinação do bem jurídico.
 + Note-se que este conceito de ofendido respeita a letra da lei, a sua intencionalidade
e o objetivo de garantir que a vítima tenha uma posição ativa no processo como
sujeito processual.
 Conclusões:
o 1º - Todos os bens jurídicos de caráter individual permitem identificar
ofendidos em concreto.
 = Todos os crimes contra as pessoas permitem identificar bens
jurídicos.
o 2º - Os bens jurídicos exclusivamente supraindividuais, sem qualquer relação
com esferas jurídicas concretas, são da titularidade do Estado, sendo que a
representação da sua proteção judicial se faz pelo Ministério Público e não
admitem constituição de assistente.
 + A doutrina, com o prof. FD à cabeça, sempre identificou também bens jurídicos de
caráter misto, com dimensão individual e supraindividual – 3 exemplos:
o 1º - Ambiente:
 Por um lado, o ambiente é um bem jurídico supraindividual que não
está numa esfera jurídica concreta, mas existe independentemente
de esferas jurídicas concretas.
 Por outro lado, o direito ao ambiente também pode ser o direito de
certas pessoas concretas = ter uma dimensão individual.
 = Discutia-se se os delitos ambientais não seriam de natureza mista,
em que, por um lado, se podia falar em bens jurídicos supraindividuais
e, noutros casos, em bens jurídicos individuais, caso que haveria
constituição de assistente.
o 2º - Interesses protegidos pelo Segredo de Justiça:
 O crime de violação do segredo de justiça tem evoluído com o
paradigma de um crime em que o bem jurídico era supraindividual.
 A reforma de 2007 baralhou isto:
 Ao configurar a sujeição do processo a segredo em função da
legitimidade do próprio ofendido, independentemente de ele
se constituir assistente, o próprio legislador veio demonstrar
que uma pessoa em concreto podia ter interesse no regime
do segredo de justiça = uma vez violado o segredo de justiça
era também violado o interesse de uma pessoa concreta pelo
facto ilícito.
 = No fundo, não podemos dizer que o crime de violação de
justiça protege apenas o interesse supraindividual de boa
realização da justiça, quando a própria lei veio permitir que o
segredo de justiça exista por iniciativa de um particular,
designadamente um ofendido ou assistente.
 = Veio permitir afirmar que o BJ em causa tinha uma natureza
compósita = uma dimensão supraindividual MAS também tem uma
repercussão jurídica na esfera jurídica de um particular (interesses
individuais associados ao SdJ)
 Resultado disto:
 Quando há violação do segredo de justiça com relevância
criminal, as pessoas interessadas na preservação do segredo
de justiça podem ser também os particulares:
o O arguido - pode requerer a sujeição do processo a
segredo;
o Ou o ofendido - pode requerer a sujeição do processo
a segredo.
o 3º - Liberdade Religiosa:
 O crime de perturbação de culto visa proteger a liberdade religiosa =
dimensão supraindividual.
 MAS num crime de perturbação de culto pode estar em causa o culto
de pessoas concretas que estão a exercer um culto que é perturbado
de forma ilícita.
 De acordo com o conceito amplo de ofendido, essas pessoas
concretas têm legitimidade para se constituírem assistente.
 Conclusão:
o O conceito de ofendido amplo abrange:
 Todos os bens jurídicos de caráter pessoal ou individual;
 Todos os bens jurídicos mistos (com dimensão individual e
supraindividual).
o + Não depende da natureza pública, semipública ou particular do crime:
 Há crimes públicos em que o bem jurídico protegido é individual –
homicídio.
o Portanto, saber qual é o bem jurídico protegido para saber se o crime implica
ou não a constituição de assistente em função desse regime não depende da
natureza processual do crime, depende sim da concretização do conceito de
ofendido.
o + De acordo com a doutrina maioritária, o conceito é amplo e tem a ver com a
titularidade do bem jurídico ou com a cotitularidade do bem jurídico que tem
uma dimensão individual e supraindividual.
 Exemplos = tutela da veracidade dos documentos num crime de falsificação de
documentos, os interesses protegidos pelo segredo de justiça num crime de violação
do segredo de justiça, os interesses dos investidores ou das empresas num crime de
violação de mercado ou, num crime de perturbação de culto, os interesses das
pessoas cujo culto concretamente foi perturbado.
o + Demonstra que a ‘Teoria dos BJ’ tem uma dimensão processual muito significativa:
o Estudamo-la do ponto de vista substantivo para verificar os tipos
incriminadores, mas é em função do bem jurídico, da sua natureza e da sua
associação a uma esfera jurídica que pode ser definida a posição do
assistente.

Regime da Constituição de Assistente

 O assistente tem uma figura ambivalente – FCP considera como ‘híbrida’:


o A própria lei, no 69º, apresenta o assistente como colaborador do MP.
o Logo a seguir apresenta uma exceção “exceto os casos em que a lei disponha
de outro modo”.
 O assistente assume uma posição processual ativa de representação dos seus
interesses associados ao processo criminal:
o Tanto pode colaborar com o MP como pode praticar atos opostos ao do MP;
o Tem a possibilidade de interposição de recurso, de requerer abertura de
instrução ou deduzir acusação, quer nos crimes particulares, como nos crimes
semipúblicos ou públicos.
o Portanto, o MP assume uma posição de defesa dos interesses do Estado, mas
o assistente tem poderes autónomos que lhe permitem discordar e promover
fases processuais para contrariar aquilo que o Ministério Público decidiu.
 = Os assistentes são colaboradores do Ministério Público, a quem
subordinam a sua intervenção processual, mas na verdade, em alguns
casos têm poderes autónomos de conduta da autoridade do
Ministério Público.
 O disposto no 69º é uma prática mediada através de um advogado:
o A condução concreta do processo muitas vezes é feita autonomamente pelo
advogado que representa o assistente, de uma forma autónoma e diferente
daquilo que é o Ministério Público.
o Exemplo:
 Em audiência de julgamento, isto significa que estamos no tribunal e
temos o MP, arguidos, advogados de defesa e temos, na bancada dos
advogados, o representante do assistente = ele vai fazer as
inquirições, os requerimentos e vai alegar no final.
 Tem toda uma atividade processual que pode ser coincidente ou não
com a do Ministério Público porque tem autonomia.
o Isto significa que, na prática, o 69º também é ultrapassado pelo próprio
mandato que o advogado que representa o assistente tem:
 Esse advogado acaba por exercer autonomamente poderes de
intervenção processual.
 Importância da Figura do Assistente no PP PT:
o É um sujeito processual que corresponde à representação de particulares no
processo, com poderes de participação ativa nas fases processuais e em
relação aos vários atos praticados.
o + Quando a LPP oferece ao ofendido a possibilidade de participar ativamente
no processo, está no fundo a dizer que o ofendido não vai participar apenas no
objeto que são as provas, mas vai ter alguém que represente os seus
interesses no processo ao longo do processo para poder tomar decisões
autónomas:
 Se o ofendido não se constituir assistente, vai ser inquirido como
testemunha.
 Se, diversamente, se constituir como assistente, vai poder ser
representado durante todo o processo.
 = Maior capacidade de influenciar o processo.

A Legitimidade para Constituição de Assistente

 A nossa lei tem vários critérios de legitimidade de constituição de assistente = estão


organizados de uma forma complexa– 68º.
 1º - Lei Especial:
o Pode haver uma lei especial que declare que certas pessoas ou entidades se
podem constituir como assistentes no processo.
 = Existindo lei especial, ela prevalece.
o Exemplo:
 Em crimes com conotação xenófila ou racista = as associações de
defesa de imigrantes podem constituir-se como assistente no
processo.
 2º - Ofendido:
o O ofendido é, em sentido amplo, o titular do bem jurídico especialmente
protegido ou cotitular de bens jurídicos protegidos pela incriminação.
 3º - Titulares do Direito de Queixa:
o Os titulares do direito de queixa são também fonte de legitimidade de
assistente.
o Em regra, esta fonte coincide com a posição de ofendido, mas por via da
multiplicação de representações pode dar origem a conceitos diversos.
 4º - 68º/Nº1/e) – Critério Genérico de Legitimidade Alargada:
o Permite que qualquer pessoa se constitua como assistente em certos crimes:
 Crimes contra a paz e a humanidade, crime de tráfico de influência,
favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, entre
outros.
o O legislador entendeu que, apesar de estes crimes terem uma natureza
pública e envolverem um bem jurídico público, não estando por isso
associados a uma titularidade concreta, são crimes que dizem respeito a
todas as pessoas que vivem em sociedade.
o Questão Controvertida – Meio Académico e Jurisprudência PT:
 Tendo a lei esta amplitude tão significativa, podem os jornalistas
constituir-se como assistentes e utilizar o estatuto de assistente para
obter informações que depois divulgam enquanto jornalistas?
 Há quem entenda que não é possível porque isso constitui
abuso de direito (desvincular-se-ia o estatuto de assistente
para esse efeito).
o Posição de FCP = defende que a figura do assistente,
enquanto sujeito processual ativo, não pode ser
adulterada por outras funções ou finalidades.
 Há quem não distinga, considerando que se se permite a
constituição de assistente por qualquer pessoa, também se
permite que o jornalista obtenha essa informação para o
exercício da sua posição.
 FCP:
 O problema, na verdade, só se coloca quando existirem
situações de reserva, ou porque há segredo de justiça
(designadamente externo) ou porque os atos processuais não
são públicos (pode não haver segredo de justiça, mas os atos
processuais não serem públicos.)
 Desta forma, mesmo que seja discutível a questão, há 2
certezas:
o Por um lado, se existir segredo de justiça, ele tem de
ser respeitado por qualquer pessoa que tenha acesso
a essa informação.
o Por outro lado, caso a diligência não seja pública, há
limitações quanto à possibilidade de presenciar ou
acompanhar essa diligência, o que significa que se a
diligência não for pública, há limitações à publicidade
mesmo que não exista segredo de justiça.
Crimes que Admitem e não Admitem Constituição de Assistente - os Casos e a Jurisprudência
do STJ – Ac. STJ 1/2003

 FCP = A jurisprudência portuguesa tem tido uma verdadeira atuação ambivalente:


o No início, a jurisprudência portuguesa defendeu um conceito restritivo de
ofendido.
o Aos poucos, em certos casos, foi alargando concretamente a possibilidade de
alguém se constituir assistente.
 Exemplo – Crime de Desobediência:
o Tradicionalmente, não admitia a constituição de assistente, porque o bem
jurídico é público:
 Não tem a ver com a autoridade da pessoa concreta que dá uma
ordem que é desobedecida.
o MAS a jurisprudência teve um caso muito curioso:
 Nas ações cíveis de embargos de obra, a violação dos embargos é
considerada crime de desobediência, e aquilo que se questionou foi se
a pessoa que tinha requerido um embargo da obra do vizinho tinha
ou não legitimidade para constituição de assistente.
 O vizinho A requereu um embargo da obra do outro vizinho C, e o
vizinho B que estava a fazer a obra desobedeceu, não parou a obra,
incorrendo num crime de desobediência.
 O que se pergunta é se o vizinho A, iniciada a ação, tem ou não
capacidade para se constituir assistente = O STJ, no acórdão 1/2003,
veio reconhecer essa legitimidade.
 Conclusão:
o Isto é demonstrativo de uma ideia fundamental - os bens jurídicos, mesmo que
sejam públicos, podem ter uma dimensão individual - portanto, nós não
podemos pura e simplesmente dizer que um bem jurídico, por ser público,
exclui a constituição de assistente.
o 2 operações:
 Temos sempre que verificar relativamente aos sucessivos casos em
que o STJ foi reconhecendo a possibilidade de constituição como
assistente = na falsificação de documentos, violação do segredo de
justiça ou no próprio crime de desobediência.
 Temos de reconhecer que a hermenêutica correta de determinar o
conceito de ofendido é identificar se o bem jurídico tem ou não
alguma dimensão em esferas jurídicas concretas, se visa ou não
proteger esferas jurídicas de pessoas concretas.
 Se tiver essa finalidade, então essa pessoa pode constituir-se
assistente no processo.

Requerimento, Prazo, Contraditório e Decisão

 A constituição de assistente é sempre facultativa:


o Mesmo nos crimes particulares, em que é necessária a constituição de
assistente, essa constituição não é um dever, mas um ónus:
 O particular ofendido não tem um dever de o fazer, tem é o ónus de o
fazer se quiser, no fundo, que o processo siga a sua tramitação
normal.
Regime para alguém se constituir assistente – 68º:

 1º - Apresenta-se um requerimento dentro de um prazo legal, que é variável – Nº2 e


Nº3:
o Tem de ser efetuado por alguém com legitimidade.
o Existe um prazo geral:
 68º/Nº3/a) - até 5 dias antes do debate instrutório ou início da
audiência de julgamento
o + Três regras especiais:
 Para os Crimes Particulares:
 68º/Nº2 - o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a
contar da advertência referida no 246º/Nº4 (a advertência
feita pelos OPC de que a constituição de assistente é
obrigatória para que o processo siga a sua tramitação normal
nestes casos).
 Para a associação desse estatuto a certos atos específicos:
 Dedução de acusação dependente do 284º:
o 68º/Nº3/b) - trata dos casos em que o ofendido não se
constituiu assistente, mas agora pretende deduzir
acusação particular ao lado da do MP. Tendo em
conta que só o pode fazer se tiver o estatuto de
assistente, a lei determina que beneficia do prazo do
artigo 284º, ou seja, até 10 dias após a notificação da
acusação do MP.
 RAI:
o 68º/Nº3/b) segunda parte - remete para o 287º/Nº1/b
– RAI.
o Assim, no caso de o ofendido querer requerer a
abertura da instrução, e uma vez que tem de se
constituir assistente para o fazer, pode utilizar o
prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação
do MP ou do arquivamento para requerer a sua
constituição como assistente.
 Para o processo sumário – 388º.
 + 68º/Nº3/c):
 Indica que o prazo para dedução do requerimento de
constituição de assistente pode ser ainda o prazo para
interposição do recurso da sentença.
 2º - Apresentado o requerimento para a constituição de assistente no prazo legal, tem
de existir respeito pelo contraditório – 68º/Nº4:
o Esta norma estabelece que o juiz tem de dar ao MP e ao arguido a
possibilidade de se pronunciarem sobre o dito requerimento.
 3º - Segue-se a decisão.
o O juiz decide por despacho.
o É uma decisão judicial:
 A decisão é sempre do juiz, seja na fase de inquérito seja em fases
posteriores.
No inquérito, o MP é ouvido ao abrigo do contraditório, mas a
decisão é feita pelo juiz de instrução.
o A decisão de constituição de assistente é uma decisão recorrível.
(Resumo – Constituição de Assistente)

 Requerimento de alguém com legitimidade;


 Apresentado no prazo;
 Tem de ser respeitado o contraditório;
 Tem de haver uma decisão judicial.

Nota - Importância do Assistente:

 O assistente leva para o PP o conhecimento associado aos poderes processuais


relacionados com crimes que por vezes ocorrem em circuito reservado = tem na sua
posse informações que de outra forma não chegariam ao processo.
 Esta informação pode acontecer no interesse do arguido:
o Exemplos - crimes de maus-tratos, crimes de violência doméstica, crimes que
impliquem algum conluio entre as pessoas, crimes de violação.
 Para além da pessoa ser ouvida e ser fonte de prova como assistente, tem um
advogado que acompanha o processo e que promove o processo autonomamente.
 Assim, a figura do assistente permite levar a dimensão da vítima, em várias
perspetivas, para o PP.
 Permite também levar o conhecimento de circuitos reservados para o processo penal,
não apenas numa lógica de subordinação às regras de produção de prova, pois é
também um participante ativo com poderes autónomos para requerer fases
processuais, interpor recursos e participar ativamente no contraditório.

Tendências Jurisprudenciais – Ambivalentes – Perspetiva FCP

 1º - A jurisprudência começou por defender um conceito restritivo de ofendido:


o Este era violador do conceito legal de ofendido.
 2º - Teve de alargar sucessivamente a legitimidade da constituição de assistente a
vários casos:
o Ela identificou aquilo que FD já tinha identificado:
 Há bens jurídicos públicos que têm dimensões individuais - liberdade
religiosa, o ambiente, a fiabilidade dos documentos e boa realização
da justiça penal.
 São todos crimes que têm dimensões públicas e
supraindividuais e que têm uma outra vertente associada a
interesses concretos.
o Ao longo dos anos, a jurisprudência tem “restringido o conceito restrito” de
ofendido = vem acrescentando casos em que há legitimidade para
constituição de assistente.
 = A jurisprudência começou por defender uma posição muito
restritiva, e depois teve de fazer restrições a essa restrição, que são
no fundo uma ampliação.
 Nota – É importante ter a noção de que a figura do assistente não existe em todos os
modelos de PP.
o O PP PT tem uma dimensão claramente pública = tem conseguido, desde o
início, integrar a dimensão da perspetiva particular associando-a a poderes
processuais específicos.
 + Os poderes do assistente só existem quando o código enuncia a figura do assistente.
o = É um conceito técnico usado no CPP.
o O Código usa por vezes a expressão “lesado”, outras vezes a expressão
“ofendido”, outras vezes a expressão “vítima”.
o Quando usa o conceito de assistente, significa alguém que já foi constituído
na qualidade de assistente através da decisão judicial.
 Sem isso, podemos ter um ofendido, uma vítima ou um lesado, mas
não temos assistente.
 Não podem RAI, não podem deduzir acausação particlar nos
termos do 284º.

ESTATUTO DO ARGUIDO

O Estatuto do Arguido: Essencialidade, Ambivalência e Evolução Histórica no CPP + relação do


EA com a presunção de inocência, o princípio da liberdade e as garantias de defesa

Essencialidade e Importância

 O estatuto de arguido é importantíssimo para o DP.


 Pode-se dizer que a história do PP é a história da clarificação do estatuto do arguido e
a história das garantias dadas ao arguido:
o A partir dos anos 50 os direitos e as garantias do arguido começaram a ser
reconhecidos, inclusivamente pela CEDH.

Ambivalência Axiológica do Estatuto Arguido

 Ora:
o Nos processos de natureza inquisitória = o arguido é considerado um objeto
do processo.
o Nos processos de natureza acusatória = uma parte do processo.
o Nos processos como o nosso, de natureza mista:
 Nas fases preliminares (inquérito) e, em grande parte dos casos, o
arguido é tratado como objeto processual.
 = ele é o visado pelos vários atos processuais.
 MAS, ainda assim, é-o com um estatuto de sujeito processual.
 Nas fases de audiência de julgamento é que os direitos ganham a sua
plenitude.
 Então:
 Os direitos do arguido não são exatamente os mesmos na
fase de inquérito e no julgamento.
 = Variam consoante as fases processuais e as próprias
matérias em causa.
 Razão desta ambivalência = erosão e mutação dos tempos ao Estatuto de Arguido:
o 1º - Para o CPP, o estatuto de arguido é algo de vantajoso:
 Investe numa certa pessoa uma posição processual que lhe dá algum
poder para controlar o processo na medida dos seus interesses.
 Com a constituição do arguido, a pessoa é visada pelo processo mas
também tem o estatuto de sujeito processual.
 O estatuto de arguido é invocado para não ser tratado apenas como
objeto do processo e das diligências processuais, mas como alguém
que pode participar construtivamente através da sua defesa, na
descoberta da verdade material, e dá-lhe poderes para isso.
o 2º - De um ponto de vista social ou comunicacional, o estatuto de arguido tem
um desvalor:
 Nota – este desvalor não está previsto no CPP, mas hoje, do ponto de
vista social na sociedade portuguesa e europeia, quando alguém é
constituído arguido, tem uma carga negativa.
 Assim, o CPP confere poderes processuais para organizar a sua defesa e apresentar a
sua versão dos factos:
o É desagradável ser-se constituído arguido, mas a lógica do CPP é constituir um
estatuto processual para ter garantias de defesa sem as quais o processo penal
não é legítimo.
 Por mais deturpados e falsos que sejam os discursos comunitários, nós juristas não
devemos perder o fio extraordinário de conquista histórica dos direitos fundamentais
e das garantias de defesa = não há ‘garantias a mais’ no PP.
 Pode acontecer que o PP tem a morosidade própria de ser construído numa dialética
acusação-defesa, mas não queiramos viver num Estado sem garantias de defesa.

Relação do EA com os Princípios

 O estatuto de arguido adquire-se no inquérito, antes da acusação.


o Nota – pode se começar o inquérito sem arguido, não se pode é acusar sem
arguido.
o Vigoram já, por declaração constitucional, certas garantias.
 Um PP legítimo (de Estado de Direito e integrado na CRP) só assim poderá ser
considerado se tiver todas as garantias de defesa.
 Estatuto do Arguido - 3 princípios fundamentais:
o 1º - Princípio da Presunção de Inocência – 32º/Nº2:
 Vemos alguém que, por declaração constitucional, se presume
inocente até ao trânsito em julgado de uma decisão condenatória.
o 2º - Princípio da Liberdade – 27º/Nº1.
o 3º - Princípio da Intensificação/Maximização das Garantias de Defesa –
32º/Nº1.

A Figura e o Estatuto do Suspeito

Questão: O suspeito é um sujeito processual?

 Definição do conceito de Arguido e Suspeito no CPP:


o O CPP não define o conceito de arguido MAS define o conceito de suspeito.
 Suspeito – 1º/e) - “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que
cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara
para participar”.
 = Retiramos que o suspeito é alguém em relação ao qual existe
uma prova indiciária = algum elemento que permite dizer que
está ou vai estar envolvido na prática de um crime.
 O arguido é como um suspeito formalizado.
 Definição do regime e estatuto das pessoas constituídas arguidas e não do regime de
suspeito no CPP:
o O CPP, apesar de não definir o conceito de arguido, define o estatuto das
pessoas constituídas arguidas:
 57º CPP – formalidades, fatores, direitos e deveres.
o O CPP não tem regime de suspeito = aplica-se o regime do arguido.
 Ainda assim, em algumas normas legais refere-se ao suspeito:
 250º/Nº6 – O suspeito pode estar detido na qualidade de
suspeito até ao limite de 6h numa esquadra legal para
identificação.
 249º e ss – O suspeito pode ser objeto de medidas cautelares.
 + O suspeito tem o direito a ser constituído arguido para
poder exercer os direitos do arguido, designadamente os
direitos previstos no 61º.
 Permite concluir:
o Temos um estatuto jurídico do arguido (que é um sujeito processual) +
algumas normas que se referem ao suspeito como alguém em relação ao qual
existem indícios da prática do crime, mas que não está ainda constituído
arguido.
o O arguido é um estatuto formalizado:
 Adquire-se a posição de sujeito processual;
 Passa-se a ter um conjunto de direitos e deveres que
permitem algum controlo sobre a tramitação do processo.
o Por oposição, o suspeito não é um estatuto processual:
 O suspeito só ganhará posição de sujeito processual + estatuto
quando for constituído arguido.
o Podemos dizer que a figura do suspeito é algo precedente à do arguido?
 Apenas em certos casos, visto que podem existir arguidos que não
passaram pela fase do suspeito.
o =/= Visão de Paulo Pinto de Albuquerque:
 Refere na anotação ao 57º que o suspeito é um sujeito processual
fundamentalmente porque lhe quer reconhecer a garantia contra a
autoincriminação = o direito a não responder a perguntas.
 Contestação de FCP a este argumento:
 Para o suspeito ter de responder a perguntas, tem de ser
testemunha.
 + Se for constituído testemunha, o suspeito tem todos os
direitos inerentes à prova testemunhal, entre os quais o
direito a não responder a perguntas quando das mesmas
possa resultar responsabilidade penal – 132º/Nº2.
 = Portanto, ou o suspeito é testemunha e está sujeito ao dever
de responder (mas tem uma garantia contra a
autoincriminação), ou não tem essa qualidade de testemunha
e não é obrigado a responder.
o Não é necessário constituir o suspeito como sujeito
processual para salvaguardar a garantia contra a
autoincriminação.
 + Se quiser exercer plenamente os direitos do arguido, o
suspeito pode requerer a constituição como arguido.
 Outra contestação à ideia de PPdA:
 O suspeito não tem um estatuto processual definido no CPP
que permita dizer que tem direitos de intervenção no
processo ou que o possa controlar:
o O suspeito não pode opor-se à suspensão provisória
do processo, não pode requerer abertura de
instrução, não pode (se não for arguido) tomar
decisões em matéria de segredo de justiça, não pode
ser visado por medidas de coação (é preciso haver
constituição de arguido).
 = A ideia do PPdA de converter o suspeito em arguido significa
uma perturbação sistémica, pois a lei não prevê um estatuto
do suspeito e prevê um estatuto do arguido.
o = É claramente contra legem querer atribuir os
direitos do arguido a alguém que não é.
o = O suspeito tem algumas garantias que resultam da
lei e do estatuto de testemunha e se quiser o estatuto
de arguido tem de o requerer.

A Conversão do Suspeito em Arguido – 59º CPP

 A nossa lei prevê a possibilidade do suspeito requerer a sua constituição como arguido
no 59º = é um direito potestativo.
 E.g – Caso do Desaparecimento da Maddie McCann:
o Na altura, os investigadores consideraram os pais suspeitos do
desaparecimento da criança.
o Eles podiam recusar-se a responder ou requerer o estatuto de arguido – 59º.
o Na perspetiva do advogado do casal, a melhor solução era requerer o estatuto
de arguidos:
 Ao requerer o estatuto de arguidos, passam a ter não só o direto a não
responder às perguntas como um direito de acompanhamento
processual = isto dá-lhes um diferente controlo do processo.
o Lá está, aquela ambivalência do EA:
 As pessoas acharam isto peculiar porque viam a conversão do casal
como arguidos como uma espécie de confissão.
 MAS a conversão do suspeito em arguido é a maneira de este ficar
protegido e exercer uma série de direitos processuais.
 A lei prevê a possibilidade de constituição de arguido por 2 formas:
o 1º - 58º/Nº1/a) – é obrigatória a constituição de arguido quando se interroga
um suspeito concreto.
o 2º - 59º:
 Se essa constituição não for feita quando o suspeito é chamado a
depor, existe o direito residual do suspeito requerer a sua
constituição como arguido.
 É um direito potestativo:
o Uma vez exercido, não pode ser questionado pelo
interlocutor do suspeito que requer a constituição de
arguido.
o Produz os seus efeitos pelo simples requerimento de
constituição de arguido.

Impedimentos à Constituição de Arguidos

Arguido, Imputável e Inimputável – Idade e Anomalia Psíquica

 19º e 20º CP.


 O arguido não pode ser alguém que seja inimputável em razão da idade:
o A inimputabilidade em razão da idade não permite que a pessoa menor de 16
anos seja sujeito passivo de um processo = coloca-a fora da esfera de
jurisdição penal.
o O arguido é alguém com capacidade mínima etária - 19º CP.
o MAS eles depois são objeto de uma intervenção estatal por via de um
processo tutelar de menores.
 O arguido pode ser alguém inimputável em razão de anomalia psíquica.
o Assim, o arguido tanto pode ser uma pessoa imputável como inimputável =
pode ser alguém capaz ou incapaz de culpa.
 Razão?
o O nosso sistema é de dupla via - o mesmo sistema do facto punível e o mesmo
processo penal é usado para:
 (1) aplicar penas a imputáveis, atribuindo-lhes responsabilidade
criminal
 (2) aplicar medidas de segurança a inimputáveis.
o -> O arguido tanto pode ser alguém capaz ou incapaz de culpa DEPOIS, o
processo é que fará a diferenciação ao aplicar a sentença (pena ou medida de
segurança).
o Quanto a isto, divergência doutrinária:
 MJA:
 Considera que usar sempre o mesmo critério não é correto,
considera que os inimputáveis por anomalia psíquica
deveriam sair do sistema penal.
 FD:
 Entende que as garantias do sistema do facto punível e a
exigência de que seja um facto tipicamente ilícito e punível
são aplicáveis aos inimputáveis.
o Exceção = culpa.

Limitações de Direito Público à Constituição de Arguido

 Nota Prévia:
o Alguns regimes de imunidade de direito público impedem a constituição de
arguido.
 É possível a existência de limites à constituição de arguido – em regra,
são limites transitórios relacionados com o exercício de funções.
 Exemplos - os estatutos de diplomatas (+ por vezes os seus familiares),
os titulares de alguns cargos políticos.
 Razão do Regime:
o Roxin:
 Traduz-se na necessidade de articular os interesses penais de um
facto com outros interesses do ordenamento jurídico:
 Neste caso, a preservação dos canais de representação
diplomática entre os Estados e os mecanismos de
representação política.
o Razão de Direito Público, simultaneamente penal e extrapenal:
 Extrapenal:
 É necessário preservar os órgãos do poder político,
garantindo o seu funcionamento fora do quadro de
perturbação das investigações criminais;
 Penal:
 É também do interesse do direito público não ser
instrumentalizado como arma de combate político.
 Quanto aos Diplomatas:
o 31º, 32º, 37º da Convenção de Viena de 1968.
o Para os diplomatas serem constituídos arguidos é necessária uma quebra da
imunidade diplomática.
 Quanto aos Deputados:
o 157º CRP.
o Não podem ser livremente constituídos como arguidos:
 É necessária autorização da AR.
 É obrigatória esta autorização da AR se se tratar de caso em que
existem fortes indícios da prática de crime doloso com pena superior
a três anos.
o Razão para esta diferença:
 Resulta de um critério constitucional de retirar da luta política as
infrações de menor gravidade.
 Ajuda a preservar o equilíbrio de funcionamento do poder político,
articulando-o razoavelmente no 157º com as condições e constituição
de arguido.
 + Se assim não fosse, existiram limitações significativas ao exercício da
função de Deputado.
 + Se assim não fosse, a constituição de arguido, com as restrições
inerentes ao termo de identidade e residência, previsto no 196º CPP,
implicariam limitações à liberdade e ao trabalho político dos
Deputados.
 Ter de ficar na residência, não poder viajar, etc.
o = Há uma prevalência do interesse político do parlamento:
 Nem é a própria pessoa que decide, mas sim o parlamento.
 Há um interesse supraindividual.
o Exemplo prático:
 157º/Nº2 estabelece que os Deputados não podem ser ouvidos nem
como declarantes, nem como arguidos + nem podem ser ouvidos
como testemunhas.
 Repare-se que se poderia perturbar uma votação convocando alguém
como testemunha num processo e esta norma evita isso.
 Em suma = temos um regime de DC que articula o interesse na justiça penal com os
compromissos de atividade parlamentar ou canais do poder diplomático.

Existência de Arguido como Requisito da Acusação + Arguido tem de ser ouvido antes de ser
deduzida acusação – 272º/Nº1

Arguido como Requisito da Acusação

 Nota prévia:
o O estatuto de arguido é absolutamente fundamental, não para se abrir
inquérito, mas para ser deduzida acusação.
 57º - A própria constituição do arguido pode acontecer com a
acusação.
 283º/Nº1 e Nº2:
o Retira-se que a existência de arguido é requisito da acusação.
o Nº2 - Pode haver um inquérito aberto contra incertos, mas para acusar, exige-
se que se identifique a pessoa (o arguido) a quem os factos são imputados =
não pode haver acusação contra incertos.
 Nº3 – comina a falta de identificação do arguido com nulidade.
 Quanto a esta identificação do 283º:
o Esta identificação do arguido é ope legis:
 Por vezes não há segurança ou certeza absoluta quanto aos
elementos de identificação, designadamente quando se trata de
cidadãos estrangeiros ou existam documentos falsificados.
 = O que o CPC claramente exige é uma pessoa concreta identificada
na medida do possível.
 Essa flexibilidade não é quanto ao arguido, e sim quanto aos
elementos de identificação.
 Se a pessoa os não tiver, ou a identificação for assumida por
mera declaração verbal, o que acontece?
o Se a pessoa for estrangeira, e não houver
documentos, tudo resulta das suas declarações.
 Não se pode dizer que é verdadeira, mas é a identificação
possível = tem é de haver alguma identificação.
 O estatuto do arguido mantém-se durante o processo, inclusivamente, enquanto não
existir um ato de despronunciamento de arguido, a sua posição mantém-se LOGO a
posição do arguido é irrenunciável (mas admite-se o não exercício dos direitos que
lhes correspondem)

Arguido tem de ser ouvido – 272º/Nº1

 Desde 1998, o arguido não só tem de estar identificado na acusação, como tem de ser
ouvido antes de ser deduzida acusação.
 272º/Nº1:
o Exige a audição desse concreto suspeito na qualidade de arguido antes de ser
deduzida acusação.
o Cominação do desrespeito desta norma?
 Mera irregularidade – 118º/Nº2.
 Não está prevista a nulidade.
 Por esta razão, é muitas vezes esquecida.
o + A própria lei diz-nos que a constituição do arguido pode ocorrer com a
acusação, no 57º:
 É uma norma que sobrou do regime anterior a 1998.
 Assim, não há a força cominatória da nulidade do 283º.
 Razão deste audição:
o Não deve ser possível alguém ser surpreendido com uma acusação sem ter
sido ouvido.
o Esta exigência é particularmente intensa e congruente com o facto de o MP,
entre nós, não ser uma parte mas um sujeito processual, assumido por uma
magistratura de carreira e orientada por critérios de verdade material:
 Não pode haver uma verdade parcial, assumida na acusação, que
resulte apenas de uma leitura própria dos meios de prova.
 Assim, há uma progressão do estatuto do suspeito no processo:
o 1º - ele é ouvido antes de se deduzir a acusação – 272º/Nº1.
o 2º - é concretamente identificado – 283º/Nº1.

A posição do Arguido nas reformas do CPP

 1987:
o CPP é aprovado.
o Atribui um grande peso ao arguido, enquanto sujeito processual:
 A nível de poderes:
 Tem poderes iguais ao do MP para conduzir o processo
(posição vantajosa)
 A nível de ónus:
 Termo de identidade e residência (medida de coação, que
limita a liberdade de circulação do arguido)
 2007:
o Surgiu o processo Casa Pia que trouxe vários problemas.
o Assim, atenuou-se a obrigatoriedade de prestação de declarações que só
gera constituição de arguido quando há suspeita fundada + o auto de notícia
só gera constituição de arguido quando não é manifestamente infundado.
 Objetivo = Travar a constituição de arguido mal alguém fosse chamado
ao processo (nem que fosse só para dizer onde estavam naquele dia –
neste caso houve imensos intervenientes)
 2013:
o O legislador veio fazer uma alteração significativa porque passou a permitir
que, em certos casos, o que era dito no inquérito poderia ser utilizado depois:
 Exemplos - 357.º, 141.º/4/b) e 61.º/1/f).
o MAS a doutrina dividiu-se:
 Escola de Lisboa: este regime é inadmissível pois violava a estrutura
acusatória.
 FCP: não considera que viola as garantias de defesa, pois basta
informar o arguido que “tudo o que disser agora poderá ser usado
contra si, ou até contra outros” e depois, o advogado aconselhava o
seu cliente conforme o andamento do processo.

Defesa Pessoal e Defesa Técnica

 O arguido tem 2 formas de defesa:


o Defesa pessoal – é um ato próprio do arguido;
o Defesa técnica – o defensor assiste o arguido.
 + Para FCP:
o Pessoal – conteúdo dos atos de defesa;
o Técnica – patrocínio de advogado;

Defesa Pessoal

 Consiste em várias manifestações de envolvimento do próprio arguido, por vezes até


presencial, nalguns atos processuais.
o = é o próprio, através de intervenções, que pratica os atos processuais em
causa.
 Exemplos:
o 61º/Nº1/ b) – direito a ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz;
o 98º – direito de apresentar exposições e memorandos:
 Permite ao arguido a qualquer momento, juntar elementos ao
processo, realizando uma exposição.
o 343º/Nº1 - direito a prestar declarações a qualquer momento.
o 361º - direito a prestar as últimas declarações.

Defesa Técnica

 Por outro lado, o arguido tem o direito a ser assistido pelo defensor – 61º/Nº1/f) e
62º.
o Nalguns casos especificados na lei, o arguido é obrigatoriamente
acompanhado por defensor legal – 64º.
 Assim, a defesa técnica abrange:
o O direito a ter defensor quando assim entenda;
o Nalguns casos, é obrigatório tê-lo.
 63º/Nº2 – Prevalência da Defesa Pessoal sobre a Defesa Técnica:
o Permite que o arguido retire eficácia ao ato praticado ou realizado em seu
nome pelo defensor.
 Isto DESDE que o faça por declaração expressa antes da decisão
relativa àquele ato.
o Exemplo:
 O advogado do arguido apresenta uma peça processual da qual ele
discorda, o arguido pode retirar-lhe eficácia, desde que o faça
expressamente antes da decisão em causa.

O Problema da Autorrepresentação

 Questão – O regime legal português é ou não violador do artigo 6º CEDH, que prevê a
possibilidade a da autorrepresentação em matéria penal?
o Visão Doutrinária 1, PPdA:
 Entende que a norma do CPP que prevê a obrigatoriedade de
assistência por advogado (64º) em alguns casos é inconstitucional.
 Razão:
 O 8º da CRP faz vigorar o direito internacional na nossa
ordem interna = engloba a CEDH.
 Assim, o CPP estaria a limitar ou excluir a possibilidade de
autorrepresentação em PP.
 + para PPdA:
 O regime do CPP viola o 6º CEDH, uma norma equivalente ao
14º PIDCP, e, como estes diplomas estão em vigor na nossa
ordem jurídica por via do 8º CRP, isto significa uma
derrogação à nossa CRP.
o Visão Doutrinária 2, FCP:
 O CPP não exclui a autorrepresentação, o que exclui é a possibilidade
de o processo avançar sem existir defesa técnica:
 Aquilo que o CPP não permite é que a pessoa seja
exclusivamente o único defensor de si próprio.
 O CPP garante plenamente o regime de autorrepresentação:
 Garante mecanismos de defesa pessoal:
o O arguido pode, por ato próprio, defender.
 + Ainda garante a possibilidade de retirar eficácia ao ato
praticado pelo defensor obrigatório.
o -> Isto demonstra o princípio fundamental de
prevalência da defesa pessoal.
 + pode sempre confessar os factos.
 Dentro da defesa técnica:
 Pode articular a sua estratégia com o advogado.
 -> O arguido pode representar-se a si próprio, tem é que, além disso,
ter um advogado que se assuma como seu defensor no processo.
 Assim, as 2 vias estão garantidas.
o Conclusão:
 FCP entende que não há qualquer inconstitucionalidade ou
incompatibilidade do regime do CPP com o direito internacional.
 Entende que até é um regime bastante equilibrado, que inclui:
 Garantia de distanciamento e frieza necessários para
acompanhar o processo sem ser influenciado pelo mesmo;
 Existência de pessoas com competências reconhecidas por
uma ordem profissional para acompanhar a defesa do
arguido;
 Articulação consequente entre defesa técnica e pessoal.

A Constituição de Arguido: Causas Legais e Formalidades

Formalidades

 58º/Nº2, Nº4 e Nº5.


 Nº2 e Nº5:
o Dever de informar oralmente sobre a constituição de arguido;
o Entregar os documentos do processo sempre que possível;
o Se necessário, explicar os direitos e deveres que o arguido = conteúdo do
conjunto de direitos e deveres que constam do 61º.
 Nº4:
o Quando a constituição de arguido é feita por um OPC, tem de ser validade
pelo MP em 10 dias.
 = Indica-nos que os OPC podem, com autorização do titular do
inquérito, constituir arguido.

Causas Legais de Constituição de Arguido – 58º e 59º

1º - Dedução de Acusação contra certa pessoa ou requerimento de abertura de instrução –


57º/Nº1

 57º/Nº1:
o 1º - A dedução de acusação contra certa pessoa constitui-a como arguido.
o 2º - Norma equipara o requerimento de abertura de instrução à acusação:
 Em termos de conteúdo, o RAI descreve factos que são relevantes
para a prática de um crime e imputa-os a alguém.
 O RAI, quando apresentado pelo assistente, constitui alguém como
arguido ope legis = tem efeito legal automático de um ato processual.
 Nota - a prática judiciária não segue esta norma quanto ao RAI:
o A prática judiciária cria uma certa dilação temporal e às vezes não dá
cumprimento - nem sempre o RAI, em especial quando traz arguidos novos, dá
origem à constituição de arguido.
o O que devia acontecer era o RAI constituir o sujeito como arguido + sujeição a
termo de identidade e residência.

2º - Prestação de Declarações em Inquérito, existindo uma fundada suspeita contra si –


58º/Nº1/a)

 58º/Nº1/a) - dita que é obrigatória a constituição de arguido se, correndo inquérito


contra pessoa em relação à qual haja suspeita fundada da prática do crime, esta
prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia
criminal.
 Não é qualquer declaração em inquérito, é a declaração de alguém que foi chamado a
depor, existindo uma suspeita fundada da prática do crime:
o = A pessoa ainda não tem o estatuto de arguido, mas existe uma suspeita
fundada.
o Conceito de ‘Suspeita Fundada’:
 É a possibilidade da pessoa estar envolvida na prática de um crime
existindo um ou mais indícios nesse sentido.
o Assim, se não existir suspeita fundada, não há obrigatoriedade de constituição
de arguido.
 Nota Histórica:
o Esta norma tem a redação que lhe foi dada em 2007 = só quando existe
suspeita fundada é que há obrigatoriedade de CA.
o Antes de 2007:
 Por razões garantística, a lei obrigava a que qualquer pessoa chamada
a depor tinha de ser constituída como arguido + ficava com esse
estatuto durante todo o processo, até ser arquivado.
 O que é que se verificou – Processo do Casa Pia:
 Houve imensas denúncias anónimas contra várias figuras.
 Como toda a gente chamada a depor era constituída como
arguido, havia a possibilidade de alguém do exterior
manipular tudo, fazendo denúncias anónimas.
 A pessoa ficava com termo de identidade e residência, não se
podia ausentar livremente do país, entre outras limitações
 = Podia socialmente e politicamente desenvolver-se uma
suspeita contra essa pessoa e limitações efetivas que
resultavam, no mínimo, do termo de identidade e residência.
o Atualmente:
 A atual redação desta norma visou flexibilizar a constituição de
arguido por prestação de declarações.
 = Nem toda a pessoa chamada a prestar declarações tem de ser
constituída arguida, só quando existir uma suspeita fundada contra si.

3º - Aplicação de medida de coação ou de garantia patrimonial – 194º

 O 194º não permite a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial a


pessoas que não sejam constituídas arguidas.
 Assim, o 1º pressuposto essencial da aplicação de MdC ou GP é a constituição de
arguido -> só depois se pode aplicar a medida.

4º - Detenção – 254º e ss.

 Detenção vem regulada no 254º a 261º.


 Resulta do 58º/Nº1/c):
o A detenção de um suspeito dá origem à sua constituição automática como
arguido.
 Nota – particularmente importante no Processo Sumário:
o No PS, há detenção em FD = a pessoa detida, ao se constituir logo como
arguido, fica logo com todos os direitos do arguido = maiores garantias.

5º - Comunicação do Auto de Notícia, exceto se o mesmo for manifestamente infundado

 Resulta do 58º/Nº1/d:
o Também a comunicação do auto de notícia pode ser uma causa legal de
constituição como arguido, desde que seja minimamente fundado.
 Razão – AdN:
o O auto de notícia tem um certo conteúdo factual = corresponde aos factos
com relevância criminal que foram presenciados por quem lavra o auto.
o = Quando o auto é comunicado ao arguido, tem um conteúdo semelhante ao
de uma peça acusatória, no sentido em que descreve os factos e tem um
conteúdo mínimo.
o assim, é uma “acusação sem esse nome” = quando o AdN é comunicado à
pessoa, dá origem à sua constituição automática como arguido.

6º - Constituição de Arguido durante a Inquirição

 59º/Nº1 prevê a possibilidade de, durante uma inquirição, alguém mudar de estatuto.
o = Esta passagem é possível durante a própria prestação de declarações, em
função do conteúdo da própria diligência.
 Acontece quando durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir
fundada suspeita de crime por ela cometido:
o Aqui, a entidade que procede ao ato tem de suspender a inquirição e fazer a
constituição de arguido.
 = É possível uma pessoa ser chamada numa qualidade e sair de lá como arguido.
o Claramente, o acervo de direitos e deveres passa a ser diferente.

7º - Constituição de Arguido a Pedido

 59º/Nº1 prevê que é possível alguém requerer a constituição como arguido a seu
pedido quando estiver a ser feita uma diligência destinada a comprovar uma
inquirição que compromete a própria pessoa.
o = Se a diligência estiver a adensar suspeitas concretas, que permitam um juízo
sobre a própria pessoa, esta pode pedir para ser constituída arguido.
 Condições concreta - diligências destinada a comprovar uma imputação que
pessoalmente afeta a pessoa:
o Se não a afetar pessoalmente, o exercício do direito a ser constituído arguido
é ilegítimo, estando fora dos pressupostos processuais.
 Nota – diferença de tratamento para ‘pessoa chamada a depor’ e testemunha’:
o Testemunha - 132º/Nº2:
 No caso de testemunha, não é preciso pedir constituição como
arguido porque já têm o direito a não responder (não precisam de ser
constituídas arguidas para esse efeito).
 = O Nº2 garante a possibilidade de uma testemunha não responder às
perguntas que impliquem suspeitas concretas da prática do facto que
possam gerar responsabilidade criminal.
o Se a pessoa não tiver esse estatuto de testemunha não o pode invocar, o que
pode fazer é requerer a sua constituição de arguido:
 = Corresponde a um direito potestativo processual.

Objetivos do Regime Legal - A violação do regime legal - A prova proibida associada ao regime
de constituição de arguido

 O claro objetivo do regime legal é preservar os direitos do arguido.


 + Isto implica impedir a manipulação processual do estatuto de arguido -> em 2007, o
legislador fez uma alteração significativa ao 58º/Nº5:
o Antes de 2007:
 Se fossem violadas as formalidades, as declarações prestadas pelo
arguido não podiam ser usadas contra si MAS a doutrina entendia que
podiam ser usadas contra outros.
 No final do dia, constavam do leque das provas.
o A partir de 2007:
 O legislador criou uma norma geral de proibição de prova autónoma e
passou a utilizar uma expressão típica das provas proibidas: “não
podem ser utilizadas como prova”:
 Assim, a omissão ou violação das formalidades implica que as
declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas
como prova (nem contra o arguido nem contra outras pessoas).
o -> Com essa alteração, o legislador converteu uma ineficácia simples da prova
numa verdadeira proibição de prova.
 = Garante o respeito pelo regime da constituição de arguido.
 O facto de existir uma prova proibida associada ao regime de
constituição de arguido significa que, no fundo, é inútil para quem está
a conduzir uma diligência tentar manipular o estatuto do arguido.

Estatuto do Arguido – Direitos e Deveres: Direitos Processuais e Dever de Sujeição

Nota Prévia

 O estatuto do arguido é um acervo de direitos e de deveres – 60º e 61º.


 Tem de haver conjugação entre estes dois níveis – exemplo:
o Imaginemos que uma autoridade judicial vai apreender um objeto na posse do
arguido.
o Esta é uma diligência de prova que corresponde a uma apreensão, cujo
regime legal (designadamente, 172º e 178º) implica uma situação de sujeição
do arguido.
o O CPP só regula o direito ao silêncio quanto a um núcleo essencial: o de não
responder a perguntas que lhe são feitas por qualquer entidade sobre factos
imputados e o conteúdo das declarações, apenas na prova declarativa – isto
significa que o CPP não contempla genericamente uma garantia contra a não
auto incriminação = nos restantes casos, o arguido está sujeito às diligências
de prova, com possibilidade inclusivamente de realização coerciva de
diligências [172.º/1] LOGO não se pode invocar o direito ao silêncio.
 61º/Nº6/d) = o arguido tem um dever de sujeição a medidas de
coação e diligências de prova.
 -> Em matéria de diligências de prova, não se pode invocar por
exemplo a garantia contra a autoincriminação, pois o arguido não
está numa situação de poder recusar a entrega de certo objeto, ele
está numa situação de dever de sujeição.
o + A apreensão é um ato de autoridade + o seu desrespeito é tido como facto
típico que preenche o tipo legal do crime de desobediência previsto no
172º/Nº2 CP.
 Destaque – Direitos Processuais:
o Direito de presença (61º/Nº1/a) - relativamente a certas diligências;
o Direito a audiência – 61º/Nº1/b) - direito a ser ouvido antes de a decisão ser
tomada;
 Exemplos - 68.º/4 e 194º.
o Direito ao silêncio - direto a não responder a perguntas - 61º/Nº1/d).
 + o privilégio contra a autoincriminação, os deveres de sujeição a
diligências de prova e a possibilidade de realização coativa de
diligências.
o Direito a assistência de defensor - 61.º/1/f).
o Direito a participar no inquérito - 61.º/1/g).
o Direito de recurso - 61.º/1/j).
o Direito ao faseamento da inquirição - 103.º/3/4/5 - proibição entre as 00h e
as 7h (garante o direito ao descanso e de defesa pessoal) + blocos (máximo 2)
de 4 horas com intervalo de 1 hora.
o Provas proibidas - 103.º/5 - ameaça os direitos fundamentais.
 Destaque – Deveres Processuais – 61º/Nº6:
o Dever de comparência pessoal.
o Dever de responder com verdade - 140.º/Nº3 CPP; 359.º/1/2 CP]
o Dever de se sujeitar a diligências de prova – 61º/Nº6/d) + a medidas de
coação e garantia patrimonial (196º e ss).
 Em matéria de diligências dessa natureza não se pode invocar, por
exemplo, a garantia contra a autoincriminação.

Direito ao Silêncio

 Nos últimos 10 anos, o DS tem dado origem a imensas dúvidas na prática judiciária.
 Definição – Direito ao Silêncio – 61º/Nº1/d)
o O direito ao silêncio está previsto como o direito a não responder a perguntas
feitas por qualquer entidade sobre factos imputados e o conteúdo de
declarações.
 Conteúdo do DS na nossa lei – 61º/Nº1/d), 343º e 345º:
o Direito a não responder a perguntas;
o Direito a não dar explicações sobre respostas dadas;
o Direito a que o silêncio não seja valorado;
o Direito a não responder a todas ou a algumas perguntas (direito a selecionar)

Dúvida 1 – O silêncio é relativo ao conteúdo material ou conteúdo declarativo?

 61º/Nº1/d) – O direito ao silêncio tem uma estrutura declarativa e não um conteúdo


material:
o Estrutura declarativa = a possibilidade de não responder a perguntas.
o NÃO tem um conteúdo material = não é o direito de recusar a entrega de um
objeto.
 Exemplo:
o Se numa busca domiciliária for perguntado ao arguido onde está a arma do
crime, o arguido tem o direito a não responder:
 Está-lhe a ser feita uma pergunta, é declarativa = pode fazer uso do
direito ao silêncio e não tem sequer de justificar por que não
responde.
o Se for identificada uma arma e lhe for pedida pela autoridade judiciária, aí o
arguido não tem o direito de recusar ou omitir a entrega da arma:
 Porque aí já não estamos no plano declarativo, mas no plano da
diligência de prova e apreensão de um objeto.
 Temos de distinguir entre o conteúdo declarativo do direito ao
silêncio e outros comportamentos processuais exigidos ao
arguido.

Dúvida 2 – O DS pode ou não ser exercido de forma legítima em relação a informação essencial
para a promoção das investigações?

 Isto tem a ver com sistemas informáticos ou de telecomunicações, em que é


necessário obter-se informação sobre passwords ou chaves de desencriptação de
certa informação, como elemento fundamental para a investigação.
 Está resolvido no 14º da Lei do Cibercrime:
o Considera-se que o arguido não tem o dever de revelar as passwords nem as
chaves de encriptação.
o O que é que está aqui em discussão?
 Se revelar as passes são um objeto ou se têm um conteúdo
declarativo.
 O legislador decidiu aplicar o direito ao silêncio a estes casos =
estender o direito ao silêncio a informação relevante para aceder aos
sistemas informáticos e de telecomunicações.
 Claro que, em si, as chaves e passwords não são
incriminatórias, o que o poderá ser é a revelação de um facto
que permita aceder a factos incriminatórios.
o Nota - Para FCP, está resolvido de forma duvidosa.
 (Sempre que o legislador pretende alargar o direito ao silêncio em relação a situações
dúbias, (ou porque incriminatórias, ou porque constituem objetos materiais que em si
mesmos não se traduzem na respeita a perguntas), tem de o fazer expressamente,
senão prevalece a configuração do direito ao silêncio com conteúdo declarativo.)

Dúvida 3 – Qual é verdadeiramente o núcleo do DS? Na prática judiciária, pode o arguido


exercer o direito ao silêncio de forma seletiva em relação aos vários sujeitos processuais?

 Nuclearmente, o direito ao silêncio é o direito a não responder + a não dar explicações


+ a não ver o silêncio valorado.
o Inclui também o direito a selecionar aquilo a que quer ou não responder?
o Esta questão surge na prática judiciária (e é um direito muito exercido) … pode
dizer que responde às perguntas do tribunal, mas não às do advogado do
assistente? Ou às do tribunal, mas não às do MP? Ou às dos arguidos A e B,
mas não às dos arguidos C e D?
 Duas visões na jurisprudência:
o Visão 1:
 Entendem que o DS tem de ser exercido em bloco:
 Ou se responde, ou não se responde em bloco.
o Visão 2:
 O que está na lei é o direito a não responder a perguntas, é um direito
perante cada pergunta.
 Não esta na lei que o DS tem de ser exercido ‘em bloco’.
 + Razão Constitucional – 32º CRP – Garantias de Defesa:
 O direito ao silêncio não tem explicitamente consagração
constitucional, mas resulta de uma garantia de defesa,
prevista no 32º CRP.
o Se o arguido, para se defender, entende que deve
responder a umas perguntas e não a outras, ou que
pode selecionar, ou que para efeitos da sua defesa
pode responder a uns sujeitos processuais e não aos
outros, está no seu direito.
 Uma interpretação restritiva do direito ao silêncio é
inconstitucional = implica derrogação do 32º CRP.

Dúvida 4 - Quando o arguido invoca o direito ao silêncio, o sujeito processual que pretende
fazer as perguntas pode, ainda assim, formulá-las? = O direito a não responder impede que se
façam as perguntas?

 Exemplo Prático - Processo Casa Pia:


o Aqui, o tribunal entendeu que, quando o arguido exerce o direito ao silêncio,
isso impedia os sujeitos processuais de fazerem as perguntas que seriam
dirigidas a esse arguido.
o FCP entende que o tribunal seguiu fundamentalmente um critério prático,
mas, como dizem alguns advogados, as perguntas valem por si
independentemente de serem respondidas.
 Esta questão toma uma proporção relevante nos casos de ‘Coarguidos’:
o Nestes casos, o advogado que faz a pergunta é advogado de outro arguido,
sendo que ele entende que para a defesa do seu arguido é importante a
pergunta independentemente de resposta…
o FCP:
 Esta questão deve ter uma regulação expressa:
 Devia ser possível os advogados dos coarguidos fazerem as perguntas
independentemente de o arguido a quem as mesmas se dirigem
responderem ou não.
 Se isso não for feito, está a ser negada a possibilidade e dimensão do
direito de defesa:
 Para um arguido, responder ou não é um direito;
 Para outro, ser feita a pergunta pode ser uma fonte
fundamental para uma dúvida razoável a ser tida em conta,
designadamente na investigação dos factos. Não é nada
pacífico dizer-se que o advogado de um coarguido não pode
fazer perguntas.

Privilégio/Garantia contra a Autoincriminação


Nota Prévia

 Diferença entre DS e GAI:


o Direito ao silêncio = é o direito de não responder a perguntas.
o Garantia contra a autoincriminação = é o direito a não ser exigido que
colabore na descoberta dos factos que o podem responsabilizar.
 Podem ter um núcleo comum:
o O DS é uma parte da garantia contra a autoincriminação MAS a GAI é mais
ampla, pois abrange todas as situações em que pode haver uma colaboração,
independentemente de ser com a resposta a perguntas feitas.

Comparação – Direito Inglês

 O DS e a GAI são dissociadas de acordo com o tipo de criminalidade.


 Exemplo:
o A criminalidade organizada muito grave ou o terrorismo não garantem o
direito ao silêncio, mas garantem o privilégio contra a autoincriminação.
o Assim:
 Obrigam-se as pessoas a revelar.
 As pessoas não podem manter-se no silêncio.
 MAS os factos não são usados contra si.
 Assim, os factos são usados para responsabilizar outras pessoas ou
obter informação relevante, mas não contra si.

CRP e CPP - DS e GAI

 Regime da nossa CRP:


o Não consagra expressamente o DS nem a GAI.
o Estes resultam da presunção de inocência e das garantias de defesa.
 De acordo com a nossa CRP, vigorando a presunção de inocência do arguido, há uma
inversão do ónus da prova:
o Cabe à acusação provar os factos que a sustentam:
 E não ao arguido (porque presume-se que ele é inocente)
o Assim, a posição da defesa pode ser puramente passiva (ele tem todas as
garantias de defesa) e não é exigida colaboração alguma.
 A nossa lei modelou uma parte de forma invisível e outra de forma visível:
o Forma Invisível:
 O legislador, ao estabelecer o privilégio contra a autoincriminação,
inverteu o ónus da prova e fez com que não fosse exigida a
colaboração do arguido no processo.
 Ao inverter o ónus da prova:
o É a acusação que tem de provar os factos;
o Os arguidos não têm o dever de colaborar para a
descoberta dos factos;
 Assim, quando os arguidos, por razões mediáticas ou sociais, dizem
que vão colaborar com a realização da justiça, estão a fazer uma
manifestação de boa vontade, mas não é exigido que colaborem.
 = Na verdade, a GAI retira-se por interpretação da presunção de
inocência e das garantias de defesa, mas não está lá expressamente.
o Forma Visível:
 O CPP regula expressamente o DS.
 + A situação de sujeição do arguido a diligências de prova.
 Desse ponto de vista, ao regular o direito ao silêncio, o CPP
criou uma regulação compatível com as garantias de defesa e
com a presunção de inocência.
 Nota – DS também não está na CRP.
o Pode-se dizer que o CPP de 1987 foi muito mais longe que a CRP de 1976.
 + Ainda sobre a GAI:
o Há autores que insistem que a GAI está explicitamente prevista:
 Isto porque é algo tão evidente do ponto de vista das garantias que
tem de lá estar.
o MAS há exemplos históricos de constituições que o referem expressamente,
portanto se calhar não se pode dizer explicitamente que está lá.
o Há um certo lapso legislativo:
 No futuro, a ser para consagrar, o legislador terá de discutir
exatamente qual o conteúdo que quer atribuir à GAI.
 = É profundamente discutível.
o Não é expresso = resulta de um interpretação enunciativa da presunção de
inocência e das garantias de defesa:
 Concluímos que não é exigida ao arguido a colaboração na sua
incriminação, nem sequer a valoração para efeitos de
responsabilização de outras pessoas, ou a descoberta da verdade
material.
o Também não colhe o argumento de que o legislador não o consagrou por
estar previsto nos textos internacionais:
 Quando nós vemos a CEDH ou o PIDCP, o que está lá é que ninguém é
obrigado a colaborar quando isso implique a sua responsabilidade.
 = É uma manifestação explícita do DS, como proteção
designadamente dos direitos das testemunhas.
 Não há uma consagração clara e inequívoca (como na Constituição
brasileira ou espanhola) da GAI.
o Assim, FCP:
 Entende que GAI devia estar expressamente consagrado.
 MAS tem de haver um debate esclarecido numa revisão constitucional
e não por interpretação hermenêutica iluminada de alguém quando lá
não está nada.
 Enquanto assim não for, retira-se da presunção de inocência e das
garantias de defesa, sendo que tudo o que implicar exigência de
colaboração ou um comportamento ativo por parte do arguido, de
forma a inutilizar a alguma dessas garantias, é inconstitucional.

Questão do ‘Dever de Colaboração’

 Um dever de colaboração significa a violação das garantias de defesa.


 Problema Principal – Direito Tributário:
o Isto tem suscitado imensos problemas porque há, designadamente, deveres
de colaboração da parte dos contribuintes relativamente à administração
tributária.
o Coloca-se a questão de saber se essa informação pode depois ser usada nos
processos criminais:
 Ora, durante muito tempo, o TC entendeu que não havia problemas.
 MAS interpretação do Prof. Pedro Machete + voto do Prof. Costa
Andrade:
 Um processo tributário em curso (de natureza criminal) não
pode exigir os deveres de colaboração porque isso significa
uma violação do direito ao silêncio que vale no processo por
via do direito criminal.
o = No fundo, os deveres de colaboração cessam na
pendência do processo criminal, sempre que o seu
conteúdo implique elementos contra o contribuinte,
designadamente os crimes de fraude fiscal ou de
abuso de confiança.
 + Prof. CA veio fazer uma formulação mais ampla:
 Disse que não era apenas durante a pendência do processo
criminal que os deveres de colaboração cessavam = os antes
do processo criminal também não podem dar origem a
elementos valoráveis no processo criminal, pois isso violaria a
garantia contra autoincriminação.
 Assim, no domínio do direito tributário, temos a questão de saber se
os deveres para com a AT cessam ou são mitigados quando há crime,
ou se a lógica das garantias de defesa implica que, mesmo que haja
deveres, haja uma proibição de valoração, como defende Costa
Andrade.
 Isso está resolvido apenas de forma persuasiva, pois há apenas um
acórdão do Tribunal Constitucional que versou sobre esta matéria.

O Dever de Entrega de Objetos para Exame e Apreensão

 Artigos:
o 61º/Nº6/d) - sendo pedidos elementos para exame ou análise e futura
apresentação, esse elemento pedido pode ser solicitado com cominação de
desobediência.
 = o direito ao silêncio não abrange o direito a não entregar elementos
materiais que tenha na sua posse.
 Exceção – Lei do Cibercrime – fornecer passwords ou chaves
de desencriptação de documentos.
o 172º - dever de sujeição a exame;
o 178º - apreensões;
 Razão - o CPP confirmou o dever de entrega de objetos quando pedidos para exame
por se entender que o exame é uma diligência de prova, e, portanto, em relação a ele
o arguido está numa situação de sujeição.
 Questões:
o Saber se a realização de uma zaragatoa local, em que se retira um pouco de
células do interior da boca, para identificação de marcadores de ADN, é ou
não uma diligência que pode ser acompanhada do exercício de poderes de
autoridade e se a arguido está numa situação de sujeição.
 Resposta do TC:
 Entendeu que havia essa situação de sujeição, porque este
exame pericial é uma diligência de obtenção de prova.
o = Não lhe é exigido qualquer contributo material, e
sim que ceda material biológico relevante.
 Utilizou argumento adicional de que não há lugar à aplicação
da GAI porque o resultado da diligência não é em si mesmo
incriminatório.
 Ora, o resultado da diligência, no momento em que é
realizada, é neutro = depois pode é ser coincidente com
outros marcadores de ADN, e isso ser um resultado posterior
a obtenção desses elementos.
o MAS a obtenção de material biológico não revela, por
si mesmo, um conteúdo autoincriminatório.
 = Quando o resultado da diligência não é incriminatório, não
se pode invocar a garantia contra a autoincriminação.
 Para já, esta é a tendência jurisprudencial.

Questões práticas sobre o DS

 O DS e a GAI estão a ser desafiados por situações concretas como os deveres de


colaboração em certos setores do direito (como o fiscal), novas tecnologias, utilização
de meios de prova = discute-se é exigido ou não alguma colaboração ativa ao arguido
que possa pôr em causa a garantia contra a autoincriminação, entre outros.
 Nota - algumas questões estão resolvidas por lei, outras vão tendo ajustamentos com
jurisprudência do TC e outras não têm ainda resolução segura.

Dever de Sujeição a Diligência de Prova

 Como já vimos, o EA engloba direitos e deveres.


o Direitos = a exercer de forma facultativa.
o Deveres, inclui deveres de sujeição, que têm de ser compatibilizados com
garantias fundamentais do arguido.
 No caso do dever de sujeição a diligências de prova (como participar numa acareação
ou reconstituição do facto, 61º/Nº6/d)) tem de ser compatibilizado com o direito ao
silêncio:
o O DS tem uma componente declarativa e não material - não abrange o direito
a não entregar certos objetos ou de reconstituição.
o O arguido tem o dever de sujeição a estes deveres (dever de participar na linha
de reconhecimento, na reconstituição e de participar na acareação) mas têm
de ser articulados com o DS:
 = Não vai contribuir numa vertente declarativa, prestando
declarações;
 + há uma proibição de valoração desse silêncio = não se podem tirar
conclusões de o arguido ter ficado em silêncio.
 Casos – Opinião de FCP:
o Prova por reconhecimento de pessoas - 147º:
 Não há particular problema, basta estar numa linha.
o Reconstituição de facto – 150º:
 Pode haver interações de carácter oral.
 Para FCP, a melhor forma de compatibilizar o DS com a reconstituição
é o arguido ter o dever de participar na reconstituição EXCETO se lhe
for pedido um comportamento ou declaração que remeta para um
elemento de responsabilidade (aí tem direito a recusar-se)
o Prova por acareação - 146º:
 Há um confronto de opiniões e depoimentos por parte de
intervenientes diversos e aí pode estar em causa um conteúdo
declarativo.
 FCP considera que o entendimento legal é que o arguido está obrigado
a ir à acareação mas mantém o direito ao silêncio = a não responder.
 MAS facto do tribunal não poder valorar o silêncio do arguido, não o impede de
valorar os outros meios de prova que motivaram o silêncio do arguido:
o Exemplo - Imagine-se que um dos arguidos pede a junção de uma carta, um
meio de prova documental, e são pedidas opiniões aos outros arguidos,
sendo que um deles invoca o direito ao silêncio pelo que não tem de
responder a nada sobre o conteúdo daquela carta.
o = O tribunal está proibido de valorar esse silêncio, mas pode valorar as outras
declarações e pode valorar o meio de prova.
 A carta que entra no processo pode e deve continuar a ser valorada se
for um meio legal de prova e essa apreciação não é afetada por o
arguido ter invocado o direito ao silêncio.

O Defensor – Os seus Direitos e Limites – 62º e 63º

 Papel do Defensor do Arguido:


o O defensor do arguido é alguém que garante uma defesa técnica em todo o
processo + garante uma certa perspetiva estratégica não condicionada pelo
facto de a pessoa poder ser responsabilizada:
 A razão pela qual a nossa lei exige uma defesa técnica é para permitir
uma análise mais lúcida, menos emotiva, mas descomprometida,
tecnicamente mais rigorosa, não afetada pela sujeição ao processo por
parte do arguido.
 Regime Legal – Características:
o Previsto no 62º.
o Direitos de Intervenção Processual do Defensor – 63º:
 Nº1 - Estabelece que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece
ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este:
 Os direitos que o arguido tem são também os direitos que o
defensor pode exercer = tudo o que dissemos quanto ao
estatuto do arguido se aplica, com alguns limites, ao defensor
mutatis mutandis.
o Limites:
 Há diligências e atos processuais que visam o arguido e não o seu
defensor:
 Sempre que há sujeição a um meio de prova ou medida de
coação isso dirige-se pessoalmente ao arguido.
 E.g – se é pedido ao arguido que participe numa
reconstituição de facto enquanto meio de prova.
o = Esse dever é do arguido e não do defensor. O
defensor pode acompanhar, mas não se encontra
nessa situação de sujeição.
 63º/Nº1 – o defensor pode exercer os direitos do arguido “salvo os
que ela reservar pessoalmente a este”:
 E.g - as últimas declarações do arguido no final da audiência –
361º = não podem ser feitas pelo defensor, tem de ser o
arguido.
o O defensor costuma ter uma estratégia para as declarações do arguido, e pode
fazê-lo de 2 formas:
 1) Falar com ele antes da comunicação;
 2) Interromper o depoimento e dar-lhe indicações;
 MAS s não se pode substituir ao arguido, não pode fazer sínteses ou
súmulas nem corrigir o que o arguido disse.
 É um sujeito processual com autonomia perante o próprio arguido, dentro de
mandato que tem:
o Pode ir ao processo praticar atos que determinam a sua tramitação, exercendo
direitos do arguido = interpor recurso, requerer a abertura da instrução ou de
pedir a anulação de um ato.
 Pode conformar a tramitação do processo com os poderes que tem,
tem o seu campo paradigmático no defensor do arguido.
o Pode exercer esses direitos, praticando atos que ache convenientes à defesa
do arguido.
o Razão:
 Percebe-se que ele tenha direitos próprios de intervenção se
pensarmos que, por exemplo, é ele que alega no final do processo e
não o arguido, ou que é ele que interroga as testemunhas e não o
arguido.
o + 63º/Nº3 – O defensor sujeita-se a que o arguido retire a eficácia ao ato
praticado.

O direito a ter defensor e a tutela da relação entre o arguido e o advogado

 Previsto no 61º/e):
o O arguido tem o direito a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um
defensor;
o + f) - Tem também direito a ser assistido por esse defensor em todos os atos
processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em
privado, com ele.
 62º:
o Essa constituição de defensor pode ser feita a qualquer altura do processo e
que o arguido pode constituir mais do que um defensor.
 Esta relação entre o defensor e o arguido merece tutela do nosso sistema = limites
legais às apreensões e publicações de correspondência entre os dois e às escutas que
abranjam as conversas entre ambos.

Limites às apreensões de correspondência – 179º

 Ora, quando são apreendidos documentos (179º) podem designadamente estar em


causa documentos que sejam forma de comunicação entre o arguido e o seu
defensor:
o Correio eletrónico, memorandos.
 Nº2 – A apreensão destes documentos (que fazem parte da relação de
correspondência entre o arguido e o seu defensor) é proibida, sob pena de nulidade.
o Exceção = SALVO se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui
objeto ou elemento de um crime.
 Quanto ao correio eletrónico:
o Inicialmente, estava equiparado às escutas – aparece no 189º/Nº1.
 = O legislador criou o regime das escutas telefónicas e depois
considerou o correio eletrónico como uma forma de equiparação –
2007.
o Em 2009:
 Aprovou-se a lei do cibercrime que colocou o correio eletrónico
apreendido no âmbito de um sistema informático dentro do regime
de apreensão da correspondência.
 Faz então agora parte do 179º:
 É um regime mais flexível. Isto foi politicamente intencionado.
 Mesmos limites de obtenção da prova, por estar em causa a
relação entre o arguido e o seu defensor.

Limites às escutas telefónicas – 187º

 Nº5 - É proibida a interceção e a gravação de conversações ou comunicações entre o


arguido e o seu defensor:
o É proibido fazer uma escuta telefónica a uma comunicação entre o arguido e
o seu defensor;
o + Também é proibido registar como prova uma conversa entre o arguido e o
seu defensor que surja ocasionalmente numa escuta telefónica.
 Quanto às escutas:
o O que se coloca sob escuta não é uma conversa ou uma pessoa, é o telefone:
 A escuta pode intercetar conversas relevantes ou irrelevantes porque
ficam registadas todas as comunicações.
o Formalidades das operações de escutas telefónicas – 188º:
 Primeiro, elege-se o telefone alvo.
 O material é recolhido pelo OPC:
 Ele assinala as passagens relevantes para o processo = o
conteúdo da escuta não passa integralmente para o processo,
mas apenas o que é selecionado.
o = Transforma o meio de obtenção de prova num meio
de prova que entra no processo.
 Nº3 - De 15 em 15 dias a polícia leva o material da escuta ao MP;
 Nº4 – MP tem 48h para sujeitar o resultado à intervenção do JIC;
 (Claro que o juiz tem acompanha todo este processo e a sua
autorização é fundamental)
 Só no fim disto tudo é que a escuta pode ser utilizada no processo.
o Proibição do 187º/Nº5 funciona em 2 momentos:
 1º - é inicialmente uma proibição de interceção;
 2º - é uma proibição de usar como meio de prova o resultado dessa
comunicação intercetada.
 Limites das Proibições – 187º/º5 e 179º/Nº2 - “salvo se o juiz tiver fundadas razões
para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime”:
o Se, porventura, o próprio conteúdo da conversa entre o arguido e o seu
defensor tiver a ver com o envolvimento do defensor na prática do crime
passa a ser possível utilizar essa conversa:
 Esta, em certo sentido, transcende o mandato de defesa: é um
envolvimento de natureza criminal na prática do crime (exemplo, o
defensor é instigador).
 Esta é uma exceção à proibição de apreensão de material
comunicativo e escutas telefónicas entre arguido e defensor.

Buscas e Apreensões em escritórios de advogados – 177º/Nº5

 O 180º sobre as apreensões em escritórios de advogados, remete para a norma do


177º sobre as buscas.
 O Nº5 estabelece que são possíveis as buscas em escritórios de advogados.
 Limites:
o Regime do Segredo Profissional – 182º:
 O advogado pode invocar o SP - para superar este limite é necessário
que o MP promova a quebra do segredo.
o É possível o advogado dizer que os documentos têm que ver com a relação
com o arguido e, portanto, são objeto intangível daquela diligência – 180º.
 Isto tem de ser confirmado, e se o for, os documentos não podem ser
apreendidos – 180º/Nº2.

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