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Diligências
de prova
e interrupção
da prescrição
1 Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa). Advogado
no Departamento Jurídico da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Todas as opiniões expressas neste
texto são exclusivamente pessoais, não podendo de modo algum ser imputadas à Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários.
I. INTRODUÇÃO
N
o artigo 28.º do Regime Geral das ção, já à luz da jurisprudência vinda
Contraordenações e Coimas encon- de referir tal questão aparenta ser
tra-se consagrado o elenco, taxa- controvertida.
tivo, de causas de interrupção da Apesar de uma análise e com-
prescrição que vigoram no proce- preensão dessa jurisprudência à luz
dimento contraordenacional, en- dos concretos casos sub judice reve-
tre elas figurando «a realização de lar que essa suposta divergência de
quaisquer diligências de prova, de- posições quanto à idoneidade desse
signadamente exames e buscas, ou concreto tipo de diligência de pro-
com o pedido de auxílio às autori- va para interromper a prescrição
dades policiais ou a qualquer au- é, na verdade, apenas meramente
toridade administrativa», tal como aparente.
consagrada na alínea b), do n.º 1 do Essa conclusão traz, porém,
citado dispositivo. consigo um outro desafio interpre-
Pese embora a aparente linea- tativo, igualmente suscitado pela
ridade da letra da lei (v.g. ao referir jurisprudência em questão, que,
que a realização de quaisquer dili- brevitatis causa, pode ser resumido
gências de prova interrompe a pres- nos seguintes termos: será admis-
crição), facto é que a referência no sível excluir do âmbito de aplicação
mencionado preceito a “exames e da norma em questão, com funda-
buscas” enquanto tipo de diligên- mento na sua ratio teleológica, di-
cias aptas a interromper a prescri- ligências de prova manifestamen-
ção, tem originado junto dos nossos te desnecessárias e cuja realização
tribunais entendimentos aparen- tenha constituído mero expediente
temente divergentes sobre a ratio abusivo para obviar à prescrição do
subjacente a tal enunciação e, em procedimento contraordenacional?
particular, sobre as diligências de Essa é uma das questões a que,
prova que deverão considerar-se no presente texto, procuraremos
abrangidas pela sua letra. responder. Antes disso, faremos,
A relevância da questão extra- contudo, uma breve descrição dos
vasa, contudo, o mero plano teó- fundamentos e/ou ratio que subja-
rico. É que se para o comum intér- zem à interrupção da prescrição, a
prete (e aqui nos incluímos) poderá que se seguirá uma tomada de po-
parecer inequívoco, face à letra da sição, à luz da letra e - daquela que
lei, que a inquirição de uma teste- consideramos ser a - ratio da lei,
munha (como diligência de prova sobre o tipo de diligências de prova
que inequivocamente é), consti- que consideramos estarem abran-
tui, ao abrigo do mencionado pre- gidas pela alínea b), do n.º 1, do ar-
ceito, facto interruptivo da prescri- tigo 28.º do RGCO. l
A
figura da prescrição apresenta-se curso do tempo torna mais difícil e
como garantia de certeza, segurança de resultados duvidosos a investiga-
e previsibilidade do sistema jurídico ção (e a consequente prova) do facto
e de efetivação do poder punitivo do e, em particular, da culpa do agente,
Estado em tempo útil e sem inércia elevando a cotas insuportáveis o pe-
injustificada, atribuindo ao decurso rigo de erros judiciários”.
do tempo sobre a prática de um fac- Como vem entendendo o Tribunal
to razão suficiente para que o direito Constitucional, através do instituto
sancionatório se abstenha de intervir da prescrição procura-se “[a]ssim, a
ou de punir. conciliação entre o interesse público
A propósito dessa figura ensi- na perseguição do ilícito (penal, con-
na FIGUEIREDO DIAS2, que “[p]or traordenacional) e o direito do agen-
um lado a censura comunitária tra- te de não ver excessivamente prote-
duzida no juízo de culpa esbate- lada a definição das consequências
-se, se não chega mesma a desapa- (penais, contraordenacionais) do
recer. Por outro lado, e com maior facto praticado, de modo a que pos-
importância, as exigências de pre- sa alcançar a paz jurídica individual.
venção especial, porventura muito Assim sendo, a relevância do insti-
fortes logo a seguir ao cometimen- tuto não se confina ao plano estri-
to do facto, tornam-se progressiva- tamente processual, mas reporta-se
mente sem sentido e podem mesmo também ao plano substantivo.”3
falhar completamente os seus obje- Por outro lado, como bem colo-
tivos (…) também do ponto de vis- cam em evidência MANUEL SIMAS
ta processual, aliás, como tem sido SANTOS e MANUEL LOPES DE
geralmente notado, o instituto geral SOUSA4 “[a] interrupção da prescri-
da prescrição encontra pleno funda- ção vai buscar a sua razão de ser ao
mento (…) na medida em que o de- fundamento da própria prescrição. O
2
Cfr. Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2009, pp. 699-670.
3
Cfr. Ac. n.º 297/2016 do Tribunal Constitucional.
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Cfr. Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2001, anotação ao artigo 28.º, p. 228.
5
Neste mesmo sentido, vide também o Ac. (de fixação de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2011, proferido no âmbito do processo n.º
401/07.3TBSR-A.C1-A.S1, onde se deixou consignado que: “(…) Também a consagração de causas de interrupção do procedimento contra-ordenacional se liga à
ideia de que o decurso do tempo não deve levar à prescrição do procedimento quando o Estado, pela prática de actos processuais relevantes, segundo a concreta
N
o procedimento contraordenacional de auxilio» a terceiras entidades, en-
o instituto da prescrição encontra- quanto exemplos de diligências idó-
-se regulado no artigo 27.º do Regime neas a interromper a prescrição, o
Geral das Contraordenações e Coimas que poderia sugerir algum propósito
(de ora em diante, “RGCO”)7, sendo delimitativo. Afigura-se-nos, ain-
as causas de interrupção da mesma da assim, inequívoca, a intenção do
consagradas no artigo 28.º do men- legislador de conferir eficácia inter-
cionado diploma. ruptiva da prescrição a toda a dili-
Estatui o artigo 28.º, n.º 1, do gência de prova cuja realização seja
RGCO, na sua alínea b), que a prescri- funcionalmente dirigida à instrução
ção do procedimento contraordena- do processo de contraordenação.
cional se interrompe com «a realiza- Repare-se que, se por um lado, o
ção de quaisquer diligências de prova, legislador optou por empregar a ex-
designadamente exames e buscas, ou pressão «quaisquer diligências de
com o pedido de auxílio às autorida- prova», por outro lado, e nessa ime-
des policiais ou a qualquer autoridade diata sequência normativa, consig-
administrativa». nou, de modo expresso, o advérbio
Reconheceu, assim, o legislador, «designadamente». Ora, se o legis-
convertendo em norma, que a reali- lador quisesse restringir o âmbi-
zação, no âmbito de um processo de to das diligências de prova idóneas a
contraordenação, de quaisquer dili- interromper a prescrição às especi-
gências de prova representa afirma- ficamente elencadas na norma ou a
ção suficientemente solene da pre- outras que, com essas, partilhassem
tensão estadual do exercício do jus de alguma forma semelhanças aten-
puniendi, pelo que deverá determinar díveis, não teria determinado que a
a interrupção da prescrição do proce- realização de quaisquer diligências
dimento contraordenacional no âm- de prova interrompe a prescrição,
bito do qual tais diligências sejam nem lançado, depois, mão do advér-
realizadas. bio «designadamente» que, por na-
Sendo certo que, no mencionado tureza, desempenha uma função me-
preceito, o legislador se refere a «exa- ramente enunciativa.
mes e buscas», bem como a «pedidos O que permite concluir que os
7
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17/10, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14/09, pelo Decreto-Lei
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Também no sentido de ser esta a finalidade da enunciação constante do preceito, se pronunciou recentemente o Tribunal da Concorrência, Regulação e
Supervisão de Santarém, em sentença proferida em 21.07.2021, no âmbito do processo n.º 290/20.2YUSTR (que, na fase administrativa do processo de contraor-
denação, correu termos na CMVM sob o n.º 6/2017), na qual, a propósito do preceito em análise, se deixou consignado o entendimento de “[o] que se divisa é que,
procurando evitar espúrias discussões dogmáticas e teóricas e reforçando a ideia de inexistência a um direito à prescrição, afirmou o legislador na alínea b), do
número 1, do artigo 28.º do RGCO, a aptidão de quaisquer diligências de prova para interromper a prescrição, quer assumam a natureza de meios de prova ou de
meios de obtenção de prova. Na verdade, em qualquer daquelas atuações, o acto praticado corporiza a intenção da Autoridade Pública de exercer o ius puniendi,
sendo essa a ratio da norma.”. Esta sentença pode ser consultada em www.cmvm.pt.
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No qual se dispõe que “[a] autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.”.
10
No qual se dispõe que “[a]s autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como
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A este propósito, nunca será demais relembrar que, como ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Vol. II, Verbo, 2011, pp. 143-144, a prova
tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil) podendo ser entendida com “tríplice significado”: (a) prova como atividade
consignou que:“[a]figurando-se-nos evidente que o efeito interruptivo da prescrição de determinada diligência probatória não pode ficar dependente da valora-
ção que a entidade administrativa faz da mesma, nomeadamente de a considerar ou não credível ou relevante”, e ainda que “[n]ão releva, para efeitos de ocorrência
de causa interruptiva que a prova arrolada pela defesa seja ou não considerada pela autoridade administrativa para efeitos de formação da sua convicção ou de
fundamentação da decisão, apenas relevando que haja tido lugar no processo a produção desse tipo de prova pessoal. Com efeito, a referida al. b) do artº 28º, 1, do
RGCO confere esse poder interruptivo à «realização de quaisquer diligências de prova» não arredando, de forma alguma, a produção de prova pessoal, nem fa-
zendo depender essa eficácia interruptiva da valoração ou não da prova produzida (…)” (itálicos nossos)
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Neste sentido vide, o Ac. proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 11.04.2019, no âmbito no processo n.º 3099/18.0T8GDM.P (Rel. João Pedro Nunes
Maldonado), onde se deixou consignado, nomeadamente, que “[e]m processo contra-ordenacional a realização de diligências de prova requeridas pelo arguido
em fase de instrução, garantia de defesa com conforto constitucional, constitui a máxima expressão do desiderato estadual de exercício da sua pretensão punitiva
motivo pelo qual, dada a sua especial dignidade, é causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional” (itálico nosso).
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Cfr. Regime-Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2017, p. 95.
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Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos
RIBEIRO, Contra-ordenações Laborais, Almedina, 2000, pp. 109-110. Não acompanhamos, contudo, salvo o respeito que é devido, a posição do autor. Desde logo
porque, como decorre de tudo quanto já se expôs, cremos que tal entendimento não tem cabimento na letra da lei ou na sua ratio, mas também porque, con-
trariamente ao que esse autor defende, não nos parece que a referência no mencionado preceito a exames e buscas “sugira” a prévia existência de arguido.
Muito pelo contrário, é nosso entendimento que a referência, no mencionado preceito, a esses meios de obtenção de prova, a par com a referência aos pedidos
de auxílio a autoridade administrativas, aponta precisamente no sentido da autonomia da eficácia interruptiva da prescrição atribuída a diligências de prova,
face à eventual notificação ao arguido dessa qualidade (que, sublinhe-se, em processo de contraordenação, tende a coincidir com a dedução da acusação).
As diligências probatórias de busca e exame, tal como a apreensão, representam apenas meios processuais de aquisição de prova do facto ilícito, não raras
vezes empreendidos em fase embrionária do procedimento, quando o seu objeto não está ainda delimitado nem devidamente identificado/s o/s agente/s dos
factos. Por outro lado, a qualidade de “buscado” ou “examinado” não tem de ser necessariamente coincidente com a de arguido, seja no momento das diligências
de buscas e exames, seja em momento posterior: uma pessoa ou uma empresa pode ser alvo de buscas sem que seja previamente constituída arguida. Mesmo
em Processo Penal não se encontra prevista a obrigatoriedade de constituição de arguido em momento prévio à realização de diligências de busca e apreensão,
conforme resulta a contrario dos artigos 57.º, 58.º e 59.º do Código de Processo Penal. Acresce ainda que podem ser realizados exames e buscas ou solicitada a
sua realização sem que venha a existir arguido, maxime quando o resultado da sua realização conduza, por falta de indícios suficientemente estabilizados da
é, ao abrigo do mencionado preceito, idónea a interromper a prescrição, pronunciou-se já o TCRS na referida sentença proferida em 21.07.2021, no âmbito do
processo n.º 290/20.2YUSTR (que, na fase administrativa do processo de contraordenação, correu termos na CMVM sob o n.º 6/2017), na qual se deixou consig-
nado, nomeadamente, que “[a] inquirição de testemunhas constitui uma diligência de prova, normativamente relevante nos termos e para os efeitos previstos
na alínea b), do numero 1, do artigo 28.º do RGCO”. No sentido de que são igualmente idóneas a produzir, ao abrigo do mencionado preceito, efeito interruptivo da
prescrição, notificações dirigidas ao arguido ou a terceiras entidades que consubstanciem pedidos de elementos probatórios (relevantes para a instrução dos
autos) se pronunciou o mesmo Tribunal em sentença proferida, em 13.03.2017, no âmbito do processo n.º 283/16.4YUSTR (que, na fase administrativa do processo
de contraordenação, correu termos na CMVM sob o n.º 42/2012), onde, com especial interesse para o tema em análise se consignou também o entendimento,
que merece a nossa total adesão, de que “[a] instrução documental assume nos processos contra-ordenacionais importância destacada e até prevalente em
relação a outros elementos de prova. (…) e que “[a] eficácia interruptiva não dependem (sic) da efectividade ou até da ocorrência da resposta” (itálico nosso).
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Neste sentido vide o Ac. proferido, em 26.20.2017, pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo n.º 7/17.9T8ETR.P1 (Rel. Pedro Vaz Pato), no qual se deixou
vertido que: “Estatui o referido artigo 28.º, n.º 1, b), do Regime Geral das Contra-Ordenações que interrompe a prescrição do procedimento contra-ordenacional «a
realização de quaisquer diligências de prova». Não se faz distinção entre diligências de prova mais ou menos complexas (são quaisquer diligências de prova). A
referência às buscas e exames é meramente exemplificativa (usa-se o vocábulo designadamente). Considera o legislador (e não nos cabe nesta sede contestar tal
opção) que a realização de quaisquer diligências de prova, sem distinção (e, portanto, também a inquirição de testemunhas, de acusação ou de defesa), representa a
afirmação solene da pretensão estadual do exercício do jus punendi, afirmação que justifica a interrupção da prescrição do procedimento criminal.” (itálico nosso).
Também no Ac. proferido, em 17.01.2018, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 292/17.6T9MGR.C1 (Rel. Jorge França), se consignou que:
“[é] unânime o entendimento de que a inquirição de testemunhas constitui diligência de prova na acepção dada pelo artigo 28.°, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro, constituindo, nesta medida, causa de interrupção da prescrição” e ainda que “[a] referida al. b) do artº 28º, 1, do RGCO confere esse
poder interruptivo à «realização de quaisquer diligências de prova» não arredando, de forma alguma, a produção de prova pessoal, nem fazendo depender essa
eficácia interruptiva da valoração ou não da prova produzida; basta que a produção de prova haja efectivamente tido lugar. A referência a «exames ou buscas»,
(…) é meramente indicativa o que resulta de forma imediata do uso do advérbio que o antecede, v.g. «designadamente»” (itálicos nossos).
U
ma corrente jurisprudencial - na so, o que leva a concluir que não são
qual se inscrevem um acórdão pro- todas as diligências que têm o mé-
ferido, em 18.11.2009, pelo Tribunal rito de interromper o prazo prescri-
da Relação de Coimbra20 e, em reite- cional, e muito menos diligências de
ração, perante um caso semelhan- prova perfeitamente irrelevantes, in-
te, da jurisprudência ali firmada, justificadas e sem qualquer utilidade
também um acórdão proferido, em para o apuramento da responsabili-
09.09.2015, pelo Tribunal da Relação dade contraordenacional do agente”,
do Porto21 - vem defendendo a ne- o que se concluiu verificar-se relati-
cessidade de realizar uma “inter- vamente a diligências de inquirição
pretação restritiva” do artigo 28.º, de testemunhas levadas a cabo por
n.º 1, alínea b) do RGCO (maxime da iniciativa das autoridades adminis-
expressão “quaisquer diligências”) trativas, no âmbito dos processos de
no sentido de as diligências de pro- contraordenação objeto de aprecia-
va suscetíveis de interromperem o ção nos mencionados arestos.
prazo de prescrição se apresentarem A jurisprudência firmada nesses
como diligências necessárias para a acórdãos deve, contudo, ser enqua-
instrução dos autos, e não quaisquer drada e compreendida à luz dos con-
diligências de prova, de iniciativa da cretos casos ali apreciados, cuja sin-
autoridade administrativa, sem rele- gularidade impõe especial cautela em
vância processual e manifestamente qualquer tentativa de extrapolar o
dilatórias. que ali foi decidido (e, em particular,
Para tanto, sustenta essa juris- os fundamentos com que foi decidido
prudência que a referência especí- proceder a uma interpretação restriti-
fica nesse texto legal à realização de va da alínea b), do n.º 1, do artigo 28.º
exames e buscas, “[t]ransmite a ideia do RGCO) para casos que não sejam
da necessidade de realização de dili- em tudo semelhantes.
gências de prova que revelem alguma Com efeito, é bom de ver que, em
complexidade e morosidade ou que, ambos os casos, a diligência de pro-
requeridas pela defesa, atrasem re- va cuja eficácia interruptiva se discu-
levantemente o decurso do proces- tia consistiu, na sugestiva expressão
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Proferido no âmbito no processo n.º 142/09.7TAILH.C1 (Rel. João Gomes de Sousa).
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Proferido no âmbito do processo n.º 67/14.4TBVFR.P1 (Rel. Raul Esteves).
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Como se terá verificado com as inquirições de testemunhas levadas a cabo nos casos em apreciação nos dois acórdãos citados.
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No âmbito do processo n.º 1134/14.0EAPRT.G1 (Rel. Jorge Bispo).
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Idêntico entendimento foi também recentemente sufragado pelo TCRS, na já citada sentença proferida em 21.07.2021, no âmbito do processo n.º 290/20.2YUSTR,
na qual, precisamente perante a invocação, pela defesa, desses mesmos dois acórdãos com vista a afastar a eficácia interruptiva da prescrição de inquirições
de testemunhas levadas a cabo, em momento prévia à dedução da acusação, por iniciativa da autoridade administrativa (in casu, a CMVM), se concluiu que “[n]
ão se divisa nas mesmas propósito dilatório ou irrelevância normativa, o que era suscetível de consentir – mas se não verifica - a transposição para estes autos
do sentido jurisprudencial acolhido nos arestos convocados pela Recorrente. Na sobredita jurisprudência censura-se, adequadamente, diligências probatórias
promovidas pelas entidades administrativas sem relevância processual para o objecto dos autos ou com cariz dilatório, porque supérfluo, irrelevante ou repetitivo.
Nenhuma dessas idiossincrasias, repete-se, estão em causa nestes autos.” (itálico nosso).
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Como ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, 2º vol., Verbo, 2008, p. 134 “[a] preocupação do legislador em estabelecer o con-
trolo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a de-
cisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade algu-
ma que possa influir na decisão. Na fase do julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela
defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (artigo 340º,
nº 3 e 4).” (itálico nosso). No mesmo sentido, embora por referência ao processo de contraordenação, também ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES e JOSÉ DOS
SANTOS CABRAL, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2004, p. 139, defendem que “[o] arguido tem o direito de se pronunciar
sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa. Igualmente não se vislumbra motivo para se negar naquela fase a possibilidade
de o arguido requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em sede de inquéri-
to relativamente à autoridade judiciária. Questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo
arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade, se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os
actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos.” (itálicos nosso)
Na jurisprudência, vide entre outros, o Ac. proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 08/04/2014, no âmbito do processo n.º 108/13.2TBCUB (Rel. João Gomes
de Sousa): “V – A não inquirição de uma testemunha indicada pelo arguido na fase administrativa não pode estar dependente da simples vontade da entidade
administrativa e esta não pode, de motu próprio, decidir não inquirir a testemunha por razões que não têm a ver com a necessidade da sua inquirição para a de-
fesa do arguido”, e o Ac. proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, em 24/09/2013, no âmbito do Processo n.º 1.175/10.6TBAF.E1 (Rel. João Gomes de Sousa): “II
– Mas o direito à produção de prova está limitado pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (…). Se essa concretização é inútil para os autos, o
princípio da necessidade impõe que não se admita. Ou seja, não há um direito absoluto à produção de qualquer prova de forma não controlada.” (itálicos nosso).
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A este propósito FREDERICO COSTA PINTO, «Direito de Audição e Direito de Defesa em Processo de Contraordenação: conteúdo alcance e conformidade constitucio-
nal», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Vol. 23, No. 1 (2013), p. 91, refere que “[c]abe em última instância ao titular do processo decidir da relevância e necessi-
dade da prova a produzir, o que não inutiliza as garantias de defesa perante a possibilidade de impugnar a decisão final requerendo um julgamento específico para
esse efeito”. E PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 230, sustenta que “[o] poder de direcção do processo adminis-
trativo inclui o poder de praticar ou não praticar os actos de investigação e as diligências probatórias que entender adequados aos fins do processo contra-ordena-
cional e, designadamente, não realizar as diligências requeridas pelo arguido, à imagem e semelhança do que sucede com o MP quando dirige o inquérito criminal”.
27
A este propósito, e fazendo nossas, porque per se elucidativas, as palavras de António Castanheira Neves, citado pelo Supremo Tribunal de Justiça em Ac. profe-
rido em 01/17/2013, no âmbito do processo n.º 219/11.9JELSB-L1.S1, importa sublinhar que: “Na acentuação da interpretação teleológica, os resultados da interpre-
tação enriqueceram-se de outros tipos de grande relevo prático, e que têm de comum aceitarem já a redução ou a correcção do texto a favor do cumprimento
efectivo dada intenção prático-normativa da norma; é o que se verifica com a interpretação correctiva, geralmente aceite, em que se admite que o intérprete
sacrifique (corrija) o texto da lei para realizar a intenção prática da norma. Num plano de proximidade estão os instrumentos metodológicos ou «modos interpre-
tativos» que se designam por “redução teleológica”: trata-se de reduzir ou de excluir do campo de aplicação de uma norma, com fundamento na teleologia imanente
à norma, casos aparentemente abrangidos pela expressão estritamente linguística da sua letra” (itálico nosso).
28
Cf. Ac. proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 10/12/2021, no âmbito do processo n.º 756/19.7T8ANS-A.C1 (Rel. Silvia Pires).
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Conforme se julgou no Ac. n.º 126/2009 do Tribunal Constitucional, é “[e]xigível, como emanação do princípio da legalidade da perseguição criminal, que o Estado
proceda à regulamentação da prescrição – incluindo o regime da interrupção e suspensão dos prazos prescricionais – de uma forma precisa e concreta, obviando