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OBJETIVA
Sumário:
1. Os que, como nós, nutrem reservas com relação a certos conceitos e metodologias
generalizantes, questionando e muitas vezes duvidando da própria existência de
verdadeiros sistemas no campo da ciência jurídica, poderão surpreender-se com a
concreta e persistente reação oposta pelos sistemas, especialmente no domínio do
Processo Civil, a toda novidade que lhes ameace a coerência, ao observar como é difícil
introduzir neles uma nova categoria ou um novo instrumento que lhes sejam estranhos e
que possam entrar em conflito com seus princípios, sendo instrutivo constatar como o
ordenamento jurídico procura defender-se contra as novidades que possam agredi-lo e
expô-lo ao perigo de perder aquele mínimo de organicidade indispensável à formação de
qualquer sistema.
Uma expressão desse conflito travado entre o sistema sob o qual fora concebido nosso
Código de Processo Civil (LGL\1973\5) e as medidas antecipatórias, agora introduzidas
em seu regime pelo art. 273, mostra-se, a olho nu, na tentativa que hoje se faz de
modificar-lhe a redação do § 3.º, para sujeita-lo, de modo integral, ao regime da
execução provisória, acrescentando-lhe a referência ao inc. I do art. 588, que o
legislador da reforma de 1994 deliberadamente deixara fora.
A Comissão da Reforma não nega que a exclusão do inc. I do art. 588, na redação do §
3.º do art. 273, fora proposital, com o declarado intuito de dar maior efetividade ao novo
instrumento processual. Ela mesma, no entanto, acabou vencida pelo sistema e teve de
estender o princípio da responsabilidade objetiva ao regime das antecipações de tutela.
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desfeita em virtude do julgamento definitivo que lhe seja desfavorável, decorre de dois
princípios, um deles geral, que domina o universo de nossa vida prática e segundo o
qual havemos de ter por legítimas as situações estabelecidas, cabendo a quem pretenda
modificá-las o ônus de demonstrar sua ilegitimidade ou inconveniência. É o antiquíssimo
princípio de conservação do fático, sob cujo fundamento, em grande parte, assenta-se a
tutela possessória. O princípio é inteiramente válido e funda-se em pressupostos
filosóficos hoje amplamente reconhecidos, embora sua observância exagerada em nosso
processo civil seja causa de um desequilíbrio profundo entre as posições de autores e
réus submetidos ao procedimento ordinário, como tentaremos mostrar a seguir.
3. Chama a atenção que este princípio, quando ampliado para consagrar a mesma
responsabilidade objetiva, atribuída ao sucumbente, sujeitando-o a indenizar, além das
despesas processuais, também os danos sofridos pelo réu, tenha sido acolhido pelo
legislador brasileiro, quando o direito italiano, pátria de Chiovenda, nunca o tenha
aceito, conservando fidelidade ao princípio oposto, segundo o qual a responsabilidade
pelos danos eventuais causados pelo litigante sucumbente, de um modo geral, e
especialmente por quem promova a execução provisória, depende da prova de ele ter
agido sem a prudência normal ("senza la normale prudenza", como prescreve o art. 96
do CPC (LGL\1973\5) italiano). De resto, é imperioso fazer, desde logo, a defesa de
Chiovenda, neste particular, para mostrar que ele não unificava, num único princípio, a
responsabilidade pela sucumbência, nela compreendidas as custas e os honorários, e o
dever de indenizar os danos porventura causados pelo processo. São palavras do
mestre: "En el derecho intermedio, olvidada esta diferencia en cuanto al fundamento, se
perdió de vista también la diferencia correspondente en cuanto a la obligación del
vencido; y los textos que la explicaban sirvieran para produzir la confusión respecto al
concepto de costas judiciales. Ahora hemos vuelto a lo antiguo, no sólo al establecer la
responsabilidad absoluta del vencido por el hecho de serlo, sino al fijar la distinción entre
las costas del pleito, que debe abonar todo vencido, y los daños, que para unicamente el
vencido temerario".1
Aquele dispositivo do Código italiano, há pouco mencionado, foi mantido em sua redação
primitiva, mesmo com a recente reforma que liberalizou a execução provisória,
generalizando-a para todas as sentenças de primeiro grau. É conveniente transcrevê-lo
para que se avalie a importância e, especialmente, a abrangência da norma, que alcança
inclusive o processo cautelar: "Art. 96. 1. Se risulta che la parte soccombente ha agito o
resistido in giudizio con mala fede o colpa grave, il giudice, su istanza dell'altra parte, la
condanna, oltre che alle spese, al risarcimento del danni, che liquida, anche d'ufficio,
nella sentenza. 2. Il giudice che accerta l'inesistenza del diritto per cui à stato eseguito
un provvedimento cautelare, o trascritta domanda giudiziale, o iscritta ipoteca giudiziale,
oppure iniziata o compiuta l'esecuzione forzata, su istanza della parte danneggiata,
condanna al risarcimento dei danni l'attore o il creditore procedente, che ha agito senza
la normale prudenza. La liquidazione dei danni è fatta a norma dei comma precedente".
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A própria disposição da lei italiana acaba fazendo uma distinção entre o comportamento
temerário ou abusivo do demandado no procedimento comum, que, segundo o inc. I do
art. 96, poderá acarretar-lhe a condenação a indenizar os danos e a condição deste
perante as formas de execução antecipada, seja propriamente a execução provisória,
seja a efetivação de medidas cautelares, casos em que a lei se refere apenas ao attore e
ao creditore procedente, que haverão de indenizar quando não tenham direito,
silenciando, porém, quando a falta de normale prudenza seja atribuída ao demandado na
ação cautelar.
O procedimento ordinário parte do princípio, que pode ser aceito, de um modo geral, de
legitimidade da situação fática preexistente, atribuindo a quem alegue alguma pretensão
tendente a modificá-la o ônus de provar sua contrariedade ao direito. O procedimento
ordinário, no entanto - nisto reside seu defeito congênito -, iguala todos os
demandantes, ao iniciar-se a demanda judicial, considerando-os sem direito, até prova
em contrário, independentemente da maior ou menor verossimilhança de suas
respectivas pretensões. O pressuposto poderia ser válido se não fosse a vedação
imposta ao julgador de reconhecer eventuais hipóteses de ilegitimidade da posição do
demandado, baseando-se em simples verossimilhança do alegado direito do autor.
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Duas hipóteses podem ilustrar isso. Como o Código, no art. 462, manda que o juiz tome
em consideração os fatos e o direito supervenientes, é possível que a defesa oferecida
pelo demandado seja procedente, vindo porém algum fato ou direito superveniente em
socorro do autor, tornando procedente a demanda originariamente infundada. Nas ações
de consignação em pagamento, o réu que haja contestado alegando insuficiência do
depósito, depois complementado pelo autor, também tivera razão para contestar e, no
entanto, será sucumbente. A estrita fidelidade ao sistema imporia ao juiz o dever de
condenar o vencido em custas e honorários também nestes casos.
Costuma-se distinguir os dois sistemas dizendo que aquele fundado na culpa baseia-se
no princípio da causalidade, uma vez que o sucumbente suportará as despesas
processuais feitas pelo adversário por ter injustamente dado causa à demanda, ao passo
que o sistema da responsabilidade objetiva faria abstração do elemento subjetivo da
culpabilidade, levando em conta apenas o fato objetivo da derrota.
Enquanto o sistema adotado por nosso Código baseia-se na sucumbência para justificar
o dever de indenizar que grava o vencido, supostamente sem levar em conta sua
culpabilidade como causa do litígio, o sistema da causalidade parte do pressuposto de
que, sendo a jurisdição um serviço público como qualquer outro, aqueles que o
procuram devem arcar com as despesas correspondentes, salvos os casos em que o
sucumbente tenha agido com culpa ou dolo ou se tenha conduzido de modo temerário
ou, por qualquer forma, com uma conduta que possa ser qualificada como abuso do
direito. Esse era, quanto aos honorários de advogado, o sistema de Código de 1939.
8. Aos que examinem os dois sistemas sem considerar seus pressupostos parecerá que
eles divergem, entre si, em pontos essenciais, supondo-se que um seja a antítese do
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outro. Um olhar mais atento, porém, mostrará que ambos assentam-se no mesmo
princípio, segundo o qual o sucumbente resistira injustificadamente à pretensão do
autor, tanto que ora vencido, cabendo-lhe, portanto, em razão disso, suportar as
despesas e reparar os danos que sua injustificada conduta causara ao litigante vitorioso.
Ou por ventura seria lícito considerar, perante nosso sistema, que o sucumbente agira
justificadamente ao propor ou contestar a demanda? Aqui reside todo o problema que se
oculta sob o sistema da responsabilidade objetiva. Supõe-se que o elemento causal da
culpabilidade não tenha a menor influência para legitimar a condenação, quando ele é
seu indispensável pressuposto.
9. Para o racionalismo do Século das Luzes, ainda tão presente e atuante em nossa
doutrina - sendo o sistema jurídico produto de um legislador iluminado, cuja sabedoria e
previdência, além de dispensar a atividade criadora de direito por parte do magistrado
que o aplica, ainda é dotado da suprema virtude capaz de dar ao preceito legal
univocidade de sentido, de modo que a sentença seria certa ou, ao contrário, errada,
como qualquer problema matemático -, o sucumbente terá agido sempre
injustificadamente, por ter recusado obediência a um preceito legal cuja transparência
era tanta que a ninguém seria lícito ignorar.
Pajardi formula o que ele denomina "princípio insidioso", ao indagar qual a razão a
impedir que se atribua ao vencedor as despesas processuais, uma vez que o processo
desenvolveu-se no seu interesse, para concluir que "in realtà l'affermazione legislativa
apparente del principio della soccombenza costituisce una affermazione, diciamo così, di
comodo. Il principio vero é un altro, anche nella mente del legislatore. Il principio vero,
quello che razionalmente giustifica una condanna alle spese è quallo delle causalità". 5
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Este, de resto, era o fundamento com que os juristas medievais tentavam justificar a
atribuição não ao vencido do ônus da sucumbencia, e sim ao vencedor, como observa
Chiovenda, ao dizer: "El juicio és un procedimiento lícito con que la sociedad sustiuye a
la fiterza para la defensa de los derechos. Quién lo utiliza usa, pues, de su derecho, y las
costas o gastos que al adversario se le causan no suponen un daño que deba resarcirse
puesto que no se produce injustamente. Hannemann precisaba este concepto diciendo
que la causa verdadera de los gastos de la defensa del derecho consiste en no ser
indiscutible el mismo derecho como lo resulta ya despues del juicio [sem grifo no
original]; por lo cual aquellos gastos - costas - deben ser de cuenta del sujeto del
derecho vencedor".6
A inversão de sentido ocorrida no direito moderno, aqui como em outros tantos campos
do fenômeno jurídico, determinou a prevalência da conclusão oposta, ao considerar que
a causa determinante das despesas feitas pelo litigante vitorioso nunca será, por
exemplo, a obscuridade de uma determinada prescrição legal, ou, como dissera
Hannemann, a circunstância de não ser indiscutível o direito do litigante vitorioso, ou a
problematicidade inerente à norma jurídica, sua intrínseca ambigüidade, nem muito
menos as constantes e intermináveis divergências entre tribunais diferentes, ou dentro
de um mesmo tribunal, na aplicação de um único preceito legal. Não será jamais, para
nossa doutrina, a honesta esperança em que se encontram os litigantes de que irão
convencer o julgador da procedência de suas respectivas pretensões, e sim a culpa do
vencido que, como dissera Carnelutti, dera causa à demanda.
Haverá quem sustente a legitimidade da resistência oferecida por aquele que perde a
demanda? O demandado sucumbente teria agido legitimamente, ao resistir à pretensão
do autor vitorioso? Seria igualmente justificada e legítima a exigência do autor que
promove a ação improcedente? Para nosso sistema, certamente não, porque, como
asseverara Carnelutti, aquele que sucumbe deve ressarcir o vencedor das despesas que
sua conduta ocasionara ("chi la cagiona").
A respeito das incertezas que espreitam os litigantes de qualquer demanda judicial, disse
Luis Recasens Siches, um dos mais brilhantes filósofos do direito contemporâneo: "Hay
que pensar que la gran mayoría de contiendas judiciales se producían por darse una
diversidad de opiniones entre las partes respecto de las consecuencias de una
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determinada situación jurídica [...] Por otra parte, un pleito cualquiera que sea el
procedimiento con arreglo al cual se sustancie, representa siempre más o menos una
especie de batalla, cuyo resultado es imposible predecir de modo seguro", pois,
prossegue o jurista: "antes de que el juez pronuncie su fallo no hay certidumbre ni
seguridad acerca de cuál vaya a ser ese fallo. Esto sucede siempre".8
O incurável idealismo de nossa formação não leva em conta essa realidade que a prática
diuturna nos ensina e que Calamandrei resumiu, com seu costumeiro talento e clareza,
neste parágrafo de uma de suas lições mais notáveis: "La legge prestabilita è uno dei
coefficienti che concorrono a stimolare neila decisione la concienza del giudice, ma non è
il solo coefficiente. Questo spiega certi fenomeni, che potrebbero altrimenti parere
incomprensibili, di disformità della giurisprudenza: due giudici, in due aule della stessa
Corte, magari nello stesso giorno, applicando la stessa legge a due casi assolutamente
simili, decidono la stessa questione in senso diametralmente opposto. Quale di essi ha
errato? Nessuno dei due: perchè, se la legge era la stessa per entrambi, se i fatti erano
identici, diverso era il sentimento individuale del giudicante attraverso il quale quella
legge e quei fatti si sono incontrati. In casi come questi, non c'è che da inchinarsi ai 'sua
sidera': il litigante che ha perduto la causa perchè è stato giudicato in quest'aula,
l'avrebbe vinta se fosse entrato, per farsi giudicare, nell'aula accanto; non è il giudice
che ha sbagliato la sentenza, è il litigante che ha sbagliato la porta [grifado por nós].
Anche gli antichi dottori conoscevano questa instabile perplessità, in cui si trova il
giudicante quando la questione di diritto è cosi sottile ed incerta, che può bastare, a
risolverla a favore di una parte piuttosto che a favore dell'altra, appena una lieve spinta
di sentimento e questo impercettile scarto lo chiamavano il 'punto dell'amico'".9
Esta dimensão dialética, mas acima de tudo retórica, da ciência processual, esta
realidade contingente sobre a qual operam os práticos forenses - que a doutrina
moderna procurou em vão suprimir da experiência jurídica, na tentativa de transformar
o direito numa ciência tão demonstrativa quanto a matemática -, é que volta a cobrar o
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lugar que de direito lhe cabe ao reafirmar o sentido hermenêutico da ciência jurídica e
sua irrenunciável dimensão retórica enquanto ciência argumentativa. O que é
surpreendente e, em certo sentido, alarmante é o fato de ter-se a doutrina jurídica
submetido tão docilmente à ilusão de sua própria cientificidade, a ponto de imaginar a
jurisdição como demonstrativa, apenas clarificadora (declaratória) do sentido (unívoco)
da lei.
10. Retornando, depois dessa breve digressão, ao tema central da análise que
empreendíamos inicialmente, tendo presente a identidade profunda entre os dois
sistemas, havemos de admitir a inteira procedência desta observação de Gualandi, ao
mostrar que não tem fundamento a discussão que sustenta a diversidade entre ambos
os sistemas: "nè dovrebbero avere più senso, a nostro avviso, le polemiche dirette a
stabilire la prevalenza del criterio della causalità o quello della soccombenza,
contrapponendo l'un principio all'altro, una volta che si tenga ben fermo il fatto che la
soccombenza non è che il più frequente modo di rivelarsi o di estrinsecarsi del principio
della causalità nel processo di cognizione".12
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Cabe, porém, indagar: este "engenho perigoso" a que se referia Carnelutti, será um
instrumento capaz de lesar somente o demandado, não o autor que se sagre vitorioso'?
Que pretendera o jurista ao dizer que o processo é um "ordigno pericoloso" que não
"maneggia senza ledere l'interesse altrui"? Teria pretendido dizer que apenas o autor
"maneja" esse perigoso instrumento, causador de lesão ao interesse alheio, não o réu
que, do mesmo modo que o autor, ao defender-se resulte vencido, "manejando" esse
mesmo "ordigno pericoloso", de sorte que o prejuízo provocado pela demora do
processo, enquanto prolonga, em seu benefício, o statu quo, que a sentença reconhece
ser ilegítimo, não causaria um dano igualmente indenizável? Afinal, a promessa de
Chiovenda não deveria assegurar ao autor que tem razão tudo aquilo a que ele teria
direito se o demandado satisfizesse espontaneamente, no vencimento, a pretensão? Ou,
ao contrário, o desfalque patrimonial devido ao tempo por ele gasto para que o juiz lhe
dê razão não seria indenizável?
Como se vê, a justificação profunda que a doutrina não chega a tematizar, mas que
certamente emergirá quando se procure levar a lição dos mestres italianos a suas
naturais conseqüências, torna evidente o compromisso do sistema com o princípio da
racionalidade e plenitude do ordenamento jurídico - sonho racionalista que o século XX
sepultou definitivamente -, na medida em que a derrota no pleito é tida como prova de
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12. Cria-se, então, uma situação singular. O autor que se apressa a tornar efetivo o
direito, que já merecera provisória aprovação judicial, deverá ressarcir os danos
causados ao réu, quando resulte sucumbente. O réu, porém, que resistira sem qualquer
direito, ficará isento de responsabilidade pelos danos.
Qual a anomalia criada por uma doutrina assim tão surpreendente? A situação invulgar
consiste no seguinte: como, para a doutrina, o ato jurisdicional será apenas declaratório
do direito de que o vencedor dizia-se titular - sem que a sentença o constitua, num ato
de criação jurisprudencial do direito -, temos que o réu, hoje condenado, resistira,
ontem, sem direito. Sua condição, agora reconhecida como injusta, já o era ao ter início
a demanda.
Como Chiovenda, ao fazer a opção entre os dois pólos da alternativa, decidiu-se pela
afirmação de que o vitorioso não "obtém" razão através do processo, posto que este
apenas proclama a razão de quem sempre a teve - por ser simplesmente declaratória a
sentença -, temos de admitir que o réu sucumbente agira tão culposamente quanto o
autor que, confiando na sentença, busca executá-la provisoriamente.
Cria-se, portanto, este quadro. O autor, ao ajuizar a ação, supunha-se titular do direito.
O provimento liminar, ou a própria sentença final, viera a confirmar essa expectativa ao
reconhecer, ainda que provisoriamente, a legitimidade de sua pretensão. A sucumbência
subseqüente, no entanto, invalidará toda a situação precedente, acarretando-lhe o dever
de indenizar. O demandado sucumhente, porém, que, por definição, agira durante todo o
processo sem direito, causando prejuízos ao autor vitorioso - desfrutando, inversamente,
de uma análoga proteção provisória que o manteve no gozo do statu quo ante -, não
responderá pelas conseqüências danosas de sua conduta.
Embora esse exercício de busca da isonomia seja feito com a intenção de contrastá-lo
com a atual disciplina do princípio e aquela que poderia ser concebida como aplicação,
por certo mais fiel, da doutrina de Chiovenda, mesmo assim seria oportuno considerar o
que aconteceria se o réu fosse condenado a indenizar os prejuízos causados ao autor
sempre que a demanda fosse julgada procedente. Quais seriam os reflexos dessa
medida sobre a "natural" demora do procedimento ordinário?
A análise precedente revela até que ponto nosso sistema acha-se comprometido com o
princípio de proteção incondicional à pessoa do réu, compromisso que se impôs a ponto
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Não será exagero afirmar que a sorte das antecipações de tutela, uma vez transformado
em lei o projeto que institui o princípio da responsabilidade objetiva, ficará à mercê de
uma trindade diabólica, que o sistema lhes opõe, para amoldá-las a seus princípios ou,
se possível, anular-lhes inteiramente os efeitos.
14. São estes os três obstáculos opostos pelo sistema à efetividade do novo
instrumento:
A natureza interdital - e não condenatória - das liminares do art. 273 resulta de uma
vingança irônica oposta à doutrina de Calamandrei, para quem a antecipação do
eventual efeito executivo ou é cautelar, quando "destinati a cadere senz'altro" em razão
da sentença final de mérito, ou, ao contrário, haverá de ser necessariamente
antecipação condenatória, portanto de mérito, equivalente a uma decisão injuncional ou
monitória, quando o provimento "può aspirare a diventare esso stesso definitivo", em
razão de seu conteúdo declaratório.14
Ora, tendo o legislador, propositadamente, retirado do campo das cautelares - por não
terem esta natureza - os provimentos antecipatórios, temos, por uma questão de
sistema mais do que de conceito, de negar-lhe sentido cautelar, sem que se possa, por
outro lado, cair no absurdo de tê-los por monitórios, quando o próprio legislador da
reforma criou, em dispositivo expresso, a "ação" monitória, tornando impossível,
portanto, sustentar a existência de duas decisões de idêntica natureza, ambas
cominatórias ou injuncionais, uma no art. 273, outra no art. 1.102b do CPC (LGL\
1973\5).Não sendo cautelar a antecipação de tutela, mas, ao contrário, decisão de
mérito - provisoriamente tratado, em fase liminar -' pode-se dizer, como disse
Calamandrei, que esse provimento "aspira a tornar-se definitivo", embora não se possa
confundir com o outro provimento semelhante do art. 1.102b, uma vez que é impossível
imaginar que o legislador da reforma tivesse pretendido duplicar a tutela monitória,
antecipando juízo condenatório tanto no art. 273 quanto no art. 1.102.
15. Se quisermos ser mais precisos, teremos de arrolar a recente introdução do princípio
de recorribilidade contra as medidas antecipatórias (provvediinenti d'urgenza), no direito
italiano, como uma vitória conservadora do sistema contra os juízos de verossimilhança,
vitória que nosso direito assegurou pela via legislativa, através da indevida identificação
entre sentenças liminares de mérito e simples decisões interlocutórias. Com o mesmo
rigor, teríamos de admitir a não recorribilidade das decisões tomadas com fundamento
em juízo de verossimilhança, pois, como disse muito bem Mario Dini, "una domanda che
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Outra não é a lição de Calvosa expressa nesta passagem de sua conhecida obra sobre
procedimento cautelar: "In ultima analisi, poichè il pretore, d'ufficio, deve riesaminare la
legittimità e l'opportunità dell'emanato provvedimento, non si vede quale senso avrebbe
avuto ammetere l' impugnabilità".16
Como diziam os juristas italianos - e espera-se que o digam depois da reforma -, seria
inconcebível a introdução de recurso contra um provimento "largamente discricional" do
magistrado, princípio, aliás, consagrado no direito italiano, não apenas para os
"provvedimenti d'urgenza", mas igualmente para a execução provisória do "decreto
injuntivo". Com efeito, lê-se no art. 648 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)
peninsular o preceito que dispõe sobre a execução provisória da liminar monitória nos
casos em que a "opposizione" (embargos) não se funde em prova escrita, ou "prova di
pronta soluzione", em que declara que o juiz poderá conceder a execução provisória
mediante decisão não recorrível ("ordinanza non impugnabile"). Surpreende que nossa
doutrina, habituada a copiar as lições dos mestres europeus, particularmente, no
processo, os juristas italianos, quando não importa regras e institutos estrangeiros,
demonstre um talento singular para trazer-nos apenas aquelas porções mais
conservadoras, encontradas nos demais sistemas processuais, mostrando-se
convenientemente cega para as soluções que lá se encontram, de sentido mais arrojado
ou - o que, neste contexto, significa a mesma coisa - capazes de afrontar mais
diretamente o incorrigível sentido iluminista de nossas instituições processuais.
17. Quanto ao segundo obstáculo, além do que ficou registrado, é oportuno observar
que nossa execução provisória, limita-se a dispor apenas sobre as execuções
monetárias, em conseqüência de uma vocação especial do sistema para a monetarização
de todas as condenações, princípio herdado da actio romana, completamente afeiçoado
ao capitalismo moderno. A prova disso é que o Código dispõe de cerca de duzentos
artigos disciplinando a execução por quantia certa e menos de vinte para as outras
espécies de atividade executiva.
Mesmo assim, o sistema oferece uma formidável resistência contra a admissão das
decisões mandamentais e executivas (lato sensu), que seriam a natural conseqüência do
sistema interdital, criado sob forma de antecipação de tutela.
Todos sabem que a tutela interdital possessória não se executa pelo sistema do Livro II
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18. A respeito do terceiro obstáculo, além do que já ficou dito, é indispensável destacar
que a responsabilidade objetiva decorrente da mera sucumbência, tal como se acha
inscrita nos arts. 588 e 811 do CPC (LGL\1973\5), de duvidosa constitucionalidade, aliás,
onera com o dever de indenizar a quem tenha se valido de uma faculdade perfeitamente
legítima, quando, no entanto, como disse Eduardo Grasso, ninguém deveria ser
responsabilizado por uma "inexistente obrigação de não propor a demanda ou, mais
exatamente, de não perder a causa",23ou, como disse Manlio La Rocca: "Un'nattività
lecita non può dar luogo a responsabilità per danni per il noto principio 'qui suo jure utitir
neminem laedit'. Soltanto l'abuso del diritto (e, quindi, un comportamento diverso
dall'esercizio del diritto) può dar luogo a responsabilità". 24
19. Tendo presente a situação criada pela reforma, pensamos que o legislador foi, senão
arrojado, no mínimo demasiadamente otimista (incluímo-nos dentre os que participaram
desse otimismo por termos sugerido a adoção das medidas antecipatórias sem lhes dar
um sistema de proteção adequado) supondo que a inserção de um único dispositivo legal
no corpo de um Código profundamente comprometido com outros princípios seria
suficiente para permitir a convivência harmônica entre uma tutela de tipo interdital e o
procedimento ordinário, sem haver choques e colidências capazes de comprometer os
resultados que todos esperamos desse novo e importante instrumento processual.
Não se ignoram, por certo, as demais dificuldades que o sistema lhe opõe, relativas à
alegada falta de preparo dos magistrados de primeiro grau para lidar com esse novo e
delicado instrumento; objeção, aliás, de duvidosa e muitas vezes suspeita procedência,
mas que não cabe agora discutir. É certo que o sistema tem aviltado constantemente a
jurisdição de primeiro grau, por meio de um perverso e exasperante sistema de
recursos, mas, se não quisermos ficar discutindo a respeito da precedência entre o ovo e
a galinha, a alternativa será reconstituir a jurisdição (oral!) inferior - o que pressupõe
uma intervenção "cirúrgica" profunda no sistema de recursos, com a indispensável
desintoxicação do "porre" recursal de que padece nossa experiência judiciária, tradição
do direito luso-brasileiro que o Código de 73 elevou ao paroxismo - de tal modo que se
possa restabelecer a confiança em seus magistrados, dando-lhes responsabilidade
funcional (democrática), que não se confunde com mera responsabilidade burocrática -
único caminho para que eles cresçam profissionalmente e conquistem a confiança não do
tribunal superior, mas dos destinatários dos serviços públicos prestados pelo Poder
Judiciário.
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ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E RESPONSABILIDADE
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(2) Les mesures provisoires en procédure civile. Atti del colloquio internazionale,1994.
Milano Giuffrè, 1985. p.307.
(3) Instituições de direito processual civil.2. ed. da trad. bras. v. 3, p. 207.
(4) Sistema di diritto processuale civile.1936. v. 1, n. 171.
(5) La responsabilitá per le spese e i danni del processo.1959. p. 33-35.
(6) Op. cit., p.211-212.
(7) Op. cit., p.316.
(8) Nueva filosofía de la interpretación.Mexico, 1980. p.309-310.
(9) Processo e democrazia, Opere giuridiche. v. 1, p. 648.
(10) Introdução ao pensamento jurídico.Trad. portuguesa da 7. ed. alemã. Lisboa, 1996.
p. 249.
(11) Diritto e processo,n. 137.
(12) Rivista di Diritto Processuale, p. 652, 1958.
(13) La distribuizione delle spese fra le parti nel processo civile. Rivista II/229, 1943.
(14) Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari.1936. n. 14.
(15) I provvedimenti d'urgenza.5. ed. v. 1, p. 621.
(16) Il processo cautelare.1979. p.809
(17) ARIETA, Giovanni. I provvedimenti d'urgenza. 2. ed. 1985. p. 180.
(18) Precomprensione escelta del metodo nel processo di individuazione del diritto.Ed
alemã de 1972. Universitá di Camerino, Italia, 1983. p. 72.
(19) Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Lejur, 1985. p.120.
(20) Op. cit., p.132.
(21) Introducción al estudios del derecho. Mexico, 1981. p.195 e 197.
(22) Nueva filosofía...,cit., p. 292.
(23) Note sui danni da illecito processuale. Riv. Dir. Proc., p.275, 1959.
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ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E RESPONSABILIDADE
OBJETIVA
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