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A RESPONSABILIDADE POR PROSPECTO E A RESPONSABILIDADE PRE-CONTRATUAL ANOTACAO ao Acérdio do Tribunal Arbitral, de 31 de Marco de 1993. (Acgio proposta pelo Banco Mello contra o Banco Pinto e Sotto Mayor) Pela Dr.* Rita Amaral Cabral i. 1.A razGo de ordem. O acérdao acima transcrito, e que se passar4 a apreciar, julgou questdo sobre que recafu parecer da autoria do Prof. Manuel Gomes da Silva, e em cuja feitura a signat4ria da presente anotacao colaborou. A circunstancia de se tratar de decisdo fundada na responsabili- dade por informagoes seria suficiente, de per si, para justificar a res- pectiva andlise. Na verdade, trata-se de dominio onde se entrecruzam alguns dos problemas mais interessantes com que deparam os juscivi- listas neste final do século: desde a ressarcibilidade dos danos econé- micos, a revisio da teoria das fontes das obrigagées ('). () Cf. JOHANNES KONDGEN, Selbstbindung ohne Vertrag/Zur Haftung aus geschiifisbezogenem Handeln, Tubingen, Mohr, 1981, pag. 420 € JOAO BAPTISTA 192 RITA AMARAL CABRAL Mas, a este motivo, outros acrescem. O primeiro dos quais se prende com o carécter precursor do juizo em aprego que é, até ao momento, 0 tinico aresto publicado a versar a responsabilidade por prospecto em face do ordenamento nacional. O facto de haver surgido numa altura em que, na maioria dos sistemas juridicos europeus, ja existia uma abundante jurisprudéncia sobre a tematica, apenas serve para evidenciar a importancia jé assinalada. O relevo do acérdao decorre, ainda, de ele se afastar da orienta- go restritiva que, até agora e em escassas sentengas, Os tribunais portugueses tém adoptado quanto 4 responsabilidade por informa- gdes (7). Acolhendo o rumo comum A mais moderna dogmatica obri- gacionista, constitui um precedente que, a ser seguido, bem pode ser- vir para refutar a critica enderecada,.expressamente, a0 Cédigo Civil, em artigo doutrindrio publicado em Itdlia (). De acordo com esta opinido, o legislador patrio haveria retomado, em 1966 e com 0 artigo 485.° do Cédigo Civil, a solugéo anacrénica do § 676 do Biir- gerliches Gesetzbuch alemo, estando, por isso mesmo, condenado a «clamoroso insucesso» na via da tipificag¢ao da responsabilidade por informagées (‘). Finalmente, e nao serd esta a razio menos ponderosa para expli- car 0 comentério que agora se inicia, existe um desencontro entre os argumentos aduzidos pelo juiz-4rbitro que votou vencido e os consi- derandos justificativos invocados para alicercar o teor do julgado. Discrepancia que eventualmente tornard menos supérfluo 0 esclare- cimento do bem fundado da decisao. MACHADO, A Cldusula do Razodvel in Obra Dispersa, vol. 1, Braga, Scientia Juridica, pag. 547. @) Cf. RITA AMARAL CABRAL, Anotagdo ao Acérdao da Relagdo de Lisboa de 22 de Maio de 1992 in «Revista de Direito e Estudos Sociais», ano XXXV, (1993), pags. 334-335. () Cf. FRANCESCO DONATO BUSNELLI, Itinerari europei nella «terra di nessuno tra contratio e fatto illecito»: la responsabilita da informazioni inesante in «Con- tratto ¢ impresa», ano 7.°, (1991), (pags. 539-577), pag. 540. Sobre as mais recentes orien- tages dogmiticas na matéria v. JORGE F. SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendagées ou Informagées, Coimbra, Almedina, 1989. (Cf. FRANCESCO DONATO BUSNELLI, itinerari europei cit., pig. 540. ANOTACAO AO ACORDAO DO TRIB. ARBITRAL DE 31-3-93 193, 2. Os termos do litigio. Em 6 de Maio de 1991, por operagio que decorreu em sessfio especial da Bolsa de Valores de Lisboa, a U.I.F. — UNIAO INTER- NACIONAL FINANCEIRA (SGPS), SA e outras entidades perten- centes ao GRUPO MELLO, adquiriram ao BANCO PINTO E SOTTO MAYOR acgées representativas de 95,47% do capital social da SOCIEDADE FINANCEIRA PORTUGUESA. Os titulos alienados haviam sido transferidos, pelo Estado, para o BANCO PINTO E SOTTO MAYOR a fim de este proceder a res- pectiva privatizacao, encaixando as correspondentes receitas, nos ter- mos do Decreto-Lei n.° 138-A/91, de 9 de Abril, e da Resolugdo do Conselho de Ministros n.° 12/91, de 12 de Abril (°). Decorridos cerca de trés meses sobre a venda, a SOCIEDADE FINANCEIRA PORTUGUESA foi chamada a honrar duas garantias bancérias on first request, no valor aproximado de dois milhdes de contos, prestadas pela anterior administrago 4 IBEROL — SOCIE- DADE IBERICA DE OLEAGINOSAS, S.A. ¢ emitidas respectiva- mente, em 17 de Dezembro de 1990 e em 30 de Janeiro de 1991. O crédito assim prestado correspondia a 39,4% dos fundos préprios da Sociedade Financeira Portuguesa e orgava em cerca de 17% do valor atributdo, pelo Governo, a esta sociedade. Ambas as garantias eram ignoradas pelo GRUPO MELLO nunca havendo sido ponderadas na avaliagao da empresa — balancgo trimestral e exame das demonstragGes financeiras — levada a cabo por consultor independente (Arthur Andersen & Co.), nos termos da Lei-Quadro das Privatizag6es. E tao-pouco constavam do Prospecto Oficial, datado de 15 de Abril de 1991 e distribufdo de acordo com o Decreto-Lei n.° 8/88, de 15 de Janeiro. Em momento posterior, demonstrou-se que a primeira garantia s6 havia sido contabilizada na escrita da SOCIEDADE FINANCEIRA PORTUGUESA, escassas semanas antes da oferta publica de venda, enquanto que a segunda, embora projectada nas rubricas extra-patrimoniais do Balanco Sinté- tico e do Balancete analftico, ambos de 31 de Margo de 1991, nao o (©) Tratou-se de privatizaglo, e no de reprivatizaglo, porque a Sociedade Finan- ceira Portuguesa era uma empresa pablica, cujo capital nunca fora detido por privados. 194 RITA AMARAL CABRAL fora de modo individualizado. Ou seja, registara-se o correspondente aumento do crédito concedido, mas sem especificar que este benefi- ciava uma tinica entidade e sem identificar esta. Ficou, ainda, provado que j4 em Fevereiro de 1991 existiam indicios de que a IBEROL-SOCIEDADE IBERICA DE OLEAGI- NOSAS, S.A., se encontrava na iminéncia de cessar pagamentos e ndo dispunha de meios que permitissem solver a divida garantida. O GRUPO MELLO denunciou a ilicitude ocorrida no ambito dos preliminares que haviam antecedido a venda, pedindo o imediato ressarcimento dos danos sofridos. O BANCO PINTO E SOTTO MAYOR propés uma arbitragem de acordo com a equidade, a qual foi aceite. Na convengao de arbitragem foi estipulada a legitimidade do BANCO MELLO, S.A.., para representar os compradores. Na sequén- cia do processo arbitral foi proferido o acérdao acima transcrito. 3. O juizo de equidade. FRANCESCO GALGANO sustenta que, nos dias de hoje, «mais ou menos metade» das convencdes de arbitragem e das cléusulas compromissérias remetem para 0 juizo equitativo (®. E denuncia e critica a circunstancia de se haver radicado nos jufzes-drbitros uma concepgao nos termos da qual a equidade se contrapde ao direito posi- tivo, permitindo um julgamento segundo critérios que se atém apenas ao caso individual e que, nas palavras daquele autor, transformaram «a justiga do caso concreto, em justi¢a para 0 caso concreto» ©. Sobre as relagGes entre equidade e direito, confrontam-se, essen- cialmente, duas nogées (*). A primeira é alcangada através de uma (®) Cf, FRANCESCO GALGANO, Diritto ed equita nel giudizio arbitrale in «

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