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Opção diversa, como a que vem sendo sufragada pelo Su-

premo Tribunal de Justiça, conduzirá a deixar malferída a deno- ||. INTERVENÇÓES PROCESSUAIS
minada arte de julgar do juíz criminal.
De resto, partindo o nosso direito penal da vcul=pa ético-jurl'dica
torna-se inevitavelmente impossível inserír-ilhe qualquer postura
mecânico-formal.
Mas, se recusarmos o critério do meio da Ipena, não se pense
que o nosso entendimento vai para que, na graduação concreta
da 'pena, o juíz tenha, 'como ipo-nto de partida, de partir forçosa-
mente do seu mínimo legal. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Evidentemente que não. Como temos vindo a sa'lientar, Ina
medida da pena em concreto, os únicos critérios a que o julgador CADUCIDADE DO DIREITO DE QUEIXA (*)

se acha subordinado são os que resultam do art. 72.9, vn.º 1, CP,


que Ihe impõem que tome em conta a culpa do agente e as exi-
gências de prevenção de futuros crimes.
A lei que estabeleça, directa ou indirectamente, um prazo
Finalmente, gostaríamos de terminar -co-m LARENZ (º): mais curto para o exercício do direito de queima, aplica-se ime-
«... Assim, com base numa apreciação apro'fundada diatamente, contando o prazo a partir da sua entrada em vigor,
de todas as circunstâncias relevantes segundo os vários salvo se, pela lei anterior, falte menos tempo para o prazo se

pontos de completar.
vista, -a pretensão de «correcção» ou «acerto»
do juízo quererá dizer,
aproximadamente: para este crime
é «apropriada» o-u uma «pena «próxima»
«proporcionada»
1.1. O problema concreto que se debate no presente recurso
do limite superior ou inferior -da medida legal da pena, implica com consequências práticas sobremodo importantes, 'não
ou «algo mais» acima ou abaixo, portanto, por exemplo, tanto quanto à hipótese judicial que foi objecto Idas decisões
uma pena de prisão de poucos días, 'de algumas semanas recorridas, mas essencialmente porque a solução a caber aqui
ou meses, de um a dois anos ou de quatro a cinco anos; valerá do mesmo modo para as 'hí'póteses que se suscitarem 'por
mas a sua fixação via da aplicação do novo Código Penal (que no recurso não foi,
dentro destes limites já não é um
acto só de conhecimento, mas de vontade, não apenas nem tinha d-e ser, sequer, tocado) e do 'art. 112.9, que estabelece

«aplicação de direito», mas sim «formação de direito». um prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa, mais
A discricionaridade -da consequência jurídica, 'por 'parte
do juiz penal não e', poís, uma mera «discricionaridade
de juízo», mas sim, embora só no âmbito de que é no Alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Jus-
(')

caso «apropriado», tomando em consideração as causas tiça contrao acórdão da Relação de Coimbra, d=e 13 rd’e Abril de 1983. 'no
processo n.º 30 440. 0 acórdão recorrido foi publicado na Colectânea de
da medida de pena e todas as circunstâncias em con-
Jurisprudência, ano VIII, tomo 2, p. 52.
sequência relevantes, uma «discricionaridade de forma-
Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de
ção» ou de «criação».
1983, no processo n.‘-‘ 37 080, publicado no Bonetim do Ministério da J15-
tiça, n.‘-’
330, p. 453, foi negado provimento ao recurso a que respeitam as
(º) 0b. cit., p. 333.
presentes alegações.

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curto do «que aquele que resultava das indicações do Código abstracta, forem considerados crimes e permita a «aplicação da
Penal de 1886 —— art. 125.9. consequência jurídica àquele que, com a sua conduta, realizou
um tipo de crime».
A questão concreta posta a V. Exas. retíra-se do seguinte: Quando se desencadeia esta actividade complementar e ins-
trumental, através da actuação -das normas próprias de processo
A sacou um cheque em 10 de Janeiro de 1981.
penal, activa-se o procedimento criminal, ou seja, inicia-se e
Apresentado a pagamento, foi devolvido em 13 de Janeiro
desenvolve-se, processualmente, a acção penal.
de 1981 por insuficiência de provisão. Procedimento criminal seu exercício
e equivale, assim, à
O montante do cheque era de 28 OOO$OO. acção penal, ao seu início e- desenvolvimento.
Prorceder criminalmente significa, pois., fazer actuar concre-
A participação foi apresentada em 2 de Juºlho de 1982.
tamente a «regulamentação complementar», que é constituída
As instâncias —embora por fundamentos distintos— con-
pelo direito processual «penal e que «se 'pode funcionalmente
sideraram que o direito de queixa ja’
não podia ser validamente definir co'mo a argumentação jurídica -da realização do direito
exercido no momento em que foi apresentada a denúncia, por-
penal substantivo, através com-
-da investigação e valoração do
que foi exercido para a-Iém
ticipado.
de um ano em relação ao facto -par-
portamento do acusado da -pra’tica de um facto criminoso» — cfr.
Prof. 'FIGUEIRE'D-O DIAS, Direito Processual Penal, | vol., p. 28,
Para compor esquematicamente o desenho do problema, ha- citando HEINKE-L e PETERS.
verá 'que dizer que, no momento da emissão do- cheque, a 'punição
da insuficiência de provisão alcançava a pena maior e -no momento 1.3. 0 Estado, através dos seus órgãos próprios, exerce a
da denúncia (após a 25/81, de 21 de Agosto), a insu-
Lei n.º acção penal dirigida à concretização e derfinição _do direito «penal
ficiência de provisão de cheques emitidos até 50 mil escudos substantivo, isto é, faz actuar o Iprocedimento criminal em todas
ficava punida nos limit-es da pena correoci-onal (e, 'por via indi- as situações normativamente definidas.
recta, o prazo rpara a participação passou de doís 'para u'm ano A acção penal entre nós, OA'MP'OS
— art. 125.9, § 3.9, do Código Penal de 1886). COSTA, «O
é,
carácter público dla
púb-líca

acção penal»,
(cfr.,

em
v.g.,
Scientia luridica,
22 35 007), e, por
do .Decreto-Le—i
1.2. Procedimento criminal — o modo de afirmação instru-
V, Pp.
além
'isso, vp'ara
a 192, e art. 1.9

exclusiva do 'Esta-do,
-da fu'nção jurisdicional ser
n.º

mental -d-o jus vpunie-ndi do Es-tado— significa, 'em geral, tudo também o procedimento criminal só pode ser exercitado 'pelo
quanto cabe no próprio iniciar e desencadear da acção 'pena—I,
Estado, através dos órgãos que, na sua estrutura, disso estão
enquanto modo de realização, afirmação e concretização do di-
constitucionalmente cometidos — cfr. arts. 224.9 da Constituição
reito penal. e 1.º da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho.
A função 'penal (proteger bens e valores rfundamentais da
comunidade através de prevenção de lesões e da punição 'das 1.4. Porém, em hipóteses 'que são normativamente “fixadas,
que ocorreram), 'que é monopólio estadual, tanto na definição atendendo à consideração de determinados interesses 'que poli-
dos factos, como na função jurisdicional de os declarar e san- ticamente (por razões de política criminal) entende considerar,
cionar panalmente, exige, para a sua concretização, u-ma regula- o Esta-do coloca, ele próprio, determinadas condições para o
mentação específica e complementar que discipline a investigação íníciodo processo criminal, ou seja, -para o desencadear, o actuar
e o esclarecimento das condutas que, antes e d'e 'fonm'a geral e do procedimento criminal —
seja -v.g. a autorização devida (no

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caso das imunidades parlamentares), ou a existência de uma —-E, ainda, relacionados corn estes, estarão os casos em
denúncia, queixa ou acusação particular. que se imponha a necessidade de proteger a Iprópria vítima
O direito de queixa, como condição do procedimento crimi- porque a publicldade da existência própria do processo
nal e do do Es-
exercício da acção pen'al pelos órgãos próprios poderá causar, só ela, um dano ovu uma afronta maior à
tado, constitui a faculdade que, em
de determinadas
virtude vítima do que o -pro'prio facto criminoso. (Cfr. v.g. H. H.

razões, é concedida aos particulares -de promoverem, ou mani- JESCH-ECK, Lehrbuch des Strafrechts (trad. esp.), ed.
festarem a vontade de que seja promovido, o procedimento cri- Bosch, ll vol., pp. 1230 e segs.).

minal relativamente a factos [penais em relação aos quais


detenham um determinado posicionamento justificador (político- Também estes princípios estão presentes, em maior ou me-
-crim.inalmente) dessa limitação do Estado ao seu direito próprio. nor grau, no Código Penal de 1982, onde, no relatório da Parte
O direito de queixa contém uma dupla amplitude, uma dupla Geral se refere expressamente que «é ainda em nome des me.,-

face. mros interesses ('que relevam da posição de vítiªma de mo'do -a que


Por um lado, é necessário que o seu titular o exerça 'para que o processo não venha, afinal, a funcionar mais contra a vítima
haja lugar a procedimento criminal, não podendo, quando exista, do 'que contra o próprio delinquente) que o Código multirplíca o
haver actuação o-ficíosa dos órgãos do Estado, mas também:, rpor número de crimes cujo procedimento depende de queixa do
outro, e dentro 'de determinadas condições, o titular do direito ofendido».
pode, mesmo após o seu exercício, desistir ou renunciar ao pro- É, assim, o direito de queixa, e o seu exercício, uma condição
cedimento criminal, conformando-se o Estado com essa desis- do procedimento criminal. IEste, 'que é função do Estado, não
tência ou renúncia. pode existir sem a manifestação positiva daquele direito pelo
Assim, a queixa, denúncia ou acusação, constituirá a petição respectivo titular.
do ofendido (ou de qual'quer outro legitimado para exercer esse
direito de queixa), apresentada em tempo, 'para que 'possa ter 2.1. O Estado, porém, não guarda para sí, ilimitadamente
lugar o procedimento criminal (a perseguição penal) por deter- no tempo, a actuação do seu direito de upunír.
minado crime cometido contra ele, ou em relação ao qual ele Decorrido que seja certo lapso de tempo sobre o facto cri-
deten'ha uma relação a que a lei atribua esse efeito. minoso, maior ou menor consoante as situações previamente
E-m matéria de «princípios gerais, justificam a opção do Estado definidas não poderá ser desencadeada a acção penal
na lei,

quanto limitação do seu direito de ofíciosamente perseguir as


‘a por esses factos Ipassados 'porque o procedimento criminal pres-
infracções penais e em ‘favor da atribuição do direito de queixa, creve.

fundamentalmente três ordens de considerações: A prescrição do procedimento criminal vinha regulada no


125.9 do Código Penal de 1886 e vem agora disciplinada
—A pequena importância relativa do facto, que tornará con-
art.

no art. 117.9 do Código Penal de 1982.


veniente iniciar um processo penal apenas quando o offen—
Este instituto (prescrição -do procedimento criminal) tem
dido mostrar interesse nisso;
vindo a ser historicamente justificado, nos sistemas onde é
—Os casos em que o procedimento criminal, por envolver acol-hido (a common law desconhece em geral a prescrição) 'por

problemas e questões pertinentes à intimidade pessoal do razões, umas processuais, outras de natureza substancial e ma—
ofendido, deve ser deixada na sua inteira e livre dispo- terial e ainda outras — sem grande relevância — de carácter
nibilidade; empírico.

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Assim, para além de certos limites temporais, haveria que a ANDRE VITU, Traité de Droit Crimine!, vol., pp. 50 e II segs.;
considerar os efeitos negativos sobre a produção das provas, PIERRE BOUZ'AT e JEAN PINATEL, Traíté de Droit Pénal et de
especialmente tratando-se Ide prova testemunhal, não só no esque- Criminologie, tomo ll, pp. 1008 e segs.).
cimento sobre os factos, mas principalmente pelo «perigo de
deturpação inconsciente na transmissão do testemunho.
Ainda, não haveria de movimentar todos os
possibilidade 2.2. O decurso de tempo implica também com o exercício

processos, por mais antigos que fossem; 'por isso, a certeza impo- do direito de queixa.
ria um limite para o passado para que não fosse o acaso a deter- Este direito (a denúncia, queixa) só pode ser exercido, vali-
minar quais os casos antigos que poderiam vir a ser movimen- damente, dentro de determinados prazos fixados na lei: a contar
tados. da prática do facto no domínio do Código Penal de 1886 —— art.
O pequeno valor destas razões processuais leva a considerar 125.9, a partir de vários momentos agora referidos no art. 112.9,

as razões de natureza substancial como fundamentalmente justi- n.º 1, do Código Penal de 1982 —
sendo o principal deles o
ficadoras da ocorrência da prescrição do procedimento criminal, momento e-m que o titular do direito teve conhecimento do facto
nomeadamente as que se relacionam com os fins das penas: «a e dos seus autores.
acção do tempo torna impossível ou inútil a realização destes Decorrido o Iprazo fixado na lei a contar do momento —que a
fins», «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a neces- mesma lei considera relevante, o direito de queixa não pode mais
sidade da retríbuição penal para a satisfazer»; «passados anos ser exercido.
o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação por ele provo- A chamava prescrição a este efeito do decurso do tempo
cada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena Iperd-eu o
lei

de exercício desse direito —


art. 125.9 do

interesse e o significado» — cfr. Prof. BELEZA DOS SAINT'OS,


sobre a pºssibilidade
Código Penal de 1886.
Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 77.9, p—p. 321 e
Mais rigorosamente, chama-lhe agora «extinção do direito de
segs.
queixa» —
art. 112.9 do Código Penal de 1982
——- epígrafe da

Também o decurso do tempo apaga a utilidade preventiva norma e «o direito de queixa extingue—se no -prazo de...» —— art.
geral e preventiva especial das 'penas; com o tempo o crime 112.9, n.º 1.
esqueceu; o «mau exemplo jánão lembra ou produziu os s-eus
A razão da extinção. do direito de 'queixa pelo não exercício
efeitos» e a vpena mais prejudicial que benéfica 'para
«pode ser
em
a readaptação do delinquente» —
'cfr. BELEZA DOS S'ANTOS.
durante um, certo lapso de tempo está, fundamentalmente,
que, deixando o Estado ao juízo de oportunidade de certos 'par-
loc. cit., p. 324.
ticulares amovimentação processual (desencadear o procedimento
De Ipouco relevo será o fundamento empírico: o remorso e
criminal), não se justificaria que se prolongasse para além de
angústia 'pela expectativa do castigo penal, constituem sofrimento certos limites temporais considerados razoáveis o estado de incer-
que equivaleria à expiação de uma pena. teza que resulta do não exercício desse direito.

Estes fundamentos da prescrição do procedimento criminal Como em todos os direitos, também, mas particularmente no
(«prescripcivon del delito»; «prescription», «verjãhru-ng») são de queixa se impõe que se'ja definida em- prazo certo a
direito
comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto ——
estabilidade da situação de modo a que se satisfaça por u'm
cfr. v.g. H. H. JESCHECK, cit., pp. 1238 e segs.; CUELLO CA- também a própria 'cer-
l'ado a =oerteza das relações e por 'outro
LÓN, Derecho Penal, l, vol. II, -pp. 758 -e segs.; ROG'ER MERLE teza 'para os órgãos do Estado: a partir de dado momento cessa

_Ga— _e7_
para esses órgãos o dever de sobrestar na expectativa de segui-
um e outro respondem, determina também uma diferenciação de
perspectiva quanto à natureza jurídica e aos efeitos diversos que
mento p-ara definição das consequências penais de determinados
factos.
resultem dessa diferente natureza.

2.3. De tudo isto ressalta uma diferenciação patente entre


3.1. Sobre a natureza jurídica da prescrição do procedimento
criminal, v.g. JESCHECK, cit., p. 1238, que a doutrina
refere,
a prescrição do procedimento criminal e a extinção do direito
de queixa. mais antiga e a jurisprudência viam na prescrição uma autêntica
causa de anulação da 'pena, porque com o decur-so do tempo se
Aquela, 'por se traduzir numa renúncia do Estado ao seu jus
puniendi, condicionada pelo decurso de tempo, covnmendue apenas
tornava desnecessário o castigo — teoria jurídico-material da
prescrição; outros, porém, consideram a prescrição do procedi-
03m o próprio facto e -diz respeito sá e apenas ao Estado. É o
mento criminal de natureza e efeitos processuais, como um sin:-
Estado que,
órgãos próprias que
'por razões de política criminal
vem dizer,
>e através dos seus
por forma geral e abstracta, rquando
ples obstáculo processual (Prozesshíndernis) S-CHõN- — cfr. v.g.
KE / SCHRÓEDER / STRE-E, StrafGezetzbuch, Kommentar, Ip. 826.
(em que prazo) devem
factos qualificados como
ser considerados esquecidos determinados
criminosos.
Preferem outros —
o próprio JES-CHECK, loc. cit. -— no en-
tanto, uma teoria mis-ta, que considere a prescrição do procedi—
Díversamente, o direito de queixa (e a sua extinção pe-lo
mento criminal como -um instituto de natureza mista, simuitanea-
decursº do prazo), sendo condição de afirmação 'de legitimidade
mente processual e material.
:para03 órgãos próprios do 'Estado promoverem o procedimento
|Entre nós, hoje, pode considerar-se como» jurísprudencíalmente
criminal através da acção penal pública, 'não 'contende com o
aceite a teoria juríd'ico-material da prescrição. lndependentemente
esquecimento do facto e pressupõe ja’ uma 'relação especial, uma
da citação de outros lugares, referir-se—á apenas o Assento desse
determinada 'bílateralíd-a-de entre .o Esta-do -e "o titular desse direito
Supremo Tribunal, de 19 de Novembro de 1975, no Boletim do
em cada caso.
Ministério da Justiça, n.º 251, pp. 75 e segs., onde a dado passo
E, diferentemente, agora em relação ao que acontecia no se escreve: «a lei sobre a prescrição é de natureza substantiva
domínio do art. 125.9 do Código Penal de 1886, já a prescrição
(...)» e «que se traduz na renúncia do Estado a um direito, ao
do procedimento criminal não coincide (ou pode não coincidir) jus puniendi, co-ndicionada ao decurso de u'm certo lapso de
-com a extinção -do direito de queixa quanto ao momento inicial
tempo...».
determinante: —— narquela, o momento do facto arts. 117.9 e — Anotando este Assento, concordantemente, o Prof. EDUARDO
118.9 do Código Penal de 1982, nesta, fundamentalmente, o
CORREIA, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 108.9,
conhecimento, pelo titular do direito, do facto e dos seus aurto-
res — art. 112.9, 1, do Código 'Penal de 1982.
'n.‘-’
pp. 361 e segs., manih‘esta a opinião de
além da hipó—
tese sobre que versava o assento (encurtamento do prazo cla
'que, para

-Donde, poder ocorrer prescrição do procedimento criminal, prescrição), o reconhecimento da natureza substantiva da pres-
sem sequer ter nascido, ou iniciado o «prazo, 'para o exercício do crição do procedimento criminal terá por efeito determinar a
direito de 'queixa. aplicação do princípio da lei penal mais favorável, mesmo no
Há, assim, uma diferença e distinção fundamental en-tre as caso de uma lei nova alongar os prazos de prescrição».
duas categorias. Assim também se vem entendendo em França («application
lmportará determinar se, como será normal que aconteça, de la loi plus deuce»), embora com hesitações — cfr. MERLE-
essa diferença de categorização, de efeitos e de interesses a que -VITU, cit., l vol., pp. 286 e segs.

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Aceita-se, assim, que a prescrição do procedimento criminal, sua estreita relação com o direito penal, foram reconhecidos 'no

quer seja de natureza substantiva, quer se considere de natureza StrafGeseubuch são a queixa (Strafantrag) e a autorização (Ermã-
mista (substantiva e processual), sempre se há-d-e considerar chtigung) — cfr. JESCHECK, cit., rp. 1229.
ligada ao facto 'penal —
independentemente do autor do facto «Seiner rechtlichen Natur nach ist der Strafantrag eine soge-
ou da pessoa do ofendido ——, e ‘a
valoração da relação da vida nannt Prozessvoraussetzung, weder Tatbe-standsmerkmal
er ist

'que a no-rma tipificadora disciplina, isto é, à dignidade punitiva noch Bedingung .des Strafbarkeít» —— cfr. S'CHõNKE / SCHRõ'E-
do facto, de tal 'modo que se justifica inteiramente que. valham DER / STREE, StrafGezetzbuch, Kommentar, § 77, nota 8, p. 811.
para os seus momentos decisivos de aplicação os mesmos 'prín- A queixa é, pois, considerada um pressuposto promsual,
cípios «que valem para aplicação das leis substancialmente tipifi- sendo essa a opinião dominante na Alemanha («herrschend
cadoras penais. Auffassung»). Inscrevendo-se no espaço processual, será conhe-
Nomeadamente, quando se sucedam normas, a'plicar aquela cida oficiosamente a sua falta, os preceitos que a regulamentam
(ou aquele regime) «que concretamente se revelar mais rfavora’vel aplicam-se imediatamente e manifestam os seus efeitos mesmo
ao réu. nos processes pendentes; um crime particular 'pode transformar-
-s-e num crime público 'e, 'a-inda, se em virtude de «uma alteração
3.2. A natureza jurídica da 'prescríção do procedimento cri- legislativa um crime 'públíco (offizial Delikt) se transforma em
minal não estará associada ou assimilada a natureza jurídica da crime particular (Antragsdel-ikt), o titulrar do direito de ‘qu-eixa

extinção do direito de queixa. tem 'que dispor do prazo, que contará a par-tir da entrada em

Quanto a este(s) (denúncia, acusação particular) poder-se-á vigor da alteração legislativa — 'cfr. SCHõ-NK'E / SlCHRõ-E'D'ER,
dizer, com o Prof. FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, cit., vp. 811, e § 77, b, nota 15.3, 'p. 821.
l vol., p. 122, que «são, é certo, em último termo, pressupostos Entre nós, o problema não tem sido abordado com a clareza
da dignidade punitiva do facto, mas, verdadeiramente, estão fora que se impõe e as decisões têm frequentemente tratado conjun-
deste, nada têm a ver com o comportamento violador dos bens tamente, como um só instituto e numa unicidade dogmática,
fundamentais da comunidade, com a sua existência material, realidades distintas como são a prescrição do procedimento 'crí-
antes sócom o problema rprátíco da sua punição. Por isso se minal e a extinção do direito de queixa. Exemplo disto é a decisão
pode também dizer, com razão, que a decisão sobre exigência proferida neste processo na primeira instância.
ou não—exígêncía de denúncia se inscreve no espaço processual 'No fundo, a distinção está, como FIGUEIREDO DIAS adve-rte
e ,não afecta a valoração social da relação da vida a 'que se (Direito Processual Penal, cit., p. 36), na determinação dos diªfe—

refere». rentes círculos (espaços) da vida sobre os quais actuam as nor-


Assim, o direito de queixa, como simples condição de 'pro-
mas respectivas: no espaço social, valorando uma relação da vida
cedibili-dade, -como simples pressuposto processual, inscrevendo-se dentro da dicotomia axiológica «lícito—Elícíto»; no espaço 'proces—
nesse espaço, não teria natureza jurídica substantiva, mas apenas sual (actos processuais) — dicotomia «admissível-ínadmíssível»
processual. ou «e'ficaz-íneficaz».
É esta de longe a doutrina dominante — v.g. na Alemanha, Nesta medida, a denúncia (o exercício do direito de queixa
onde mais [profundamente a questão foi tratada. ou a sua extinção), não se insere no espaço social valorando
Os pressupostos processuais são circunstâncias que devem uma determinada relação da vida, mas antes, está fora dessa
dado caso concreto 'para que possa ter lugar o
verificar-se nu'm valoração axiológica, inscrevendo-se no domínio da perspectiva-
procedimento criminal. 'Os pressupostos processuais que, pela ção 'processual como condição do procedimento, como simples

-——— 70——: -——71~— ,


condição de procedibílídade, ou pressuposto processual, tribu- Sendo o princípio o da aplicação da lei nova, mesmo aos
tário duma dimensão de bilatera-lidade entre o Estado e o titular processos ja’
pendentes e aos actos processuais que, no domínio
desse direito. da sua vigência, neles venham se-quentemente a ser praticados,
pode haver circunstâncias que imponham ou justi‘fi-quem uma
3.3. no espaço processual, valerão para o -dí-
l-ns'er'indo-s'e atenuação deste princípio — no fundo, a validade de algumas
reito de queixa e sua extinção as regras próprias da validade, excepções a esse princípio.
interpretação e sucessão de normas processuais. De um lado «os actos processuais praticados e verificados
Não estando no domínio axiológico da valoração social, não no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir».
se referindo a necessidade da queixa ao facto em sí (mas numa Só vque, sendo eles actos xe situações de um processo, decerto
certa consideração do ofendido e do seu juízo de oportunidade), que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações
nada tem, como princípio, a ver co'm o réu e, eventualmente, implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento
co-m a possibilidade de favor reo substancial 'que possa resultar
processual» (...), «o desenvolvimento processual desses actos
de alguma alteração legislativa neste domínio. continuará a ser regulamentado 'pela lei anterior. A que
'me'nos
Estas considerações, necessárias, porém, à clarificação jurí—
para a intenção de verdade e de justiça, po-r que esteja dominada
dica da questão podem não ser decisivas 'para a resolução do a nova l'ei, seia intolerável a persistência vd'a lei anterior» — cfr.
problema debatido. CASTANHEIRA NEVES, loc. cit.

Por outro lado, deverá excluír-se «a aplicação da nova lei


3.4. É princípio geralmente aceite ——é certo— que a su-
processual sempre que essa aplicação a um processo pendente
cessão temporal de normas de incidência ou natureza processual
pudesse traduzir-se indirectamente numa incriminação ou numa
se resolve pela aplicação imediata da l-ei nova, mesmo ‘as questões
agravação insusceptívreis de se verificarem pela aplicação da lei
surgidas nu'm processo pendente e iniciado no domínio da vigên-
processual anterior». «A nova lei não será de aplicação imediata
cia da lei anterior.
se dessa sua imediata aplicação resultar uma incrímínação ou
Dizer no entanto, é, fundamentalmente, dizer muito
isto,

pouco, já que mais não é do que o enunciar de uma «solução


agravação que de contrário não existiria» — cfr. CASTANHEIRA
NEVES, loc. cit., "pp. 71—72.
natural» derivada da regra geral e válida, em princípio, para todos
os domínios, de 'que «a lei só dispõe 'para o futuro» art. 12.9 — Não deve aplicar-se a nova lei processual a um acto ou situa-

do Código Civíl: —
se um acto processual for praticado no do— ção processual que ocorra em processo pendente ou derive de

mínio de vigência da nova lei não é afectado 'pela lei anterior, um crime cometido no domínio da «sempre que da
lei antiga,

assim como =um- acto processual validamente praticado no domínio nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido
da anterior «n50 é afectado pela lei posterior.
ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa» cfr. —
Só que, não é aqui, nesta «solução natural», que verdadeira- FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, cit., p. 112.

mente surge o problema da aplicação das leis no tempo. Este Esta =Iímítação, nestes mesmos termos, é geralmente aceite,
só surge «porque circunstâncias podem porventura justificar que concretizada no que se relacíozna com o valor e eficácia das pro-
esta distribuição natural de tempos e domínios de vigência não vas, com com a modificação
a alteração das vias de recurso e
coincida co-m o campo de aplicação das normas a que esses das condições ou pressupostos processuais, e considerada a na-
domínios de vigência se referem» —
cfr. CASTA'NHEIRA NEVES, tureza processual da norma em vista da natureza do instituto e
Sumários de Processo Criminal, (cep.), 1968, p. 69. não em razão da espécie formal do diploma onde se encontre.

—72-—— , _73_._
No que respeita aos pressupostos processuais, e especifica- Mas, como, ante's, o titular do direito cujo exercício a lei nova

mente .no que se refere ao direito de queixa e seu exercício, vem não devia produzir essa manifestação de vontade: o
exigir,

esta restrição é aceite na doutrina e jurisprudência produzidas prazo para o fazer contará apenas a pa-rtir da entrada em vigor
nos sistemas jurídicos mais relevantes (à excepção da Alemanha, da lei nova. Não há —-Ibem pelo «contrárío— agravamento da
onªde se retiram a'ssím todas as consequências da natureza pro- situação processual do réu.
cesual do instituto da queixa ou acusação particular). Se, diversamente, uma lei vem transformer um crime parti-
«Par example une loi nouvelle subordonnant ‘a
la uplainte de cular ou semí-público em crime público, certamente que ficará
la victims (...) doit être regardée comme 'plus avantageuse pour agravada a posição processual do réu aplicando a lei nova ('pro—
la 'personne poursuivie» — cfr. MERLE-VITU, Traité de Droit Cri- cedímento ex officio) no caso de já haver decorrido no do'mínio
minel, cit., l vol., p'p. 285-6. da lei anterior o prazo durante o qual o direito dve queixa pode-
No mesmo sentido, no caso de «un reato 'per il quale la Iegge ría-devería ter sido exercido. Seria, verdadeiramente, ressuscitar
anteriore richiedeva la querela (c'he si suppone no sia stata pro- contra o autor do facto um procedimento cuja possibilidade, nos
posta) dívenfta persiguíbíle d’u‘fficio» s-e pronuncia F. CORD-E‘RO, termos da lei anterior, já havia desaparecido.
Procedure Penale, ed. Gi'uffré, Milano, 1982, pp. 57 e 229 e segs. Na hipótese de sucessão de normas «dí's'p-cndo de modo diªfe-

Mas, atente-se, esta restrição, embora a'parenta'da, apresen- rente sobre prazos para exercício do direito de queixa, manten-
ta-se diferente dos princípios da sucessão d-e leis sobre matéria do-se a própria exigência do pressuposto, 'não se pode dizer que,
substantiva penal. sendo o prazo que ainda esteja a decorrer alargado ou encurtado,
Aqui, até por imperativo constitucional, ím-põe-se a aplicação haja uma diferença fundamental ou um agravamento injustificado
rectroactiva da lei mais favorável; ali, apenas não se aceita a da posição processual do arguido. O direito que, no momenta
aplicação imediata da nova lei, mas o prolongamento da vali- do início da vigência da lei nova, 'podia ser exercido (estava em
dade da lei anterior, quando a aplicação imediata possa produzir condições de ser exercido), continua a poder ser exercido.
um agravamento 'da posição processual do réu 'que, de contrário, O problema está apenas nos casos em que, ten'dc o prazo
não existiria. para esse exercício termo a quo, no momento da entrada em
um
vigor da Ilei posterior mais restritiva esteja já decorrido o prazo
4.1. Sendo estes os princípios geral e comumente aceites, 'que esta vem fixar, sem, no entanto, estar aínda esgotado o

importará, no caminho metodológico apontado à solução da hipó- prazo da anterior.


tese do processo, ver como actuarão sobre as diversas possibili- -E Também nas hipóteses 'em que no momento da entrada 'em
dades 'que se manifestarem em caso de sucessão de leis "sobre vigor da lei nova mais permissiva esteja ja’
decorrido o prazo,
o pressuposto processual 'que interessa considerar: a denúncia, mais restrito, da lei anterior.
queixa ou acusação particular. caso 'deverá ter tratamento semelhante àquele em que
'Este

Se a lei vem transformar um crime público em- semí-público uma nova vem fixar para determinado facto 'penal o proce-
lei

ou particular, acrescenta a exigência de um pressuposto proces- dimento ex officio. Também aqui, podendo ter-se exercido o
sual necessário para que possa
procedimento criminal;
ter lugar o direito durante a vigência da lei anterior, e tendo o titular deixado

aplicar-se-á naturalmente a nova lei: se ainda não tiver sido extingui-lo pelo decurso do prazo então fixado, seria ressuscitar
validamente exercido o procedimento criminal (ressalva dos actos eS's-e direito e agravar, com isso, inesperadamente, a posição do

processuais validam-ente praticados no domínio da lei anterior), autor do facto, ace-itar a renovação do prazo em face da lei pos-
passará, então, o exercício da acção penal a depender de queixa. terior. Justifi‘ca-se, neste caso, a "falada excepção à aplicação ime—

_74_ , _..75._.
díata da lei nova. Aliás, nesta hipótese, nem se poderia dizer
Partindo desta consideração, já atrás aflo'rada: o direito de
que se tratava de imediatamente uma lei a uma situação
a-plicar
em
queixa é uma faculdade concedida a 'quem esteja determinada
pendente -— imediatamente, porque, em rigor, a situação já não
relação com um facto qualificado como crime que significa 'para
se podia considerar pendente: o 'prazo paira exercer o direito já
o seu titular o poder de desencadear o procedimento criminal
se extinguira face à lei anterior e no pleno domínio temporal da 'por determinada infracção. É um direito que só .pode ser exercido
vigência desta.
pelo respectivo titular (único, ou em «cascade» v.g. art. 111.9, —
n.ºª 2 e 3, do Código Penal de 1982), em cuja inteira disponibi-
4.2.Fundamentalmente restam, assim, os casos como aquele lidade se encontra; traduz—se, afinal, no poder jurídico de através
cuja solução se discute no presente recurso: no momento da de um acto livre de vontade, 'pro'duzir um determinado efeito
entrada em vigor Ida lei mai's restritiva, decorrera ja’, considerado jurídico (desencadear o procedimento criminal) que forçosamente
o momento a quo, o prazo que esta vem fixar, sem, no entanto, se impõe 'àque'le contra 'quem o procedimento vai ser dirigido.
estar ainda esgotado no prazo da lei anterior. Verdadeiramente o de queixa é um direito potestativo.
direito
Aqui é que verdadeiramente se põe o problema da aplicação Só «que, em do interesse público, esse direito tem de
ví-sta

imediata da nova lei a uma situação pendente. Pendente, porque ser exercido dentro do prazo fixado na lei. Se não “for exercido
ainda decorre, não está extinta; porque o direito aínda podia nesse prazo, extingue-se. Rigorosamente, verífica-se a caducidade.
válida e legitimamente ser exercido no início da vigência da lei Assim, a harmonia do sistema sería preservada, considerando
posterior. relevante para reger a sucessão de prazos, também nesta hipótese
de diversos prazos para o exercício do de queixa, a norma
direito

4.3. Este conflito temporal não poderá — crê—se— “cer u-ma que, em geral, disciplina neste 'ponto —— o art. 297.9 do Código
so'lução nihilista como a da decisão de que se recorre. Civil: a lei posterior 'que estabeleça prazo mais curto 'será alpli-

É nesta matéria que verdadeiramente importam as disposições cável aos prazos que ja' estiverem em curso; ma's o novo prazo

de direito transitório. só se contará a partir da entrada em vigor da nova lei, a não


ser que, segundo a lei antiga, faltasse me-no-s tempo para o prazo
Quando elas não existam, não há senão que procurar, dentro
se completar.
da unidade e da harmonia do sistema jurídico em que a's normas
Esta solução é de patente relevância dentro da unidade do
se inserem, qualquer disposição 'que preveja ipalra semelhantes
sistema jurídico, não viola arbitrária -e abruptamente as legítimas
situações, de 'modo a que a solução num dado espaço jurídico
expectativas do de queixa (quanto a situações
titular 'do direito
dentro do sistema não seja intoleravelmente distinta da solução
que o como penalmente relevantes
legislador continua a sancionar
a que se chegar noutro espaço delimitado dentro do mesmo
e relativamente às quais mantém a atribuição do direito de queixa)
sistema.
e rnão agrava —antes mesmo, pode até beneficiar— a posição
No caso presente, -a solução harmoniosa, que «não “fere, nem
processual do auto-r do 'facto.
quebra de modo rotundo, a unidade do sistema, que não coarcta
Crê-se «que o problema é novo, mas esta solução também já
arbitrariamente direitos, nem agrava a posição processual dos
foi defendida v.g. em conferência sobre o novo Código Penal
interessados (ofendi-do e autor do facto), só pode ser a que resulta
da actuação, no domí'nio do 'processo penal, dos princípios que
organizada pela Procuradoria Geral Distrital de Lisboa cfr. —
Revista do Ministério PúbHco, ano 3, vol. 12, pp. 45-91, designa-
nout—ros ramos do direito disciplinam sobre a sucessão de «prazos
damente pp. 89 e 90, onde vem qualificada a extinção do direito
para o exercício de direitos pelos respectivos titulares.
de queixa como caducidade.

_76_ _77_ ,
Neste quadío, a soluç㺠harmoniosa e legal não será a que 5.2. A doutrina do acórdão leva nas seguintes hipóteses à

tomada no acórdão mas aquela que seguinte solução:


foi recorrido, se obten'ha na
actuação dos princípios expostos: no momento em que entrou —no 20 de Agosto de 1981, um cheque em'itído sem
dia
em vigor a alteração legislativa da Lei n.º 25/81 — alteração de cobertura.no día 20 'de Agosto 'de 1980 ainda podia ser

pena maior para pe=na correccional, o denunciante ainda detinha participado no prazo de um ano e um día; porém, no dia
um “lapso confortável para exercer o direito
de lqueíxa, por isso 21 de Agosto de 1981 já não podería ser participado;
que dele não se pode ver privado abrupta e arbitrariamente. —o ofendido num crime de ofensas 'corporaís cometido no
Considerar-se-ia, pois, o prazo da nova lei (mas a contar da dia 3O de Junho de 1982, ainda teria no dia 31 de De-
entrada em vigor desta), salvo se o prazo d-a lei antiga findar zembro de 1982 6 meses e 1 día para o participar; 'porém,
primeiramente — art. 2975’ do Código Civil. no dia 1 de Janeiro de 1983 (art. 112.9 do Código Penal
—— prazo dve 6 meses) já tinha perdido o direito de queixa.

5.1. O acórdão recorrido Anão decidiu assim. Este resultado é inesperado para -os titulares do direito, e
pouco tolerável do ponto de vista da unidade- e da harmo'nia do
Reconhecendo zque a questão é delicada e ressalvando a ele—
sistema jurídico e da composição dos interesses que ne'le se
vada consideração devida aos ilustres juízes que o- firmaram, o
jogam.
que ficou dito permite que se defenda solução diversa.
Por isso, talvez seja de afastar a interpretação que a el-e

A sua construção parte da assimilação dogmática da prescri- conduz, 'se outra interpretação for iguai-mente permitida no qua—
ção do procedimento criminal com a extinção do direito de queixa, dro das normas donde se deduziu.
uníficando-as no mesmo conceito e com os mesmos efeitos,
quando é certo que, como se pensa ter demonstrado, se trata de 5.3. A decisão recorrida aplicou as normas instrumentais
categorías estruturalmente distintas, com pressupostos, natureza às consequências de uma nova lei ('que alterou a natureza de
e efeitos inteiramente distintos. uma pena) a uma situação ,que se teria esgotado negativamente

E tanto a fundamentação do acórdão assimila e


(segundo a nova lei) 'num momento inteiramente antes do ínício
trata unifi-
da sua vigência. Fê-Ia ter, poís, e-fevítos rectroa-ctivos.
Porém —
cadamente os dois que acolheu expressamente a fun-
institutos,
e esta é igualmente uma
de interpretação 'a ter
vía
damentação de anterior decisão que'se referia, essa sim, a queu-
tão sobre prescrição do procedimento criminal.
em —
conta o prí'ncícpio do primado do Estado de Direito, cons-
titucionalmente consvagrado, «gara-nte seguramente um mínimo de
Quando na *douta decisão se avança para a solução, ídentírfí— certeza nos direitos das pessoas e n'as suas expectativas juri-di-
candmse «os dois pressupostos da mesma espécie» (procedimento camente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos
criminal e direito de queixa), 'para os quais «'nada, ao que parece, e da comunidade na tutela jurídica».
justi-fiicariatratamento diverso», afasta-ss- da elaboração doutrina! Daqui deriva que toda a 'norma retroactíva «que viola de 'fovrma
solb o manto de vários sistemas jurídicos, a que atrás se fez intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e
referência, 'que precisamente estabelece uma distinção fundamen- a comunidade têm. a obrigação (e também o direito) de depositar

tal entre esses «dois pressupostos» —a natureza jurídica diversa na ordem jurídica que as rege» se deva co'ns-idera-r não conforme
a-o primado do Estado de Direito e, por isso, inconstitucional.
de um e de outro.

__78_ -79—
«O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado 3) ———Aplicam-se-lhe, assim, os princípios da intenpretação,
poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para integração e sucessão de leis próprias das normas processuais,
se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua actuação ou de natureza processual, não valendo, povr isso, as razões
de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica substanciais que justi-ficam a aplicação retroactiva da lei penal
e, assim, permaneça em todas as suas consequências jurídica- mais favorável.
mente relevantes» (cf-r. acórdão da Comissão Constitucional no
Boletim do Ministério da Justiça, n.? 314, 'pp. 141 e segs., de- 4) —O direito dre queixa, cujo exercício está inteiramente
signadamente, p. 147). na disponibilidade do respectivo quando exercido impõe—
titular,
Essa confiança será violada se o titular de um direito, legal- —se tanto em relação ao Estado, como em relação ao auto-r do
mente concedido e reconhecido (direito de queixa ou outro qual— facto, sobre o qual vem desencadear a possibilidade de actuação
quer direito subjectivo o-u potestativo) se vir de um día para o do procedimento criminal.
outro dele desapossado; se num dia aínda pensar poder exercer
o seu direito de queixa num 'prazo razoável e no día seguinte ver 5) —É, assim, um direito potestativo, que se extí'ngue pelo
esse seu direito já extinto.
não exercício dentro do prazo legalmente fixado.

6. No caso sob recurso, e tendo o cheque sido emitido em 6) — Pelo decurso, pois, de um prazo de caducidade.
1O de Janeiro de 1981, o seu portador podia queixar—se no prazo
de dois anos, isto é, até 10 de Janeiro de 1983.
7) —Um conflito 'de prazos sobre exercício do direito de
Ficando a partir de 25 de Agosto de 1981 o prazo de queixa queixa tem de ser resolvido, para manter a unidade do sistema,
reduzido, por via indirecta, para 1 ano, só a partir desta data nos mesmos termos em que deva ser resolvido qualquer conflito
este novo prazo se deveria contar (art. 297.9 do Código Civil) de prazos «para exercer um direito subjectivo — o art. 297.9 do
que, assim, terminaria em 25 de Agosto de 1982. Código Civíl.
Em 2 de Julho de 1982, quando a participação foi apresen-
tada, aínda estava, poís, em tempo de exercer esse direito.
8) ——Assim, a lei que estabeleça (directa ou indirectamente)
um prazo mais curto 'para o exercício do direito de queixa, apli-
7. Conclusões: ca-se imediatamente, contando o prazo a partir da sua entrada
em vigor, salvo se, pela lei anterior, falte menos tempo para o
1) ——— A prescrição do procedimento criminal e a extinção do prazo se completar.
direito de queixa inserem-se em espécies jurídicas fundamental-
mente distintas — aquela de natureza substantiva, esta de natu- 9)——No momento em que foi denunciada a emissão do
reza processual.
cheque aínda não estava decorrido o prazo de um ano, a contar
da entrada em vigor da lei que, indirectamente, veio encurtar o
2) —A queixa,denúncia ou acusação particular (o exercício prazo para o exercício do direito de queixa.
do de queixa) releva apenas «como condição de procedi-
direito
bilidade, como acto necessário para que possa ter lugar o pro-
10) ——-E no momento da entrada em vigor dessa lei ainda não
cedimento criminal, isto é, reveste a natureza de simples pressu- estava esgotado o prazo que a lei anterior estabelecia para exer-
posto processual. cer esse direito.

——-80-—— , ._a1__
11) — Po-r isso, no momenta da participação do cheque de
fls.3 ainda não estava extinto o direito de o seu titular desen-
cadear o procedimento criminal.

Decidindo assim, revogando o acórdão recorrido e, conse—


quentemente, determinando que designado dia para
sej-a julga-
mento do réu, Vossas Excelências farão Justiça!

ANTÓNIO HENRIQUES SILVA GASPAR CONSELHO ADMINISTRATIVO DO CENTRO DE ESTUDOS


(Procurador da República)
FORMAÇÃO AUTARQUICA— REPRESENTAÇÃO
E

DO TRIBUNAL DE CONTAS—ESTATUTO DOS JUÍZES


— CONSTITUCIONALIDADE (")

A norma do artigo 11." cla Decreto-Lei n.“ 62/85, de 13 de


Março, que prevê que o conselho administrativo do Centro de
Estudos e Formação Autárquica integre um representante do
Tribunal de Contas é: a) materialmente imcmwtitucioml por-
que desrespeita a competência desse Tribunal, taxativamente
definida no artigo 219." da Constituição, e viola o princípio da
dedicação exclusiva dos juízes (artigo 221.º, rn.‘ 8); e b) orga—
nicamente inconstitucional, porque é da reserva da Assembleia
da República legislar sobre o estatuto dos juizes.

l. A douta Resolução reco-r-rida do Tribunal de Contas, datada


de 15 de Outubro de 1985, a 15 a 17 Idos autos, decidiu
fls.

«não designar qualquer seu representante 'para o conselho admi-


nistrativo do referido organismo» (o 'Centro de Estudos e For-
mação Autárquica), com o fundamento de que «o dispºsto no
artigo 11.9 do Decreto-Lei n.º 62/85 é inconstitucional, na medi'da
em zque íntegra um representante do Tribunal de 'Contas no con-
selho administrativo do CEFA».

(') Alegações de recurso do Ministério Público, no vproce'sm n.‘-‘


189/
/85 da 1.? Secção do Tribunal Constitucional.

—82—-, _33__
REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL
(Reg. n." 109829 SRIP/‘DGCS) Outubro-Dezembro 1986

Propriedade e edição:

SINDICATO DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO


Palácio da Justiça —
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(Reg. n.º 501132767 RNPC: e n.’ 209328 SRlP/DGCS)

Director: Mário Torres


SU MAR I O
Conselho de Redacção: Arménio Sottomayor o Artur Maurício o Carlos Lopes ESTUDOS
do Rego o Eduardo Mala Costa o João Manuel da Silva Miguel a José
Alves Cardoso o José António Mesquita n Manuel Slmas Santos o Maria Prevenção e legislação pena-I—Eliana Gersão
candida Almeida o Rndrigues Maximiano Sobra o conceito dla pena maior—José de Sousa e Brito ......... 25
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direitos do autor — José Martins da Fonseca 35
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Tiragem: 2000 exemplares , INTERVENÇÓES PROCESSUAIS

Aplicação Ida lei no tempo — Caducldade do d'lreim do queixa — An-


tónio Henriques Silva Gaspar . . . B1
Preçánio: número avulso: 450$OO
Cons-sdho Administrative do Centro de Estudºs e Formação Autárquica
assinatura do ano VIII 29 a 32):
— Representação Id‘oTribunal de Contas —— Estatuto Idos jul-

Portugal:
(n.º'
zw — Gmsfl‘tucionalildade — Guilherme Frederico da Fonseca 83
Continente .............................. 1600300
Falta d'e prestação 'de alimemos a menores— Cecilia Maria Castro
Açores e Madeira (por avião) ...... 2000$OO de Sousa 89
Europa (por avião) ................................ 2600300 Falha de apresentação, paulo depositário, de bens penhorados Crime —
(por superfície) ........................... 2000300 dva descaminho de objectos colocados sob o «poder público —
Manuel Gonçalves 95
Cabo Verde, Angola e Moçambique (por avião) 2600300
Responsabil'MWe crlrmiral 'do depositánI-o infiad—Armindo Luciano
Estados Unidos da América e Brasil ......... 3200500 Horta Melo . 103
Macau ............................................... 2750$00 Tutela—Dresinteresse-do progeniior—João Manuel da Silva Miguel 127
Contran individual 'de trabalho— Contrato adm-inistraºaivo de pres-
tação de serviços—Compa'têncía do Tribunal do Trabalho—
Valor da confí'ssão—Podem d'o tribunal—Marla Adozinda
Barbosa Pereira .. 131
JURISPRUDENCIA

—Saia'rio minimo nacional acendhrel


I. ESTUDOS
Pensão por acidatte 'de trabalho
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 'de Novembro
de 1984) ——Carlos Alegre 139

Innanrenção acessória “do Ministério Públ'llco em processo laboral


(Acórdão da Relação de Coimbra, de 8 die Julho de 1986) 142

DOCUMENTAÇÃO

Normas julgadas :inconstituclona-is pela Comissão Constitucional em PREVENÇÃO E LEGISLAÇÃO PENAL (')

sede de fiscalização concreta 153


ELIANA GERSÃO
Directora do Gabinete de Estudos Juríd'í-co—Sociais
CRÓNICAS E INFORMAÇÓES do Centro de Estudos Judiciários ,

XXXVII Curso Intamncioml de Críminologia—Arménio Sottomayor 187


A evolução dº liberdade de imprensa em Portugal o a Justiça —An-
tónlo Artur Rodrigues da Costa 195 1. Aqueles que, no nosso país, -Iidam de perto com o pro-
blema 'críminal —— refiro-m-e não só àqueles a quem» cabe o trata-
mento teórico das leis mas também, e talvez sobretudo, àqueles
a qu-em- cabe a sua aplicação e a execução da-s decisões judi-
ciais—sen-tem-se dxe certo modo perplexos quando, através de
ou de Icontazcto's com profissionais estrangeiros, tomam
'I-e'itura-s

conhecimento das concepções penais e penitenciárias que, nas


duas últimas décadas, *se for-am desenvolvendo em diversos paí-
ses, e modernamente dominam 'em— a-Igunvs delves.
Na verdade, Tendo agu-a-rdado, durante quase vinte ano-s, a
publicação d'e um código pena-l centrado nas ideias de indivi-

(') Comunicação apresentada ao XXXVII Curso Internacional de Crl-


minologia, que se realizou em Lisboa, no Centro 'de Estudos Judiciários, nos
días 21 a 25 de Abril de 1986. A Direcção da Revista do Ministério Público
agradece à autora dar comunicação e à Direcção do C. E.J. a autorização
para a publicação deste texto nas suas páginas. O Centro de Estudos Judi-
ciários, através do seu Gabinete de Estudos Jurldico-Sociais, vai editar em
breve -um contendo todas as comunicações apresentadas a este impor-
livro

tante acontecimento jurídico internacional (ver a respectiva crónica, a


págs. 187 deste número).
ISSN 0870-6107

Revista d0
Ministério Público
Doutrina o Jurisprudência o Documentação - Crónicag

Ano '7.° Outubro-Dezembro 1986 N.° 28


Revista do
Ministér io Públ ico
Doutrina o Jurisprudência o Documentação o Crónicas

PREVENÇÃO E LEGISLAÇÃO PENAL


CONCEITO DE PENA MAIOR
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DOSIMETRIA DAS PENAS
.
CAQUCIDADE DO DIREITO DE QUEIXA—«APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ESTATUTO DOS JUÍZES—COMPETÉNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS
FALTA DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A MENORES
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO DEPOSITARIO INFI'EL
TUTELA—DESINTERESSE DO PROGENITOR
COMPETENCIA D0 TRIBUNAL DO TRABALHO

PENSÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO


INTERVENÇÃO ACESSÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PROCESSO LABORAL

.
NORMAS JULGADAS INCONSTITUCIONAIS PELA COMISSÃO CONSTITUCIONAU

.
XXXVIICURSO INTERNACIONAL DE CRIMINOLOGIA ‘

A LIBERDADE DE IMPRENSA EM PORTUGAL E A JUSTIÇA

Ano 7.º Outubro-Dezembro 1986 N.° 28

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