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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA 5ª

VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE-RS

PROCESSO: XXXXXXXX-XX.X.XX.XXXX-XXXXX

LUIZ, já qualificado nos autos do processo criminal em


epígrafe que lhe move o Ministério Público Estadual, por suas advogadas que
esta subscreve, vêm, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com
fundamento no artigo 403, parágrafo 3º do Código de Processo Penal
apresentar MEMORIAIS pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

1. DOS FATOS:

Na madrugada do dia 1º de janeiro de 2020, Luiz estava


em casa comemorando o ano novo na companhia de seus 3 filhos e seu irmão
Igor, que também residia no imóvel. Durante a passagem do ano, um dos filhos
de Luiz foi até o quintal e acendeu um fogo de artifício, mas algumas faíscas
atingiram o telhado do imóvel, que deu início a um grande incêndio.

Devido a perca de mobilidade decorrente de sua idade, 71


anos na época do fato, ficou para trás e seria atingido pelo fogo, momento em
que o acusado – para sobreviver – deu um forte soco na cabeça de seu irmão,
e conseguiu sair ileso do imóvel em chamas. Apesar do ferimento na cabeça,
Igor também conseguiu sair da casa sem mais ferimentos.
Já na rua, Luiz constatou que seu soco havia lesionado o
irmão, e de pronto o levou até uma unidade de saúde para que tratassem o
ferimento.

Posteriormente, com o laudo definitivo, foi constatada


apenas a existência de lesão leve.

2. DA PRELIMINAR:

Segundo o artigo 61 da Lei nº9.099/95, será de


competência dos Juizados Especiais Criminais os crimes de menor potencial
ofensivo e as contravenções ou crimes com pena máxima não superior a 2
anos, cumulada ou não com multa.

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor


potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa.  

No caso em tela, a pena máxima alcança o teto de


apenas 1 ano de pena, o que faz ser de competência do Juizado Especial
Criminal e não da Justiça Estadual, onde tramita o processo atualmente.

Ante o exposto, entende a necessidade de declarar,


preliminarmente, a nulidade do processo em decorrência da incompetência
absoluta deste juízo, o qual julga matéria que não o é de direito.

3. DO DIREITO:

3.1 Da aplicação do princípio da insignificância e ausência de


representação do ofendido

Com base nos fatos narrados e de acordo com o laudo


juntado nos autos, tem-se que o acusado praticou lesão corporal leve, que em
tese é punido apenas com detenção de 3 meses a 1 ano, conforme dispõe o
caput do artigo 129 do Código Penal:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de


outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano. (Grifo nosso)

Nota-se no caso concreto que a lesão causada pode ser


considerada ínfima, e não trouxe nenhum dispêndio a seu irmão, tornando-o
insignificante e insuficiente para uma eventual condenação. Sendo assim,
entende-se que o fato é considerado atípico.

Ademais, insta ressaltar que durante a inquisitorial a


própria vítima alegou não ter interesse em punir o irmão. Com base nisso, é
inevitável ressaltar que o artigo 88 da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados
Especiais, onde a ação deveria ter sido proposta – prevê que em casos de
lesão corporal leve ou culposa a ação será condicionada à representação do
ofendido:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da


legislação especial, dependerá de representação a ação
penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e
lesões culposas. (grifo nosso)

Com isso, é notório que a pena causaria a Luiz um dano


maior e mais relevante do que o praticado, além de que a vítima não tem
interesse na punição do indiciado.

3.2 Estado de necessidade justificante

É fato que devido as circunstâncias Luiz desferiu um soco


na cabeça de Igor para salvar sua vida, pois caso contrário não conseguiria
lograr êxito em sair de sua residência em chamas. Posto isso, podemos avocar
a Teoria unitária, que prevê casos onde o bem jurídico sacrificado é de igual
ou menor valor/relevância que o bem jurídico salvo. Em tese Luiz sacrificou a
saúde do irmão, lhe causando lesão corporal, para proteger um bem jurídico de
maior relevância, sua vida.

A presente teoria também foi recepcionada pelo Código


Penal brasileiro, que dispõe:
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Neste ínterim, há de ser declarada a exclusão da ilicitude


com base no artigo 23, I do Código Penal:
 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
        I - em estado de necessidade; 
Sendo assim, há a possibilidade de absolvição sumária do
acusado, com fulcro no artigo 397 do Código de Processo Penal:
Art. 397 Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e
parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato;

3.3 Nulidade processual ante a ausência da aplicação da Suspensão


Condicional do Processo

Durante o trâmite processual o órgão acusador deixou de


oferecer proposta de suspensão condicional do processo alegando ir de
encontro ao artigo 41 da Lei nº11.340/06 (Lei Maria da Penha) que em tese
suspenderia a possível aplicação da Lei nº9.099/95, especificamente o artigo
89 – que o réu já havia demonstrado interesse na aplicação. Porém, por
desídia do parquet, não foi verificado que o artigo supramencionado se
aplica à apenas agressões cometidas contra mulheres.

Podem alegar também que tal benefício não fora


concedido pela condenação transitada em julgado em 2019, mas essa não
impede a concessão e não gera reincidência – conforme alegado na peça da
acusação –visto que a conduta praticada foi uma contravenção penal

Ademais, vale mencionar ainda que, mesmo se o crime


de lesão corporal leve fosse apenado com reclusão, Luiz teria a concessão do
“SURSIS”, visto que não é reincidente em crime doloso, tem boa conduta moral
e é maior de 70 anos de idade.
Art. 77 CP- A execução da pena privativa de liberdade,
não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2
(dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e
personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não
superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a
seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta
anos de idade;
Por fim, cabe considerar que, apesar do verbo “poderá”, a
suspensão condicional no processo não é um direito subjetivo do réu e sim um
poder-dever do Ministério Público. Deste modo, não há discricionariedade do
ato, e ausência do oferecimento deste benefício gera nulidade do processo.
Para corroborar com tal entendimento há o presente julgado do HC 136053:
HABEAS CORPUS. CRIME DE RECEPTAÇÃO
QUALIFICADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
RECEPTAÇÃO SIMPLES. APLICAÇÃO D ART. 383, §
1.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO
NÃO OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO. APLICAÇÃO DO
ART. 28 DO CPP. MANTIDA A RECUSA PRÉVIA DO
PARQUET. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO BENEFÍCIO.
NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE OFÍCIO.

1. A expressão "poderá", constante do caput do


art. 89 da Lei n.º 9.099/95, não cria ao Ministério
Público um poder discricionário, uma faculdade,
porquanto o poder-dever de ofertar a proposta de
suspensão condicional do processo, uma vez
presentes os requisitos legais, persiste conduzindo a
atuação do titular da ação penal, que não pode, sem
fundamentação idônea, escolher pela persecução
penal.
2. Na hipótese, em que pese o Parquet ter se
manifestado acerca da aplicação da suspensão
condicional do processo, verifica-se que a
fundamentação apresentada não encontra guarida nos
requisitos autorizadores do benefício, elencados no
art. 89 da Lei 9.099/95 e no art. 77 do Código Penal. De
rigor que o titular da ação penal se manifeste nos termos
delineados pelo legislador.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de
ofício, a fim de que o Ministério Público estadual se
manifeste acerca da aplicação da suspensão condicional
do processo, à luz dos requisitos dispostos no art. 89 da
Lei n.º 9.099/95 e no art. 77 do Código Penal, afastada a
justificativa relativa à revelia.

(HC 136053, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO,


Primeira Turma, julgado em 07/08/2018, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 21-09-2018 PUBLIC 24-
09-2018)
4. DOS PEDIDOS:

Por tudo que outrora foi evidenciado, requer, em sede de


preliminar, a nulidade de todo o processo por incompetência absoluta do juízo
o qual este processo tramita e pelo não oferecimento da Suspensão
Condicional do Processo, visto sua obrigatoriedade quando preenchido os
requisitos.

Não obstante, caso Vossa Excelência não reconheça tal


pedido, pleiteio pela absolvição sumária do réu, baseando-se no artigo 397, I
do Código de Processo Penal, devido a exclusão da ilicitude em decorrência do
estado de necessidade justificante.

Nestes termos,
Pede Deferimento.

Porto Alegre, 24 de janeiro de 2021.

Anna Gabryella Ribeiro Borges (OAB/GO 20191000103003)


Mariana Gomes Nascimento (OAB/GO 20191000103542)
Sara Velasco Freitas (OAB/GO 20191000108625)

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