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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CRIMINAL

DA COMARCA DE __

ELIETE, já qualificada nos autos do Processo-crime n. __, que lhe move o


Ministério Público do Estado de __, neste ato representado por membro da Defensoria
Pública do Estado de __ que esta subscreve, não se conformando com a respeitável
sentença que a condenou como incursa nas penas do art. 155, § 3º, II, do Código
Penal, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal,
interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no art. 593, I, do Código de
Processo Penal.

Requer seja recebida e processada a presente apelação e encaminhada, com


as inclusas razões, ao Egrégio Tribunal de Justiça.

Nestes termos,
Pede deferimento.
Medianeira/PR, 21 de fevereiro de 2011.
ADVOGADO/OAB

RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO

APELANTE: Eliete
APELADO: Ministério Público do Estado de __
PROCESSO N. ___

Egrégio Tribunal de Justiça,


Colenda Câmara,
Douto Procurador de Justiça.

Em que pese o indiscutível saber jurídico do Meritíssimo juiz “a quo”, impõe-


se a reforma da respeitável sentença proferida contra a Apelante, pelas razões de fato
e de direito a seguir expostas.

I – DOS FATOS...
II – DO DIREITO

a)     Nulidade da sentença

Em um primeiro momento a ré fora condenada à pena privativa de liberdade


de 02 (dois) anos de reclusão. De tal decisão interpôs-se recurso de apelação,
pleiteando a anulação da sentença, por cerceamento de defesa. Ressalte-se que o
Ministério Público dela não recorreu. Analisando o recurso exclusivo da defesa, o
Tribunal de Justiça julgou-o totalmente procedente para anular a decisão de primeiro
grau. Após nova instrução, o juiz “a quo” prolatou nova decisão, condenando a ré à
pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Dessa decisão interpôs-se o
presente recurso, também exclusivo da defesa.

Do exposto observa-se um claro equívoco na dosimetria da pena, uma vez


que a segunda sentença majorou a pena em relação à sentença anterior. A pena foi
alçada de 02 (dois) anos para 02 (anos) e 06 (seis) meses de reclusão. A técnica
estaria correta se não fosse a ausência de recurso da acusação na primeira sentença.
Vale lembrar que o juiz está atrelado ao recurso exclusivo da defesa, não sendo
permitida a piora da situação do réu (art. 617 do CPP), sob pena de se desestimular a
interposição de recursos e se ferir o sistema acusatório.
Deste modo, com apoio na jurisprudência dos tribunais superiores e na
doutrina, a sentença que majorar a pena em relação à sentença anteriormente
anulada, por recurso de apelação exclusivo da defesa, implicará o fenômeno
processual da “reformatio in pejus” indireta, cujo efeito também será a nulidade da
decisão.

b)     Prescrição da pretensão punitiva retroativa

Com a nulidade da sentença, o magistrado estará limitado à fixação da pena


definitiva em, no máximo, 02 (dois) anos de reclusão, lembrando ser esta a sanção
aplicada na primeira sentença anulada. Tudo isso se justifica para evitar a reprovável
“reformatio in pejus” indireta, consoante já afirmado no tópico anterior.

Com efeito, a prescrição retroativa (art. 110, §1º, do CP), que é contada do
trânsito em julgado para a acusação caminhando em direção às causas interruptivas a
ela anteriores (a exemplo da sentença e do recebimento da denúncia), será verificada
com o transcurso de tempo superior a quatro anos, porquanto os dois anos de pena
imposta prescrevem em quatro anos, nos termos do art. 109, V, do CP.

Como já transcorreram mais de quatro anos entre a primeira causa


interruptiva da prescrição, o recebimento da denúncia (art. 117, I, do CP), datada de
12 de janeiro de 2007, e a presente data, vez que a sentença a ser anulada deixará de
constituir marco interruptivo do lapso prescricional, resta a declaração da prescrição
da pretensão punitiva retroativa, por ser o prazo superior a quatro anos. Ademais,
mesmo se levando em consideração o prazo da sentença a ser anulada, 16 de
fevereiro de 2011, verificar-se-á superado o lapso prescricional para a decretação da
extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP).

c)     Atipicidade material (princípio da insignificância)

Com base nas lições de Eugenio Raul Zaffaroni, a tipicidade, elemento


integrante do primeiro substrato do crime, é divida em tipidicade formal e tipicidade
conglobante. Esta última, por sua vez, é subdividida em tipicidade material e
antinormatividade. Para o presente caso, é pertinente a abordagem da tipicidade
material.
Para a doutrina, a tipicidade material consiste na avaliação da existência ou
não de lesões significativas ao bem jurídico protegido pelo tipo penal. Aqui reside a
excludente de tipicidade princípio da insignificância.

O crime supostamente praticado, furto qualificado (art. 155, § 3º, II, do CP),
fere o bem jurídico patrimônio. Dessa forma, afere-se a significância da lesão
baseando-se no conteúdo econômico do objeto furtado bem como na condição
financeira da vítima. O objeto do delito seria a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais),
valor este de pequena monta quando comparado ao patrimônio da vítima, ocupante do
cargo de presidente da maior empresa do Brasil no segmento de venda de alimentos
no varejo. Para ir além do âmbito das presunções, juntou-se aos autos a comprovação
dos rendimentos da vítima, que giram em torno de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
mensais (doc. pág.).

Sendo assim, a sentença “a quo” deve ser reformada para absolver a


apelante, com espeque na ausência de justa causa em razão de atipicidade do fato
(art. 386, III, do CPP), visto ser a conduta causadora de lesão insignificante,
vislumbrada da comparação do valor do objeto (cinquenta reais) com os rendimentos
mensais da vítima (cinquenta mil reais).

d)     Desclassificação da conduta para furto simples privilegiado (art. 155, “caput” e


§2º, do CP)

A apelante, conforme já afirmado, foi condenada à pena de 02 (dois) anos e


06 (seis) meses pela prática de furto qualificado pelo abuso de confiança, cuja pena
mínima é de 02 (dois) anos (art. 155, § 3º, II, do CP).

A “ratio decidendi” para a qualificação do crime escorou-se no fato de a ré


exercer a profissão de empregada doméstica na residência da vítima. Tal condição,
nos termos da acusação, facilitaria a empreitada criminosa, sendo merecedora de
maior reprimenda.

Todavia, o simples fato de a autora ser empregada doméstica e ter acesso à


casa da vítima não importa na qualificadora de abuso de confiança, ainda mais
quando a ré acaba de ser contratada. O pouco tempo de serviço ficou consignado e
comprovado na instrução criminal. Eliete foi contratada por Cláudio havia uma semana
e só tinha a obrigação de trabalhar às segundas, quartas e sextas-feiras, de modo que
o suposto fato criminoso teria ocorrido no terceiro dia de trabalho da doméstica.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a simples


condição de empregada doméstica não configura, por si só, a qualificadora de abuso
de confiança, sendo necessária a análise do caso concreto. Nesses termos, pode-se
extrair do julgado que o abuso de confiança da empregada doméstica será
vislumbrado por meio do tempo de serviço prestado à vítima bem como pelo grau de
intimidade e confiança depositado pelo patrão em seu empregado.
Em conclusão, o pouco tempo de serviço afasta a incidência da qualificadora,
devendo ser o delito desclassificado para furto simples (“emendatio libelli” – art. 383 do
CPP), cuja pena mínima é de 01 (um) ano. Dessa forma, a apelante passa a ter direito
subjetivo à suspensão condicional do processo, instituto despenalizador com previsão
legal no art. 89 da Lei 9.099/95.

Ademais, a apelante preenche os requisitos para a causa de redução de pena


em razão do pequeno valor da coisa furtada, podendo o juiz, neste caso, substituir a
pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente
a pena de multa (art. 155, § 2º, do CP).

e)     Punição excessiva da pena privativa de liberdade

Na primeira fase de dosimetria da pena, o juiz justificou a fixação da pena-


base acima do mínimo sob o argumento de que a ré possuía circunstâncias judiciais
desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em
que se abusa da confiança depositada no agente.

Embora respeitável a argumentação jurídica, incorreu em grave equívoco o


juiz “a quo”. Os Tribunais Superiores já assentaram em suas jurisprudências configurar
“bis in idem” a exasperação da pena-base sob a mesma fundamentação da
qualificadora do crime. Em outras palavras, inadmite-se a majoração da pena-base
com fulcro em circunstância judicial desfavorável ao agente que também qualifica o
crime, até porque a pena seria majorada duas vezes: uma pela qualificadora, que
delimita os limites máximo e mínimo da pena nas duas primeiras fases de fixação da
pena; e outra pela circunstância judicial desfavorável.

Destarte, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal como forma de se


evitar a punição excessiva.

f)      Punição excessiva da pena restritiva de direitos

A sentença converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos,


impondo o cumprimento de prestação de serviços à comunidade à razão de 08 (oito)
horas semanais. Ocorre que a fração de horas semanais contraria a disposição do art.
46, §3º, do CP, eis que esta regra deixa clara que a fração máxima é de 01 (uma) hora
por dia, portanto, 07 (sete) horas semanais. Assim, requer seja reformada a sentença
para fixar a pena restritiva de direitos à razão de 07 (sete) horas semanais.
III – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o presente recurso, para
anular a sentença (art. 617 do CPP); em não se acolhendo o pleito, requer seja extinta
a punibilidade do agente por força da prescrição (art. 107, IV, do CP);
subsidiariamente requer a absolvição da apelante por atipicidade da conduta (art. 386,
III, do CPP); caso nenhum dos pedidos antecedentes seja acolhido, requer a
desclassificação do delito para o previsto no art. 155, “caput”, do Código Penal (art.
383 do CPP) com a causa de redução de pena inscrita no § 2º do mesmo artigo, bem
como a concessão do benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei
9.099/95); ainda, no caso de negativa de todas as teses, requer a fixação da pena no
mínimo legal; por fim, requer a reforma da pena restritiva de direitos de prestação de
serviços à comunidade para ser cumprida à razão de 07 (sete) horas semanais.

Nestes termos,
Pede deferimento.
Medianeira/PR, 21 de fevereiro de 2011.
ADVOGADO/OAB

Em 10 de janeiro de 2007, Eliete foi denunciada pelo Ministério Público pela


prática do crime de furto qualificado por abuso de confiança, haja vista ter
alegado o Parquet que a denunciada havia se valido da qualidade de
empregada doméstica para subtrair, em 20 de dezembro de 2006, a quantia de
R$ 50,00 de seu patrão Cláudio, presidente da maior empresa do Brasil no
segmento de venda de alimentos no varejo.
A denúncia foi recebida em 12 de janeiro de 2007, e, após a instrução criminal,
foi proferida, em 10 de dezembro de 2009, sentença penal julgando procedente
a pretensão acusatória para condenar Eliete à pena final de dois anos de
reclusão, em razão da prática do crime previsto no artigo 155, §2º, inciso IV, do
Código Penal. Após a interposição de recurso de apelação exclusivo da defesa,
o Tribunal de Justiça entendeu por bem anular toda a instrução criminal, ante a
ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado
de uma pergunta formulada a uma testemunha. Novamente realizada a
instrução criminal, ficou comprovado que, à época dos fatos, Eliete havia sido
contratada por Cláudio havia uma semana e só tinha a obrigação de trabalhar
às segundas, quartas e sextas-feiras, de modo que o suposto fato criminoso
teria ocorrido no terceiro dia de trabalho da doméstica. Ademais, foi juntada
aos autos a comprovação dos rendimentos da vítima, que giravam em torno de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais. Após a apresentação de
memoriais pelas partes, em 9 de fevereiro de 2011, foi proferida nova sentença
penal condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de
reclusão. Em suas razões de decidir, assentou o magistrado que a ré possuía
circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme
gravidade a prática de crimes em que se abusa da confiança depositada no
agente, motivo pelo qual a pena deveria ser distanciada do mínimo. Ao final,
converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos,
consubstanciada na prestação de  8 (oito) horas semanais de serviços
comunitários, durante o período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses em
instituição a ser definida pelo juízo de execuções penais. Novamente não
houve recurso do Ministério Público, e a sentença foi publicada no Diário
Eletrônico em 16 de fevereiro de 2011.

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