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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LIVRE DISTRIBUIÇÃO
 
Impetrante: Beltrano de Tal
Paciente: Pedro das Quantas  
Autoridade Coatora: MM Juiz de Direito da 00ª Vara da Comarca ... (PP)
 
 
[ PEDIDO DE APRECIAÇÃO URGENTE (LIMINAR) – RÉU PRESO ]
 
 
 
                                               O advogado BELTRANO DE TAL, casado, maior,
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado, sob o nº 112233,
com seu escritório profissional consignado no timbre desta, onde receberá
intimações, vem, com o devido respeito a Vossa Excelência, para, sob a égide do
art. 648, inciso II, da Legislação Adjetiva Penal c/c art. 5º, inciso LXVIII da Lei
Fundamental, impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS
(com pedido de “medida liminar”) 
em favor de PEDRO DAS QUANTAS, brasileiro, solteiro, mecânico, possuidor
do RG. nº. 11223344 – SSP (PP), residente e domiciliado na Rua X, nº. 000, em
Cidade (PP), ora Paciente, posto que se encontra sofrendo constrangimento
ilegal por ato do eminente Juiz  de Direito da 00ª Vara da Cidade, o qual, do
exame do pedido de absolvição sumária, refutou-o, sem a devida motivação,
cuja decisão dormita nos autos do processo nº. 33344.2222.55.06.77/0001,
como se verá na exposição fática e de direito, a seguir delineadas.
                       
(1)
SÍNTESE DOS FATOS  
                                   
                                               Segundo o relato fático contido na peça acusatória, no
dia 00 de novembro do ano de 0000, por volta das 18h:40, o Acusado subtraiu,
para si, 02 (dois) vidros de Shampoo L'oreal Force Relax Nutri Control do
Supermercado Quantas. Fora, por isso, preso em flagrante delito. (doc. 01)
 
                                               Por meio do despacho que demora às fls. 12/13, do
processo criminal em espécie, o Magistrado a quo, na oportunidade que
recebera o auto de prisão em flagrante (CPP, art. 310), converteu-a em
preventiva. Deliberou sob o enfoque da garantia da ordem pública e
conveniência da instrução criminal (CPP, art. 310, inc. I). Acosta-se, para tanto,
o teor do referido decisum. (doc. 02)
 
                                               Citado, o Paciente apresentou, tempestivamente, sua
Resposta à Acusação (CPP, art. 396-A). Nessa ocasião processual, pediu o
julgamento antecipado do processo, com sua absolvição sumária.
 
                                    Nese enfoque, evidenciou considerações de que havia
ausência de tipicidade.  A res furtiva não alcançava, à época dos fatos, sequer
20% do salário mínimo. Sendo assim, segundo o sólido entendimento de
doutrina e jurisprudência, remetia-se à aplicação do princípio da insignificância.
 
                                               Subsidiariamente, não fosse atendido aquele pleito,
requereu o benefício da liberdade provisória, maiormente quando ausentes os
requisitos do art. 312 da Legislação Adjetiva Penal.
 
                                               Ambos os pedidos foram negados.
 
                                               Por conveniência, abaixo evidenciamos trecho da
decisão hostilizada (doc. 03), cuja cópia anexamos:
 
“          Não há que se cogitar na aplicação do princípio da insignificância. O
princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar
constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas
ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no
caso concreto. Comportamentos contrários à Lei Penal, mesmo que
insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a
característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal.
(...)
            No tocante ao pedido de liberdade provisória, é de rigor recusá-lo.
Compulsando os autos, verifico que inexiste qualquer elemento capaz de alterar
a classificação penal feita pela douta Autoridade Policial e nobre represente do
Órgão Ministerial, sobretudo quando apoiados nas convicções colhidas dos
fólios da pela inquisitória.
           É de solar clareza, no cenário jurídico atual, que o crime de furto, por sua
gravidade que importa à sociedade, por si só, já distancia a hipótese da
concessão da liberdade provisória.
(...)
 
Devo registrar, por outro ângulo, que a crime contra o patrimônio, cada vez
mais constante e eficiente, deve ser combatida eficazmente pelo Judiciário,
onde, em última análise.
            Vislumbro, mais, a manutenção da prisão preventiva é a medida acertada
à hipótese em relevo, visto que tal proceder é de conveniência da instrução
criminal, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei
penal.
            Por tais considerações, INDEFIRO O PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA E DE LIBERDADE PROVISÓRIA.
            Designo audiência de instrução para o dia 00/11/2222. Expedientes
necessários. “
 
                                                Essas são algumas considerações necessárias à
elucidação fática.             
                                                           
( 2 ) 
 DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
CPP, art. 397, inc. III (ausência de tipicidade)
 
                                               A res furtiva fora avaliada em pouco mais de R$
80,00(oitenta reais). Isso se extrai da leitura do laudo de avaliação, ora
carreado, extraído do bojo do inquérito policial. (doc. 04)
 
                                               Desse modo, a coisa tem valor insignificante. Não
representa sequer 20% do salário mínimo à época dos fatos. (00/11/2222)
 
                                               De outra banda, o Acusado não é voltado à prática de
delitos. Inexistem contra esse condenações pretéritas, o que se comprova de
pronto com as certidões anexas.  (docs. 05/09)
 
                                               Noutro giro, a hipótese em estudo diz respeito à
imputação de crime em que não há grave ameaça contra a vítima.
 
                                               Nessa esteira, as circunstâncias descritas certamente
remetem à aplicação do princípio da insignificância.
 
                                                Cediço que o princípio da insignificância tem franca
aceitação e reconhecimento na doutrina e pelos Tribunais. Funciona como causa
de exclusão da tipicidade. Representa, pois, instrumento legal decorrente da
ênfase dos princípios da lesividade, fragmentariedade e intervenção mínima.
 
                                               Não apenas isso, oportuno destacar que ao Judiciário
cabe somente ser acionado para solucionar conflitos que afetem, de forma
substancial, os bens jurídicos, protegidos pelas normas incriminadoras.
 
                                                A propósito, vejamos as lições doutrinárias de Cezar
Roberto Bitencourt acerca desse tema, in verbis:  
 
A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos
protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é
suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus
Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetivida
proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a
drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam ao
determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam
nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar
liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou
a ser lesado. [ ... ] 
 
                                                Com se observa, máxime em conta das linhas
doutrinárias mencionadas, para que seja conferida a atipicidade da conduta
delituosa, mister, além da análise abstrata dessa, o exame das circunstâncias
que denotem a inexistência de lesão relevante ao bem jurídico tutelado.
 
                                                Doutrina e jurisprudência são firmes em assentar que
a aplicação do princípio da significância reclama aferir-se: (a) mínima
ofensividade da conduta sub examine; (b) inexistência de periculosidade social no
comportamento; (c) reduzido grau de censura do proceder do agente e; (d)
insignificância da lesão jurídica produzida.
 
                                                Nesse exato tocante, vejamos o que professa o
penalista Rogério Greco:
 
Ao contrário, entendendo o julgador que o bem subtraído não goza da
importância exigida pelo Direito Penal em virtude da sua insignificância,
deverá absolver o agente, fundamento na ausência de tipicidade material, que
é o critério por meio do qual o Direito Penal avalia a importância do bem no
caso concreto. [ ... ] 
 
                                               Relembre-se o que consta da cátedra de Guilherme de
Souza Nucci:
 
O Direito Penal não se ocupa de insignificâncias (aquilo que a própria
sociedade concebe ser de menos importância), deixando de se considerar fato
típico a subtração de pequeninas coisas de valor nitidamente irrelevante. [ ... ]  
 
                                               Portanto, inescusável a absolvição sumária.
 
                                    Não há olvidar-se que a situação dos autos importa seja
acatada a tese da irrelevância material da conduta em estudo, mormente
porquanto:  (a) a res furtiva é financeiramente inexpressiva; (b) o Paciente é réu
primário, consoante já demonstrado; (c) não há qualquer relato que a conduta
desse tenha provocado consequências danosas à vítima; (d) inexistiu violência;
(e) o patrimônio da vítima (uma rede de supermercados) não foi,  nem será
afetada com pretensa subtração dos insignificantes bens.            
                                                                                             
                                               Indubitável que o comportamento em espécie afasta o
tipo penal enfocado. Aplicável, in casu, o princípio da insignificância.
 
                                               Amolda-se à pacífica jurisprudência:
 
HABEAS CORPUS. FURTO. CERVEJAS. PRISÃO PREVENTIVA.
MEDIDA DESPROPORCIONAL E EXCESSIVA NO CASO CONCRETO.
MÉTODO DA PONDERAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUE
NÃO PODE SER DESCARTADO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
PREQUESTIONAMENTO. CONTRA O PARECER, ORDEM
CONCEDIDA.
Embora comungue do entendimento acerca do potencial risco de reiteração
como fundamento legítimo à custódia cautelar, mister se faz salientar que
referido entendimento não pode se distanciar, tampouco ignorar a razoabilidade
e a proporcionalidade que devem imperar em situações desse jaez. E, nessa
senda, ao julgador e ao jurista se revela oportuno o método da ponderação, que
tem a virtude de flexibilizar o texto legal para adequá-lo às peculiaridades de
cada caso concreto. Ao juiz compete, em cada um deles, efetivar a interpretação
que entender consentânea, justa e suficiente. Como corolário, cabível se
apresenta a concessão da ordem, notadamente considerando que imputa-se ao
paciente, tecnicamente primário, menor de 21 anos e sem condenação
irrecorrível anterior, a subtração de algumas garrafas de cerveja totalizando R$
100,00. Evidentemente que a discussão acerca do reconhecimento da
atipicidade material da conduta, mediante a aplicação do princípio da
insignificância, se mostra inoportuna nesta fase, contudo, o encarceramento do
agente, em cenário como o enfocado, consubstancia-se em medida
desproporcional e excessiva. Daí por que, face às particularidades vislumbradas,
plausível excepcionalmente a concessão da ordem. É assente na jurisprudência
que, se o julgador aprecia integralmente as matérias que lhe são submetidas, se
torna despicienda a manifestação expressa acerca de dispositivos legais
utilizados pelas partes como sustentáculo às suas pretensões. Contra o parecer,
ordem concedida. AC Ó R D Ã O [ ... ]
 
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO
QUALIFICADO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, DE OFÍCIO.
Quando constatada a inexistência de lesão relevante ao patrimônio da vítima,
bem jurídico tutelado pela norma, o fato se torna materialmente atípico. O
princípio da insignificância é regra auxiliar de interpretação, que exclui do tipo
os danos de pouca importância, como no caso dos autos, em que a Res furtiva é
constituída de bens de gênero alimentício e de produtos de limpeza, avaliados
em R$ 193,87. ORDEM CONCEDIDA, por maioria. [ ... ]
                                   
                                               Com raras divergências, assim caminha a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
 
HABEAS CORPUS. FURTO. ITENS DE LIMPEZA E GÊNEROS
ALIMENTÍCIOS. VALOR EQUIVALENTE A 3,94 % DO SALÁRIO
MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO FATO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA AO RÉU REINCIDENTE.
EXCEPCIONALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do
princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a
mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social
da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Ainda que reincidente o réu
pela prática de crimes de estelionato, o furto de itens de limpeza e de gêneros
alimentícios - 2 pacotes de bolacha, 1 quilo de carne, 1 pacote de caldo de carne,
1 quilo de feijão e 1 pacote de sabão em pó -, restituídos à vítima, após
abordagem de funcionário do estabelecimento comercial, autoriza,
excepcionalmente, a incidência do princípio da insignificância. 3. O montante
equivalente a 3,94% do salário mínimo vigente à época dos fatos, em crime
perpetrado contra pessoa jurídica, não justifica tão gravosa resposta penal do
Estado, estabelecida em regime semiaberto pela sentença. 4. Habeas corpus
concedido para absolver o paciente pela incidência do princípio da
insignificância. [ ... ]
 
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
INADEQUAÇÃO. FURTO. NULIDADE DA SENTENÇA. RECONHECIMENTO
DO FURTO PRIVILEGIADO. REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
TEMAS NÃO APRECIADOS PELA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. VALOR DA RES
FURTIVA SUPERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. EXCEPCIONALIDADE
DO CASO CONCRETO. RÉU PRIMÁRIO, SEM ANOTAÇÕES PENAIS. BEM
RESTITUÍDO À VÍTIMA. ATIPICIDADE DA CONDUTA EVIDENCIADA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior,
julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AGRG no HC 180.365,
Primeira Turma, Rel. Min.  Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AGRG no HC
147.210, Segunda Turma, Rel. Min.  Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -,
pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo
do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento
da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no
ato judicial impugnado. 2. Em que pesem os esforços da defesa, verifica-se que
os argumentos referentes à nulidade da sentença prolatada oralmente sem
transcrição do seu conteúdo, à ausência do reconhecimento da causa especial de
diminuição de pena do § 2º do art. 155 do CP e à ilegalidade na fixação de
prestação pecuniária acima do mínimo legal sem fundamentação não foram
objeto de cognição pela Corte de origem, o que obsta a sua apreciação por este
Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 3. O
"princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os
postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria
penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal,
examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que
considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a
presença de certos vetores, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do
agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento; (d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no
reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe,
em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do
Poder Público. " (HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro Celso DE Mello, DJU
19/11/2004). 4. A jurisprudência desta Corte, dentre outros critérios, aponta o
parâmetro da décima parte do salário mínimo vigente ao tempo da infração
penal, para aferição da relevância da lesão patrimonial. 5. Na hipótese, apesar
de o bem subtraído somar cerca de 21,5% do salário mínimo vigente em 2015,
considerando tratar-se de paciente primário, o qual possui, em sua folha de
antecedentes criminais, somente a anotação referente ao presente processo e
outro por posse de droga para o consumo pessoal, no qual foi concedida a
transação penal em 2009, bem como que subtraiu 1 (um) celular, que foi
devolvido à vítima antes de sua saída da danceteria, não se mostra
recomendável sua condenação, eis que evidente a inexpressividade da lesão
jurídica provocada. 6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de
absolver o paciente da conduta a ele imputada nos autos Ação Penal n.
0004426-54.2015.8.24.0012. [ ... ]
 
                                               Vejamos, de outro importe, decisões emblemáticas
do Supremo Tribunal Federal:
 
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO
FORMALIZADA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE
INDEFERIMENTO DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS
ENDEREÇADO A TRIBUNAL SUPERIOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
Nº 691/STF. SUPERAÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRISÃO EM
FLAGRANTE PELO FURTO QUALIFICADO DE 7 GARRAFAS DE
REFRIGERANTE AVALIADAS EM R$ 58,00. CONVERSÃO DA
PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. DESPROPORCIONALIDADE. PRISÃO
PREVENTIVA COMO ULTIMA RATIO. ILEGALIDADE. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO. MANUTENÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da superação da Súmula nº
691/STF nas hipóteses em que se evidencie a existência de flagrante ilegalidade
ou abuso de poder na decisão hostilizada, o que ocorre na hipótese. 2. O
recorrente é processado pelo furto qualificado de 7 garrafas de refrigerante,
avaliadas em R$ 58,00, restituídas à vítima, logo após a prática delitiva, sem
mácula, o que revela, de forma inexorável, a reduzida lesão ao bem jurídico
tutelado, o que sinaliza o não preenchimento requisitos de cautelaridade
previstos no art. 312 do CPP e também a impossibilidade da fixação de regime
prisional mais severo, caso reste o paciente condenado ao cabo da instrução
processual. Precedentes. 3. Ao tempo em que a análise da incidência do
princípio da insignificância submete-se ao exame prévio das instâncias
ordinárias, haja vista a fase embrionária em que o feito se encontra e as
peculiaridades do caso concreto (reincidência e qualificadoras aplicáveis ao
furto), a manutenção de prisão preventiva pelo furto de refrigerantes avaliados
em R$ 58,00 é ilegalidade flagrante, sanável ictu oculi. 4. Agravo regimental
desprovido. [ ... ]
 
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
Penal. Furto simples: Incidência do princípio da insignificância pelas
circunstâncias específicas do caso. Reincidência. Mínima ofensividade da
conduta. Irrelevância penal. Precedentes. Ordem concedida de ofício em favor
do paciente/agravado. Agravo regimental ao qual se nega provimento. [ ... ]
 
                                               Em arremate, no caso específico, a absolvição pela
atipicidade de conduta é de rigor.                                
                                                                                              
(3)
 DA ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA
 
–  O Paciente não ostenta quaisquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP
- Ilegalidade da convolação da prisão em flagrante para prisão preventiva
 
                                               Saliente-se, primeiramente, que o Paciente é primário,
de bons antecedentes, com ocupação lícita e residência fixa. Como prova disso,
acostam-se documentos com esse propósito. (docs. 10/15)
 
                                               Não há nos autos do processo, maiormente na peça
exordial acusatória -- nem assim ficou demonstrado no despacho ora guerreado
--, quaisquer motivos que implicassem na decretação da prisão preventiva do
Paciente. Sendo assim, possível a concessão do benefício da liberdade
provisória, com ou sem fiança. (CPP, art. 310, inc. III)
 
                                               Por esse norte, concessa venia, inarredável que a
decisão convolatória é despida de motivação. Ilegal, por isso.
                                              
–  O decisório se limitou a apreciar a gravidade abstrata do delito
- Houve a decretação da prisão preventiva, sem a necessária fundamentação
                                                
                                                Extrai-se da decisão combatida que a mesma se
fundamentou unicamente em uma gravidade abstrata do delito. Nada ostentou,
portanto, quanto ao enquadramento em uma das hipóteses que cabível se
revelaria a prisão cautelar. (CPP, art. 312)
 
                                               Nesse ínterim, a Autoridade Coatora, nobre Juiz de
Direito operante na 00ª Vara da Cidade, não cuidou de estabelecer qualquer
liame entre a realidade dos fatos, colhida dos autos, e alguma das hipóteses
previstas no art. 312 da Legislação Adjetiva Penal.
 
                                               Não é preciso muitas delongas para se saber que é
regra fundamental, extraída da Carta Magna, o dever de todo e qualquer
magistrado motivar suas decisões judiciais, à luz do que reza o art. 93, inc. IX da
Constituição Federal. Assim, por mais esse motivo, é imperiosa uma decisão
devidamente fundamentada acerca dos motivos da permanência do Paciente no
cárcere, mais ainda sob a forma de segregação cautelar.
 
                                               Nesse azo, o Julgador, ao decretar a prisão preventiva,
mesmo diante da absurda e descabida pretensa alegada gravidade do crime,
deveria motivar sua decisão.
                                   
                                               Ao contrário disso, lamentavelmente não se cuidou de
elencar quaisquer fatos ou atos concretos que representassem minimamente a
garantia da ordem pública. Igualmente, não há indicação, concreta, seja o
Paciente uma ameaça ao meio social, ou, ainda, que o delito fosse efetivamente
de grande gravidade que trouxesse o pretenso clamor da coletividade social.
 
                                               Ademais, inexiste qualquer registro de que o Paciente
cause algum óbice à conveniência da instrução criminal, muito menos se
fundamentou acerca a necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal. Não
bastasse isso, inexistem dados (concretos) de que esse, solto, poderá se evadir
do distrito da culpa.
 
                                               Dessarte, o fato de se tratar de imputação de “crime
grave”, como aludido no decisório, não possibilita, por si só, a decretação da
prisão preventiva.
 
                                               Colhemos, pois, as lições doutrinárias de Eugênio
Pacelli de Oliveira, o qual, destacando linhas acerca da necessidade de
fundamentação no decreto da prisão preventiva, assevera ipsis litteris:
 
            Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro,
na proteção do ofendido, e, depois, na garantia da qualidade probatória, a prisão
preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando
impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros
possam colocar em risco a efetividade do processo.
            A prisão preventiva, por trazer como conseqüência a privação da
liberdade antes do trânsito em julgado, somente se justifica enquanto e na
medida em que puder realizar a proteção da persecução penal, em todo o seu
iter procedimental, e, mais, quando se mostrar a única maneira de satisfazer
tal necessidade.
(...)
            Em razão da gravidade, e como decorrência do sistema de garantias
individuais constitucionais, somente se decretará a prisão preventiva ‘por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.’,
conforme se observa com todas as letras no art. 5º, LXI, da Carta de 1988.
[ ... ]
( os destaques são nossos )
Em nada discrepando desse entendimento, com a mesma sorte de
entendimento lecionam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, verbo ad
verbum:
 
O art. 315 do CPP exige fundamentação no despacho que decreta a medida
prisional. Tal exigência decorre também do princípio constitucional da
motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). O magistrado está obrigado
a indicar no mandado os fatos que se subsumem à hipótese autorizadora da
decretação da medida. Decisões vazias, com a simples reprodução do texto da
lei, ou que impliquem meras conjecturas, sem destacar a real necessidade da
medida pelo perigo da liberdade, não atendem à exigência constitucional,
levando ao reconhecimento da ilegalidade da prisão. [ ... ]  
 

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