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Resolução Caso Prático - distinção de figuras afins

Face ao enunciado apresentado estamos perante uma situação em que é possível discutir a
distinção entre o contrato de trabalho e uma das suas figuras afins.

Na presente situação o prestador de atividade (Vitor) pretende ser reconhecido como


trabalhador, isto é, que tem contrato de trabalho celebrado com o Coliseu do Porto.

Assim, sendo pretensão do prestador da atividade ver reconhecido um vínculo laboral com o
beneficiário da mesma, importa saber se a relação constitui um contrato de trabalho ou uma das
suas figuras afins, designadamente o contrato de prestação de serviços (art.º 1154.º e ss do CC)
e as suas três modalidades, isto é, o mandato (art.º 1157.º e ss do CC), o depósito (art.º 1185.º e
ss do CC) e a empreitada (1207.º e ss do CC).

Relativamente ao contrato de mandato e, tendo em consideração o seu objeto que se


consubstancia na prática de um ou mais atos jurídicos (art.º 1157.º do CC), o que não se verifica
no caso em apreço, desde já podemos excluir esta possibilidade.

De igual modo, podemos desde já excluir o contrato de depósito pois o seu objeto consiste na
guarda de uma coisa e a sua posterior devolução (art.º 1185.º, do CC).

No que toca ao contrato de empreitada o seu objeto encontra-se fixado no art.º 1207.º do CC,
como sendo o “… contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa
obra, mediante um preço”, verificamos que o seu objeto se enquadra nos elementos do
enunciado, não sendo assim possível, para já, excluir o mesmo.

Assim, constituindo esta uma das modalidades da prestação de serviços (art.º 1155.º, do CC) e,
consequentemente uma modalidade especial da mesma, atendendo ao princípio de que o
especial prevalece sobre o geral (prestação de serviços – art.º 1154.º, do CC), vamos subsumir a
análise do presente caso à verificação dos pressupostos entre um contrato de trabalho e um
contrato de empreitada.

Da noção de contrato de trabalho estabelecida no art.º 1152.º do CC e art.º 11.º do CT,


resultam, desde logo, as seguintes características:

• Trata-se de um negócio jurídico nominado e típico na medida em que a lei lhe atribui
um nome e lhe dispensa regulamentação própria e autónoma.
• É um negócio jurídico bilateral e enquanto produto da autonomia privada resulta de
um acordo de vontades contrapostas (de ambas as partes), que originam uma relação
obrigacional complexa já que da mesma emergem obrigações principais (a obrigação de
uma prestar a atividade e de a outra pagar a retribuição), bem como deveres
secundários e acessórios de conduta. Por gerar direitos e obrigação para ambas as
partes, é sinalagmático.
• É um negócio jurídico casual porque as obrigações das partes estão na dependência de
uma causa (não valem por si próprias) e de execução continuada porque gera obrigações
que se protelam no tempo.

Assim, é um negócio jurídico bilateral, pelo qual uma pessoa singular se obriga a prestar uma
atividade humana, intelectual ou manual, correspondente a uma prestação de facto e que por

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isso se traduz numa obrigação de meios, ou seja, uma obrigação que impõe o prosseguimento
de uma atividade independentemente da obtenção do seu fim. Nestes termos podemos dizer
que o risco corre por conta do empregador que pode ser uma pessoa singular ou coletiva.

• A atividade é desenvolvida a título oneroso para ambas as partes, quer porque o


trabalhador suporta o sacrifício relativo ao desempenho da sua atividade e o
empregador quanto à retribuição a pagar, a qual é obrigatória, mesmo que o trabalhador
dela prescinda.
• A atividade do trabalhador assenta na subordinação jurídica para com o empregador.
No entanto, o exercício do seu poder de direção e o correspondente dever de obediência
conhecem limites conforme resulta do art.º 126.º do CT.

Por outro lado, o contrato de empreitada consiste na realização de uma obra certa e
determinada, realizada a título oneroso (art.º 1207.º CC), devendo o empreiteiro realizar a
mesma de acordo com o que foi convencionado, sem vícios que lhe reduzam o valor ou a
aptidão para o uso a que se destina (art.º 1208.º CC), o que significa que o mesmo tem uma
obrigação de resultados, correndo o risco por sua conta.

O dono da obra pode fiscalizar a execução da mesma desde que não perturbe o seu normal
andamento (art.º 1209.º, n.º 1), de onde resulta que o empreito não tem subordinação jurídica
para com aquele.

Por via de regra, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CC, cabe ao trabalhador fazer
prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho e, para invocar a sua qualidade de
trabalhador, incumbe-lhe provar que exerce uma atividade remunerada para outrem, sob
autoridade e direção do beneficiário.

No entanto, como esta prova é, muitas vezes, difícil de se fazer, o legislador, introduziu na lei um
instrumento que podemos entender como um método indiciário da presunção da existência de
um contrato de trabalho, designadamente através da verificação de algumas das características
elencadas nas alíneas a) a e) do art.º 12.º do CT.

a) Da análise destas resulta que o Vitor desenvolve a atividade no Coliseu do Porto (local
que pertence ao beneficiário a atividade), verificando-se cumprido o requisito da alínea
a);
b) os materiais relativos aos trabalhos executados no coliseu são fornecidos pelo
beneficiário da atividade, cumprindo-se o requisito da alínea b);
c) o facto de os trabalhos que se realizem no Coliseu deverem ser executados no período
de funcionamento deste (entre as 11H00 e as 21H00), não é suficiente para afirmar que
os mesmos definem o horário de trabalho do prestador da atividade e, deste modo, não
se mostra verificado o requisito da alínea c);
d) resulta que pela atividade desenvolvida o Vitor receberá uma retribuição mensal (logo
periódica) de 600,00€, o que faz com que se verifique preenchido o requisito da alínea
d);
e) o Vitor pode escolher um colaborador que será contratado pelo Coliseu do Porto. Ao ser
contratado pelo Coliseu o ajudante passaria a fazer parte da estrutura orgânica daquele
e, tendo o Vitor, relativamente ao ajudante, funções de direção e de chefia, mostra-se
verificado o requisito da alínea e).

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Assim, em face do exposto podemos concluir pela verificação da presunção da existência de um
contrato de trabalho entre o Coliseu do Porto e o Vitor.

No entanto, conforme se infere do disposto no art.º 349.º do CC “presunções são ilações que a
lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, mas as
presunções legais, como a do art.º 12.º do CT, podem, todavia, ser ilididas mediante prova em
contrário (art.º 350.º, n.º 2 do CC) a qual cabe ao Coliseu (art.º 342.º, n.º 1, do CC) e, analisando-
se os requisitos das alíneas a) a e) do art.º 12.º do CT, concluímos que:

⎯ como os trabalhos também podem ser realizados no atelier do Vitor, o qual não pertence
ao beneficiário da atividade não se mostra verificado o requisito da alínea a);
⎯ sempre que os trabalhos fossem realizados no atelier os materiais seriam por conta do
Vitor o que contraria o requisito da alínea b);
⎯ o horário de funcionamento do Coliseu não determina o horário de trabalho do Vitor,
pelo que não se verifica o requisito da alínea c);
⎯ a prestação fixa representa um adiantamento do preço, sendo o mesmo definido a final
em função da prestação variável o que impossibilita a verificação do requisito da alínea
d);
⎯ o ajudante requisitado pelo Vitor pertence aos quadros do Coliseu e não responde sob
direção daquele.

Face ao exposto podemos concluir pelo afastamento da presunção da existência de um


contrato de trabalho.

Aqui chegados e face à impossibilidade de se determinar efetivamente qual o negócio jurídico


subjacente à factualidade descrita no enunciado resta-nos abrir mão da figura da subordinação,
a qual pode ser económica ou jurídica. Relativamente à subordinação jurídica devemos atender
às suas três dimensões, designadamente a alienabilidade, o dever de obediência e a sujeição ao
poder disciplinar.

1. a alienabilidade que consiste na característica pelo qual o prestador da atividade aliena a


sua atividade ao beneficiário e, que em face da matéria em análise, não nos permite
afastar qualquer uma das possibilidades;
2. o dever de obediência que consiste no dever do prestador da atividade obedecer ao
beneficiário da mesma. Ora, no presente caso, o Vitor tem a obrigação de alterar os
cenários sempre que a direção artística assim o entendesse, pelo que podemos concluir
que o mesmo tem, para com o beneficiário da atividade um dever de obediência. Assim,
existindo um dever de obediência existe necessariamente subordinação jurídica que é
uma característica exclusiva dos contratos de trabalho.

Face a tudo o que se disse podemos concluir que a relação entre o Vitor e o Coliseu do Porto é
uma relação laboral (contrato de trabalho).

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