Você está na página 1de 6

16.

Normas de recepção
As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica
nacional para atribuir competência aos tribunais judiciais para o conhecimento de uma certa questão. As
normas de conflitos que definem as condições em que os Tribunais do foro são competentes para a
apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens jurídicas podem designar-se por
normas de recepção. É essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência
internacional dos tribunais moçambicanos depende da verificação dos seguintes critérios:
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos Tribunais de uma certa ordem
jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma
conexão relevante com uma ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção, como
do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar a
competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a
conexão com uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicação do
direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer paralelismo necessário entre a atribuição da
competência internacional e a aplicação da lei material do foro.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os tribunais de uma jurisdição
nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de
competência, porque não a atribuem a um tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que
uma jurisdição nacional faculta os seus tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos
internacionais. As normas de recepção preenchem, no âmbito processual, uma função paralela àquela que
as normas de conflitos realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma
relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no âmbito da competência internacional
(porque o objecto em apreciação é uma relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios
específicos da competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de uma certa
ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência internacional dos Tribunais de um certo
Estado, é indispensável que se verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional
seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por nenhuma das normas da
competência territorial e que, portanto, não possa ser atribuída competência aos Tribunais de um certo
Estado utilizando exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado
do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se limitam a facultar
os tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem
competência aos tribunais de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do processo, ou subjectiva, referida
às partes em causa, com uma ou várias ordens jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a
competência internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às situações em que
os Tribunais portugueses não são competentes segundo as regras da competência interna, pois que, como
se verificou, só importa averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem
jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada segundo as suas regras
de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada, segundo uma ordem
decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu
(art. 65º/1-a CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando os Tribunais
portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A
competência internacional resulta, assim, da coincidência com as regras de competência exclusiva
constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses através de uma
reserva de jurisdição e, portanto, de soberania. Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública
do Estado do reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território
português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência, relativamente a pessoas
domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território
português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou ao decretamento da
dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede em território português, bem como
para as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da validade da inscrição em registos
públicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses reside no seguinte: como, nessa
hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a
acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa
jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica
portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio, imediatamente eficaz na ordem
jurídica portuguesa; para que se lhe conceda essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos
termos e nas condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras (arts. 1094º a
1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art. 1096º CPC, para a concessão do exequatur
à sentença estrangeira consta que essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma
das Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência
exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos Tribunais portugueses quando o réu
ou algum dos réus tenha domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos
reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação das regras da competência
territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, o critério do domicílio do
demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem
competentes segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais (arts. 85º a 87º CPC): o
critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC).
Assim, se à acção for aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de aplicação do critério do
domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a
aplicação desse critério de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não
tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá resultar do critério de competência
internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a competência internacional nunca pode
ser determinada pelo critério do domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial
torna dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é impossível empregar o
critério territorial, também é impossível aplicar aquele critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais, também aqui são viáveis duas
situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta a atribuição de competência a um Tribunal
português, não importa averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum dos
critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta for aplicável um critério
especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-
se aferir a competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) nunca é aplicável
quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e também não pode ser aplicado quando um critério
territorial especial atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de domicílio do
demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério
territorial especial e da aplicação deste não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à determinação da competência
segundo o critério do domicílio do demandado não pode operar no âmbito de aplicação material das
Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do domicílio do demandado,
considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em
território português ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando o facto que integra a
causa de pedir, ou algum dos factos que a constituem, tiver sido praticado em território português (art.
65º/1-c CPC). Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando,
apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos danos se produziram em Portugal (RC –
23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).
20. Critério da necessidade
Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando uma situação
jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser
reconhecida em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se
obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade de encontrar um Tribunal competente para a
apreciação da acção: verifica-se então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de Tribunal
competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens
jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais portugueses são
internacionalmente competentes segundo o critério da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar
cada uma das situações previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art. 65º-
A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1 Convenção de Bruxelas e de
Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial (arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo critério da causalidade ou da
necessidade, também há que averiguar qual dos Tribunais portugueses é o territorialmente competente.
Para a determinação deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser concedida a
dupla funcionalidade característica das normas sobre a competência territorial, porque, de outro modo, a
competência internacional dos Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será
demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será
demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente
para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se encontrar em território português,
é territorialmente competente o Tribunal do local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte
CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português, é
territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português e se o
autor também tiver domicílio em território estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa
(art. 85º/3 in fine CPC).

A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a competência interna


respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica mocambicana, não possuem qualquer conexão
relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam
uma conexão com outras ordens jurídicas.

Você também pode gostar