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L. Carvalho Fcrnandes
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Generalidades
1. Colocação do tema da exposição e razão de ordem
1. A análise da realidade social revela que, com alguma frequência,
sobretudo nas obras de maior vulto ou de maior complexidade, o em
preiteiro se socorre, na sua execução, do concurso de terceiros, para
além daqueles com quem mantém, como é normal, um vínculo laborai.
São, segundo a designação corrente, os subempreiteiros e os tarefeiros',
estes últimos enquadráveis na designação genérica de auxiliares usada
no n.° 2 do art.° 1213."2, o que, como adiante se dirá, não deixa de envol
ver algumas consequências relevantes.
2. Noção de subempreitada
I. O n.° 1 do art." 1213.° define o contrato de subempreitada como
aquele «pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a reali
zar a obra a que este se encontra vinculado, ou parte dela».
É fácil extrair deste preceito os elementos que permitem a ajusta
da qualificação deste negócio jurídico e, desde logo, dar como as
sente que ele pressupõe um contrato de empreitada do qual se man
tém distinto, muito embora ambos tenham uma parte comum, o em
preiteiro.
Na subempreitada são partes o empreiteiro e um terceiro, o subem
preiteiro5. A imediata consequência a retirar deste ponto é a de o dono
da obra ser alheio ao contrato de subempreitada, quaisquer que sejam as
consequências que da sua existência possam emergir quanto às suas re
lações com o empreiteiro e, mesmo, com o subempreiteiro. Em suma,
na subempreitada não há vínculo directo entre o dono da obra e o su
bempreiteiro6.
’ Como assinalam Pires de Lima e Antunes Varela {Código Civil Anotado, vol. i,
4." ed. rcv. c act., c/col. M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pág. 245), o art. 264."
contempla dois casos: o de substituição do procurador c o dc este pretender apenas
socorrer-se de auxiliares na execução da procuração. É o regime do primeiro caso que
sobretudo interessa à subempreitada, uma vez que nele também existe um subcontra
to, dito substabelecimento.
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3. Admissibilidade
I. Uma verdadeira questão prévia do regime da subempreitada é a da
sua admissibilidade, ou seja, o problema de saber se o empreiteiro é
livre de celebrar o correspondente contrato ou se isso depende de autori
zação do dono da obra. Como é manifesto, não está aqui em causa a
possibilidade de existir autorização do dono da obra (cfr. art. 264.1’, n.“ l)s,
mas sim determinar se ela é ou não necessária.
A questão prende-se com a qualificação da empreitada como contra
to intuitus personae, mas não pode deixar de se levar em conta o regi
me subsidiário do n." 1 do art. 264.", aplicável por remissão do n." 2 do
art. 1213."
Não custa admitir que as qualidades pessoais do empreiteiro são, por
vezes, factor determinante na celebração e na fixação do conteúdo e
respectivo regime do contrato dc empreitada. Contudo, em si mesmo,
como categoria jurídica, o intuitus personae não pode ser visto como
elemento qualificador da empreitada. Ao menos assim tem de se enten
der de iure condito, sob pena de perder sentido o regime do n." 1 do
art. 1230." Se a morte ou a incapacidade do empreiteiro só relevam,
como causa de extinção da empreitada, se as suas qualidades pessoais
tiverem sido tomadas em conta na celebração do contrato, tal implica
que elas não são necessariamente determinantes do seu regime9.
Contudo, o regime subsidiário do n.” 1 do art. 264.", para além do caso de
autorização expressa, condiciona a substituição do empreiteiro pelo subem
preiteiro ao que resultar do conteúdo do contrato ou da relação jurídica que o
determina. O ajustamento deste regime ao caso particular da subempreitada
faz-se no sentido de a sua celebração ser possível quando a qualidade dos
trabalhos a executar, por razões de ordem técnica ou outras, não estejam ao
alcance do empreiteiro ou, ainda, quando da lei ou dos usos resulte a necessi
dade de os trabalhos serem feitos com intervenção de terceiros.
Assim, deve entender-se que a celebração da subempreitada não de
pende, necessariamente, de autorização do dono da obra, ficando a car-
8 O que se diz no texto não significa também que seja irrelevante a existência
dessa autorização; bem pelo contrário, como adiante se verá, o facto de ela ter sido
concedida pode interferir com o regime da subempreitada.
9 Cfr., a este respeito, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol, n, págs. 804 e
834, P. Romano Marlinez, Contrato de Empreitada, Coimbra, 1994, págs. 121-122, e
A. Pereira de Almeida, Direito Privado II (Contrato de Empreitada), AAFDL. Lisboa,
1983, pág. 19.
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go deste demonstrar que ela não é admitida por a empreitada ter sido !
celebrada intuitu personae. Neste caso, a inadmissibilidade da substi
tuição do empreiteiro pelo subempreiteiro, perante o dono da obra, de
corre logo do regime geral do n.° 2 do art. 767.°, uma vez que o credor
não pode ser, então, constrangido a receber a prestação de terceiro.
4. Modalidades
I. Sob a designação genérica de subempreitada abarcam-se, na reali
dade da vida, situações muito diversas, fundadas, não tanto como acima
já referido, no volume ou natureza dos trabalhos, mas antes no modo
como se articulam os contratos de empreitada e de subempreitada.
No fundo, está em causa a maior ou menor autonomia negociai do
empreiteiro, tanto pelo que respeita à celebração do contrato de subem
preitada, como à selecção do subempreiteiro. Podem verificar-se aqui
várias formas de articulação da vontade do dono da obra com a do em
preiteiro.
Num dos extremos, colocam-se os casos em que o dono da obra não
interfere na celebração da subempreitada, não dependendo também o
empreiteiro da sua autorização para a selecção do subempreiteiro. No ou
tro, situam-se os casos em que só com autorização do dono da obra a
subempreitada pode ter lugar, reservando-se este o direito de escolher o
subempreiteiro. No largo intervalo entre estas duas hipóteses, muitas ou
tras se podem identificar, consoante o dono da obra se limite a fixar, gene
ricamente, requisitos que os subempreiteiros devem preencher, ou a indi
car listas sobre as quais deve recair a selecção do empreiteiro, ou se reser
ve a faculdade de seleccionar, ele próprio, os subempreiteiros, seja ou não
entre os indicados pelo empreiteiro, ou de aprovar a escolha por este feita.
6. Figuras afins"
I. A subempreitada deve, antes de tudo o mais, demarcar-se da ces
são da posição contratual do empreiteiro.
Como resulta do que antes ficou dito, a destrinça não se estabelece em
função do objecto do contrato, muito embora neste plano seja de anotar
alguma diferença. Assim, tanto num caso como noutro, o objecto pode ser
o mesmo, como acontece na subempreitada total. Contudo, a subemprei
tada pode ser apenas parcial, no sentido de ao empreiteiro ficar reservada
a execução de uma parte da obra, o que não acontece na cessão da posição
contratual; esta tem sempre por objecto todas as situações activas e passi
vas do cedente, tal como elas existem no momento da cessão.
Em suma, a partir desta última nota fácil é descortinar a verdadeira
distinção entre as duas figuras: esta estabelece-se com base noutro crité
rio, do qual emergem, como corolários, algumas diferenças com inci
dência objectiva.
Em verdade, na subempreitada há dois negócios distintos, embora
ligados — o contrato base e o contrato derivado —, pelo que, mesmo
12 Por isso a cessão, qua tale, é uni contrato diferente daquele de que emerge a
posição contratual cedida, seguindo o seu regime o «do tipo de negócio» que ela
reveste (compra c venda, doação, dação em cumprimento, etc.) (art. 425.“).
13 Aqui cabe ainda distinguir consoante os vários empreiteiros actuem a título
individual, isoladamente, ou unidos em consórcio.
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14 Em qualquer dos casos, o empreiteiro geral desempenha uma função que sc não
confunde com a correspondente ao exercício do direito de fiscalização reconhecido ao
dono da obra, embora possa existir alguma sobreposição entre estas duas realidades.
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II
Regime jurídico da subempreitada
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7. Razão de ordem
A existência, na subempreitada, de dois contratos distintos — o con
trato principal e o contrato derivado — faz com que deste nasçam, como
é manifesto, relações entre o empreiteiro e o subempreiteiro, em relação
às quais, em princípio, o dono da obra é terceiro.
Por outro lado, o contrato de subempreitada, visto isoladamente, en
quanto subcontrato, segue, nas relações entre o empreiteiro e o subem
preiteiro, o regime da empreitada, porquanto por via dele fica o subem
preiteiro obrigado para com o empreiteiro a realizar certa obra contra o
pagamento de determinado preço. O mesmo se pode dizer do regime da
relação jurídica dele emergente. Assim, grosso modo, é como se o em
preiteiro ocupasse, perante o subempreiteiro, a posição de dono da obra.
A partir desta ideia geral, que preside às relações entre o empreiteiro
e o subempreiteiro, dir-se-ia não haver mais do que, mutatis mutandis,
transpor para esse plano o regime que preside ao contrato de empreita
da. Contudo, razões de duas ordens perturbam a aplicação desta regra,
nos termos singelos acima expostos. I
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16 Neste sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. n, pág. 828.
17 Questão diversa, adiante abordada, é a de saber se o dono da obra tem também o
direito de fiscalizar a execução da subempreitada.
*" Note-se que isso não significa que o empreiteiro não tenha, quanto ao subem
preiteiro, finda a subempreitada, a faculdade prevista no n.“ 2 do art. 1209.”
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20 Cfr., a este respeito, Pires de Lima c Antunes Varela, ob. cit., vol. n, pág. 805, e
A. Pereira de Almeida, ob. cit., pág. 20.
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26 Por maioria de razão, a solução exposta no texto vale para o «aumento do pre
ço» que for devido pelo dono da obra, quando lixado por autorização escrita dada pelo
dono da obra, nos lermos do n." 2 do art. 1214."
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II. Firmada esta posição, o ponto específico sobre que importa tomar posi
ção não pode ser respondido à revelia do regime de aquisição da propriedade
da obra na empreitada, em geral, e na subempreitada, em particular.
30 Cfr., nesic sentido. Pires de Lima c Antunes Varela, ob. cil., vol. u, pág. 803.
Prevalecem aqui, a nosso ver, razões ligadas às caracteristicas dos direitos reais, como
afirmámos cm Lições de Direitos Reais, 2? ed. rcv. c act., Lisboa, 1997, págs. 55-56.
31 Já menos provável, embora não seja também de configurar como simples hipótese
académica, é a de o solo pertencer ao subempreiteiro. Neste caso, valendo o que de
seguida se diz no texto, há apenas que anotar que o solo, bem como os materiais nele
incorporados, sejam eles fornecidos pelo dono da obra, peio empreiteiro ou pelo subem
preiteiro, pertencem sempre a este, enquanto o solo não for adquirido pelo empreiteiro
ou pelo dono da obra. Notc-sc, porém, que, sendo a aquisição feita em favor do emprei
teiro, nas subsequentes relações deste com o dono da obra, o pretenso contrato de em
preitada entre eles celebrado mal se distinguirá de uma compra c venda.
32 Ob. cit., vol. li, pág. 803.
33 Este regime vale mesmo sendo os materiais fornecidos pelo dono da obra, ha
vendo, neste caso, um contrato autónomo de fornecimento, como sustentam os AA.
cits. na nota ant. (ibidem).
34 Cfr. O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, in O Direito, ano 106.“-
-119.“ (1974-1987), págs. 21-22.
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