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DALILA GOMES PATRÍCIO

DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS


2019/2020
DIP – RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS – AFONSO PATRÃO

CASO PRÁTICO 1

INTRODUÇÃO:

O objeto do DIP são as relações jurídicas internacionais ou relações


plurilocalizadas, isto é, aquelas que têm contacto com diferentes OJ. Neste caso, estão
em contacto vários OJ: francês, alemão, espanhol e português.

O DIP ocupa-se, essencialmente, de três grandes problemas: competência


internacional, lei aplicável e reconhecimento de sentenças estrangeiras. Partindo do
princípio de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes,
cumpre-nos determinar a lei competente para solucionar a controvérsia.

Segundo o princípio da não transatividade, não podemos aplicar à situação


jurídica uma lei que não tenha ligação territorial com esta. Ora, neste caso, a solução
terá de ser dada pela lei de um dos OJ identificados.

Apesar de existirem vários métodos de determinação da lei aplicável, em Portugal


vigora um pluralismo metodológico que tem por base o método conflitual. O método
conflitual aplica regras de conflitos, isto é, normas do Estado do foro que escolhem a lei
aplicável à controvérsia internacional, de entre aquelas procedentes dos sistemas de
direito em contacto, segundo um critério de justiça formal (lei mais próxima ou lei que
tem uma ligação mais forte ao caso).

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 46º CC, cujo conceito-quadro
é “regime da posse, propriedade e demais direitos reais”. O elemento de conexão é o
local da situação da coisa; as propriedades são no Algarve, Portugal, por isso a lei
portuguesa é a lei competente para responder ao caso.

Concluindo, nos termos da lei portuguesa, a construção até à extrema e a


abertura de janelas são proibidas.

CASO PRÁTICO 2

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º, cujo conceito-quadro é


“capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a nacionalidade do
nubente (art. 31º/1). A tem duas nacionalidades – austríaca e saudita; segundo o art.
28º LEI NACIONALIDADE, considera-se, para o efeito, que A tem apenas nacionalidade

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saudita, pois é na Arábia Saudita que tem a sua residência habitual. Neste sentido, a
lei competente para determinar a capacidade de A para casar é a lei saudita; segundo
esta, A necessita de autorização do pai para casar, pois ainda não tem 21 anos.

O sistema de conflitos positivos de nacionalidade é, contudo, limitado pelo DUE


(Acórdão Micheletti): se estiver em causa um direito conferido pela cidadania europeia
e a pessoa for nacional de um EM, é considerada cidadão europeu para esse efeito, ou
seja, nacional de um EM. Neste caso, não está em causa um direito conferido pela
cidadania europeia, por isso não se aplica esta correção dos arts. 27º e 28º LN.

CASO PRÁTICO 4

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art.3º/1 ROMA I, cujo conceito-


quadro é “obrigações contratuais”. Preenchem-se os âmbitos de aplicação material (art.
1º/1, 2), espacial (art. 2º) e temporal (art. 28º). O elemento de conexão é a escolha das
partes; falamos de uma autonomia conflitual ilimitada. Neste caso, as partes escolherem
como lei aplicável a lei australiana.

Segundo a lei australiana, o contrato é válido (esta não coloca qualquer entreva
neste tipo de contrato) e, por isso, B será responsabilizado por incumprimento
contratual.

Contudo, a lei queniana tem uma NANI que proíbe a comercialização dos dentes
de elefante, estabelecendo o seu próprio âmbito de aplicação a todos os contratos,
mesmo àqueles em que não é competente a lei queniana. As NANI são normas materiais
que autolimitam o seu âmbito de aplicação espacial, tendo em conta os interesses
político-legislativos do Estado (espacialmente autolimitadas), a mais casos do que
aqueles em que a sua lei é competente.

O juiz deve sempre obedecer e respeitar as NANI da lei do foro, pois estas,
enquanto normas materiais (posição da ESCOLA DE COIMBRA), aplicam-se
independentemente das regras de conflitos, ou seja, sobrepõe-se ao regime designado
pela regra de conflitos. Todavia, a NANI em causa é estrangeira. Existem quatro teses
sobre a aplicação de NANI estrangeiras. Neste caso, uma vez que estamos no âmbito de
um contrato abrangido pelo ROMA I, temos de atender ao critério estabelecido no art.
9º/3: o juiz pode aplicar a NANI estrangeira do país onde o contrato deve ser executado,
se esta considerar a execução do contrato ilegal.

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Concluindo, se o lugar de cumprimento da obrigação de entrega for no Quénia, o
juiz pode convocar a NANI que proíbe a comercialização os dentes de elefante e
considerar o contrato nulo. Neste sentido, B não é responsabilizado.

CASO PRÁTICO 5

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes


aplicáveis a matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 53º CC é “regime de bens”. O


elemento de conexão é a nacionalidade dos nubentes ao tempo da celebração, mas como
A e B não têm a mesma nacionalidade, aplicamos o elemento de conexão subsidiário do
nº2: “primeira residência conjugal” (não sabemos se à data do casamento tinham a
mesma residência). A lei competente para regular o regime de bens do casal é a lei
portuguesa.

Por outro lado, o conceito-quadro da regra de conflitos do art. 21º RUE nº


650/2012 é “sucessões”. O elemento de conexão é a residência habitual no momento
do óbito e, por isso, a lei competente para regular a sucessão de C é a lei argentina.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Confrontamo-nos com o problema da qualificação (que se insere no âmbito da


determinação da lei aplicável). No momento de aplicação da regra de conflitos, é
necessário averiguar se as normas materiais dos sistemas jurídicos potencialmente
aplicáveis (normas argentinas e norma portuguesa) correspondem ou não ao âmbito de
aplicação definido e delimitado pelo conceito-quadro.

O problema da qualificação subdivide-se no problema do critério da qualificação


(ou da interpretação do conceito-quadro da regra de conflitos) e no problema do objeto
da qualificação.

No primeiro, a doutrina portuguesa propõe uma interpretação autónoma e


teleológica do conceito-quadro de acordo com a lex formalis fori, ou seja, o conceito
técnico-jurídico que define e delimita o âmbito de aplicação da regra de conflitos deve
ser interpretado autonomamente face ao direito material do foro e atender à ratio legis
subjacente à regra de conflitos. No caso concreto, “regime de bens” e “sucessão” não
correspondem exatamente à interpretação feita no direito material do foro, pois estes
conceitos técnico-jurídicos integram figuras afins às do foro.

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No segundo, quanto aos preceitos jurídico-materiais aplicáveis, o art. 15º CC
indica um chamamento circunscrito da lei designada pela regra de conflitos, ou seja,
apenas são chamadas a resolver a situação as normas que, pelo seu conteúdo e função,
se subsumem ao conceito-quadro da regra de conflitos. A qualificação propriamente dita
segundo o art. 15º CC é um reflexo da politização do DIP.

Neste sentido, aplicamos as normas da lei portuguesa que pelo seu conteúdo e
função digam respeito ao regime de bens; e as normas da lei argentina que pelo seu
conteúdo e função digam respeito à sucessão.

Quer as normas argentinas, quer a norma portuguesa, reconduzem-se ao


conceito-quadro do art. 53º CC (determinam se os bens herdados por um dos cônjuges
são comuns ou próprios, quando vigora a comunhão de adquiridos). Como esta regra
de conflitos escolhe como lei competente a lei portuguesa, é o art. 1722º/1/b CC que
será aplicado à solução do caso (e não as disposições argentinas). Concluindo, o prédio
herdado é um bem próprio de B.

CASO PRÁTICO 6

A) INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 40º CC é “prescrição”. Estabelece-


se um elemento de conexão dependente (a lei competente é a mesma que regular a
obrigação sujeita a prescrição).

O conceito-quadro da regra de conflitos dos arts. 41º e 42º CC é “obrigações


provenientes de negócios jurídicos” (aplica-se o regime do CC e não o do ROMA I, porque
não estão preenchidos os âmbitos de aplicação material e temporal – art. 1º/1 e 28º).
Como as partes não escolheram a lei aplicável (art. 41º/1 CC), toma-se em atenção o
elemento de conexão subsidiário do art. 42º/1: residência habitual do declarante
(estamos no âmbito de um negócio jurídico unilateral e não de um contrato). A reside
em Portugal, por isso a lei competente é a lei portuguesa, quer para a matéria das
obrigações, quer para a matéria da prescrição.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre os


cônjuges”. O elemento de conexão é a nacionalidade comum (nº1) e, por isso, é
competente a lei dinamarquesa (que, neste caso, se considera competente).

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

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Neste sentido, aplicamos as normas da lei portuguesa que pelo seu conteúdo e
função digam respeito à prescrição e às obrigações provenientes de negócios jurídicos;
e as normas da lei dinamarquesa que pelo seu conteúdo e função digam respeito às
relações entre cônjuges.

O art. 309º CC reconduz-se ao conceito-quadro do art. 40º CC (estabelece um


prazo ordinário de prescrição de 20 anos, para promover a estabilização das relações
jurídicas), que considera competente a lei portuguesa, por isso aplica-se ao caso.

O art. 459º CC reconduz-se ao conceito-quadro dos arts. 41º e 42º CC (a


promessa pública é um negócio vinculativo fonte de obrigações para aquele que a
profere), que consideram competente a lei portuguesa, por isso aplica-se ao caso.

A norma dinamarquesa do prazo reconduz-se ao conceito-quadro do art. 40º CC


(estabelece um prazo de prescrição de 5 anos, também para estabilizar as relações
jurídicas), que considera competente a lei portuguesa, por isso não se aplica ao caso.

A norma dinamarquesa que a estabelece o caráter não vinculativo da promessa


pública reconduz-se ao conceito-quadro dos arts. 41º e 42º CC (a promessa pública não
produz efeitos obrigacionais, ou seja, não é fonte de obrigações), que considera
competente a lei portuguesa, por isso não se aplica.

Por fim, o art. 318º/a CC (a suspensão do prazo de prescrição durante o


casamento pretende salvaguardar a relação conjugal) reconduz-se ao conceito-quadro
do art. 52º CC, que considera competente a lei dinamarquesa, por isso não se aplica ao
caso.

Concluído, a promessa pública é um negócio vinculativo (art. 459º CC) e, por isso,
A tem obrigação de pagar a dívida a B. O prazo de prescrição da obrigação é de 20 anos
(art. 309º CC), mas não esteve suspenso durante o casamento (não se aplica o art.
318º/a CC). A obrigação prescreve em dezembro de 2019, por isso A ainda pode ser
condenada ao pagamento da dívida a B.

B) Se, pelo contrário, adotássemos a QUALIFICAÇÃO LEGE FORI, teríamos de


fazer uma qualificação primária ou de competência e uma qualificação secundária ou
material.

Primeiro, qualificamos os factos à luz da lei do foro, ou seja, determinamos a que


conceito-quadro se subsume a questão, sendo que este é interpretado de acordo com o
direito material do foro. Neste ponto, concluiríamos pela relevância do art. 318º/a CC.
Para a lei do foro esta é uma norma sobre relações entre os cônjuges, por isso

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recorremos à regra de conflitos do art. 52º CC, cujo conceito-quadro é “relações entre
os cônjuges”. A lei competente é a lei dinamarquesa.

Em seguida, qualificamos as normas, isto é, identificamos as normas da lei


competente que vamos aplicar ao caso.

AGO faz um chamamento indiscriminado, ou seja, aplicamos todas as normas da


ordem jurídica competente (dinamarquesa). Neste caso, à luz da lei dinamarquesa, o
negócio de promessa pública não é vinculativo e mesmo que fosse já tinha prescrito a
obrigação. Também não há qualquer disposição que determine a suspensão do prazo. A
seria absolvida.

Por outro lado, ROBERTSON faz um chamamento circunscrito, ou seja,


aplicamos apenas as normas que pelo seu conteúdo e função se subsumem ao conceito-
quadro da regra de conflitos. A lei dinamarquesa não tem nenhuma norma que se
reconduza ao conceito-quadro do art. 52º, pois não considera aqui um problema de
relações entre cônjuges. O autor entende que quando não é possível o chamamento
circunscrito devemos então fazer um chamamento indiscriminado. Neste caso, a
solução seria a absolvição de A.

Apesar da simplicidade deste método, apontam-se vários problemas para os quais


não há solução possível: viola o princípio da paridade de tratamento das ordens
jurídicas (só toma em atenção a posição do foro face ao problema); desarmonia
internacional (resultados diferentes); não funciona perante institutos desconhecidos; a
qualificação primária é desnecessária (a regra de conflitos já determina a lei
competente).

CASO PRÁTICO 7

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 3º/1 ROMA I é “obrigações


contratuais”. O elemento de conexão é a escolha das partes, segundo uma autonomia
conflitual ilimitada. Neste caso, as partes escolheram como cometente a lei portuguesa.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 46º CC é “regime da posse,


propriedade e demais direitos reais”. O elemento de conexão é o lugar da situação da
coisa. Neste caso, o imóvel situa-se em Berlim, Alemanha, por isso aplica-se a lei alemã,
que se considera competente à luz do seu DIP.

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QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas da lei portuguesa que pelo seu conteúdo e
função digam respeito às obrigações contratuais; e as normas da lei alemã que pelo seu
conteúdo e função digam respeito aos direitos reais.

O art. 873º BGB reconduz-se ao conceito-quadro do art. 46º CC (o registo é


requisito para a transmissão da propriedade; sistema de registo constitutivo dos direitos
reais), que considera competente a lei alemã, por isso aplica-se ao caso.

Por sua vez, os arts. 408º/1 e 879º/a também se reconduzem ao conceito-quadro


do art. 46º CC (a transmissão da propriedade dá-se por mero efeito do contrato e a
compra e venda tem como efeito a transmissão da propriedade; sistema de
consensualidade na transmissão dos direitos reais), mas não se aplicam, porque são
normas materiais portuguesas.

Concluindo, o prédio pertence a B, porque, segundo a norma alemã, a


transmissão da propriedade dá-se por efeito do registo e o imóvel ainda não foi registado
por A.

CASO PRÁTICO 8

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 56º CC é “filiação biológica”. O


elemento de conexão é a nacionalidade (art. 31º/1 CC) e, por isso, é competente a lei
portuguesa.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 60º CC é “filiação adotiva”. O


elemento de conexão é a “nacionalidade comum dos cônjuges” (nº2) – especialização do
DIP. Neste sentido, é aplicável a lei espanhola, que se considera competente, pois o DIP
espanhol considera aplicável a lei da residência do adotado (C reside em Espanha).

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas da lei portuguesa pelo que seu conteúdo e
função digam respeito à filiação biológica; e as normas da lei espanhola que pelo seu
conteúdo e função digam respeito à filiação adotiva.

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O art. 1987º CC reconduz-se ao conceito-quadro do art. 60º (proíbe a filiação
biológica depois de decretada a adoção, para proteger este instituto), que considera
competente a lei espanhola, por isso não se aplica ao caso.

Concluímos que D pode perfilhar C, pois não se aplica a proibição do art. 1987º
CC. Contudo, este resultado pode ser analisado à luz da ordem pública internacional.

Segundo o art. 22º CC, o DIP pode intervir para evitar a constituição no foro de
uma relação jurídica sujeita ao direito estrangeiro, se a aplicação da lei estrangeira
(neste caso, a não aplicação do art. 1987º CC) conduzir a um resultado (neste caso, a
perfilhação de criança adotada) manifestamente for intolerável face aos princípios
fundamentais do OJ do foro.

CASO PRÁTICO 9

A) INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 25º CC é “capacidade geral”. O


elemento de conexão é a nacionalidade. A capacidade de A é, neste sentido, regulada
pela lei italiana, que se considera competente (escolhe a lex patriae para regular a
capacidade).

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre cônjuges”.


O elemento de conexão é a residência habitual comum (nº2), visto que não têm a mesma
nacionalidade. Neste sentido, é competente a lei portuguesa para regular a relação
conjugal entre A e B.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 21º RUE nº 650/2012 é


“sucessão”. O elemento de conexão é a residência habitual no momento do óbito (nº1).
Neste sentido, a sucessão de C é regulada pela lei italiana (que se considera competente,
pois o RUE também vigora em Itália).

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas portuguesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito às relações entre os cônjuges; e as normas italianas que pelo seu
conteúdo e função digam respeito à capacidade e à sucessão.

Os arts. 1683º/2 e 1687º CC reconduzem-se ao conceito-quadro do art. 52º CC


(reduz-se a capacidade do cônjuge para repudiar a herança e cria-se uma ilegitimidade

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conjugal, de forma a tutelar o património familiar), que considera competente a lei
portuguesa, por isso aplicam-se ao caso.

As normas italianas reconduzem-se ao conceito-quadro do art. 25º CC (conferem


plena capacidade ao cônjuge para repudiar a herança), que considera competente a lei
italiana, por isso aplicam-se ao caso.

Estamos perante um CONFLITO POSITIVO DE QUALIFICAÇÃO (cúmulo


jurídico), na medida que duas regras de conflitos diferentes mandam aplicar leis
diferentes a matérias diferentes, mas estas leis têm normas simultaneamente aplicáveis
que levam a resultados incompatíveis. FERRER CORREIA propõe uma solução assente
na hierarquização das regras de conflitos: qualificação real prefere à qualificação pessoal
(a ligação das pessoas ao país de origem é mais frágil do que a ligação das coisas ao
lugar da situação); lei aplicável à substância prefere à lei aplicável à forma; e as normas
matrimoniais preferem às normas sucessórias (as primeiras produzem efeitos ao longo
da vida e as últimas só produzem efeitos a partir da morte). Como nenhum destes
critério se aplica ao caso, escolhemos entre as normas materiais incompatíveis
simultaneamente aplicáveis: lei especial prefere à lei geral; e lei nova prefere à lei antiga.

No nosso caso, concluímos que as normas especiais da lei portuguesa que


regulam o repúdio preferem às normas gerais da lei italiana que regulam a capacidade.
Ora, A carece do consentimento de B para repudiar a herança e o repúdio feito sem
consentimento é anulável.

B) Se, pelo contrário, adotássemos a QUALIFICAÇÃO LEGE FORI, teríamos de fazer uma
qualificação primária e uma qualificação secundária.

Primeiro, qualificamos os factos à luz da lei do foro, ou seja, determinamos a que conceito-quadro
se subsume a questão, sendo que este é interpretado de acordo com o direito material do foro. Neste ponto,
concluiríamos pela relevância do art. 1683º/2 CC. Para a lei do foro esta é uma norma sobre relações entre
os cônjuges, por isso recorremos à regra de conflitos do art. 52º CC, cujo conceito-quadro é “relações entre
os cônjuges”. A lei competente é a lei portuguesa.

Em seguida, qualificamos as normas, isto é, identificamos as normas da lei competente que vamos
aplicar ao caso.

AGO faz um chamamento indiscriminado, ou seja, aplicamos todas as normas da ordem jurídica
competente (portuguesa). Neste caso, à luz da lei portuguesa, exige-se o consentimento do cônjuge para o
repúdio da herança. Na falta deste, o repúdio é anulável (art. 1687º CC).

Por outro lado, ROBERTSON faz um chamamento circunscrito, ou seja, aplicamos apenas as
normas que pelo seu conteúdo e função se subsumem ao conceito-quadro da regra de conflitos. Neste caso,
chamávamos a resolver o problema os arts. 1683º e 1687º CC e a solução seria a mesma: na falta de
consentimento do cônjuge para o repúdio da herança, este é anulável.

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Apesar da simplicidade deste método, apontam-se vários problemas para os quais não há solução
possível.

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INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 25º CC é “capacidade geral”. O


elemento de conexão é a nacionalidade. Neste caso, a capacidade de A é regulada pela
lei portuguesa.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 47º CC (afloramento indireto do


princípio da maior proximidade) é “capacidade para constituir direitos reais sobre
imóveis”. O elemento de conexão é o lugar da situação da coisa. O imóvel situa-se em
Condeixa, Portugal, por isso é competente a lei portuguesa. Caso a lei indicada não se
considerasse competente, aplicava-se a lei da nacionalidade (neste caso também é a lei
portuguesa).

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre cônjuges”.


O elemento de conexão é a residência habitual comum (nº2), visto que os cônjuges não
têm a mesma nacionalidade. Surge aqui um conflito móvel ou de sucessão de estatutos:
A e B residiam em França quando casaram, mas agora residem no Luxemburgo. Este é
um problema de concretização do elemento de conexão. Segundo FERRER CORREIA,
se o legislador não imobilizou a conexão, aplica-se a lei nova, salvo se a questão remete
para a validade de uma relação jurídica constituída no passado. Neste caso, é aplicável
a lei luxemburguesa, que se considera competente à luz do seu DIP.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas portuguesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito à capacidade geral e à capacidade para constituir direitos reais sobre
imóveis; e as normas luxemburguesas que pelo seu conteúdo e função digam respeito
às relações entre os cônjuges.

Os arts. 132º e 133º CC reconduzem-se ao conceito-quadro do art. 25º CC (o


casamento desencadeia a emancipação de menor e este passa a ter plena capacidade
de exercício de direitos; atribui-se ao menor superior autonomia através do casamento),
que considera competente a lei portuguesa, por isso aplica-se.

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Conclui-se que A adquiriu, por força do casamento, capacidade de exercício de
direitos e, neste sentido, capacidade para dispor do bem imóvel que herdou. O notário
não deve considerar o negócio inválido.

CASO PRÁTICO 11

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 25º CC é “capacidade geral”. O


elemento de conexão é a nacionalidade. Neste caso, a capacidade de A é regulada pela
lei portuguesa.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre cônjuges”.


O elemento de conexão é a residência habitual comum (nº2), visto que os cônjuges não
têm a mesma nacionalidade. Também temos aqui um conflito móvel ou de sucessão de
estatutos: estamos a discutir a validade de uma relação jurídica constituída no passado
(doação), por isso aplicamos a lei da residência que tinha à data da celebração. Em
2016, A e B residem em Barcelona, Espanha. Neste caso, é aplicável a lei espanhola,
que se considera competente à luz do seu DIP (art. 9º CC espanhol).

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 53º CC é “regime de bens”. O


elemento de conexão é a primeira residência conjugal (nº2), pois os cônjuges não têm a
mesma nacionalidade, nem temos informações sobre a residência habitual. Neste caso,
é aplicável a lei espanhola, que se considera competente à luz do seu DIP (art. 9º CC
espanhol).

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 4º/2 ROMA I é “obrigações


contratuais”. O elemento de conexão é a residência habitual do contraente que efetua a
prestação característica. Neste caso, é aplicável a lei espanhola, que se considera
competente por também aplicar este RUE.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas portuguesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito à capacidade geral; e as normas espanholas que pelo seu conteúdo e
função digam respeito às relações entre cônjuges, ao regime de bens e às obrigações
contratuais.

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O art. 1720º/1/b CC e o art. 1762º CC reconduzem-se ao conceito-quadro do art.
52º CC (o primeiro estabelece a imperatividade o regime da separação de bens e o
segundo considera nulas as doações entre cônjuges, para tutelar o património de um
dos cônjuges), que considera competente a lei espanhola, por isso não se aplicam ao
caso. Esta conclusão pode justificar-se no art. 54º CC (norma auxiliar da qualificação –
a mutabilidade ou imutabilidade do regime de bens subsume-se ao art. 52º CC).

Concluindo, a doação é válida à luz da lei espanhola. Eventual consideração da


ordem pública internacional, se o resultado se considerar manifestamente intolerável
face aos princípio fundamentais da ordem jurídica.

CASO PRÁTICO 12

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre cônjuges”.


O elemento de conexão é a nacionalidade comum. Na concretização do elemento de
conexão, deparamo-nos com um conflito móvel: aplicamos a lei da nacionalidade que os
nubentes tinham aquando do casamento ou a lei da nacionalidade que têm hoje?
FERRER CORREIA entende que se aplica a lei nova quando a questão remete para os
efeitos atuais da relação jurídica e não para a sua validade (caso em que aplicamos a lei
antiga). Neste sentido, é aplicável a lei portuguesa.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 53º CC é “regime de bens”. O


elemento de conexão é a nacionalidade comum ao tempo da celebração do casamento.
Neste caso, é aplicável a lei romena, que se considera competente (art. 2592º CC
romeno).

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 55º CC é “divórcio”. Não tem


elemento de conexão e remete para o art. 52º CC. Neste sentido, é aplicável a lei
portuguesa.

O conceito-quadro dos arts. 5º e 8º ROMA III é “divórcio”. O elemento de conexão


é, na falta de escolha das partes, a residência habitual à data de instauração do
processo. Neste caso, é aplicável a lei portuguesa.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

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Neste sentido, aplicamos as normas portuguesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito às relações entre os cônjuges e ao divórcio; e as normas romenas que
pelo seu conteúdo e função digam respeito ao regime de bens.

Segundo o art. 1790º CC, nenhum dos cônjuges pode receber, no divórcio, mais
do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão
de adquiridos. Esta norma corrige a partilha em casamentos celebrados em regime de
comunhão geral. É uma norma sobre divórcio, pois só se aplica à dissolução do
casamento por divórcio (e não por morte) e, neste sentido, leva em conta a diferença
entre a dissolução por divórcio e a dissolução por morte, ou seja, é uma regra especial.
Em matéria de divórcio, aplicamos as normas portuguesas, por isso esta norma aplica-
se.

A norma romena divide o património em partes iguais à data do divórcio, porque


o casamento se dissolveu e é preciso repartir o património conjugal. É uma norma sobre
divórcio, mas não se aplica, porque só aplicamos as normas portuguesas nesta matéria.

Concluindo, A tem direito a receber €50.000.

CASO PRÁTICO 13

INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 52º CC é “relações entre cônjuges”


(interpretação autónoma e teleológica – abrange a figura dos unidos de facto). O
elemento de conexão é a residência habitual comum (nº2), visto que A e B não têm as
mesma nacionalidade. Note-se que tínhamos um conflito positivo de nacionalidades
quanto a A: prevalece a nacionalidade portuguesa (art. 27º LN). Também temos um
conflito móvel ou de sucessão de estatutos: A e B viviam inicialmente em Portugal e
depois na Irlanda. À partida, aplicamos a lei nova, pois não estamos a verificar a
validade de uma situação constituída no passado. Neste sentido, a lei aplicável é a lei
irlandesa, que se considera competente à luz do seu DIP.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 53º CC é “regime de bens”. O


elemento de conexão é a residência habitual comum (nº2), visto que não têm a mesma
nacionalidade. A lei aplicável é a lei irlandesa, que se considera competente.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 62º CC é “sucessão”. O elemento


de conexão é a nacionalidade (art. 31º/1 CC). Neste caso, temos um conflito de

13
DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
nacionalidades; segundo o art. 27º LEI NACIONALIDADE, releva a nacionalidade
portuguesa. A lei aplicável é a lei portuguesa.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

Neste sentido, aplicamos as normas irlandesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito às relações entre os cônjuges e ao regime de bens; e as normas
portuguesas que pelo seu conteúdo e função digam respeito à sucessão.

O art. 2020º CC reconduz-se ao conceito-quadro do art. 52º CC (direito de


alimentos para quem vivia em união de facto com o falecido; estabelece-se um encargo
sobre a herança em nome dos efeitos jurídicos da união de facto), ou seja, é uma norma
familiar. Em matéria de relações entre os cônjuges aplicamos a lei irlandesa, por isso
esta norma não se aplica.

Por outro lado, não há normas irlandesas que reconheçam qualquer direito
semelhante à união de facto, por isso B não tem direito a alimentos.

No entanto, podemos colocar a hipótese da exceção de ordem pública


internacional, isto é, afastar a aplicação da lei irlandesa se esta conduzir a um resultado
manifestamente intolerável face aos princípios fundamentais da ordem jurídica. Tudo
depende do caso concreto e da repercussão da recusa de alimentos na esfera de B.

CASO PRÁTICO 15

A) INTRODUÇÃO

Convocamos várias regras de conflitos, que, à partida, determinam leis diferentes aplicáveis a
matérias diferentes.

O conceito-quadro da regra de conflitos do art. 46º CC é “regime da posse,


propriedade e demais direitos reais”. O elemento de conexão é o lugar da situação da
coisa. O imóvel situa-se em Inglaterra, por isso é aplicável a lei inglesa, que se considera
competente.

O conceito quadro da regra de conflitos dos arts. 21º e 22º RUE nº 650/2012 é
“sucessão”. O elemento de conexão é a residência habitual à data da morte, por isso é
competente a lei portuguesa.

QUALIFICAÇÃO – ART. 15º CC

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Neste sentido, aplicam-se as normas portuguesas que pelo seu conteúdo e função
digam respeito à sucessão; e as normas inglesas que pelo seu conteúdo e função digam
respeito aos direitos reais.

A norma inglesa prevê um direito real de ocupação pela Coroa dos bens sem
herdeiros, evitando que estes fiquem sem dono. Esta disposição reconduz-se ao
conceito-quadro do art. 46º CC, que considera competente a lei inglesa, por isso aplica-
se ao caso.

O art. 2152º CC atribui ao Estado a qualidade de herdeiro na falta de sucessíveis,


para que a herança não fique vaga. Esta disposição reconduz-se ao conceito-quadro dos
arts. 21º e 22º REU, que consideram competente a lei portuguesa, por isso aplica-se ao
caso.

Estamos perante um CONFLITO POSITIVO DE QUALIFICAÇÃO (cúmulo


jurídico), na medida que duas regras de conflitos diferentes mandam aplicar leis
diferentes a matérias diferentes, mas estas leis têm normas simultaneamente aplicáveis
que levam a resultados incompatíveis. FERRER CORREIA propõe uma solução assente
na hierarquização das regras de conflitos.

Neste caso, a qualificação real prefere à qualificação pessoal, ou seja, a lei


aplicável à matéria dos direitos reais (lei inglesa) prevalece sobre a lei aplicável à matéria
da sucessão (lei portuguesa), por razões de efetividade da decisão no lugar onde o imóvel
se situa.

Concluindo, atribui-se à Coroa Inglesa um direito real de ocupação sobre os bens


imóveis deixados sem herdeiro por A.

B) Neste caso, o art. 46º manda aplicar a lei portuguesa, mas a norma portuguesa
não se reconduz ao conceito-quadros dos direitos reais e, por isso, não se aplica; e os
arts. 21º e 22º RUE mandam aplicar a lei inglesa, mas a norma inglesa não se reconduz
ao conceito-quadro da sucessão e, por isso, não se aplica.

Estamos perante um CONFLITO NEGATIVO DE QUALIFICAÇÃO (vácuo


jurídico), na medida que duas regras de conflitos diferentes mandam aplicar leis
diferentes a matérias diferentes, mas estas leis não têm normas que se subsumam no
conceito-quadro da regra de conflitos que as escolheu. FERRER CORREIA propõe uma
solução assente na hierarquização das regras de conflitos.

Neste caso, prevalece a qualificação real, ou seja, é competente a lei portuguesa.


Como a norma portuguesa é de natureza pessoal, vamos ficcionar a sua natureza real
através do instituto da adaptação (reflexo da politização do DIP). Se ficcionarmos que o

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
art. 2152º CC tem natureza real, este subsume-se ao conceito-quadro do art. 46º CC e,
por isso aplica-se ao caso.

Concluindo, o Estado Português é chamado a herdar a totalidade da herança de


A.

CASO PRÁTICO 16

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a nacionalidade do
nubente. Como A é brasileiro, a lei aplicável é a lei brasileira. Contudo, esta não se
considera competente e devolve, com referência material, para a lei portuguesa – lei do
domicílio de A.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema


de concretização do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um
CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos do foro (art. 49º CC) escolhe uma lei
estrangeira como competente (lei brasileira), mas esta, à luz do seu DIP não se considera
competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para a lei do foro
(lei portuguesa). Temos um caso de retorno direito.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de


aplicar a lei que o nosso legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei brasileira tem uma posição dogmática sobre o reenvio: referência material.
Esta posição não aceita o reenvio, pois a referência que a regra de conflitos faz para uma
lei estrangeira abrange apenas as suas normas materiais, desconsiderando as soluções
conflituais desse OJ. Neste sentido, se o caso for julgado no Brasil, o juiz aplica as
normas materiais portuguesas sobre a capacidade para contrair casamento.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-


coordenação), isto é, só aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a
harmonia jurídica internacional (acordo entre vários sistemas sobre o direito a aplicar,
de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se coloque e se garanta a
estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou 18º/1
CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra
geral do art. 16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a
nossa regra de conflitos escolheu.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
portuguesa no art. 18º/1 CC, pois temos um caso de retorno direto: a regra de conflitos
do foro manda aplicar a lei brasileira, mas esta não se considera competente e devolve
para o direito material português. Ora, aplicam-se as normas materiais da legislação
portuguesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitamos o reenvio nos termos
do art. 18º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de retorno, tem de estar verificado um dos requisitos


adicionais de aceitação do reenvio previstos no art. 18º/2 CC. Ora, A reside em Portugal,
por isso mantém o reenvio.

Concluímos pela aplicação das normas materiais da lei portuguesa para regular
a capacidade nupcial de A.

CASO PRÁTICO 17

A) INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 45º CC, cujo conceito-quadro
é “responsabilidade extracontratual”. O elemento de conexão, nos termos do nº3, é a
residência habitual comum. Como A e B residem em Espanha, a lei aplicável é a lei
espanhola. Contudo, esta não se considera competente e remete, com devolução
simples, para a lei portuguesa – lex loci delicti.

Não convocamos o ROMA II, porque este não se aplica à responsabilidade civil
por violação de direitos de personalidade.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 45º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei espanhola), mas esta, à luz do seu
DIP não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para a lei do
foro (lei portuguesa). Temos um caso de retorno direito.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei espanhola tem uma posição dogmática sobre o reenvio: devolução simples.
Esta posição aceita o reenvio (referência global), pois a referência que a regra de conflitos

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
faz para uma lei estrangeira abrange as suas normas materiais e as suas regras de
conflitos. Desta forma, aplicamos as normas materiais do OJ para o qual remete a regra
de conflitos da lei que escolhemos como mais próxima. Neste caso, em Espanha
aplicarão as normas materiais da lei espanhola.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Nestes caso, não está preenchido o disposto no art. 18º/1 CC para aceitarmos o
reenvio num retorno direto, logo aplicamos a regra geral do art. 16º CC e fazemos uma
referência material para a lei espanhola.

B) Aqui já se convoca a aplicação do ROMA II, cujo conceito-quadro é “obrigações


extracontratuais”. Segundo o art. 4º/3, é aplicável a lei da residência comum, isto é, a
lei espanhola. Esta considera-se competente nos mesmo termos, pois este RUE também
vigora no OJ espanhol. O problema do reenvio não se coloca quando há uniformização
das soluções conflituais.

CASO PRÁTICO 18

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é inglês, por isso a lei aplicável é a lei inglesa. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com dupla devolução, para a lei portuguesa – lex rei sitae.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei inglesa), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para a lei do foro
(lei portuguesa). Temos um caso de retorno direito.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
A lei inglesa tem uma posição dogmática sobre o reenvio: dupla devolução. Esta
posição aceita o reenvio (referência global), pois a referência que a regra de conflitos faz
para uma lei estrangeira abrange as suas normas materiais, as suas regras de conflitos
e a sua posição sobre o reenvio. Desta forma, se o caso se pusesse em Inglaterra, o juiz
iria aplicar as mesmas normas que o juiz português está a aplicar ao caso.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Estas duas posições sobre reenvio conduzem-nos a um impasse: o juiz português


só decide se aceita ou não o reenvio depois de saber que lei aplica o juiz inglês; e o juiz
inglês quer aplicar a mesma lei que aplica o juiz português.

Nestes caso, é indiferente a aceitação do reenvio, porque a harmonia jurídica está


garantida: se em Portugal aplicamos a lei da situação da coisa, em Inglaterra aplicam a
lei da situação da coisa; se no foro aplicarmos a lei da nacionalidade, em Inglaterra
aplicam a lei da nacionalidade.

FERRER CORREIA entende que devemos fazer uma referência material para a lei
que a nossa regra de conflitos escolheu como mais próxima (art. 16º), pois não há
fundamento para aceitar o reenvio nos termos do art. 18º/1 (esta exceção só deve ser
utilizada se for necessária para a harmonia jurídica internacional e esta está
assegurada).

BATISTA MACHADO, por sua vez, entende que devemos resolver este problema
(não previsto pelo legislador nem no art. 16º, nem nos arts. 17º e 18º) à luz dos
princípios de DIP: se a harmonia jurídica internacional está assegurada, devemos
convocar o princípio da boa administração e aplicar a lei que o juiz do foro conhece
melhor (lei do foro).

Nesta última posição acabamos por aceitar o reenvio para o direito material
português, por isso temos de ver se está preenchido um dos requisitos do art. 18º/2,
isto é, se temos harmonia jurídica qualificada. Ora, A reside em Portugal, por isso
mantemos o reenvio e aplicamos a lei portuguesa à sucessão.

Se optarmos pela posição de FERRER CORREIA, aplica-se a lei espanhola por


referência material e são as normas materiais espanholas que vão regular a sucessão
de A.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
CASO PRÁTICO 19

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é francês, por isso a lei aplicável é a lei francesa. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com devolução simples, para a lei brasileira – lex rei sitae. Esta,
por sua vez, não se considera competente e remete, com referência material, para a lei
portuguesa – lei do domicílio.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei francesa), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei (lei
brasileira),que, por sua vez, remete para a lei do foro (lei portuguesa). Temos um caso de retorno indireto.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei francesa tem uma posição dogmática sobre o reenvio: devolução simples.
Esta posição aceita o reenvio (referência global), pois a referência que a regra de conflitos
faz para uma lei estrangeira abrange as suas normas materiais e as suas regras de
conflitos. Desta forma, aplicamos as normas materiais do OJ para o qual remete a regra
de conflitos da lei que escolhemos como mais próxima. Neste caso, em Espanha
aplicarão as normas materiais da lei portuguesa.

A lei brasileira tem uma posição dogmática sobre o reenvio: referência material.
Esta posição não aceita o reenvio, pois a referência que a regra de conflitos faz para uma
lei estrangeira abrange apenas as suas normas materiais, desconsiderando as soluções
conflituais desse OJ. Neste sentido, se o caso for julgado no Brasil, o juiz aplicaria as
normas materiais portuguesas.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
portuguesa no art. 18º/1 CC, pois temos um caso de retorno indireto: a regra de

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
conflitos do foro manda aplicar a francesa, mas esta não se considera competente e
devolve indiretamente (manda aplicar a lei brasileira e esta remete para a lei português
com referência material) para o direito material português. Ora, aplicam-se as normas
materiais da legislação portuguesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitamos o reenvio nos termos
do art. 18º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de retorno, tem de estar verificado um dos requisitos


adicionais de aceitação do reenvio previstos no art. 18º/2 CC. Ora, A reside em Portugal,
por isso mantém-se o reenvio.

Concluímos pela aplicação das normas materiais da lei portuguesa para regular
a sucessão de A.

CASO PRÁTICO 20

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a nacionalidade (art.
31º/1). A é chileno, por isso a lei aplicável é a lei chilena. Contudo, esta não se considera
competente e devolve, com referência material, para a lei portuguesa – lei do local da
celebração.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 49º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei chilena), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para a lei do foro
(lei portuguesa). Temos um caso de retorno direto.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei chilena (e também a lei italiana) tem uma posição dogmática sobre o reenvio:
referência material. Esta posição não aceita o reenvio, pois a referência que a regra de
conflitos faz para uma lei estrangeira abrange apenas as suas normas materiais,
desconsiderando as soluções conflituais desse OJ. Neste sentido, se o caso for julgado
no Chile, o juiz aplicaria as normas materiais portuguesas.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só
aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o direto para a lei
portuguesa no art. 18º/1 CC, pois temos um caso de retorno direto: a regra de conflitos
do foro manda aplicar a chilena, mas esta não se considera competente e devolve para
o direito material português. Ora, aplicam-se as normas materiais da legislação
portuguesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 18º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de retorno, tem de estar verificado um dos requisitos


adicionais de aceitação do reenvio previstos no art. 18º/2 CC. A não reside em território
português, nem reside em país que considera aplicável o direito material português (a
regra de conflitos italiana aplica o direito material chileno, isto é, a lei da nacionalidade).

Neste sentido, não podemos aceitar o reenvio, ou seja, este cessa por não estar
preenchida a harmonia jurídica qualificada. Ora, fazemos, nos termos do art. 16º, uma
referência material para a lei chilena e aplicamos as suas normas materiais para regular
a capacidade nupcial de A.

CASO PRÁTICO 21

A) INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é brasileiro, por isso a lei aplicável é a lei brasileira. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com referência material, para a lei francesa – lei do último
domicílio do de cujus. Esta, por sua vez, considera-se competente, pois também aplica
a lei do último domicílio.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização
do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei brasileira), mas esta, à luz do seu
DIP não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei
(lei francesa),que se considera competente. Temos um caso de transmissão de competência simples.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei brasileira tem uma posição dogmática sobre o reenvio: referência material.
Esta posição não aceita o reenvio, pois a referência que a regra de conflitos faz para uma
lei estrangeira abrange apenas as suas normas materiais, desconsiderando as soluções
conflituais desse OJ. Neste sentido, se o caso for julgado no Brasil, o juiz aplicaria as
normas materiais francesas.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
francesa no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência simples:
a regra de conflitos do foro manda aplicar a brasileira, mas esta não se considera
competente e remete para a lei francesa, que se considera competente. Ora, aplicam-se
as normas materiais da legislação francesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. A
não reside em Portugal, nem em país que manda aplicar a lei da nacionalidade.

Mantém-se o reenvio e concluímos pela aplicação das normas materiais da lei


francesa para regular a sucessão de A.

B) Neste caso, convocávamos a aplicação do RUE nº 650/2012. O art. 21º/1


manda aplicar à sucessão a lei da residência habitual do de cujus – lei francesa. Esta
considera-se competente também nestes termos, pois o RUE também tem aplicação em

23
DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
França. Quando há uniformização das soluções conflituais não se coloca o problema do
reenvio.

CASO PRÁTICO 22

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 25º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade geral”. O elemento de conexão é a nacionalidade (art. 31º/1 CC). A é
tailandês, por isso a lei aplicável é a lei tailandesa. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com referência material, para a lei do local da celebração – lei
madagascarense. Esta, por sua vez, também não se considera competente e remete,
com referência material, para a lei da situação da coisa – lei queniana, que se considera
competente à luz do seu DIP.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 25º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei tailandesa), mas esta, à luz do seu
DIP, não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra
lei (lei madagascarense), que, por sua vez, remete para outra lei (lei queniana), que se considera competente.
Temos um caso de transmissão de competência em cadeia.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei tailandesa e a lei madagascarense (assim como a lei da Tanzânia) têm uma
posição dogmática sobre o reenvio: referência material. Esta posição não aceita o
reenvio, pois a referência que a regra de conflitos faz para uma lei estrangeira abrange
apenas as suas normas materiais, desconsiderando as soluções conflituais desse OJ.
Neste sentido, se o caso for julgado na Tailândia, o juiz aplicaria as normas materiais
madagascarenses; se o caso fosse julgado em Madagáscar, o juiz aplicaria as normas
materiais quenianas.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
queniana no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência em
cadeia: a regra de conflitos do foro manda aplicar a tailandesa, mas esta não se

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
considera competente, nem remete direta ou indiretamente para a lei queniana, que se
considera competente.

Conclui-se que não podemos aceitar o reenvio, pois não há harmonia jurídica
internacional. Neste sentido, aplicaríamos, por referência material nos termos do art.
16º CC, a lei tailandesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois a harmonia jurídica qualificada
(acordo quanto à lei aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da
residência) funciona excecionalmente como fundamento do reenvio. Apesar de não
haver autorização legal neste sentido, a harmonia jurídica qualificada é um princípio
estruturante do DIP.

Ora, quer a lei do país da nacionalidade (lei tailandesa), quer a lei do país da
residência (lei da Tanzânia) mandam aplicar a lei madagascarense com referência
material, ou seja, o seu direito material. Neste sentido, aceitamos o reenvio com
fundamento na harmonia qualificada para a lei madagascarense. Concluímos que a
capacidade negocial de A é regulada penas normas materiais madagascarenses.

CASO PRÁTICO 23

A) INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é inglês, por isso a lei aplicável é a lei inglesa. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com dupla devolução, para a lei francesa – lei do último domicílio
do de cujus. Esta, por sua vez, considera-se competente para a sucessão de móveis
(também aplica a lei do último domicílio), mas não se considera competente para a
sucessão de imóveis e remete, com devolução simples, para a lei italiana – lei da situação
da coisa. Esta não se considera competente e remete, com referência material, para a
lei da nacionalidade – lei inglesa.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei inglesa), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Quanto à sucessão de bens imóveis temos um conflito de sistemas aparente. Se


o caso fosse resolvido na Itália, o juiz aplicaria a lei inglesa, pois o sistema conflitual
remete para a lei da nacionalidade com referência material, ou seja, aplica as normas
materiais inglesas. Se o caso fosse resolvido em França, o juiz aplicaria a lei inglesa,
pois o sistema conflitual remete para a lei da situação da coisa com devolução simples,
ou seja, aplica as normas materiais do OJ para o qual remete a regra de conflitos da lei
que escolheu como mais próxima (lei italiana). Se o caso fosse resolvido em Inglaterra,
o juiz também aplicaria a lei inglesa, pois o sistema conflitual remete para a lei do último
domicílio com dupla devolução, ou seja, aplica as mesmas normas materiais que aplica
o juiz do OJ que escolheu como o mais próximo (francês).

Desta forma, apesar de, à partida, não se considerar competente, a lei inglesa é
indiretamente competente. Ora, para a sucessão de imóveis não há fundamento para
aceitarmos o reenvio, pois está garantida a harmonia jurídica internacional. Aplicamos,
então, as normas matérias da lei inglesa, nos termos do art. 16º CC.

Para a sucessão de bens móveis, temos efetivamente uma transmissão de


competência simples: a nossa regra de conflitos considera competente a lei da
nacionalidade (lei inglesa), mas esta não se considera competente e remete, com dupla
devolução, para a lei do último domicílio do de cujus (lei francesa); esta última
considera-se competente à luz do seu DIP.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
francesa no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência simples:
a regra de conflitos do foro manda aplicar a inglesa, mas esta não se considera
competente e remete para a lei francesa, que se considera competente. Ora, aplicam-se
as normas materiais da legislação francesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. A
não reside em Portugal, nem em país que manda aplicar a lei da nacionalidade. Mantém-
se o reenvio.

Concluímos pela aplicação das normas materiais da lei francesa para regular a
sucessão dos bens móveis de A e pela aplicação das normas materiais da lei inglesa
para regular a sucessão dos bens imóveis de A.

B) Neste caso, aplicando o RUE nº 650/2012, a lei competente para regular a


sucessão de A seria a lei da residência do de cujus – lei francesa. Esta considera-se
competente nos termos do RUE, pois este também vigora no seu OJ. Nos outros países
em contacto com a relação jurídica também seria aplicado o RUE, ou seja, todos
considerariam competente a lei francesa.

CASO PRÁTICO 24

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é brasileiro, por isso a lei aplicável é a lei brasileira. Contudo, esta não se considera
competente e remete, com referência material, para a lei francesa – lei do último
domicílio do de cujus. Esta, por sua vez, não se considera competente e remete, com
devolução simples, para a lei dinamarquesa – lex rei sitae. Esta também não se
considera competente e remete, com referência material, para a lei francesa – lei do
último domicílio.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema


de concretização do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um
CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei
estrangeira como competente (lei brasileira), mas esta, à luz do seu DIP não se considera
competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei
(lei francesa), que aparentemente não se considera competente. Contudo, quando
remete para a lei dinamarquesa com devolução simples vai aplicar as normas materiais

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
da lei escolhida, com referência material, pela regra de conflitos dinamarquesa, ou seja,
as normas matérias francesas. Temos, então, um caso de transmissão de competência
simples.

Concluímos que, caso o problema se coloque no Brasil, em França ou na


Dinamarca, a lei competente é a lei francesa.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
francesa no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência simples:
a regra de conflitos do foro manda aplicar a brasileira, mas esta não se considera
competente e remete para a lei francesa, que se considera indiretamente competente.
Ora, aplicam-se as normas materiais da legislação francesa.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. A
não reside em Portugal, nem em país que manda aplicar a lei da nacionalidade.

Mantém-se o reenvio e concluímos pela aplicação das normas materiais da lei


francesa para regular a sucessão de A.

CASO PRÁTICO 26

A) INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro
é “sucessão”. O elemento de conexão é a nacionalidade à data da morte (art. 31º/1). A
é francês, por isso a lei aplicável é a lei francesa. Contudo, esta não se considera

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
competente e remete, com devolução simples, para a lei paraguaia – lex rex sitae. Esta,
por sua vez, considera-se competente, pois também aplica a lex rei sitae à sucessão de
bens imóveis situados no Paraguai.

Não convocamos o RUE nº 650/2012, porque o caso não preenche o seu âmbito
de aplicação temporal (art. 84º).

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 62º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei francesa), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei (lei
paraguaia),que se considera competente. Temos um caso de transmissão de competência simples.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei francesa tem uma posição dogmática sobre o reenvio: devolução simples.
Esta posição aceita o reenvio (referência global), pois a referência que a regra de conflitos
faz para uma lei estrangeira abrange as suas normas materiais e as suas regras de
conflitos. Neste sentido, se o caso for julgado em França, o juiz aplicaria as normas
materiais da lei indicada pela regra de conflitos da lei que escolheu como mais próxima
ou seja, o direito material paraguaio.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
paraguaia no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência
simples: a regra de conflitos do foro manda aplicar a francesa, mas esta não se considera
competente e remete para a lei paraguaia, que se considera competente. Ora, aplicam-
se as normas materiais da legislação paraguaia.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. A
não reside em Portugal, mas reside em país que manda aplicar a lei da nacionalidade.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
A reside em Itália e o direito conflitual italiano aplica, por referência material, a lei da
nacionalidade – lei francesa.

Neste sentido, cessa o reenvio que tínhamos aceitado, nos termos do art. 17º/1
CC para assegurar a harmonia jurídica internacional, pelo facto de não se verificar
harmonia jurídica qualificada, nos termos do art. 17º/2 CC.

Contudo, o art. 17º/3 CC prevê a reativação do reenvio que tínhamos feito cessar,
quando 1- estamos numa das matérias elencadas (neste caso, a sucessão por morte);
2- a lei da nacionalidade escolhida pela regra de conflitos do foro remete para a lei da
situação da coisa (neste caso, a lei francesa, nacionalidade, remete para a lei paraguaia,
situação da coisa); e 3- a lei da situação da coisa considera-se competente (a lei
paraguaia considera-se competente para a sucessão de bens imóveis sitos no Paraguai).
Cumpridos os três requisitos cumulativos, aceitamos o reenvio para a lei paraguaia para
regular a sucessão de A.

O art. 17º/3 CC é um afloramento indireto do princípio da maior proximidade na


aceção conflitual. É indireto, porque é a lei que escolhemos e não a lei do foro que
considera competente a lei da situação da coisa.

Segundo o PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE, por razões de efetividade das


decisões, a lei pessoal abdica da sua competência perante a competência mais forte da
lei do lugar da situação da coisa. Por força deste princípio, excluímos da universalidade
de bens que compõem a sucessão os bens imóveis e sujeitamo-los à lei da situação da
coisa. Este princípio tem duas aceções. Na aceção material, a lei reguladora de um
património cede a sua competência à do Estado da situação da coisa, quando esta
estiver sujeita neste Estado a um regime especial de direito material; aceitamos
claramente esta aceção, nomeadamente quanto à aplicação de NANI estrangeiras. Por
outro lado, na aceção conflitual, a lei definida como aplicável à universalidade de bens
abdica da sua competência em favor da lei da situação da coisa de alguns desses bens
também quando esta se considera exclusivamente aplicável a esses bens; esta aceção é
rejeitada entre nós, salvo o afloramento direito do art. 47º CC e o afloramento indireto
do art. 17º/3 CC.

B) Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 21º REU nº 650/2012,


cujo conceito-quadro é “sucessão”. O elemento de conexão é a residência habitual do de
cujus, logo a lei aplicável é a lei italiana.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
CASO PRÁTICO 27

INTRODUÇÃO

Segundo a regra de conflitos do art. 62º CC, cujo conceito-quadro é “sucessão”,


a lei aplicável ao caso é a lei portuguesa – lei da nacionalidade.

Contudo, convocamos aqui o afloramento direito ao princípio da maior


proximidade na sua aceção conflitual do art. 47º CC: aplica-se numa matéria de estatuto
pessoal (sucessão de A) a lei da situação da coisa se esta se considerar competente; caso
contrário, aplica-se a lei da nacionalidade. O conceito-quadro é “capacidade para dispor
de bens imóveis”. O elemento de conexão é a situação da coisa, pelo que a lei aplicável
é a lei brasileira. Esta considera-se competente, pois aplica a lei do domicílio nesta
matéria.

Concluindo, o imóvel pertence a B, pois aplicamos à sucessão dos bens imóveis


a lei brasileira.

CASO PRÁTICO 28

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade para celebrar convenção antenupcial”. O elemento de conexão é a
nacionalidade dos nubentes (art. 31º/1). A e B são ingleses, por isso a lei aplicável é a
lei inglesa. Contudo, esta não se considera competente e remete, com dupla devolução,
para a lei canadiana – lei do local da celebração. Esta, por sua vez, considera-se
competente, pois também aplica a lei do local da celebração.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 49º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei inglesa), mas esta, à luz do seu DIP
não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei (lei
canadiana),que se considera competente. Temos um caso de transmissão de competência simples.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei inglesa tem uma posição dogmática sobre o reenvio: dupla devolução. Neste
sentido, se o caso for julgado em Inglaterra, o juiz aplicaria as mesmas normas materiais
que aplique o juiz do OJ para o qual remete a sua regra de conflitos, ou seja, o direito
material canadiano.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só
aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
canadiana no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência
simples: a regra de conflitos do foro manda aplicar a inglesa, mas esta não se considera
competente e remete para a lei canadiana, que se considera competente. Ora, aplicam-
se as normas materiais da legislação canadiana.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. A e
B não residem em Portugal, nem em país que manda aplicar a lei da nacionalidade.

Neste sentido, mantemos o reenvio que tínhamos aceitado, nos termos do art.
17º/1 CC para assegurar a harmonia jurídica internacional, pelo facto estar verificada
a harmonia jurídica qualificada, nos termos do art. 17º/2 CC.

Concluído, a convenção antenupcial, à luz do direito material canadiano, é nula.

Esta solução leva-nos a ter em conta o PRINCÍPIO DO FAVOR NEGOTI,


enquanto fundamento autónomo de cessação do reenvio. Se do reenvio (que aceitámos
em nome da harmonia jurídica internacional) resulta a invalidade ou ineficácia de um
negócio jurídico que seria válido ou eficaz à luz da lei indicada pela nossa regra de
conflitos, é esta a lei que se aplica, ou seja, prevalece a lei que tiver o negócio por válido.
Para este efeito, têm de estar preenchidos os requisitos literais do art. 19º/1 CC e os
requisitos doutrinais (interpretação restritiva de FERRER CORREIA): 1- o negócio é
válido para a lei que aplicaríamos por referência material segundo o art. 16º CC (a
convenção é válida à luz da lei inglesa); 2- o negócio torna-se inválido quando aplicamos
outra lei por força do reenvio (o negócio é nulo segundo a lei canadiana); 3- trata-se de
um negócio jurídico já consolidado (nada indica o contrário); 4- as partes têm legitimas
expectativas na aplicação da lei que considera o negócio válido (nada nos indica que as

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
partes tivessem contacto com o OJ português no momento da celebração do negócio,
por isso não podemos presumir que contavam com a aplicação desta lei).

Concluímos pela não aplicação do art. 19º/1 e, por isso, mantém-se o reenvio
para a lei canadiana: a convenção antenupcial é nula nos termos desta lei.

CASO PRÁTICO 29

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 56º CC, cujo conceito-quadro
é “filiação”. O elemento de conexão é a nacionalidade do progenitor (art. 31º/1). A é
brasileiro, por isso a lei aplicável é a lei brasileira. Contudo, esta não se considera
competente e devolve, com referência material, para a lei portuguesa – lei do domicílio.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 56º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei brasileira), mas esta, à luz do seu
DIP não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para lei do
foro (lei portuguesa). Temos um caso de retorno direto.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei brasileira tem uma posição dogmática sobre o reenvio: referência material.
Neste sentido, se o caso for julgado no Brasil, o juiz aplicaria as normas materiais da lei
que considerou mais próxima, ou seja, o direito material português.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
portuguesa no art. 18º/1 CC, pois temos um caso de retorno direto: a regra de conflitos
do foro manda aplicar a brasileira, mas esta não se considera competente e devolve para
o direito material português. Ora, aplicam-se as normas materiais portuguesas.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 18º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de retorno, temos de verificar se está preenchido um dos


requisitos adicionais de aceitação do reenvio previstos no art. 18º/2 CC. Neste caso, A
reside em Portugal.

Neste sentido, mantemos o reenvio que tínhamos aceitado, nos termos do art.
18º/1 CC para assegurar a harmonia jurídica internacional, pelo facto estar verificada
a harmonia jurídica qualificada, nos termos do art. 18º/2 CC.

Concluído, a perfilhação de B, à luz do direito material português, é nula.

Esta solução leva-nos a ter em conta o PRINCÍPIO DO FAVOR NEGOTI,


enquanto fundamento autónomo de cessação do reenvio. Se do reenvio (que aceitámos
em nome da harmonia jurídica internacional) resulta a invalidade ou ineficácia de um
negócio jurídico que seria válido ou eficaz à luz da lei indicada pela nossa regra de
conflitos, é esta a lei que se aplica, ou seja, prevalece a lei que tiver o negócio por válido.
Para este efeito, têm de estar preenchidos os requisitos literais do art. 19º/1 CC e os
requisitos doutrinais (interpretação restritiva de FERRER CORREIA): 1- o negócio é
válido para a lei que aplicaríamos por referência material segundo o art. 16º CC (a
perfilhação é válida à luz da lei brasileira); 2- o negócio torna-se inválido quando
aplicamos a lei do foro por força do reenvio (o negócio é nulo segundo a lei portuguesa);
3- trata-se de um negócio jurídico já consolidado (nada indica o contrário); 4- as partes
têm legítimas expectativas na aplicação da lei que considera o negócio válido
(presumimos que sim, pois tinham contacto com o OJ português no momento da
celebração do negócio – A reside em Portugal e a perfilhação foi feita em Portugal).

Concluímos pela aplicação do art. 19º/1 e, por isso, cessa o reenvio para a lei
portuguesa: a perfilhação é válida à luz do direito material brasileiro.

CASO PRÁTICO 30

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 53º CC, cujo conceito-quadro
é “regime de bens”. O elemento de conexão é a nacionalidade dos nubentes ao tempo da
celebração. A e B são portugueses, por isso aplica-se a lei portuguesa.

34
DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Concretamente, aplicamos as normas materiais portuguesas que, pelo seu
conteúdo e função, digam respeito ao regime de bens. Aplicam-se os arts. 1720º e 1762º
CC. Neste sentido, a doação é nula.

Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art.


31º/2 CC, com fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as
expectativas das partes na validade de um negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE
DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro


quando estas são válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a
lei portuguesa e esta considera a doação nula. Contudo, nas matérias do estatuto
pessoal, apesar de o legislador escolher como lei mais próxima a lei da nacionalidade,
não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste sentido, para que
determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no
Estado do foro, basta que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da
nacionalidade ou a lei da residência. Ora, o art. 31º/2 permite reconhecer situações
jurídicas que não são válidas à luz da lei da nacionalidade (lei competente segundo a
regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos
doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já


consolidado (o casamento foi celebrado em 1991, por isso as partes têm verdadeiras
expectativas na sua validade); 2- não há uma sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o
problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (doação); 3- o negócio foi celebrado no país da
residência (Brasil); e 4- o negócio é válido à luz da lei da residência e esta considera-se
competente (aplica a lei do domicílio).

Concluindo, reconhecemos a validade da doação, à luz da lei brasileira, lei da


residência, com fundamento no princípio do favor negoti, consagrado no expediente do
art. 31º/2 CC.

35
DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
CASO PRÁTICO 31

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 53º CC, cujo conceito-quadro
é “convenções antenupciais”. O elemento de conexão é a nacionalidade dos nubentes ao
tempo da celebração. A e B são espanhóis, por isso aplica-se a lei espanhola, que se
considera competente à luz do seu DIP (aplica a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges).

Concretamente, aplicamos as normas materiais espanholas que, pelo seu


conteúdo e função, digam respeito às convenções antenupciais. Aplica-se o art. da OJ
espanhola idêntico ao art. 1730º CC. Neste sentido, a cláusula que estipula a
participação dos nubentes na comunhão é nula.

Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art. 31º/2 CC, com
fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as expectativas das partes na validade de um
negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro quando estas são


válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a lei espanhola e esta considera a cláusula
da convenção nula. Contudo, nas matérias do estatuto pessoal, apesar de o legislador escolher como lei
mais próxima a lei da nacionalidade, não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste
sentido, para que determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no
Estado do foro, basta que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da nacionalidade ou a lei da
residência. Ora, o art. 31º/2 permite reconhecer situações jurídicas que não são válidas à luz da lei da
nacionalidade (lei competente segundo a regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da
residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já consolidado (foi
celebrado há alguns anos, por isso as partes têm verdadeiras expectativas na sua validade); 2- não há uma
sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (convenção antenupcial); 3- o negócio não foi
celebrado no país da residência (foi celebrado no Brasil, mas A e B residem na
Argentina); e 4- o negócio é válido à luz da lei da residência e esta considera-se
competente (a lei argentina não coloca entraves à validade da cláusula e considera-se
competente, pois aplica a lei do domicílio comum dos cônjuges no momento do
casamento).

Apesar de não se preencher o terceiro requisito, podemos abdicar deste, segundo


uma flexibilização do art. 31º/2, quando a lei da residência se considera competente

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
para regular o caso e o negócio é valido segundo esta, pois desta forma está cumprida
a ratio legis deste expediente.

Concluindo, reconhecemos a validade da cláusula da convenção, à luz da lei


argentina, lei da residência, com fundamento no princípio do favor negoti, consagrado
no expediente do art. 31º/2 CC.

CASO PRÁTICO 32

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a nacionalidade dos
nubentes. A e B são peruanos, por isso aplica-se a lei peruana. Esta não se considera
competente e remete para a lei do local da celebração – lei portuguesa. Contudo, como
a lei portuguesa remete para a lei peruana (caso de retorno), o direito peruano aceita o
reenvio para as suas normas materiais, ou seja, se a questão fosse colocada no Peru, o
juiz aplicaria as normas peruanas.

Neste sentido, não aceitamos o reenvio nos termos do art. 18º/1 para o direito
material português e fazemos uma referência material nos termos do art. 16º para o
direito material peruano. A lei peruana, todavia, considera o casamento inválido.

Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art. 31º/2 CC, com
fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as expectativas das partes na validade de um
negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro quando estas são


válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a lei peruana e esta considera o casamento
inválido. Contudo, nas matérias do estatuto pessoal, apesar de o legislador escolher como lei mais próxima
a lei da nacionalidade, não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste sentido, para que
determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no Estado do foro, basta
que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da nacionalidade ou a lei da residência. Ora, o art.
31º/2 permite reconhecer situações jurídicas que não são válidas à luz da lei da nacionalidade (lei
competente segundo a regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já consolidado (o


casamento foi celebrado em 1988, por isso as partes têm verdadeiras expectativas na sua validade); 2- não
há uma sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (convenção antenupcial); 3- o negócio não foi
celebrado no país da residência (foi celebrado em Portugal, mas A e B residem em

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
França); e 4- o negócio não é válido à luz da lei da residência e esta não se considera
competente (a lei francesa não reconhece a validade do casamento e considera
competente a lei da nacionalidade, com devolução simples).

Apesar de não se preencher o terceiro requisito, podemos abdicar deste, segundo


uma flexibilização do art. 31º/2, quando a lei da residência se considera competente
para regular o caso e o negócio é valido segundo esta, pois desta forma está cumprida
a ratio legis deste expediente.

Contudo, também não se preenche o quarto requisito, segundo uma


interpretação declarativa. No entanto, admite-se uma extensão teleológica do art. 31º/2:
basta que o negócio seja válido no país da residência, quer se aplique a lei da residência,
quer aplique outra lei. Ora, se o caso se pusesse em França (país da residência), o juiz
aplicaria a lei portuguesa (a regra de conflitos francesa manda aplicar a lei peruana com
devolução simples, ou seja, aplica as normas materiais da lei – portuguesa – escolhida
pela regra de conflitos da lei que indicou como mais próxima – lei peruana).

Neste sentido, também está preenchido o terceiro requisito, pois o negócio é valido
no país da residência.

Concluindo, reconhecemos a validade do casamento, à luz da lei portuguesa, lei


aplicada no país da residência, com fundamento no princípio do favor negoti,
consagrado no expediente do art. 31º/2 CC.

CASO PRÁTICO 33

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 49º CC, cujo conceito-quadro
é “capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a nacionalidade dos
nubentes. A e B são nova-iorquinos, por isso aplica-se a lei nova-iorquina. Esta não se
considera competente e remete, com referência material, para a lei do local da
celebração – lei canadiana, que se considera competente.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 49º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei nova-iorquina), mas esta, à luz do
seu DIP não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra
lei (lei canadiana),que se considera competente. Temos um caso de transmissão de competência simples.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
A lei nova-iorquina tem uma posição dogmática sobre o reenvio: referência
material. Neste sentido, se o caso for julgado em NY, o juiz aplicaria as normas materiais
canadianas.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
canadiana no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência
simples: a regra de conflitos do foro manda aplicar a nova-iorquina, mas esta não se
considera competente e remete para a lei canadiana, que se considera competente. Ora,
aplicam-se as normas materiais da legislação canadiana.

Contudo, a resolução não termina por aqui, pois aceitámos o reenvio nos termos
do art. 17º/1 CC e estamos no âmbito de uma matéria do estatuto pessoal (a regra de
conflitos do foro escolheu como lei mais próxima a lei da nacionalidade). Neste caso,
temos de verificar se há harmonia jurídica qualificada, isto é, acordo quanto à lei
aplicável entre a lei do país da nacionalidade e a lei do país da residência.

Como temos um caso de transmissão de competência, temos de verificar se está


preenchida alguma das causas de cessação do reenvio previstas no art. 17º/2 CC. As
partes não residem em Portugal, mas residem em país que manda aplicar a lei da
nacionalidade. Reside em Itália e o direito conflitual italiano aplica, por referência
material, a lei da nacionalidade – lei NY.

Neste sentido, cessa o reenvio que tínhamos aceitado, nos termos do art. 17º/1
CC para assegurar a harmonia jurídica internacional, pelo facto de não se verificar
harmonia jurídica qualificada, nos termos do art. 17º/2 CC.

Contudo, o art. 17º/3 CC prevê a reativação do reenvio que tínhamos feito cessar. O art. 17º/3 CC
é um afloramento indireto do princípio da maior proximidade na aceção conflitual. É indireto, porque é a
lei que escolhemos e não a lei do foro que considera competente a lei da situação da coisa.

Não se verificam os requisitos cumulativos do art. 17º/3 CC, por isso o reenvio
não é reativado e aplicamos as normas materiais NY, que consideram o casamento nulo.

Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art. 31º/2 CC, com
fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as expectativas das partes na validade de um
negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro quando estas são
válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a lei peruana e esta considera o casamento
inválido. Contudo, nas matérias do estatuto pessoal, apesar de o legislador escolher como lei mais próxima
a lei da nacionalidade, não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste sentido, para que
determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no Estado do foro, basta
que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da nacionalidade ou a lei da residência. Ora, o art.
31º/2 permite reconhecer situações jurídicas que não são válidas à luz da lei da nacionalidade (lei
competente segundo a regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já consolidado (o


casamento já foi celebrado, por isso as partes têm verdadeiras expectativas na sua validade); 2- não há
uma sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (casamento); 3- o negócio não foi celebrado
no país da residência (foi celebrado no Canadá, mas A e B residem em Itália); e 4- o
negócio não é válido à luz da lei da residência e esta não se considera competente (a lei
italiana não reconhece a validade do casamento, porque considera competente a lei da
nacionalidade, com referência material – lei NY).

Apesar de não se preencher o terceiro requisito, podemos abdicar deste, segundo


uma flexibilização do art. 31º/2, quando a lei da residência se considera competente
para regular o caso e o negócio é valido segundo esta, pois desta forma está cumprida
a ratio legis deste expediente.

Contudo, também não se preenche o quarto requisito, segundo uma


interpretação declarativa. Este também não se preenche segundo uma extensão
teleológica do art. 31º/2: basta que o negócio seja válido no país da residência, quer se
aplique a lei da residência, quer aplique outra lei (lei da nacionalidade) – o negócio é
inválido segundo a lei italiana e segundo a lei NY. Neste caso, recorremos a uma
interpretação enunciativa do art. 31º/2: se estávamos dispostos a reconhecer os
negócios que sejam válidos no país da residência, por maioria de razão devemos
reconhecer os negócios que são válidos no país da nacionalidade. Desta forma, prevalece
o princípio do favor negoti, mesmo que isso prejudique a harmonia jurídica
internacional.

Neste sentido, também está preenchido o terceiro requisito (flexibilização), pois o


negócio é válido no país da nacionalidade.

Concluindo, reconhecemos a validade do casamento, à luz da lei canadiana, lei


aplicada no país da nacionalidade, com fundamento no princípio do favor negoti,
consagrado no expediente do art. 31º/2 CC.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020

CASO PRÁTICO 34

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 56º CC, cujo conceito-quadro
é “perfilhação”. O elemento de conexão é a nacionalidade do perfilhante. A é brasileiro,
por isso a lei aplicável é a lei brasileira. Esta, contudo, não se considera competente e
remete para a lei do domicílio – lei italiana. Esta, por sua vez, não se considera
competente e remete para a lei da nacionalidade – lei brasileira.

Estamos perante um CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP, ou seja, um problema de concretização


do elemento de conexão da regra de conflitos. Trata-se de um CONFLITO NEGATIVO: a regra de conflitos
do foro (art. 56º CC) escolhe uma lei estrangeira como competente (lei brasileira), mas esta, à luz do seu
DIP não se considera competente, porque não prevê o mesmo elemento de conexão, e remete para outra lei
(lei italiana), que, neste caso, também não se considera competente.

Coloca-se a questão de saber se devemos aceitar o reenvio, isto é, deixar de aplicar a lei que o nosso
legislador escolheu como a mais próxima para aplicar outra.

A lei brasileira e a lei italiana têm uma posição dogmática sobre o reenvio:
referência material. Neste sentido, se o caso for julgado no Brasil, o juiz aplicaria as
normas materiais italianas e consideraria o negócio válido. Se o caso fosse julgado em
Itália, o juiz aplicaria as normas materiais brasileiras e consideraria o negócio inválido.

Em Portugal, temos uma posição pragmática sobre o reenvio (reenvio-coordenação), isto é, só


aceitamos o reenvio se este for uma técnica para atingir a harmonia jurídica internacional (acordo entre
vários sistemas sobre o direito a aplicar, de forma a que se aplique a mesma lei onde quer que o caso se
coloque e se garanta a estabilidade das relações jurídicas internacionais), nos termos dos arts. 17º/1 ou
18º/1 CC. Se o reenvio não promover a harmonia jurídica internacional, aplicamos a regra geral do art.
16º, isto é, fazemos uma referência material para a lei estrangeira que a nossa regra de conflitos escolheu.

Neste sentido, vamos procurar fundamento para aceitar o reenvio para a lei
canadiana no art. 17º/1 CC, pois temos um caso de transmissão de competência
simples: a regra de conflitos do foro manda aplicar a brasileira, mas esta não se
considera competente e remete para a lei italiana, que também não se considera
competente. Ora, não podemos aceitar o reenvio e aplicamos a lei brasileira por
referência material, nos termo do art. 16º CC. Também não podíamos convocar a
harmonia jurídica qualificada como fundamento de aceitação do reenvio, porque não é
aplicada a mesma lei no país da residência e no país da nacionalidade.

Neste sentido, aplicamos as normas materiais da lei brasileira e consideramos a


perfilhação nula.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art. 31º/2 CC, com
fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as expectativas das partes na validade de um
negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro quando estas são


válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a lei peruana e esta considera o casamento
inválido. Contudo, nas matérias do estatuto pessoal, apesar de o legislador escolher como lei mais próxima
a lei da nacionalidade, não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste sentido, para que
determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no Estado do foro, basta
que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da nacionalidade ou a lei da residência. Ora, o art.
31º/2 permite reconhecer situações jurídicas que não são válidas à luz da lei da nacionalidade (lei
competente segundo a regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já consolidado (a


perfilhação já foi celebrada, por isso as partes têm verdadeiras expectativas na sua validade); 2- não há
uma sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (segundo uma interpretação autónoma e
teleológica, a perfilhação é um negócio jurídico); 3- o negócio foi celebrado no país da
residência (foi celebrado na Itália); e 4- o negócio é válido à luz da lei da residência, mas
esta não se considera competente (a lei italiana considera competente, por referência
material, a lei brasileira – lei da nacionalidade).

Não se preenche o quarto requisito, segundo uma interpretação declarativa. Este


também não se preenche segundo uma extensão teleológica do art. 31º/2: basta que o
negócio seja válido no país da residência, quer se aplique a lei da residência, quer
aplique outra lei (lei da nacionalidade) – o negócio é inválido no país da residência, pois
se o caso fosse lá julgado, aplicar-se-ia o direito material brasileiro, que considera o ato
nulo. Neste caso, recorremos a uma interpretação enunciativa do art. 31º/2: se
estávamos dispostos a reconhecer os negócios que sejam válidos no país da residência,
por maioria de razão devemos reconhecer os negócios que são válidos no país da
nacionalidade. Desta forma, prevalece o princípio do favor negoti, mesmo que isso
prejudique a harmonia jurídica internacional.

Concluindo, reconhecemos a validade da perfilhação, à luz da lei italiana, lei


aplicada no país da nacionalidade, com fundamento no princípio do favor negoti,
consagrado no expediente do art. 31º/2 CC. Neste caso, acabamos por aceitar o reenvio
que tínhamos rejeitado por não haver harmonia jurídica internacional, com fundamento
no favor negoti.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
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CASO PRÁTICO 35

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a regra de conflitos do art. 56º CC, cujo conceito-quadro
é “perfilhação”. O elemento de conexão é a nacionalidade do perfilhante. A é português,
por isso a lei aplicável é a lei portuguesa. Neste caso, não temos qualquer conflito
negativo de sistemas de DIP.

Neste sentido, aplicamos as normas materiais portuguesas e consideramos a


perfilhação inválida.

Contudo, a resolução não termina aqui. Devemos convocar o expediente do art. 31º/2 CC, com
fundamento no princípio do favor negoti, que permite tutelar as expectativas das partes na validade de um
negócio jurídico: RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS NO ESTRANGEIRO.

Em regra, reconhecemos as situações jurídicas já constituídas no estrangeiro quando estas são


válidas à luz da lei competente. No nosso caso, a lei competente é a lei peruana e esta considera o casamento
inválido. Contudo, nas matérias do estatuto pessoal, apesar de o legislador escolher como lei mais próxima
a lei da nacionalidade, não deixa de reconhecer a importância da lei da residência. Neste sentido, para que
determinado negócio jurídico realizado no estrangeiro seja tido por válido e eficaz no Estado do foro, basta
que tenha sido celebrado em conformidade com a lei da nacionalidade ou a lei da residência. Ora, o art.
31º/2 permite reconhecer situações jurídicas que não são válidas à luz da lei da nacionalidade (lei
competente segundo a regra de conflitos do foro), desde que sejam válidas à luz da lei da residência.

Para o efeito, têm de estar preenchidos quatro requisitos literais e três requisitos doutrinais.

Quanto aos requisitos doutrinais, 1- estamos perante um negócio jurídico já consolidado (a


perfilhação já foi celebrada, por isso as partes têm verdadeiras expectativas na sua validade); 2- não há
uma sentença estrangeira sobre o caso; e 3- o problema da validade é colocado a título principal.

Quanto aos requisitos literais, 1- estamos numa matéria de estatuto pessoal; 2-


as partes celebraram um negócio jurídico (segundo uma interpretação autónoma e
teleológica, a perfilhação é um negócio jurídico); 3- o negócio não foi celebrado no país
da residência (no entanto, segundo uma flexibilização do art. 31º/2, podemos abdicar
deste requisito se estiver cumprida a ratio legis do instituto); e 4- o negócio não é válido
à luz da lei da residência e esta não se considera competente (a lei italiana considera
competente, por referência material, a lei argentina – lei do local da celebração).

Não se preenche o quarto requisito, segundo uma interpretação declarativa.


Contudo, este preenche-se segundo uma extensão teleológica do art. 31º/2: basta que
o negócio seja válido no país da residência, quer se aplique a lei da residência, quer
aplique outra lei. Se o caso fosse resolvido no país da residência, o juiz aplicaria a lei do
local da celebração com referência material, ou seja, o direito material argentino, que
considera o negócio válido.

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DALILA GOMES PATRÍCIO
DIP- RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS
2019/2020
Concluindo, reconhecemos a validade da perfilhação, à luz da lei argentina, lei
aplicada no país da residência, com fundamento no princípio do favor negoti,
consagrado no expediente do art. 31º/2 CC.

CASO PRÁTICO 36

INTRODUÇÃO

Neste caso, convocamos a aplicação da regra de conflitos do art. 49º CC, cujo
conceito-quadro é “capacidade para contrair casamento”. O elemento de conexão é a
nacionalidade. A é norte-americano, por isso a lei aplicável é a lei norte-americana.
Contudo, nos EUA encontramos um ordenamento jurídico plurilegislativos com base
territorial, ou seja, o Estado está dividido em territórios (estados) e em cada um desses
territórios aplica-se uma lei diferente. No caso dos EUA, cada parte do território tem as
suas regras de direito internacional privado, ou seja, não o Estado não tem direito
interlocal, nem direito internacional provado único. Neste sentido, segundo o art. 20º/2
CC, considera-se como lei pessoal a lei da residência – lei dinamarquesa.

Note-se que esta é a posição da ESCOLA DE COIMBRA: segundo o art. 20º/2,


desistimos de aplicar a lei da nacionalidade e aplicamos a lei da residência, quer este
seja no país da nacionalidade ou não. Neste caso, não faria sentido estar a considerar
como lei da residência a lei com ligação mais forte à pessoa dentro do país da
nacionalidade, pois A não nasceu nos EUA e visitava o país pela primeira vez à data do
casamento.

Ora, a lei competente para responder à questão da validade do casamento é a lei


dinamarquesa. Esta considera o casamento nulo.

Contudo, se considerasses aplicável a lei da Carolina do Sul – lei do local da


celebração – o casamento seria válido. Desta forma, o casamento é válido no país da
nacionalidade, apesar de não o ser no país da residência. Teríamos de fazer uma
interpretação enunciativa por maioria de razão do art. 31º/2.

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