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DIP

AULAS PRÁTICAS - PROF. BEATRIZ VITORINO


FDL 2019

Frequência - 50%
Participação - 30%
Comentário de jurisprudência - 20%

beatrizmacedovitorino@gmail.com

ÍNDICE

VISITA GUIADA PELA LEGISLAÇÃO DE DIP 3

MÉTODOS DE REGULAÇÃO DE SITUAÇÕES PRIVADAS INTERNACIONAIS 11

FONTES INTERNAIONAIS, COMUNITÁRIAS E INTERNAS 20

REGRAS DE CONFLITO BILATERAIS E UNILATERAIS 23

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA/NECESSÁRIA 28

INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO 35

REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS 41

REENVIO OU DEVOLUÇÃO 45

FRAUDE À LEI 76

QUALIFICAÇÃO 78
VANTAGENS DE UM ESTADO APLICAR A LEI DE OUTRO ESTADO
1. O tribunal terá competência se existir uma certa relação com ele;
Pode dar-se o caso de nenhum ser competente.
Se não fosse necessária essa relação, uma pessoa podia instaurar uma acção
no lugar onde lhe apetecesse - tem de haver um equilíbrio
2. Proximidade entre o tribunal e as provas;
3. Eficácia da decisão em termos de execução;
4. Certeza e previsibilidade - é o direito internacional privado do estado do tribunal
competente que determina qual a lei aplicável ao caso.

Não há perda de soberania se um estado aplicar a lei de outro estado - porque se isso
acontece é porque é o próprio direito internacional privado do estado do tribunal
competente que determina a aplicação da lei de outro estado.
Quando se aplicam as normas de conflito portuguesas, está a exercer-se soberania
Portuguesa. E mesmo quando se aplicam as normas estrangeiras em tribunais
portugueses, só se aplicam porque o próprio direito português o permite - por isso, é
igualmente um exercício de soberania.

Caso típico de DIP:


A celebra um CV com B.
A é comerciante português. A empresa está em Portugal.
Empresa de B está na Alemanha.
Prestação de facto em Itália.

Temos 3 ordenamentos jurídicos possíveis para regular o litígio.


O que tem que ver com a UE aplicam-se os regulamentos de Roma (I, II, III e IV)
Se for fora da UE já se aplicam os artigos do CC sobre o DIP.

DIP regula situações transnacionais, que transcendam a esfera nacional de um


estado. Tem elementos de conexão com vários estados.
Lima Pinheiro - chama situações transnacionais porque é a expressão utilizada em
direito público. Não aceita a denominação de situações privadas transnacionais,
porque o direito internacional privado não regula apenas situações entre entes
privados, vejamos um exemplo:
1. Situações dos sujeitos - pode um ente público, se agir como ente privado, ser
equiparado a um ente privado quanto à aplicação do direito.

Quando é que se aplica o direito interno de um estado numa situação de direito


internacional privado? São renúncias à imunidade do estado, quando o estado
renuncia aplica-se ao direito internacional privado.

DIP tem uma função triangular:


1. Determinação da lei aplicável;
2. Determinação do tribunal competente;

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3. Reconhecimento de sentenças.

Características das normas de conflito:


As normas de DIP são ainda normas de conduta - pq as partes têm de saber qual o
direito que tem de ser aplicado antes do surgimento do próprio litígio. Contudo é uma
previsibilidade que não é 100% segura, porque a situação que leva ao litígio pode
ainda ser um elemento de conexão para determinar a lei aplicável.

- NORMAS DE REGULAÇAO INDIRETA


- Normas materiais: as normas de DIP são de regulação indireta porque remetem
para um certo ordenamento jurídico e, por isso, têm uma valoração autónoma e
não produzem em si os efeitos jurídicos que o direito material produz. Quando se
aplica as normas materiais produzem-se logo efeitos na ordem jurídica das
pessoas, quando se aplicam as normas de DIP não há logo a produção desses
efeitos.
- NORMAS DE CONEXÃO
- NORMAS FUNDAMENTALMENTE FORMAIS
- Limites a este formalismo - (i) reserva de ordem pública internacional; (ii)
normas de conflito materialmente orientadas; (iii) efeito modelador

VISITA GUIADA PELA LEGISLAÇÃO DE DIP

VISITA GUIADA AO CC E À LEGISLAÇÃO DE DIP


Art 14º do CC: não é uma norma de conflitos;
Art 15º do CC: o que este artigo quer dizer é - quando numa certa situação se diz
que se aplica a lei alemã, não é toda a lei alemã. São apenas as normas que dizem
respeito ao instituto jurídico em causa;
Art 25º e ss.: normas de conflito;
Art 33º do CC: regra da sede real. Conjugar com o art 3º nº1 do CSC - é uma norma
de conflitos unilateral, embora tenha por base um elemento de conexão, apenas
remete para o direito português. Se houver uma sociedade com sede em Portugal, faz
um negócio com um terceiro que veja que os seus estatutos (é um requisito) e o
terceiro invocar essa regra da sede estatutária, que é em Portugal. Portanto o 3º diz
que a lei aplicável é a portuguesa. A sociedade já não poderá invocar a regra da sede
de administração (caso a administração seja noutro estado), deste modo aplicar-se-á
a lei portuguesa.
Art 27º do CC + 45º do CC: quando há uma violação de direitos de personalidade e
queremos saber qual o conteúdo da responsabilidade.
46º nº2 do CC conjuga-se com os artigos dos negócios jurídicos (35º a 40º)

• Roma III - aplicável às relações familiares, nomeadamente ao divórcio e separação


de bens;
Regulamentos importantes também em matéria de relações familiares:
2016/1103 - relações familiares

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2016/1104 - relações familiares
• Roma IV - sucessões
• Roma II - relações extra contratuais
Considerandos importantes neste regulamento: 6, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 20,
21, 30, 31, 32, 34.
Art 1º: âmbito de aplicação material; nº4 âmbito de aplicação territorial;
Art 14º: mesmo em caso de obrigações extra contratuais, as partes podem
definir qual a lei aplicável. Contrariamente ao que o CC determina;
Art 16º: normas internacionalmente imperativas - ler considerando 32
Art 17º: ler considerando 34
• Roma I - negócios unilaterais e obrigações contratuais

CASO 3 - VISITA GUIADA (obrigações contratuais, extra contratuais, divórcio


e sucessões)

Em 30 de Janeiro de 2013, ABM, sociedade comercial com sede no Texas (EUA), vendeu
à BoaBase, sociedade comercial com sede em Portugal, 10 computadores.
O contrato foi celebrado em Portugal e os computadores foram entregues em Portugal.
No contrato, as partes incluíram a seguinte cláusula: “É aplicável ao contrato a lei
brasileira”.
Qual a lei aplicável à questão, admitindo que a questão é colocada perante os tribunais
portugueses?

A tem sede nos EUA;


B tem sede em Portugal;
A —> B 10 computadores;
Contrato celebrado em Portugal;
Prestação de facto em Portugal;
As partes escolheram a lei aplicável - lei brasileira.

A questão é levantada perante os tribunais portugueses, qual a lei aplicável?

In casu, estamos perante a celebração de um contrato de compra e venda entre dois


países. Deste modo, há dois ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis, o
português e o brasileiro. Contudo, as partes convencionaram qual a lei aplicável - a lei
brasileira.

Âmbitos de aplicação do regulamento 593/2008:


• Âmbito material - art 1º do reg - está preenchido, uma vez que estamos perante
uma obrigação contratual em matéria comercial e não cabe dentro de nenhuma
matéria excluída pelo nº2;
• Temporal - art 29º do reg - está preenchido, uma vez que o regulamento se
aplica desde 17 de dezembro de 2009;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transaccional;

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•Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro.
Conclusão: aplica-se o regulamento nº 593/2008.

Art. 3º nº1 do reg: consagra a regra da autonomia da vontade das partes. As


partes podem escolher o direito aplicável ao negócio jurídico, tendo esta
escolha de ser expressa ou de resultar de forma clara das disposições do contratos ou
das circunstâncias do caso.
E o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes - lei escolhida foi a brasileira, a
lei aplicável é a brasileira.

NÃO ESQUECER DE MENCIONAR:


+ considerando 15;

A lei aplicável perante os tribunais portugueses é a lei brasileira.

NOTA PARA TER ATENÇÃO: hoje em dia, a aplicabilidade do artigo 41º do CC está
muito limitada porque a RR I no seu artigo 3º consagra também esta regra segundo a
qual é permitido às partes a escolha da lei aplicável - embora com algumas
diferenças.
Assim, o artigo 41º do CC aplica-se aos contratos celebrados antes da entrada em
vigor da RR I, aos contratos excluídos do âmbito de aplicação desta convenção
(negócio em apreço não era excluído do âmbito de aplicação da RR I, por isso é que
não recorremos ao artigo 41º do CC, mas antes ao artigo 3º da RR I) e aos negócios
jurídicos unilaterais, desde que não sujeitos a regras especiais.

Sub-hipóteses (as sub-hipóteses são totalmente independentes entre si, exceto se


expressamente disserem o contrário)

a. Imagine que as partes não tinham escolhido a lei aplicável. Qual é a lei reguladora do
contrato?

Art 4º nº1 alínea a) do reg: o CCV é regulado pela lei do país em que o vendedor
tem a sua residência habitual;
Art 19º nº1 do reg: residência habitual de sociedades é o local onde se situa a sua
administração central - A tem sede no Texas, por isso, tem residência habitual no
Texas.
A lei aplicável é a dos EUA.
Contudo, os EUA são um ordenamento jurídico complexo:
• Art 22º nº1 do reg - lei aplicável é a do Texas.

b. Imagine que, nos termos do contrato celebrado, a ABM se obrigava a entregar à


BoaBase, para gozo temporário desta, 10 computadores, bem como a prestar
serviços de manutenção in site dos referidos computadores, mediante o pagamento de
uma renda mensal pela BoaBase. Os computadores e os serviços de manutenção

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deviam ser entregues e prestados em Portugal. As partes não escolheram a lei
aplicável. Qual é a lei reguladora do contrato?

Não cabe em nenhuma das alíneas do art 4º nº1 do reg?


O contrato tem uma parcela de prestação de serviços - a alínea b) está preenchida,
embora não totalmente porque o contrato é misto.
A outra parcela do contrato é o aluguer dos computadores - tal contrato não está
previsto em nenhuma alínea do art 4º nº1.
Então não se preenche nenhuma alínea.

Quer o aluguer quer a prestação de serviços são feitos pela mesma parte. Por isso,
poderemos aplicar a alínea b) e, deste modo, a lei aplicável é a lei do Texas:
• Art 4º alínea b) + art 19º + art 22º.

Mas podemos considerar o art 4º nº3 - há uma conexão mais estreita com Portugal.,
uma vez que tanto o contrato de aluguer como o de prestação de serviços devem ser
cumpridos em Portugal. Deste modo, aplicar-se-á a lei portuguesa.

Imagine que, nos termos do contrato celebrado, a ABM se obrigava a entregar os 10


computadores à BoaBase e a BoaBase obrigava-se a entregar à ABM 20 smartphones. Os
computadores e os smartphones foram entregues na Espanha. As partes não escolheram a lei
aplicável. Qual é a lei reguladora do contrato?

Art 4º nº4 do reg - lei espanhola é onde há a conexão mais estreita tendo em conta
o lugar da prestação de facto. Por isso, aplica-se a lei Espanhola.

CASO 4 - VISITA GUIADA (obrigações contratuais, extra contratuais, divórcio


e sucessões)

Em Janeiro de 2016, o veículo de Armande, cidadão francês com residência habitual na


França, que se encontrava a passar férias em Portugal, colide frontalmente na EN 125 com o
veículo de Benito, cidadão espanhol com residência habitual na Espanha.
Benito propõe ação junto de tribunais portugueses para ser ressarcido dos danos sofridos.
Qual é a lei que vai regular a pretensão de Benito?

A é francês e reside em França;


B é espanhol e reside em Espanha;
A colide com B em Portugal.
B vai junto dos tribunais portugueses para ser ressarcido dos danos sofridos. Qual a
lei aplicável.

Temos 3 ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis: português, francês e


espanhol.

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REG nº 864/2007 (RR II), uma vez que estamos perante um obrigação extra
contratual. Para saber se este regulamento se aplica temos de verificar os vários
âmbitos de aplicação do mesmo:
• Âmbito material - art 1º do reg - está preenchido, uma vez que estamos perante
uma obrigação extra contratual em matéria civil e não cabe dentro de nenhuma
matéria excluída pelo nº2;
• Temporal - art 31º e 32º do reg - está preenchido, uma vez que o regulamento se
aplica desde 11 de janeiro de 2009;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transaccional;
• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro.
Conclusão: aplica-se o regulamento nº 864/2007.

Art 4º nº1 da CR II: aplica-se a lei do país onde ocorreu o dano, ou seja, neste
caso, a lei portuguesa uma vez que foi lá que ocorreu a colisão.
Depois mencionar sempre art 15º

Sub-hipóteses (as sub-hipóteses são totalmente independentes entre si, exceto se


expressamente disserem o contrário)

a.Imagine que, durante a pendência da ação, Armande e Benito acordam entre si que a
lei que deve regular o ressarcimento dos danos é a lei alemã. Quid juris?

Art 14º nº1 alínea a) da CR II: as partes podem subordinar obrigações extra
contratuais a uma lei da sua escolha desde que:
• A convenção seja posterior ao facto que deu origem ao dano; OU caso todas as
partes desenvolvam atividades económicas mediante uma convenção anterior ao
facto que deu origem ao dano;
• A escolha não prejudique os direitos de terceiros;
• A escolha seja expressa ou decorra das circunstâncias do caso.

Neste caso, as partes escolhem a lei alemã na pendência da ação, pelo que escolhem
em momento posterior à colisão dos veículos, a escolha é expressa e, à partida, não
prejudica direitos de terceiros. Deste modo, a lei aplicável será a alemã.

NÃO ESQUECER DE MENCIONAR:


+ Considerando 31
+ Art 14º nº2 e nº3 do reg
+ Art 16º do reg

(Esta escolha poderia prejudicar direitos de terceiros se o acordo entre o lesado e o


agente prejudicasse a seguradora, por exemplo.)

b.Considere que Armande tem residência habitual na Espanha. Qual é a lei aplicável?

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Se A tem residência habitual em Espanha, a residência do lesado (B) e da pessoa cuja
responsabilidade é invocada (A) é no mesmo país no momento em que ocorre o dano,
pelo que caímos na previsão do art 4º nº2 da CR II.
Deste modo, a lei aplicável é a lei desse país, ou seja, a lei espanhola.

NÃO ESQUECER DE MENCIONAR:


+ art 16º do reg - normas de aplicação imediata.

c.Considere que Armande é nacional espanhol. Qual é a lei aplicável?


Neste caso, aplica-se a regra geral do art 4º nº1 do reg: a lei aplicável é a lei do
país onde ocorre o dano.
O dano ocorreu em Portugal, por isso, a lei aplicável é a Portuguesa.

d.Imagine que Armande e Benito residem habitualmente em território inglês e que o


choque frontal se deveu ao facto de Armande se encontrar a circular pelo lado esquerdo
da faixa de rodagem e Benito pelo lado direito da faixa de rodagem. De acordo com o
Código da Estrada português, “a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado
direito da faixa de rodagem”, mas, de acordo com o Direito rodoviário inglês, a posição de
marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado esquerdo da faixa de rodagem. Qual é a lei
aplicável: (i) à determinação do montante da indemnização e (ii) à determinação da
ilicitude?

Quanto à determinação da ilicitude a lei aplicável é a portuguesa - artigo 17º


da CR II: para avaliar o comportamento do agente (A) são tidas em conta as regras
de segurança e conduta em vigor no lugar em que ocorre o facto que dá origem à
responsabilidade. A colisão dos veículos ocorreu em Portugal.
+ considerando 34.

Quanto à determinação do montante da indemnização a lei aplicável é a lei


inglesa - artigo 4º nº2 do reg: quando o lesado e o agente têm a mesma
residência habitual no momento em que ocorre o dano, aplica-se a lei da residência
habitual comum. Como residem habitualmente em Inglaterra, aplica-se essa lei.

CASO 5 - VISITA GUIADA (obrigações contratuais, extra contratuais, divórcio


e sucessões)

Ana, cidadã portuguesa e brasileira, com residência habitual na França, e Bernardo,


cidadão marroquino com residência habitual na Espanha, casaram-se em 1 de agosto de 2009,
em Leiria. Após o casamento passaram a viver na Alemanha.
No dia 1 de maio de 2013, após uma violenta discussão, Bernardo abandona a casa de
morada de família e, a partir de 20 de maio de 2013, passa a viver sozinho em Lisboa.
Em 24 de maio de 2014, Bernardo intenta uma ação no tribunal de comarca de Lisboa
pedindo que seja decretado o divórcio.
Determine a lei reguladora do divórcio.

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Estamos perante uma situação transnacional, uma vez que temos vários
ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis.

Temos de ponderar a aplicação do reg nº1259/2010 (CR III), uma vez que perante
um caso de divórcio. Para tal temos de analisar os âmbitos de aplicação:
• Temporal: art 21º - está preenchido, uma vez que aplica-se a partir de 21 de
junho de 2012, e no caso o divórcio é pedido a 24 de maio de 2014;
• Material: art 1º - está preenchido, uma vez que se trata de um divórcio e não diz
respeito a nenhum caso disposto no nº2;
• Espacial: está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transaccional;
• Territorial: o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal é
um estado membro e foi onde a ação foi proposta.

Art 8º alínea d) do reg: a lei aplicável é a do Estado em que se situe o tribunal


onde o processo foi instaurado. O processo foi instaurado em Lisboa, pelo que a lei
reguladora do divórcio é a lei portuguesa.

NÃO ESQUECER MENCIONAR:


+ art 11º do reg.

Sub-hipóteses (as sub-hipóteses são totalmente independentes entre si, exceto se


expressamente disserem o contrário)

a.Imagine que Bernardo tinha ido viver sozinho para a Lituânia e tinha intentado a ação
nesse país. A sua resposta alterava-se?

À partida a resposta seria a mesma - Lituânia é um estado membro e o regulamento


aplicar-se-ia na mesma (âmbito territorial).
Aplicar-se-ia na mesma o art 8º alínea d) do reg e, por isso, o tribunal competente
seria o da Lituânia.

b.Imagine que no dia 10 de maio de 2013, Ana e Bernardo consultam-no porque


pretendem escolher a lei brasileira como lei reguladora de um eventual divórcio. Determine
se tal é possível e, em caso afirmativo, quais os requisitos formais aplicáveis, tendo presente
que o artigo 46.º-D/1 da Lei de Introdução ao Código Civil Alemão obriga a registar no
notário os acordos de escolha de lei em matéria de divórcio.

Art 5º nº1 alínea c) do reg - podem escolher a lei brasileira porque é a


nacionalidade de A à data do acordo.
Os requisitos formais do acordo estão previstos no artigo 7º da CR III:
• Reduzido a escrito;
• Datado;
• Assinado por ambos os cônjuges;
• Como a lei alemã obriga a que se registe no notário o acordo, esse registo é
também um requisito pelo artigo 7º nº2 da CR III. Porque B só passa a viver

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sozinho a 20 de maio, por isso, à data do acordo ainda tem residência na
Alemanha.

ATENÇÃO: A tem dupla nacionalidade - portuguesa e brasileira


Lei 37/81 - art 27º, só a nacionalidade portuguesa releva face à lei portuguesa.

c.Imagine que as partes escolheram como lei aplicável o Direito marroquino, que concede
ao cônjuge homem o direito de se divorciar através do repúdio unilateral (talak). Bernardo
intenta ação de divórcio em Portugal, fundamentando o seu pedido no direito de repúdio
unilateral (talak). Como deve o juiz atuar?

Aplica-se a lei do foro, ou seja, a lei Portuguesa.

CASO 6 - VISITA GUIADA (obrigações contratuais, extra contratuais, divórcio


e sucessões)

António, que nasceu em Londres e é nacional francês e do Reino Unido, veio viver a sua
reforma para o Algarve. Desde 2010 que vive em Albufeira, tendo anteriormente vivido em
Paris. Em 2011, adotou plenamente Bernardo, cidadão português com residência habitual em
Portugal. António falece, em 20 de Agosto de 2017, com bens imóveis em Portugal. Deixou
testamento no qual estipulou que à sua sucessão deve ser aplicado o direito material inglês.
Diga qual é a lei aplicável à sua sucessão?

Regulamento nº 650/2012 (Roma IV) - âmbitos de aplicação:


• Temporal: art 84º - está preenchido, uma vez que aplica-se a partir de 17 de
agosto de 2015, e no caso A morre a 20 de agosto de 2017;
• Material: art 1º - está preenchido, uma vez que se trata de uma sucessão por
morte e não diz respeito a nenhum caso disposto no nº2;
• Espacial: está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transaccional;
• Territorial: o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal é
um estado membro.

Art 22º nº1 do reg: uma pessoa com nacionalidade múltipla (como é o caso de A)
pode escolher a lei de qualquer dos Estados de que é nacional no momento em que
faz a escolha. A é nacional de França e do Reino Unido, pelo que pode escolher um
destes dois ordenamentos jurídicos, desde que no momento da escolha já tivesse
essas duas nacionalidades.
A lei aplicável será a lei inglesa.

NÃO ESQUECER MENCIONAR:


+ art 23º do reg - este determina o que é que esta lei concretamente regula;
+ estamos a falar de ordenamentos jurídicos complexos (Inglaterra é um
ordenamento jurídico complexo) - art 36º nº2 al b), aplica-se a lei do Reino
Unido.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 10


Sub-hipótese

A sua resposta seria a mesma se António tivesse falecido intestado?

Tendo em conta que foi no seu testamento que A deixou expresso a escolha da lei
aplicável à sua sucessão, se morresse intestado significaria que não tinha feito
escolha da lei aplicável.

Art 21º nº1 do reg: a lei aplicável é a lei do estado onde o falecido tinha residência
habitual no momento do óbito. No momento do óbito, A tinha residência habitual em
Portugal, uma vez que desde 2010 vivia em Albufeira - por isso, a lei aplicável é a
portuguesa.
Deste modo, a resposta seria diferente da anterior.

MÉTODOS DE REGULAÇÃO DE SITUAÇÕES PRIVADAS


INTERNACIONAIS

CASO 1 - MÉTODOS DE REGULAÇÃO DE SITUAÇÕES PRIVADAS


INTERNACIONAIS

António pretende casar-se. É alemão e vive em Portugal, mas está a pensar emigrar para a França.
A lei alemã (lei da nacionalidade) impede o casamento de António, ao contrário da lei francesa e
da lei portuguesa (lei da residência habitual), que permitem o casamento.

A. Supondo que não existem normas de conflitos nos três países em causa e que, em cada um
deles, é aplicado o direito material comum como método de regulação de situações privadas
internacionais:

Se em cada um destes países é aplicado o direito material comum a situações


privadas internacionais - e não existem normas de conflito - significa que está em
causa um método de regulação direta dessas situações.

O método de regulação direta aqui em causa é a aplicação direta do direito


material comum: este método reconduz-se à orientação jurisdicionalista, na medida
em que situações internacionais são reguladas como se de situações
meramente internas se tratassem - os tribunais do Estado X aplicam a todas as
situações transnacionais, o direito comum aplicável às situações internas. Mesmo às
situações que não tenham qualquer ligação especialmente significativa com esse
estado. Por outras palavras, o órgão aplicador do direito aplica o direito
material da ordem jurídica a que pertence.

a.se António se quiser casar em Portugal, pode casar-se?

Sim, pode! Porque a lei Portuguesa o permite.

b.se António se quiser casar na França, pode casar-se?

DIP - BEATRIZ FERRINHO 11


Sim, pode! Porque a lei Francesa o permite.

c.se António se quiser casar na Alemanha, pode casar-se?

Não, não pode! Porque a lei alemã o proíbe.

VANTAGENS DESTE MÉTODO DE REGULAÇÃO:


• Diminui a possibilidade de erros judiciais, por melhor conhecimento da lei do foro;
• É menos dispendioso e mais eficiente, uma vez que o diz não terá de procurar o
conteúdo do direito material estrangeiro.

DESVANTAGENS DESTE MÉTODO DE REGULAÇÃO:


• Desarmonia internacional de soluções, o que pode levar à frustração das
expectativas objetivamente fundadas dos interessados, pondo em risco a
segurança jurídica e a tutela da confiança: o direito aplicável não é previsível,
uma vez que varia consoante o estado em que a questão se colocasse. No
exemplo do caso prático, o casamento seria válido pela lei portuguesa e francesa,
mas não o seria pela lei alemã;
• Este método fomenta o forum shopping, na medida em que torna possível
procurar o direito material mais favorável: caso os tribunais de um determinado
estado se considerem internacionalmente competentes, o autor proporá a ação
no estado cujo direito material lhe for mais favorável.

B. Existindo normas de conflitos nos três países e tendo em consideração essas normas:

O método conflitual (regulação indireta) procura qual das leis em presença apresenta
a melhor ligação com o caso concreto. A escolha é feita através da definição de
critérios.
Tem como vantagem a preservação da identidade cultural dos vários direitos, mas
tem como desvantagem a dificuldade em determinar qual a conexão mais estreita ou
significativa da relação jurídica.
Esta é o método vigente em Portugal - normas de conflito de base bilateral, ou seja,
normas que remetem tanto para o direito do foro como para o direito estrangeiro.

a.se António se quiser casar em Portugal, pode casar-se?

A norma de conflitos aplicável é a que decorre da conjugação do artigo 49º CC com o


artigo 31º do CC.
Art. 49º do CC: a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei pessoal de
casa nubente;
Art. 31º do CC: a lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.
O nubente é alemão, pelo que a lei pessoal para efeitos de celebração do casamento é
a lei alemã.
A lei alemã não permite o casamento de António.
Conclusão: António não se poderá casar em Portugal.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 12


b.se António se quiser casar na França, pode fazê-lo, sabendo que a norma de conflitos
francesa aplicável ao casamento remete para a lei da nacionalidade?

Se a norma de conflitos francesa manda aplicar a lei da nacionalidade do nubente,


significa que se aplica a lei alemã.
A lei alemã não permite o casamento de António.
Conclusão: António não se pode casar em França.

c.se António se quiser casar na Alemanha, pode fazê-lo, sabendo que a norma de conflitos
alemã aplicável ao casamento remete para a lei da nacionalidade?

Se a norma de conflitos Alemã manda aplicar a lei da nacionalidade do nubente,


significa que se aplica a lei alemã.
A lei alemã não permite o casamento de António.
Conclusão: António não se pode casar na Alemanha.

CASO 2 - MÉTODOS DE REGULAÇÃO DE SITUAÇÕES PRIVADAS


INTERNACIONAIS

Luisão é brasileiro, tem residência habitual em Portugal e quer-se casar.


A lei brasileira impede o casamento; a lei portuguesa permite-o.
No Brasil, a norma de conflitos pertinente manda aplicar a lei do domicílio (que é a lei
portuguesa).

Usando o processo ou método conflitual de regulação de situações transnacionais:

No método conflitual procura-se qual das leis em presença apresenta a melhor ligação
com o caso concreto. A determinação da norma aplicável é, então, feita por normas
de conflitos, que têm em causa os melhores critérios a ter em conta.

a.se Luisão se quiser casar em Portugal, pode fazê-lo?

O artigo 49º do CC é uma norma de conflitos portuguesa em matéria de casamento


e determina que a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei
pessoal.
A lei pessoal é, por imposição do artigo 31º do CC, a lei da nacionalidade do
indivíduo, sendo Luisão um cidadão brasileiro, somos remetidos para o ordenamento
jurídico brasileiro.

Contudo, a norma de conflitos brasileira aplicável a este caso remete para a lei
do domicílio, ou seja, para a lei portuguesa, uma vez que Luisão reside
habitualmente em Portugal.

Conclusão: lei portuguesa (art 49º + art 31º) remete para a lei brasileira. A lei
brasileira aplicável ao caso remete para a lei portuguesa.
Nesta sequência, estamos perante um caso inserido no âmbito do art 18º do
CC, uma vez que a lei designada pela norma de conflitos (art 49º do CC) - lei
brasileira - devolve a resolução da situação para o direito interno português.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 13


Neste sentido, conforme o disposto no artigo 18º nº1 do CC aplica-se o direito
interno português.
Contudo, não podemos esquecer o nº2 deste mesmo artigo que faz a seguinte
salvaguarda: quando se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal a lei
portuguesa só é aplicável:
• Se o interessado residir habitualmente em Portugal;
• Ou se a lei do país da residência habitual considerar igualmente competente o
direito interno português.

Se considerarmos que matéria de casamento é matéria inserida no estatuto


pessoal, para que se aplique a lei portuguesa é necessário que se preencha um
destes requisitos supramencionados. Luisão reside habitualmente em Portugal, pelo
que se aplicará a lei portuguesa e ele poderá casar, porque esta lei o permite.

Mesmo que consideremos que a matéria de casamento não é matéria inserida


no estatuto pessoal, a lei portuguesa aplica-se na mesma, por imposição do artigo
18º nº1 do CC e Luisão pode casar em Portugal.

b.se Luisão se quiser casar no Brasil, pode fazê-lo?

A norma de conflitos do sistema jurídico brasileiro manda aplicar a lei do domicílio, ou


seja, a lei portuguesa uma vez que Luisão reside habitualmente em Portugal.

Lei brasileira —> lei portuguesa

A lei portuguesa, no seu artigo 49º do CC, remete para a lei da nacionalidade, ou
seja, para a lei brasileira.

Lei portuguesa —> lei brasileira

Aplicamos a lei brasileira e esta impede o casamento de Luisão, pelo que ele não se
poderá casar no Brasil.

CASO 7- PLANOS DE REGULAÇÃO

Discute-se, em janeiro de 1977, perante tribunais portugueses qual a lei reguladora dos efeitos do
casamento celebrado entre Aníbal, cidadão italiano, habitualmente residente em Portugal e Berta,
cidadã espanhola, habitualmente residente em França. Diga, justificadamente, qual é a lei reguladora
dos efeitos do casamento, sabendo que:

a) de harmonia com o art. 36º nº3 da CRP de 1976, “os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à
capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.

b) Em janeiro de 1977, o artigo 52.o do Código Civil dispunha:

DIP - BEATRIZ FERRINHO 14


“1. Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum.

2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a
lei pessoal do marido.”;

c) Em janeiro de 1977, o artigo 31.o, n.o 1, do Código Civil tinha redação idêntica à atual;

d) Os cônjuges residiam ambos em França entre 1960, data em que casaram, e 25 de abril de 1974, data
em Aníbal abandonou o lar conjugal e se fixou em Portugal.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, na medida em que temos


várias ordens jurídicas em causa: italiana (nacionalidade a A), portuguesa (residência
de A), espanhola (nacionalidade de B) e francesa (residência habitual de B).
Como a questão é colocada junto dos tribunais portugueses, é desse ordenamento
jurídico que partimos.
Temos de analisar o art 52º do CC com a redação de 1977, e dele resulta:
• As relações dos cônjuges são reguladas pela lei nacional comum - A e B não têm
nacionalidade comum pelo que temos de recorrer ao nº2;
• É aplicável a lei da residência habitual comum - A e B não têm atualmente
residência habitual comum;
• Deste modo, aplica-se a lei pessoal do marido - art 31º nº1 do CC determina que
a lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo, por isso a lei italiana.

Não obstante, a aplicação do art 52º do CC levanta um grave problema: este artigo
é inconstitucional, por ser contrário ao disposto no art 36º nº3 da CRP.
Este artigo da CRP consagra o princípio da igualdade entre os cônjuges e o art
52º, no seu nº2, 2ª parte viola esse princípio na medida em que determina que,
na falta de nacionalidade ou de residência habitual comuns, aplica-se a lei pessoal
do marido.

A questão que se levanta é a seguinte: as normas de conflito portuguesas podem


ser afastadas se contrárias à CRP? A questão levanta divergência doutrinária:
• JORGE MIRANDA: entende que sim, defendendo que a CRP se sobrepõe
sempre. Daqui resulta a possibilidade de afastar normas de conflitos que forem
contrárias à CRP. Este é também o entendimento do TC.
• FERRER CORREIA: entende que o DIP tem que dar segurança e certeza, pelo
que se deve restringir a possibilidade de as normas de conflitos serem
afastadas quando contrárias à CRP. Ainda assim, essa possibilidade pode ser
aceite.
• RUI MOURA RAMOS: defende que as normas de conflito portuguesas podem
ser afastadas se contrárias à CRP, sob pena de inconstitucionalidade. Uma vez
que o DIP, como parte da ordem jurídica de um Estado, não pode ser um espaço
livre de constitucionalidade.
• DÁRIO MOURA VICENTE: as normas de conflitos sujeitam-se à CRP. A CRP
é a expressão imediata dos valores jurídicos base acolhidos na comunidade
política, pelo que não podem aceitar normas de conflito contrárias à CRP.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 15


Perante toda esta divergência, parece ser de acolher a solução por via da qual as
normas de conflito se submetem à CRP. Deste modo, o art 52º do CC não seria
de aplicar por ser contrário ao art. 36º nº3 da CRP.

LIMA PINHEIRO sobre o DIP e o DTO CONSTITUCIONAL:


O caráter formal das normas de conflitos conhece limites, mas tal não significa uma
neutralidade valorativa. O DIP tem a sua própria justiça e os seus próprios valores,
que estão relacionados com a justiça e os valores da ordem jurídica no seu conjunto -
o DIP não pode ser imune aos grandes vetores que percorrem a ordem
jurídica em que se insere.

O DTO CONSTITUCIONAL interfere com o DIP em vários planos, vejamos os


seguintes:
• Quando a CRP dispõe sobre a receção do DIP, sobre as condições de vigência do
DIP - art 8º da CRP;
• Quando a CRP incide sobre complexos normativos conexos, designadamente o
direito da nacionalidade;
• Quando a CRP incide sobre normas que constituem um pressuposto ou um limite
ao funcionamento do direito de conflitos, designadamente o direito dos
estrangeiros no art 15º da CRP;
• Pela incidência sobre o sistema de direito dos conflitos: neste ponto é importante
salientar, que a incidência da CRP sobre as normas de conflitos colocou-se com
respeito à compatibilidade de certos elementos de conexão com a tutela
constitucional dos direitos fundamentais.
• Mais precisamente no caso Português, o controlo da constitucionalidade das
normas de conflitos foi discutido a propósito do princípio da igualdade,
designadamente perante normas de conflitos em matéria de relações entre
cônjuges e de divórcio que mandavam aplicar a lei da nacionalidade do
marido.
• A reforma do CC de 1977 demonstrou que na escolha dos elementos de
conexão há que ter em conta normas e princípios constitucionais - o art 36º
nº3 da CRP, que consagra a igualdade dos cônjuges, obrigou à alteração de
normas do CC como o art 52º, por exemplo.
• O princípio da igualdade neste ponto expressa-se no interesse da mulher em
ver as relações conjugais reguladas por uma lei a que está intimamente
ligada e familiarizada.

CASO 8 - PLANOS DE REGULAÇÃO


Paco, cozinheiro mexicano e italiano nascido no México, reside habitualmente em Linda-
a-Velha. Paco vai todos os trimestres ao México para visitar os seus avós maternos e ainda
para trazer para Portugal iguarias e artesanato mexicanos, que muito aprecia.
Em abril de 2006, Paco, profissionalmente desiludido com Portugal, adquire um imóvel
em Madrid, onde tenciona abrir um restaurante.
O cumprimento dos sonhos de Paco esbarra num particularmente zeloso agente de
autoridade espanhol, que o informa de que ele não pode abrir o estabelecimento porque,
segundo a lei espanhola, não é cidadão de um Estado-membro.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 16


Paco pretende invocar a nacionalidade italiana para efeitos do exercício do direito de
estabelecimento previsto no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia, apesar de nunca sequer ter visitado a Itália.
Admitindo que a lei espanhola regula as situações de plurinacionalidade da mesma forma
que a lei da nacionalidade portuguesa (), esclareça, fundamentadamente, se a pretensão de
Paco procede.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, na medida em que um caso


com pontos de contacto com várias ordens jurídicas: P tem dupla nacionalidade
(mexicana e italiana), começa por residir em Portugal e muda-se depois para
Espanha.

Estamos perante um caso que diz respeito a uma das 4 liberdades europeias: a
liberdade de estabelecimento (de um nacional de um estado membro no território
de outro estado membro).
As outras liberdades são: liberdade de circulação de pessoas, liberdade de circulação
de mercadorias e serviços e liberdade de circulação de capitais.

Agente espanhol: P não pode abrir um estabelecimento em Espanha porque,


segundo a lei espanhola não é cidadão de um estado membro - sendo a lei da
nacionalidade espanhola idêntica à lei da nacionalidade portuguesa quanto às
situações de plurinacionalidade, significa que a lei que releva, para o estado espanhol,
é a lei mexicana (artigo 28º da LN), pois é o Estado com o qual P tem um vínculo
mais estreito. Por isso, o argumento do agente espanhol está correto, para a lei
espanhola P não é cidadão de um estado membro, é cidadão mexicano. E, por
isso, não poderá beneficiar do artigo 49º do TFUE.

Art 49º do TFUE: são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos


nacionais de um estado membro no território de outro estado membro.
Tendo em conta esta disposição, P pretende invocar a sua nacionalidade
italiana, para poder beneficiar do disposto neste artigo.

Acórdão de Micheletti (7/7/1992): As disposições do direito comunitário em


matéria de liberdade de estabelecimento não permitem que um Estado-membro
recuse o benefício dessa liberdade a um cidadão de outro Estado-membro, que
possua simultaneamente a nacionalidade de um Estado terceiro, pelo facto de a
legislação do Estado de acolhimento o considerar nacional de Estado terceiro.
Ou seja, segundo este acórdão, as disposições de direito comunitário não
permitem que o estado Espanhol (que é o estado de acolhimento) recuse o
benefício da liberdade de estabelecimento a P, pelo facto de este, pela lei
espanhola, ser considerado nacional de estado terceiro (México).
Por via jurisprudencial, quando esteja em causa um caso das quatro liberdades
europeias, deverá prevalecer a nacionalidade europeia.

Prof. Dário Moura Vicente - só mesmo quando for possível identificar efetivamente
uma das quatro liberdades é que se preferirá a nacionalidade europeia, caso contrário

DIP - BEATRIZ FERRINHO 17


(quando não está em presença no caso concreto uma liberdade europeia) aplicar-se-á
o art 28º da LN.
Prof. Lima Pinheiro - num caso de plurinacionalidade, quando uma das
nacionalidades for de um estado membro, prevalece sempre esta. Aplica-se sempre a
nacionalidade europeia, independentemente da existência ou não de liberdades
europeias no caso. Ou seja, para este prof o art. 28º da Lei da Nacionalidade nunca
se aplica.

Neste caso, estamos efetivamente perante um caso de liberdade de estabelecimento,


pelo que a nacionalidade que prevalecerá é a europeia - deste modo, a
pretensão de paco prevalecerá.

Sub-hipótese
Qual a lei pessoal de Paco (segundo as normas de conflitos portuguesas)?

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, na medida em que um caso


com pontos de contacto com várias ordens jurídicas: P tem dupla nacionalidade
(mexicana e italiana), começa por residir em Portugal e muda-se depois para
Espanha.
A norma de conflito portuguesa que determina qual a lei pessoal de um indivíduo é o
art 31º nº1 do CC: a lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo.

P tem dupla nacionalidade, pelo que para esta determinação temos de recorrer
ao artigo 28º da Lei da Nacionalidade, uma vez que estamos perante um conflito
de nacionalidades estrangeiras (mexicana e italiana). Segundo este artigo:
• Releva a nacionalidade do Estado em cujo território o indivíduo tenha a sua
residência habitual;
• Na falta desta, releva a nacionalidade do estado com o qual o indivíduo mantenha
um vínculo mais estreito;
• Sendo presumível que P tem a sua residência habitual em Portugal e não tem
nacionalidade Portuguesa, a nacionalidade que prevalecerá será a do Estado com
o qual mantém uma conexão mais estreita - a lei pessoal de P é a lei
mexicana.

CASO 9 - PLANOS DE REGULAÇÃO


António Paulo e Belarmina Gomes, casados um com o outro, são nacionais alemães e
residem habitualmente na Dinamarca.
Em 27 de junho de 2008, nasceu, na Dinamarca, o filho de ambos, também ele nacional
alemão. O filho foi registado na Dinamarca com o nome de Carlos Paulo-Gomes, uma vez
que a lei dinamarquesa permite apelidos compostos, quando um dos progenitores não tenha
assumido o apelido do outro.
Agora, os pais do menor pretendem reconhecer e registar o nome de Carlos Paulo-
Gomes na Alemanha, para efeitos de emissão do passaporte de Carlos.
Porém, a Conservatória do Registo Civil alemã recusa-se a reconhecer o nome porque
considera aplicável ao caso o Direito material alemão, que não admite apelidos compostos.
António e Belarmina consideram que Carlos tem direito a ver o seu nome reconhecido
na Alemanha tal como foi registado na Dinamarca, país onde todos residem.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 18


Admitindo que o Direito de Conflitos alemão estabelece que os nomes das pessoas regem-se
pela lei do Estado da sua nacionalidade, diga, fundamentadamente, se a pretensão de António e
Belarmina procede.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, na medida em que é #um caso
com pontos de contacto com várias ordens jurídicas: Dinamarca, local de nascimento
de C e residência habitual de A e B; Alemanha nacionalidade de A e B.

C nasce na Dinamarca e é registado com um apelido composto, na medida em que a


lei dinamarquesa o admite.
Quando A e B querem registar a criança na Alemanha, não conseguem porque o
direito material alemão não permite apelidos compostos.
A e B consideram que o nome composto deve lhe ser reconhecido na Alemanha,
embora o direito de conflitos alemão preveja que os nomes das pessoas regem-se
pela lei do estado da sua nacionalidade e a nacionalidade de C é alemã.

Acórdão 14 de Out de 2008: uma norma de conflitos nos termos da qual o nome
de uma pessoa deve ser determinado de acordo com a lei da sua nacionalidade não é,
por si só, incompatível com o disposto no artigo 12.° CE/18º TFUE (é proibida toda e
qualquer discriminação em razão da nacionalidade).

Ou seja, a norma de conflitos alemã não é, por si só, incompatível com o art
18º TFUE. Que significa que não é por si só discriminatória em razão da
nacionalidade.

Porém, uma norma deste tipo deve ser aplicada de modo a respeitar o direito que
assiste a todos os cidadãos da União de circularem e permanecerem livremente no
território dos Estados-Membros (está em causa uma das 4 liberdades europeia, mais
concretamente a liberdade de circulação);

Este direito (de livre circulação pelos estados membros) não é respeitado quando um
cidadão foi registado com um determinado nome, de acordo com o disposto na lei
aplicável no seu lugar de nascimento, antes de ser necessário o registo do seu nome
noutro Estado, e lhe é seguidamente imposto o registo de um nome diferente noutro
Estado-Membro;

Ou seja, quando o estado alemão não permite que C seja registado com o nome
que já foi registado na Dinamarca, não está a respeitar o direito de livre
circulação que assiste aos indivíduos dos estados membros.

Conclusão: as autoridades de um Estado-Membro não podem, quando


procedem ao registo do nome de um cidadão da União, recusar automaticamente
o reconhecimento de um nome com o qual já tinha sido legalmente registado
de acordo com as normas de outro Estado-Membro, salvo se este

DIP - BEATRIZ FERRINHO 19


reconhecimento colidir com razões imperativas de ordem pública que não admitam
excepções.
Deste modo, a pretensão de A e B poderá proceder, se o reconhecimento do
nome composto de C não colidir com razões imperativas de ordem pública alemã.

FONTES INTERNAIONAIS, COMUNITÁRIAS E INTERNAS


• As fontes internacionais e comunitárias prevalecem sobre as normas internas -
assim o impõe a própria CRP (artigo 204º da CRP);
• Fontes internas = CC, alguns artigos das cláusulas contratuais gerais, lei da
nacionalidade, art 3º do CSC.

AUTONOMIA DO DIP

• DIP e o DTO CONSTITUCIONAL

Dto constitucional - DIP respeita a CRP. Os tribunais portugueses estão proibidos a


aplicar normas contrárias à CRP.
Mas colocam-se algumas questões, vejamos a seguir:

1. Normas de direito dos conflitos estão subordinadas à CRP?

DÁRIO MOURA VICENTE: regras de DIP têm de se sujeitar aos princípios da CRP.
Tem uma posição intermédia. Poderá aplicar-se o nosso ordenamento contrário à CRP
se não estiver em causa ou a ordem pública internacional ou a ordem pública interna.
Nos casos em que o foro é português, mas a conexão com esse estado é mínima,
porquê aplicar a nossa CRP? Só estão vinculados à CRP quando for um caso de ordem
pública interna. Quando não for um caso de ordem pública interna, poder-se-á aplicar
o DIP, mesmo contrário à CRP.
LIMA PINHEIRO: o carácter formal das normas de DIP (certeza/segurança/
estabilidade jurídica) não significa neutralidade valorativa. O DIP tem a sua própria
justiça e os seus próprios valores, que estão relacionados com a justiça e os valores
da ordem jurídica no seu conjunto;
FERRER CORREIA: DIP tem valores que se têm de sujeita ao crivo da CRP. As
normas de conflito não são regras técnicas axiologicamente neutras. Apesar do cunho
de justiça das normas de DIP ser predominantemente formal (ou seja, baseado na
certeza e estabilidade jurídica), a disciplina de DIP está aberta a certos juízos
jurídico-materiais - é ilícito ignorar princípios, consagrados na CRP, que figuram no
quadro dos valores axiológicos do Estado

Em 1977 reformou-se o CC à luz da CRP de 1976 e alteraram-se as regras de DIP:


• O controlo da constitucionalidade das normas de conflitos foi discutido a
propósito do princípio da igualdade, designadamente perante normas de
conflitos em matéria de relações entre cônjuges e de divórcio que mandavam
aplicar a lei da nacionalidade do marido.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 20


• A reforma do CC de 1977 demonstrou que na escolha dos elementos de
conexão há que ter em conta normas e princípios constitucionais - o art 36º
nº3 da CRP, que consagra a igualdade dos cônjuges, obrigou à alteração de
normas do CC como o art 52º, por exemplo. Uma vez que, o elemento de
conexão previsto neste artigo violava o princípio da igualdade (expresso no
art 36º nº3 da CRP).
• O princípio da igualdade neste ponto expressa-se no interesse da mulher em
ver as relações conjugais reguladas por uma lei a que está intimamente
ligada e familiarizada.

2. Pode aplicar-se lei estrangeira, mesmo se ela for contrária à nossa CRP?

Se a contrariedade à CRP for ofensiva da reserva de ordem pública internacional - não


se pode aplicar a lei estrangeira.

Reserva de ordem pública = normas e princípios imperativos/fundamentais. Esta


reserva visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira conduza a um
resultado intolerável, portanto incide sobre os efeitos jurídicos que resultam da norma
estrangeira.

Na reserva de ordem pública internacional encontram-se princípios constitucionais:

FERRER CORREIA: os preceitos da lei do foro (ou seja, a norma de conflitos


estrangeira) que não se coadunem com os direitos fundamentais consagrados na
legislação portuguesa são inaplicáveis, porque são contrários à ordem pública
internacional do Estado Português.

Lógica do raciocínio deste prof:


1. A CRP tem princípios;
2. A reserva de ordem pública internacional do Estado Português, contém
princípios constitucionais;
3. Uma norma estrangeira que contraria a CRP, logo ofende a reserva de ordem
pública internacional do Estado Português;
4. Deste modo, a norma de conflitos internacional é inaplicável.

JORGE MIRANDA: todas as normas estrangeiras estão sujeitas à fiscalização da sua


constitucionalidade, do ponto de vista da nossa própria CRP.
Os tribunais portugueses não podem aplicar normas contrárias à CRP (art 204º da
CRP), por isso, uma norma de conflitos contrária à nossa CRP é inaplicável.

DÁRIO MOURA VICENTE: o artigo 204º da CRP não está pensado para a lei
estrangeira, uma vez que a CRP não tem pretensão de aplicação universal.
A CRP não pode obstar à aplicação de todas e quaisquer normas estrangeiras por
estas serem contrárias às suas prescrições, porque isso nem sempre se justificará.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 21


Raciocínio a fazer:
1. Verificar as finalidades que a norma constitucional tutela;
2. Ver se à luz de tais finalidades, também faz sentido aplicar a lei estrangeira;
3. Tem de haver uma justificação à luz das finalidades subjacentes à situação,
para se aplicar a lei estrangeira;
4. Se as finalidades tuteladas forem as mesmas, poder-se-á aplicar a lei
estrangeira.

3. Tribunais podem recusar a aplicação de lei estrangeira por esta contrariar


as normas da CRP do país de onde (essa lei) é originária?

O relevante neste ponto, é sabermos se aplicamos uma lei estrangeira e ela não é
aplicável no sistema a que pertence - a relevância não é a lei ser inconstitucional, é
antes não sei aplicada.

Se em dado sistema estrangeiro determinado preceito não é aplicados pela tribunais


ordinários por colidir com as respetivas normas constitucionais, cabe ao juiz
português dar a essa circunstância o devido valor e abster-se também de o aplicar -
temos de aplicar a lei estrangeira tal como ela é aplicada no país. Se a norma, no seu
país, foi declarado inconstitucional, então o tribunal Português não deve aplicar a
norma. Este entendimento é coerente com o princípio da harmonia jurídica
internacional.

Q u a n d o j á h o u v e u m a d e c i s ã o c o m f o r ç a o b r i g a t ó r i a g e ra l s o b r e a
inconstitucionalidade - não se poderá aplicar essa norma, é a opinião do prof DMV.
Quando não houver decisões com força obrigatória geral, mas quando há tribunais
que já tenham considerado, em sede de fiscalização difusa, uma certo preceito
inconstitucional um considerável número de vezes, essa norma já não se poderá
aplicar. Se o julgador português conseguir dizer que uma norma já foi desaplicada x
vezes e, por isso, consigo dizer que não será mais aplicável, então ela não se
aplicará.

Em Portugal, o sistema de fiscalização é difuso.

EM CONCLUSÃO

• NORMA DE CONFLITO PORTUGUESA CONTRÁRIA À CRP —> APLICA-SE A CRP, ou


seja, inaplicação da norma de conflitos;

• NORMA DE CONFLITO ESTRANGEIRA CONTRÁRIA À CRP —> APLICA-SE A CRP


(opinião do FC + JM), ou seja, inaplicação da norma de conflitos;

• NORMA DE CONFLITO ESTRANGEIRA CONTRÁRIA À CRP ESTRANGEIRA —>


INAPLICAÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS (por haver decisão com força obrigatória
geral ou em sede de fiscalização difusa, um certo número de vezes).

DIP - BEATRIZ FERRINHO 22


REGRAS DE CONFLITO BILATERAIS E UNILATERAIS

CASO 10 - REGRAS DE CONFLITO BILATERAIS E UNILATERAIS

António, argelino, encontrando-se em Portugal a trabalhar, compra um computador topo


de gama num estabelecimento comercial localizado em Portugal.
Quando viu que fez um mau negócio, pediu a anulação do contrato com fundamento em
que, de acordo com a lei argelina, a maioridade se adquire aos 23 anos e ele tem apenas 21.
António tem razão?

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: argelina (nacionalidade de António), portuguesa
(residência habitual de António e local da celebração do contrato).


O ponto desta hipótese prática é a capacidade de A para a prática de um ato negocial.


Para a lei argelina: A é incapaz, uma vez que é menor;
Para a lei portuguesa: A é capaz, uma vez que é maior (art 122º do CC).

Partimos da lei portuguesa, na qual está em causa uma situação que se subjaz ao art
28º CC – o negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz
segundo a lei pessoal competente (lei argelina: art 31º, nº 1 CC) não pode ser
invalidado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se
aplicável, considerar essa pessoa como capaz
Os pressupostos deste artigo estão preenchidos, porque em Portugal a maioridade
adquire-se aos 18 anos, por isso, para a lei portuguesa A é capaz.
Assim, António não poderia anular o contrato.

Não obstante, cumpre ver que em Portugal vigora, em matéria de obrigações


contratuais, o Regulamento Roma I e o Princípio do Primado do Direito da UE.
Para saber da sua aplicabilidade, cabe analisar o seu âmbito de aplicação:
• Âmbito de aplicação material – art 1º, nº 1, sem cair no âmbito do nº 2, está
preenchido;
• Âmbito de aplicação temporal – art 28º, está em vigor desde 2009;
• Âmbito de aplicação territorial – o estado do foro ser um estado membro - está
preenchido, Portugal é um estado membro;
• Âmbito de aplicação espacial – está preenchido uma vez que estamos perante
uma situação transnacional.

Preenchidos os âmbitos de aplicação do Regulamento, surge o art 13º em regulação
desta matéria:
• António só pode invocar incapacidade se, no momento da celebração do
contrato:
• o outro contraente tinha conhecimento dessa ou;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 23


• a desconhecia por negligência;
• Nenhuma das duas hipóteses parece acontecer;
• Razão pela qual não há lugar à invocação por António desta incapacidade. 


Art 28º do CC é uma norma unilateral especial face ao 25º do CC.


Art 28º nº1 do CC é unilateral porque sempre que o agente seja capaz pela lei
portuguesa e a outra parte tenha um desconhecimento não culposo - não será
possível invalidar o negócio, ou seja, aplica-se sempre a lei portuguesa.

Sub-hipótese
Suponha que não existem os artigos 25.º a 32.º do Código Civil e que, em vez deles, a
nossa norma de conflitos era a seguinte: «as normas relativas ao estado e capacidade das
pessoas aplicam-se aos portugueses, mesmo que residentes em país estrangeiro». ()
António tinha razão?

Supondo que não se aplica o RRII, nem as normas dos artigos 25.º a 32.º do CCiv,
mas sim a norma de conflitos unilateral constante do enunciado, esta norma teria de
ser bilateralizada, visto haver uma lacuna na proteção das pessoas no estrangeiro, de
modo a ter o conteúdo normativo de “a capacidade e o estado de qualquer pessoa
aplica-se-lhe independentemente de onde esteja ou resida”. Contudo, poder-se-ia
ainda defender que mesmo neste caso António não teria razão e o NJ não seria
anulável, pois parece poder haver uma lacuna oculta quanto à necessária proteção da
confiança legitimamente fundada, sendo necessária uma bilateralização perfeita.
[Dar-se-á a matéria do preenchimento de lacunas adiante]

No nosso ordenamento não existem normas unilaterais gerais. Isto dificulta a


bilateralização das normas, porque uma vez que só existem normas unilaterais
especiais, significa que têm sempre alguma ligação com normas gerais, por isso será
difícil encontrar uma lacuna, porque o regime da norma unilateral acaba por ser
completado com a normas gerias, com as quais estabelecem uma relação de
especialidade.
Se é difícil encontrar uma lacuna, significa que é difícil integrar a lacuna, ou seja,
bilateralizá-la.

Sobre o artigo 28º do CC e a sua possível bilateralização:


❖ Artigo 25º do CC determina que a lei que regula a capacidade das pessoas é a lei

pessoal;
❖ O artigo 28º nº1 é uma exceção a essa regra, porque determina que quando:

- O nj é celebrado em Portugal;
- A lei pessoal determina a incapacidade;
- A lei portuguesa determina a capacidade;
❖ Prevalece a lei portuguesa e o nj não é anulado - para proteção do outro

contraente;
❖ O artigo 28º nº2 é uma exceção à exceção - quando:

- O nj é celebrado em Portugal;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 24


- A lei pessoal determina a incapacidade;
- A lei portuguesa determina a capacidade;
- O outro contraente sabe ou devia saber (desconhecimento culposo);
❖ Prevalece a lei pessoal e o negócio é anulado;

❖ Deste modo, a bilateralização do artigo 28º consiste no seguinte:


- Se o outro contraente não sabe, nem devia saber da incapacidade - aplica-
se a lei do local onde se celebra o contrato;
- Se o outro contraente sabe da incapacidade - aplica-se a lei da pessoal.

CASO 11 - REGRAS DE CONFLITO BILATERAIS E UNILATERAIS

Alberto, português, celebrou, mediante troca de correspondência, um contrato de


prestação de serviço, que devia ser executado em Portugal, com a empresa AFS, S.A., que
tem sede estatutária e sede da administração na África do Sul.
A AFS, S.A., quando viu que fez um mau negócio, intenta ação nos tribunais
portugueses pedindo a anulação do contrato com fundamento em que, segundo a lei da sua
sede da administração, a sociedade só se vincula mediante a assinatura de dois
administradores e o contrato está apenas assinado por um dos três administradores da
AFS, S.A..
Supondo que:
a) a lei material da África do Sul estabelece que as sociedades anónimas só se
vinculam mediante a assinatura de dois dos seus administradores;
b) as leis materiais portuguesa e brasileira não têm idêntica limitação, admitindo que
as sociedades anónimas se vinculam mediante a assinatura de apenas um dos seus
administradores.
A sociedade tem razão?

O âmbito de aplicação da CR I parece não estar verificado, devido à exclusão da


situação em causa do âmbito material de aplicação efetuada pelo art. 1.º nº2 al.f) da
CR I.
Logo, aplicam-se as normas do CC respeitantes a esta matéria: aplica-se o artigo
33.º nº1 do CC, que determina que a lei pessoal das sociedades comerciais é a lei do
Estado onde se encontra a sede principal e efetiva da administração da sociedade -
pelo que neste caso se vai aplicar a lei da África do Sul.
O n.º 2 não tem aplicação, já que as sedes da administração e estatutária coincidem.
Assim, a sociedade AFS, S.A., tem razão e o contrato será inválido.
Poderíamos sempre ponderar a aplicação analógica do artigo 28º do CC no caso das
pessoas coletivas.

Sub-hipótese 1
E se a empresa tivesse sede estatutária em Portugal e sede principal e efetiva da
administração na África do Sul?

Embora tivéssemos dito que o RRI não é aplicável, é defensável a aplicação analógica
do artigo 13.º do RRI às pessoas coletivas [sendo a revelação da lacuna justificável

DIP - BEATRIZ FERRINHO 25


pelos princípios gerais subjacentes ao RRI: nomeadamente, a certeza quanto à lei
aplicável – considerandos 6, 16].
Assim, o artigo 13.º determina que, num contrato celebrado entre pessoas que se
encontrem no mesmo país, uma pessoa considerada capaz segundo a lei desse país
só pode invocar a sua incapacidade que resulte da lei de outro país se, no momento
da celebração do contrato, o outro contraente tinha conhecimento dessa incapacidade
ou a desconhecia por negligência.
Se se entender que não há lacuna, então não se aplica o RRI, mas sim as normas de
DIP portuguesas, pressupondo que o foro é em Portugal. Assim, aplica-se o artigo
33.º/1 do CC, que determina que a lei pessoal das sociedades comerciais é a lei do
Estado onde se encontra a sede principal e efetiva da administração da sociedade,
sendo que o n.º 2 determina que a lei pessoal assim determinada se aplica à
capacidade. Todavia, nos termos do artigo 3.º/1, 2.ª pt., do CSC, a sociedade que
tenha sede estatutária em Portugal não pode opor a terceiros a sua sujeição a lei
diferente.
Assim, aplicar-se-ia a lei da sede estatutária: a lei portuguesa; o contrário seria
válido.

Sub-hipótese 2
E se a empresa tivesse sede estatutária no Brasil e sede principal e efetiva da
administração na África do Sul?

Mesma resposta quanto à aplicação do RRI que a dada na sub-hipótese 1.


Quanto à aplicação do 3.º/1, 2.ª parte, do CC:
• Marques dos Santos e Moura Ramos entendem que não pode esta norma ser
bilateralizada, já que visa estender o âmbito de aplicação da lei interna
portuguesa, nomeadamente recorrendo ao argumento de, no 3.º/1 CSC o legislador
não prever como requisito de aplicação do desvio à norma a boa fé subjetiva ética
do outro contraente (o que faria pressupor que o interesse aqui tutelado não é a
proteção da confiança).
• Contra, Lima Pinheiro entende que em causa está a tutela da confiança, pelo que
a norma é bilateralizável (i.e., será aplicada a lei da sede estatutária quanto à
capacidade de sociedades cujas sedes estatuária e administrativa não coincidam, se
assim o exigir a tutela da confiança).
Assim, há três requisitos para a aplicação desta solução:
1. O desconhecimento não culposo, pelo outro contraente, quanto à localização da
sede principal e efetiva da administração;
2. A geração de expectativas com base nos estatutos;
3. A vontade de aplicação do Direito estrangeiro (segundo Dário Moura Vicente, a
remissão é condicionada).

Para haver uma BILATERALIZAÇÃO PERFEITA seria - quando nenhuma das sedes for
em Portugal, só podia ser invocada se não prejudicasse interesses de terceiros
contraentes.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 26


CONCLUSÃO SOBRE NORMAS BILATERAIS E UNILATERAIS:

Normas bilaterais distinguem-se das unilaterais: na medida em que as


bilaterais podem chamar o direito do foro ou o direito estrangeiro; e as unilaterais
apenas designam normas do direito do foro.

As normas bilaterais têm dupla função:


• Determinar o direito aplicável;
• Quando o direito aplicável seja estrangeiro, conferir um título de aplicação (do
direito estrangeiro) na ordem interna - a isto se chama a função de legitimação.

Relativamente a esta distinção


- Teses clássicas: a norma de conflitos era considerada como uma norma de
soberania e, portanto, a função de legitimação era ainda mais importante;
- Escola nacionalista italiana: não são normas de conflito de soberania, mas sim
normas que têm de ser incorporadas no estado do foro, para que possam ser
aplicadas nesse foro. A única possibilidade de aplicar direito num estado é tornar
esse direito nacional;
- Lima Pinheiro: as normas de conflitos são verdadeiras normas de remissão e não
de receção.

Depeçage: diferentes leis regulam a mesma situação jurídica transnacional - para um


só litígio há a determinação da aplicação de diferentes leis.

BILATERALIZAÇÃO PELO PROF LIMA PINHEIRO:


Bilateralização é um método de integração de lacunas de normas de conflitos
unilaterais.
Perfeita e imperfeita - apenas para um conjunto de situações que ainda têm uma
ligação com o estado português (bilateralização imperfeita); quando a norma vale
para qualquer estrangeiro em qualquer situação (bilateralização perfeita).

• 1º passo: revelar uma lacuna


Pode haver partes de normas que não careçam de bilateralização, embora sejam
normas unilaterais, porque podem estar em causa verdadeiros interesses locais que
não podem ser bilateralizados.
• 2º passo: integrar a lacuna
Apesar de não termos de ter em conta se os outros estado têm interesse nessa
bilateralização, temos de ter em atenção a vontade de aplicação: se a norma a aplicar
não quiser ser aplicada, temos de aplicar a norma geral.
Nesta vontade de aplicação importa o reenvio de 2º lugar: quando o nosso
ordenamento remete para um ordenamento jurídico, que remete para outro e este
remete para o que nós remetemos - aplica-se o ordenamento para o qual remetemos.

Reenvio de 1º grau
L1 (lei da nacionalidade)

DIP - BEATRIZ FERRINHO 27


L2 (lei da residência habitual)
L1 remete para L2
L2 remete para L1 - logo aplica-se a L1

Reenvio de 2º grau
L1 —> L2 —> L3
L3 —> L2
Logo aplica-se a L2

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA/NECESSÁRIA

CASO 12 - NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA/NECESSÁRIA

Em 20 de Novembro de 2015, Joaquim, português com residência habitual em França,


após ter visto um anúncio da sociedade Painters'R'Us, com sede na Alemanha, no jornal Le
Monde, contactou-a com vista a celebrar um contrato de prestação de serviço de pintura da sua
casa de férias situada na Suíça.
O contrato foi celebrado mediante recurso a cláusulas contratuais gerais fixadas pela
sociedade Painters'R'Us. Nas cláusulas contratuais gerais dispunha-se que:
— “A lei reguladora do contrato é a lei francesa”;
— “São competentes para dirimir litígios decorrentes deste contrato os tribunais
portugueses”;
— “As partes desde já excluem toda e qualquer responsabilidade que pudesse ser assacada
à sociedade Painter'R'us, nomeadamente a que pudesse resultar de vícios no cumprimento da
prestação a que se obrigou a sociedade neste contrato”.
Joaquim verificou que, por causa da pintura defeituosa efetuada pela sociedade
Painters'R'Us, a sua casa de férias tinha agora problemas graves de infiltrações.
Em ação intentada perante um tribunal português contra a sociedade Painters'R'Us,
Joaquim requer indemnização pelos danos sofridos e alega que, ao abrigo do Direito
português, a cláusula de exclusão de responsabilidade constante do contrato não é válida. Na
contestação, a sociedade alega que nada deve e que a cláusula de exclusão de responsabilidade é
válida à luz da lei escolhida pelas partes.
Quid juris, admitindo que a lei francesa considera a cláusula de exclusão de
responsabilidade válida e a lei suíça sobre cláusulas contratuais gerais, aplicável a contratos
executados no seu território, considera a mesma cláusula inválida?

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: ordem jurídica portuguesa, francesa, alemã e
suíça.

J celebra com a sociedade P um contrato de prestação de serviço, sendo a prestação


envolvida a pintura da sua casa de férias na Suíça. Sendo que o problema surge
quando tal pintura é defeituosa e provoca danos na casa, ao nível das infiltrações.

Face a este dano, J propõe uma ação contra P, num tribunal Português, onde pretende
obter uma indemnização por tais danos - só que há uma particularidade:
• Uma das cláusulas dispunha que qualquer responsabilidade de P seria excluída,
nomeadamente a que resultasse de vícios no cumprimento da prestação;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 28


• Por isso, J ao propor uma ação de responsabilidade contratual invoca que a lei
portuguesa considera esta cláusula inválida (art. 21º al. d) da Lei das CCG).

Para responder a esta pergunta, cumpre em 1º lugar analisar a potencial


aplicação do regulamento nº593/2008 (CR I):
• Âmbito de aplicação material – art 1º, nº 1, sem cair no âmbito do nº 2,
está preenchido;
• Âmbito de aplicação temporal – art 28º, está em vigor desde 2009 e o
contrato entre J e P foi celebrado em 2015, por isso, está preenchido;
• Âmbito de aplicação territorial – o estado do foro ser um estado membro -
está preenchido, Portugal é um estado membro;
• Âmbito de aplicação espacial – está preenchido uma vez que estamos
perante uma situação transnacional.

Todos os âmbitos estão preenchidos, pelo que se aplica a CR I.


Deste modo, releva a aplicação do artigo 3º da CR I: este artigo permite às partes
escolherem a lei pela qual o contrato se regerá.
Nesta sequência, as partes escolhem a lei francesa para regular o seu
contrato, por isso, todo o contrato será regulado por esta lei.
Esta lei considera válida a cláusula de exclusão da responsabilidade de P, pelo que P
não teria de pagar pelos danos causados a J.

O grande problema que surge é o de saber qual a lei aplicável:


• Será a lei francesa? - que foi a escolhida pelas partes para regular o contrato e
considera a cláusula válida;
• Será a lei suíça? - local onde se encontra situada a casa de J e considera a
cláusula inválida.
• Será a lei portuguesa? Temos de ponderar a aplicação da lei portuguesa por força
do artigo 9º nº2 da CR I, uma vez que este determina que não se pode limitar a
aplicação das normas de aplicação imediata do país do foro. Portugal é o país do
foro.
• A norma portuguesa potencialmente aplicável é o art 21º al. d) da Lei das CCG,
que invalida a cláusula de exclusão da responsabilidade de P e é uma norma de
aplicação necessária;
• Para saber se este artigo é aplicável temos de recorrer ao artigo 23º da LCCG:
as normas da LCCG são aplicáveis sempre que o contrato tenha uma conexão
estreita com o território português
• Este não é aplicável pelo facto de não existir uma conexão estreita entre o
contrato e o território português - não considero que o facto de J ser Português
e de ter sido a jurisdição Portuguesa a escolhida para dirimir os litígios
resultantes do contrato seja suficiente para justificar uma estreita conexão
entre o contrato e o território português, até porque o lugar de cumprimento do
contrato era a suíça;
• Deste modo, a lei portuguesa, mais precisamente o artigo 21º al. d) da LCCG
não se aplicará.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 29


Contudo, a lei suíça sobre CCG, aplicável a contratos executados no seu território,
considera a cláusula de exclusão de responsabilidade inválida.
Estamos perante uma norma estrangeira suscetível de aplicação necessária.

O art 23º da LCCG, determina que:


• quando haja uma norma estrangeira que regule a mesma matéria;
• e tenha uma relação mais estreita com o caso;
aplicar-se-á a NAN estrangeira - ou seja, nestes casos, o art 23º não confere
vontade de aplicação do dto português.

De facto, existe uma norma estrangeira que regula a mesma matéria e que
estabelece uma relação mais estreita com o contrato - a lei suíça, uma vez que o
contrato é executado nesse território.
• Assim, a lei suíça é aplicada por força do artigo 23º da LCGG;
• Mas também o é por força do artigo 9º nº3 da CR I. Este artigo determina
que se dê prevalência à aplicação das NAN estrangeiras se:
- pertencer à lei do país onde as obrigações decorrentes do contrato têm de
ser executadas - ou seja, pertencer à lei do lugar do cumprimento do
contrato;
- Segundo esse norma a execução do contrato é ilegal.
- Estes dois pressupostos estão verificados, o lugar de cumprimento do contrato
é na suíça; segundo a lei suíça a execução do contrato é ilegal, uma vez que
para essa lei uma vez que uma das clausulas é inválida.
• Aplicando-se esta regra da LCCG suíça, a cláusula é inválida, pelo que P
terá de pagar pelos danos causados a J.

CONCLUSÃO DESTE CASO:


Temos sempre de referir o artigo 23º da LCCG.
Quanto à possibilidade da NAN Portuguesa:
• Art 9º nº2 da CR I remete para a lei do foro, aplicando-se as NAN portuguesas,
porque o foro era Portugal;
• A NAN em causa era o art 21º al. d) da LCCG, por isso temos ainda de ir ao artigo
23º da LCCG;
• Porque na verdade, o art 21º só se aplica se o contrato tiver uma relação estreita
com o território português (art 23º);
• Neste caso, não havia essa relação estreita com o território português, por isso, o
art 23º não confere aplicação da NAN portuguesa;
• No caso 12, de facto não havia conexão estreita com o território português, pelo
que o art 23º não confere aplicação às NAN portuguesas, mas existe uma NAN
estrangeira que regula a mesta situação jurídica e que apresenta uma conexão mais
estreita com o contrato - a lei suíça;
• Estamos assim, perante um caso em que a lei do foro (portuguesa - art 23º da
LCCG) remete (reenvio de 2º grau) para uma lei estrangeira.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 30


• Por isso, aplica-se a lei suíça, não só pelo art 23º da LCCG como também pelo art
9º nº3 da CR I.

Sub-hipótese: a resposta seria idêntica se o contrato tivesse sido celebrado em 2008?

Se o contrato tivesse sido celebrado em 2008, significa que a CR I não se aplicaria.


Deixaria de se aplicar o artigo 3º da CR I - passamos a regular a liberdade de escolha
da lei reguladora pelo artigo 41º do CC.
Mais precisamente pelo artigo 41º nº2 - as partes escolhem a lei francesa, mas só
poderão fazê-lo se essa lei estiver em conexão com o contrato.
Aplica-se a Convenção de Roma - imprimir e ver os âmbitos de aplicação.

CASO 13 - NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA/NECESSÁRIA

Igual ao anterior, mas:


a. a casa de férias situa-se em Marrocos;
b. a lei escolhida pelas partes é a lei portuguesa;
c. a lei marroquina sobre cláusulas contratuais gerais não tem normas equivalentes aos
artigos 21.º, 22.º e 23.º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais português.
Quid juris?

Sendo os contornos do caso iguais, continua a ser uma situação plurilocalizada, e


mantém-se a aplicação da CR I:
• Isto significa que, as partes podem escolher a lei aplicável por força do artigo 3º
da CR I - por isso, a lei competente para reger o contrato é a portuguesa.

Lei do foro - lei portuguesa.

Sendo a lei portuguesa a regular o contrato, são chamados os artigos 21º, 22º e 23º
da Lei das CCG - POR REMISSÃO DO ARTIGO 9º Nº2 DA CR I.
Sendo a grande questão saber se a cláusula de exclusão da responsabilidade de P é
válida ou não, o artigo relevante é o 21º alínea d) da LCCG: são absolutamente
proibidas as CCG que excluam os deveres que recaem sobre o predisponente em
resultado de vícios da prestação.

Esta norma é uma norma de aplicação necessária - e é uma norma da lei do


foro, pelo que ela será aplicada. Uma vez que, sempre que no estado do foro
hajam normas de aplicação necessária, elas são aplicadas (independentemente de ser
outra a lei reguladora do caso, o que não era o caso) - artigo 9º nº2 da CR I.
Deste modo, a cláusula de exclusão da responsabilidade de P não é válida e,
por isso, terá de pagar os danos causados na casa de J.

CONCLUSÃO DESTE CASO:


• O artigo 9º nº2 da CR I manda atender às NAN da lei do foro, ou seja, as NAN
Portuguesas;
• A NAN aplicável ao caso é o art 21º al. d) da LCCG;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 31


• Contudo, temos de analisar o art 23º da LCCG;
• Este artigo confere vontade de aplicação do direito português, uma vez que há
entre o contrato e o território Português uma relação de estreita conexão - o facto
de as partes escolherem a lei portuguesa é um elemento de conexão que releva
para efeitos desta conexão estreita;
• Se o artigo confere aplicação ao próprio direito português, estamos perante uma
remissão material

QUESTÕES IMPORTANTES SOBRE NAN:

O artigo 23º da LCCG pode fazer duas coisas:


1. Confere vontade de aplicação ao direito português:
1. Quando entre o contrato e o território português haja uma conexão estreita;
2. Aplicam-se as NAN portuguesas.
2. Não confere vontade de aplicação ao direito português:
1. Quando haja outra NAN estrangeira, que regule a mesma matéria e apresente
uma relação mais estreita com o contrato;
2. Aplicam-se as NAN estrangeiras.

Temos sempre de referir o artigo 23º da LCCG.

O art. 9º nº2 da CR I faz com que se remeta para a lei do foro, neste caso, para a lei
portuguesa, por referência material, então aplicam-se as NAN Portuguesas.
Mas quando a lei portuguesa remete ainda para uma lei estrangeira (reenvio de 2º
grau) - é que se aplica outra lei que não a portuguesa por força do artigo 23º, é uma
referência global.
Quando a lei portuguesa não remeta para outra lei, aplica-se a lei portuguesa, por
remissão material - não há reenvio de 2º grau.

Art 9º nº2 da CR I

Confere vontade de Aplicam-se as NAN


Lei do foro aplicação da lei portuguesa Portuguesas
(portuguesa)

Não confere vontade de


aplicação da lei portuguesa.
Porque há uma norma Então, lei do foro
estrangeira que regula a remete para lei
mesma matéria e apresenta estrangeira
uma relação mais estreita
com o contrato

Aplicam-se as NAN
estrangeiras

DIP - BEATRIZ FERRINHO 32


Em esquema:
Art 9º nº2 da CR I —> lei do foro (por exemplo lei portuguesa);
Lei foro, pode:
—> remeter para as NAN portuguesas, por referência material;
❖ Isto acontece quando o art 23º confere vontade de aplicação ao direito
Português.
—> remeter para uma lei estrangeira, por referência global - aplicam-se as NAN
estrangeiras;
❖ Isto acontece quando o art 23º não confere vontade de aplicação à lei

portuguesa;
❖ O art 23º não confere vontade de aplicação às lei portuguesa porque há outra

NAN estrangeira, que regula a mesma matéria e apresenta uma relação mais
estreita com o contrato;

Conferir vontade de aplicação significa não remeter para outras normas.

CASO 14
A e B, britânicos nascidos em Londres, casados há 10 anos, vivem em Portugal há 5.
Recentemente, A decide vender, sem o consentimento de B, a casa de morada de família
(situada em Portugal). Na ação intentada por B contra A, este vem dizer que vendeu a casa
legitimamente, na medida em que se aplica o direito inglês, que se considera competente para
resolver a questão e não contém regra equivalente à do artigo 1682.º-A, n.º 2, do CC
português.
Quid juris?

Está em causa uma relação entre os cônjuges.


Os ordenamentos jurídicos aplicáveis são o inglês ou o Português.

A norma de direito material português potencialmente aplicável é o artigo 1682º A


nº2 do CC - exige o consentimento de ambos os cônjuges para a alienação da casa de
família;
A norma de direito material inglês potencialmente aplicável não exige o
consentimento de ambos os cônjuges para a alienação da casa de família;
Estas normas pertencem à categoria normativa das relações jusfamiliares, mais
precisamente as relações entre cônjuges que, o direito português insere no direito da
família.

Assim, a norma de conflitos portuguesa aplicável é o artigo 52º do CC


• Porquê que não se aplica o artigo 46º do CC?
• A resposta tem que ver com a interpretação da previsão da norma de conflitos.
• Quando estamos a tentar ver qual a norma de conflitos aplicável temos de ver a
categoria da relação que está em causa - o nosso ordenamento jurídico regula
esta matéria no livro da família, por isso não aplicamos o artigo 46º, mas sim o
artigo 52º do CC.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 33


Esta norma de conflitos tem como conceito quadro as relações entre os cônjuges;
- O conceito-quadro abrange todos os institutos ou conteúdos jurídicos, quer de
Direito nacional, quer estrangeiro, aos quais convenha, segundo a ratio legis, o tipo
de conexão adotado pela NC que utiliza esse conceito;
- Por isso, caberão neste conceito quadro não só as situações que digam respeito ao
conteúdo nuclear desta norma, mas também as situações que se insiram na zona
periférica do seu conteúdo.

E o seu elemento de conexão é a nacionalidade


Quanto à interpretação do elemento de conexão - faz-se pela lei do foro, ou seja, pela
lei portuguesa.
Nacionalidade: é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado.
- A nacionalidade relevante no direito de conflitos português é a
nacionalidade do Estado Soberano - seja ela nacionalidade primária ou
secundária.

Quanto à concretização do elemento de conexão - faz-se pela lei causae, ou seja, pela
lei inglesa.
Será o direito do estado inglês a concretizar a nacionalidade.
A nacionalidade é inglesa.

Temos de proceder à qualificação stritu sensu, com recurso à lei do foro:


Ou seja, averiguar se o direito material da lei inglesa é subsumível à norma de
conflitos (artigo 52º do CC).
Apenas se aplicam as normas da lei inglesa que pela sua própria lei se considerem
equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de conteúdo e finalidade.
Para isso temos de olhar para o conteúdo e finalidade da norma de direito material
inglesa.

A norma de direto material inglês diz respeito às relações entre cônjuges, regulando o
ponto específico das suas relações relacionadas com a casa de morada de família.

A norma de direito material português diz também respeito às relações entre


cônjuges, pretendendo regular os negócios que tenham como objeto a casa de
morada de família. Este artigo tem apenas como particularidade, que o artigo de dto
inglês não tem, a proteção de ambos nos cônjuges, uma vez que se exige o
consentimento de ambos para a execução desses negócios.

Esta preocupação acrescida do direito material português não faz com que o direito
material inglês não seja subsumível à mesma norma de conflitos, porque o conteúdo
e função essencial é o mesmo, regular as relações entre os cônjuges que tenham
como objeto a casa de morada de família.
No limite, podia considerar que a norma de direito inglês era subsumível à zona
cinzenta do artigo 52º do CC.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 34


Lei portuguesa —> Lei do Reino Unido

Marques dos Santos: Tudo isto se reconduz a existirem ou não normas de


reconhecimento. Sendo o 1682º-A do CC, uma lei Portuguesa, não necessita de um
titulo de aplicação para vigorar na ordem jurídica portuguesa.

Lima Pinheiro: iure condendo - seria bom/favorável a existência de normas de


remissão condicionada.

INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE


CONEXÃO

CASO 15 - INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO

Em 1983, António, natural de São Paulo, emigrou para a Suíça e fixou residência em
Lausanne. Em 1994, António casou-se com Elaine, de nacionalidade suíça.
Em 2012, António veio viver para Portugal e fez testamento em que instituiu como seus
herdeiros, no que respeita aos bens imóveis situados em Portugal, a sua mulher Elaine e o seu
pai Ricardo. António faleceu em 2014.
Sabendo que António:
— era considerado cidadão brasileiro pelo Direito da nacionalidade brasileiro;
— era considerado suíço pelo Direito da nacionalidade da Confederação Helvética;
— era considerado cidadão do Cantão de Vaud segundo o Direito daquele Cantão;
determine qual a lei reguladora da sucessão de António.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: brasileira, Suíça e Portuguesa.

Em primeiro lugar, cumpre discutir a aplicação do RR IV, uma vez que a matéria
em causa é a sucessão de A.
• Âmbito material - art 1º nº1 do reg - está preenchido, uma vez que não cabe
dentro de nenhuma matéria excluída pelo nº2;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transaccional;
• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro;
• Embora estes âmbitos estejam preenchidos, o âmbito temporal não está - artigo
84º do reg, o regulamento apenas é aplicável a partir de 2015 e o A faleceu em
2014.

Assim, o RR IV não se aplica.


Por isso, recorremos ao CC, mais precisamente ao artigo 62º, que determina que a
lei reguladora da sucessão por morte é a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo
do falecimento deste.
A lei pessoal, pelo art 31º do CC é a lei da nacionalidade do indivíduo;
Assim, O ELEMENTO DE CONEXÃO QUE ESTÁ AQUI EM CAUSA É A
NACIONALIDADE

DIP - BEATRIZ FERRINHO 35


• A nacionalidade como elemento de conexão assume algumas classificações:
• É um elemento referente às pessoas;
• Quanto ao modo como este elemento realiza a função de designação do dto
aplicável, a nacionalidade aponta directamente o dto aplicável, sem mediação
de um ponto preciso no espaço, por isso fá-lo por via direta;
• Quanto à estrutura do elemento de conexão, a nacionalidade é um elemento
técnico jurídico;
• Quanto à modificabilidade temporal do elemento de conexão, a nacionalidade é
um elemento móvel, porque o seu conteúdo é suscetível de variai no tempo.

1º lugar: aplica-se o sistema de conflitos português;


2º lugar: é necessário passar para os dois momentos de interpretação do elemento
de conexão:
- Interpretação: faz-se com base na lei do foro, ainda estamos a interpretar a
norma.
- A noção geral de nacionalidade: é o vínculo jurídico-político que une uma
pessoa a um Estado;
- Mas este vínculo pode assumir diferentes significados, contudo a interpretação
faz-se com base na lei do foro;
- Presumindo que o foro é Portugal, o elemento de conexão deve ser
interpretado com base na lei portuguesa;
- A nacionalidade relevante no direito de conflitos português é a
nacionalidade do Estado Soberano - seja ela nacionalidade primária ou
secundária.
- Concretização: faz-se com a lei causae
- A nacionalidade tem de se estabelecer segundo o direito do estado cuja
nacionalidade está em causa;
- A nacionalidade que está em causa é a brasileira, por isso, temos de atender ao
direito do estado brasileiro para concretizar este elemento de conexão;
- É nos dito no enunciado que A era considerado cidadão brasileiro pelo Direito
da nacionalidade brasileiro;
- Assim, a nacionalidade de A é brasileira.

Caso de dupla nacionalidade - conteúdo múltiplo - norma especial - art 28º da lei da
nacionalidade - critério da residência habitual
Isabel Magalhães Colaço - não estamos perante um conceito móvel mas um conteúdo
provisoriamente indeterminado - depende da configuração da norma de conflitos,
também as categorias como caracterizamos os elementos de conexão também se
alteram. Este elemento só é indeterminado ao tempo o testamento.
Não releva a nacionalidade do cantão? Se um for soberano e outro não releva o
soberano. Releva a nacionalidade primária, ou seja, a nacionalidade suíça.

CASO 16 - INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO

DIP - BEATRIZ FERRINHO 36


Teresa, de nacionalidade francesa e brasileira, residente habitualmente no Brasil, pretende
contrair casamento com Roberto, brasileiro, residente em Portugal.
Determine à luz de que lei, ou leis, deve ser apreciada pelo conservador do registo civil
português a capacidade dos nubentes para contrair casamento.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: Francesa, Brasileira e Portuguesa.

Nos termos do artigo 49º do CC, a capacidade para contrair casamento é


regulada pela respetiva lei pessoal.
Nos termos do artigo 31º do CC, a lei pessoal é a lei da nacionalidade de cada
indivíduo:
• Por isso, O ELEMENTO DE CONEXÃO QUE ESTÁ AQUI EM CAUSA É A
NACIONALIDADE;
• A nacionalidade como elemento de conexão assume algumas classificações:
• É um elemento referente às pessoas;
• Quanto ao modo como este elemento realiza a função de designação do dto
aplicável, a nacionalidade aponta directamente o dto aplicável, sem mediação
de um ponto preciso no espaço, por isso fá-lo por via direta;
• Quanto à estrutura do elemento de conexão, a nacionalidade é um elemento
técnico jurídico;
• Quanto à modificabilidade temporal do elemento de conexão, a nacionalidade é
um elemento móvel, porque o seu conteúdo é suscetível de variar no tempo.

Capacidade de R para contrair casamento:


Quanto à interpretação do elemento de conexão - faz-se pela lei do foro, ou seja, pela
lei portuguesa.
Nacionalidade: é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado.
- A nacionalidade relevante no direito de conflitos português é a
nacionalidade do Estado Soberano - seja ela nacionalidade primária ou
secundária.

Quanto à concretização do elemento de conexão - faz-se pela lei causae, ou seja, pela
lei brasileira.
Será o direito do estado brasileiro a concretizar a nacionalidade.

A nacionalidade de R é brasileira, por isso, pela conjugação do artigo 49º e do 31º do


CC, a lei que regula a sua capacidade para contrair casamento é a lei brasileira.

Capacidade de T para contrair casamento:


Quanto à interpretação do elemento de conexão - faz-se pela lei do foro, ou seja, pela
lei portuguesa.
Nacionalidade: é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 37


- A nacionalidade relevante no direito de conflitos português é a
nacionalidade do Estado Soberano - seja ela nacionalidade primária ou
secundária.

Quanto à concretização do elemento de conexão - faz-se pela lei causae, ou seja, pela
lei brasileira e pela lei francesa.
• A nacionalidade tem de se estabelecer segundo o Direito do Estado cuja
nacionalidade está em causa;
• T tem dupla nacionalidade: francesa e brasileira;
• Depois de fazermos a concretização deste elemento, chegamos à conclusão que
este elemento de conexão tem conteúdo múltiplo.

Deste modo, estamos perante um caso em que o elemento de conexão tem um


conteúdo múltiplo.
❖ Isto acontece quando no caso concreto surgem vários laços, que se

estabelecem com diferentes estados, reconduzíveis ao mesmo conceito


designativo;
❖ Este problema pode ser resolvido por uma lei especial - neste caso, o

artigo 28º da Lei da Nacionalidade, porque estamos perante um concurso de


nacionalidades estrangeiras;
❖ Nestes casos releva apenas a nacionalidade do estado em cujo território o

plurinacional tem residência habitual. E na falta desta, releva a nacionalidade do


estado com que mantenha uma vinculação mais estreita - princípio da
nacionalidade efetiva;
❖ T reside habitualmente no Brasil, pelo que à partida a nacionalidade que

relevará é esta - sendo a lei brasileira a regular a sua capacidade para


contrair casamento.

❖ Contudo, estamos perante o concurso de uma nacionalidade estrangeira e


uma nacionalidade europeia. E neste ponto surge uma divergência
doutrinária:
❖ LIMA PINHEIRO: quando uma das nacionalidades for de um estado

membro da UE, prevalece sempre essa nacionalidade (acórdão Micheletti) -


neste sentido, aplicar-se-ia a lei francesa à regulação da capacidade de
T para contrair casamento;
❖ DÁRIO MOURA VICENTE: só se prefere a nacionalidade Europeia quando,

no caso concreto, seja efetivamente identificável uma das 4 liberdades


europeias (liberdade de estabelecimento, de circulação de pessoas, de
serviços e de mercadorias e capitais) - neste sentido, não estando em causa
nenhuma destas liberdades, não prevalecia a nacionalidade francesa, pelo
que a lei reguladora da capacidade de T para contrair casamento seria
a lei brasileira.

CASO 17 - INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO

DIP - BEATRIZ FERRINHO 38


Catarina, de nacionalidade portuguesa e francesa, residente habitualmente em Paris,
propõe nos tribunais portugueses uma ação de indemnização contra a sociedade Carinhas e
Caretas, Lda., com sede estatutária e efetiva em Lisboa, proprietária da revista Caretas, por
violação do seu direito à imagem em virtude da publicação, em Portugal, de uma fotografia
obtida sem o seu consentimento.
Admitindo que Catarina sempre viveu em Paris e que nenhuma ligação especial tem com
Portugal, qual a lei aplicável à questão de saber se Catarina é titular do direito à imagem?

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: portuguesa e francesa.

Em primeiro lugar, temos de averiguar a possibilidade de aplicação do RR II, uma


vez que estamos perante uma obrigação extracontratual decorrente da violação de
um direito de personalidade, o direito à imagem:
• Contudo, este regulamento não se aplica por falta do preenchimento do
âmbito material - artigo 1º nº2 al. g) do RR II, estamos perante uma matéria
expressamente excluída do âmbito de aplicação material.

Assim, temos de recorrer ao artigo 45º do CC:


• Este artigo, no seu nº1, determina que a responsabilidade extracontratual é
regulada pela lei do estado onde ocorreu a principal atividade causadora do
prejuízo;
• Deste modo, O ELEMENTO DE CONEXÃO É O LUGAR DA PRODUÇÃO DO
EFEITO LESIVO.
• É um elemento referente a factos materiais;
• Quanto ao modo como este elemento realiza a função de designação do dto
aplicável, o lugar da produção do efeito lesivo, aponta para um determinado
lugar no espaço, como via, para indiretamente designar como aplicável o dto
vigente nesse lugar - fá-lo por via indireta;
• Quanto à estrutura do elemento de conexão, a nacionalidade é um elemento
técnico jurídico;
• Quanto à modificabilidade temporal do elemento de conexão, é um elemento
imóvel, porque o seu conteúdo é insuscetível de variar no tempo.

Nesta sequência, a lei aplicável seria a Portuguesa, uma vez que a violação do direito
à imagem de C ocorreu em virtude de uma publicação em Portugal.

Contudo, é nos dito que Catarina sempre viveu em Paris e que não tem nenhuma
ligação especial com Portugal - mas o artigo 45º nº1 do CC não prevê o critério da
conexão mais estreita.
Por isso, ponderei a questão da cláusula de exceção:
• É uma proposição que permite afastar o direito primariamente aplicável de um
estado, quando a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita
com outro estado;
• Este tipo de cláusulas intervém para corrigir a designação do direito estadual
primariamente aplicável;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 39


• Contrariamente ao que sucede perante as leis suíça e belga, no direito de
conflitos português não vigora uma cláusula geral de exceção:
• Para os autores como MOURA RAMOS que entendem as normas de conflitos
como simples critérios instrumentais, que podem ser afastados quando se
demonstre que a conexão mais estreita se estabelece com um dto diferente
do por elas designado, admitirá no mínimo a vigência de uma cláusula de
exceção implícita;
• LIMA PINHEIRO, não tem este entendimento por duas razões:
1. Considera as normas de conflitos tão vinculativas como as normas
materiais;
2. O legislador de 1966 optou conscientemente por regras de conflito que
utilizam conceitos designativos do elemento de conexão determinados,
mostrando-se desfavorável a critérios de remissão flexível;

E se não houver no Direito positivo uma cláusula de conexão? O juiz pode


afastar NC em benefício de outra lei com a qual haja uma conexão mais estreita?

Opinião DMV:
• O juiz pode afastar a norma de conflitos;
• Não cabe no art.8º/2 CC, isto é apenas uma situação em que se tem em
consideração as circunstâncias do caso concreto para determinar a lei aplicável;
• Há várias manifestações na lei de regras que mandam atender às circunstâncias
do caso concreto (art. 9º/2, 547º);
• A determinação de conceitos indeterminados também, de alguma forma, manda
atender ao caso concreto.
• Assim, DMV defende que deve-se efetivamente admitir que pode haver um
afastamento da lei designada pela Regra de Conflitos, em benefício de
uma outra lei que tenha conexão mais estreita com a situação privada
internacional - mesmo em homenagem das expetativas das partes, a
tutela da confiança;
• Houve até um acórdão do STJ que defendeu esta aplicação da cláusula de
exceção que não estava explícita na lei.

Opinião do LIMA PINHEIRO:


• Defende, em iure condendo, a introdução no Direito de Conflitos
português de uma cláusula geral de exceção, uma vez que a justiça da
conexão é posta em causa quando a norma de conflitos remete para o Direito de
um Estado e a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita com
outro Estado;
• A consagração de uma cláusula de exceção nestes termos não obsta a que a
norma de conflitos desempenhe a sua função orientadora de condutas nem
prejudica a sua vinculatividade;
• Cláusula deve ser aplicada prudentemente como cláusula excecional, que
só atua quando a ligação com a lei primariamente competente é

DIP - BEATRIZ FERRINHO 40


ostensivamente mais fraca, e deve ser acompanhada do enunciado de critérios
orientadores.
• Esta cláusula não se aplicam quando:
A. Partes escolheram a lei a aplicar – a determinação da lei aplicável não se
pauta pela proximidade, mas sim pela ideia de autonomia privada. As
partes, no seu livre arbítrio, escolheram a lei aplicável pelo que esta não
tem de ser afastada em homenagem à conexão mais estreita; seria uma
violação das 

expetativas.
B. Implicam a derrogação dos objetivos de política legislativa subjacente à
regra de conflitos – há regras, na justiça de conflitos, que têm objetivos
específicos e têm em vista finalidades de justiça material. Não pode haver
desvios, mesmo havendo conexão mais forte, dada a finalidade das normas
de defender os interesses de certa categoria de sujeitos. Ex: proteção da
parte mais fraca.

Posto isto, se seguirmos a opinião do prof DMV poder-se-ia aplicar a lei francesa.

CASO 18 - INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO

António, português residente habitualmente em Portugal, intentou contra Bento,


francês residente habitualmente na França, ação judicial pedindo a condenação deste a
reconhecer o direito de propriedade que António teria adquirido, por usucapião, sobre uma
valiosa joia. Só quando se preparava para fazer a sentença é que o juiz se apercebeu de que
não tinha sido alegado nem tinha ficado provado nos autos o lugar em que a joia se situava.
Qual a lei aplicável à questão?

Art 46º do CC
Caso de conteúdo incerto (quando por exemplo não conseguimos concretizar o lugar
da coisa, não sabemos onde está a coisa)
Resolve-se da mesma forma como se fosse um caso de falta de conteúdo
Fase de interpretação - não tem grande relevância porque é um Elemento factíco
Fase da concretização do elemento de conexão - não tem grande relevância porque é
um Elemento factíco.

REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS

CASO 19 - REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS

Frank, estadunidense, residente até 1989 em San Diego (Califórnia) e a partir dessa data em
Lisboa, e Teresa, de nacionalidade portuguesa, pretendem casar-se em Lisboa.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 41


Sabendo que nos E.U.A. não existe Direito interlocal ou DIP unificado, determine face a
que lei ou leis deve o conservador do registo civil verificar a capacidade matrimonial dos
nubentes.

Artigo 49º do CC a capacidade para contrair casamento é regulada pela lei pessoal de
cada nubente.

Quanto à Teresa:
Lei pessoal (art 31º do CC) é a lei da sua nacionalidade - lei portuguesa.
É a lei portuguesa que determina sua capacidade para contrair casamento.

Quanto ao Frank:
Lei pessoal (art 31º do CC) é a lei da sua nacionalidade - lei EUA.
Os EUA são um ordenamento jurídico complexo: na medida em que vigoram,
simultaneamente, leis federais (aplicáveis por isso de igual forma a todos os Estados)
e leis estaduais (sendo estas diferentes consoante o Estado em questão). Estamos,
por isso, perante um dos casos do art 20º CC.
Até porque o elemento de conexão em causa é a nacionalidade.

O art 20º, nº 1 determina que, se em razão da nacionalidade, for competente a lei de


um Estado em que existem diferentes sistemas legislativos locais (como aqui
acontece, pois que a lei portuguesa remete a questão para a lei americana), então é o
direito interno desse Estado que fixa, em cada caso, o sistema aplicável.
No fundo, manda o art 20º, nº 1 que se determine se o Estado em questão
apresenta, ou não, direito interlocal unificado. EUA não têm direito interlocal
unificado.

Os EUA também não têm DIP unificado, pelo que temos de atender ao art 20º nº2,
parte final do CC.
Este artigo mandar aplicar a lei da residência habitual
Neste ponto, surgem divergências de interpretação uma vez que, através de uma
interpretação restritiva, o artigo 20º nº2 in fine não estabelece um critério para os
casos em que a residência se situa fora do Estado da nacionalidade:
• enquanto que, para a Escola de Coimbra se aplica a lei da residência habitual,
mesmo que esta se situe fora do Estado da nacionalidade;
• para a Escola de Lisboa só releva a residência habitual dentro do Estado da
nacionalidade;
• Consequentemente, para esta última, surge uma lacuna nos casos em que a
residência se situa fora do Estado da nacionalidade;
• Tal deve ser integrada, na opinião da Professora Florbela de Almeida Pires, com
recurso às regras gerais. Assim, devemos atender ao caso paralelo do artigo
28º, parte final da Lei da Nacionalidade;
• É paralelo ao caso sub judice porque, se aplica aos casos de conflito de
nacionalidades estrangeiras e o plurinacional não reside no território de

DIP - BEATRIZ FERRINHO 42


qualquer das nacionalidades. Resolvendo-se o problema com recurso ao critério
da conexão mais estreita dentro do Estado da nacionalidade.
• Uma vez que estamos perante casos paralelos, por imposição do princípio da
unidade do sistema jurídico, deve um raciocínio idêntico ser aplicado por
analogia ao caso do nacional de ordenamento plurilegislativo residente noutro
país;
• Daqui resulta que a lacuna anteriormente identificada deve ser integrada
com recurso ao princípio da conexão mais estreita dentro do Estado da
nacionalidade.

Nota:
Se seguíssemos a posição da Escola de Coimbra estaríamos a adotar uma posição
discriminatória entre os nacionais de ordenamentos jurídicos complexos e os
nacionais de outros Estados. O exemplo doutrinalmente apresentado é o seguinte: a
capacidade de um norte americano residente habitualmente em Lisboa, seria regulada
pela lei portuguesa, enquanto que a capacidade de um francês, residente em
Portugal, seria determinada segundo a lei francesa. Se assim fosse, estaríamos a
tratar o norte americano como um apátrida pois, não obstante ser detentor de uma
nacionalidade, a sua lei pessoal seria a da residência habitual.

Frank reside em Lisboa e tem nacionalidade americana, pelo que este caso se encaixa
nesta divergência doutrinária.
Tendo a seguir a posição da Escola de Lisboa que encara este ponto como existindo
uma lacuna que deve ser integrada com recurso ao princípio da conexão mais
estreita dentro do Estado da nacionalidade.

Neste caso, Mark, antes de viver em Lisboa, viveu em San Diego (Califórnia). Desta
forma, parece lógico depreender que a sua conexão mais estreita é com o
ordenamento jurídico da Califórnia. A sua capacidade matrimonial, então, deve
ser analisada conforme a lei da Califórnia.

Importante: Note-se que, se não fosse possível determinar a conexão mais estreita,
seguia-se para o art 23º, nº 3 que adopta a lei da residência habitual – ou seja, que
nos levaria à mesma solução que o art 20º, nº2 parte final se aplicado sem
restrições. Desta feita, a interpretação restritiva feita a esse artigo funciona como
uma tentativa de evitar a adopção desse critério, que é sempre a solução subsidiária
para resolver estes conflitos.

Sub-hipótese: e se Frank tivesse dupla nacionalidade dos E.U.A. e do Canadá, embora


nunca tivesse tido relação significativa com o Canadá?

Art 28º da lei da nacionalidade: manda atender ao princípio da conexão mais estreita,
uma vez que a residência habitual do F é em Portugal e não num dos estados da sua
nacionalidade. Seria nacional dos EUA e a lei aplicável é a lei da Califórnia.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 43


Qual o ordenamento jurídico dentro dos EUA com o qual é estabelecido o vínculo da
nacionalidade? Califórnia
Esta hipótese tinha como objetivo demonstrar a falha da escola de Coimbra ao
ficcionar que a lei pessoal de uma pessoa é a da sua residência habitual
Mesmo no caso que a pessoa fosse nacional dos EUA e do Canadá mas tendo
residência habitual em Portugal, a escola de Coimbra mesmo assim aplica a lei
portuguesa.
Raciocínio que o artigo 28º da lei da nacionalidade não permite e estes artigo são
análogos.

CASO 20 - REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS


A sociedade imobiliária X, com sede efetiva em Lisboa, vendeu, por contrato celebrado em
Loures, a António, português, residente habitualmente em Lisboa, um imóvel situado no
Estado do Texas, nos E.U.A.
Sabendo que nos E.U.A. não existe Direito interlocal ou DIP unificado, determine qual a
lei competente para regular o regime dos direitos reais sobre o imóvel.

Art 46º do CC - a lei que regula o direito real sobre o imóvel é a lei do estado em cujo
território o imóvel se encontra;
O imóvel situa-se no Estado do Texas, nos EUA;
Art 20º do CC - o elemento de conexão é o local onde a coisa se encontra, logo não é
abrangido pelo artigo 20º, uma vez que este artigo apenas se aplica à nacionalidade.

Magalhães Colaço: nos casos em que o elemento de conexão não é a nacionalidade,


há uma lacuna.
Esta lacuna deve ser interpretada com aplicação analógica do artigo 20º. Isto significa
que:
• No caso de remissão para um ordenamento jurídico complexo de base
territorial se deve sempre atender ao direito interlocal e ao DIP unificados desse
ordenamento complexo;
• No caso de não haver direito interlocal nem DIP unificados:
• Se a remissão operada pela norma de conflitos apontar para um determinado
lugar no espaço ou diretamente para determinado sistema local - há que
atender a remissão operada como uma remissão para o sistema local;
• Quanto aos elementos de conexão que não indiquem um preciso lugar no
espaço (por exemplo escolha de lei pelas partes) - atender-se-á igualmente
ao sistema local para que diretamente remetam;
• Isto levanta problemas quando as partes escolhem por exemplo outro
ordenamento jurídico complexo;
• A prof sugere que se resolva o problema pelo critério da conexão mais
estreita - aplica-se o sistema local que apresenta uma conexão mais
estreita.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 44


• No caso de remissão para um ordenamento jurídico complexo de base
pessoal operada por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade;
• Deve atender-se, por aplicação analógica do artigo 20º nº3 do CC, às normas
de direito interpessoal da lei designada;
• Na falta destas deve aplica-se o sistema com o qual a situação tenha uma
conexão mais estreita.

Seguindo esta posição, aplica-se a lei do Texas.

REENVIO OU DEVOLUÇÃO
A doutrina introduz 3 requisitos para estarmos perante um caso de reenvio:
- Lei do foro remeter para lei estrangeira;
- Que a remissão possa não ser entendida como uma referência material;
- A lei estrangeira não se considerar competente, remetendo para outra lei;

Devolução simples: apenas se consultam as normas de conflitos da lei designada,


não se atende ao seu sistema de devolução. Assim, o estado do foro aplica apenas as
normas de conflitos de L2
Dupla devolução: o estado do foro atua como se fosse o estado de L2, atendendo
por isso, não só às normas de conflitos de L2, como também ao seu sistema de
devolução.

Artigo 17º nº1 do CC


Tem 3 pressupostos de aplicação:
1. Norma de conflitos portuguesa remeter para uma L2;
2. O sistema de L2 considerar efetivamente competente o direito de L3;
3. L3 considerar-se competente.

Tem em vista a referência material de L2 - esta é a regra geral

L1 —> L2 —> L3 —> L3


Caso típico do 17º nº1.

L1 —> L2 —(RM)—> L3 —(DS)—> L4 —> L3

A questão que se coloca é a de saber se, nestes casos ainda se aplica o artigo 17º
nº1 ou não, porque como sabemos a L2 opera por referência material, desse
modo não atenderá ao sistema de devolução de L3.
E, ao não atender ao sistema de devolução de L3, significa que nos ficamos por L4,
uma vez que a lei designada (L3) não se considera competente, como o artigo 17º
nº1 exige no seu ultimo requisito. Assim, diríamos que L1 manda aplicar L4.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 45


Contudo, atendendo ao sistema de devolução de L3, concluímos que:
- L3 tem um sistema de devolução simples;
- O que significa que apenas atende às normas de conflito de L4. E, ao atender às
normas de conflito de L4, chegasse à conclusão que normas de conflito de L4
mandam aplicar L3;
- Assim, L3, sendo a lei do foro e tendo um sistema de devolução simples, aceita o
retorno de L4. Porque o seu próprio direito remete para L4, e as normas para as
quais remete (normas de conflito de L4), mandam aplicar o seu direito, então L3
aceita o retorno;
- E conclui-se que L3 aplica L3, ou seja, L3 considera-se competente;

Ou seja, para concluirmos que L3 aplica L3, tínhamos de atender ao sistema


de devolução de L3 e a remissão de L2 para L3 é por referência material, ou
seja, não atende ao sistema de devolução de L3.
Por isso, como não nos importa o sistema de devolução de L3, porque no nosso
sistema é de devolução simples, o que resulta daquele esquema é que L1 aplica L4.

Contudo, aquilo que se diz quanto a este tipo de casos e quanto à aplicação do
artigo 17º nº1 é que consideramos que a remissão de L2 não é por referência
material.
Ao não ser por referência material, significa que quando L2 remete para L3
atenderemos não só às normas de conflitos de L3, como também ao seu sistema de
devolução:
- Deste modo, já será possível considerar que L3 aplica L3;
- Assim, o último requisito do artigo 17º nº1 está preenchido;
- Logo, aplica-se o artigo 17º nº1;
- L1 manda aplicar a L3.

A regra é que: a remissão de L2 é normalmente de referência material. Exceto neste


caso, em que a referência de L2 não é material, por isso é que podemos atender ao
sistema de devolução de L3 e averiguar que ela aceita o retorno de L4. E ao aceitar o
retorno, considera-se a lei própria competente.

L1 —> L2 —> L3 —> L2


Este caso anula-se a si próprio.
A prof acha que se aplica o artigo 16º do CC.
Aplicamos o 17º para dizer que L2 é competente indiretamente.
O artigo 16º é residual, aplica-se quando nenhum dos casos especiais do artigo 17º
se aplique. Na verdade, neste caso, o último requisito do artigo 17º nº1 não está
preenchido, por isso, há falta de uma lei especial que excepcione a referência material
do artigo 16º, voltamos a ele e aplicamo-lo.
O 16º exige uma referência material, à falta de lei especial que excepcione a
referência material.
A referência material do artigo 16º não é um pressuposto, é uma consequência de
não se aplicar o artigo 17º.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 46


CASO 22 - REENVIO

Determine a lei aplicável à sucessão mobiliária de um francês que morreu, em 2014, com
último domicílio na Alemanha, admitindo que:
a. a norma de conflitos (de fonte interna) francesa sujeita a sucessão mobiliária à lei do
último domicílio do de cujus;
b. a norma de conflitos (de fonte interna) alemã sujeita a sucessão à lei da nacionalidade
do de cujus no momento da morte;
c. na França e na Alemanha se pratica, de acordo com as normas de devolução de fonte
interna, o sistema de devolução simples.

Averiguar a aplicação do RR IV, uma vez que estamos no âmbito de uma questão de
sucessão por morte:
• Temporal: art 84º - não está preenchido, uma vez que aplica-se a partir de 17 de
agosto de 2015, e no caso morreu em 2014;

Não se aplicando o RR IV, cabe-me recorrer ao artigo 62º do CC: a sucessão por
morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento.
O de cuius tinha nacionalidade Francesa. Sendo a lei pessoal a lei da nacionalidade,
pelo artigo 31º do CC, a lei reguladora da sua sucessão será a lei francesa.

Caso clássico de reenvio:


- Lei do foro remete para lei estrangeira;
- A lei estrangeira não se considera competente, remetendo para outra lei;

L1 (port.) —> L2 (francesa)

A lei francesa sujeita este tipo de sucessão à lei do último domicilio do cuius - lei
alemã. Então:
L1 (port.) —> L2 (francesa) —(DS)—> L3 (alemã)

A lei alemã sujeita este tipo de sucessão à lei da nacionalidade no momento da


morte - lei francesa. Então:
L1 (port.) —> L2 (francesa) —> L3 (alemã) —(DS)—> L2

Conclusão:
L1 —> L2 —(DS)—> L3 —(DS)—> L2

L2 aplica L2: porque tendo em conta o sistema de devolução simples, L2 ao remeter


para L3 vai atender às normas de conflitos de L3. Estas normas remetem para L2.
Logo L2 remete para L3, mas aplica L2.

Neste caso, a lei competente é a lei designada pela norma de conflitos portuguesa,
ou seja, a lei francesa (L2), mas é-o em virtude da remissão de L3 para L2 e do
facto de L2 adotar um sistema de devolução simples que significa que se consultam

DIP - BEATRIZ FERRINHO 47


apenas as normas de conflitos da lei designada (L3), é como se a remissão fosse uma
referência material.

Sub-hipótese
E se o francês tivesse falecido em 2016?

Aplica-se o RR IV - preenchimento do âmbito temporal (artigo 84º do RR IV)

Artigo 21º nº1 do RR IV:


A lei reguladora da sucessão é a lei da residência habitual ao momento do
falecimento, ou seja, a lei alemã
L pt —> L ale (L2)

A lei alemã sujeita a sucessão à lei da nacionalidade do de cujus no momento da


morte, ou seja, a lei francesa. E fá-lo por devolução simples, o que significa que
atende apenas às normas de conflitos da lei francesa e não ao seu sistema de
devolução.
L ale —(DS)—> L fra (L3)

A lei francesa sujeita a sucessão mobiliária à lei do último domicílio do de cujus, ou


seja, à lei alemã. E fá-lo também por devolução simlpes.
L fra —(DS)—> L ale

L1—> L2 —(DS)—> L3 —(DS)—> L2


• O artigo 34º não se aplica porque não se trata de um Estado terceiro.
• DS de L2 significado: lei alemã olha para as normas de conflito da lei francesa, vê
que remete para a lei alemã, mas é como se fosse uma referência material à lei
alemã.
• L2 aplica L2: a lei alemã olha para as normas de conflitos de L3 e repara que esta
remete, novamente, para L2.
• A lei alemã aceita o retorno: a lei alemã remete para a francesa, mas não a aplica.
Porque ao atender às normas de conflito da lei francesa, aplica o direito que tais
normas ditarem. É como se fosse uma referência material para a lei designada pela
lei francesa, ou seja, para a lei alemã;
• Assim, aplica-se a lei alemã.

Lima Pinheiro: a referência feita pelo artigo 34º do RR IV diz respeito tanto às
normas de conflitos como ao sistema de devolução da lei designada pelo presente
regulamento (se se aplicar o artigo 21º nº1, a lei designada é a lei da residência
habitual):
- se olharmos apenas para as normas de conflitos da lei da residência habitual, lei
alemã, aplicamos a lei francesa;
- Se olharmos para o sistema de devolução da lei da residência habitual (lei alemã)
aplicamos a lei alemã. Uma vez que a lei alemã tem um sistema de DS e, por isso,

DIP - BEATRIZ FERRINHO 48


atendemos às normas de conflitos da lei designada por si, ou seja, atendemos às
normas de conflitos da lei francesa (é a lei designada pela lei alemã). E as normas
de conflitos francesas em matéria de sucessão aplicam a lei alemã.

Se não existisse o artigo 34º do RR IV e só existisse o artigo 21º, quando este se


refere à lei da residência habitual, fa-lo-ia por referência material. E aqui não haveria
dúvidas, aplicava a lei alemã diretamente.

CASO 23 - REENVIO
Determine a lei aplicável à sucessão de um francês que morreu, em 2014, com último
domicílio no Brasil e deixando bens imóveis na Dinamarca, admitindo que:
a. as normas de conflitos brasileiras e dinamarquesas submetem a sucessão mobiliária e
imobiliária à lei do último domicílio do de cujus;
b. as normas de conflitos (de fonte interna) francesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei
do lugar da situação do imóvel;
c. os tribunais franceses praticam, de acordo com as normas de devolução de fonte
interna, devolução simples;
d. na Dinamarca e no Brasil, a referência a uma lei estrangeira é geralmente entendida
como uma remissão para o seu Direito material.

Não se aplica o RR IV - falta o preenchimento do âmbito temporal, por imposição do


artigo 84º do RR IV
Recorremos às normas de conflito do CC, mais precisamente ao artigo 62º do CC:
• Aplicamos a lei pessoal;
• Arrogo 25º + artigo 31º nº1 do CC = lei pessoal é a lei da nacionalidade;
• A lei portuguesa remete para a lei francesa
• L pt —> L fr = L1 —> L2

A Lei Francesa sujeita a sucessão imobiliária à lei da situação do imóvel, ou seja, à lei
dinamarquesa. Assim, a lei francesa remete por devolução simples para a lei
dinamarquesa.
L fr —(DS)—> L din (L3)

L1 —> L2 —> L3

Por sua vez, a lei dinamarquesa submete a sucessão imobiliária à lei do último
domicilio do de cuius, ou seja, à lei brasileira. A remissão operada pela lei da
Dinamarca é através de remissão material.
L din —(RM)—> L br (L4)

L1 —> L2 —> L3 —> L4

A Lei brasileira considera-se competente a si mesma, uma vez que no brasil em


matéria de sucessão imobiliária é competente a lei do último domicilio, ou seja, a lei
brasileira. Fá-lo por remissão material.
L br —> L br

DIP - BEATRIZ FERRINHO 49


L1 —> L2 —> L3 —> L4 —> L4

Conclusão:
L1 —> L2 —(DS)—> L3 —(RM)—> L4 —(RM)—> L4
• Estamos perante uma transmissão em cadeia
• L2 tem um sistema de DS, tal significa que apenas se consultam as normas de
conflitos da lei designada (L3), não se atende ao seu sistema de devolução. Assim,
L2 aplica apenas as normas de conflitos de L3. As normas de conflitos de L3 fazem
RM para L4;
• Logo, L2 aplica L4;
• L3 tem um sistema de referência material, pelo que aplica L4;
• L4 aplica L4

Art 17º nº1 do CC estaria preenchido?


1. A norma de conflitos portuguesa remete para uma 2ª lei - neste caso o
artigo 62 do CC remete para a lei francesa, pelo que este requisito está
preenchido;
2. L2 considerar efetivamente competente o direito de L3 - neste caso, a lei
francesa determina a aplicação do direito dinamarquês, pelo que este requisito
também está preenchido;
3. L3 tem de se considerar competente - neste caso, a lei luxemburguesa
considera competente a lei brasileira, por isso L3 —> L4. Nos casos em que L3 não
se considera competente, temos ainda de atender à lei designada por L4: se para
L1 ou se para outra qualquer lei do circuito que não a portuguesa. Só no caso de
remeter para qualquer outra lei que não a portuguesa é que se pode aplicar o
artigo 17º, uma vez que, se L4 —> L1, estaremos perante um caso de retorno do
artigo 18º do CC.
❖ Neste caso, L4 —> L4;

O artigo 17º nº1 determina a aplicação do direito material da ordem jurídica


designada pela norma de conflitos de L2 (desde que esse dto designado se considere
ele próprio competente).
Como vimos em cima, L2 aplica L4 e L4 considera-se competente:
❖ Logo, é possível aplicar o artigo 17º nº1 do CC

Não se aplica o artigo 17º nº2 do CC porque, embora L2 seja a lei da


nacionalidade, o de cuius não residia em Portugal, nem num país que considera
competente a lei do estado da sua nacionalidade, uma vez que a Lbr —> Lbr e não
para a Lfr.

Assim, a lei competente é a lei brasileira.

Sub-hipótese
E se o francês tivesse falecido em 2016?

Aplicava o RR IV

DIP - BEATRIZ FERRINHO 50


Aplica-se o artigo 21º do RR IV - que remete para a lei da residência habitual, mais
precisamente para a lei brasileira.

Esta, por sua vez, aplica a própria lei brasileira, por remissão material

L pt —> L bras —(RM)—> L bras

Não se aplica o artigo 34º porque, embora a lei brasileira seja de um estado terceiro,
esta não remete nem para um EM nem para outro estado terceiro que se considere
competente.
Pelo que o reenvio está excluído, e haverá mera referência material da lei portuguesa
para a lei brasileira.

CASO 24 - REENVIO
Determine a lei aplicável à sucessão de um argentino que morreu, em 2014, com último
domicílio na França, deixando bens imóveis situados no Paraguai, admitindo que:
a. as normas de conflitos argentinas e paraguaias submetem a sucessão mobiliária e
imobiliária à lei do último domicílio do de cujus;
b. as normas de conflitos (de fonte interna) francesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei
do lugar da situação do imóvel;
c. todos os ordenamentos jurídicos envolvidos praticam, no caso, devolução simples.

Não se aplica o RR IV - falta o preenchimento do âmbito temporal, por imposição do


artigo 84º do RR IV
Recorremos às normas de conflito do CC, mais precisamente ao artigo 62º do CC:
• Aplicamos a lei pessoal;
• Arrogo 25º + artigo 31º nº1 do CC = lei pessoal é a lei da nacionalidade;
• A lei portuguesa remete para a lei argentina
• L pt —> L arg = L1 —> L2

A Lei argentina sujeita a sucessão imobiliária à lei do último domicílio, ou seja, à lei
francesa. Assim, a lei argentina remete por devolução simples para a lei francesa.
L arg —(DS)—> L fr (L3)

L1 —> L2 —> L3

Por sua vez, a lei francesa submete a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação
do imóvel, ou seja, à lei do Paraguai. A remissão operada pela lei francesa é através
de devolução simples.
L fr —(DS)—> L par (L4)

L1 —> L2 —> L3 —> L4

DIP - BEATRIZ FERRINHO 51


A lei do Paraguai submetem a sucessão imobiliária à lei do último domicílio do de
cujus, ou seja, à lei Francesa. A remissão operada pela lei do Paraguai é através de
devolução simples.
L par —> L fr

L1 —> L2 —> L3 —> L4 —> L3

Conclusão:
L pt —> L arg —(DS)—> L fr —(DS)—> L par —(DS)—> L fr —(DS)—> L para
L1 —> L2 —> L3 —> L4 —> L3 —> L4

Então, como os ordenamentos jurídicos envolvidos praticam devolução simples,


significa que atendemos apenas para as norma de conflitos para as leis designadas e
não para o seu sistema de devolução. Tal resulta no seguinte:
• L2 aplica L4 - porque L2 remete por DS para as normas de conflitos de L3 e as
normas de conflito de L3 aplicam a lei do Paraguai (L4);
• L3 aplica L3 - porque L3 remete por DS para as normas de conflitos de L4 e as
normas de conflito de L4 aplicam a lei francesa (L3);
• L4 aplica L4 - porque L4 remete por DS para as normas de conflitos de L3 e as
normas de conflito de L3 aplicam a lei do Paraguai (L4);

Art 17º nº1 do CC estaria preenchido?


1. A norma de conflitos portuguesa remete para uma 2ª lei - neste caso o
artigo 62º do CC remete para a lei argentina, pelo que este requisito está
preenchido;
2. L2 considerar efetivamente competente o direito de L3 - neste caso, a lei
argentina determina a aplicação do direito francês, pelo que este requisito também
está preenchido;
3. L3 tem de se considerar competente - neste caso, a lei francesa considera
competente a lei do Paraguai, por isso L3 —> L4. Nos casos em que L3 não se
considera competente, temos ainda de atender à lei designada por L4: se para L1
ou se para outra qualquer lei do circuito que não a portuguesa. Só no caso de
remeter para qualquer outra lei que não a portuguesa é que se pode aplicar o
artigo 17º, uma vez que, se L4 —> L1, estaremos perante um caso de retorno do
artigo 18º do CC.
❖ Neste caso, L4 —>L3, mas aplica L4 uma vez que o seu sistema é de devolução

simples;
O artigo 17º nº1 determina a aplicação do direito material da ordem jurídica
designada pela norma de conflitos de L2 (desde que esse dto designado se considere
ele próprio competente). Por isso, Para aplicar o artigo 17º o que nos interessa é
saber se L4 aplica L4, uma vez que L2 aplica L4.
Como vimos em cima, L2 aplica L4 e L4 considera-se competente:
❖ Logo, é possível aplicar o artigo 17º nº1 do CC e a lei reguladora da

sucessão é a lei do Paraguai

DIP - BEATRIZ FERRINHO 52


Sub-hipótese
E se o argentino tivesse falecido em 2016?

Aplica-se o RR IV
Aplica-se o artigo 21º - que remete para a lei da residência habitual, mais
precisamente para a lei francesa.

As normas de conflitos francesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da


situação do imóvel - lei do Paraguai, por devolução simples.

L pt —> L fra —(DS)—> L par

As normas de conflitos do paraguai submetem a sucessão mobiliária e imobiliária à lei


do último domicílio do de cujus - ou seja, lei francesa por DS.

L pt —> L fra —(DS)—> L par —(DS)—> L fra


L1 —> L2 —(DS)—> L3 —(DS)—> L2

L2 aplica L2
L3 aplica L3

Não se aplica o 34º, porque não se trata de um estado terceiro.


Assim, o reenvio está excluído e funciona uma mera referência material para a lei
francesa.

CASO 25 - REENVIO

Alain e Beatrice são cidadãos franceses, casados um com o outro sem convenção
antenupcial, e residem habitualmente em Lisboa.
Beatrice tinha adquirido, antes do casamento, uma casa no Luxemburgo e vendeu-a,
depois do casamento, a Charles.
Determine qual a lei reguladora do regime de bens deste casamento admitindo que:
a. os órgãos aplicadores do Direito competentes são os portugueses;
b. quer no ordenamento jurídico francês quer no luxemburguês vigora a Convenção da
Haia de 1978 sobre a lei aplicável ao regime de bens do casal;
c. de acordo com as normas de conflitos previstas nesta Convenção, a lei aplicável para
regular o regime de bens do casal será a do país onde os imóveis do casal se
encontrarem, desde que os cônjuges assim o acordem. Alain e Beatrice celebraram,
aquando do casamento, um tal acordo, determinando que, no que respeitasse às
questões suscitadas pelos imóveis próprios ou comuns sitos no Luxemburgo, seria
aplicável ao regime de bens a lei luxemburguesa;
d. no âmbito da referida Convenção da Haia de 1978, é excluído o reenvio, praticando-se,
pois, referência material.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada, que apresenta pontos de


contacto com várias ordens jurídicas: portuguesa, francesa e luxemburguesa.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 53


Uma vez que a regulação dos regimes de bens não cabe no âmbito de nenhum dos
regulamentos de Roma, cumpre analisar o CC.

Artigo 53º do CC determina que a substância e os efeitos do regime de bens é


definido pela lei da nacionalidade dos nubentes ao tempo da celebração do
casamento.
A e B, ao tempo da celebração do casamento, têm nacionalidade francesa.
Por isso, a lei portuguesa remete para a lei Francesa ( L2 = lei francesa).

L2 —> CH —> L3
Em frança, em matéria de regime de bens, vigora a Convenção de Haia de 1978.
As normas de conflitos desta convenção determinam que a lei aplicável para
regular o regime de bens do casal será a do país onde os imóveis do casal se
encontrarem, desde que os cônjuges assim o acordem:
- O imóvel em causa situa-se no Luxemburgo;
- Pelo que, à partida, será a lei luxemburguesa a regular o regime de bens de A e B;
- Desde que estes acordem nesse sentido;
- In casu, A e B celebraram um acordo determinando que, no que respeitasse às
questões suscitadas pelos imóveis próprios ou comuns sitos no Luxemburgo, seria
aplicável ao regime de bens a lei luxemburguesa;
- Assim, concluímos que a Convenção de Haia considera competente a lei
luxemburguesa.

Na ordem jurídica luxemburguesa, em matéria de regime de bens de casais,


vigora também a Convenção de Haia:
- Portanto, a lei luxemburguesa quanto ao regime de bens, submete a questão para a
convenção de Haia;
- A CH, conforme já tínhamos visto, confere competência à lei luxemburguesa
(lei do pais onde o imóvel se encontra), por referência material (CH apenas
remete para o direito interno do Luxemburgo, não para o seu direito de conflitos);
- Deste modo, por via da convenção de Haia, a própria lei luxemburguesa
considera-se competente para regular esta matéria;
- Lei Lux. —> CH —> Lei Lux.

Esquema geral do caso:

L1 (port.) —> L2 (francesa) — (por via da CH, através de um sistema de referência


material) —> L3 (lei lux.) —> L3

Estamos tipicamente perante um caso do artigo 17º nº1 do CC, porque:


1. A norma de conflitos portuguesa remete para uma 2ª lei - neste caso o
artigo 53º do CC remete para a lei francesa, pelo que este requisito está
preenchido;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 54


2. L2 considerar efetivamente competente o direito de L3 - neste caso, a lei
francesa determina a aplicação do direito luxemburguês por via da convenção de
haia, pelo que este requisito também está preenchido;
3. L3 tem de se considerar competente - neste caso, a lei luxemburguesa
considera-se competente, por via da convenção de Haia, uma vez que esta vigora
na sua ordem jurídica para regular os regimes de bens dos casais.

Artigo 17º nº1 prevê a aplicação de L3

Os requisitos do artigo 17º nº2 também estão preenchidos, porque:


- Estamos perante uma matéria do estatuto pessoal;
- E o interessado tem residência habitual em Portugal: o interessado é a pessoa
relativamente à qual é concretizado o elemento de conexão, por isso, neste caso
são os nubentes que residem habitualmente em Portugal.

Artigo 17º nº2 só faz sentido aplicar quando preenchidos os requisitos do 17º nº1,
pois só desta forma é possível garantir o efeito do nº2: cessar os efeitos do nº1.
Com o 17º nº2, deixamos de aplicar L3, para voltar a aplicar L2 (regressamos à
regra do artigo 16º do CC).

Contudo, estamos perante um caso de relações patrimoniais entre cônjuges, por


isso temos de averiguar se estamos no âmbito do artigo 17º nº3:
- Aplicação do nº3 supõe o preenchimento dos requisitos do nº2 - os
requisitos do nº2 estão preenchidos, conforme já tinha analisado;
- A matéria do estatuto pessoal respeite uma das situações mencionadas -
estamos perante um caso de relações patrimonial entre cônjuges, também está
preenchido;
- A lei indicada pela norma de conflitos devolva para a lei da situação dos
bens imóveis - a lei francesa devolve a questão para a lei luxemburguesa, que é a
lei da situação do imóvel;
- Esta lei considerar-se competente - a lei luxemburguesa considera-se
competente.

O artigo 17º nº3 determina que se abdique da aplicação da L2, voltando a aplicar-se
a L3 conforme o 17º nº1.
Como o 17º nº3, tem aplicação neste caso prático, a lei reguladora do regime de
bens é a lei luxemburguesa (L3).

NOTA:
Regulamento 2016/1103 (matérias de regimes matrimoniais)
Âmbitos de aplicação:
- Âmbito temporal - fevereiro 2019;
- Âmbito material - está preenchido, artigo 1º do RR e não se inclui em nenhum caso
do nº2;
- Âmbito espacial - trata-se de uma situação transnacional, pelo que está verificado;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 55


- Âmbito territorial - o tribunal do foro é um EM (Portugal).
Este regulamento aplica-se.

Art 26º nº1 al. a) - determina que a lei reguladora do regime matrimonial é a lei da
1ª residência habitual comum, ou seja, neste caso, a lei portuguesa.

Art 32º do regulamento: o reenvio está excluido, por isso, a Lpt aplica a L pt.
Haveria uma referência material para a lei portuguesa - não se olhava para todo o
esquema que fiz em cima.

CASO 26 - REENVIO

Determine a lei aplicável à sucessão de um súbdito do Reino Unido residente em Londres


até 1993, data em que mudou a sua residência para Roma, cujo património, à data da morte
(em 2014), era constituído por um imóvel situado na França, supondo que:
a. o Reino Unido tem um ordenamento jurídico complexo e não dispõe de Direito
interlocal unificado, nem de Direito Internacional Privado unificado;
b. as normas de conflitos (de fonte interna) francesas e inglesas sujeitam a sucessão
imobiliária à lei do lugar da situação da coisa;
c. a norma de conflitos (de fonte interna) italiana sujeita a sucessão à lei da nacionalidade
do de cujus no momento da sua morte;
d. os tribunais franceses praticariam devolução simples;
e. os tribunais ingleses praticam dupla devolução;
f. os tribunais italianos praticariam referência material.

Não se aplica o RR IV - falta o preenchimento do âmbito temporal, por imposição do


artigo 84º do RR IV
Recorremos às normas de conflito do CC, mais precisamente ao artigo 62º do CC:
• Aplicamos a lei pessoal;
• Artigo 25º + artigo 31º nº1 do CC = lei pessoal é a lei do Reino Unido;
• A lei portuguesa remete para a lei do Reino Unido
• L pt —> L ru = L1 —> L2

A lei designada pelo direito de conflitos português é a lei referente a um


ordenamento jurídico complexo, pelo que cumpre analisar o artigo 20º do CC:
- Uma vez que o RU não têm direito interlocal nem DIP unificado, temos de atender
ao artigo 20º nº2 parte final;
- Por este artigo, considera-se a lei pessoal como a lei da residência habitual;
- O de cuius tem nacionalidade britânica e tem residência habitual em Itália, pelo
que acontece que o interessado vive num estado diferente do da sua nacionalidade;
- Nestes casos, há doutrina (prof Isabel Magalhães Collaço/Escola de Lisboa) que
considera que existe uma lacuna que deve ser integrada com recurso ao critério da
conexão mais estreita;
- É de considerar a conexão mais estreita com a Inglaterra.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 56


A Lei de Inglaterra sujeita a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação da coisa,
ou seja, à lei francesa. Assim, a lei inglesa remete por dupla devolução para a lei
francesa.
L ing —(DD)—> L fra (L3)

A Lei francesa sujeita a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação da coisa, ou


seja, à lei francesa. Assim, a lei francesa remete por devolução simples para a lei
francesa.
L fra —(DS)—> L fra

Conclusão:
L port —> L ru —> L fra —> L fra
L1 —> L2 —(DD)—> L3 —(DS)—> L3

Dupla devolução de L2 significa: L2 atua como se fosse o estado de L3, atendendo


por isso, não só às normas de conflitos de L3, como também ao seu sistema de
devolução.
Assim, L2 ao olhar para o sistema de devolução de L3 aplica L3, porque o sistema
de devolução de L3 é DS e tal significa que se olha apenas apenas para as normas de
conflito da lei designada por L3, ou seja, olha-se para as normas de conflito de L3.
MENCIONAR QUE QUANDO L3 —> L3 É IRRELEVANTE O SISTEMA DE DEVOLUÇÃO DE
L2. PORQUE VAI SEMPRE APLICAR-SE L3.

O artigo 17º nº1 está preenchido? SIM, ESTÁ!


1. A norma de conflitos portuguesa remete para uma 2ª lei - neste caso o
artigo 62º do CC remete para a lei inglesa, pelo que este requisito está
preenchido;
2. L2 considerar efetivamente competente o direito de L3 - neste caso, a lei
inglesa determina a aplicação do direito francesa, pelo que este requisito também
está preenchido;
3. L3 tem de se considerar competente - neste caso, a lei francesa considera-se
competente.

Pelo artigo 17º nº1 aplica-se L3 (lei francesa)

O artigo 17º nº2 está preenchido? SIM, ESTÁ!


- Estamos perante uma matéria do estatuto pessoal, sucessão por morte;
- E o interessado não tem residência habitual em Portugal: o interessado é a pessoa
relativamente à qual é concretizado o elemento de conexão, por isso, neste caso é o
de cujus; mas residia à data da morte em Roma e a lei italiana sujeita a sucessão à
lei da nacionalidade do de cujus no momento da sua morte.

Com o 17º nº2, deixamos de aplicar L3, para voltar a aplicar L2 (regressamos à
regra do artigo 16º do CC).

DIP - BEATRIZ FERRINHO 57


O artigo 17º nº3 está preenchido? SIM, ESTÁ!
- Aplicação do nº3 supõe o preenchimento dos requisitos do nº2 - os
requisitos do nº2 estão preenchidos, conforme já tinha analisado;
- A matéria do estatuto pessoal respeite uma das situações mencionadas -
estamos perante um caso de sucessão por morte, também está preenchido;
- A lei indicada pela norma de conflitos devolva para a lei da situação dos
bens imóveis - a lei inglesa devolve a questão para a lei francesa, que é a lei da
situação do imóvel;
- Esta lei considerar-se competente - a lei francesa considera-se competente.

O artigo 17º nº3 determina que se abdique da aplicação da L2, voltando a aplicar-se
a L3 conforme o 17º nº1.
Como o 17º nº3, tem aplicação neste caso prático, a lei reguladora da sucessão é
a lei francesa (L3).

De uma outra perspetiva - caso considerássemos a posição da Escola de Coimbra


quanto ao artigo 20º nº2, parte final:
Aplica-se o RRIV? Não (84.º - âmbito temporal).
Aplica-se o 62.º CC: lei pessoal art. 31.º: L nacionalidade (=L ru).
Por aplicação do art. 20.º, releva a LRH, mesmo que fora do Estado da nacionalidade:
será a lei de Itália.
A L it considera competente a L ru, com referência material.
Novamente teríamos de aplicar o art. 20.º: relevaria a L it (lei da residência habitual).
A Lit aplicar-se-ia a si própria, pelo que estaríamos perante um caso de RM (art. 16.º
CC).
Lpt —> Lit —(RM)—> Lit.

Sub-hipótese
E se o britânico tivesse falecido em 2016?

Aplicava-se o RR IV
O artigo 21º manda atender à lei da residência habitual no tempo da morte - lei
italiana.

Lpt —> L it

As normas de conflitos da lei italiana sujeita a sucessão à lei da nacionalidade do de


cujus no momento da sua morte - ou seja, à lei do RU;

L it —> L ru

Art 34º - não se aplica porque Itália não é um estado terceiro.


Art 36º não se aplica
Aplica-se a lei italiana por referência material da lei portuguesa.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 58


Se o RR IV manda aplicar o direito de um estado membro, nunca há reenvio! Por isso
o artigo 34º do RR IV favorece a aplicação das leis dos estados membros.
Estado terceiro = estado não membro da UE + RU + Irlanda (considerando 82) - aqui
já há reenvio.

CASO 27 - REENVIO

Carlos, nacional suíço com última residência habitual no estado da Luisiana (EUA), falece
em 15 de setembro de 2015 deixando bens imóveis no Brasil.
Determine qual a lei reguladora da sucessão imobiliária, considerando que:
a. os tribunais portugueses são internacionalmente competentes;
b. o Direito de conflitos suíço determina que a lei reguladora da sucessão imobiliária é a
do último domicílio do autor da sucessão e pratica o sistema de devolução simples;
c. os EUA não dispõem de Direito Internacional Privado e de Direito interlocal
unificados;
d. o Direito de conflitos do Luisiana determina que a lei reguladora da sucessão
imobiliária é a lex rei sitae e pratica o sistema de devolução dupla;
e. o Direito de conflitos brasileiro regula a sucessão pela lei da última residência habitual
do de cujus e estabelece que a remissão feita pelas suas normas de conflitos a
ordenamentos estrangeiros abrange apenas as normas de Direito material destes;
f. no Direito brasileiro, quando a norma de conflitos remeta, sem ser em razão da
nacionalidade, para ordenamentos complexos, o elemento de conexão da norma de
conflitos brasileira define não só o ordenamento soberano como o ordenamento
jurídico local.

Aplicação do RR IV
• Âmbito material - art 1º nº1 do reg - está preenchido, uma vez que não cabe
dentro de nenhuma matéria excluída pelo nº2;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transnacional;
• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro;
• Temporal - artigo 84º do reg, o regulamento é aplicável a partir de 17 de agosto
de 2015 e o C faleceu em 15 de setembro de 2015, pelo que este âmbito também
está verificado.
O RR IV aplica-se.

O artigo 21º nº1 do RR IV manda atender à lei do estado onde o falecido tinha
residência habitual no momento do óbito.
Ou seja, lei do Luisiana.

L pt —> L EUA (L2)

Como os EUA é um ordenamento jurídico plurilegislativo de base territorial, cumpre


aplicar o artigo 36º nº2 al. a) do RR IV, uma vez que pretendemos determinar a
lei aplicável nos termos de disposições relativas à residência habitual.
Assim, este artigo diz que a referência à lei dos EUA deve ser entendida como
referindo-se à lei da unidade territorial em que o falecido residia no momento da
morte, ou seja, refere-se à lei do Estado Luisiana.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 59


Assim,
L pt —> L lui (L2)

O direito de conflitos do Luisiana submete a regulação da sucessão para a lei do


local onde se situa o imóvel, ou seja, para a lei do Brasil. E fá-lo por dupla
devolução.

L lui —(DD)—> L br (L3)

O direito de conflitos do Brasil regula a sucessão pela lei da última residência


habitual do de cujus, ou seja, pela lei do Luisiana. E fá-lo por referência material.
É deste modo, porque como diz no enunciado: quando a norma de conflitos brasileira
remeta, sem ser em razão da nacionalidade (como é o caso, é razão da residência
habitual), para ordenamentos complexos (como é o caso, remete para os EUA), o
elemento de conexão da norma de conflitos brasileira define não só o ordenamento
soberano como o ordenamento jurídico local.

L br —(RM)—> L lui

Conclusão:
L pt —> L lui —(DD)—> L br —(RM)—> L lui

L1 —> L2 —(DD)—> L3 —(RM)—> L2

O RR IV aplica a lei de um estado terceiro, a lei dos EUA, mais precisamente do


estado Luisiana, pelo que teremos de atender ao artigo 34º do RR IV.
Contudo, concluo que não se aplica o artigo 34º, porque as normas do estado
terceiro (L2) remetem para a lei brasileira. Por isso:
- Não remetem para a lei de um estado membro - al. a) não está preenchida;
- Não remetem para a lei de outro estado terceiro que aplicaria a sua própria lei, uma
vez que a lei brasileira aplica a lei Luisiana - al. b) não está preenchida.

Dupla devolução de L2 significa: L2 atua como se fosse o estado de L3, atendendo


por isso, não só às normas de conflitos de L3, como também ao seu sistema de
devolução.
L2 aplica L2: aceita o retorno de L3
Logo, aplica-se a lei Luisiana.

CASO 28 - REENVIO

Andrea e Berta são dois nacionais romenos que se casaram na França e fixaram
residência habitual comum em Portugal.
Determine qual a lei reguladora dos efeitos pessoais do casamento, considerando que:
a. os tribunais portugueses são internacionalmente competentes;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 60


b. a norma de conflitos francesa determina que a lei aplicável aos efeitos pessoais do
casamento é a lei da nacionalidade comum dos cônjuges;
c. a norma de conflitos romena determina que a lei aplicável aos efeitos pessoais do
casamento é a lei da residência habitual comum dos cônjuges;
os Direitos de conflitos francês e romeno adotam o sistema de devolução simples.

Art. 52.º CC – lei nacional comum (Lnaccomum = Lrom).


Lpt —> Lrom —(DS)—> LRHcomum (Lpt) —> Lrom.
Lrom aplica Lrom, pois aceita o retorno. Logo, nos termos do 17.º/1, a Lpt deveria
aplicar a Lrom.
Contudo, aplica-se o 18.º/1, Pt aceita o retorno?
• Não, porque a Lrom opera com sistema de DS, o que significa que não aplica o
Dto pt.
• Assim, o n.º 1 não está verificado e não há por que beneficiarmos a aplicação da
lei portuguesa.
Se a referência operada pela Lrom fosse material, então, sim, aplicar-se-ia a Lpt, até
por aplicação do n.º 2: a RH é em Pt.

A Convenção concernente aos Conflitos de Leis Relativos aos Efeitos do Casamento


sobre os Direitos e Deveres dos Cônjuges nas suas Relações Pessoais e sobre os Bens
dos Cônjuges – em vigor desde 1912, entre Portugal, Itália e Roménia: nos termos do
8.º/2 CRP, as normas constantes de convenções internacionais só vigoram na OJ
interna se regularmente ratificadas ou aprovadas. Para além disso, esta convenção é
inconstitucional, para além de potenciar a aplicação da reserva de OPI.

CASO 29 - REENVIO

Anthony, cidadão dos EUA residente habitualmente na Itália (tendo anteriormente vivido
no Estado de Nova Iorque), pretende casar-se em Lisboa.
Diga qual a lei que o conservador do registo civil deve aplicar à capacidade matrimonial de
Anthony, considerando que:
a. os EUA não têm Direito interlocal e Direito Internacional Privado unificados;
b. o Direito de conflitos nova iorquino regula a questão pela lex loci celebrationis,
considerando, no caso concreto, que a sua norma de conflitos remete, única e
exclusivamente, para as normas de Direito material de ordenamentos jurídicos
estrangeiros;
c. o Direito de conflitos italiano regula a capacidade matrimonial pela lei da nacionalidade
do nubente; no caso concreto, pratica o sistema de referência material; e, na falta de
Direito interlocal ou Direito Internacional Privado unificados, entende-se a
remissão para um ordenamento jurídico complexo como sendo feita para o
ordenamento jurídico local que possui a conexão mais estreita.

Estamos perante uma situação transnacional, já que estão em contacto várias ordens
jurídicas: Portuguesa, Americana e Italiana.

Artigo 49º do CC: a capacidade para celebrar casamento é regulada pela lei pessoal
do A.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 61


A lei pessoal de A é a lei Americana, por imposição do artigo 31º nº1 do CC.

L pt —> L eua (L2)

A lei designada pelo direito de conflitos português é a lei referente a um


ordenamento jurídico complexo, pelo que cumpre analisar o artigo 20º do CC:
- Uma vez que os EUA não têm direito interlocal nem DIP unificado, temos de atender
ao artigo 20º nº2 parte final;
- Por este artigo, considera-se a lei pessoal como a lei da residência habitual;
- A tem nacionalidade americana e tem residência habitual em Itália, pelo que
acontece que o interessado vive num estado diferente do da sua nacionalidade;
- Nestes casos, há doutrina (prof Isabel Magalhães Collaço/Escola de Lisboa) que
considera que existe uma lacuna que deve ser integrada com recurso ao critério da
conexão mais estreita dentro do estado da nacionalidade;
- No caso é nos dito que A vive habitualmente em Itália, tendo anteriormente vivido
em Nova Iorque, não tendo dados quanto aos anos em que viveu em Nova Iorque e
há quantos vive em Itália, mas tendo em conta a sua nacionalidade e que viveu em
Nova Iorque, poderíamos ponderar a conexão mais estreita com o Estado de Nova
Iorque.

L pt —> L ni (L2)

O direito de conflitos de Nova Iorque regula a questão pela lex loci celebrationis, ou
seja, remete para a lei portuguesa, porque o casamento celebrar-se-á em Lisboa.
O facto de dizer no enunciado “que a norma de conflitos nova iorquina remete, única
e exclusivamente, para as normas de Direito material de ordenamentos jurídicos
estrangeiros”, significa que a referência para a lei portuguesa é por referência
material.

L ni —(RM)—> L pt

Conclusão:
L1 —> L2 —(RM)—> L1

L2 aplica L1 - estamos perante um caso de retorno direto. Então:


• Artigo 18º nº1 do CC está preenchido - porque L2 devolve para o direito interno
português;
• Uma vez que estamos perante a discussão da capacidade para casar, estamos
perante uma matéria do estatuto pessoal, pelo que atendemos ao artigo 18º nº2
do CC - não está preenchido. Porque:
• Porque A tem residência habitual em Itália e a lei italiana não considera
competente a lei portuguesa, mas antes a lei americana;
• Assim, Portugal não aceita o retorno.
• Então vamos ao artigo 16º do CC - aplica-se L2, será a lei nova iorquina a
regular a capacidade para casar.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 62


Caso considerássemos a posição da Escola de Coimbra quanto ao artigo 20º nº2 parte
final: para a Escola de Coimbra aplica-se a lei da residência habitual, mesmo que esta
se situe fora do Estado da nacionalidade.
Deste modo, a lei portuguesa remeteria para a lei italiana

L pt —> L it (L2)

A lei italiana regula a capacidade matrimonial pela lei da nacionalidade do nubente e


através de referência material

L it —(RM)—> L eua

A lei italiana ainda dispõe que na falta de Direito interlocal ou DIP unificados,
entende-se a remissão para um ordenamento jurídico complexo como sendo feita
para o ordenamento jurídico local que possui a conexão mais estreita, ou seja, a
remissão da lei italiana é mais concretamente para a lei do estado de Nova Iorque.

L it —(RM)—> L ni (L3)

O direito de conflitos de Nova Iorque regula a questão pela lex loci celebrationis, ou
seja, remete para a lei portuguesa. E fá-lo por referência material

L ni —(RM)—> L pt (L1)

Conclusão:
L1 —> L2 —(RM)—> L3 —(RM)—> L1

L1 aplica L2
L2 aplica L3
L3 aplica L1

????????????

CASO 30 - REENVIO

Discute-se perante tribunais portugueses a capacidade matrimonial de Alberto, cidadão


argentino com domicílio em Portugal. Alberto casou-se no Paraguai.
Determine qual a lei reguladora da capacidade para contrair casamento, considerando que:
a. a regra de conflitos argentina estabelece que a capacidade para contrair casamento é
regulada pela lei do lugar da celebração do casamento;
b. a regra de conflitos paraguaia regula a questão pela lei do domicílio do nubente e
considera Alberto domiciliado em Portugal;
c. os Direitos de conflitos argentino e paraguaio praticam, no caso, o sistema de
devolução simples;
d. segundo o Direito material argentino, Alberto não teria capacidade para se casar;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 63


e. segundo o Direito material português, não existiriam quaisquer impedimentos ao
casamento.

Estamos perante uma situação transnacional, já que estão em contacto várias ordens
jurídicas: Portuguesa, Argentina, Paraguai.

Artigo 49º do CC: a capacidade para celebrar casamento é regulada pela lei pessoal
do A.
A lei pessoal de A é a lei argentina, por imposição do artigo 31º nº1 do CC.

Lpt —> L arg (L2)

A lei argentina estabelece que a capacidade para contrair casamento é regulada pela
lei do lugar da celebração do casamento, ou seja, remete para a lei do Paraguai. E
fá-lo por DS.

L arg —(DS)—> L par (L3)

A lei do Paraguai estabelece que a capacidade para contrair casamento é regulada


pela lei do domicílio do nubente e considera A domiciliado em Portugal. E fá-lo por
DS.

L par —(DS)—> L pt

Conclusão:
L1 —> L2 —(DS)—> L3 —(DS)—> L1 —> L2

L1 aplica L2: referência material nos termos do artigo 16º do CC


L2 aplica L1: L2 remete para L3 através de devolução simples. O que significa que
atenderá às normas de conflitos de L3, e estas remetem para L1. Assim, L2 aplica L1.
L3 aplica L2: L3 remete para L1 através de devolução simples. Tal significa que
atenderá às normas de conflitos de L1 e estas remetem para L2. Assim, L3 aplica L2.

Estamos perante um caso de retorno indireto, porque a remissão para a lei


portuguesa é feita por uma terceira lei - art 18º do CC:
- O retorno de competência depende, em princípio, de um único pressuposto: L2
aplicar o direito material português;
- Nos casos em que, L2 remete para L3, mas tendo em conta o seu sistema de
devolução simples, L2 aplica L1, ou seja, aplica o direito português - também é de
admitir o retorno, porque é a solução que melhor se coaduna com a harmonia
jurídica no âmbito do DIP
- Esta harmonia de que se falar é a harmonia com L2 - esta é mais importante do
que a harmonia com L3 (não há harmonia com L3, porque esta não aplica o direito
português, mas isso não é relevante em termos de admissão do retorno).

DIP - BEATRIZ FERRINHO 64


- Assim, tendo em conta que o artigo 18º nº1 está preenchido, em princípio
aplica-se o direito português.

- Mas tendo em conta que se está a discutir a capacidade para contrair


casamento, estamos perante matéria de estatuto pessoal, pelo que temos de
atender ao artigo 18º nº2 do CC;
- No âmbito do estatuto pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se:
1. O interesse tiver residência habitual em Portugal ou;
2. Se o interessado tiver residência habitual num Estado que aplica o direito
material português.
- In casu, o A tem residência habitual em Portugal, pelo que o artigo 18º nº2
está preenchido e o direito aplicável é o português - sendo assim não há
quaisquer impedimentos ao casamento e A tem capacidade para contrair
casamento.

Uma vez que se trata da capacidade para a celebração de um negócio jurídico,


ponderei ainda o artigo 19º nº1 do CC, que cessa o efeito do artigo 18º.
Ou seja, pelo 19º nº1 a devolução para a lei portuguesa operada pelo artigo 18º pode
ser paralisada.

Se seguíssemos a posição do FERRR CORREIA e do BATISTA MACHADO: nem


teríamos de ponderar a aplicação deste artigo, porque para estes autores, o regime
do artigo 19º nº1 é apenas para as situações jurídicas já constituídas - com base na
ideia da tutela da confiança dos interessados.
Seguindo a posição do LIMA PINHEIRO: temos de considerar o artigo 19º nº1, porque
aplica-se tanto a situações já constituídas como a situações por constituir (como é o
caso, nesta hipótese porque o A ainda não se casou).

Alcance do artigo 19º nº1: Sempre que haja devolução por força dos artigos 17º e
18º esta devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do
negócio ou à legitimidade de um estado do que a lei aplicada através da devolução.
Neste caso, a L2 (lei argentina) não é mais favorável, porque não atribui
capacidade ao A para contrair matrimónio.
Assim, o artigo 19º nº1 do CC não se aplica ao caso.

CASO 31 - REENVIO

Em 1998, A, súbdito do Reino Unido residente em Londres, fez, em Londres, um


testamento no qual deixou à sua amiga B uma casa situada em Sintra. Em 2009, data da sua
morte, o património de A era somente constituído por este bem.
C, único filho de A, vem requerer, perante os tribunais portugueses, a redução por
inoficiosidade do testamento por ofender a sua legítima.
Aprecie a procedência do pedido de C, admitindo que:
a. no Reino Unido vigora um ordenamento jurídico complexo e não existe Direito
interlocal unificado nem Direito Internacional Privado unificado;
b. as normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação
do imóvel;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 65


c. o Direito Internacional Privado inglês consagra a teoria da dupla devolução. ()

Art. 62.º + 31.º: Lpt —> Lnac ao tempo da morte


L pt —> L ru
RU é um ordenamento jurídico complexo sem direito interlocal nem DIP unificados,
pelo que temos de recorrer ao artigo 20º nº2 parte final do CC.
Sendo a sua residência habitual em Londres, a lei aplicável é a da Inglaterra.
L pt —> L ing
As normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da
situação do imóvel - ou seja, lei portuguesa;

L ing —(DD)—> L pt

L1 —> L2 —(DD)—> L1
18.º/1 e 18.º/2 estão verificados? Depende…
Devido ao seu sistema de devolução (dupla devolução), a L ing só se aplica se a L pt
a aplicar; e só aplica a Lpt se a Lpt se aplicar a si mesma.
Assim, segundo LLP, o caso acabaria aqui: não se aceitaria o retorno, mas sim a regra
geral do art. 16.º.

Se considerarmos que os nºs 1 e 2 do art. 18.º estão verificados:


L2 aplica L1
Aceitamos o retorno? Nos termos do artigo 19.º/1, não pareceria de aceitar, para
garantir a validade do testamento.
Ferrer Correia e Baptista Machado (+ DMV e MR) defenderam uma “interpretação
restritiva” que limita o alcance do preceito com base na ideia da tutela da confiança:
o 19.º/1 só seria aplicável às situações já constituídas (e não à sua constituição em Pt
com a intervenção de uma autoridade pública) e desde que a situação esteja em
contacto com a OJpt ao tempo da sua constituição. Só neste caso o interessado ou
interessados poderiam ter confiado na válida constituição da situação segundo a lei
designada pela nossa NC. Assim, neste caso não se aplicaria o 19.º/1 e a Lpt aceitaria
o retorno.

LLP discorda: segundo LLP, a interpretação tem de respeitar o sentido possível do


texto legal e esta restrição vai além de uma interpretação restritiva, tratando-se
antes de uma verdadeira redução teleológica, que teria de ser justificada à luz do fim
da norma ou de outros princípios ou valores do sistema de Direito de Conflitos.
Segundo LLP, tudo indica que o legislador quis dar primazia ao princípio do favor
negotii relativamente à harmonia internacional, para além de que a posição dos
outros Autores parece pressupor que os indivíduos se podem guiar pelas nossas NC
mas não pelas nossas normas sobre devolução.
Assim, para LLP aplicar-se-ia o art. 19.º a este caso. Contudo, quanto conseguimos
retirar dele? Parece que no presente caso o testamento seria válido e eficaz com base
na LIng, mas por outro lado o estado de herdeiro legitimário do filho seria favorecido

DIP - BEATRIZ FERRINHO 66


pela Lpt, por seu turno ainda a amiga do de cujus veria o seu estatuto de legatária
reconhecido pela LIng. Quid iuris? Parece que no presente caso, estando em causa a
regulação da sucessão testamentária e não, por exemplo, da matéria da capacidade
para herdar, parece que a situação relevante seria o testamento, preservando-se a
validade e eficácia deste.
Ter-se-ia de ver a questão da OPI, de modo a afastar a aplicação da LIng.

Sub-hipótese
E se o britânico tivesse falecido em 2016?

Aplica-se o RR IV.
Artigo 21º - manda atender à lei da residência habitual
L pt —> L ru

RU é um ordenamento jurídico complexo - aplicamos o artigo 36º nº2 al. a) do RR IV,


que determina a aplicação da lei inglesa.

L pt —> L ing

As normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da


situação do imóvel;

L ing —> L pt

L1 —> L2 —(DD)—> L1

LLP considera que por Estado terceiro se deve entender Estado terceiro ao
Regulamento, e não apenas à UE.
Assim, não sendo o RU parte do RRIV (considerando 82), poder-se-ia aplicar o art.
34.º: como a Ling remete para um EM (Pt), este nem teria de se considerar aplicável
a si próprio. Logo, Lpt aplicaria Lpt.

CASO 32 - REENVIO

André, brasileiro com residência habitual em Lisboa, pretende casar-se em Portugal.


O Direito brasileiro sujeita a capacidade matrimonial à lei do domicílio, praticando
referência material.
Segundo o Direito português, André não tem capacidade para se casar. Mas tem
capacidade à luz do Direito brasileiro.
Qual a lei aplicável?

Estamos perante uma situação transnacional já que estão em contacto várias ordens
jurídicas: Portuguesa e brasileira.

A capacidade para contrair casamento é regulada pelo artigo 49º do CC que remete
para a lei pessoal de cada nubente.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 67


Art 31 nº1 + art 49º = capacidade de A para casar é regulada pela lei da sua
nacionalidade (A tem nacionalidade brasileira).

L pt —> L bra (L2)


A lei brasileira, por sua vez, sujeita a capacidade matrimonial à lei do domicílio, ou
seja, à lei portuguesa e fá-lo por referência material.

L bra —> Lpt

Conclusão:
Lpt —> L bra —> L pt

L1 —> L2 —(RM)—> L1

L2 aplica L1 - estamos perante um caso de retorno direto. Então:


• Artigo 18º nº1 do CC está preenchido - porque L2 devolve para o direito interno
português;
• Uma vez que estamos perante a discussão da capacidade para casar, estamos
perante uma matéria do estatuto pessoal, pelo que atendemos ao artigo 18º nº2
do CC:
• Está preenchido, porque A tem residência habitual em Portugal;
• Assim, Portugal aceita o retorno.
• A lei aplicável é a lei portuguesa - A não tem capacidade para casar

Uma vez que se trata da capacidade para a celebração de um negócio jurídico, e que
L1 e L2 são divergentes (L1 - A não tem capacidade para casar; L2 - A tem
capacidade para casar) ponderei ainda o artigo 19º nº1 do CC, que cessa o efeito
do artigo 18º.
Ou seja, pelo 19º nº1 a devolução para a lei portuguesa operada pelo artigo 18º pode
ser paralisada.

Se seguíssemos a posição do FERRR CORREIA e do BATISTA MACHADO: nem


teríamos de ponderar a aplicação deste artigo, porque para estes autores, o regime
do artigo 19º nº1 é apenas para as situações jurídicas já constituídas - com base na
ideia da tutela da confiança dos interessados.
Seguindo a posição do LIMA PINHEIRO: temos de considerar o artigo 19º nº1, porque
aplica-se tanto a situações já constituídas como a situações por constituir (como é o
caso, nesta hipótese porque o A ainda não se casou).

Alcance do artigo 19º nº1: Sempre que haja devolução por força dos artigos 17º e
18º esta devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do
negócio ou à legitimidade de um estado do que a lei aplicada através da devolução.
Neste caso, a L2 (lei brasileira) é mais favorável, porque atribui capacidade ao A
para contrair matrimónio.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 68


Assim, o artigo 19º nº1 do CC aplica-se ao caso, o que significa que o retorno
para a lei portuguesa operado pelo artigo 18º é paralisado, sendo, por isso,
aplicável L2 (lei brasileira) - no fundo voltamos a aplicar o regime do artigo 16º
do CC.

CASO 33 - REENVIO

A, britânico domiciliado no Brasil (mas tendo vivido anteriormente em Londres), faleceu


em 2014, deixando todos os seus bens (móveis), por testamento feito na Inglaterra, a favor de
instituições brasileiras.
Os filhos requerem, em Portugal, a redução por inoficiosidade do testamento, invocando a
violação do seu direito à legítima.
Os Direitos inglês e brasileiro remetem para a lei do domicílio do autor da sucessão.
Os tribunais ingleses praticam, no caso, o sistema da dupla devolução e no Brasil entende-
se a remissão para leis estrangeiras como sendo de referência material.
Segundo o Direito material inglês, a deixa testamentária era válida; segundo o Direito
material brasileiro, era inválida.
Quid iuris?

Direito inglês não prevê o direito à legítima e permite que o de cuius disponha da
totalidade dos seus bens.
No direito português tal não é possível, há uma parte da totalidade dos bens que não
pode ser disposta pelo de cuius - designa-se quota indisponível.

Para sabermos se o pedido dos filhos tem seguimento, temos de saber qual a lei
aplicável à sucessão de A.

Eventual aplicação do RR IV: não se aplica por falta do preenchimento do âmbito


temporal (artigo 84º).

Artigo 62º do CC: a sucessão é regulada pela lei pessoal


Artigo 31º + 62º = a lei reguladora da sucessão é a lei da nacionalidade de A, ou
seja, a lei inglesa

L pt —> L ing (L2)

A lei designada pelo direito de conflitos português é a lei referente a um


ordenamento jurídico complexo, pelo que cumpre analisar o artigo 20º do CC:
- Uma vez que o direito britânico não têm direito interlocal nem DIP unificado, temos
de atender ao artigo 20º nº2 parte final;
- Por este artigo, considera-se a lei pessoal como a lei da residência habitual;
- A tem nacionalidade britânica e tem residência habitual no brasil, pelo que acontece
que o interessado vive num estado diferente do da sua nacionalidade;
- Nestes casos, há doutrina (prof Isabel Magalhães Collaço/Escola de Lisboa) que
considera que existe uma lacuna que deve ser integrada com recurso ao critério da
conexão mais estreita;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 69


- No caso é nos dito que A vive habitualmente no Brasil, tendo anteriormente vivido
em Londres, não tendo dados quanto aos anos em que viveu em Londres e há
quantos vive no Brasil, mas tendo em conta a sua nacionalidade e que viveu em
Londres, e o seu testamento foi feito em Inglaterra e na convicção de que o direito
aplicável era o inglês, poderíamos ponderar a conexão mais estreita com
Inglaterra.

Por sua vez, a lei inglesa remete, através do sistema de dupla devolução para a lei do
domicilio do autor da sucessão, ou seja, para a lei brasileira.

L ing —(DD)—> L bra (L3)

Por sua vez, a lei brasileira remete para a lei do domicílio do autor da sucessão, ou
seja, para a própria lei brasileira.

L bra —> L bra

Conclusão:
L pt —> L ing —(DD)—> L bra —> L bra

L1 —> L2 —> L3 —> L3

Dupla devolução de L2 significa: L2 atua como se fosse o estado de L3, atendendo


por isso, não só às normas de conflitos de L3, como também ao seu sistema de
devolução.
Assim, L2 aplica L3.
MENCIONAR QUE QUANDO L3 —> L3 É IRRELEVANTE O SISTEMA DE DEVOLUÇÃO DE
L2. PORQUE VAI SEMPRE APLICAR-SE L3.

O artigo 17º nº1 está preenchido? SIM, ESTÁ!


1. A norma de conflitos portuguesa remete para uma 2ª lei - neste caso o
artigo 62º do CC remete para a lei inglesa, pelo que este requisito está
preenchido;
2. L2 considerar efetivamente competente o direito de L3 - neste caso, a lei
inglesa determina a aplicação do direito brasileiro, pelo que este requisito também
está preenchido;
3. L3 tem de se considerar competente - neste caso, a lei brasileira considera-se
competente.

Pelo artigo 17º nº1 aplica-se L3 (lei brasileira)

O artigo 17º nº2 está preenchido? NÃO ESTÁ!


- Estamos perante uma matéria do estatuto pessoal, sucessão por morte;
- O interessado não tem residência habitual em Portugal: o interessado é a pessoa
relativamente à qual é concretizado o elemento de conexão, por isso, neste caso é o

DIP - BEATRIZ FERRINHO 70


de cujus; mas residia à data da morte no Brasil, e a lei brasileira sujeita a sucessão
à lei do domicílio do de cujus no momento da sua morte, ou seja, à própria lei
brasileira.

Como o 17º nº2 não está preenchido, significa que o disposto no 17º nº1 não
cessa - continuamos a aplicar L3 e a lei reguladora da sucessão é a lei brasileira.
Segundo o direito brasileiro, a deixa testamentária era inválida.
Pelo que, o pedido dos filhos para a redução por inoficiosidade do testamento,
invocando a violação do seu direito à legítima, tem utilidade e por isso seguirá.

Uma vez que se trata da legitimidade para pedir a redução da inoficiosidade (utilidade
na procedência da ação), e que L3 e L2 são divergentes (L3 - deixa testamentária
era inválida, logo havia utilidade na procedência da ação; L2 - deixa testamentária
era válida, pelo que não havia utilidade na procedência da ação) ponderei ainda o
artigo 19º nº1 do CC, que cessa o efeito do artigo 18º.
Ou seja, pelo 19º nº1 a aplicação de L3 operada pelo artigo 17º nº1 pode ser
paralisada.

Alcance do artigo 19º nº1: Sempre que haja devolução por força dos artigos 17º e
18º esta devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do
negócio ou à legitimidade de um estado do que a lei aplicada através da devolução.
Neste caso, a L2 (lei inglesa) é mais favorável, porque atribui validade à deixa
testamentária
Assim, o artigo 19º nº1 do CC aplica-se ao caso - o efeito do artigo 17º nº1 é
paralisado, pelo que se aplicará a L2 (lei inglesa).

Devíamos ainda mencionar uma eventual ofensa à ordem pública internacional -


artigo 22º do CC.

CASO 34 - REENVIO

A, britânico com residência habitual em Londres, faleceu em 2016, sendo a sua herança
composta por bens imóveis situados na França.
Admitindo-se que:
a. as normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação
da coisa;
b. os tribunais ingleses praticam dupla devolução;
qual a lei aplicável à sucessão?

Estamos perante uma situação transnacional, porque há várias ordens jurídicas em


contacto.
Eventual aplicação do RR IV:
• Âmbito material - art 1º nº1 do reg - está preenchido, uma vez que não cabe
dentro de nenhuma matéria excluída pelo nº2;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transnacional;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 71


• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro;
• Temporal - artigo 84º do reg, o regulamento é aplicável a partir de 17 de agosto
de 2015 e o C faleceu em 2016, pelo que este âmbito também está verificado.
O RR IV aplica-se.

Art 21º do RR IV: a sucessão é regulada pela lei da residência habitual, ou seja, é
regulada pela lei inglesa.

L pt —> L ing (L2)

Ordenamento jurídico complexo, artigo 36º nº2 al. a) do RR IV. Aplica-se a lei inglesa.
Por sua vez, as normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do
lugar da situação da coisa, ou seja, remetem para a lei francesa por DD.

L ing —(DD)—> L fra (L3)

A lei francesa, remeterá para a lei da residência habitual (a lei inglesa).


Aqui vai gerar-se um ciclo vicioso
L pt —> L ing —> L fr —> L ing —> L fr —> L ing —> L fr —> …

A lei inglesa remete para a lei francesa, pelo que compete indagar da possibilidade de
aplicação do artigo 34.º para efeitos de admissão do reenvio.

Segundo o Sr. Professor Lima Pinheiro, o artigo 34.º/1/a apenas se aplica quando a
lei do Estado terceiro (neste caso, a Inglaterra) remete, por referência material, para
a lei de um Estado membro da UE. Assim, não sendo esse o caso, não se aplica a lei
francesa, mas sim a lei inglesa por referência material do artigo 21.º/1 do RRIV.

Aplica-se o artigo 30.º que determina que quando existam regras especiais que
imponham restrições quanto à sucessão ou a afetem relativamente a certos bens na
lei do Estado onde estão situados determinados bens imóveis, determinadas
empresas, ou outras categorias especiais de bens, tais regras especiais se aplicam à
sucessão na medida em que sejam aplicáveis, segundo a lei daquele Estado,
independentemente da lei que rege a sucessão.

O que poderíamos fazer:


1. ou aplicamos só o artigo 21.º, por considerarmos que a Inglaterra não é, para
efeitos do artigo 34.º, um “Estado terceiro”: haveria referência material para o
Direito Inglês (Lpt -> Ling);
2. ou aplicamos o artigo 34.º, como faz o Senhor Professor, considerando que a
Inglaterra é Estado terceiro. O Senhor Professor diz ainda que, em vez de lermos
“remeter”, devemos ler “aplicar”, ou seja, deve atender-se não só às normas de
conflitos da L2, mas também às suas normas sobre devolução.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 72


• No caso concreto, contudo, com o que nos deparávamos era com uma
impossibilidade de aplicação deste raciocínio.
• Porquê? Porque NÃO SABÍAMOS se o Direito Inglês (rectius, os seus tribunais)
aplicariam o Direito francês ou o inglês, tal como não sabíamos qual direito os
tribunais franceses aplicariam, já que havia uma remissão condicionada por
ambos os sistemas.
• Assim, não é tão linear quanto dizer “a lei do EM não se aplica, logo, voltamos à
regra do 21.º”: normalmente seria essa a regra, sim.
• Mas, no caso, a questão é que não sabemos se a lei do EM (no caso, a lei
francesa) se aplicaria. Logo, a possibilidade que propus (mas que retirei da
cartola, portanto sei lá eu se mais alguém diz isto) foi que se entendesse que
neste caso em particular, tendo em conta que a L3 é a lei de um EM e que,
atendendo à ratio do artigo 34.º/2/a, não é necessário que a L3 se aplique a si
própria nesses casos, então não relevaria saber que a lei é que a lei francesa
chamaria, devendo entender-se que a remissão da lei inglesa seria por referência
material.
• Ou seja, a lei inglesa, tendo um sistema de dupla devolução, pretende saber que
lei a lei francesa aplica. Mas como o 34/2/a nos diz que saber tal facto é
dispensável, parece-me que neste caso se poderia optar por esta solução. Assim,
aplicava-se a lei francesa (Lpt -> Ling -> Lfr); ou
3. ao nos depararmos com este caso, considerávamos que a impossibilidade de
determinar uma lei aplicável por via do artigo 34.º nos levaria a aplicar meramente
o artigo 21.º: referência material para a Inglaterra (como que por impossibilidade
de aplicação do sistema de devolução inglês, impossibilitando a aplicação do artigo
34.º).

Sub-hipótese
E se todos os imóveis do património de A estivessem situados na República da Irlanda,
cujo Direito Internacional Privado sujeita a sucessão imobiliária à lei do lugar da situação da
coisa, com dupla devolução?

Considerando 82: Irlanda não participa do RR IV.


Artigo 21º do RR IV: manda atende à lei da residência habitual
Lpt —> L ru

Reino Unido é um ordenamento jurídico complexo, pelo que se aplica o artigo 36º nº1
al. a)

L pt —> L ing

Por sua vez, as normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei do
lugar da situação da coisa, ou seja, remetem para a lei República da Irlanda por DD.

L ing —(DD)—> L ir

DIP - BEATRIZ FERRINHO 73


As normas de conflitos da Irlanda sujeitam a sucessão imobiliária à lei do lugar da
situação da coisa, com dupla devolução;
L ir —(DD)—> L ir

L pt —> L ing —> L ir —> L ir


L1 —> L2 —(DD)—> L3—(DD)—> L3

L2 aplica L3
L3 aplica L3

Aplica-se o artigo 34º nº1 al. b) do RR IV:


- L2 é um estado terceiro (RU não adere ao regulamento - considerando 82);
- L2 remete para outro estado terceiro (Irlanda também não adere ao regulamento -
considerando 82);
- L3 aplica L3 - significa que a lei do outro estado terceiro (Irlanda) aplica a sua
própria lei.

Aplicando a alínea b), devemos atentar não apenas às normas de conflitos da lei
inglesa, mas também às suas normas sobre devolução, pelo que temos de ver se a lei
inglesa aplica a lei irlandesa e esta se aplica a si própria: sim, a lei inglesa, tendo um
sistema de DD, aplica a lei que a lei irlandesa aplicar; esta, por seu turno, aplica-se a
si própria. Logo, aceita-se o reenvio para a lei irlandesa.

CASO 35 - REENVIO

Bernardo, nacional português residente na Inglaterra (Reino Unido), faleceu em 10 de


novembro de 2016 tendo como bens sucessórios um imóvel situado em Portugal e um imóvel
situado no Quebeque (Canadá). Discute-se hoje, perante tribunais portugueses, a sua sucessão
imobiliária.
Determine qual a lei reguladora da sucessão imobiliária de Bernardo, considerando que:
a. os tribunais portugueses são internacionalmente competentes;
b. no Reino Unido e no Canadá não existe Direito interlocal unificado nem Direito
Internacional Privado unificado;
c. o Direito de conflitos inglês pratica o sistema da foreign court theory e regula a sucessão
imobiliária pela lex rei sitae;
d. o Direito de conflitos do Quebeque pratica o sistema da referência material e regula a
sucessão imobiliária pela lex rei sitae.

Eventual aplicação do RR IV:


• Âmbito material - art 1º nº1 do reg - está preenchido, uma vez que não cabe
dentro de nenhuma matéria excluída pelo nº2;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transnacional;
• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro;
• Temporal - artigo 84º do reg, o regulamento é aplicável a partir de 17 de agosto
de 2015 e o C faleceu em 2016, pelo que este âmbito também está verificado.
O RR IV aplica-se.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 74


Art 21º do RR IV: a sucessão é regulada pela lei da residência habitual, ou seja, é
regulada pela lei do RU.

L pt —> L RU (L2)

Como o RU é um ordenamento jurídico plurilegislativo de base territorial, cumpre


aplicar o artigo 36º nº2 al. a) do RR IV, uma vez que pretendemos determinar a
lei aplicável nos termos de disposições relativas à residência habitual.
Assim, este artigo diz que a referência à lei do RU deve ser entendida como referindo-
se à lei da unidade territorial em que o falecido residia no momento da morte, ou
seja, refere-se à lei de Inglaterra.

L pt —> L ing (L2)

Por sua vez, a lei inglesa regula a sucessão imobiliária pela lex rei sitae
através do sistema de DD

No direito britânico vigora o princípio da pluralidade de estatutos


sucessórios - defende uma cisão do património sucessório em diferentes massas:
uma massa de bens compreendendo todos os bens móveis, e tantas massas de bens
imóveis quantos os países em que os bens imóveis do de cujus estejam situados.
Existem 2 bens imóveis:
- Um situado em Portugal, quanto à sucessão deste a lei inglesa remete para a
portuguesa;
- L ing —> L pt
- L1 —> L2 —(DD)—> L1
- L1 aplica L2
- L2 aplica L2: tendo em conta o sistema de dupla devolução, significa que L2
julga como L1 julgaria, uma vez que atende não só às suas normas de
conflitos, mas também ao seu sistema de devolução. L1 aplica L2, por isso
quando L2 remete para L1 e atende à solução consagrada por L1, significa que
L2 aplica L2.
- A sucessão do imóvel sito em Portugal é regulada pela lei inglesa.

- Outro situado no Canadá, quanto à sucessão deste a lei inglesa remete para a lei
do Canadá
- O Canadá é um ordenamento jurídico complexo;
- Cumpre aplicar o artigo 36º nº2 al. c) do RR IV, uma vez que pretendemos
determinar a lei aplicável nos termos de disposições relativas a elementos que
não são elementos de conexão.
- Assim, este artigo diz que a referência à lei do Canadá deve ser entendida
como referindo-se à lei da unidade territorial em que se encontra o elemento
pertinente
- Ou seja, a referência à lei do Quebeque

DIP - BEATRIZ FERRINHO 75


- L ing —(DD)—> L que (L3)
- L1 —> L2 —(DD)—> L3
- A lei do Quebeque, por sua vez, através de RM remete para a lei onde o imóvel
se encontra, ou seja, para a própria lei do Quebeque;
- L1 —> L2 —(DD)—> L3 —(RM)—> L3
- L2 aplica L3: tendo em conta o sistema de dupla devolução, significa que L2
julga como L3 julgaria, uma vez que atende não só às suas normas de
conflitos, mas também ao seu sistema de devolução. L3 aplica L3, por isso
quando L2 remete para L3 e atende à solução consagrada por L3, significa que
L2 aplica L3.
- L3 aplica L3;
- Estamos no âmbito de aplicação do artigo 34º nº1 al b) do RR IV: porque L2
(lei do RU) é lei de um estado terceiro, uma vez que o RU não participa na
adoção do presente regulamento, não estando por ele vinculado nem sujeito a
aplicação das suas normas (considerando 82);
- Assim, L2 remete para a lei de outro estado terceiro (L3 - lei do
Quebeque) e a lei deste estado terceiro aplica a sua própria lei (L3 aplica
L3).
- A lei reguladora da sucessão deste imóvel é a lei Canadiana (L3), mais
precisamente a lei do Quebeque.

FRAUDE À LEI
A. Como distinguir os institutos da reserva de ordem pública internacional e
da proibição de fraude à lei?
Na OPI está em causa a compatibilidade do resultado a que conduz a aplicação
da lei estrangeira com a justiça material da OJ do foro; na fraude à lei está em
causa o afastamento da lei normalmente competente e o desrespeito da norma
imperativa nela contida, ainda que o Direito do foro não tenha norma
equivalente.
B. Quais os tipos de fraude à lei?
• Manipulação do elemento de conexão
Exemplo: quando a lei de Malta não admitia o divórcio, dois malteses
residentes em Portugal que pretendiam divorciar-se, naturalizam-se
portugueses, embora não se integrem na nossa sociedade.
• Internacionalização fictícia de uma situação interna: para afastar o Direito
material vigente na OJpt, que é o exclusivamente aplicável a uma situação
interna, estabelece-se uma conexão com um Estado estrangeiro, por forma a
desencadear a aplicação desse Direito.
Exemplo: dois portugueses residentes em Portugal pretendem fugir aos
limites fixados pela lei portuguesa à taxa de juros do mútuo, pelo que
celebram um contrato interno em Badajoz e escolhem a lei espanhola
para reger o contrato.
C. Quais são os elementos da fraude?

DIP - BEATRIZ FERRINHO 76


• Elemento objetivo – manipulação com êxito do EC (o que exige uma manobra
contra a lei normalmente aplicável: exige-se que na lei normalmente competente
exista uma norma imperativa que seja objeto da fraude e exige-se que a
manipulação tenha êxito, no sentido de desencadear o chamamento de uma lei
diferente) ou na internacionalização fictícia de uma situação interna
• Elemento subjetivo/volitivo – vontade de afastar a aplicação de uma norma
imperativa que seria normalmente aplicável. É necessário dolo (=/= negligência).
O dolo incide sobre a modelação do conteúdo concreto do elemento de conexão
ou sobre a internacionalização fictícia da situação interna. Este elemento tem de
ser inferido dos factos, com base em juízos de probabilidade fundados em regras
de experiência.
D. Refira algumas medidas preventivas da fraude.
• Artigo 33º nº1 do CC (lei pessoal de pessoa coletiva) – sede principal e efetiva da
administração da pessoa coletiva (=/= sede fictícia, e.g., “caixas de correio”).
• Certos casos de imobilização do elemento de conexão em que se fixa
definitivamente o momento da sua concretização (exemplo: 55.º/2 CC).
E. Qual a sanção da fraude à lei? Quais as posições possíveis de seguir?
• Jurisprudência francesa + Fernando Olavo – princípio fraus omnia corrumpit
[todos os atos integrados no processo fraudulento, incluindo, p.ex., a própria
naturalização obtida no estrangeiro, são nulos ou para todos os efeitos
inoperantes]
• O Estado do foro não pode declarar inválida a aquisição de nacionalidade
estrangeira. O que o Direito de Conflitos pode fazer é recusar a essa
naturalização qualquer efeito na aplicação da norma de conflitos —> 21.º CC: a
sanção consiste em aplicar a lei normalmente competente.
❖ Isto não significa que os atos praticados sejam irrelevantes, só a
manipulação ou internacionalização. Ou seja, se um português se naturaliza
no RU para afastar as normas sobre sucessão legitimária e faz testamento
onde deixa todos os bens a um amigo, o testamento não é irrelevante, a
naturalização é que é.
❖ Quid iuris quanto à sanção da fraude à lei estrangeira? Também deve ser

sancionada. E deve ter-se em conta a posição da lei defraudada?


❖ FC + BM: não diferenciam a sanção da fraude à lei do foro e a sanção

da fraude à lei estrangeira.


❖ IMC : a fraude à lei estrangeira só é sancionada em dois casos:

1. se a lei estrangeira defraudada também sanciona a fraude; ou


2. se, na perspetiva do DIPrivado do foro, estiver em causa um
princípio mínimo ético nas relações internacionais, que não se
conforma com o desrespeito da proibição contida na lei
normalmente competente (aqui, a sanção da fraude relacionar-
se-ia com a reserva de OPI) [LLP concorda que quando a
fraude à lei estrangeira não seja por esta sancionada, deverá
ainda ser, excecionalmente, sancionada pelo DIPpt quando seja
eticamente intolerável à face do Direito de Conflitos português]
—> a favor desta diferenciação pesa a harmonia internacional

DIP - BEATRIZ FERRINHO 77


de soluções: se não atendermos à posição da lei estrangeira
defraudada podemos arriscarmo-nos a sancionar uma fraude
que esta lei não sanciona.

Caso 36 (Caso Bibesco) - FRAUDE À LEI

A princesa Bauffremont era uma súbdita francesa. À época, a lei francesa não admitia o divórcio,
mas apenas a separação. A princesa obteve a separação e, em seguida, naturalizou-se num
Estado alemão, o ducado do Saxe-Altemburgo. Valendo-se da sua nova lei nacional, que
assimilava a separação ao divórcio, a princesa casou em Berlim com o príncipe romeno
Bibesco.
Qual a lei aplicável aos impedimentos matrimoniais? Aparte questões de constitucionalidade da
lei que proíba o divórcio, considera que existe no presente caso um problema de fraude à lei e,
se sim, a que resultado obriga a lei?
Resolva o caso da perspetiva dos tribunais franceses, ficcionando que o Direito Internacional Privado
francês é constituído por normas com o mesmo conteúdo que o DIP português [assim, por exemplo,
deparando-se com uma norma de conflitos unilateral, entenda que a remissão é feita para França,
enquanto Estado do foro, e não para Portugal].

Artigo 1600.º do CC (capacidade para contrair casamento inclui impedimentos), logo,


aplica-se o art. 49.º: lei pessoal —> art. 31.º/1: Lei da nacionalidade
Logo, aplicar-se-ia a lei francesa ou a lei do ducado alemão, quanto à capacidade da
princesa Bauffremont?
Nos termos do art. 27.º LN, releva a nacionalidade francesa (MAS: princípio da
nacionalidade efetiva poderia intervir aqui).
Há fraude à lei, pois houve intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que
seria competente, através de uma criação de direito para esse efeito: art. 21.º CC.
No caso, o art. 27.º LN já resolvia o problema, mas de todo o modo houve fraude à
lei.

QUALIFICAÇÃO
Esquema de resolução dos casos de qualificação:
1. Caracterização
• É feita lege causae;
• Neste ponto vamos averiguar a relevância jurídica situação da vida em causa à
luz da lege causae;
• Saber se uma norma material se reconduz a uma norma de conflitos, é o que
vamos concluir neste ponto;
• Ver quais os ordenamentos jurídicos em causa;
• Ver quais as normas materiais potencialmente aplicáveis - fazer este passo
significa verificar que a situação da vida tem relevância normativa para os
ordenamentos jurídicos em relação;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 78


• Ver qual a categoria normativa das normas potencialmente aplicáveis - qual o
conteúdo e função que as normas materiais desempenham na ordem jurídica a
que pertencem;
• Posto isto conseguimos aferir qual a norma de conflitos aplicável.

2. Interpretação do conceito quadro


• Vamos fazer uma interpretação da previsão da norma de conflitos e concluir
sobre qual o conceito quadro dessa norma;
• Os conceitos quadro são definidos por um critério estrutural (casos
obrigacionais) ou então institucional (casos de família e sucessões);

• Um ponto intermédio é a identificação do elemento de conexão e a sua


concretização (faz-se lege causae).
• Pelo elemento de conexão presente na norma de conflitos, remeter-se-á para
uma determinada lei (lei X).

3. Qualificação stritu sensu


• Faz-se segundo lege fori;
• Ver se as normas materiais da lei X se inserem na norma de conflitos
determinada, ou seja, se cabem no conceito quadro dessa norma = ver se o
direito material da lei X é subsumível à norma de conflitos. Para isso temos de
olhar para o seu conteúdo e finalidade;
• Não atendemos apenas ao conteúdo nuclear da lege fori, atenderemos também
às zonas periféricas/zonas cinzentas para ver se a situação em causa se inclui
na previsão da norma de conflitos aplicável - princípio da harmonia jurídica
internacional;
• Norma de conflitos dá competência à lei X, mas com base no art 15º do CC
vemos que essa remissão é seletiva:
• Apenas se aplicam as normas da Lei X que pela sua própria lei se
considerem equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de
conteúdo e finalidade.
• Temos de aferir quais as normas da lei X que poderão ser abarcadas pela
norma de conflitos.
• Quando o direito material da lei X tem conteúdo e função exatamente igual
ao conteúdo e função do direito material do direito Português, significa que
é subsumível à mesma norma de conflitos.

CASO 37 - Qualificação
Claudine e Sabrina são duas cidadãs americanas que pretendem casar-se em Portugal.
Pretendem casar-se apenas por motivos de aparência, relacionados com a sua
atividade profissional, não nutrindo qualquer sentimento um pelo outro.
Sabendo deste facto, o conservador do registo civil português recusa-se a casar Claudine
e Sabrina, com fundamento em que o casamento, segundo o artigo 1577.º do Código Civil
português, só é possível quando os nubentes “pretendem constituir família mediante uma
plena comunhão de vida”.
Concorda com a decisão do conservador do registo civil português?

DIP - BEATRIZ FERRINHO 79


Neste caso, suscita-se uma questão sobre os vícios da vontade dos nubentes.

Caracterização:
Existem dois ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis: o Português e o
Americano.
A norma de conflitos Portuguesa potencialmente aplicável é o artigo 1577º do CC;
A norma de conflitos americana potencialmente aplicável, não conhecemos porque
não nos é dita no caso;
Para averiguarmos qual a categoria normativa a que pertencem temos de atender ao
conteúdo e finalidade das normas.
A finalidade do artigo 1577º do CC é permitir a constituição de uma relação
jusfamiliar a quem pretende constituir família mediante uma plena comunhão de vida
// vamos supor que a norma americana também tem essa finalidade.
Assim, a categoria normativa a que pertencem estas normas materiais é a relação
jusfamiliar.

Por isto, é possível concluir que a norma de conflitos aplicável é o artigo 49º parte
final do CC (se não coubesse neste artigo íamos para o conceito jusfamiliar mais lato
e a norma de conflitos aplicável seria o artigo 25º do CC, por ser um caso de estatuto
pessoal).

Interpretação do conceito quadro:


O conceito quadro aqui presente é vícios da vontade dos nubentes.

O elemento de conexão presente no artigo 49º do CC é: a nacionalidade (art 49º +


31º).
A concretização do elemento de conexão faz-se em dois momentos:
1. Interpretação: trata-se da determinação do conteúdo do conceito que designa o
elemento de conexão.
• É o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado.
2. Concretização: diz respeito à determinação do laço em que se traduz o elemento
de conexão.
• A concretização faz-se com recurso à lege causae;
• Isto significa que a nacionalidade tem de se estabelecer segundo o Direito do
Estado cuja nacionalidade está em causa.
• Ou seja, a nacionalidade tem de se estabelecer conforme o direito americano,
mais concretamente pelo ordenamento jurídico com o qual cada cônjuge
tenha vínculo jurídico-politico.

O artigo 49º do CC determina que os vícios da vontade dos nubentes são regulados
pela lei da nacionalidade, ou seja, pela lei americana.
Os EUA são um ordenamento jurídico complexo, pelo que cumpre analisar o artigo
20º do CC.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 80


Sendo que a nacionalidade de S e C é Americana, a norma de conflitos dá
competência à norma dos EUA.

Qualificação stritu sensu


Averiguar se o direito material da lei EUA é subsumível à norma de conflitos. Por isso,
o que está em causa é a função das normas dos EUA - temos de olhar para o seu
conteúdo e finalidade.

Quanto à norma de conflitos não atendemos apenas ao conteúdo nuclear da lege fori,
atenderemos também às zonas periféricas/zonas cinzentas para ver se a situação em
causa se inclui na previsão da norma de conflitos aplicável.

Se houver normas nos EUA que, pelo seu conteúdo e função, correspondam ao
conceito-quadro de “vícios da vontade dos nubentes” à luz do direito português -
essas normas aplicar-se-ão
A norma americana que regule esses vícios é subsumível no conceito quadro do artigo
49º do CC (aplicação do artigo 15º do CC).

Aplicam-se as normas materiais dos EUA que regulam os vícios da vontade dos
nubentes.

CASO 38 - QUALIFICAÇÃO
Angelique e Pierre são dois cidadãos franceses enamorados e noivos um do outro.
Combinaram casar-se assim que Pierre terminasse o seu serviço militar no estrangeiro, tendo
inclusivamente já enviado os convites.
Enquanto Angelique passava férias em Portugal, recebeu a notícia de que o seu noivo
Pierre tinha falecido.
Agora, Angelique apresenta-se perante o conservador do registo civil com cópia
certificada do disposto no artigo 171.º do Código Civil francês (que dispõe, no primeiro
parágrafo, que o Presidente da República pode, por motivos graves, autorizar a celebração do
casamento no caso de falecimento de um dos futuros cônjuges, desde que existam factos
suficientes que provem inequivocamente o consentimento do falecido) e com a autorização do
Presidente da República Francesa para a celebração do casamento, pedindo ao conservador
que a case com Pierre.
O conservador, à luz do artigo 171.º do Código Civil francês e da autorização do
Presidente da República Francesa, casa Angelique com Pierre (já falecido).
Concorda com a decisão do conservador do registo civil português?

Neste caso suscita-se uma questão sobre a capacidade para contrair casamento.

O artigo 49º do CC tem como conceito quadro “capacidade para contrair casamento
ou celebrar convenção antenupcial, definir o regime de falta ou dos vícios da vontade
dos nubentes”.

Caracterização:
Existem dois ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis: o Português e o
Francês.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 81


A norma material da lei francesa potencialmente aplicável é o artigo 171º do CC
francês;
A norma material da lei portuguesa potencialmente aplicável é o artigo 1577º do CC.
Então agora temos de ver qual a categoria normativa a que pertencem: ambas tratam
esta questão como uma relação jusfamiliar (capacidade para contrair casamento).
Com base nisto encontramos a norma de conflitos, o artigo 49º do CC português

Interpretação do conceito quadro:


O conceito quadro é a capacidade para contrair casamento.

O elemento de conexão desta norma é nacionalidade (art 49º + art 31º).


A concretização do elemento de conexão faz-se em dois momentos:
1. Interpretação: trata-se da determinação do conteúdo do conceito que designa o
elemento de conexão.
• A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um
Estado.
2. Concretização: diz respeito à determinação do laço em que se traduz o elemento
de conexão.
• A concretização faz-se com recurso à lege causae;
• Isto significa que a nacionalidade tem de se estabelecer segundo o Direito do
Estado cuja nacionalidade está em causa.
• Ou seja, a nacionalidade tem de se estabelecer conforme o direito do Estado
francês.

Sendo que a nacionalidade de A e P é Francesa, a norma de conflitos dá competência


à norma francesa.

Qualificação strito sensu:


Averiguar se o direito material da lei francesa é subsumível à norma de conflitos
(artigo 49º do CC).
Apenas se aplicam as normas da lei francesa que pela sua própria lei se considerem
equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de conteúdo e finalidade.
Para isso temos de olhar para o conteúdo e finalidade da norma de direito material
Francesa.

A norma de conflitos (art 49º do CC) quando determina a capacidade para casar tem
como finalidade permitir o casamento daqueles que “pretendem constituir família
mediante uma plena comunhão de vida”.

A norma de direito material francesa (artigo 171º do CC francês) permite o


casamento com uma pessoa morta, por isso, não terá como finalidade a plena
comunhão de vida.
Mas, ainda assim, quando, neste ponto, averiguamos a subsunção das normas de
direito material francês ao artigo 49º do CC, não atendemos apenas ao conteúdo
nuclear desse artigo, mas também à sua zona periférica/zona cinzenta.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 82


A possibilidade casar com uma pessoa morta caberá na zona cinzenta do artigo 49º
do CC - princípio da harmonia jurídica internacional.

O artigo 171º do CC francês é subsumível no conceito quadro do artigo 49º do CC


(aplicação do artigo 15º do CC).

Aplicam-se: artigo 171º do CC francês + normas materiais francesas acerca da


capacidade.

Concordo com a decisão do conservador do registo civil Português.

CASO 39 - QUALIFICAÇÃO
A, britânico com residência em Londres, pede em tribunal português o pagamento de
indemnização por parte de B, português residente em Portugal, com fundamento na violação
do seu direito ao bom nome por meio de artigo publicado num jornal inglês.
A invoca a aplicação do direito inglês, segundo o qual B pode ser condenado, não só ao
ressarcimento do dano sofrido, mas também ao pagamento de uma indemnização punitiva
(punitive damages).
Na Inglaterra aplica-se à matéria a lex loci actus.
A ação deve proceder?

Estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual.


O RR II não se aplica pelo artigo 1º nº2 al. g).

Caracterização:
Existem dois ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis: o Português e o do
Reino Unido;
A norma material portuguesa potencialmente aplicável é o artigo 483º nº1 do CC,
prevê a indemnização por danos
A norma material inglesa potencialmente aplicável prevê a indemnização por danos e
a punitive damagens (=indemnização punitiva).
A categoria normativa a que estas normas pertencem é a responsabilidade
extracontratual.
Isto reconduz à norma de conflitos 45º nº1 do CC português.

Interpretação do conceito quadro:


O conceito quadro é a responsabilidade extracontratual por atos ilícitos (é um critério
estrutural):
• O conceito-quadro abrange todos os institutos ou conteúdos jurídicos, quer de
Direito nacional, quer estrangeiro, aos quais convenha, segundo a ratio legis, o
tipo de conexão adotado pela NC que utiliza esse conceito.
• Assim, embora os punitive damages não sejam reconhecidos pela OJpt, o art.
45.º é lato o suficiente para os abranger, já que a ratio deste preceito é tutelar as
consequências jurídicas de atos ilícitos, em risco e em qualquer conduta lícita que
determine responsabilidade extracontratual, e não apenas a consequência
indeminizatória/ressarcitória.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 83


O elemento de conexão presente no artigo 45º nº1 do CC é o local onde ocorreu o
dano (lex loci actus).
A concretização deste elemento faz-se com recurso à lex causae.

Sendo este o elemento de conexão, a norma de conflitos portuguesa dá competência


à lei inglesa.
O RU é um ordenamento jurídico complexo. No enunciado é-nos dito que em
Inglaterra aplica-se à matéria a lex loci actus. Por isso, os tribunais ingleses
consideram-se competentes. Assim, a lei aplicável é a lei inglesa.

Qualificação stritu sensu:


Averiguar se o direito material da lei inglesa é subsumível à norma de conflitos (artigo
45º nº1 do CC).
Apenas se aplicam as normas da lei inglesa que pela sua própria lei se considerem
equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de conteúdo e finalidade.
Para isso temos de olhar para o conteúdo e finalidade da norma de direito material
inglesa.

A norma de direito material inglesa prevê a indemnização por danos e a indemnização


punitiva, quanto à primeira tem a finalidade de ressarcimento/reparação do lesado
face aos danos que sofreu, quanto à segunda já terá uma finalidade punitiva do
lesante

A norma de direito material portuguesa que prevê o direito de indemnização por


danos tem como finalidade o ressarcimento/reparação do lesado face aos danos que
sofreu.

Assim, as regras previstas no direito inglês quanto à indemnização por danos têm,
pois, uma função igual à desenvolvida no direito material português.

Por isso, a indemnização por danos prevista no direito inglês é subsumível ao


conteúdo nuclear do artigo 45º nº1 do CC (artigo 15º do CC).

Quanto à punitive damages, penso que seja possível reconduzi-la à zona periférica do
artigo 45º nº1 do CC. porque, embora no direito português não encontremos
positivada a imposição de danos punitivos, encontramos muitos exemplos,
nomeadamente no CC, que podem ser tomadas como manifestações da função
punitiva da responsabilidade civil.

Aplicam-se: normas inglesas sobre a responsabilidade extracontratual + punitive


damgens.
A ação deve, por isso, proceder.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 84


CASO 40 - QUALIFICAÇÃO
A, cidadão dos EUA, pede em Portugal a condenação de B, português, no pagamento de
dívida contraída em Janeiro de 1994. As partes tinham convencionado a aplicação da lei do
Tennessee.
Segundo o direito do Tennessee, a ação para o exercício do direito de créditos de A
deveria ter sido intentada no prazo de 6 anos a contar do vencimento, por força das normas
sobre Limitation of Actions.
Ao abrigo destas normas, B alega a prescrição do direito de A.
Considerando que se trata de normas de natureza processual, B tem razão?

Estamos perante um caso que se prende com saber qual a lei que regula a prescrição
de um direito de indemnização decorrente da responsabilidade contratual.

Não se aplica o RR I por falta de preenchimento do âmbito temporal (artigo 28º, o RR


I aplica-se a partir de 17 de dezembro de 200) nem a Convenção de Roma.

Caracterização (lege causae):


Os ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis são: o do Tennessee ou o
Português;
A lei material do Tennessee potencialmente aplicável determina o direito de
indemnização prescreve em 6 anos;
A lei material portuguesa potencialmente aplicável é o artigo 498º do CC que
determina que o direito de indemnização prescreve em 3 anos;
Assim, estas normas inserem-se na categoria normativa das relações obrigacionais.
E a norma de conflitos aplicável é o artigo 41º do CC.

Interpretação do conceito quadro:


O conceito quadro são obrigações provenientes do negócio jurídico:
• O conceito-quadro abrange todos os institutos ou conteúdos jurídicos, quer de
Direito nacional, quer estrangeiro, aos quais convenha, segundo a ratio legis, o
tipo de conexão adotado pela NC que utiliza esse conceito.
• Como vimos, no caso, a lei do Tennessee não insere a matéria da prescrição nas
obrigações, mas sim no Direito processual; contrariamente, o Direito material
português.

O elemento conexão presente no artigo 41º do CC é a escolha de lei pelas partes do


nj - neste caso as partes escolheram a lei do Tennessee, por isso, é a esta a quem a
norma de conflitos portuguesa confere competência.

Qualificação stritu sensu (lege fori):


Averiguar se o direito material da lei do Tennessee é subsumível à norma de conflitos
(artigo 41º nº1 do CC).
Apenas se aplicam as normas da lei do Tennessee que pela sua própria lei se
considerem equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de conteúdo e
finalidade.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 85


Para isso temos de olhar para o conteúdo e finalidade da norma de direito material do
Tennessee.

A norma do Tennessee aqui aplicável tem natureza processual:


★ O tribunal do foro aplica as suas próprias regras de natureza processual;
★ As normas processuais do foro não regulam qualquer questão relativa à
prescrição;
★ As regras que regulam a prescrição, no direito português, têm natureza
substantiva;
★ Contudo, atenderemos na mesma ao conteúdo e função da norma do Tennessee
relativa à limitation of actions;
★ Esta norma visa estabelecer um limite temporal ao exercício de um direito, assim
se assegurando a previsibilidade e a segurança jurídica.

A norma material portuguesa (artigo 498º do CC) visa também estabelecer um limite
temporal ao exercício de um direito, assim se assegurando a previsibilidade e a
segurança jurídica.

Assim, as regras do Tennessee têm uma função semelhante à desenvolvida pelas


regras de direito Português.

• Obrigações são vínculos jurídicos aos quais as partes voluntariamente se sujeitam


- por isso, têm um inicio e um fim.
• A prescrição faz parte do conceito genético do conceito de obrigações, apesar de
não estar no livro das obrigações. Está no livro geral, porque há mais situações
jurídicas às quais se aplica a prescrição.
• Prescrição faz parte do conteúdo de relação obrigacional.
• Assim, embora a caracterização lege causae aponte no sentido de as normas
sobre prescrição do Tennessee não se aplicarem à luz da lex causae, por esta as
ver como direito processual, a qualificação lege fori permite a remissão para tais
normas, por ser relativamente incontroverso em Portugal que normas sobre
prescrição não têm caráter puramente processual, já que são normas de conduta,
influenciando a geração de expectativas pelas partes, tendo caráter material.
Assim, reconduzem-se à NC do art. 41.º CCpt, que por sua vez então manda
aplicar a lei do Tennessee.

As regras do Tennessee que determinam um limite temporal dentro do qual a ação


pode ser proposta são subsumíveis no conceito quadro do artigo 41º do CC (artigo
15º do CC).

Aplicam-se: Normas sobre prescrição do Tennessee + normas materiais do Tennessee


sobre as relações obrigacionais.

Assim, o direito já tinha prescrito.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 86


CASO 3 - Livro Casos Práticos DIP, Elsa Dias Oliveira

A e B cidadãos moçambicanos;
Casados um com o outro e têm dois filhos: D e C;
Há 20 anos que a família vive em Florença (Itália);
A e B venderam um terreno sito em Portugal, do qual eram proprietário, a D
no valor de 300.000€;
C, que não consentiu na venda, vem dizer que o negócio é inválido, por
aplicação do artigo 877º do CC;
C intenta em Portugal uma ação de anulação do contrato;
Esta pretensão de C deve ser julgada procedente?

Pretende-se saber se o contrato de compra e venda é válido materialmente - para


isso precisamos de averiguar qual a lei aplicável a este contrato.

O RR I é aplicável?
• Âmbito material - art 1º nº1 do reg - está preenchido, uma vez que não cabe
dentro de nenhuma matéria excluída pelo nº2;
• Espacial - está preenchido, uma vez que se trata de uma situação transnacional;
• Territorial - o estado do foro ser um estado membro - está preenchido, Portugal,
que é onde a ação é proposta, é um estado membro;
• Temporal - artigo 84º do reg, o regulamento é aplicável a partir de 17 de
dezembro de 2017, não temos dados quanto à data da celebração do contrato,
mas consideramos que está verificado.
O RR I é aplicável.

A regra geral é a de que a lei que regula os contratos é a lei escolhida pelas partes -
artigo 3º nº1 do RR I;
Contudo, neste caso, as partes não escolheram a lei aplicável, por isso, aplica-se a
regra subsidiária do artigo 4º do RR I - mais concretamente o nº1 al. c), uma vez que
o contrato em causa teve como objeto o direito real sobre terreno (a propriedade de
um bem imóvel);
Assim, o contrato celebrado entre A, B e D é regulado pela lei do país onde o imóvel
se situa, ou seja, pela lei portuguesa.

Cumpre ainda mencionar o artigo 12º do RR I que determina que a lei aplicável pelo
presente regulamento (lei portuguesa) regula todas as situações mencionadas nas
alíneas a) a e), incluindo as consequências da invalidade do contrato.

A norma de direito português que se aplica é o artigo 877º do CC:


• Estas norma apesar de estar inserida no livro do Direito das Obrigações, não se
caracteriza como uma norma de natureza obrigacional;
• Há doutrina que a considera como uma norma característica das relações entre
pais e filhos; e outra parte da doutrina considera que se trata de uma norma
relativa ao estatuto sucessório;

DIP - BEATRIZ FERRINHO 87


• Tanto seguindo uma parte da doutrina como outra, este caso não caberia no
âmbito material do RR I.

Vamos seguir a posição que considera que o artigo 877º do CC se insere no âmbito
das relações entre pais e filhos.
Assim, já estaremos perante um caso que diz respeito, não a um contrato de compra
e venda, mas sim a relações de pais e filhos.

Quais são os ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis para regular este tipo
de relações?
- Português
- Moçambicano
- Italiano

A norma material portuguesa potencialmente aplicável é o artigo 877º do CC que


determina a necessidade de consentimento de C na venda a D;
A norma material moçambicana potencialmente aplicável é o artigo 877º do CC
moçambicano que tem um conteúdo exatamente igual à norma portuguesa;
A categoria normativa a que pertencem é a relação jusfamiliar, mais propriamente
entre pais e filhos.

Assim, a norma de conflitos aplicável é o artigo 57º do CC português.

O conceito quadro desta norma é a relação entre pais e filhos.


E, uma vez que ambos os pais têm nacionalidade moçambicana, o elemento de
conexão presente nesta norma é a nacionalidade dos pais.

A concretização do elemento de conexão faz-se em dois momentos:


1. Interpretação: trata-se da determinação do conteúdo do conceito que designa o
elemento de conexão.
• A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um
Estado.
2. Concretização: diz respeito à determinação do laço em que se traduz o elemento
de conexão.
• A concretização faz-se com recurso à lege causae;
• Isto significa que a nacionalidade tem de se estabelecer segundo o Direito do
Estado cuja nacionalidade está em causa.
• Ou seja, a nacionalidade tem de se estabelecer conforme o direito
moçambicano.

Deste modo, o artigo 57º nº1 dá competência à lei moçambicana


L1 —> L2

O direito de conflitos da lei moçambicana prevê que as relações entre pais e filhos são
reguladas pela lei da nacionalidade comum dos pais, por isso:

DIP - BEATRIZ FERRINHO 88


L2 —> L2

Assim, esta relação será regulada pelo artigo 877º do CC moçambicano.


Temos de averiguar se o direito material da lei moçambicana é subsumível à norma
de conflitos (artigo 57º nº1 do CC).
Apenas se aplicam as normas da lei moçambicana que pela sua própria lei se
considerem equivalentes ao conceito da norma de conflitos em termos de conteúdo e
finalidade.
Para isso temos de olhar para o conteúdo e finalidade da norma de direito material
moçambicana.

Esta lei, conforme já foi dito, tem uma letra exatamente igual ao artigo 877º do CC
Português.
Por isso, tem também a mesma finalidade que o artigo 877º do CC Português:
disciplinar as relações entre pais e filhos sem preterição de alguns filhos e netos em
detrimento dos outros.

Assim, o artigo 877º do CC moçambicano é subsumível no conceito quadro do artigo


57º nº1 do CC (artigo 15º do CC).

A pretensão da C deve ser julgada procedente.

DIP - BEATRIZ FERRINHO 89

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