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Exemplo:
O Senhor A, português, é casado com a Senhora B, espanhola, e residem em França. O senhor A
morre, deixando bens em Inglaterra.
1. A lei portuguesa estabelece que bens vão para o cônjuge mais os filhos.
2. A lei espanhola diz que vão para o cônjuge mais os filhos.
3. A lei francesa diz que os bens vão para os filhos.
4. A lei inglesa diz que os bens vão para quem lá quiser.
Porque é que é uma relação de direito internacional privado? Porque o problema tem contacto
com vários ordenamentos jurídicos. Portanto, temos uma relação jurídica plurilocalizada que
tem de ser regulada pelo Direito Internacional Privado, pois constitui o seu objeto.
O que está em causa neste exemplo é o respeito por um princípio muito importante em
DIPrivado: o princípio da não transatividade: Do mesmo modo que as normas jurídicas materiais
têm o seu âmbito de eficácia limitado pelo tempo, na medida em que devem respeito ao
princípio da não retroatividade, o DIP assenta sobre o princípio da não transatividade, no
sentido em que, para que uma norma seja aplicada, ela terá de estar em vigor no lugar onde a
conduta é praticada e/ou visa produzir efeitos. Deste modo, só podemos aplicar as leis que
estejam ligadas ao caso, deixando de parte todas as outras. Este é o nosso critério base.
Há quem fale, ainda, no princípio da não transconexão, afirmando que a quaisquer factos se
aplicam, e só se aplicam, as leis que se encontrem em contacto com esses factos, seja de uma
perspetiva temporal (princípio da não retroatividade), seja espacial (princípio da não
transatividade).
No entanto, perante uma situação em que podemos encontrar vários ordenamentos jurídicos
ligados ao mesmo caso e, tal como no exemplo, cada qual tem uma solução própria, como
haveremos de resolver, efetivamente, a questão? O princípio da não transconexão não nos
basta, no sentido em que já excluímos todos os ordenamentos jurídicos que nada têm a ver com
caso, mas ainda assim nos restaram dois ou mais. Segundo Savigny, por exemplo, devemos
recorrer ao método conflitual, onde, através de uma regra de conflitos, escolhemos a lei a ser
aplicada, segundo um critério: o da ligação mais próxima ao caso, isto é, a lei que apresentar uma
maior ligação ao caso, deve ser a lei escolhida para ser aplicada.
Assim, e antes de avançar, podemos distinguir já algumas situações jurídicas possíveis:
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Situação Puramente Interna: São casos em que a relação jurídica se encontra apenas em
contacto com o ordenamento jurídico português. Deste modo, aqui não se coloca nenhuma
questão de lei aplicável. Basta-nos o princípio da não transatividade para perceber que só a lei
portuguesa tem contacto com o caso, pelo que não restam dúvidas de que deve ser essa lei a ser
aplicada. Aplica-se, por isso, a lei portuguesa, a lei do foro (local onde se levanta a controvérsia).
Exemplo:
Senhor A, português e residente em Coimbra, casou com a senhora B, que é residente em Lisboa
e portuguesa. E têm bens, casaram-se em Portugal e querem saber qual o regime de bens a que
estão sujeitos, não tendo acordado nada em específico sobre o assunto.
Situação relativamente internacional: São casos em que o caso, embora colocado em Portugal,
só tem contacto com um único ordenamento jurídico estrangeiro, de tal modo que para esse
país, o caso é puramente interno, se se pusesse lá a questão. Estes casos também se resolvem
através da mera aplicação do princípio da não transatividade, pois o caso só está
verdadeiramente ligado a um ordenamento jurídico. O foro, é apenas o local onde se coloca a
questão, mas os elementos da mesma só estão ligados a um único ordenamento jurídico.
Exemplo:
Situação absolutamente internacional: São casos em que a relação jurídica tem contacto com
várias ordens jurídicas e, por isso, o princípio da não transatividade não nos basta, porque apesar
de excluir todos os ordenamentos jurídicos que não têm ligação com o caso, ainda assim, sobram
outros tantos e surge a necessidade de saber qual das leis com ligação ao caso se deve aplicar. É
aqui que se dá, verdadeiramente, o conflito de leis, que o DIPrivado deve resolver. É aqui que
interfere esta disciplina.
Exemplo:
O senhor A, espanhol e residente na Suíça, pretende casar em Itália com a senhora B, francesa,
cuja residência é sita na Alemanha.
Assim, temos de optar pela aplicação de uma das leis em contacto com o caso. Como fazer? Em
tempos, defendeu-se o princípio da territorialidade, no sentido em que se deveria aplicar a lei
do foro, isto é, onde se colocasse a questão, seria o ordenamento jurídico eleito para resolver o
conflito. Este princípio tinha as suas vantagens: permitia uma boa administração da justiça, já
que o juiz que iria resolver o caso aplicaria a lei do local onde exerce a sua atividade, isto é,
aplicaria a lei que conhece melhor. No entanto, este princípio acabou por ser ultrapassado, pois
apresentava certas desvantagens: violava o princípio da não transatividade (já que a lei do foro
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podia não ter ligação alguma com o caso, além de ter sido o local onde a controvérsia se
colocou), levando a resultados insatisfatórios e a uma instabilidade das relações jurídicas
internacionais porque o estatuto das pessoas mudaria conforme passassem as fronteiras (se
cada Estado adotasse o princípio da territorialidade, então cada qual daria uma solução diferente
ao caso). Ligada a esta ideia está ainda a das situações não efetivas (alguém vem a determinado
país resolver um conflito e a solução dada não será eficaz no país de origem das partes, porque
não haveria reconhecimento de jurisdições estrangeiras e sentenças estrangeiras).
Deste modo, é hoje um princípio de direito comum às nações civilizadas o reconhecimento e
aplicação das leis estrangeiras, isto é, os Estados consentem em excluir, do âmbito de aplicação
das suas normas de direito privado, determinadas categorias de relações e de factos, para os
sujeitar aos critérios valorativos de outros sistemas jurídicos (quando falamos em factos,
estamos a referir-nos a todos aqueles que se situem fora dos limites da vida jurídica local, ou pelo
menos, aqueles que se liguem mãos estreitamente, na opinião do respetivo legislador, À vida de
um agregado social estranho.
E é neste contexto que surge o método conflitual, proposto por Savigny e que é o método
tradicionalmente aplicado, embora existam outros métodos possíveis (existe um pluralismo
metodológico). Este método recorre a uma norma de conflitos para se escolher a lei a ser
aplicada. A regra de conflitos remete a regulação de determinado setor normativo para o
ordenamento jurídico que for designado por certo elemento da situação de facto (elemento de
conexão). Assim sendo, as regras de conflito privilegiam um dos ordenamentos jurídicos em
contacto com o caso, dependendo da matéria jurídica em causa. Por isto tudo, podemos afirmar
que estas normas não resolvem diretamente a questão jurídica, apenas nos indicam a ordem
jurídica que lhe vai dar resposta (são normas formais, de 2º grau, normas sobre normas).
Cada Estado tem o seu DIPrivado, criando as suas próprias regras de conflito. As nossas estão
consagradas nos artºs 14º a 65º, CC, embora muitas tenham sido já substituídas por normas
europeias, devido ao fenómeno da unificação europeia (em nome da harmonia jurídica
internacional):
1. Artºs 41º e 42º, CC: Regulamento ROMA I (vale para contratos celebrados a partir de 17 de
Dezembro de 2009);
2. Artº 45º, CC: Regulamento ROMA II (responsabilidade contratual a partir de 11 de Janeiro
de 2009);
3. Artº 55º, CC: Regulamento 1259/2010 (divórcios pedidos a partir de 1 de Junho de 2011);
4. Artº 62º, CC: Regulamento 650/2012 (sucessões para mortes após 17 de Agosto de 2015).
Conceito-Quadro: É o elemento da regra que circunscreve uma matéria ou uma questão jurídica
específica (funciona do mesmo modo que a hipótese, nas normas materiais). É o elemento que
determina o âmbito de aplicação da norma, portanto.
Exemplo:
Artº 46º, CC: O conceito- quadro é o direito de propriedade e demais Direitos Reais.
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Exemplo:
Artº 46º, CC: O legislador mandou olhar ao local da situação dos bens, pois será esse o elemento
que determinará a lei a ser aplicada (se os bens estiverem em Portugal, aplica-se a lei portuguesa,
mas se os bens estiverem na Austrália, aplica-se a lei australiana, etc).
Nota: A lei do processo é sempre igual à do foro, porque se entende que, à partida, a forma como
o processo é conduzido não influenciará a decisão. Assim, quanto à lei do processo, não se aplica
nenhuma regra de conflitos, porque não há conflito nenhum de leis. Aplica-se sempre a lei do
foro.
O Âmbito do DIPrivado
Já vimos que uma das funções do DIPrivado é resolver os conflitos de leis, mas será essa a sua
única função? Relativamente a esta pergunta, podemos encontrar várias posições:
Corrente Minimalista: A doutrina alemã, adotada também em Itália, restringe o âmbito do DIP
ao problema do conflito de leis, sendo essa a única função do DIPrivado: dirimir esses conflitos.
Corrente anglo-saxónica: Esta corrente é defendida, entre nós, por Ferrer Correia e entende que
o DIP se deve debruçar também sobre o conflito de jurisdições, isto é, sobre a competência
internacional dos tribunais e sobre o reconhecimento de sentenças estrangeiras. Os argumentos
invocados pelos defensores desta doutrina são essencialmente três:
1. Estes três problemas são, tipicamente, resolvidos por uma regra de conflitos, pelo que
podemos afirmar que entre estas três questões existe uma similitude metodológica;
2. Têm um objetivo comum: salvaguardar a continuidade e estabilidade das relações
privadas internacionais (já que estas já estão sujeitas a grandes instabilidades, não só a
nível interno, no que respeita a interpretação das normas jurídicas, quanto mais a nível
internacional, onde as divergências se mostram maiores);
3. Nas relações jurídicas internacionais, estas questões colocam-se sempre.
Corrente maximalista francesa: Esta doutrina é defendida por Pillet e, ente nós, por Machado
Villela (que a desenvolve), entre outros autores. Consiste em incluir no DIPrivado, não só aqueles
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três problemas, mas também o direito da nacionalidade (conjunto de regras que regem a
atribuição, aquisição e perda da nacionalidade, sendo definido por cada Estado – no nosso, está
regulado na Lei da Nacionalidade, Lei Orgânica nº2/2006) e o direito dos estrangeiros (conjunto
de regras materiais que reservam aos estrangeiros um tratamento diferente daquele que o
direito local confere aos nacionais). Nós não concordamos com esta doutrina no sentido em que
são problemas meramente acessórios para a aplicação das regras de DIP, já que são questões
que nãos e colocam em todas as relações jurídicas internacionais, como as da conceção anterior.
Dentro desta corrente, ainda existe uma outra teoria, construída por Machado Villela, e que vem
autonomizar o problema do reconhecimento dos direitos adquiridos (casos em que o direito ou
a situação jurídica se constitui num momento em que os seus factos constitutivos se achavam
em contacto com um só Estado, sendo este direito apreciado num outro Estado). Acontece que
a maioria da doutrina moderna rejeita a autonomização deste problema, afirmando que temos
ainda um conflito de leis. Batista Machado, por seu turno, entende que não se trata de uma
questão que esteja no âmbito do DIPrivado porque é capaz de ser resolvido pelo princípio da não
transatividade.
Exemplo:
Assim, a Doutrina por nós acolhida, é a segunda, que se pode dizer ser uma corrente mitigada,
já que não reduz o âmbito do DIPrivado apenas ao conflito de leis, nem é demasiado abrangente,
aceitando qualquer tipo de problema que possa vir a surgir no seio das relações internacionais.
Deste modo, nós só reconhecemos 3 problemas como objeto imediato do DIPrivado:
1. Conflito de Leis;
2. Reconhecimento de sentenças estrangeiras;
3. Conflito de jurisdições (já falámos em Processo Civil).
Destes três problemas, o primeiro será alvo de maior estudo, nesta cadeira.
Quanto aos outros dois problemas, que nós excluímos do âmbito do DIPrivado (direito da
Nacionalidade e Direitos dos estrangeiros), apesar de não serem âmbito do DIPrivado, vamos
falar, superficialmente, deles porque, caso contrário, não serão objeto de estudo em mais
nenhuma disciplina.
Direito da Nacionalidade
Aqui, vale o princípio da unilateralidade, no sentido em que cada Estado estabelece as suas
próprias normas materiais de atribuição da qualidade de nacional ou estrangeiro.
Temos de distinguir, desde logo, duas situações distintas:
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Conflito Positivo: São casos em que uma mesma pessoa pode ter várias nacionalidades.
Portuguesa + Estrangeira Se de entre as vária nacionalidades, um delas for
portuguesa, então, no processo de aplicação da lei vamos ter aquele indivíduo
como português. Artº27º, Lei da Nacionalidade;
Estrangeira + Estrangeira Se de entre as várias nacionalidades, todas elas forem
estrangeiras, ou seja, nenhuma delas for portuguesa (lei do foro), então, no
processo de aplicação da lei, vamos atender à nacionalidade onde o indivíduo
tenha a sua residência habitual ou, na falta dela, com a qua ele apresente uma
ligação mais estreita. Artº 28º, Lei da Nacionalidade.
Conflito Negativo: São casos em que o individuo não tem nacionalidade, pelo que é
designado de apátrida. Artº 32º, CC (Decreto-Lei 37/81, 3 de Outubro). Não tendo
nacionalidade, temos de olhar para a residência habitual. Se não a tiver, então o elemento
a ter em conta é a residência ocasional (artº 82º, CC). Se, ainda assim, ele também a não
tiver, então temos de verificar o local onde ele se encontre.
Esta temática é relevante em DIPrivado porque o elemento de conexão pode ser a nacionalidade
do sujeito e nós temos de saber determinar a nacionalidade dele numa destas duas situações.
Estão em causa um conjunto de normas materiais que esclarecem qual a condição jurídica que
os estrangeiros têm no território português. À partida, vale o princípio da equiparação, contido
no artº 14º/1, CC (+ artº 7º, CC e artº 15º, CRP). O princípio da equiparação, tal como o próprio nome
indica, é um princípio que vem equiparar os estrangeiros aos nacionais portugueses, pelo que a
regra é que eles tenham os mesmos direitos e deveres que os nacionais. No entanto, este
princípio conhece duas exceções:
1. Artº 15º/2, CRP: Relativamente aos direitos políticos, existem algumas restrições (por
exemplo, os estrangeiros não podem, por exemplo, candidatar-se a Presidente da
República). No entanto, dentro desta restrição, temos de ter atenção aos cidadãos de
língua portuguesa e aos da União Europeia, que têm menos restrições que os demais
estrangeiros;
2. Artº 14º/2, CC: Outra exceção é o princípio da reciprocidade, que consiste no facto de não
serem atribuídos direitos a estrangeiros, cujos Estados origem não confiram, igualmente,
esses direitos a cidadãos portugueses, mas apenas aos seus nacionais. (A lógica é:
Perante certo direito, se o Estado estrangeiro não nos confere esse direito, por sermos
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portugueses, então, cá, nós também não atribuímos esse direito aos nacionais desse
Estado).
Conflitos de Lei
Perante um conflito de leis, o método tradicional de resolução desse conflito, passa pelo método
conflitual, criado por Savigny. É um método que recorre a regras de conflito que nos permitem
optar por uma lei, de entre as várias aplicáveis. A questão que se coloca tem que ver com o
critério de seleção, saber como é que se deve escolher a lei a ser aplicada? Existe algum objetivo
a ser alcançado e que nos sirva de horizonte?
Ora, desde logo, devemos ter presente que o DIPrivado não pretende alcançar a justiça material,
já que não é ele que vai resolver, em concreto, o caso, mas sim determinado ordenamento
jurídico interno. O que o DIPrivado pretende é alcançar a justiça formal, ou seja, optar pela lei
mais próxima ao caso, que se aplique a lei que as partes contavam mais. Mas este não pode ser
o seu único objetivo, já que não basta aplicar a lei que lhes é mais próxima. É necessário atribuir
uma certa efetividade à solução dada ao caso, de modo a poder garantir aquilo a que chamamos
de harmonia jurídica internacional (acordo entre os Estados quanto à lei aplicada ao caso, de
modo a que o estatuto de uma pessoa não varie com o facto de esta cruzar uma fronteira).
Acontece que esta harmonia jurídica internacional é muito difícil de alcançar, já que só seria
verdadeiramente alcançada se todos os Estados aplicassem a mesma lei, isto é, se houvesse uma
uniformização legislativa universal para todos os possíveis conflitos que surgissem. No entanto,
isto é uma utopia, porque os Estados nunca estarão de acordo com tudo, pois cada qual tem
uma visão própria. Daí que Ferrer Correia afirme que o DIPrivado tenha uma vocação ecuménica
(a estabilidade das relações internacionais só será verdadeiramente alcançada quando todos os
Estados aplicarem as mesmas soluções para os mesmos problemas). Sendo algo muito difícil de
alcançar, acabamos por ser um pouco menos ambiciosos no sentido em que acabamos por
tentar alcançar essa uniformização, já não a nível mundial, mas a nível europeu. E já há algumas
matérias em que existe legislação uniforme (por exemplo: as matérias de letras e livranças). Esta
unificação interessa à União Europeia porque é uma forma de reforçar o princípio da liberdade
de circulação de pessoas na União Europeia (ver artºs unificados acima).
A harmonia jurídica internacional é, ainda, importante de alcançar para evitar um fenómeno
designado de forum shopping: Como a solução varia de acordo com o país que aprecia o caso,
as partes correriam para o país que lhes permitisse alcançar a decisão por si pretendida. E isto
não só aumenta a litigiosidade, como levanta a questão de reconhecimento de sentenças
estrangeiras: teremos duas decisões diferentes em dois pontos diferentes.
Assim, por um lado, já temos algumas matérias que já foram alvo de unificação e, por isso, entre
os países que ratificaram tais normas europeias, não se coloca mais o problema de conflito de
leis quanto ao que estiver, logicamente, unificado. Quanto às matérias que ainda não tenham
sido alvo de unificação, é que se coloca o problema do conflito de leis, sendo necessário recorrer
às tais regras de conflito (apesar do método conflitual não ser o único método suscetível de
resolver esse conflito), onde o elemento de conexão se apresenta como sendo o elemento
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decisivo. Mas como é que o legislador define o elemento de conexão? Existem alguns princípios
a que ele deve ter em atenção, nessa escolha!
Exemplo:
O senhor A, alemão, e a senhora B, grega, tiveram um filho alemão que reside na Alemanha com
a mãe, após a separação do casal. E coloca-se a questão de saber se o pai tem direito de visitar a
criança.
A questão coloca-se nos tribunais alemães, onde a regra de conflitos que eles têm para estas
situações vem dizer que o elemento de conexão é a nacionalidade de cada um dos progenitores
– neste caso, a regra de conflitos alemã está a chamar a lei alemã e a lei grega. Acontece que a
lei alemã diz que o pai tem direito a visitar a criança, mas a lei grega permite à mãe impedir o pai
de visitar a criança Desarmonia jurídica material – chamamos à resolução do caso duas leis
que preveem soluções diferentes. Deste modo, deve o legislador, no momento de criação das
regras de conflito preocupar-se em chamar apenas uma lei. Para este caso, o nosso legislador
chama ao caso a nacionalidade em comum dos progenitores e, no caso, de não a terem, chama
a lei da residência de ambos e se mesmo assim eles residirem em países diferentes, então
chamamos a nacionalidade do filho (artº 57º/1, CC + 31º, CC – lei pessoal).
Exemplo:
O senhor A, residente em Portugal, celebra com o senhor B, também ele português e residente
em Portugal um contrato de compra e venda de um imóvel, situado em Inglaterra. Está em causa
saber se o contrato é válido. Ora, de facto, a lei que lhes é mais próxima é a portuguesa, mas o
objeto do contrato, os efeitos que eles querem que se produzam, dizem respeito a um imóvel
que se encontra fora de Portugal e, como é natural, é em Inglaterra que eles querem que o
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contrato seja válido porque é lá que o imóvel se encontra e é lá que necessitam de comprovar a
propriedade sobre o mesmo. Assim, se o legislador só atendesse ao critério da proximidade da
lei com o caso, iria mandar aplicar a lei portuguesa, o que acabava por fazer com que a sentença
só produzisse efeitos em Portugal e não no local onde, efetivamente, devem ser produzidos.
Assim sendo, o legislador, na escolha do elemento de conexão, tem de ter em atenção onde quer
que a decisão produza efeitos e, por isso, tem de olhar à lei onde os efeitos se irão produzir –
neste caso, a lei inglesa. Assim, o elemento de conexão escolhido pelo legislador para estes casos
é o local onde se encontram os bens, aplicando-se a lei desse local (artº 46º, CC).
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a. Tese de Zahn e Gutzwiller: Este autor defendia que existem normas de conflitos
do DIPúblico que os Estados têm de cumprir;
b. Tese de Zitelman: Entende que o DIPrivado assenta nos princípios do DIPúblico;
c. Tese da delegação: Os Estados eram órgãos delegados que deveriam regular tais
relações privadas internacionais.
Todas estas teses partiam do princípio que a competência legislativa dos Estados não era
mais do que um modo de manifestação da sua soberania. Nós não concordamos, nem a
doutrina maioritária concorda.
2. Teorias Nacionalistas: Entendem que as normas de DIPrivado são normas estaduais:
integram-se apenas no domínio de vigência de um Estado e a liberdade de escolha do
legislador nacional sobre os elementos de conexão não sofre restrições importantes por
força de quaisquer princípios do DIPúblico. É a doutrina maioritária.
3. Teorias Ecléticas: Esta doutrina vem tentar revogar a doutrina maioritária, colocando a
questão do seguinte modo: Como podemos falar de um Direito puramente interno se o
seu próprio objeto são as relações jurídicas internacionais? Encontramos, por isso, dois
autores que se enquadram nesta teoria:
a. Ferrer Correia: Defende que, quanto ao objeto, o DIPrivado é um direito
internacional, mas quanto às fontes normativas, trata-se de um direito interno
(onde inclui as fontes europeias, já que estas, ao serem ratificadas, acabam por ter
uma fonte originariamente interna);
b. Moura Ramos: Para este autor, o objeto do DIPrivado faz dele um direito
internacional, sim, mas quanto às fontes, temos de distinguir as europeias, das
internas.
Quanto à questão de saber se o DIPrivado constitui um direito público ou privado, parece que a
resposta é óbvia: Está em causa um direito privado, pois o DIPrivado apresenta-se ao serviço de
interesses interpessoais.
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sucessão de leis no tempo. Assim, um rege-se pelo princípio da não transatividade e o outro pelo
da não retroatividade.
Nota: Neste ramo do Direito, não encontraremos o elemento de conexão que se refira à
nacionalidade, já que esta não resolverá nada, na medida em que em todos os subsistemas o que
os indivíduos terão em comum será, precisamente, a nacionalidade.
Outra nota a ter em atenção tem que ver com o facto de que, enquanto no DIPrivado, cada
Estado formula o seu DIPrivado, no Direito Interlocal, este, vale para todos os territórios ou
pessoas-alvo.
Direito Constitucional
Nesta Âmbito, existem três questões que devem ser respondidas.
2. Pode o juiz português recusar-se a aplicar uma lei estrangeira quando esta viole a nossa
Constituição?
Não podemos aplicar automaticamente a nossa lei (lei do foro) porque não vale, entre nós,
o princípio da territorialidade. Assim, não podemos submeter a lei estrangeira à nossa
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3. Pode o juiz português recusar-se a aplicar a lei estrangeira quando esta viole a
Constituição do país de origem?
Segundo o artº 23º/1, CC, a lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a que
pertence e o juiz português terá que agir como o juiz do país da lei estrangeira agiria. Assim,
se o país estrangeiro vigorar um sistema de fiscalização difuso da constitucionalidade da lei
em causa, por parte dos próprios juízes, então o juiz português terá a mesma capacidade,
podendo considerar determinada norma inconstitucional e recusar-se a aplica-la. Se o juiz
estrangeiro não tiver essa possibilidade, então, o nosso também não terá.
Ao darmos ao juiz português os mesmos poderes que teria o juiz estrangeiro, a solução dada
pelos tribunais dos dois países seria igual, promovendo-se, deste modo, a harmonia jurídica
internacional.
Direito Uniforme
Enquanto o DIPrivado visa resolver os conflitos de leis, resultantes do facto de, para a mesma
situação, se aplicarem várias leis diferentes e, por isso, ter de se optar por uma delas, o Direito
Uniforme vai mais longe: tem como objetivo suprimir esses conflitos, evitar que eles cheguem,
sequer, a ser colocados. Para isto, o Direito Uniforme vai, tal como próprio nome indica,
uniformizar as várias leis sobre os mesmos casos. Acontece que este Direito Uniforme, apesar
de muito bem intencionado, é utópico, na medida em que é quase impossível que os Estados
cheguem todos a acordo. Assim, este Direito tem uma aplicação limitada: só existe em relação a
algumas matérias (por exemplo: Letras e Livranças) e, primeiramente, a nível europeu. Assim, o
DIPrivado nunca deixará de ser necessário: ou porque há quem não ratifique esse acordo de
uniformização, ou porque as próprias leis uniformes não preveem tudo.
Direito Comparado
O Direito Comparado dedica-se ao estudo comparativo dos variados ordenamentos jurídicos,
sendo um ramo do Direito bastante importante, no sentido em que nos ajuda a estabelecer
correspondências entre os institutos jurídicos dos vários ordenamentos.
Exemplo:
Uma kaffala é um instituto jurídico de Direito Muçulmano, nos termos do qual um adulto fica
responsável pela educação e sustento de uma criança. Se alguém o pedir, em Portugal, nós não
temos esta figura por cá. Ou, pelo menos, não o temos segundo esse nome e, como tal, o Direito
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Comparado, aqui, será essencial, porque vai como que traduzir esta figura jurídica muçulmana
por uma portuguesa que lhe seja equivalente. No nosso caso, poderíamos estabelecer algumas
semelhanças com os institutos da perfilhação e adoção.
Conceito-Quadro
Nós dissemos, anteriormente, que o conceito-quadro, de certa forma, se equiparava à hipótese,
das normas materiais. Mas acontece que existe uma grande diferença entre ambas: é que
enquanto a hipótese descreve situações da vida, o conceito-quadro vem descrever conceitos
jurídicos. E a primeira grande discussão em torno do conceito-quadro foi precisamente esta:
saber qual era o objeto do conceito-quadro, dando aso a diversas respostas:
Exemplo:
Senhor A e senhora B vivem juntos há 5 anos e querem saber qual o regime que regula a
sua relação. Entre nós, poderíamos afirmar que se tratava de uma união de facto, mas
noutras culturas, viver junto há cinco anos pode significar que estamos perante um
casamento. Só saberemos que tipo de relação jurídica está em causa depois de aplicarmos
a lei competente à solução do caso. Assim, o conceito-quadro não pode delimitar relações
jurídicas, não tem essa capacidade.
Roberto Ago: Este autor italiano defende que o objeto do conceito-quadro são relações
da vida, são factos da vida.
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Problema: O conceito-quadro não descreve factos da vida, mas antes conceitos jurídicos,
por isso, esta conceção não faz sentido. Além de que se o conceito-quadro descrevesse
relações da vida, isso levantaria o problema de saber qual o conceito-jurídico relevante
para o caso, já que para cada situação da vida, podemos ter diversos conceitos jurídicos a
ser mobilizados.
Exemplo:
A e B apaixonaram-se a pretendem casar um com o outro. Perante este facto da vida,
podemos mobilizar vários conceitos jurídicos, já que podem advir vários problemas
jurídicos: Artºs 49º, 50º, 52º, 53º, 55º, etc, CC.
Exemplo:
O senhor A pretende casar com o senhor B. Ambos têm 15 anos de idade. Neste caso, nós
só saberemos qual o problema jurídico depois de sabermos qual a lei a ser aplicada, já
que, para alguns Estados, o problema pode residir no facto de ambos serem menores de
idade (se bem que a maioridade pode variar de país para país), para outros o problema
pode residir no facto de se tratar de um casamento entre duas pessoas do mesmo género.
Pode, até, ser um problema das duas variantes: idade e género. Assim, só depois de se
aplicar a lei é que saberemos, de facto, qual o problema jurídico a ser tratado.
Exemplo:
Artº 41º, CC O artº refere-se regula os negócios jurídicos, cujo elemento de conexão é a
vontade das partes. Assim, quando lemos o conceito-quadro, devemos ler da seguinte
forma: As normas materiais sobre o negócio jurídico são aplicadas de acordo com a
vontade das partes. Deste modo, o conceito-quadro mobiliza todo um conjunto de
normas materiais sobre determinada matéria.
Elemento de conexão
Centrando, agora, a nossa atenção nos elementos de conexão, começamos por diferenciar os
diferentes tipos de elementos de conexão, já que a sua natureza pode ser diversa:
1. Elemento de conexão pessoal: Quando o elemento de conexão tem em conta as partes
da relação jurídica, isto é, os sujeitos da mesma.
2. Elemento de conexão real: Quando o elemento de conexão tem em conta a localização
física da relação jurídica.
Exemplos:
Artº 52º, CC Nacionalidade comum dos cônjuges (elemento de conexão pessoal);
Artº 41º, CC Vontade das partes (elemento de conexão pessoal);
Artº 46º, CC Localização da coisa (elemento de conexão real);
Artº 42º, CC Localização da coisa (elemento de conexão real)
3. Elemento de conexão factual: Elemento de conexão que nos permite optar pela lei
aplicável, olhando apenas aos factos;
4. Elemento de conexão jurídico: Elemento de conexão que só é possível determinar
mediante aplicação de normas jurídicas.
Exemplos:
Local da coisa Elemento factual, basta recorrer aos sentidos para saber onde está a
coisa;
Residência habitual Elemento factual, basta olhar para ver onde ela mora. Mais uma
vez, são os sentidos que nos dizem;
Local da obrigação Onde deve ser cumprido o acordo já é um elemento de conexão
jurídico, pois carece de aplicação de normas que nos esclareçam;
Nacionalidade É um elemento de conexão jurídico, é necessário aplicar-se a lei da
nacionalidade de cada país para sabermos se determinado sujeito é nacional ou
estrangeiro nesse Estado;
Domicílio Fiscal É um elemento de conexão jurídico, pois também é necessário aplicar
normas jurídicas para saber o que é considerado domicílio fiscal ou não. Os sentidos não
nos bastam para saber.
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5. Elemento de conexão móvel: Quando o elemento de conexão eleito pelo legislador pode
sofrer alterações na sua aplicação, isto é, quando hoje manda aplicar uma lei, mas amanhã
já pode mandar aplicar outra porque pode ter sofrido, entretanto, alguma alteração;
6. Elemento de conexão imóvel: Quando o elemento de conexão eleito pelo legislador não
sofre alterações, de modo que manda aplicar sempre a mesma lei. Sempre que se coloca
a questão de aplicação de lei, o resultado será sempre o mesmo porque o elemento é
fixo.
Exemplos:
Residência habitual Podemos mudar de residência (elemento de conexão móvel);
Local da situação da coisa imóvel O imóvel não pode, por regra, mudar de local
(elemento de conexão imóvel);
Nacionalidade Podemos sempre mudar de nacionalidade (elemento de conexão
móvel);
Local de celebração do contrato O contrato, uma vez celebrado, só o pode ter sido
feito num único local, pelo que não é suscetível de sofrer alterações (elemento de
conexão imóvel).
Vista as diferentes naturezas que o elemento de conexão pode assumir, vamos agora abordar
uma outra questão muito pertinente sobre este elemento: o sistema de conexão que é utilizado
na regra de conflitos:
1. Sistema de Conexão Único e Simples: São casos em que o legislador nomeia apenas um
único elemento de conexão. É o sistema mais básico e tradicional. O legislador recorre a
este sistema com o propósito de promover o princípio de justiça formal do DIPrivado, isto
é, de chamar ao caso a lei que tem com este uma ligação mais forte.
Exemplos:
Artº 46º, CC O conceito-quadro deste artº é a posse, propriedade e demais Direitos
Reais. Ou seja, a todas as normas materiais sobre Direitos reais, deve atender-se à
situação da coisa, isto é, ao local onde esta se encontra (elemento de conexão real,
factual, móvel ou imóvel, dependendo da coisa que estiver em causa). E é só este
elemento de conexão que encontramos na norma, daí afirmarmos que é um sistema de
conexão simples, único.
Artº 62º, CC O conceito-quadro deste artigo é a sucessão por morte. Então, a todas as
normas materiais sobre essa matéria, em caso de conflito de leis, devemos aplicar aquela
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Exemplos:
Artº 65º, CC O conceito-quadro desta regra de conflitos tem que ver com as
formas de disposição por morte – testamentos ou pactos sucessórios, sendo que
estes últimos são proibidos em Portugal, mas temos que ter em conta porque na
aplicação de uma lei estrangeira, pode ser admitida esta figura jurídica. Todas as
normas materiais relativas a esta matéria devem, no momento de saber qual a lei
a ser aplicada ao caso, atender ao lugar onde o ato foi celebrado ou à lei pessoal
(artº 31º, CC – nacionalidade) do autor da sucessão ou lei local (do foro);
Artº 36º, CC sobre a validade do negócio.
Exemplos:
Artº 60º, CC O conceito-quadro desta norma tem que ver com a constituição da
adoção. Deste modo, a todas as normas materiais sobre este assunto, em caso de
conflito de leis, deve-se ter em conta a nacionalidade do adotante e a lei que regula
a relação entre o adotando e os seus progenitores (pais biológicos). Se assim não
fosse, corríamos o risco de ter uma situação claudicante: onde a adoção seria
reconhecida num país, mas não no outro. Deste modo, ou é reconhecido nos dois,
ou não é em nenhum;
Artº 33º/4, CC.
realmente cumpre. Isto porque este sistema promete aplicar duas leis, mas acaba
por ter situações em que se limita a aplicar uma lei: basta termos um caso em que
temos duas leis que devem ser cumulativamente respeitadas. Se uma delas
reconhecer a situação em causa, mas a outra não, acabamos por não reconhecer
a situação de todo por causa da segunda lei. Ou seja, na realidade, acabamos por
estar a aplicar apenas a lei que recusava reconhecer a situação em causa. Aplica,
por isso, a lei mais restritiva.
Nota: Trata-se do único sistema que chama várias leis com o propósito de as
aplicar todas!
Não confundir com a cumulação de conexões, que é quando um elemento de
conexão, para ser relevante, tem de ser comum às partes (exemplo: nacionalidade
comum dos cônjuges).
Exemplo:
Só existe um único caso de sistema de conexão múltipla distributiva no nosso
Código Civil: artº 49º e que se refere à capacidade das partes quanto ao casamento.
Exemplos:
Artº 52º, CC Relações entre os cônjuges, onde o elemento de conexão a
privilegiar é a nacionalidade comum dos cônjuges. No caso de terem
nacionalidades diferentes, devemos partir para a residência habitual que, se não
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for no mesmo país (para se aplicar a mesma lei – porque neste sistema só se aplica
uma lei);
Artº 53º, CC Convenções antenupciais e regime de bens.
1. Regra de Conflitos Unilateral: Ao contrário das regras de conflito bilaterais, estas não
escolhem a lei a ser aplicada, pelo que a sua função não passa por aí. Há muitos autores
que defendem que as regras de conflito devem assumir esta natureza. Dentro das regras
de conflito unilaterais podemos distinguir:
a. Regras de Conflito Unilaterais Introversas: Têm como função limitar os casos em
que se aplica a lei do foro, a lei interna. Ou seja, são regras de conflito que nos
dizem quando é que se aplica a lei do foro. Isto não significa que um sistema
unilateral só aplique a lei do foro – este sistema também admite a aplicação de lei
estrangeira, simplesmente as regras de conflito surgem não com o objetivo de
dizer que em certo caso se aplica lei do foro, noutro caso se aplica a lei estrangeira.
Não. O que está aqui em causa é a regra de conflitos esclarecer quais os casos em
que a lei do foro deve ser aplicada. E nada mais (aqui, a regra de conflitos só diz: a
lei portuguesa aplica-se neste caso, naquele e naquele. O resto não é connosco e
também não sou eu que vou resolver);
Exemplo:
Uma regra de conflitos que diga: “A capacidade das pessoas que tenham a
nacionalidade portuguesa é regulada por lei portuguesa” é uma regra de conflitos
unilateral porque nos diz que para aquele elemento de conexão, aplica-se a lei do
foro (lei portuguesa). Assim, podemos ter duas hipóteses:
Hipótese 1: Capacidade do senhor A, português. Segundo esta norma, temos o
conflito de leis resolvido porque se sabe que se vai aplicar lei portuguesa;
Hipótese 2: Senhor B, brasileiro. Segundo esta norma, ficamos a saber que não se
aplica a lei portuguesa porque o senhor B não tem nacionalidade portuguesa. Mas
a norma também não nos diz mais nada. É necessário recorrer a outra norma para
sabermos que lei é que se aplica ao caso do senhor B, afinal. E quem vai escolher
a lei aplicável não há de ser a regra de conflitos, mas uma outra norma.
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exceto nos casos em que estas regras de conflito vêm regular, dizendo que para
aquelas matérias, se aplica uma lei estrangeira.
Crítica a esta conceção: No fundo, não são diferentes das regras de conflitos
bilaterais, já que estas também acabam por escolher: indicam-nos os casos em que
se aplica a lei estrangeira e os casos em que se aplica a lei do foro (que sãos os
casos em que elas nada dizem). Não são, por isso, muito relevantes.
2. Regra de Conflitos Bilateral: É a regra de conflitos tradicional, a clássica e que tem como
função principal a de escolher a lei aplicável, isto é, tanto pode mandar aplicar a lei
portuguesa como a estrangeira, em plena situação de igualdade (tudo depende do caso
concreto).
Qual o tipo de regras de conflito que devemos adotar? Qual o melhor sistema: uni ou bilateral?
Corrente século XIX: Esta doutrina entende que a soberania de cada Estado não lhes dava o
poder de poder aplicar lei estrangeira, já que isso já pertence à esfera de soberania do outro
Estado e, por isso, as regras de conflito deveriam ser unilaterais.
Críticas a esta conceção: Desde logo, mandar aplicar uma lei, seja ela qua for, é exercer a sua
própria soberania, pelo que não há violação de poderes de outros Estados. E, se fosse isto
verdade (não é!), então o melhor seria nunca aplicar lei estrangeira. No entanto, o próprio
sistema unilateral admite a aplicação de lei estrangeira, simplesmente não é a própria regra de
conflitos que escolhe a lei estrangeira a ser aplicada.
Tese de Orlando Quadri: Este autor vem defender que o unilateralismo é o sistema que melhor
pode cumprir o objetivo do DIPrivado (estabilidade e continuidade das relações internacionais),
já que o bilateralismo poderá levantar alguns problemas, nomeadamente, colocando a harmonia
jurídica em causa e até o problema de reconhecimento de direitos adquiridos. O unilateralismo
consiste em aplicar a lei que se autoconsidere como competente em determinada matéria, isto
é, que manifeste vontade de ser aplicada.
Exemplo:
O Senhor A, brasileiro, residente em Portugal, pretende constituir uma sociedade cuja sede se
fixaria na Austrália. Discute-se se tem capacidade para constituir a sociedade.
Está em causa uma relação plurilocalizada, já que o caso tem contacto com vários ordenamentos
jurídicos. A nossa regra de conflitos (artº 25º, CC), bilateral, por sinal, estabelece como elemento
de conexão a nacionalidade do indivíduo (artº 31º, CC), que, sendo brasileiro, implica a aplicação
da lei brasileira. Houve uma escolha de lei a ser aplicada. Mas se a questão se tivesse colocado
no Brasil, e regra de conflitos tivesse como elemento de conexão a residência habitual, já se
aplicaria a lei portuguesa, porque é cá que o senhor A vive. E pode acontecer que a solução dada
ao caso seja diferente e, desta forma, temos um caso de desarmonia jurídica internacional, que
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é tudo o que o DIPrivado não quer. A nossa regra de conflitos acaba, assim, por mandar aplicar
uma lei que não se considera, no seu DIPrivado, competente. Quadri entende que este problema
não se colocaria se estivéssemos perante uma regra de conflitos unilateral introversa: Ora,
vejamos – se o nosso artº 25º, CC fosse unilateral diria algo do género: “À capacidade das pessoas
com nacionalidade portuguesa, aplica-se a lei portuguesa” (só nos resolve os casos em que se
aplica a lei portuguesa. Neste caso, A não é português, pelo que não se aplica a lei portuguesa
(não tem vontade de aplicação). Como a lei do foro não tem vontade de aplicação, temos de ir
ver às demais leis ligadas ao caso para ver se alguma delas tem ou não vontade de ser aplicada.
No caso que estamos a analisar, as outras duas leis que estão ligadas ao caso são a brasileira e a
australiana. Começando pela brasileira e pressupondo que a regra de conflitos de lá também é
unilateral, dizendo algo do género: “À capacidade das pessoas que residem no Brasil, aplica-se a
lei brasileira” (o elemento de conexão é a residência e também aqui ela só nos esclarece os casos
em que se aplica a lei do foro, isto é, os casos em que a lei do foro tem vontade de ser aplicada).
Ora, o senhor A não reside no Brasil, pelo que concluímos que a lei brasileira não tem vontade de
ser aplicada ao caso. Deste modo, só nos resta avaliar a lei australiana. Pressupondo que se trata
também de uma regra unilateral e que nos diz o seguinte: “À capacidade das empresas com sede
na Austrália, aplica-se a lei australiana”. Ora, esta lei já mostra vontade de ser aplicada ao caso,
pelo que é esta a ser aplicada.
Nota: As vantagens de escolhermos um sistema bilateral passam pelo facto de este sistema não
deixar um vácuo, na medida em que tanto manda aplicar a lei do foro, como a lei estrangeira,
proporcionando assim a validade e o reconhecimento da aquisição de direitos (por estrangeiros).
Para terminar a questão da função da regra de conflitos, falta falar de uma posição intermédia,
proposta por Franceslakis, em sequência à teoria do unilateralismo, a qual este autor viu algum
potencial, apesar das suas falhas. Esta tese intermédia ficou conhecida como a tese da
autolimitação espacial das regras de conflito, que veio dizer que a aplicação da lei do foro deve
ser feita mediante alguns limites. Não se deve, por isso, partir do princípio que se aplica sempre
a lei do foro, salvo quando as regras de conflito digam o contrário. Temos, por isso, que distinguir
duas situações:
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1. Situações com algum contacto relevante com o foro: Havendo algum contacto relevante
com o caso (nacionalidade, residência, etc), o foro tem autoridade para aplicar a sua regra
de conflito. Funda-se, por isso, nos pressupostos do bilateralismo, pois há espaço para
escolha de lei a ser aplicada;
2. Situações com nenhum contacto relevante com o foro, à exceção d ser o local onde o
caso está a ser julgado: São casos que se constituíram completamente no estrangeiro,
simplesmente está a ser julgado em Portugal. Nestes casos, não há espaço à aplicação da
lei no foro. Deve-se escolher, por isso, a lei que tiver sido aplicada no estrangeiro. A que
eles indicarem, é a que nós aplicamos. Deste modo, aproximamo-nos do sistema
unilateral.
Exemplo:
A, português, quer casar com B, espanhola. Residem ambos em Espanha. Coloca-se a questão de
saber se o casamento entre eles é válido ou não. Segundo esta teoria, como é que determinamos
a lei aplicável?
Desde logo, temos de ver se alguma destas leis tem algum contacto relevante com o foro. Se
tiver, tendemos para a hipótese que se aproxima mais do bilateralismo. No nosso caso, o senhor
A era português, logo, a nacionalidade faz com que haja uma ligação relevante com a lei do foro,
de modo a que existe opção de esta vir a ser aplicada.
Diferente seria se o senhor A fosse, antes, francês. Nesse caso, não havendo ligação relevante
com o foro, então não poderíamos escolher aplicar a lei do foro, aproximando-nos, assim da
teoria unilateral.
Críticas a esta teoria: Desde logo, parece que o legislador só tem que vigiar as situações que se
passem perto do foro, para saber se aplica a lei portuguesa ou não, já que às demais, aplica-se a
lei que se tenha aplicado no estrangeiro. Ora, a função do legislador de DIPrivado é resolver
conflitos de lei, tenham eles ocorrido numa esfera próxima ou não do foro. Se assim fosse, se as
regras de conflito servissem apenas para resolver as situações conflituosas que surgissem perto
do foro, então nem se falaria numa tese intermédia, mas num verdadeiro unilateralismo, que já
vimos ser de rejeitar. Outra preocupação do legislador conflitual é a de resolver os conflitos,
indicando e aplicando a lei que seja mais próxima às situações, de modo a resolvê-las e do melhor
modo possível, independentemente de se aplicar a lei do foro ou qualquer outra. Por fim, esta
tese traz um problema adicional, que nem se colocava no unilateralismo: nos casos em que não
haja nenhuma ligação especial ao caso, limita-se a aplicar a lei que for aplicada no estrangeiro.
Ora, não há controlo absolutamente nenhum, levando a casos em que se aplica uma lei que nem
tenha uma ligação assim tão forte com o caso e acabando por violar as legítimas expectativas
das partes.
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c. Escola de Lisboa: Os autores desta escola conferem uma solução diferente da que
é avançada pelos professores desta casa, já que eles entendem que as regras de
conflito constituem normas materiais: apesar de não conferirem diretamente uma
solução ao caso, fazem-no por intermédio de outras normas e por isso, acabam
por ter relevância na resolução do mesmo. Por isso mesmo, deve ser tratadas
como as normas materiais do Direito Interno e submete-las ao princípio da não
retroatividade. Deste modo, deve aplicar-se a lei antiga aos casos que se
constituíram sobre a sua égide e a lei nova aos casos que tenham surgido já
quando esta estava em vigor.
Exemplos:
O senhor A morreu em 2000, estando a partilha a ser feita hoje. À data da morte
do senhor A, estava em vigor o artº 62º, CC, mas hoje já está em vigor a regra de
conflitos contida no Regulamento das Sucessões (ROMA I). Que lei se deve
aplicar?
Neste caso, o Regulamento traz consigo normas transitórias, pelo que sabemos
que as novas regras de conflitos sobre esta matéria só se aplicam a casos cuja
morte do de cujos tenha ocorrido de 17 de Agosto de 2015 em diante. Assim, a este
caso, devemos aplicar a lei antiga (artº 62º, CC);
O senhor A e a senhora B casaram em 1965 (vigorava o Código de Seabra). Hoje,
querem saber que lei regula o regime de bens do casal. Quid iuris? Ora, a esta
matéria, aplica-se, hoje, a regra de conflitos contida no artº 52º, CC, mas esta regra
não traz consigo normas transitórias, pelo que não sabemos qual aplicar. Temos
de recordar, então, as teorias aqui em causa: Segundo Zitelmann, deve-se aplicar
a lei antiga (Código de Seabra), já que a relação jurídica em causa se constituiu à
luz dessa lei. Mas para Kahn, Ferrer Correia e Batista Machado, isso não é
estritamente necessário, já que as normas materiais e as normas formais são
muito diferentes e por isso, as segundas não estão sujeitas ao princípio da não
retroatividade, de modo a que não há nenhum obstáculo à aplicação da lei mais
nova. Ferrer Correia corrige, dizendo que sempre que se justificar, havendo uma
legítima expectativa das partes na aplicação da lei mais antiga, resultado de, no
momento da constituição da relação jurídica haver um contacto com o foro, se
deve aplicar a lei mais antiga, por ser, precisamente, a lei com que as partes
esperam resolver a questão.
Se eles fossem ambos brasileiros e tivessem casado no Brasil, então não
poderíamos presumir haver aqui qualquer legítima expectativa. Mas se um deles
fosse português, por exemplo, isso já seria defensável.
considerada competente pelo nosso DIPrivado, altera-se. A questão passa por saber qual a lei
que se deve aplicar: a nova ou a velha? Para qual delas está a nossa regra de conflitos a remeter
a questão? No fundo, isto é um problema de lei interna competente e por isso deve ser a lei
interna que tenha sido eleita pela regra de conflitos a responder. Seja através do Direito
transitório, seja pelo princípio da não retroatividade, se vigorar nesse ordenamento jurídico em
causa.
Exemplo:
O senhor A e a senhora B casaram em 2000. Sobre o regime de bens, a nossa regra de conflitos
determina que devemos aplicar a lei francesa. No entanto, a lei francesa, entre 2000 e o dia de
hoje, sofreu alterações neste âmbito. Qual a lei que devemos aplicar? A lei francesa saberá, será
ela a dar resposta, já que se trata de um problema de sucessão de leis no tempo, relativamente
a normas internas.
Validade de situações constituídas no passado (faz sentido aplicar a lei que estava
em vigor à data da constituição da relação, ou seja, a lei antiga);
Efeitos atuais das relações jurídicas duradouras (faz sentido aplicar a lei mais
recente).
Exemplos:
Artº46º, CC (direitos reais) Elemento de conexão (móvel): local da situação do bem
(onde ele se encontra). Imaginemos que A, espanhol, residente em Espanha, era
proprietário de um quadro, mas B, português e residente em Portugal, vem afirmar que
é o novo proprietário, por meio da usucapião (tendo a coisa consigo, hoje, em Portugal).
Acontece que em Espanha, basta possuir a coisa por nove meses para que a propriedade
de coisa móvel se transfira. Em Portugal, o prazo são dois anos. Quid iuris? O local de
situação da coisa alterou-se: ficou nove meses em Espanha, mas agora encontra-se em
Portugal. Aplicamos a lei portuguesa ou a espanhola, de acordo com o elemento de
conexão em causa? Ora, em relação a saber se a usucapião se deu ou não, se é válida,
temos que nos reportar ao momento de (suposta) constituição do Direito e, por isso,
vamos aplicar a lei espanhola, já que foi em Espanha que se constituiu a relação, o direito
de propriedade. No entanto, quanto aos efeitos que este direito produzirá, já valerá a lei
portuguesa, porque a coisa encontra-se, de momento, cá;
Artº 49º, CC (casamento) Elemento de conexão (móvel): lei pessoal (artº 31º, CC –
nacionalidade, neste caso, comum dos cônjuges). A e B casaram. Tinham nacionalidade
francesa, mas, entretanto, moveram-se para Portugal e agora sã portugueses. Qual é a
nacionalidade a ter em conta? O estatuto de casados constituiu-se em França, logo, deve-
se aplicar a antiga nacionalidade, a lei francesa. Mas quanto aos efeitos do matrimónio,
já se aplica a nacionalidade atual, ou seja, a lei portuguesa, neste caso.
A Revolução Americana
O Método Conflitual, proposto por Savigny foi um verdadeiro sucesso, disseminando-se pelos
vários países do mundo, que adotaram, nos seus sistemas, regras de conflito, de modo a
resolver, então, as relações privadas internacionais. No entanto, nos Estados Unidos, surgiu um
movimento que veio contrapor este método. Tudo começou com uma sentença dada num
tribunal de Nova Iorque. Deste modo, vamos agora conhecer os moldes desta revolução, que se
caracterizou por três momentos distintos:
Momento Jurisprudencial
O caso Babcock vs. Jackson
Dois amigos, residentes nos Estados Unidos, embarcaram numa viagem até ao Canadá, de modo
a experimentarem um carro novo, que Jackson tinha comprado. Acontece que, no seguimento
dessa viagem, ocorre um acidente, já em solo canadiense, que resulta em danos para o senhor
Babcock. Este, acabou por intentar uma ação contra o ex-amigo e condutor, o senhor Jackson.
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Ora, estamos perante uma situação privada internacional: É uma questão que envolve dois
sujeitos e que se passa além fronteiras, tendo contacto com duas ordens jurídicas: A do Estado
de Nova Iorque e a lei do Canadá. Acontece que esta questão de responsabilidade civil
extracontratual se resolve de modos diferentes nos dois sistemas jurídicos: Em Nova Iorque, a
responsabilidade de indemnização fica a cargo do condutor; No Canadá, a pessoa que é
transportada gratuitamente não tem direito a indemnização (isto com o objetivo de haver um
fomento da partilha de automóveis, amenizando o risco que o condutor corre ao transportar
alguém).
Perante este confronto de situações, o juiz americano, recorreu ao restatement (conjunto de
regras de conflito que vinculam os tribunais, umas com força de lei, outras com força de
jurisprudência) e concluiu que a lei que deveria ser aplicada, seria a lei canadiana, pois foi lá que
se deu o acidente e, por isso, seria a lei aparentemente mais próxima. Porém, o juiz recusou-se a
aplicar a lei canadiana por entender que, na verdade, não era a lei mais próxima das partes. A
proximidade da lei canadiana verificava-se, apenas, num plano abstrato, mas não em concreto,
além de que a solução seria não indemnizar o lesado. O juiz invocou que as regras de conflito são
normas cegas, no sentido em que determinam uma proximidade formal, mas não material,
porque não atendem ao caso concreto.
A partir desta sentença, muitas outras se seguiram em que os juízes não cumpriam, em rigor, as
regras de conflito, invocando o mesmo argumento. Há todo um movimento de descrédito pelas
regras de conflito. Aboliu-se, assim, o método conflitual.
Momento Doutrinal
Abolido o método conflitual, em seguimento do total descrédito dado às regras de conflito que,
segundo os americanos, não atendiam ao caso concreto, tarefa que só caberia ao juiz decidendo,
surgiu a necessidade de avançar com propostas metodológicas que viessem responder ao
mesmo problema que o antigo método conflitual resolvia. Neste momento, podemos encontrar
várias propostas levadas a cabo por diversos autores:
1. David Cavers: Foi o primeiro autor a avançar com uma proposta. Desde logo, afirma que
as regras de conflito têm uma grande falha: escolhem leis/ordenamentos jurídicos,
quando a sua verdadeira função deveria ser escolher normas. No caso Babcock vs.
Jackson, a regra de conflitos escolheu a lei canadiana em detrimento da nova iorquina,
mas nem sequer olhou ao conteúdo das normas. O que a regra de conflitos deveria ter
feito era olhar ao resultado das normas em causa e escolher o mais adequado. Naquele
caso, a escolha não deveria ter sido entre aplicar a lei do Canadá ou a lei de Nova Iorque,
mas antes aplicar a lei que permite indemnização e a que não dá. Defende que o critério
de escolha dever ser, portanto, a da justiça material, e não da justiça formal.
Crítica: Este método conduz à desarmonia jurídica internacional, já que o critério de
escolha é um critério subjetivo, será cada juiz a escolher a norma que considerar mais
justa. O juiz do Canadá poderá considerar mais justa a solução do seu ordenamento
jurídico e o mesmo para o juiz de Nova Iorque. Assim, a mesma questão terá duas
soluções diferentes, de acordo com o local onde seja tratada a questão. É, ainda, um
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método, que leva à insegurança jurídica, já que a solução jurisprudencial será sempre
imprevisível, dependerá da noção de justeza de cada juiz.
Contrarevolução de Cavers: Ele admitiu as falhas da sua teoria e tentou, mais tarde,
corrigi-la, diminuindo o casuísmo inerente a este método: Veio dizer que o legislador teria
que criar princípios de preferência (principles of preference) que guiassem o juiz. No
entanto, Cavers só veio criar esses princípios para duas matérias: responsabilidade civil
(extra contratual e contratual): Na escolha de lei mais justa, o juiz deve escolher entre a
lei do local onde ocorreu o facto lesivo e a lei onde se produziu o dano, a menos que o
lesante e o lesado tenham a mesma nacionalidade ou a mesma residência. Nestes casos,
deve o juiz aplicar a lei da nacionalidade comum ou a lei da residência comum.
Crítica: No fundo, o que Cavers acaba por fazer é escolher a lei aplicável, tal como as
regras de conflito fazem. A única diferença é que o critério de escolha é o da justiça
material e não o da proximidade. Além disso, a ideia de criar princípios de preferência
universais para todas as matérias é utópico e, como tal causará sempre desarmonia
jurídica internacional. É necessário método que mitigue este problema.
2. Brainerd Currie: Este autor começa por desconsiderar as regras de conflito por entender
que estas não atendem às políticas legislativas de cada lei em causa. Assim, o método
proposto por este autor, denominado de Government Interest Analysis, consistia no
seguinte: Analisar o interesse governamental de cada Estado em aplicar a sua lei, optando
por aquele que apresentasse um interesse mais forte. Para isso, temos de analisar a
política legislativa por detrás das normas. No caso em apreço, deveríamos tentar
perceber o que levou o Estado do Canadá a legislar de modo a não haver indemnização
naquelas situações e o mesmo para a norma dos Estados Unidos, que previa a
indemnização do lesado. Em comum com Cavers, este autor tem o facto de não entender
que esteja em causa um conflito de leis/ordenamentos jurídicos, mas antes um conflito
de normas, já que a primeira tarefa que o juiz deveria levar a cabo, segundo esta teoria,
era encontrar as normas de cada país que fossem aplicadas ao caso e, depois analisar a
política legislativa que estivesse na sua génese.
E se houverem vários Estados a ter interesse que a sua lei se aplique? Currie diz que se
houver mais do que um Estado com esse interesse, sendo um desses Estados, o país do
foro, deve dar-se privilégio a esta lei. Caso o Estado do foro não seja um dos Estados que
mostre interesse em resolver a questão, então, aplica-se na mesma a lei do foro, já que o
juiz do foro não tem autoridade para dizer que lei A é melhor que lei B.
E se não houver nenhum Estado que mostre interesse em que a sua lei se aplique? Então,
como o juiz não pode deixar o caso por julgar, deve aplicar a lei do foro e resolver o caso.
Críticas: Esta solução cria desarmonia jurídica internacional, já que o conflito acaba por
ser muitas vezes resolvido pela lei do foro, por ser o local onde se coloca a questão. Isso
faz com que as soluções variem consoante o local onde se coloque a questão. Currie
responde alegando que isso só acontece nos casos em que o método bloqueia. Outra
crítica a esta teoria tem que ver com o facto de nem sempre ser possível determinar a
política legislativa por detrás de uma norma. E mesmo nos casos em que isso é possível,
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a solução avançada por este autor consiste em aplicar sempre a lei mais restritiva, já que
uma lei que proíbe tem mais interesse em ser aplicada do que uma lei que permite. Deste
modo, acaba por promover a invalidade de muitas relações jurídicas que não seguem os
padrões dos Estados mais restritivos.
3. Ehrenzweig: Ao contrário dos outros autores, este não afasta, de todo, a possibilidade
de existirem regras de conflito. O que este autor vem fazer é dividir o sistema jurídico em
duas partes:
a. Lex Certa: São casos em que não há dúvida nenhuma sobre a lei a aplicar. Que
casos são esses? São os casos em que claramente se deve aplicar a lei do foro –
como no que diz respeito às regras procedimentais. Mas também se incluem aqui
algumas matérias em que, para este autor, Savigny estava certo: era necessário
aplicar-se regras de conflito que resolvessem estes casos determinados;
b. Lex Incerta: São casos em que este autor defende que não devem funcionar as
regras de conflito, por uma questão muito simples: Não funcionam bem. São
nestes casos que podemos encontrar o método por ele proposto: o juiz teria que
proceder a uma dupla operação: Primeiro, o juiz teria que determinar a lei do foro
capaz de resolver a matéria em causa, como se de uma questão puramente interna
se tratasse. O objetivo é determinar a política legislativa da norma. Segundo,
deveria analisar as leis conectadas com o caso, de modo a encontrar aquela que
melhor realize a política legislativa pretendida pela lei do foro.
Críticas: Algumas das críticas que eram dirigidas a Currie são agora dirigidas a Ehrenzweig:
Desde logo, nem sempre é possível determinar a política legislativa por detrás de uma
norma e Ehrenzweig, apesar de só se preocupar em conhecer a política legislativa por
detrás da norma do foro, comete o mesmo erro que Currie. Do ponto de vista
metodológico levanta algumas dúvidas, já que separa a ratio da norma do seu próprio
conteúdo, pois vai aplicar uma lei estrangeira para cumprir a política legislativa da lei do
foro.
Nota: No fundo, estas teorias não se preocupam com os interesses das partes, mas antes com o
peso de cada Estado e das suas vontades legislativas.
Momento legislativo
O legislador americano revogou as regras de conflito que resultavam do método conflitual,
deixando de resolver as controvérsias privadas internacionais por este método. O Restatement
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foi, assim revogado, já que se baseava no método conflitual. Em sua substituição surgiu o
Segundo Restatement, dividido em três capítulos:
1. Desde logo, parte-se do princípio que as regras de conflito que possam existir não são de
cumprimento obrigatório, já que existem princípios que se encontram acima delas:
a. O juiz tem que escolher a lei aplicável tendo em atenção os interesses político-
legislativos das leis envolvidas. Isto mostra uma influência de Currie;
b. Realizado o interesse político-legislativo, o juiz deve escolher a lei aplicável por
interesse às leis das partes, isto é, escolher a solução mais justa. Isto mostra
uma influência de Cavers;
c. Realizados estes dois, deve escolher-se a lei que melhor realize o interesse do
comércio jurídico. Aqui, encontramos o interesse máximo do DIP: a harmonia
jurídica.
2. Há certas matérias em que este autor reconhece que se devem manter as regras de
conflito, pois não há alternativa, tal como Ehrenzweig concluiu;
3. Vem afirmar a existência das chamadas open-ended rules, regras de conflito especiais,
que se caracterizam pelo seu fim aberto: cujo elemento de conexão é considerado
aberto, isto é, não será o legislador a escolher a lei que se encontre mais próxima ao caso,
mas sim o juiz decidendo.
O Método Jurisdicional
Este é um método de origem feudal e vigora, em matéria de divórcio, por exemplo, em
Inglaterra. É designado por método jurisdicional.
Ora, o método conflitual (clássico) é aquele que nos permite escolher a lei a aplicar ao caso.,
mediante uma regra de conflitos. Mas num outro momento anterior, com base nas normas de
competência internacional, escolhe-se o tribunal competente para julgar certo conflito.
Resposta: Desde logo, são normas que se inserem na mesma disciplina jurídica: DIPrivado.
Depois, tratam-se de normas sobre normas, normas de segundo grau, meramente formais que,
na verdade, não conferem diretamente uma solução ao caso: as normas de conflito indicam a
norma que se vai aplicar ao caso, as normas de competência internacional indicam o tribunal
competente para julgar o caso. Quanto aos pontos de distinção entres estas duas figuras
jurídicas, a primeira é bastante óbvia, já que as normas de conflito escolhem leis competentes e
as normas de competência internacional escolhem tribunais competentes. Já não tão óbvio é a
diferença entre os critérios de escolha de ambas: a norma de conflitos tende a optar pela lei mais
próxima, a que tem uma ligação mais forte com o caso, enquanto a norma de competência
internacional escolhe segundo um critério prático (de acesso à justiça, produção de prova ou
causalidade, praticabilidade para o autor da ação, etc). Para terminar, o facto de concluirmos que
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o tribunal português é competente para julgar o caso, não significa que se vá aplicar a lei
portuguesa. Pode ser aplicada, nesse tribunal, qualquer lei. Além destas diferenças, ainda
encontramos uma tendência: As normas de competência internacional, por regra, são normas
unilaterais, o que significa que não escolhem um tribunal, mas antes dizem quando o tribunal
desse Estado em causa é competente. Já as normas de conflitos são, por regra, bilaterais,
escolhem a lei aplicável ao caso, na medida em que pode mandar aplicar a lei portuguesa ou a lei
estrangeira. Mas, como se disse, isto é uma tendência, porque pode acontecer termos normas
de conflito unilaterais e normas de competência internacional bilaterais (como acontece na
União Europeia, Articulado 1215/2012).
Exemplo:
O senhor A, português, e a senhora B, inglesa, casados e a residir em Portugal, pretendem propor
uma ação de divórcio em Inglaterra.
Segundo este método, teríamos que optar pelo tribunal mais próximo do caso. Neste caso, seria
o tribunal português e, por isso, o tribunal inglês não se iria considerar português.
Segundo o método conflitual clássico, a ação seria aceite em Inglaterra e, posteriormente,
iriamos escolher qual a lei que os tribunais ingleses iriam aplicar, por intermédio de uma regra de
conflitos.
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No método conflitual a escolha dos tribunais e da lei aplicável faz-se em dois momentos distintos
porque se pretende alcançar dois objetivos diferentes: na escolha do tribunal competente,
queremos facilitar o acesso aos tribunais, daí que recorramos a critérios práticos. Na escolha da
lei, o que pretendemos é que se aplique a lei mais forte ao caso, a lei que tenha uma ligação mais
forte, a lei com que as partes mais contem. O método jurisdicional não permite alcançar estes
dois objetivos porque escolhe tudo de uma só vez e por isso, tem de abrir mão de um destes
objetivos: ou o da praticabilidade ou da proximidade.
Este método só é plausível se os Estados acordassem entre si a competência dos seus tribunais
para cada matéria, para que só aquele Estado regulasse aquela situação e a solução dada fosse
igual. Isto é muito complicado de se conseguir a nível mundial, mas a nível Europeu tem havido
um ressurgimento deste método e muitos autores que o defendem em substituição do método
conflitual. Muito devido às críticas norte-americanas ao método conflitual, já que chamaram a
atenção para os problemas desse método:
1. Babcock vs. Jackson: Este caso veio chamar a atenção para a rigidez do método
conflitual, no sentido em que a regra de conflitos manda aplicar a lei X e é essa que
tem de ser aplicada, mesmo que o juiz que a vá aplicar entenda que essa não é a norma
mais próxima do caso;
2. Cavers: Este autor veio levantar o problema do desinteresse da regra de conflitos pela
justiça material;
3. Currie: Este autor veio levantar a questão das opções político-legislativas de cada
Estado, que não são tidas nem achadas com as regras de conflito.
Perante estas falhas apresentadas pelos autores americanos, o método conflitual europeu não
foi destituído, mas sofreu algumas alterações, de modo a que, hoje, podemos afirmar, que é um
método muito diferente daquele que nos foi apresentado por Savigny. O nosso método
conflitual atual aproximou-se, em quatro vetores, do método americano:
Flexibilização
Uma flexibilização vai permitir ao julgador afastar o juízo contido na regra e conflitos, nos casos
em que seja necessário. São, por isso, casos em que, perante o caso concreto, pode ser o próprio
julgador a escolher a lei aplicável. Essa flexibilização é possível através:
1. Open-ended Rules: São regras que surgem sem elemento de conexão, que era onde
encontrávamos a situação relevante pelo legislador e que nos permitia saber que lei
aplicar. Um exemplo de uma norma deste género é a que encontramos no final do artº
52º, CC: encontramos elementos de conexão subsidiários – primeiro, nacionalidade
comum dos cônjuges. Falhando, vamos atender à residência comum. Falhando, o
legislador não estabelece um elemento concreto, deixando esta decisão ao juiz. É ele que
vai eleger a lei mais próxima (cumprindo, assim, o princípio da proximidade);
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2. Cláusulas de exceção: São cláusulas que, numa regra de conflitos, apresentam uma
exceção à sua aplicação, permitindo o legislador ao juiz afastar a lei indicada pela regra
de conflitos e aplicar outra, que se mostre mais próxima do caso (podemos encontra-la
através da expressão “salvo se se entender que outra lei tem uma conexão mais forte”).
Estas cláusulas de exceção podem ser de tipos diferentes:
a. Aberta: São casos em que se afasta a lei indicada pela regra de conflitos, mas
manda aplicar outra (por exemplo: artº 21º. Regulamento das Sucessões);
b. Fechada: São casos em que se afasta a lei aplicada pela regra de conflitos, mas
apresenta uma lei alternativa a ser aplicada (por exemplo, quando podemos ler:
“A capacidade das pessoas é regulada pela lei da sua nacionalidade, salvo se o juiz
entender que a lei da residência tem uma conexão mais forte”);
c. Formal: Quando o legislador cria cláusulas de exceção por motivos de justiça
formal;
d. Material: Quando o legislador cria cláusulas de exceção por motivos de justiça
material;
e. Especial: Quando se aplicam apenas a uma única regra de conflitos;
f. Geral: Quando é comum a várias regras de conflitos (não existem em Portugal).
3. Especialização: O DIPrivado deixou de ter uma única regra de conflitos pra cada relação
jurídica, pois isso tornava-o demasiado rígido. Assim, para cada relação jurídica, podemos
ter diversas regras de conflito, consoante o tipo de problemas que pode advir dessa
relação.
Materialização
Atualmente, o DIPrivado escolhe o elemento de conexão de acordo com o resultado que visa
atingir, de modo a conseguir aproximar-se de uma justiça material. Prova disto são os sistemas
de conexão, sobretudo o alternativo, que é aquele em que mostra que o legislador pretende
mesmo alcançar determinado resultado. Por força desta materialização, podemos distinguir dois
tipos de regras de conflito:
1. Regras de Conflito com Conexão Material: São as que escolhem a lei aplicável por
força do resultado que irá ser produzido (artº 36º, CC);
2. Regras de Conflito com Conexão Puramente Localizadora: Escolhem a lei aplicável de
acordo com o critério de proximidade (artº 62º, CC + artº 46º, CC).
Pergunta orais: O artº 50º, CC tem uma conexão material ou puramente localizadora?
Resposta: O conceito-quadro deste artigo prende-se com a forma do casamento (católico, civil,
etc), o elemento de conexão é o local de celebração do casamento. Este elemento de conexão
caracteriza-se por ser um elemento real (porque atende ao local), imóvel (não é suscetível de
sofrer alterações). Será que faz parte de um tipo ou outro? SE um português casar na Tailândia,
vamos aplicar as regras tailandesas ou as portuguesas? Segundo um critério material, deve
mandar aplicar a lei tailandesa, não por ser a lei mais próxima das partes, mas porque o legislador
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parte do princípio que as partes quando se casaram na Tailândia seguiram a lei tailandesa!! Assim,
aplica-se a lei tailandesa.
Politização
A politização do método conflitual começa por criar outras normas que passam a vigorar a par
com as regras de conflito. Tratam-se de normas que têm em atenção a política legislativa dos
Estados. Estas normas são as normas espacialmente autolimitadas (normas materiais que vão
determinar o seu próprio âmbito de aplicação, isto é, normas materiais – impõem
comportamentos –, mas que não precisam da regra de conflitos da mesma forma. Estabelecem
o seu próprio campo de aplicação). Estas normas dividem-se em duas categorias:
1. Normas espacialmente autolimitadas em sentido estrito: São normas que determinam o
seu âmbito de aplicação a menos casos do que as regras de conflito, sobre as mesmas
matérias, e isto porque estas normas contêm requisitos adicionais. Não se aplica a lei
portuguesa só porque a regra de conflitos indica a sua aplicação, por exemplo. Dentro
das próprias normas materiais internas de cada sistema podem surgir requisitos
adicionais para que esta lei se aplique. Exemplo: Estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada. O artº 33º/1, CC estabelece como elemento de conexão a
existência de sede em Portugal, mas o artº 36º/1, do DL 246/86 exige um outro requisito:
que o estabelecimento tenha sido constituído em Portugal. O âmbito de aplicação é
assim, mais restrito do que aquele que seria se só aplicássemos a regra de conflitos. São
normas muito raras e pretendem que a lei em causa só seja aplicada quando a ligação que
tenha com o Estado seja mesmo forte;
2. Normas de aplicação necessária e imediata/normas internacionalmente imperativas:
São o oposto das anteriores: vão aplicar a lei portuguesa em casos mais ténues do que
seria se nos ficássemos pela regra de conflitos. São normas que determinam a sua
aplicação de forma necessária (independentemente da norma de conflitos). São normas
que sabemos que se aplicam ainda antes de olhar para a regra de conflitos. Definindo o
seu âmbito de aplicação de forma ampla, aplicar-se-ão a mais casos do que aqueles que
as próprias regras de conflitos mandam aplicar. Esta autolimitação espacial em sentido
amplo pode ser feita de forma implícita (não delimitam expressamente a sua
imperatividade, mas podemos deduzir que a ratio da norma só se concretiza quando a
norma é aplicada de forma imediata e necessária) ou explícita (dizem expressamente que
o seu âmbito é internacionalmente imperativo, que se aplicam independentemente de
outras prescrições legislativas – regras de conflito. São casos em que se pretende
proteger um interesse político-legislativo muito relevante e, por isso, a aplicação do
DIPrivado sofre algumas alterações).
Exemplos:
Artº 2º/1, Lei da Concorrência (L 19/2012) Esta lei aplica-se independentemente da lei do
contrato, que é o requisito exigido pela regra de conflitos. E di-lo expressamente (norma
internacionalmente imperativa explícita);
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Exemplo:
A e B celebram um contrato entre si, em Espanha, embora este devesse
ter sido celebrado em França. Acontece que um deles não cumpre o
contrato e agora os tribunais portugueses são chamados a resolver esta
questão de responsabilidade contratual. Estamos perante uma relação
plurilocalizada, sendo que a nossa regra de conflitos considera
competente a lei do Estado onde se celebrou o negócio jurídico. Ou
seja, há de se aplicar a lei espanhola, visto ter sido lá celebrado o
contrato. Acontece que ele deveria ter sido celebrado em França, onde
existe uma norma material que proíbe este tipo de contratos. Logo, se
aplicássemos a lei francesa, este contrato seria inválido e não se
colocava a questão da responsabilidade contratual. Contudo, segundo
esta segunda variante, não se vai aplicar a lei estrangeira que não seja a
considerada como competente. No entanto, o juiz não a pode ignorar,
tendo de a levar em atenção. Como? No processo de apreciação do
caso, quando chega ao ponto de avaliar a culpa do faltoso, do devedor,
poderá diminuir o juízo de censurabilidade que lhe dirige, uma vez que
este pode não ter cumprido por pensar que, tal como a lei francesa
prevê, este contrato seria nulo.
Outro instituto que veio a ser criado foi o da adaptação e que veio responder ao acidente técnico
do DIPrivado. Ou seja, o DIPrivado visa conjugar vários ordenamentos jurídicos e essa conciliação
nem sempre é fácil, já que os ordenamentos podem ser incompatíveis entre si. Nestes casos, é
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necessário proceder a uma adaptação, que não será mais do que uma autorização dada ao juiz,
para modificar o sistema de DIPrivado, quando se verifique o tal acidente técnico
(incompatibilidades entre as leis em causa ou resultados não queridos por nenhuma delas).
Exemplo:
A, português, residente em Marrocos, é filho biológico do PA, português residente em Portugal
e filho adotivo do PB, marroquino, residente em Marrocos. Entretanto, ambos morrem e coloca-
se a questão da partilha de bens (sucessões). A questão coloca-se nos tribunais portugueses e,
como tal, temos de tentar encontrar solução nas nossas regras de conflito. O artº 62º, CC tem
como elemento de conexão a nacionalidade do autor da sucessão (de cujos) ao tempo da sua
morte. Ou seja, em relação a PA aplicamos a lei portuguesa, em relação ao PB remetemos para
as normas marroquinas. Acontece que, em relação a PA, não se pode dizer que A será o seu
sucessor, já que, uma vez adotado, se quebram os laços com os progenitores biológicos. Assim,
A já não é considerado herdeiro. Em relação a PB, na lei marroquina, os filhos adotivos não
podem ser herdeiros e, por isso, A não receberá nada, nem de um, nem de outro. Este é um
exemplo de um acidente técnico. A novidade da politização é que o juiz pode não aplicar esta
solução, recorrendo à adaptação. Batista Machado entende que esta figura é muito perigosa, já
que é como um cheque em branco que o juiz pode lançar mão, para não aplicar a lei indicada pela
regra de conflitos. No fundo, a adaptação consiste numa modificação da regra de conflitos: o
juiz escolhe mudar uma das regras de conflito em causa. Neste caso, o juiz iria alterar a lei
marroquina de modo a que se aplicasse a lei portuguesa, onde o A já receberia herança, pois aqui
os filhos adotivos são considerados herdeiros, pois são equiparados aos biológicos. Quando o
sistema bloquear, confiamos no juiz para que ele possa modificar como quiser a regra de
conflitos, de modo a obter um resultado querido pelas duas leis.
Nota: A politização veio trazer um pluralismo metodológico ao DIPrivado, uma vez que já não
nos regemos, apenas, pelas regras de conflito. Existem, agora, mais normas que se aplicam a par
daquelas.
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Métodos alternativos
Notas: A verdade é que, na segunda metade do século XX, a Checoslováquia tinha dois códigos
comerciais: um para regular as situações internas e outro para as internacionais. Isto justificou-
se pelo facto do sistema político do país ser comunista e, a nível internacional, seguirmos um
modelo capitalista;
Este modelo pode não ser alternativo, mas pode ser auxiliar do método conflitual, uma vez que
chamou a atenção para a possibilidade de as relações internacionais terem especificidades que
podem estar reguladas na lei interna dos Estados, mesmo sem que estes tenham elaborado um
segundo Código Civil (exemplo: artº 2223º, CC regula uma situação internacional, já que não se
aplica no direito interno).
Resposta: Uma regra de conflitos de conexão material é uma regra de conflitos, pelo que nos
remete para o método conflitual, onde o juiz vai escolher a lei competente, com base em vários
critérios. Como estamos perante uma regra de conflitos com conexão material isso indica-nos
que a regra de conflitos vai escolher a lei de acordo com o critério da justiça material, isto é, vai
atender ao resultado produzido pelas várias leis ligadas ao caso e optar pela melhor. É uma
norma de conflitos que se opõe às puramente localizadas. Por outro lado, temos o Direito
Internacional Privado Material, que consiste num método alternativo ao conflitual, ou seja,
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diferente daquele e, por isso, já não é composto por regras de conflitos, mas antes por um
conjunto de normas materiais especificamente feitas para regular situações internacionais.
O problema da Qualificação
Coloca-se a questão de saber quando aplicar a regra de conflitos. Enquanto nas normas materiais
temos a hipótese, que nos responde a esta questão descrevendo factos da vida, nas regras de
conflito temos o conceito-quadro que descreve factos jurídicos. E é precisamente aqui que o
problema se coloca, já que os conceitos jurídicos variam de país para país. O casamento, em
Portugal, há de ser muito diferente do casamento da Arábia Saudita. Os direitos de
personalidade portugueses são muito diferentes dos de lá. E é por isso que se torna tão difícil
saber quando aplicar uma regra de conflitos: é complicado saber se ela regula aquela situação
ou não. Mas mais do que este problema é o facto de o conceito-quadro ter como objeto as
normas jurídicas sobre determinada matéria. Não só e difícil identificar essa matéria nos
diferentes Estados como se torna ainda mais complicado mobilizar as normas deles sobre essas
questões. O problema da qualificação é isto: o problema de delimitação das normas materiais
que se aplicam ao caso. Como é que eu sei quais as normas sobre o divórcio ou sobre os direitos
de personalidade? E se forem problemas diferentes para as duas leis envolvidas, aplico segundo
qual?
Exemplo:
A senhora A, argentina e residente na Argentina, morreu e deixou os seus bens ao sobrinho B,
português, residente em Portugal e casado em regime de comunhão de bens com a portuguesa
C, também ela residente em Portugal. A questão que se coloca é a de saber se a casa é só de A
ou dele e da mulher?
Tratando-se de uma relação plurilocalizada, temos de chamar ao caso as duas leis envolvidas: a
argentina e a portuguesa. Ora, a lei argentina regula esta matéria no capítulo das sucessões,
onde estabelece que deve haver comunicação ao outro cônjuge e, como tal, o bem acaba por
ser de ambos. Já a lei portuguesa, trata desta matéria no capítulo do regime de bens, onde,
havendo um bem adquirido por intermédio de uma sucessão, esse bem não é considerado
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comum aos dois cônjuges, mas apenas do herdeiro (artº 1722º/b, CC). Assim, pela lei argentina,
os bens são de ambos, mas pela nossa lei, é apenas de B. Precisamos de uma regra de conflitos
que venha escolher a lei competente. Vamos ter de optar pela lei argentina (que trata isto como
uma sucessão) e a lei portuguesa (que trata disto enquanto regime de bens no casamento).
A nossa regra de conflitos para este caso é a do artº 53º, CC (regime de bens) e o elemento de
conexão é a nacionalidade comum dos cônjuges no momento de celebração do casamento
(elemento de conexão imóvel porque foi cristalizado pelo legislador). Daqui resulta que se deve
aplicar a lei portuguesa. Mas se, tal como a lei argentina, tratarmos este problema como um
problema de sucessões, então vamos olhar ao artº 62º, CC, cujo elemento de conexão é a
nacionalidade do de cujos, o que significa que se vai aplicar a lei argentina. É por isso que temos
de saber: qual é o problema em causa? Perante estas duas possibilidades, qual a regra de
conflitos que devemos aplicar, afinal? É um problema de qualificação/delimitação.
2. Qualificação Secundária: Nesta fase, vamos descobrir quais as normas materiais da lei
competente que são chamadas a resolver o caso. E aqui surgem algumas teorias, para
variar um bocadinho:
a. Roberto Ago: Este autor entende que se faz um chamamento indiscriminado, na
medida em que se chama todo o ordenamento jurídico da lei competente;
b. Robertson: Este jurista inglês defende que se dá um chamamento circunscrito,
isto é, não se mobiliza todo o ordenamento jurídico da lei competente para se
resolver o caso, mas apenas algumas normas, nomeadamente as que regulem as
mesmas matérias que o conceito-quadro circunscreveu. No exemplo dado, só
seriam chamadas à colação as normas referentes ao regime de bens. Segundo esta
conceção só iriamos chamar o artº 1722º/b, CC, que vem determinar que o bem é
próprio.
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Vantagens:
• É um sistema simples, que resulta na aplicação de uma só lei, pelo que não dá aso a
conflitos entre leis;
• Quem controla a lei aplicável é a lei do foro, porque é com base as suas normas materiais
que vamos determinar a regra de conflitos aplicável e, consequentemente, a lei
competente.
Críticas:
• Pode acontecer que o chamamento circunscrito resulte em nenhuma norma material
capaz de resolver o caso, dentro do ordenamento jurídico considerado competente.
Exemplo:
O senhor A, inglês e residente em Inglaterra, morreu, deixando um prédio em Portugal.
Mas não tinha nenhum herdeiro. Para quem vai o prédio?
Segundo esta teoria, temos de apresentar o caso às normas materiais do foro: lei
portuguesa, que tem uma disposição, sobre sucessões, que resolve o caso, dizendo que
no caso de não haver herdeiros, os bens ficam para o Estado. A lei inglesa, por sua vez,
trata esta matéria como pertencendo aos Direitos Reais, já que nestes casos, o Estado
adquire um direito real sobre os bens. Atendendo às normas materiais da lei do foro,
sendo este um caso de sucessões, vamos aplicar uma regra de conflitos que tenha esta
matéria como conceito-quadro: artº 62º, CC, que tem como elemento de conexão a
nacionalidade do de cujos: neste caso, inglês. Logo, aplicar-se-ia a lei inglesa. Segundo
Roberto Ago, iriamos chamar todo o ordenamento jurídico inglês, ou seja, não só as
normas sobre sucessões, mas também as de Direitos Reais e a solução haveria de estar
algures (neste caso, estava precisamente no capítulo dos Direitos Reais). Mas segundo
Robertson, teríamos de fazer um chamamento circunscrito, onde só iriamos mobilizar as
normas inglesas sobre sucessões. E aqui é que se dá o problema: Nas normas inglesas
sobre sucessões, nenhuma seria capaz de regular este caso porque a solução se encontra
noutro capítulo (Direitos Reais). Robertson responde dizendo que, nestes casos, teria
que se fazer um chamamento indiscriminado.
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país, não vamos encontrar nenhuma norma que dê solução e, como tal, seremos
incapazes de designar uma regra de conflitos que solucione a controvérsia;
• Por fim, entende-se que a qualificação primária é desnecessária: não necessitamos de
recorrer às normas materiais internas para saber que regra de conflitos devemos aplicar
para descobrir a lei competente. Basta olhar para o caso e não será muito difícil
determinar o leque de leis que devem ser mobilizadas, segundo a matéria em causa.
Assim sendo, perante estas críticas, esta teoria será de rejeitar pela doutrina maioritária.
Vantagens: Tratamos o problema pelo seu título correto, não fazemos um juízo prévio.
Desvantagens: Esta conceção cria um circulo vicioso, já que recorríamos à qualificação para
descobrir a regra de conflitos, ou seja, as normas competentes. No entanto, recorre à lei
competente para resolver a questão. Ou seja, para procedermos à qualificação, perguntamos à
lei competente, no entanto, necessitamos da qualificação para a determinar. Há, ainda, uma
perda de controlo do juízo conflitual, uma vez que quando o legislador português elabora uma
regra de conflitos, fá-lo a pensar no seu próprio ordenamento jurídico e com este sistema quem
acaba por decidir que matéria é delimitada pelo conceito-quadro é a lei estrangeira.
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Exemplos:
A e B, israelitas pretendem divorciar-se. Em Israel, o divórcio é um contrato
privado. Aqui, é necessário que seja decretado pelo tribunal ou reconhecido por
um conservador. Logo, são dois institutos diferentes e, por isso, a regra de
conflitos não seria precisa, já que o divórcio para a lei do foro é coisa diferente
daquilo que é divórcio para a lei estrangeira;
Imaginemos que A pretende passar um trust a B, sobre um imóvel que se encontra
em Portugal. Esta figura jurídica existe nos países anglo-saxónicos e consiste em
transmitir a propriedade de um imóvel para outrem, sem lhe passar, contudo, o
usufruto do mesmo. Poderíamos aplicar o artº 46º, CC (direitos reais)? Na verdade
não, porque o trust não configura na lista taxativa de Direitos Reais portugueses
e também não surge em mais nenhum momento do nosso ordenamento porque
se trata de um instituto inexistente em Portugal. Logo, a lei do foro não dará
resposta à delimitação de regras materiais que devem ser mobilizadas para esta
questão.
c. Interpretação à luz da lei formal do foro: Segundo esta conceção, vamos ter uma
interpretação autónoma, específica da regra de conflitos do foro, já que será ela
mesmo a autolimitar-se e a chamar as leis materiais competentes para o caso. Tem
de se proceder, então, a uma interpretação autónoma e teleológica das regras de
conflito. Autónoma no sentido em que deve ser feita independentemente das
normas materiais do foro, independentemente do sentido que elas atribuam ao
instituto jurídico invocado no conceito-quadro. Deve, também, ser teleológica
porque vai atender às finalidades, aos objetivos em vista: Por um lado, temos de
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atender ao objetivo do DIPrivado, eu, aqui, consiste em saber que leis materiais
chama o conceito-quadro em questão, de modo a poder regular as relações
plurilocalizadas (assim, quando interpretamos o conceito-quadro, temos que
perceber que queremos chamar algumas normas materiais que sejam capazes de
resolver as situações privadas internacionais e por isso mesmo, não devemos
cingir o conceito-quadro à interpretação que a lei material do foro lhe confere,
mas antes, alargar esse espectro para que possamos abranger, nessa regra de
conflitos, vários ordenamentos jurídicos, já que se trata de uma norma
internacional). Assim sendo, temos de incluir a figura invocada pelo conceito-
quadro, mas também os seus institutos análogos! (Exemplo: o artº 30º, CC não diz
respeito apenas à tutela, mas também aos institutos análogos).
Conflitos de Qualificação
O nosso sistema chama várias leis, já que pode aplicar várias regras de conflito a uma situação. E
isto pode gerar incompatibilidades. É um problema que não acontece sempre, mas por vezes,
sim.
Exemplo:
O senhor A, português e residente em Portugal, morre em Junho de 2013. Deixa um prédio em
Inglaterra e não tem nenhum herdeiro. Quid iuris?
É uma situação plurilocalizada, já que o senhor era nacional português, viveu e morreu cá, mas
deixou um bem que se encontra em Inglaterra. Temos, por isso, que identificar as leis que são
chamadas pelas regras de conflito, para depois qualificar as normas.
Tratar-se-á este problema de uma questão de família ou sucessões? Como ele morreu antes de
2015 (Regulamento das sucessões!), aplicamos, ainda, o artº 62º, CC além do 46º, CC.
O artº 62º, CC tem como conceito-quadro as sucessões, as quais temos de interpretar num
sentido amplo, pois não vale só a nossa (lei do foro) interpretação desta matéria. O elemento de
conexão é a nacionalidade do de cujos. Neste caso, ele era português, logo, aplicamos a lei
portuguesa. Mas que lei portuguesa? Toda? Não! Só a lei relativa à matéria de sucessões. (Artº
15º, CC).
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O artº 46º, CC tem como conceito-quadro os direitos reais, não a conceção portuguesa (lei do
foro) de direitos reais, mas uma conceção ampla, de modo a poder abranger a dos outros países,
também. O elemento de conexão é o local de situação da coisa, ou seja, onde ela se encontra.
Neste caso, o prédio encontra-se em Inglaterra, pelo que, segundo esta regra de conflitos, a lei
competente é a inglesa. Mas será que invoca toda a lei inglesa? Não! Apenas a que se referir a
direitos reais em sentido amplo (Artº 15º, CC).
A questão que se coloca, agora, é a de decidir qual das duas regras de conflitos se vai aplicar, já
que são as duas suscetíveis de aplicação ao caso, mas conflituantes entre si. É que a nossa lei
trata esta questão como sendo um problema de sucessões e, inclusivamente, estabelece que o
último na linha de herdeiros é o Estado (artºs 2133º e 2152º, CC), mas a lei inglesa trata este
problema como sendo uma questão de Direitos Reais, já que quando o de cujos não deixa
herdeiros, o Estado adquire um direito real sobre os bens do mesmo.
Como vimos (e repetindo) temos de proceder à qualificação das normas suscetíveis de ser
aplicadas, devemos caracterizá-las e ver a que conceito-quadro se subsumem: O artº 2133º, CC
estabelece uma regra de sucessões por morte, onde o Estado aparece como herdeiro, em último
caso, para que os bens não fiquem ao abandono. Sendo uma norma sucessória, subsume-se
(encaixa-se) no conceito-quadro do artº 62º, CC. Resta saber se esta regra de conflitos a está a
chamar: esta regra de conflitos diz que em matéria de sucessões se aplica a lei portuguesa. Logo,
está a chamar aquela norma material.
Quanto à norma inglesa que estabelece que, na falta de herdeiros, o Estado adquire um direito
real sobre os bens, ela subsume-se à regra de conflitos do artº 46º, CC. Esta regra de conflitos diz-
nos que em matéria de direitos reais aplica-se a lei do local onde se encontra a coisa. Neste caso,
estando a coisa em Inglaterra, a regra de conflitos está a chamar a lei inglesa e aquela norma é
aplicável, já que é sobre direitos reais e é inglesa.
Neste caso, em ambos os casos, o bem ia para o Estado. Mas pode acontecer que as soluções
sejam incompatíveis, nestes casos em que se chamam duas leis diferentes. É um problema que
surge, por vezes, no nosso sistema, mas tem solução!
Como resolver um conflito de qualificações? Quando duas normas são chamadas a resolver a
situação, mas são incompatíveis entre si?
Se não conseguirmos dirimir o conflito mediante este sistema, então, temos de proceder à
escolha de normas materiais: o critério será o da especialidade – as normas especiais prevalecem
sobre as gerais (exemplo: artºs 209º e 285º, CC).
Exemplo:
Vamos, agora, partir do princípio que o senhor A, inglês, residente em Inglaterra, morre e deixa
um prédio em Portugal. Não tem herdeiros.
Continuamos a mobilizar os artºs 62º e 46º, CC e continuamos a ter o artº 2133º, CC como solução
portuguesa do caso e a norma inglesa na mesma medida. Mas uma diferença: Apesar do artº
2133º, CC se subsumir ao conceito-quadro do artº 62º, CC, esta regra de conflitos não a está a
chamar, pois determina que em matéria de sucessões se aplica a lei da nacionalidade do de cujos
que, neste caso, é inglês. Logo, considera a lei inglesa como lei competente em matéria de
sucessões, não se aplicando as nossas regras sobre essa matéria. Mas, ao mesmo tempo, a lei
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Afonso Patrão ffffffffffffffffffffffffffAno Letivo 2017/2018
inglesa, não se considera competente, remetendo a solução para Portugal: isto porque a norma
inglesa sobre direitos reais, para estes casos de pessoas que não deixam herdeiros, se subsume
ao conceito-quadro do artº 46º, sim, mas esta regra de conflitos não a considera competente,
não a chama a aplicação, porque estabelece que em matéria de direitos reais, se aplica a lei do
local de situação da coisa, ou seja, a lei portuguesa, já que a coisa se encontra cá. Mas as normas
de direitos reais portugueses não dão solução ao caso, porque para nós isto é um problema de
sucessões. O mesmo em relação à lei inglesa que não dá solução no capítulo das sucessões… E
agora?
Perante um conflito negativo de qualificação, isto é, quando a lei indicada pelas regras de conflito
não se mostra capaz de resolver a controvérsia, a doutrina entende que é necessária a
intervenção do juiz, no sentido de vir corrigir o mesmo, ou seja, a doutrina invoca o instituto da
adaptação. A forma como este instituto acaba por funcionar é que é alvo de diversas propostas
doutrinais:
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Exemplo:
Artº 56º, CC Conceito-quadro: constituição de filiação, cujo elemento de conexão é a lei pessoal
(artº 31º, CC – nacionalidade) do cônjuge à data da constituição da filiação.
Imaginemos que o senhor A é brasileiro, residente em Portugal e pai de B.
Segundo a nossa regra de conflitos, a lei competente para julgar o caso é a lei brasileira.
Mas no Brasil, para estas matérias, o elemento de conexão é a residência dos progenitores. Logo,
manda aplicar a lei portuguesa (que mandou aplicar a lei brasileira).
1. Conflito de sistemas positivo: Imaginemos que o senhor afinal era português e residia no
Brasil, tendo perfilhado B no Brasil, também. Sendo a questão colocada no Brasil e sendo
o elemento de conexão a residência habitual, eles entendiam que a lei competente era a
brasileira. Mas em Portugal, segundo a nossa regra de conflitos (artº 56º, CC), a lei
competente era a nossa, uma vez que a nacionalidade era portuguesa. Temos, aqui, um
conflito de sistemas de DIPrivado: duas regras de conflitos diferentes estabelecem duas
soluções diferentes, cada qual considera como competentes leis diferentes, daí estarmos
perante um conflito positivo.
Coloca-se a questão: Qual das duas se vai aplicar? Este problema remete-nos para a
temática do reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro;
2. Conflito de sistemas negativo: Ocorre quando a lei que a nossa regra de conflitos
considera competente não se considera, ela própria, competente. No caso exposto, o
nosso DIPrivado considerava a lei portuguesa como a lei competente, mas a lei brasileira
considerava a nossa lei como sendo a competente. Há aqui um conflito de sistemas de
DIPrivado. Duas regras de conflito diferentes que originam um resultado diferente. E
trata-se de um conflito negativo porque nenhuma delas, vista em contrapartida, se
considera competente, após a outra as ter nomeado.
Coloca-se a questão: Perante estas circunstâncias, devemos aplicar a lei que o DIPrivado
em causa indique como competente ou devemos aplicar a regra de conflitos da lei
considerada competente, vindo esta a passar a responsabilidade para outra lei? No fundo,
é um problema de reenvio.
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O Reenvio
Está em causa um expediente de resolução de conflitos negativos de sistemas de DIPrivado, isto
é, para resolver os casos em que a lei indicada pelo nosso DIPrivado não se considera
competente.
Existem quatro situações possíveis:
Retorno/Reenvio Direto
São casos em que a Lei1 (lei do foro) considera a Lei2
Lei1 Lei2 competente. No entanto, esta, não se considerando
competente, por sua via, determina a lei do foro como a lei
capaz de resolver o caso.
Retorno/Reenvio Indireto
Nota: Não têm de estar em causa apenas 4 leis. Temos transmissão de competências em cadeia
sempre que estejam em causa mais de 3 leis. No entanto, é pouco provável que surjam mais
porque não existem assim tantos elementos de conexão possíveis.
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Perante estas quatro possibilidades, temos de nos perguntar como resolver esta questão: será
que o nosso DIPrivado quando elege uma lei competente pretende invocar apenas as suas
normas materiais ou também as suas regras de conflito? É que se aceitarmos esta segunda
hipótese, o que vai acontecer é que estamos a admitir estas situações. Caso contrário, ficamo-
nos pela aplicação da Lei2, por nós indicada (correndo o risco dela não se considerar competente.
Há duas grandes teorias que visam a resolução deste quebra-cabeças:
1. Tese da Referência Material: Esta tese, adotada em países como a Dinamarca, a Suécia,
etc., vem dizer que a nossa remissão para a Lei2 é apenas para as suas regras
materiais/substantivas, ignorando as respetivas regras de conflito. Assim, esta teoria
recusa a admissibilidade de reenvio. Os fundamentos desta teoria assentam no facto de
o legislador de DIPrivado ter querido aplicar a lei mais próxima, quando mandou aplicar a
Lei2 e não devemos deixar de cumprir a sua vontade só porque essa lei manda aplicar uma
outra. Além de que, aceitar o reenvio significaria aceitar a soberania estrangeira, pois
deixaríamos de aplicar a lei que o nosso legislador de DIPrivado escolheu para aplicar a lei
que o legislador de outro país elegeu como sendo a lei competente (no fundo, seria o
outro legislador a escolher a lei aplicável e não o legislador do foro). É um sistema muito
simples, este, já que basta aplicar a lei que a nossa regra de conflitos indicou e, por isso,
tem sido alvo de alguma adesão por parte de vários países.
Críticas: Esta tese gera desarmonia jurídica internacional, já que do mesmo modo que
nós aplicamos a lei que a nossa regra de conflitos manda aplicar, os outros sistemas farão
o mesmo, sem olhar ao facto de essas leis indicadas não se considerarem competentes.
Deste modo, as soluções irão variar consoante o local onde se coloque a questão;
2. Tese da Referência Global: Esta tese vem defender que a remissão feita pela nossa regra
de conflitos deve ser de modo a abranger não só determinadas normas materiais, mas
também as normas formais da lei por nós indicada, ou seja, as normas de DIPrivado desse
sistema. Aqui, podemos encontrar três sistemas diferentes:
a. Devolução Simples: Também conhecida como a teoria clássica do reenvio, este
sistema teve origem em França e está em vigor, hoje, na Bélgica, Espanha,
Luxemburgo e já vigorou em Itália. Quando indicamos uma lei como sendo a
competente, não nos cingimos às suas normas materiais, mas também olhamos
às suas normas formais, mas segundo um esquema de devolução simples (onde o
pensamento é: eu aplico a lei que estou a definir como competente aplicar!). Deste
modo, podemos promover a harmonia jurídica. No entanto, isto só é possível num
esquema de transmissão de competências simples, já que nos outros casos ou
caímos num circulo vicioso (casos em que a lei que indicamos como competente
segundo um sistema de devolução simples, também nos faz uma devolução
simples a nós) ou então, caímos em desarmonia jurídica internacional (é o que
acontece quando temos mais de três leis envolvidas). Com este sistema só damos
um salto, só avançamos uma lei para lá daquela que indicámos como
competente.
b. Dupla Devolução/Reenvio Total: Também conhecida como foreign court theory, é
aplicada em Inglaterra e Suíça, consiste em fazer uma remissão total, o que
significa que o juiz do foro tem de se comportar como se comportaria o juiz do
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Estado da Lei2, isto é, não só vai atender às regras materiais e à regra de conflitos
desta lei, mas também ao sistema de reenvio e, por isso, aplica a lei que a Lei2
mandar aplicar. Se a Lei2 se determinar como competente, nós aplicamos a Lei2;
se a Lei2 faz devolução simples para a Lei3, aplicamos a lei que esta mandar aplicar,
porque a Lei2 faz o mesmo; se a Lei2 remeter para outra lei por referência material,
aplicando essa lei, sem admitir reenvio, nós fazemos o mesmo e assim por diante.
Nós fazemos o que a Lei2 mandar. Somos um espelho dessa lei. E isto é muito bom
em termos de harmonia jurídica internacional, exceto quando a Lei2 remete para
a nossa lei por devolução simples porque nesses casos caímos num círculo vicioso;
c. Regulamentação subsidiária: É um sistema que vigora na Suécia e, como um
sistema de referência global, vai mobilizar mais do que só as normas materiais da
lei que indicarmos como sendo a competente, como a mais próxima. No entanto,
vai fazê-lo sem admitir o reenvio! Isto porque o chamamento das regras de
conflito da Lei2 só vai servir para saber se essa lei, segundo as suas regras de
conflito, se considera competente ou não. Nada mais. Se a regra de conflitos
remeter para uma terceira lei ou para a lei do foro, então é porque não se
considera competente e, nesse caso, é necessário recorrer a uma regra de
conflitos subsidiária. O problema desta teoria tem que ver com a necessidade de
haver regras de conflito subsidiárias para todas as matérias, sendo um sistema
muito complexo.
Nota: Estas são as quatro teorias sobre o reenvio. O nosso sistema pressupõe as quatro, já que
assumimos uma posição paradigmática. Logo, temos de as saber todas, para percebermos o
nosso sistema.
Pergunta de exame: A lei polaca tem um sistema misto de reenvio. Tal como nós, não adere a
um sistema puro (dos que vimos), mas distingue-se de nós no seguinte: Nunca aceita reenvio
(ou seja, só admite referência material, pelo que aplica sempre a lei que as suas regras de conflito
indicam como sendo a competente, ignorando as regras de conflito dessa lei) exceto quando
essa lei remeta para a lei polaca (devolução simples). Nesses casos, já aceita o reenvio. Objetivo:
Aumentar os casos em que aplica a lei do foro (lei polaca)!
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A regra é a que aplicamos a Lei2 (artº 16º, CC – princípio da referência material). Mas existe
o artº 18º, CC que abre portas ao reenvio sempre que for útil em nome da harmonia
jurídica internacional. Será este um desses casos? Tudo depende da Lei2, neste caso. Se a
Lei2 remeter para a Lei1 por devolução simples, então isso significa que vai aplicar a lei que
a nossa regra de conflitos indicar. Indicando a nossa lei a Lei2, por referência material
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(regra), eles aplicariam a Lei2 também, pelo que não era necessário o reenvio para haver
harmonia jurídica internacional – ela seria conseguida através da própria referência
material!
Se, por outro lado, a Lei2 remetesse para a Lei1 também por referência material, isto é,
sem olhar à nossa regra de conflitos, significaria que aplicariam a Lei1. Nós, por sua vez,
com a referência material, aplicaríamos a Lei2. Logo, temos duas soluções diferentes.
Neste caso, já seria útil aceitar o reenvio para alcançar a harmonia jurídica internacional
que a referência material, por si só, não foi capaz de consagrar.
Assim, encontramos o primeiro caso em que se admite reenvio, pelo artº 18º, CC, que nos
diz o seguinte:
“Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos devolver para
o direito interno português, é este o direito aplicável”.
Isto significa que se a Lei2 (lei indicada por nós) remeter para as normas materiais (e só
essas!) da lei do foro, então, aceitamos reenvio por devolução simples, aplicando a lei
que a Lei2 indicar e que será a nossa. Este é o requisito que o artº 18º, CC nos impõe.
2. Retorno Indireto:
Desde logo, o reenvio indireto não está expressamente previsto na lei, mas a doutrina
defende que o artº 18º, CC deve ser entendido de forma a englobar também o retorno
indireto. Assim, tudo funciona como no retorno direto (tem de haver necessidade e
utilidade de abrir portas ao reenvio, em nome da harmonia jurídica internacional, assim
como tem de se verificar o requisito material do artº 18º, CC: tem se haver devolução para
o direito português, por referência material neste caso, já não será a Lei2 a remeter,
mas sim a Lei3. Trata-se da última lei da cadeia esquemática que tem de devolver por
referência material para o nosso sistema, já que estamos a falar de casos de retorno
indireto). A questão que se coloca é a se saber se basta que a última lei faça referência
material para a nossa (lei do foro), cumprindo, assim, aquele requisito do artº 18º, CC. Não,
não basta. Para além disso, é necessário que entre a Lei2 e a Lei3 não haja referência
material, ou seja, que a Lei2 remeta para a terceira Lei por devolução simples ou dupla
devolução.
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Exemplos:
Lei1 ---(vai depender das outras, mas regra é referência material)---- > Lei2 ----(referência
material)---- > Lei3 ----(referência material – requisito obrigatório pelo artº 18º, CC)---- > Lei1
Temos de começar por ver o que é que a última lei faz. Começamos do fim, até chegar à
nossa. A Lei3 aplica a lei do foro, uma vez que só chama as leis materiais dela. A Lei2 aplica
a Lei3, atendendo apenas as suas leis materiais, ou seja, ignora o facto de esta lei não se
considerar competente e remeter para a lei do foro. A Lei1 remete para a Lei2 por
referência material, aplicando as normas materiais desta. Perante a possibilidade de a lei
do foro admitir reenvio, não vale a pena, não é útil, uma vez que, apesar de respeitado o
artº 18º, CC, cada lei aplicaria uma diferente (ficaria a Lei2 a aplicar uma lei diferente
daquela que as outras duas aplicariam) não seria possível alcançar a harmonia jurídica
internacional;
Lei1 ----(vai depender das demais, mas atenção à regra)---- > Lei2 ----(devolução simples)--- >
Lei3 -----(referência material – requisito obrigatório artº 18º, CC)---- > Lei1
Começando pela última lei: ela aplicaria a lei do foro. A segunda lei, devido à devolução
simples, olharia não só para as normas materiais da Lei3 como também para a sua regra
de conflitos, aplicando a lei que esta indicasse. Neste caso, aplicaria a Lei1 que é a lei que
está a ser indicada (nem importa que seja por referência material, uma vez que na
devolução simples aplica-se “cegamente” a lei que estiver indicada na regra de conflitos
da lei que o foro indicou como sendo a competente, ainda que essa lei não se considere
competente). Por fim, a Lei1 aplicaria a Lei2 pela regra do artº 16º, CC, mas admitindo
reenvio, aplicar-se-ia a si mesma, já que era a lei indicada pela última da cadeia. Deste
modo, com o reenvio por devolução indireta, conseguiríamos a harmonia jurídica e, por
isso, convém aceitar o reenvio;
Lei1 ----(depende das demais, mas atenção à regra)----> Lei2 ----(dupla devolução)----> Lei3 --
--(referência material)---> Lei1
Começando pela Lei3 – aplicaria a Lei1. A Lei2 aplicaria a mesma que a Lei3, fosse qual fosse,
uma vez que atende às suas normas materiais, à sua regra de conflitos e ao seu sistema
de reenvio. (Não dá só um saltinho, se for necessário) Logo, neste caso, aplicaria a Lei1.
Só falta mesmo a Lei1 admitir o reenvio, caso contrário, aplica a Lei2 o que não promove a
harmonia, como o reenvio o faz.
Nota: O artº 18º, CC permite isto? Sim! Não esquecer que devemos fazer uma
interpretação extensiva do artº: devemos ler “remeter direta ou indiretamente para a lei
portuguesa”.
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Aqui, o que importa é que a última lei da cadeia se considere competente. A forma como
lá chegamos (o tipo de remissão feito da Lei2 para a Lei3) é indiferente, desde que essa se
considere competente. Se isto acontecer, aceitamos o reenvio. O artº 17º, CC diz-nos isto.
“Se, porém [está a contradizer o artº 16º, CC], o direito internacional privado da lei referida
pela norma de conflitos portuguesa [Se o DIP da lei que nós indicámos – Lei2, remeter para
uma terceira lei] remeter para outra legislação e esta se considerar competente [critério]
para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado.”
Cuidado no exame: Quando numa cadeia de leis, vemos uma seta para trás, não significa
que tenha havido retorno… Só há retorno quando a lei que “retorna”, o faz para a lei do
foro!! Logo, não deixamos de ter uma transmissão de competências! E mais: o facto de
remeter para outra lei anterior, não significa que não se venha a considerar competente.
Tudo depende do sistema de reenvio adstrito à remissão.
Pode haver lugar a reenvio, ainda assim. Pode acontecer que respeite o requisito do artº
17º, CC. Temos de ver o caso concreto! Pode considerar-se competente indiretamente: se
devolver para a Lei2 por devolução simples ou dupla devolução e esta remeter para a Lei3
através de referência material, então há lugar a reenvio porque só falta a lei do foro
aplicar a lei 3, já que as outras duas aplicam. Fora disto, ou caímos num círculo vicioso
entre as duas últimas leis, ou os resultados não serão harmoniosos.
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Pergunta de exame: Comente a afirmação: Qualquer que seja a ei que escolhamos aplicar,
a harmonia jurídica internacional está salvaguardada, nestes casos.
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Resposta: A afirmação é verdadeira. Se optarmos (nós, lei do foro) por aplicar a nossa lei,
eles farão igual porque têm um sistema de dupla devolução (adotarão a mesma solução
que nós porque não nos remetem apenas para as nossas normas materiais, mas também
para as nossas regras de conflito e sistema de reenvio). Se optarmos por aplicar a Lei2 eles
aplicarão também, pelo mesmo motivo. Logo, podemos escolher, uma vez que o
resultado será igual nos dois países.
Só há uma questão, que se relaciona com o critério de escolha e isto vai ter que ver com
a forma como se interpretam as normas 16º, 17º e 18º, CC. Ferrer Correia defende que
estamos perante uma regra e duas exceções. Neste caso de dúvida e em que concluímos
que não há necessidade de reenvio para haver harmonia jurídica internacional, já que
qualquer solução adotada permitirá esse resultado, devemos escolher aplicar a regra (artº
16º, CC) e fazer referência material à Lei2, aplicando-a. Ela faria o mesmo. Mas para Batista
Machado, estas três normas estão numa relação paritária e, por isso, não se mostra tão
simples assim: Neste caso, como não há necessidade de reenvio para salvaguardar a
harmonia jurídica internacional e não há nenhuma norma que resolva expressamente
esta questão, então devemos optar por aplicar uma lei de acordo com os demais
princípios do DIPrivado (igualdade de tratamento, boa administração da justiça – sendo
que esta implica a aplicação da lei do foro por ser a lei que o juiz decidendo conhece
melhor). Se escolhermos aplicar a nossa lei, o juiz da segunda lei, aplicará também porque
nos irá imitar e, como tal, a harmonia jurídica internacional está salvaguardada.
Como podemos verificar, as soluções são diferentes, consoante a doutrina acolhida.
2. Matérias de Estatuto Pessoal: Estas matérias estão reguladas no artº 25º, CC e, nestes
casos, não podemos aceitar o reenvio qua tale o vimos até aqui, na medida em que este
acarreta o risco de se vir a aplicar uma lei com a qual o indivíduo não tem ligação, não
esperando a sua aplicação. Por isto mesmo, para estas matérias, aplicamos o sistema
especial de reenvio, que é mais exigente do que o regime geral, que vimos até aqui.
Exemplo:
O senhor A, do Madagáscar, mas nasceu na Coreia do Norte. Saiu de Lá em pequeno, não
se identifica com o país e mudou de nacionalidade. Coloca uma questão jurídica nos
tribunais portugueses.
A lei portuguesa remete par a lei do Madagáscar (nacionalidade), mas esta não se
considera competente, remetendo por referência material para a lei norte-coreana (local
de nascimento), que se considera competente (local de nascimento). Assim, na Coreia do
Norte aplica-se a lei própria, no Madagáscar, aplica-se a lei norte-coreana e nós, aceitando
o reenvio, também vamos aplicar. Promovemos, assim, a harmonia jurídica internacional.
Mas pode acontecer que essa não seja a lei com que o indivíduo mais contasse. Neste
caso, não seria, já que ele nem tinha ligações com o país. Estando em causa uma questão
que tenha que ver com o seu estatuto pessoal (casamento, por exemplo), então temos
de recorrer a o sistema especial de reenvio.
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Este regime especial vai impor requisitos extra, que variam consoante estejamos a falar
de uma situação de retorno (artº 18º/2, CC) ou uma situação de transmissão de
competências (artº 17º/2, CC). Já não está em causa apenas uma harmonia jurídica
internacional, mas uma verdadeira harmonia jurídica qualificada, isto é, um acordo entre
as duas leis mais importantes para a pessoa (nacionalidade + residência) sobre a lei
aplicável, admitindo (ambas!) reenvio. Caso contrário, voltamos ao artº 16º, CC, aplicando,
no nosso caso, a lei da nacionalidade (lei que está a ser indicada pela nossa regra de
conflitos).
Este regime é despoletado sempre que a Lei2 (lei que nós indicamos como ser a
competente) for a lei da nacionalidade ou da residência do indivíduo.
Relativamente ao retorno (artº 18º, CC), tendo preenchido o requisito geral do reenvio
(previsto no nº1), é necessário, agora, que cumpra o requisito extra do nº 2, onde só
aceitamos reenvio se:
a. Se o sujeito residia em Portugal (Porque, assim, a lei da nacionalidade manda
aplicar a lei do foro, através de retorno direto e sendo a residência em Portugal,
claro que se rege pela lei portuguesa Harmonia jurídica qualificada, as duas
leis mais importantes estão de acordo);
OU
Quanto aos casos de transmissão de competências (artº 17º, CC), temos de atender ao artº
17º/2, CC, que estabelece causas de cessação do reenvio previsto no nº1, ou seja, não estão
em causa requisitos adicionais, mas situações que, verificadas, afastam a possibilidade de
reenvio:
a. Se o interessado residir habitualmente em a Portugal;
b. Se o interessado residir habitualmente em país cuja norma de conflitos
considere competente a lei da nacionalidade.
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Nota: Será relevante a harmonia jurídica internacional, enquanto critério autónomo de reenvio?
Isto é, podemos aceitar o reenvio em casos em que não se promoveria a harmonia jurídica
internacional (seria irrelevante aceitar o reenvio porque os vários Estados não iriam, de qualquer
forma, aplicar a mesma lei), mas que poderia promover a harmonia jurídica qualificada (casos em
que apesar de não aplicarem, os vários países em causa, a mesma solução, a lei da nacionalidade
a lei da residência se encontram em acordo sobre a lei a aplicar)? Ferrer Correia entende que sim.
Sempre que estiver em causa alcançar a harmonia qualificada, devemos aceitar o reenvio,
independentemente de permitir, antes, a harmonia jurídica internacional. Para Lima Coelho,
apesar de esta ser a solução ideal, a verdade é que não é suscetível de ser levada a cabo porque
não tem fundamento legal para isso.
No entanto, todos os tribunais dão privilégio à harmonia jurídica qualificada, enquanto
fundamento autónomo.
Aceção ampla ou conflitual: Deixamos de sujeitar certos bens à lei que tínhamos selecionado
como a mais próxima, para os sujeitar à lei da situação da coisa sempre que esta, pelas suas
regras de conflito, se considere competente para cuidar do caso. Acontece que, neste ponto,
Ferrer Correia entende que o princípio da maior proximidade não é nem suficiente nem
necessário para o alcance do reconhecimento de sentenças estrangeiras. Não é suficiente
porque pode acontecer que o país para o qual abrimos mão da nossa lei, tenha uma norma que
rejeite o reconhecimento de sentenças estrangeiras no seu país, mesmo que o tribunal
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estrangeiro tenha aplicado a sua lei (é o que acontece no Brasil: eles não reconhecem sentenças
estrangeiras sobre imóveis, mesmo estando eles situados em território brasileiro e mesmo que
o tribunal estrangeiro tenha aplicado a lei brasileira). Por outro lado, não é necessário em casos
que o país para o qual abrimos mão da lei aplicável reconheça sentenças estrangeiras,
independentemente da aplicação da sua lei ou não.
Problema: Pode acontecer que a reativação do reenvio ou a aceitação deste em prol do princípio
da maior proximidade, em detrimento do princípio da harmonia jurídica faça com que se
considere inválida a relação em apreço, quando esta não o seria se tivéssemos recusado o
reenvio (sem harmonia jurídica internacional prévia). Para resolver esta questão, aplica-se o artº
19º, CC, que vem parar o processo do reenvio, mandando aplicar a regra do artº 16º, CC mediante
a verificação dos seguintes requisitos:
1. A solução a que tenhamos chegado tenha sido a de decretar o negócio inválido;
2. O negócio tem de ser válido por intermédio da aplicação da regra presente no artº 16º, CC.
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Nota: O legislador, entre harmonia internacional e favor negotii, opta por este último.
Lima Pinheiro, discorda, afirmando que não se devem exigir requisitos adicionais.
Existem outros limites ao reenvio no art. 19º CC. No nº2 temos um elemento de conexão inimigo
do reenvio, i.e., sempre que a regra de conflitos preveja este elemento de conexão, nunca haverá
reenvio – a vontade das partes. Se foi permitido às partes escolherem a lei aplicável, as suas
expetativas seriam defraudadas se fosse possível o reenvio.
Por outro lado, o favor negotii pode surgir, não como impedimento do reenvio (como acabámos
de ver), mas como fundamento autónomo deste, nomeadamente, nos casos seguintes:
1. Artº 36º, CC;
2. Artº 65º, CC: quando a norma de conflitos da lei do local da celebração remeta para uma
determinada lei, também essas normas serão aplicáveis (conexão múltipla alternativa)
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