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QUALIFICAÇÃO

O problema da qualificação é o problema de saber como reconduzir uma hipótese do


caso a uma determinada regra de conflito.

Quando aparece o repúdio da mulher na Arábia Saudita, qual a lei aplicável em


Portugal? Será válido?

Qualificação Tradicional da qualificação lege fori


De acordo com o método qualificação lege fori, é no foro que encontramos a resposta
ao problema da qualificação – assenta em dois momentos de qualificação:

O problema da qualificação está para a regra de conflitos, como a interpretação está


para a norma material, pelo que este seria essencialmente um problema da competência
do julgador.
Todavia, em Portugal, ao contrário do que sucede na maioria dos sistemas europeus, o
método utilizado para a qualificação não é uma escolha do juiz, que não poderá usar
outro que não aquele está positivado (no art. 15.º CC).

 Quanto às partes da regra de conflitos, a qualificação diz respeito ao conceito-


quadro: queremos saber a que conceito quadro podemos reconduzir a figura do
problema que está à nossa frente.

Não qualificamos os factos do caso:


(1) Qualificação primária ou de competência
De acordo com a qualificação clássica (qualificação lege fori) factos são qualificados à
luz da lei do foro, e daí escolher-se-á uma única regra de conflitos que indicará a lei
competente para todo o caso.

Contudo, comporta bastantes desvantagens e problemas:


(1) Viola-se a paridade de tratamento, toma a perspetiva da lei do foro e
desconsidera as qualificações dadas pelas demais leis;

(2) Não dá resposta a institutos desconhecidos;

(3) Redunda na desarmonia jurídica internacional, visto que a lei aplicável varia
de acordo com a qualificação dada em cada ordenamento jurídico;
Com base nestas dificuldades, a doutrina portuguesa rejeita este método de qualificação.

Método da qualificação lege causae


Emergente dos escritos de WOLFF, entende que a qualificação haverá de ser feitoa pela
lei que é indicada pela regra de conflitos: a lex causae.

Surgem, naturalmente, certos problemas:


(1) Motiva facilmente o conflito positivo de qualificações, em que várias leis se
consideram competentes, por qualificarem diferentemente a mesma matéria;
(2) Operação da qualificação converte-se num ciclo vicioso (lei competente
determina a regra de conflitos a utilizar, mas é pela regra de conflitos que
determinamos a lei competente);
(3) O foro perde em grande medida o controlo sobre as suas opções conflituais
(quando o legislador cria a regra de conflitos, parte de uma determinada ideia
das figuras e institutos; pode suceder que o conceito na lei dita competente seja
diferente, pelo que o âmbito da regra de conflitos diverge daquele que o
legislador pretendera).

O método português da qualificação


O nosso sistema de qualificação esta consagrado no art 15º CC: há uma repartição da
qualificação em dois passos lógicos ou dois problemas essenciais – a interpretação do
conceito-quadro e a qualificação propriamente dita.

NOTAS PRELIMINARES QUANTO AO NOSSO MÉTODO DE QUALIFICAÇÃO


(art. 15.º CC):
1. Vamos utilizar, em simultâneo, várias regras de conflitos
2. Não qualificamos os factos do caso, aquilo que se qualifica (caracteriza) são
normas materiais das várias leis envolvidas.

1.º passo da qualificação


Se vamos reconduzir um problema/caso jurídico ao conceito-quadro, que utiliza
conceitos técnico-jurídicos para determinar o âmbito de aplicação da regra de
conflitos, então temos de interpretar, antes de mais, o conceito-quadro.

Será que os conceitos-quadro se interpretam nos termos da lei material do


foro?
A e B (israelitas), residem em Portugal. Da ultima vez que foram a Israel, decidiram
divorciarem (lá em Israel). Em Israel, o divórcio é um contrato privado.
Sr.ª B veio agora a Portugal e quer mudar o nome dos bens registados em Portugal,
apresentando o documento do divórcio ao conservador.

Esta é uma situação absolutamente internacional (plurilocalizada), porque tem contacto


com vários ordenamentos jurídicos (OJ Israelita, e OJ português).

Será que o conceito-quadro “divórcio”, para efeitos da regra de conflitos do art 55.º
CC, significa o mesmo que o conceito técnico-jurídico “divórcio”, para efeitos da lei
material portuguesa?

O divórcio, no direito português, não é um contrato privado, pois carece da intervenção


de um juiz ou de um conservador do registo civil.

Ora, se nós temos de subsumir o caso concreto no conceito-quadro, então temos de


interpretar o conceito-quadro – todavia, o conceito-quadro utiliza conceitos jurídicos,
e estes, como sabemos, variam de OJ para OJ.

Isto significa que o conceito-quadro da regra de conflitos tem de ser interpretado


forma mais abrangente do que a figura correspondente na lei do foro!

Interpretação do conceito-quadro

De acordo com o nosso sistema, vamos interpretar o conceito quadro à luz da lei do
foro – mas isto não significa que vão ser interpretados à luz do direito material da lei do
foro.
O que significa que vamos interpretar o conceito-quadro através da lei formal do foro: a
regra de conflitos.

Vamos ter de desenvolver uma interpretação do conceito-quadro que seja mais


abrangente do que a figura correspondente prevista na lei portuguesa.
Isto, para conseguirmos reconduzir o caso a regras de conflitos a figuras mesmo perante
figuras que não sejam exatamente iguais às da lei portuguesa.

Interpretação autónoma e teleológica

Vamos interpretar o conceito-quadro de forma autónoma e teleológica – não olhamos


para a lei do foro, mas apenas para a lei formal do foro (interpretação à luz da lei
formal do foro, interpretação específica para o DIP).

→ Autónoma: a interpretação vai ser autónoma da interpretação da lei material, porque


teremos um conceito para o conceito-quadro diferente daquele que é oferecido pela lei
material. O conceito-quadro vai ser interpretado de forma diferente da do conceito
correspondente na lei material.

→ Teleológica: porque vão ser tidos em conta os fins/objetivos próprios da regra de


conflitos.
o Vamos ver quais as figuras que o legislador conflitual pretendeu
abranger no conceito-quadro daquela específica regra de conflitos: as
figuras afins ou similares.

o Vamos interpretar o conceito-quadro de modo a abranger não só as


figuras correspondentes da lei do foro (portuguesa), como todas as
figuras semelhante, próximas, afins da figura correspondente na lei
material.
Fazemos interpretação mais abrangente dos conceitos presentes nas
regras de conflitos (campo mais amplo).
Divórcio para efeitos do art. 55.º CC será um conceito diferente de divórcio para efeitos
do art. 1773.º CC.
Os conceitos-quadro serão, portanto, interpretados de forma mais ampla do que a lei
material.

Exemplo:
Sr. A e Sra. B são portugueses e residem na Alemanha. Na Alemanha constituíram uma
parceria registada (figura que não existe em Portugal – algures situada entre o
casamento e a união de facto).
Entretanto, vêm a Portugal nas férias do Natal e pretendem comprar um prédio. No
entanto, só a Sra. A é que vai ao notário (Sr. B está em isolamento profilático).

Ora, neste caso, é preciso determinar se esse prédio será próprio da Sra. A ou se será um
bem comum dos parceiros.
Será, portanto, necessário determinar os efeitos patrimoniais desta parceria registada.

Esta é uma situação plurilocalizada (absolutamente internacional): ordenamento jurídico


português e alemão.

Ora, no sistema jurídico português não existe nenhuma regra de conflitos sobre a
parceria registada, porque essa figura/instituto não existe no nosso OJ.

VEJAMOS:
O art. 53.º CC é uma regra de conflitos pensada para regimes de bens DO
CASAMENTO.
Podemos utilizar esta regra de conflito para determinar a lei aplicável ao regime de bens
da parceria registada? Será que a parceria registada consegue subsumir-se no conceito-
quadro desta regra de conflitos?

Como vimos, a interpretação do conceito técnico-jurídico “casamento” presente no


conceito-quadro do artigo 53.º CC será diferente da interpretação o conceito de
“casamentos” para efeitos do direito material português.
Será, portanto, uma interpretação autónoma (da interpretação da lei material do foto) e
teleológica (vão ser tidos em conta os fins visados pelo legislador conflitual com a
consagração daquela regra de conflitos).
o A interpretação do conceito-quadro do art. 53.º CC vai abranger, não só o
casamento tal como a lei material portuguesa o prevê, como ainda todas as
figuras afins, similares do nosso conceito material de casamento que o legislador
conflitual terá querido abranger.

Ora, o regime de bens da parceria registada é uma figura similar/afim/próxima do


regime de bens do casamento.
Interpretamos, assim, o conceito-quadro do art. 53.º CC de forma ampla, pelo que
abrangemos na regra de conflitos do art. 53.º CC figuras afins e similares àquela que a
nossa lei conhece, como é caso da parceria registada.

Interpretamos o conceito de forma mais ampla – de forma autónoma e teleológica,


tentando abranger aqui, não só as figuras correspondentes da lei portuguesa, como todas
as figuras próximas, afins (quaisquer adoções conjuntas – porque o legislador conflitual,
com tal regra de conflitos, não pretendeu abranger apenas a adoção entre marido e
mulher, mas todas as adoções conjuntas).

Outro exemplo:
E se se tratar de uma adoção de facto feita por um marido e uma mulher, nos Estados
Unidos, através de contrato privado.

A adoção em Portugal é decretada por um juiz; nos Estados Unidos não é.

Adoção para efeitos do art. 60.º CC não é adoção para o direito material português,
porque, para efeito da regra de conflitos, fazemos uma interpretação autónoma e
teleológica do conceito-quadro regra de conflitos do art. 60.º CC – vamos abranger no
âmbito do conceito de “adoção” todas as figuras afins, próximas do conceito de adoção
da lei portuguesa.

Com esta interpretação ampla, podemos utilizar o art. 60.º CC para determinar a lei
aplicável a esta adoção ocorrida privadamente.
EM SUMA:
Vamos interpretar cada conceito quadro de forma autónoma, isto é, vamos ter um
conceito especial e diferente para as regras de conflito; e teleológica, isto é, de forma
mais ampla – de acordo com a intenção do legislador, para que possamos subsumir nele
as figuras que nos apareçam.
 Assim, garantimos a paridade de tratamento.

O objeto da qualificação (a qualificação propriamente


dita)

A resposta é dada pelo art. 15.º CC.

Em cada caso não é escolhida apenas uma regra de conflitos, e muito menos uma única
lei competente: elencamos um conjunto de regras de conflitos, determinando que, para
certas matérias valerão as normas da lei competente que, pelo seu conteúdo material e
pela sua função político-legislativa nesse ordenamento jurídico, devam considerar-se
relativas ao instituto detetado (através da interpretação autónoma e teleológica) no
conceito-quadro.

No art. 30º CC, o legislador menciona os institutos análogos, mostrando-nos que


pretende que se faça uma interpretação muito abrangente do conceito-quadro.

ART. 15.º CCivil


“Somente” – significa que vamos aplicar apenas algumas normas da lei competente.
As regras de conflitos fazem uma indicação parcial.

No nosso método de qualificação (art. 15º) não qualificamos factos – não


perguntamos que tipo de problema é esse. Isto significa que não vamos usar uma, mas
sim várias regras de conflitos.
 Isto é, o sistema de qualificação português não faz qualificação primária – usa
várias regras de conflitos simultaneamente.
Cada regra de conflitos manda aplicar uma lei parcialmente (art. 15º CC) – só se
aplica a parte da lei que sejam as normas que, pelo seu conteúdo e função que têm,
sejam relativas à matéria do conceito quadro (qualificação em sentido rigoroso).

Assim, nos termos do art. 15.º CC, a competência atribuída a uma lei abrange: «somente
as normas que (…) integram o regime do instituto visado na regra de conflitos».

Como sabemos qual o instituto visado pela regra de conflitos?  Através do


conceito-quadro.
Só se aplicam, portanto, (não todas as normas do lei competente), mas apenas
as normas relativas ao conceito-quadro da regra de conflitos.

Vamos aplicar a matérias diferentes, leis diferentes.

Os elementos relevantes para fazer esta qualificação de normas materiais são o seu
conteúdo (os seus efeitos jurídicos) e a sua função (a sua ratio legis, política
legislativa).

O art. 15º não manda olhar para a inserção sistemática das normas – mas sim para
o conteúdo e função. Pode haver normas de direito da família que estejam na parte das
obrigações.

 Vamos atender ao conteúdo e função das normas na lei a que pertencem.

CONTEÚDO
Conteúdo = efeito jurídico

Vamos atender ao efeito jurídico das normas para a podermos qualificar/caracterizar –


para a podermos enquadrar num determinado conceito-quadro.
É irrelevante, para nós, que tipo de problema é este: vamos qualificar as normas de
acordo com o conteúdo das normas na lei a que pertencem.

FUNÇÃO
Para qualificarmos a normas, vamos atentar na sua ratio legis. Isto é, temos de atentar
nas políticas legislativas das leis envolvidas para a podermos qualificar.
Exemplo:
Sr. A e Sra. B têm nacionalidade portuguesa e residem na Suíça.
Celebraram em Portugal o contrato de compra e venda de um prédio situado na Suíça.
Escolheram como aplicável ao contrato a lei portuguesa.

Coloca-se um problema: A ainda não entregou o prédio a B, e B não registou.


Mas B diz que já é proprietário do prédio. A não concorda.

A e B colocaram esta questão perante um tribunal português.

Esta é uma situação absolutamente internacional, pois está conectada com mais do
que um ordenamento jurídico: OJ português e o OJ suíço.
Logo, é objeto do DIP.

1.º problema – competência internacional dos tribunais portugueses. Presumimos


a sua competência.
2.º problema – lei aplicável
3.º problema (eventual) – problema do reconhecimento das sentenças
estrangeiras.

Como é que se vai resolver este problema?


Regras de conflitos mobilizáveis:
 Art. 46.º CC
 Art. 3.º Reg. Roma I

Note-se: no método português de qualificação utilizamos várias regras de conflitos em


simultâneo, porque não vamos qualificar facto à luz da lei portuguesa.

Utilizamos, em simultâneo, várias regras de conflitos e, cada uma delas vai mandar
aplicar uma lei, só em parte (parcialmente).

Art. 46.º CC:


 Conceito-quadro – posse, propriedade e demais direitos reais
Para efeitos do art. 46.º CC interpretamos o conceito de “Direitos reais” de forma
autónoma e teleológica (é uma interpretação mais ampla, pois vão caber aqui nãos só os
direitos reais que a lei portuguesa conhece, como todas as figuras afins, próximas.

 Elemento de conexão – local onde a coisa se encontra situada.


A coisa encontra-se situada na Suíça.
Lei aplicável  Lei Suíça.
Art. 3.º Reg. Roma I:
 Conceito-quadro – contrato/obrigações contratuais
 Elemento de conexão – escolha das partes.
As partes escolheram a lei portuguesa.

Como vamos aplicar, em simultâneo, várias regras de conflitos – chegados a este ponto
– temos de fazer uma leitura da regra de conflitos à luz do art. 15.º CC.

● Em matéria de direitos reais  aplica-se a lei Suíça, mas não é toda a lei
Suíça. São somente as normas da lei Suíça que, pelo seu conteúdo e pela função
que desempenha na lei Suíça, digam respeito ao regime dos direitos reais.

● Em matéria de contratos  é aplicável a lei portuguesa. Todavia, somente as


normas portuguesas que, pelo seu conteúdo (efeito jurídico) e pela função que
desempenham na lei portuguesa (pela sua política legislativa), sejam relativas ao
relativas a matéria de contratos.

Ora, de acordo com o método de qualificação português não qualificamos factos, mas
sim normas materiais de todas as leis que estejam dos OJ que estiverem a ser chamados.

IN CASU:
Quanto ao problema sub judice (a quem pertence, afinal, a propriedade do prédio) – a
lei portuguesa resolve esta questão através do princípio da consensualidade (art.
408.º/1 CC): de acordo com o qual os direitos reais constituem-se ou transferem-se por
mero efeito do contrato.

Art. 432.º do CCivil Suíço – determina que os direitos reais só se transferem depois da
celebração do contrato + (e) depois do registo (sistema de título e de modo).

Ora, agora temos de qualificar/caracterizar estas normas potencialmente aplicáveis, à


luz do seu conteúdo e da função que desempenham na lei a que pertencem:

Art. 408.º/1 CC português:


Conteúdo (efeito jurídico) – estabelecer o modo/sistema de constituição e transmissão
de Direitos Reais – sistema de título.

Função (ratio legis) – o legislador estabeleceu esta solução para facilitar e simplificar o
comércio jurídico sobre coisas.
Vamos agora qualificar (caracterizar), isto é enquadrar esta norma num conceito-
quadro:
Esta é uma norma sobre direitos reais (o legislador regula matéria de direitos reais no
art. 408.º CC).
o Esta norma vai enquadrar-se no conceito-quadro do art. 46.º CC.

ASSIM:
 Como em matéria de direitos reais aplicamos normas da lei Suíça, então a norma do
art. 408.º CC não pode aplicar-se neste caso.

Art. 432.º do CCivil Suíço:

Conteúdo (efeito jurídico) – estabelecer o modo/sistema de constituição e transmissão


de Direitos Reais – sistema de título e modo.

Função (ratio legis) – a política legislativa por detrás desta norma é a de promover uma
maior segurança jurídica na situação do prédios.

Qualificação da norma:
Esta é uma norma sobre direitos reais – logo subsume-se no conceito-quadro do art. 46.º
CC.

 Como em matéria de direitos reais aplicamos normas da lei Suíça, e esta é uma norma
Suíça sobre Direitos reais, pelo que aplicamos esta norma.

IN CASU:
No caso em apreço, o prédio ainda não se transmitiu a B, porque, segundo a lei Suíça, a
propriedade só se transmite depois de estar registado. Como o senhor B não registou o
prédio, então a propriedade ainda não se transmitiu.
 A propriedade do prédio pertence a A.

E se o Sr. B decidir, nestes termos, pedir uma indemnização com base em


responsabilidade contratual?
Em matéria de contratos  é aplicável a lei portuguesa (as normas da lei portuguesa
relativas a responsabilidade contratual).
CONFLITOS DE QUALIFICAÇÕES
No método tradicional de qualificação, utiliza-se apenas uma regra de conflitos –
consequentemente, só se aplica uma lei.

No método de qualificação do sistema português – Aplicamos leis diferentes, a matérias


diferentes – de cada lei, chamamos apenas uma parte.

Com a aplicação de leis diferentes a matérias diferentes podem surgir resultados


incompatíveis – o que não acontece no sistema tradicional, porque apenas uma lei é
competente.
À partida, isto não acontece: aplicamos leis diferentes, mas são aplicadas a matérias
diferentes.

Ainda assim, as matérias jurídicas não são estanques – portanto podem surgir estas
situações: são os conflitos de qualificações – que motivam uma parte dos autores a
tomar partido do método tradicional.

 Os conflitos de qualificações podem ser positivos, quando aplicamos leis


diferentes a matérias diferentes e as normas em causa dos diferentes
ordenamentos jurídicos são incompatíveis.

Existem normas da lei x matéria de cônjuges; y em sucessões; mas conflituam umas


com os outros.

Ou podem ser negativos, quando aplicamos leis diferentes a matérias diferentes, mas
para uma das leis não exista norma sobre o caso concreto. Isto é, podemos não encontrar
nas leis competentes, normas da matéria pela qual foram chamadas.

a) Conflitos positivos de qualificações


● À matéria da regularidade substancial do casamento  aplica-se a lei na
nacionalidade cada nubente  lei alemã.
● À validade formal do casamento  lei do local da celebração do casamento  lei
grega.

Interpretação das regras de conflitos à luz do art. 15.º CC:

Em matéria regularidade substancial do casamento  aplica-se a lei alemã. Não toda


a lei alemã, mas apenas as normas da lei alemã que, pelo seu conteúdo e função que
desempenham na lei alemã, sejam relativas aos requisitos substantivos do casamento.

NORMA ALEMÃ:
Conteúdo (efeito jurídico) – aponta para os requisitos substanciais da validade do
casamento (o conceito só é substancialmente válido se prestado perante uma autoridade
estadual).
 Subsume-se na regra de conflitos do art. 49.º CC

Função (ratio legis) – validade do casamento.

ASSIM: Como em matéria relativa aos requisitos substantivos do casamento


aplicamos normas da lei alemã  esta norma aplica-se.
Logo, segundo esta norma, como não houve prestação de consentimento perante
uma autoridade estadual  o casamento é nulo.

Em matéria de forma do casamento  aplica-se a lei grega.


Não se aplica toda a lei grega, mas apenas as normas da lei grega que, pelo seu
conteúdo e função que desempenham na lei grega, sejam relativas aos requisitos formais
do casamento.

NORMA GREGA:
Conteúdo (efeito jurídico) – é uma norma sobre a forma do casamento (que diz que a
forma do casamento é necessariamente a forma religiosa, celebrado perante um
sacerdote ortodoxo).
 Subsume-se na regra de conflitos do art. 49.º CC

Função (ratio legis) – validade do casamento.

ASSIM: Como em matéria relativa à forma do casamento se aplicam normas da


lei grega  esta norma aplica-se.
Logo, segundo esta norma, como o casamento foi celebrado perante um
sacerdote ortodoxo  o casamento é válido.

TEMOS AQUI UM CONFLITO POSITIVO DE QUALIFICAÇÕES.

Este conflito nunca aparece na teoria tradicional da qualificação, porque de acordo com
este método, só se aplica um única regra de conflitos, logo, só se aplica uma única lei.

SOLUÇÃO:

O método seguido pela Escola de Coimbra é seguido por toda a jurisprudência.

 Vamos sacrificar uma das leis competentes.

Antes disso, vejamos algumas questões prévias:

(1) Devemos escolher entre regras de conflitos ou comparamos as soluções materiais?


A Escola de Coimbra entende que devemos escolher entre as regras de conflitos,
porque a disciplina que criou o problema foram as regras de conflitos, pelo DIP,
portanto deve ser dentro dele resolvido. Ainda assim, a doutrina coimbrã também diz
que nem sempre é possível fazê-lo.

HIERAQUIZAÇÃO DAS REGRAS DE CONFLITOS


Estas são as chamadas hierarquizações das qualificações das regras de conflitos,
guiadas por três critérios:
→ Entre substância e forma, aplicamos a lei à substância e não a lei aplicável à
forma.
o Isto acontece por motivos de proximidade – enquanto que a conexão
substancial é orientada pela proximidade; a conexão da forma é
orientada por um resultado (princípio do favor negotii). Quanto à
substância o legislador escolhe a lei que considera ser
verdadeiramente mais próxima: prevalece a lei aplicável à substância.
Quanto à forma o legislador não está preocupado com a lei mais
próxima, orienta-se com outras finalidades.

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