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QUALIFICAÇÃO

 
42. Objecto
O objecto da qualificação são as normas materiais que tê que ser
caracterizadas pelo seu conteúdo e função que têm na ordem jurídica em que
se inserem.
Prof. Pamplona Côrte-real: qualifica-se o problema com vista a uma solução
concreta, não adopta o método das tentativas.
Podem existir situações da vida social cuja delimitação jurídica implique que
várias ordens jurídicas em referência sejam chamadas para resolução de uma
mesma questão. A qualificação divide-se em:
e)     Conflitos positivos de qualificação: quando há concurso de normas (de
conflito) chamadas a regular uma questão;
f)       Conflitos negativos de qualificação: quando existe um vácuo, quando
faltam normas para regular uma questão.
 
43. Conflitos positivos de qualificação
Sugerem quando à face de um determinado sistema de normas de conflitos,
duas ou mais normas de conflitos aparecem como que a reclamar,
simultaneamente, a sua aplicação a uma certa situação da vida.
Exemplo:
A e B de nacionalidade grega, celebram na RFA, casamento civil. À face do
direito grego anterior, o casamento de dois gregos ortodoxos tinha de ser
celebrado segundo o rito ortodoxo. Esta exigência, perante a ordem jurídica
grega, respeitava à validade substancial do casamento.
Por seu turno, o direito alemão previa um único modo de celebração do
casamento, o civil, do qual fazia depender a validade formal do casamento.
A questão que se discute é a validade ou não de um casamento entre
cidadãos gregos A e B, celebrado na RFA e segundo a lei alemã, na forma civil
pública, prescrita por este último direito.
Perante o direito de conflitos português (a questão está a ser discutida em
Portugal) o direito grego é o aplicável à validade substancial deste casamento,
porque:
1)     É o direito chamado pela norma de conflitos do art. 49º CC;
2)     As normas de direito grego, caracterizadas perante a ordem jurídica em
que se inserem respeitam à validade substancial do casamento, logo,
podem ser subsumidas na norma de conflitos do art. 49º CC que se
refere, precisamente, à questão da validade substancial do casamento.
Porém o direito alemão é o direito do país de celebração do casamento,
assim:
1)     É o direito chamado pela norma de conflitos do art. 50º CC;
2)     As normas de direito alemão caracterizadas na ordem jurídica em que se
inserem, referem-se à validade formal do casamento e podem ser
subsumidas na norma de conflitos do art. 50º CC.
Está-se, portanto, perante um autêntico conflito positivo em matéria de
qualificação uma vez que a regulamentação, resultante de ambas as ordens
jurídicas em presença e dos dois grupos de normas materiais em presença é
contraditória: ambos os grupos de normas materiais – por um lado, as normas
de direito grego, por outro, as normas de direito alemão – reclamam a sua
aplicação ao caso e são chamados por duas normas de conflitos do foro, estas
mesmas normas materiais regulam a questão contraditoriamente:
1)     Segundo o direito grego, regulador da questão da substância o
casamento seria inválido;
2)     Por aplicação do direito alemão, regulador da questão formal o
casamento seria válido (art. 50º CC).
Dado que o Código Civil é omisso neste problema a doutrina apresenta
solução para este conflito positivo, adaptando uma posição da Prof. Magalhães
Collaço.
Por via do método das tentativas, tenta-se encontrar uma regulamentação
material que se aproxime mais com a nossa, se não, tenta-se novamente até
encontrar uma norma do ordenamento jurídico que possa ser encontrada para
regular a questão que se aproprie em termos ou funções e conteúdo.
Subjacente a esta ordem de ideias, por este método das tentativas podia-se
encontrar soluções antagónicas. Se escolher entre L2 e L3 entre artigos de
obrigações ou reais, é difícil ao aplicador do direito escolher um ou outro.
Daí que a Prof. Magalhães Collaço encontrou outra solução que é o método
das equivalências. Vai então assentar a sua razão de ser numa questão de
oposição de prevalência.
Para a resolução dos conflitos positivos de qualificação a Prof. Magalhães
Collaço aponta as seguintes soluções:
1)     Definição de uma relação hierárquica entre qualificações:
       Qualificação “substância” prevalece sobre a qualificação “forma”;
       Qualificação “estatuto real” prevalece sobre o “estatuto sucessório”.
2)     Instituto da adaptação;
3)     Solução “ad hoc”.
No exemplo referido, a qualificação “substância” prevalecia sobre a
qualificação “forma”, por isso o casamento seria inválido à luz do direito grego.
 
44. Conflitos negativos
Aqui é possível pelo menos à primeira vista, descobrir através das normas
de conflito do foro, qualquer regra material susceptível de regular a questão
privada internacional em causa. E isto, apesar de se verificar que a questão
admite tutela porque, em si mesma considerada, pode ser reconduzida a uma
das categorias típicas da tutela admitidas em abstracto, em cada uma das
ordens jurídicas conectadas com a situação privada internacional.
A, cidadão inglês, faleceu intestado com último domicílio em Portugal e
deixou bens imóveis no nosso pais. A, era solteiro e não deixou descendentes.
Perante um tribunal português coloca-se a questão de saber qual o destino dos
bens imóveis deixados por A.
A lei reguladora da questão sucessória, por aplicação da norma de conflitos
do art. 62º CC conjugada com o art. 31º/1 CC e com o art. 20º CC é, por
hipótese, a lei inglesa. No direito inglês, encontra-se uma norma que atribui à
Coroa Britânica e outras entidades, um direito de apropriação relativamente a
bens deixados vagos no seu território.
Este direito atribuído à Coroa Britânica tem natureza pública sendo possível
aproximá-lo de um direito real. Portanto, por simplificação, dir-se-á que se trata
de uma norma que, caracteriza na ordem jurídica em que se insere, respeita
aos direitos reais. Todavia, esta mesma norma, correctamente interpretada na
ordem jurídica em que se insere, abrangeria apenas, bens situados na
Inglaterra.
Perante um tribunal português poderá esta norma ser invocada?
Impõe-se saber se ela é subsumível na norma de conflitos do art. 62º CC.
Mas a resposta é negativa porque esta norma inglesa era uma competência
que se restringia Às normas relativas à questão sucessória.
A Coroa Britânica não pode fazer valer o seu direito de apropriação
relativamente a imóveis situados em Portugal, para além do mais, a norma
referia-se apenas aos bens situados na Inglaterra.
Poderão, então o Estado, devidamente reivindicar um direito como sucessor
de A, tendo em conta as normas dos arts. 2252º segs. CC?
Estas normas do direito português, devidamente caracterizadas na ordem
jurídica portuguesa, são normas de carácter sucessório e que, portanto, se
poderiam subsumir à norma do art. 62º CC só que esta norma de conflitos não
designa como aplicável a lei portuguesa, mas a lei inglesa.
Mas serão estas normas de direito material português, subsumíveis a outra
norma de conflitos? Eventualmente, o direito português poderia ser designado
por outra norma de conflitos por ex., a do art. 46º CC que respeita a direito
reais e designa como aplicável a lei do lugar da situação dos bens, logo, o
direito português. Simplesmente, as normas dos arts. 2252º segs. CC
apresentam natureza sucessória, donde não se poder subsumi-las na norma
do art. 46º CC.
Surge assim, um vácuo de normas, falta de normas ou, dito de outro modo,
um conflito negativo de qualificação.
Não tem nenhuma norma quanto àquela questão então não é matéria
sucessória, é de direitos reais, logo falha em termos de função e conteúdo. Há
uma falha de qualificação.
Também aqui a Prof. Magalhães Collaço apresenta soluções.
Também aqui nos conflitos negativos tem-se de achar um método das
prevalências, uma relação hierárquica de prevalência.
Tem-se de fazer alguma opção ou ter algum conteúdo para escolher a
norma de conflitos.
Vai-se escolher uma com uma determinada natureza jurídica em deterimento
de outra, designadamente:
        A substância prevalece sobre a forma;
        O estatuto real prevalece sobre o estatuto sucessório, desde que não
colida com o princípio da ordem pública do Estado português.
Há também uma doutrina muito recente sobre esta questão do Prof.
Marques dos Santos que é o instituto da adaptação1 . [18]

Nos conflitos negativos de qualificação pode-se proceder a uma ajustamento


técnico do elemento de conexão. Ou seja, por via da adaptação tem contornos
muito fluidos, é difícil esta técnica e surge a necessidade de corrigir ou ajustar
os resultados de aplicação automática das normas de conflito. Por via deste
instituto admite-se a possibilidade de a norma de conflitos que aponta ou
remete para um determinado caminho dele se afastar para resolver um caso.
Marques dos Santos entende também que só há um artigo no Código Civil
no que toca às normas de conflito, mas surge aqui um afloramento da adapta
1[18]
A adaptação é um ajustamento do elemento de conexão no sentido de tentar a solução para uma determinada
questão.
que nem sequer é adaptação, arts. 26º/2 e 68º/ CC presume-se que faleceram
ao mesmo tempo. Por via desta subsunção pode-se ter o afloramento da teoria
da adaptação.
A última solução é a construção por via de normas “ad hoc”, é o próprio
aplicador do direito que irá criar uma norma que irá regular a questão.
        Art. 64º-c CC: admissibilidade do testamento de mão comum;
        Art. 63º CC: capacidade para modificar ou revogar uma disposição por
morte.
 
45. Objecto/conteúdo da qualificação
A qualificação tem três momentos:
1º     Momento: interpretação de conceitos
       Teleológica: interpretação absoluta ou abrangente;
       Lex fori: caracteriza-se o elemento de conexão e designa-se um
ordenamento jurídico.
2º     Momento: limitação do objecto2 da qualificação.
[19]

3º     Momento: qualificação propriamente dita, art. 15º CC.


O art. 15º CC:
“A competência atribuída…” é pela norma de conflito – há um controlo
absoluto da lei do foro, e este controlo da lex fori é feito pela respectiva
interpretação do objecto.
Preconiza-se a interpretação das normas de conflito pela lei do foro, e nesta
lei do foro que há o controlo absoluto.
A competência implica a tripartição da qualificação: por via da interpretação
(lei do foro) e subsunção das normas de conflito, passa-se à terceira parte do
artigo.
Por via da subsunção abrange-se as normas materiais, não do Direito
Internacional Privado que pelo seu conteúdo e função integram o regime do
instituto visado na regra de conflitos.
Podem existir situações da vida social cuja limitação jurídica implique várias
ordens jurídicas em referência, isto é, para uma situação podem ser chamadas
várias ordens jurídicas a regular a situação. São os chamados conflitos
positivos ou negativos da qualificação, isto é, os conflitos mais da qualificação
surgem quando há concurso de normas chamadas para regular a mesma
questão, e à contrário sensu, tem-se os conflitos negativos de qualificação que
surgem quando existe um vácuo nestas mesmas normas.
 
 PARTE ESPECIAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
 
50. Direito das obrigações
Para as obrigações (provenientes de negócios jurídicos) a regra de conflitos
básica é a do art. 41º CC: a lei competente é a que tiver sido designada pelas
partes ou estas houverem tido em vista. Na falta de determinação da lei
competente nos termos do art. 41º CC intervém o critério supletivo do art. 42º
CC por força do qual serão aplicáveis:
a)     Aos negócios jurídicos unilaterais, a lei da residência habitual do
declarante;
b)     Aos contratos, a lei da residência habitual comum das partes e, na falta
de residência comum:
2[19]
É a norma material que vamos qualificar.
i)       Aos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui
o benefício;
ii)     Aos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.
O princípio da autonomia: em matéria de obrigações procedentes de
negócios jurídicos, e designadamente em matéria de contratos, prevalece os
interesses das partes. Os interesses do tráfico jurídico ou da tutela de terceiros
têm, neste domínio, pouca ou nenhuma expressão. É, portanto, em atenção ao
interesse das partes que se deve determinar a conexão ou “localização”
decisiva dos negócios jurídicos.
O Código Civil no art. 41º/2 adoptou a seguinte posição:
a)     Se a escolha das partes recair sobre uma das leis com as quais o
negócio, através dos seus vários elementos (sujeitos, declaração,
objecto, execução, sanção), tenha uma conexão objectiva, ela será sem
mais relevante;
b)     Se não for esse o caso, então apenas será atendível se “recair sobre a
lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes”.
Admite-se portanto, que a escolha possa recair sobre uma lei não ligada
ao negócio por qualquer conexão objectiva, mas neste caso haverá que
examinar se tal escolha foi motivada por um interesse sério e digno de
tutela – ou se foi apenas determinada por motivos caprichosos ou
fraudulentos.
 
51.     Direitos reais
a)     Princípio básico da “lex rei sitae”
Segundo o art. 46º/1 CC é a lei do Estado em cujo território, as coisas se
acham situadas que se aplica à posse, à propriedade e aos demais direitos
reais. Pelo que respeita aos imóveis, este princípio da lex rei sitae tem atrás de
si uma longa tradição. O mesmo princípio se aplica hoje aos móveis. Quanto a
estes, porém, a tradição mais antiga fundava-se na máxima mobília personan
sequuntur, mandando aplicar a lei pessoal (lei do domicílio) do titular do direito
real. O recurso à lei pessoal ainda hoje se torna necessário pelo que respeita a
coisas situadas em territórios que se não acham integrados em qualquer
soberania estadual.
Depois de estabelecer no n.º 1 o estatuto básico dos direitos reais e da
posse, o art. 46º/2 e 3 CC define dois estatutos especiais: um para a res in
transito, isto é, para as coisas que são objecto de um transporte internacional,
enquanto atravessam o território de um país com destino a outro país; e outro
para os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula. As
primeiras, manda-se aplicar a lei do país do destino, e aos segundos a lei do
país de matrícula.
Por último, no que respeita à capacidade para constituir direitos reais sobre
imóveis ou para dispor deles, o art. 47º CC faz uma remissão condicionada à
lex rei sitae, mandando aplicar esta lei, desde que ela assim determine. Não
sendo este o caso, vale a regra geral, isto é, aplica-se a lei pessoal.
b)     Âmbito de aplicação do estatuto real
Conforme resulta do art. 46º CC é por este estatuto que se rege a
constituição, a transferência e a extinção da posse, da propriedade e dos
demais direitos reais. Por ele se determinam, desde logo, a classificação das
coisas, na medida em que esta classificação das coisas, na medida em que
esta classificação interessa ao regime de direito material das mesas, os tipos
de direitos reais admissíveis, as coisas susceptíveis de apropriação, os limites
de propriedade, etc.
 
52.     Direito da família
Segundo o art. 49º CC os requisitos de validade intrínseca do casamento, ou
seja, a falta e vícios do consentimento e a capacidade negocial são regulados,
em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal de cada nubente que se
apreciará, desde logo, quais as características que deve revestir o
consentimento, quais as consequências da divergência intencional entre a
vontade e a declaração (casamento simulado), do erro (simples ou qualificado
por dolo, quando esta qualificação revele) e da coacção. A mesma lei
determina ainda a habilitas ad núpcias, ou seja, toda a matéria de
impedimentos matrimoniais.
Quando ambos os nubente têm a mesma lei pessoal, nenhuma dificuldade
particular se levanta, visto ser uma única lei a reger a constituição do estado de
casado. Tendo os nubentes leis diferentes, importa coordenar as duas leis
pessoais. Conforme resulta claramente do art. 49º o nosso legislador seguiu o
princípio da aplicação distributiva (e não cumulativa) das duas leis: aplica-se
em relação a cada nubente, a respectiva lei pessoal.
 
53.     Separação de pessoas, bens e divórcio
São muito acusadas as divergências entre as várias legislações neste
domínio de matérias. Por isso, e porque os problemas da separação e do
divórcio contendem com a própria concepção do casamento e da família,
matéria sobre maneira melindrosa, não admira que este seja o campo em que
com maior frequência e intensidade intervém a excepção da ordem pública,
para afastar a aplicação do direito estrangeiro. Assim, entende-se que um
tribunal português não deverá decretar o divórcio, mesmo entre estrangeiros,
por fundamentos que não sejam para a lei portuguesa.
O art. 55º/1 CC determina como lei aplicável à separação judicial de pessoas
e bens e ao divórcio a lei designada pelos critérios estabelecidos no art. 52º
CC. É essa, com efeito, a lei que fornece o estatuto básico da sociedade
familiar (ver também art. 57º CC). A conexão decisiva em causa é, pois, uma
conexão móvel, tal como aliás é postulado pela regra da submissão do estatuto
pessoal à lei nova. A conexão decisiva há-de ser aquela que se verificar à data
da acção do divórcio – e, designadamente, no dia da audiência de discussão e
julgamento, se houver mudança entre a data da proposição da acção e a do
julgamento.
 
54.     Direito das sucessões
Pelo que respeita à determinação do estatuto sucessório básico ou estatuto
sucessório tout court, deve partir-se da consideração de que hoje prevalece
toda a parte, no plano do direito material, a ideia de que a devolução de todos
os elementos da herança deve ser submetida às mesas regras, de acordo com
a noção romanista de que a sucessão opera a transmissão de uma
universalidade jurídica.
Ao estatuto sucessório cabe em geral regular todas as questões relativas à
abertura, devolução, transmissão e partilha de herança. Desde logo, compete-
lhe regular a abertura da sucessão é, em toda a parte, a morte física. Mas
poderá porventura ser ainda a morte civil ou a entrada cara o claustro. As
presunções de morte e de sobrevivência, devem ser reguladas também pela lei
pessoal. Isto mesmo que se trate de presunções relativas a pessoas
reciprocamente sucessíveis e que faleceram num mesmo acontecimento
(comoriência). Quanto a este ponto, porém, não falta quem considere, sobre
tudo na doutrina francesa, as presunções de sobrevivência como verdadeiras
regras de devolução sucessória.
Ao estatuto sucessório cabe igualmente determinar o âmbito da sucessão. E
de igual forma regulada pela lei da sucessão a capacidade sucessória, ou seja,
a questão de saber quem tem capacidade para adquirir mortis causa.

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