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Esquema para as Subturmas 10 e 12 de IED, Turma B, 2021/2022

I. Interpretação jurídica e integração de lacunas

 Em sede de interpretação jurídica, está o intérprete vinculado (art. 9.º/1 CC) a atender
aos quatro elementos da interpretação (o literal e o sistemático, teleológico e
histórico).
 O elemento literal goza de primazia sobre os demais, exercendo uma dupla função: é
ponto de partida (base textual da interpretação) e crivo final (o resultado final não
dispensa correspondência mínima com a letra da lei – 9.º/2 CC).

1. Natureza da interpretação:
 Castanheira Neves (“CN”): trata-se de operação de natureza sistemática (atende ao
enunciado normativo e à sua colocação no regime) e problemática (atende ao caso
que convoca o enunciado normativo).

2. Resultados possíveis da interpretação:

a) Declarativa: existe coincidência entre letra e espírito da norma, decorrendo o


conteúdo normativo do contexto das situações reguladas;

Oliveira Ascensão (“OA”) e Miguel Teixeira de Sousa (“MTS”) propõem ainda a


seguinte classificação (Romano Martinez – “RM” – discorda por considerar
pouco útil):

 Declarativa média: existe coincidência entre o significado literal e o espírito da


lei; porém, o significado da lei é o seu significado literal mais óbvio ou evidente.

 Declarativa restrita: existe coincidência entre o significado literal e o espírito da


lei; porém, o significado da lei é o seu significado literal o menor extenso
possível.

 Declarativa lata: existe coincidência entre o significado literal e o espírito da lei;


porém, o significado da lei é o seu significado literal o mais extenso possível.

b) Enunciativa (discute-se se é um processo autónomo de determinação do sentido


normativo ou se é mero complemento da interpretação declarativa): extraem-se
inferências lógicas do conteúdo imediato da regra.

 Argumento a fortiori (“por maioria de razão”): argumento segundo o qual se a


verificação de uma causa em certo grau/intensidade justifica certa conclusão, esta
conclusão não pode ser negada se se verificar a mesma causa em maior
grau/intensidade.
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 Argumento ad maius: conclui-se que se uma regra proíbe o menos estará proibido
o mais.

 Argumento ad minus: retira-se que se uma regra permite o mais estará permitido
o menos.

 Argumento a contrario sensu: retira-se o conteúdo da regra geral do facto de a


regra excepcional conter uma solução oposta.

c) Restritiva: espírito da norma é mais restrito que o seu sentido literal possível,
restringindo-o.

Ex: Artigo 282.º CC: como fundamento para qualificar um negócio como usurário,
alude-se a explorar o «estado mental», entendendo-se restritivamente que será
unicamente uma exploração do estado mental depressivo.

d) Extensiva: espírito da norma extravasa sentido literal imediato, expandindo-o;

Ex: Artigo 126.º CC: determina-se que o menor que tenha usado de dolo não pode
invocar a anulabilidade, e, por interpretação extensiva, admite-se que os
representantes legais do menor que tenha usado de dolo também estão impedidos
de invocar a anulabilidade do acto.

e) Ab-rogante: findo o processo interpretativo nos termos do art. 9.º CC, da


interpretação não resulta qualquer sentido útil; da proposição jurídica não se retira
qualquer critério de orientação ou decisão num caso concreto. É uma modalidade
de admissibilidade discutível.

f) Interpretação correctiva: findo o processo interpretativo nos termos do art. 9.º


CC, da interpretação da norma conclui-se que o sentido a que se chega é
inadmissível, incongruente ou inaceitável, tendo em conta princípios fundamentais
e a unidade do sistema jurídico. Dir-se-á que o legislador se enganou e o intérprete
tem de o corrigir. É uma modalidade de admissibilidade discutível.
g) Redução teleológica: findo o processo interpretativo nos termos do art. 9.º CC,
constata-se que o fim da norma é mais restrito do que a sua letra e semanticamente
incompatível com esta; restringe-se o sentido da norma em razão do fim
prosseguido pela lei. Pode considerar-se modalidade de interpretação correctiva.

Menezes Cordeiro (“MC”) e Karl Larenz (“KL”) admitem-na; MTS rejeita-a.

3. Conclusão da interpretação

A interpretação da regra que ponderamos aplicar, nos termos do artigo 9.º CC, não nos
permite aplicá-la ao caso concreto, por não se assegurar correspondência mínima com a
letra da lei (9.º/2), mediante interpretação declarativa, extensiva ou restritiva?
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Se assim for – convoca-se o regime da integração de lacunas, que exige, como primeiro
passo, que se pondere se existe efectivamente uma lacuna (ver passos seguintes).

4. Integração de lacunas

a) Lacuna jurídica (definição geral) – Perante um caso concreto justificadamente


carecido de regulação, ausência de uma regra jurídica a cuja previsão aquele caso
seja diretamente subsumível, nos limites interpretativos do art. 9.º

 Requisitos:

(i) inexistência de uma disciplina jurídica directa desse caso/matéria;

(i) imprescindibilidade da regulamentação directa desse caso/matéria, revelada


pelo facto de o legislador ter optado por regular directamente outros casos que
convocam os mesmos problemas.

b) Tipos de Lacunas:

 Lacunas voluntárias - o legislador propositadamente decide não regular uma


determinada matéria e a tarefa fica para a jurisprudência;

 Lacunas involuntárias - o legislador não previu uma matéria e não se apercebeu


que faltava regulamentação em algo;

 Lacunas iniciais – emergem no momento em que o legislador está a regulamentar


uma componente normativa;

 Lacunas posteriores - surgem por motivos de evolução socioeconómica,


tecnológica, etc. e ocorrem numa fase posterior à elaboração da lei;

 Lacunas de previsão - não existe uma previsão estabelecida;

 Lacunas de estatuição - ausência de estatuição na norma;

c) Integração de lacuna: processo meramente paliativo e singular, cingindo-se a


resolver o caso concreto. A integração de lacunas esgota -se após ser utilizada e o
caso terminar; integrar uma lacuna não faz com que ela sirva para casos
posteriores.

d) Como integrar a lacuna?

Art. 10.º/1 CC: sempre que tivermos algo que a lei não preveja, usamos a norma
de casos semelhantes.

Analogia: identidade de razões entre a regulação do caso regulado e necessidade


de regular o caso omisso; ou seja, os casos não são iguais mas partilham
característica que justifica necessidade de regulação e, nesta, de igual tratamento.
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1º- deve-se procurar uma norma semelhante que se possa aplicar e ver se pode ser
aplicada;

2º- se não houver uma norma semelhante, o juiz deve criar uma norma segundo o
espírito do legislador.

i. Processo intra-sistemático na integração de lacunas – deve tentar


preencher-se, em primeiro lugar, a lacuna de acordo com o sistema.

 Analogia legis (10.º, n.ºs 1 e 2): analogia com regra legal existente no
sistema;

 Analogia iuris (10.º, n.ºs 1 e 2): analogia apenas com princípio jurídico
existente no sistema, aflorado parcialmente em diferentes regras;

 Critério subsidiário (10.º, n.º 3): aplicação de regra hipotética – norma,


dotada de generalidade e abstração, que o interprete criaria, recorrendo
ao bom senso, à lógica, à equidade, etc.

e) Limites à analogia

O art. 11 do CC admite a interpretação extensiva de normas excepcionais, mas


proíbe a sua analogia.

DD: a proibição da aplicação analógica de normas excepcionais é total ou


condicionada?

 Pires de Lima e Antunes Varela (“PL/AV”): interpretação literal - proibição


de aplicação analógica aplica-se a qualquer norma excepcional. Rejeita
admissibilidade da distinção entre excepcionalidade material e formal.
Apontam que o anteprojecto do CC chegou a admitir, como regra, a
aplicação analógica das normas excepcionais, só a não permitindo nos
casos em que as normas gerais correlativas exprimissem princípios
essenciais de ordem pública. Tal suscitou dúvidas, pelo que foi rejeitado.

 OA, RM e MTS: proibição aplica-se apenas a regras excepcionais que


configuram ius singulare, isto é, excepções materiais/substantivas, cuja
ratio é marcada por uma peculiaridade utilitária irrepetível que justifica
contradição pontual a um princípio geral (contrapostas às excepções
meramente formais, regras que simplesmente se desviam da regulação
geral, sem que a diferença de tratamento denote uma contradição
valorativa).

 CN: interpretação marcadamente restritiva da proibição do art. 11 – nada


impede a aplicação analógica de regras excepcionais, excepto os casos
constitucionalmente previstos (em matéria penal – 29.º/3 CRP – e em
matéria fiscal – 11.º/4 LGT).
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II. Aplicação da lei no tempo

Coordenadas gerais:

1. Ante a entrada em vigor de uma lei nova (LN), e surgindo a necessidade de


determinar a sua aplicação no tempo, o primeiro passo é aferir da existência de direito
transitório:

 Direito transitório (conjunto de disposições normativas contidas na LN que


regulam a sua aplicação no tempo).

Formal – o direito transitório diz-se formal quando o legislador se limita a


escolher, de entre as leis potencialmente aplicáveis, aquela ou aquelas que
devem regular uma determinada situação jurídica.

Material - o direito transitório diz-se material quando de tais disposições


normativas resulta a não aplicação nem da LN nem da LA, mas a aplicação de
uma disciplina própria – uma 3ª solução.

Existindo direito transitório, o problema da aplicação da LN no tempo resolve-se


observando essas disposições normativas, já que lei especial prevalece sobre lei geral.

2. Não existindo direito transitório, temos que recorrer aos artigos 12.º e 13.º do CC.
Como é que aplicamos a LN à luz do artigo 12.º CC? Em princípio, aplicamos a LN
sem eficácia retroactiva (excepto se for outro o sentido específico da lei).

3. Todavia, o princípio da não retroatividade da LN não basta; é necessário saber como


aplicamos a LN não retroativamente: a todas as situações jurídicas já constituídas, a
todos os factos jurídicos, só a factos e situações jurídicas novas, a situações jurídicas
presentes que tenham origem em factos passados, etc.? Para resolver este problema
temos que começar por saber se a LN regula factos ou efeitos de factos.

4. Admitem-se excepções ao princípio geral da irretroatividade (art. 12º/1 CC). Os graus


de retroatividade admitidos no nosso ordenamento jurídico são os seguintes:

 Retroatividade Extrema – lei nova é aplicada aos factos ocorridos antes da sua
entrada em vigor, sem quaisquer limites, sem respeitar o caso julgado; não há
suscetibilidade de recurso ordinário;
 Retroatividade Quase Extrema – limite à aplicação da lei nova aos factos
ocorridos antes da sua entrada em vigor é o caso julgado. Por conseguinte, a
lei nova também se aplica às situações que se constituíram e extinguiram ao
abrigo de uma lei antiga.
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 Retroatividade Agravada – lei nova só respeita, dos efeitos produzidos antes


da sua entrada em vigor, os que tiveram um título que lhes dê especial
reconhecimento – retroatividade das leis interpretativas do art. 13º CC.
 Retroatividade Ordinária – lei nova respeita os efeitos já produzidos pelos
factos que se destina a regular. Art. 12º/1/2ª parte.

Esquema:

Tipo de realidade jurídica


Aspecto temporal da
cuja regulação no tempo se Lei aplicável (LA ou LN)
realidade jurídica
quer saber:

Art.º 12.º/2 1.ª parte:

 LA continua a regular os
Instantâneos – ocorrem num factos passados
único momento singular (ex. (Sobrevigência da LA).
celebração de um contrato de
CV).
 LN regulará os factos
novos (Aplicação
Imediata da LN)

FACTOS JURÍDICOS
Factos c/ relevância jurídica

Continuados / Complexos de Art.º 12.º/2 1.ª parte:


produção sucessiva – a sua
completude exige a verificação  Aplicação da LN a factos
de um conjunto de acções iniciados no passado, mas
materiais e/ou jurídicas que se que se encontram em
prolongam no tempo; facto formação (Aplicação
iniciado mas não consumado Imediata da LN)
na vigência da LA (ex:
usucapião)
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(Nota: um facto continuado só


se torna um facto passado
quando ocorrer o último
momento da sua verificação)

Art.º 12.º/2 1.ª parte:

 Aplicação da LA a efeitos
Instantâneos – a alteração já produzidos
introduzida na ordem jurídica (Sobrevigência da LA).
produz-se num momento
singular (ex: efeito translativo
da propriedade)  Aplicação da LN aos
efeitos que se produzam
sob a sua vigência
(Aplicação Imediata da
LN).

Continuados – perduram no
tempo: situações jurídicas -
EFEITOS JURÍDICOS
na letra do artigo 12.º/2,
Consequência associada à
“relações jurídicas” (ex:
verificação de determinado
efeitos do contrato de
facto jurídico (para todo o
arrendamento):
efeito jurídico há um facto
subjacente) (ex: usufruto)
Se:

i. A LN abstrair dos factos


que lhes deram origem Art.º 12.º/2 2.ª parte:
Aplicação da LN às relações
(abstracção do título
jurídicas já constituídas – a
modelador) efeitos presentes e futuros que
tenham origem em factos
 Efeito não se encontra passados (Aplicação Imediata
modelado pelo facto da LN).
que lhe deu origem;
 Legislador não revalora
facto;
 Lei atende à situação,
seja qual for o facto
que a tiver originado;
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ii. LN não abstrai dos Art.º 12.º/2 1.ª parte:


factos que lhes deram
origem (não abstracção  Aplicação da LN
do título modelador) apenas às relações
jurídicas que venham a
 Efeito é moldado pelo ser constituídas por
facto que lhe deu factos novos
origem. Legislador (Aplicação imediata da
“mexe” (revalora) LN)
facto.
 Aplicação da LA às
 Lei regula efeitos com relações jurídicas já
expressão de uma constituídas ao tempo
valoração dos factos da sua entrada em vigor
que lhe deram origem (Sobrevigência da LA)

5. Leis interpretativas (art. 13.º CC):

 Criação de uma nova lei que tem como finalidade interpretar uma lei anterior.

 A lei nova vai produzir os seus efeitos a partir do momento em que a lei
interpretativa entra em vigor (retroatividade agravada).

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