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PRINCIPAIS MUDANÇAS NO NOVO CPC COM IMPACTOS NA JURISDIÇÃO FEDERAL

Palestrante: Sérgio Cruz Arenhart

1) PRINCÍPIOS GERAIS

O CPC inicia com um capítulo a respeito de princípios gerais do novo modelo processual. Tal
capítulo não deveria constar do texto legal por ter uma finalidade antididática para a
magistratura brasileira, eis que sempre que se estabelece um princípio em uma norma
infraconstitucional, tende-se a imaginar ser a concretização de toda a colisão de princípios
fundamentais. No CPC, a idéia da tempestividade da jurisdição, a rigor, é uma regra
praticamente programática. Ademais, a idéia da boa-fé processual sempre deve estar por detrás
da interpretação de qualquer ato e de qualquer regra processual.

A interpretação que o código oferece nos artigos 9º e 10 chama atenção e traz dificuldade no
que tange à garantia do contraditório. Alinhado com uma tendência internacional sobre a
garantia do contraditório, o código tende a exigir a prévia manifestação das partes para a
manifestação judicial em relação a qualquer tipo de tema, inclusive deliberação sobre questão
de ofício em que é obrigatória a prévia oitiva das partes, ressalvados os dois incisos do art. 9º.
Hoje, toda a doutrina internacional vai dizer que a garantia do contraditório é uma garantia de
poder influenciar na formação da decisão judicial. O grande problema é supor que, nessa regra,
estão incluídas eventuais colisões que podem acontecer entre a garantia do contraditório e
outras garantias que também vão incidir dentro da relação processual. Por exemplo, não faz
sentido o juiz garantir o contraditório prévio antes de realizar a penhora de bem. Ocorre que o
código não ressalva essa hipótese.

Muitos não conseguem se desvencilhar da ideia de que, se o código exige, o juiz é obrigado a
fazer, olvidando-se que muitas situações não vão permitir a aplicação da regra seca desse artigo
9º porque vão exigir a aplicação de um outro princípio fundamental. Observa-se que a doutrina
estrangeira é extremamente evoluída na aplicação de regras como essa.

Este capítulo inicial dos direitos fundamentais deve servir apenas como um balizador, uma vez
que para a análise do código como um todo, o critério não está nas regras do código, mas no
texto constitucional.

2) ARTIGO 12

ATENÇÃO: o dispositivo foi alterado posteriormente. O projeto de lei citado foi convertido na lei
13.256/16.

Há um problema no artigo 12, nessa ordem cronológica de julgamento. Ainda que essa
sistemática não venha a funcionar em razão desse novo projeto de lei que está em tramitação,
mas supondo a vigência dessa regra, realmente teremos um grande desserviço para a
efetividade e utilidade da prestação jurisdicional. Na verdade, tal artigo é uma resposta que se
quer dar a problemas pontuais da magistratura, impondo um problema de gestão imenso, não
só para a magistratura brasileira, mas para todo jurisdicionado, afinal, questões simples de
serem resolvidas, acabarão ficando para trás nessa ordem de julgamento por conta da incidência
dessa regra. Aliás, já na interpretação desse artigo, parece haver uma solução para o problema
apontado, eis que o último inciso permite eleger outros critérios de prioridade, desde que de
forma justificada.
3) COMPETÊNCIA

Em termos de competência, a única regra mais significativa é que o código concretiza no artigo
45, a orientação que já é firmada na jurisprudência do STJ, a propósito de uma eventual colisão
entre a competência federal e estadual. Não há nenhuma novidade já que tal questão já era a
orientação da jurisprudência brasileira.

Há outras regras de competência no novo código que são, sim, alteradas. Talvez a mais
significativa seja a alteração quanto à maneira de alegação de incompetência. Desaparece a
exceção de incompetência e surge uma alegação de incompetência inserida em um outro ato
processual. Assim, na contestação, a parte vai alegar tanto a incompetência absoluta quanto a
relativa. Há uma uniformização em termos de consequências quanto à declaração de
incompetência.

4) AÇÕES REPETITIVAS

Esse é um dos grandes problemas do Judiciário brasileiro. Todas as técnicas que o código indica
como formadoras de precedentes são pensadas para lidar com casos repetitivos. O IRDR é assim,
o IAC, embora não seja formado para esse fim, tem um parágrafo que autoriza o seu emprego
também para casos repetitivos. Os recursos repetitivos são assim. As súmulas têm sempre em
vista a atuação de questões que envolvam casos repetitivos e a própria lógica do modelo
brasileiro de precedentes é muito mais alinhada à solução de casos repetitivos do que
propriamente à lógica norte-americana de formação de precedentes.

Há uma outra técnica, inspirada no modelo norte-americano, que está disciplinada neste artigo
69 do NCPC. No modelo brasileiro são chamados de atos concertados entre juízes cooperantes.
No modelo americano, são chamados de multidistrictlitigation. A idéia é de agregar a solução
ou de casos idênticos ou de parcelas idênticas de casos diferentes perante um único magistrado,
perante um único órgão jurisdicional.

5) TUTELA PROVISÓRIA

Uma outra alteração significativa no novo código é a questão tutela provisória. O código vai criar
um capítulo para tratar do problema das tutelas de urgência, de forma geral e de uma técnica
nova, que é a tutela da evidência. A idéia original do código era de criar um modelo novo que
simplificasse as discussões que sempre existiram a respeito da diferença entre processo cautelar
e antecipação de tutela. Logicamente, na ideia original, as pessoas foram acrescentando ideias,
regras, e o que se vê é que aquilo que seria para simplificar, complicou.

Algumas coisas foram muito melhoradas, por exemplo, no modelo novo temos a possibilidade
clara de formular um requerimento de antecipação de tutela antecedente. No modelo novo,
pode-se dizer expressamente que se trata de uma antecipação de tutela, é possível formular o
requerimento antes de se ter condição de apresentar a petição inicial definitiva e o juiz examina
aquela postulação antecipatória. Essa é uma vantagem do modelo novo, além da idéia da
separação entre o que é a tutela da evidência e o que é a tutela da urgência.
O código prevê uma figura chamada de estabilização da tutela antecipada concedida de forma
antecedente, que não existe para a cautelar, só existe para antecipação de tutela. Então, em se
tratando de um pedido de antecipação de tutela antecedente, antes de se ter condição de
propor o pedido principal, formula-se o requerimento de antecipação de tutela e, se o juiz
deferir a antecipação de tutela, o réu fica obrigado a recorrer do pedido de antecipação, pois,
caso contrário, a decisão se torna estabilizada e o processo é extinto.

O problema é que isso impõe várias dificuldades. Observa-se que a idéia em si não é ruim, de
certa maneira desenvolve a técnica monitória para o direito brasileiro, mas a maneira como isso
foi regrado na legislação brasileira é muito insuficiente e vai exigir um esforço redobrado da
jurisprudência, nesse primeiro momento sobretudo, para ver até onde isso aqui pode ou não
incidir.

6) PROCEDIMENTO

Em termos de procedimento, o código tenta estabelecer algumas ideias que são muito
interessantes: ele elimina o rito sumário, mas estabelece um rito padrão que pode ser alterado.
Em primeiro lugar, por iniciativa exclusiva do juiz, que pode ampliar prazos processuais ou
alterar a ordem de colheita da prova. A rigor, é basicamente isto que o juiz pode fazer de forma
autônoma. Então ele tem uma limitação quanto às alterações que pode fazer sozinho em termos
de procedimento.

Além disso, a lei vai prever a possibilidade de as partes alterarem o procedimento por meio de
um instituto extremamente complicado de ser aplicado e de ser entendido no modelo brasileiro,
que são os chamados negócios processuais, disciplinado no artigo 190 e de certa maneira
também no 191 do NCPC, que prevê os chamados calendários processuais.

O problema, na verdade, é que a regra do art. 190 do NCPC é extremamente ampla e prevê a
possibilidade das partes de disciplinarem qualquer tipo de direito, ônus, obrigação ou até dever
processual. E aí é claro que a gente entra num campo muito complicado. Será que realmente as
partes podem disciplinar sobre deveres do jeito que quiserem, bastando que sejam capazes e
que o direito objeto do processo seja disponível, admita autocomposição?

Não é toa que a Escola de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura, que recentemente


apresentou alguns enunciados sobre o novo código, tem vários enunciados sobre negócios
processuais e põe vários limites. É totalmente inadequado, inviável que se estabeleça negócio
processual que envolva prerrogativas de terceiros e que também envolva poderes do
magistrado, obviamente, porque nesse aspecto o juiz também um terceiro.

7) SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS

Por outro lado, a lei enaltece a função daquilo que se tem chamado fora do Brasil de modelo
multiportas de solução de conflitos. A ideia é que a decisão judicial não seja o único caminho de
solução da controvérsia colocada pelas partes para que as mesmas possam eventualmente ter
a alternativa de resolver seu problema por outros mecanismos. O código enaltece a figura da
mediação e da conciliação, fazendo a diferença, de fato, técnica entre esses dois institutos, mas
não põe muita ênfase em outras figuras que também são interessantes.
O fundamental é perceber que o código abre essa oportunidade para que o magistrado ofereça
para as partes outras técnicas de solução da sua controvérsia que não necessariamente a
decisão judicial.

Mas a ideia que parece fundamental é não deixar de perceber que mediação e conciliação não
são as únicas possibilidades que podem surgir aqui. Seria possível também que o juiz facultasse
às partes a escolha de outras técnicas, por exemplo, a arbitragem, se cabível, o chamado de
arbitramento por terceiro imparcial, (uma solução que é sigilosa para o juiz dada por um terceiro
em que esse terceiro diz como ele julgaria a controvérsia se ele fosse juiz, até como uma forma
também de estimular essa autocomposição).

A lei expressamente prevê o cabimento dessas técnicas também para o poder público, prevê
obrigatoriamente a criação de câmaras de autocomposição, até fora do poder judiciário,
estimulando bastante essas alternativas, reservando ao poder judiciário realmente aquilo que
não pode ser resolvido por outra via.

8) DEFESA

Quanto às defesas, o código também busca uma simplificação processual. Não existe mais a
figura da exceção. A alegação de incompetência é feita dentro da contestação, embora as
alegações de impedimento e suspeição possam ser feitas de forma autônoma (e, portanto, só
perderam o nome de exceção). A rigor, não é que não existem, a maioria delas continua
existindo do mesmo modo, só perdeu o nome. Por exemplo, a nomeação à autoria continua no
código, só não é feita mais por petição autônoma, mas dentro da contestação. Oposição
também não desapareceu, virou um procedimento especial do código. De fato, houve uma certa
simplificação procedimental, embora não seja tão ampla como às vezes se vende por aí.

9) IMPROCEDÊNCIA LIMINAR

A lei vai prever também uma forma diferente de abordar o problema da improcedência liminar
da demanda. Então, aquilo que, no código de 73 era tratado no art. 285-A passa a ter um
tratamento muito amplo no NCPC. Desaparece isso que se tem chamado de autoprecedente,
que é o juiz poder usar decisões suas anteriores para justificar improcedência de certo caso, e
passa-se a poder utilizar esse tipo de lógica não a partir das próprias decisões do juiz, mas
daquilo que o código entende como sendo decisões que são obrigatórias. Tira-se o foco da
decisão do próprio juiz para concentrar o foco em decisões de outros órgãos da estrutura
jurisdicional.

Há, então, uma mudança significativa no campo da improcedência liminar e há a criação de uma
figura que é reclamada há muito tempo, a figura do julgamento parcial definitivo antecipado
da lide. Então, o julgamento antecipado da lide pode ser total ou pode ser parcial. É uma lógica
que tem muito a ver com o problema da duração razoável do processo. É claro que não há
nenhum sentido em se continuar fazendo com que a parte que é incontroversa tenha que
esperar a parte que é controvertida se tornar incontroversa para só então julgar tudo. É alguma
coisa bastante útil. Claro que vai haver alguma dificuldade no problema da coisa julgada parcial,
mas a ideia em si é muito boa.

10) SANEAMENTO DO PROCESSO


Há também há uma alteração significativa no campo do saneamento do processo: a lei nova vai
voltar, de certa maneira, a conceber uma figura semelhante ao antigo despacho saneador, em
que o saneamento passa a acontecer, em regra, por meio de decisão escrita, e não mais em
audiência. Excepcionalmente, o juiz vai poder fazer o saneamento em audiência.
O saneamento passa a ser um momento importantíssimo dentro do processo, porque o juiz não
vai apenas deliberar sobre as questões processuais, provas, e definir as questões pendentes que
vão ser examinadas na fase seguinte, que é a instrutória. Ele também vai definir o problema da
atribuição do ônus da prova e definir quais são as questões de direito que são controvertidas.
Isso se volta ao problema desse novo modelo de contraditório que o código pretende criar. Vai
ser, portanto, um saneamento bem mais complicado de ser realizado e, por isso mesmo,
excepcionalmente, o código autoriza que esse saneamento seja desenvolvido em audiência com
a colaboração de todos os sujeitos processuais. Aí há uma alteração também significativa que
tem em vista a adequação do procedimento a essa nova forma de abordar a ideia do
contraditório.

11) PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO

Há alguns exemplos daquilo que o código realmente espera que seja a atividade processual
dentro dessa nova mecânica da legislação, ou seja, de que realmente o processo não seja um
empecilho para a realização dos direitos. Então, em vários momentos, seja em relação às
decisões de primeiro grau, seja em relação às decisões de tribunais, o código ressalta a
importância dessa ideia de instrumentalidade. Aquilo que se tem chamado de predomínio da
análise do mérito sobre as questões processuais. Então o código põe como última alternativa a
extinção do processo por questão processual.

Sempre que for possível, o juiz deve dar a oportunidade para as partes corrigirem defeitos
processuais. E sempre que ele puder examinar o mérito do litígio (essa é a regra do art. 488), ele
deve enfrentar esse mérito ainda que houvesse um problema processual, em certas
circunstâncias, lógico, que impedisse esse tipo de análise. Essa é uma forma, inclusive, de evitar
a repetição de uma demanda, que acaba sendo prematuramente extinta.

12) PROVA

Quanto à prova, há duas questões que parecem ser mais relevantes. Em primeiro lugar, a
previsão expressa de um modelo de tratamento da prova emprestada. Não tínhamos isso no
código de 73, apesar de continuarmos com a deficiência no código novo, pois embora tenhamos
agora regra para tratar do problema, ela é claramente insuficiente. Veja que a regra diz que o
juiz pode admitir o empréstimo da prova desde que se observe o contraditório. Ora, quando se
pode observar o contraditório, nunca se tem o problema de prova emprestada, pois ninguém
vai reclamar de um problema de prova emprestada quando se pode garantir o contraditório das
partes em relação a essa prova.

O problema surge quando a testemunha morre, por exemplo, e se quer emprestar aquele
depoimento em outro processo. Não há mais contraditório. Ou a prova foi produzida entre A e
B e quero emprestar para um processo entre C e D. Esse é um problema de empréstimo de
prova. Para esse tipo de situação, é que o código tinha que ter dado algum tipo de solução. Mas
pelo menos agora temos uma regra sobre prova emprestada.

Outra novidade maior é a questão da dinamização do ônus probatório. Então, a atribuição do


ônus da prova pode se dar de maneira diferente da previsão tradicional estática, a partir de
critérios de mais fácil acesso à prova ou de um acesso mais difícil a um determinado meio de
prova. Obviamente tudo isso deve ser justificado de forma específica pelo magistrado. O STJ até
já dava uma interpretação ampliativa aos casos de dinamização previstos no CDC. Portanto, é
uma regra que foi muito bem-vinda pelos autores de processo civil do código novo.
13) SENTENÇA E LIQUIDAÇÃO

Quanto à sentença, todos sabem do problema da nova regra de fundamentação. A ideia original
do código é que, com uma fundamentação mais adequada, talvez as partes se sintam
desestimuladas a prosseguir na controvérsia. De fato, há decisões judiciais que realmente não
são fundamentadas, implicando muitas vezes o recurso para obtenção de uma fundamentação.
Então é claro que esse tipo de lógica estimula o recurso. Mas o problema não está aqui, de modo
que essa regra é interessante porque obviamente, por mais que não se goste dela, fundamentar
uma decisão judicial exige, no mínimo, o atendimento a esses critérios postos no texto legal. E
diz-se “no mínimo” porque o texto inclusive é insuficiente, já que há outras tantas questões que
deveriam também compor uma decisão fundamentada, a exemplo do problema de prova.

Talvez se consiga elevar a qualidade da fundamentação judicial se se conseguir um outro


objetivo estimado pelo NCPC, que é o de reduzir a quantidade de demandas. O código também
trabalha com essa lógica. Vai haver menos demandas para serem julgadas, logo, será possível
uma decisão mais bem fundamentada.

Outra previsão interessante é a regra que prevê a condenação preferencialmente líquida,


mesmo que o pedido tenha sido ilíquido. Assim, sempre que o juiz puder, deve deferir sentença
líquida ou ao menos definir os critérios para liquidação por cálculo, de modo a, sempre que
possível, evitar a liquidação por arbitramento, evitar a liquidação por procedimento comum
(que é o novo nome da liquidação por artigos).

Por outro lado, o código também prevê expressamente o cabimento das chamadas tutelas
inibitórias, reintegratórias, porque também abertamente coloca os requisitos para esse tipo de
medida no artigo 497, parágrafo único.

14) COISA JULGADA

Coisa julgada também é um tema que o código examinou e operou alterações sensíveis. Ao
abolir a ação declaratória incidental, o código diz expressamente que a solução de qualquer
questão prejudicial também implica coisa julgada, desde que preenchidos alguns requisitos do
art. 503. Então, a resolução de questão prejudicial também vai, a partir de agora, transitar em
julgado, independentemente de um requerimento expresso pela parte, basta a decisão, basta
uma completude em termos de cognição e de prova para que, sobre aquela questão também
incida coisa julgada. Há, então, uma ampliação significativa dos limites objetivos da coisa
julgada no modelo novo. Do mesmo jeito em relação aos limites subjetivos.

O art. 506 do NCPC tem uma alteração sutil, mas que já tem suscitado uma polêmica imensa. O
código de 73 dizia assim (art. 472): “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada,
não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. O NCPC diz: “a sentença faz coisa julgada às
partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. O que faz então imaginar que o código
autoriza que a coisa julgada favoreça terceiros que é um problema ainda muito complicado,
muito controvertido em termos doutrinários.
Há alguns que têm uma visão restritiva desse favorecimento de terceiros, que vão dizer que
praticamente essas hipóteses estão limitadas àquilo que a gente chama de ação concorrencial,
aquela na qual vários legitimados poderiam ajuizar uma demanda. Ex.: vários sócios
impugnando uma deliberação social; um deles impugna a deliberação social e obtém uma
decisão favorável; os outros sócios se favorecem da mesma decisão. Seria só para este tipo de
caso. No entanto, o professor Luiz Guilherme Marinoni, têm dito que não é só para isso. Na ótica
dele, seria uma incorporação ao direito brasileiro do chamado collateralestoppel, do modelo
norte-americano. Ou seja, realmente a ideia de que, uma vez que o Judiciário decidiu sobre
aquela questão controvertida, não há porque resolver de novo sobre a mesma questão. E
qualquer outro sujeito que puder ser afetado se favorecer da solução daquela questão pode
alegar em seu favor a coisa julgada. Claro que isso é uma visão supersimplificada do problema.
É uma questão interessante, talvez com uma repercussão muito importante na área de justiça
federal.

15) CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Sobre cumprimento de sentença, algumas regras são muito interessantes. Por exemplo, o artigo
139, IV. Em primeiro lugar, o código tem uma regra sobre liquidação, de modo a facilitar a
liquidação de sentença de decisão judicial, que vai prever a criação de um programa, pelo CNJ,
para unificar e para simplificar a forma de elaboração do cálculo, até de maneira a estimular de
novo a liquidação, por cálculo, do próprio exequente.

A regra mais interessante a propósito do cumprimento de sentença que, escondida nos poderes
do juiz, pode nos dar a ideia de que, a partir do modelo do código novo, seja viável a execução
pecuniária não apenas pela técnica tradicional de expropriação de bens, mas pelo emprego de
qualquer meio, por exemplo, de técnicas coercitivas, técnicas sub-rogatórias. Então o juiz passa
a ser autorizado, inclusive em demandas de caráter pecuniário, a poder impor ordem sob pena
de multa, ordem sob pena de restrição a direito, ordem sob pena de uma técnica sub-rogatória
que entenda adequada. Observa-se que isso já vinha sendo feito, ainda que excepcionalmente.

Quanto ao modelo tradicional, o código mantém, em grande medida, a lógica do atual código
de processo civil. Então, tem a idéia da multa dos dez por cento, da intimação para o devedor
poder cumprir aquela multa. Não cabe parcelamento em relação ao título judicial, como não
cabia no modelo do código antigo, pelo menos na ótica da doutrina. Na lei nova isso é previsto
expressamente. Temos, no entanto, algumas modificações pontuais, por exemplo, há uma
ampliação das hipóteses em que é cabível a penhora de salário. Para qualquer tipo de crédito, a
partir de um determinado teto, é possível a penhora de salário, de remuneração de forma geral.
Mas a maneira normal de execução permanece praticamente a mesma no NCPC. Assim como
também a forma de cumprimento de sentença, com a única previsão de que também no
cumprimento de sentença provisória vai ser admitida a multa dos dez por cento que, no código
anterior, só era admissível para a execução definitiva.

Em relação ao cumprimento de sentença contra a fazenda pública, o código também tem uma
lógica muito semelhante da anterior. Expressamente diz que não cabe a multa dos dez por cento
e põe exigências sobre o requerimento de execução, de cumprimento contra o poder público, o
que o discriminativo de cálculo deve conter necessariamente. Então, isso dá também maior
segurança para a pessoa formular o seu requerimento. Ademais, prevê expressamente um prazo
de trinta dias para a fazenda pública apresentar a sua impugnação que vai ter uma disciplina
bem mais especificada que, na verdade, não tem muita utilidade.

É claro que vai se ter como limite à impugnação ao cumprimento de sentença o mesmo
problema que sempre existiu, que é aquilo que eventualmente ofenda a coisa julgada já
formada. O que a fazenda pública não pode é querer rediscutir aquilo que já transitou em
julgado ou que tá acobertado pela eficácia preclusiva da coisa julgada.
A relação que o código vai apresentar é uma relação quase que exemplificativa, quase que um
sinal daquilo que esteja fora do ambiente da coisa julgada. Mas o critério fundamental continua
a ser sempre a coisa julgada. Saliente-se, em relação à impugnação, a possibilidade, da
expedição de precatório parcial. Então, na parte em que não há controvérsia, em que a fazenda
pública não impugna, a lei prevê expressamente que o juiz deva expedir desde logo o precatório
da parte incontroversa ou, enfim, determine o pagamento da parte incontroversa. Só da parte
controvertida é que vai ser aguardar a solução da impugnação.

Em princípio, na impugnação ao cumprimento de sentença contra a fazenda pública, não existe


aquela ideia de se poder deferir ou não o efeito suspensivo da impugnação, que é regra para a
impugnação de forma geral (o oferecimento de impugnação automaticamente obsta a
expedição de precatório quanto a essa parte que é objeto da impugnação).

Um dado que parece fundamental, e não é uma regra só colocada no campo da impugnação ao
cumprimento de sentença contra a fazenda pública, é uma regra geral do cumprimento de
sentença, mas que é repetida também na impugnação aqui. É essa previsão do cabimento
expresso de uma impugnação por excesso de execução na hipótese de decisão do STF contrária
ao entendimento manifestado no título executivo judicial (coisa que já existia no modelo do
código de 73), mas com uma ampliação, colocada no parágrafo oitavo dessa regra, que vai dizer
que não só essas questões de conflito entre a decisão judicial que é objeto da execução e a
decisão manifestada pelo STF pode ser alegada por meio de impugnação, mas também pode ser
objeto de uma ação rescisória, o que significa dizer que o código abertamente reconhece a ideia
de que, ainda que já tenha transitado em julgado a sentença que é objeto da execução, se,
depois da formação da coisa julgada, há uma decisão do STF que contrasta com a decisão
anterior do judiciário, aquela que é objeto da execução, isso permite o ajuizamento de uma ação
rescisória. Há muitos autores para defender a inconstitucionalidade dessa regra que, inclusive,
é contrária aos últimos precedentes do STF sobre a aplicação dessa figura que já existe no
modelo brasileiro.

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