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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e

perspectivas
Francilene Gomes de Brito
Antonio Jorge Pereira Júnior
Organizadores

ACESSO À JUSTIÇA: realidade e


perspectivas

Brasília – DF, 2017


© Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal, 2017
Setor de Autarquias Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M
Brasília - DF
CEP: 70070-939

Distribuição: Gerência de Relações Externas - GRE


Fones: (61) 2193-9606
E-mail: oabeditora@oab.org.br
Capa: Susele Bezerra de Miranda

FICHA CATALOGRÁFICA
_________________________________________________________
R322r

Acesso à Justiça : Realidade e Perspectivas / organizador


Francilene Gomes de Brito, Antonio Jorge Pereira Júnior –
Brasília: OAB, Conselho Federal, 2017.
477 p.

ISBN 978-85-7966-074-0

1. Acesso à justiça, Brasil. 2. Assistência judiciária, Brasil. 3.


Mediação e conciliação, Brasil. I. Brito, Francilene Gomes.
II. Pereira Júnior, Antonio Jorge. III. Título.

CDDir: 341.272
CDU: 347.925
________________________________________________________
Elaborada por: Lityz Ravel Hendrix Brasil Siqueira Mendes (CRB 1-3148)
Gestão 2016/2019

Diretoria
Claudio Lamachia Presidente
Luis Cláudio da Silva Chaves Vice-Presidente
Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral
Ibaneis Rocha Barros Junior Secretário-Geral Adjunto
Antonio Oneildo Ferreira Diretor-Tesoureiro

Conselheiros Federais
AC: Erick Venâncio Lima do Nascimento, João Paulo Setti Aguiar e Luiz Saraiva Correia; AL:
Everaldo Bezerra Patriota, Felipe Sarmento Cordeiro e Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim; AP:
Alessandro de Jesus Uchôa de Brito, Charlles Sales Bordalo e Helder José Freitas de Lima Ferreira;
AM: Caupolican Padilha Junior, Daniel Fábio Jacob Nogueira e José Alberto Ribeiro Simonetti
Cabral; BA: Fabrício de Castro Oliveira e Fernando Santana Rocha; CE: Caio Cesar Vieira Rocha,
Francilene Gomes de Brito e Ricardo Bacelar Paiva; DF: Ibaneis Rocha Barros Junior, Marcelo
Lavocat Galvão e Severino Cajazeiras; ES: Flavia Brandão Maia Perez, Luciano Rodrigues Machado
e Marcus Felipe Botelho Pereira; GO: Leon Deniz Bueno da Cruz, Marcello Terto e Silva e
Valentina Jugmann Cintra; MA: José Agenor Dourado, Luis Augusto de Miranda Guterres Filho e
Roberto Charles de Menezes Dias; MT: Duilio Piato Júnior, Gabriela Novis Neves Pereira Lima e
Joaquim Felipe Spadoni; MS: Alexandre Mantovani, Ary Raghiant Neto e Luís Cláudio Alves
Pereira; MG: Eliseu Marques de Oliveira, Luís Cláudio da Silva Chaves e Vinícius Jose Marques
Gontijo; PA: Jarbas Vasconcelos do Carmo, Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre e Nelson
Ribeiro de Magalhães e Souza; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Luiz Bruno Veloso
Lucena e Rogério Magnus Varela Gonçalves; PR: Cássio Lisandro Telles, José Lucio Glomb e
Juliano José Breda; PE: Adriana Rocha de Holanda Coutinho, Pedro Henrique Braga Reynaldo
Alves e Silvio Pessoa de Carvalho Junior; PI: Celso Barros Coelho Neto, Cláudia Paranaguá de
Carvalho Drumond e Eduarda Mourão Eduardo Pereira de Miranda; RJ: Carlos Roberto de Siqueira
Castro, Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara e Sergio Eduardo Fisher; RN: Aurino Bernardo
Giacomelli Carlos, Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira e Sérgio Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa
Carpi da Rocha, Marcelo Machado Bertoluci e Renato da Costa Figueira; RO: Bruno Dias de Paula,
Elton José Assis e Elton Sadi Fülber; RR: Alexandre César Dantas Soccorro, Antonio Oneildo
Ferreira e Bernardino Dias de Souza Cruz Neto; SC: João Paulo Tavares Bastos Gama, Sandra
Krieger Gonçalves e Tullo Cavallazzi Filho; SP: Guilherme Octávio Batochio, Luiz Flávio Borges
D’Urso e Márcia Machado Melaré; SE: Arnaldo de Aguiar Machado Júnior, Maurício Gentil
Monteiro e Paulo Raimundo Lima Ralin; TO: Andre Francelino de Moura, José Alves Maciel e
Pedro Donizete Biazotto.

Conselheiros Federais Suplentes


AC: Odilardo José de Brito Marques, Sérgio Baptista Quintanilha e Wanderley Cesário Rosa; AL:
Adrualdo de Lima Catão, Marié Alves Miranda Pereira e Raimundo Antonio Palmeira de Araujo;
AP: Lucivaldo da Silva Costa e Maurício Silva Pereira; AM: Alberto Bezerra de Melo, Bartolomeu
Ferreira de Azevedo Júnior e Diego D’Avila Cavalcante; BA: Antonio Adonias Aguiar Bastos, Ilana
Kátia Vieira Campos e José Maurício Vasconcelos Coqueiro; CE: Vicente Bandeira de Aquino
Neto; DF: Carolina Louzada Petrarca, Felix Angelo Palazzo e Manuel de Medeiros Dantas; ES:
Cláudio de Oliveira Santos Colnago, Dalton Santos Morais e Henrique da Cunha Tavares; GO:
Dalmo Jacob do Amaral Júnior, Fernando de Paula Gomes Ferreira e Marisvaldo Cortez Amado;
MA: Antonio José Bittencourt de Albuquerque Junior, Alex Oliveira Murad e Rosana Galvão
Cabral; MT: Josemar Carmelino dos Santos, Liliana Agatha Hadad Simioni e Oswaldo Pereira
Cardoso Filho; MS: Gustavo Gottardi e Marilena Freitas Silvestre; MG: Bruno Reis de Figueiredo,
Luciana Diniz Nepomuceno e Mauricio de Oliveira Campos Júnior; PA: Antonio Cândido Barra
Monteiro de Britto, Jeferson Antonio Fernandes Bacelar e Osvaldo Jesus Serão de Aquino; PB:
Alfredo Rangel Ribeiro, Edward Johnson Gonçalves de Abrantes e Marina Motta Benevides
Gadelha; PR: Edni de Andrade Arruda, Flavio Pansieri e Renato Cardoso de Almeida Andrade; PE:
Carlos Antonio Harten Filho, Erik Limongi Sial e Gustavo Ramiro Costa Neto; PI: Chico Couto de
Noronha Pessoa, Eduardo Faustino Lima Sá e Robertonio Santos Pessoa; RJ: Flávio Diz Zveiter,
José Roberto de Albuquerque Sampaio e Marcelo Fontes Cesar de Oliveira; RN: Aldo Fernandes de
Sousa Neto, André Luiz Pinheiro Saraiva e Eduardo Serrano da Rocha; RS: Luiz Henrique
Cabanellos Schuh; RO: Fabrício Grisi Médici Jurado, Raul Ribeiro da Fonseca Filho e Veralice
Gonçalves de Souza Veris; RR: Emerson Luis Delgado Gomes; SC: Cesar D’Avila Winckler, Luiz
Antônio Palaoro e Reti Jane Popelier; SP:Aloísio Lacerda Medeiros, Arnoldo Wald Filho e Carlos
José Santos da Silva; SE: Clodoaldo Andrade Junior, Glícia Thais Salmeron de Miranda e Kleber
Renisson Nascimento dos Santos; TO: Adilar Daltoé, Nilson Antônio Araújo dos Santos e Solano
Donato Carnot Damacena.

Presidentes Seccionais
AC: Marcos Vinicius Jardim Rodrigues; AL: Fernanda Marinela de Sousa Santos; AP: Paulo
Henrique Campelo Barbosa; AM: Marco Aurélio de Lima Choy; BA: Luiz Viana Queiroz; CE:
Marcelo Mota Gurgel do Amaral; DF: Juliano Ricardo de Vasconcellos Costa Couto; ES: Homero
Junger Mafra; GO: Lúcio Flávio Siqueira de Paiva; MA: Thiago Roberto Morais Diaz; MT:
Leonardo Pio da Silva Campos; MS: Mansour Elias Karmouche; MG: Antonio Fabricio de Matos
Gonçalves; PA: Alberto Antonio de Albuquerque Campos; PB: Paulo Antonio Maia e Silva; PR:
Jose Augusto Araujo de Noronha; PE: Ronnie Preuss Duarte; PI: Francisco Lucas Costa Veloso; RJ:
Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky; RN: Paulo de Souza Coutinho Filho; RS: Ricardo Ferreira
Breier; RO: Andrey Cavalcante de Carvalho; RR: Rodolpho Cesar Maia de Morais; SC: Paulo
Marcondes Brincas; SE: Henri Clay Santos Andrade; SP: Marcos da Costa; TO: Walter Ohofugi
Junior.

Ex-Presidentes
1. Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes
(1944/1948) 4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo Valladão
(1950/1952) 7. AttílioViváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias
Gueiros (1956/1958) 10. Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly
(1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti (1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira (1965) 14.
Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital Duarte (1967/1969) 16. Laudo de Almeida
Camargo (1969/1971) 17. Membro Honorário Vitalício José Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José
Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira (1975/1977) 20. Raymundo
Faoro (1977/1979) 21. Membro Honorário Vitalício Eduardo Seabra Fagundes (1979/1981) 22.
Membro Honorário Vitalício J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Membro Honorário Vitalício Mário
Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. Márcio Thomaz Bastos
(1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante (1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello
Lavenère Machado (1991/1993) 28. Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio
(1993/1995) 29. Membro Honorário Vitalício Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. Membro
Honorário Vitalício Reginaldo Oscar de Castro (1998/2001) 31. Rubens Approbato Machado
(2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício Roberto Antonio Busato (2004/2007) 33. Membro
Honorário Vitalício Cezar Britto (2007/2010) 34. Membro Honorário Vitalício Ophir Cavalcante
Junior (2010/2013) 35. Membro Honorário Vitalício Marcus Vinicius Furtado Coêlho (2013/2016).
34. Membro Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013) 35. Membro Honorário
Vitalício Marcus Vinicius Furtado Coêlho (2013/2016).

Comissão Organizadora
Francilene Gomes de Brito, Régis Gurgel Jereissati, Márcia Maria Lima Dutra, Maria Noêmia
Pereira Landim, Antonio Jorge Pereira Júnior.

Comissão Científica
Antonio Jorge Pereira Júnior, Maria Yannie Araújo Mota, Carolina Rocha Cipriano Castelo,
Nardejane Martins Cardoso, Luis Armando Saboya Amora, José Weidson de Oliveira Neto, Daniel
Hamilton Fernandes de Lima, Marília Bitencourt C. Calou P. Rebouças, Eriverton Resende Monte e
Viviane Teixeira Dotto Coitinho.
APRESENTAÇÃO

Claudio Lamachia

Indiscutivelmente, a conformação do Estado de Direito


apresenta-se como um dos principais avanços civilizatórios alcançados
pela humanidade. Afinal, por meio desse marco, súditos
transformaram-se em cidadãos livres, segundo célebre formulação do
constitucionalista espanhol Pablo Lucas Verdú.
Isso ocorreu porque a promulgação de textos constitucionais,
leis e outras espécies normativas possibilitou o estabelecimento de
parâmetros que asseguram limites, transparência e previsibilidade à
ação dos agentes estatais. Em consequência, os cidadãos têm ciência
das garantias e dos deveres que lhes são outorgados.
Não obstante, a experiência histórica demonstrou que a
positivação de direitos é condição necessária, mas não suficiente para a
consecução irrestrita da dignidade, da justiça e da cidadania. Assim,
outro elemento é imprescindível para assegurar a efetivação plena de
franquias legais: o acesso à justiça. Trata-se de garantia fundamental
que confere aos cidadãos a possibilidade de reivindicar para si aquilo
que lhes cabe, bem como de defender-se quando lhes sejam negados os
seus direitos.
Por conseguinte, pode-se afirmar que, sem o acesso à justiça, o
Estado de Direito torna-se simples abstração, não adimplindo suas
finalidades. Dessa forma, revela-se, nitidamente, a absoluta importância
da obra organizada pela Conselheira Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil Francilene Gomes de Brito, que tem desempenhado valoroso
trabalho no âmbito da Comissão Nacional de Acesso à Justiça.
Os artigos reunidos nesta coletânea traçam análise corajosa e
aguçada acerca das condições atuais da prestação jurisdicional no País.
Com isso, os autores estimulam sobremaneira a evolução da matéria,
visando a dar concretude ao objetivo fundamental de construir uma
sociedade mais livre, justa e solidária no Brasil.


Advogado e Presidente Nacional da OAB.

i
PREFÁCIO

Ulpiano, jurista romano morto no ano 230 d. C., ficou famoso,


entre outras, por sua síntese acerca do Direito: juris praecepta sunt
haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. No
vernáculo: “tais são os preceitos do direito: viver honestamente, não
ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence, o que é “seu”.
Neste último sentido se tem a virtude da Justiça que, em
tempos do Estado Moderno, traduziu-se também como a estrutura do
poder estatal especializada para viabilizar a justiça quando ela fosse
ameaçada ou desfeita.
Sem justiça, não há paz social. Logo, não haveria convivência
e nem mesmo o Estado Democrático de Direito que, no fim, nada mais
é do que um Estado regido e garantidor da justiça. Por isso, a despeito
da especialização funcional atribuída ao Poder Judiciário, tanto o
Executivo, mediante políticas públicas, como o Legislativo, por meio
da viabilização normativa, trabalha para a Justiça em sentido amplo.
Apesar disso, a “máquina do governo”, em expressão de John Stuart
Mill de 1861, na célebre obra Considerations on Representative
Government, sempre será insuficiente para atender as demandas
sociais. Ou seja, é necessário contar com a sociedade civil para a
realização da justiça. No meio social, destaca-se a figura do advogado,
reconhecido pela Constituição brasileira de 1988 como elemento
essencial à Justiça. Membro da sociedade civil em articulação
permanente com os poderes do Estado.
A Ordem dos Advogados do Brasil, desse modo, tem uma
função primordial no concerto da vida social. No exercício dessa
função, a Comissão de Acesso à Justiça da OAB/CE, visando
conscientizar e mobilizar os advogados, acadêmicos e demais cidadãos
comprometidos com a Justiça e Paz social, lançou um edital para
publicação da obra que se tem em mãos.
Pretendeu-se reunir trabalhos de impacto que trouxessem
alternativas e propostas inovadoras, bem como o aprofundamento
teórico em temas de repercussão no acesso à Justiça. Além disso, traz
artigos que analisam a efetividade de projetos implementados, de modo
a sugerir meios de aperfeiçoamento.

iii
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

A coletânea é resultado de uma Comissão Organizadora e de


uma Comissão Científica, criadas “ad hoc”. Integraram a Comissão
Organizadora os Professores: Francilene Gomes de Brito, Presidente da
Comissão de Acesso à Justiça, Régis Gurgel Jereissati, Márcia Maria
Lima Dutra, Maria Noêmnia Pereira Landim e Antonio Jorge Pereira
Júnior, que presidiu a Comissão Científica de Avaliação.
Dos trabalhos recebidos de todo o Brasil, foram selecionados
os melhores pela equipe científica de Mestres e Doutorandos do
Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza (PPGD-
UNIFOR), que compuseram a Comissão Científica coordenada pelo
Professor Antonio Jorge Pereira Júnior. Colaboram na avaliação os
Professores Maria Yannie Araújo Mota, Marília Bitencourt C. Calou P.
Rebouças, Carolina Rocha Cipriano Castelo, Nardejane Martins
Cardoso, Luis Armando Saboya Amora, José Weidson de Oliveira
Neto, Daniel Hamilton Fernandes de Lima, Eriverton Resende Monte e
Viviane Teixeira Dotto Coitinho.
Dessa forma, a OAB/CE cumpre sua missão ao ofertar à
comunidade uma obra substancial com vistas a colaborar para maior
acesso a Justiça e, logo, maior pacificação social.
É ocasião ainda para enaltecer a todos que enviaram trabalhos,
em especial aos que foram selecionados. Por meio dos artigos que ora
vêm a lume, compartilham idéias que, como motores de transformação,
promoverão mudanças.
Agradecimento encarecido se deve, em especial, ao Presidente
do Conselho Federal da OAB, Cláudio Lamachia, pelo pronto apoio
para publicação dos artigos selecionados, ao Presidente da OAB-CE,
Marcelo Mota, à Coordenadora das Comissões e Vice-presidente da
OAB/CE, a Professora Roberta Vasques, e a toda a Diretoria da OAB-
CE. São profissionais que engrandecem a Ordem dos Advogados do
Brasil com seu dinamismo e arrojo.

Francilene Gomes de Brito


Presidente da Comissão Organizadora

Antonio Jorge Pereira Júnior


Presidente da Comissão Científica

iv
SUMÁRIO

A FUNÇÃO DO NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS PARA O


ACESSO À JUSTIÇA ......................................................................... 01
Ana Katrine de Moraes Sousa e Natália Carvalho Passos

A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO INSTRUMENTOS DE


ACESSO À JUSTIÇA: perspectivas a partir dos direitos humanos ... 13
Alessandra Almeida Barbosa e José Welhinjton Cavalcante Rodrigues

EDUCAÇÃO JURÍDICA E A MEDIAÇÃO COMO EIXO DE


REFUNDAÇÃO DAS ESCOLAS DE DIREITO .............................. 33
Ana Paula Araújo de Holanda, Marlea Nobre da Costa Maciel, Maria
do Carmo Barros e Tiago Amorim Nogueira

A PRISÃO DOMICILIAR E A SITUAÇÃO DA MULHER


PRESIDIÁRIA SOB A PERSPECTIVA DO ACESSO À JUSTIÇA: por
quê o Superior Tribunal de Justiça (STJ) denegou mais de 300 pedidos
de prisão domiciliar do gênero feminino, porém, autorizou o da esposa
de um ex-governador? ......................................................................... 53
Ana Paula Guimarães Brito, José Víctor Ibiapina Cunha Morais e
Sidney Soares Filho

ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DA CONCILIAÇÃO NO


PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR – DECON ................................................................ 73
Ana Paula Guimarães Brito, Luziane de Oliveira Costa e Nathalia
Soares Lisboa

ACESSO À JUSTIÇA E IGUALDADE MATERIAL: um diálogo


necessário ............................................................................................ 93
Daniel Macedo Tavares Cruz e Mariana Urano de Carvalho Caldas
A INOVAÇÃO DOS MEIOS ELETRÔNICOS COMO FORMA
ALTERNATIVA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E
ACESSIBILIDADE À JUSTIÇA ...................................................... 111
Dayane Oliveira Freitas

O ACESSO DOS TRABALHADORES À JUSTIÇA ATRAVÉS DA


SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL ................................................... 127
Deise Brião Ferraz e Eder Dion de Paula Costa

A SISTEMATIZAÇÃO DO AMICUS CURIAE NO NOVO CPC


COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA ...................... 143
Denise Maria de Sousa Nogueira e Emanuela da Cunha Gomes

ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS EM BUSCA DO ACESSO À


JUSTIÇA CONSENSUAL ................................................................ 161
Emanuelle Coelho de Souto e Mara Lívia Moreira Damasceno

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO JUS POSTULANDI NA


JUSTIÇA DO TRABALHO: uma análise da efetividade da prestação
jurisdicional à lua da Constituição de 1988 ...................................... 181
Érica Veríssimo Martins

ACESSO À JUSTIÇA NO PANORAMA JURÍDICO-


CONSTITUCIONAL ATUAL: novas políticas de democratização
............................................................................................................ 201
Francisca Edineusa Pamplona Damasceno e Roberta Gonçalves
Bezerra de Menezes

A INTERVENÇÃO RELIGIOSA NO CUMPRIMENTO DE


MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: a essencial tutela dos direitos do
menor ................................................................................................ 221
Franklin Delano Santos Silva

O ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA LEI BRASILEIRA


DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ...................... 235
Gabrielle Sarah da Silva Bezerra e Mário Fillipe Cardoso de Abreu
MEDIAÇÃO: uma forma de acesso à justiça ................................... 249
Isa Omena Machado Freitas, Watina Amorim Assis e Vinícius Pinheiro
Marques

A EVOLUÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA: das ondas renovatórias ao


direito transnacional ......................................................................... 269
Jade Caputo Corrêa e João Ricardo Pimentel

ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NAS


AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO ESTADO DE SERGIPE NO BIÊNIO
2013/2014 .......................................................................................... 287
João Víctor Pinto Santana

EM BUSCA DO ACESSO À JUSTIÇA NO CAMPO PROCESSUAL


PENAL BRASILEIRO: entre as (revira) voltas do pensamento de
Franz Kafka no inquérito policial e o princípio do contraditório
............................................................................................................ 305
José Nilton de Menezes Marinho Filho e Rian Pinheiro Pereira

ACESSO À SAÚDE NO BRASIL: um estudo de caso da STA n. 175


do Supremo Tribunal Federal ............................................................ 325
Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante

O ACESSO DO ESTRANGEIRO À JUSTIÇA NO BRASIL .......... 345


Lara Campos Arriaga

ANÁLISE DA INEFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA DAS


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ...................................................... 367
Larissa Querem Tavares Mendonça

O JUS POSTULANDI E O ACESSO À JUSTIÇA NA JURISDIÇÃO


TRABALHISTA BRASILEIRA ....................................................... 387
Marília Costa Barbosa Fernandes
(RE) PENSANDO O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DOS
MÉTODOS ALTERNATIVOS DE PACIFICAÇÃO DE CONFLITOS
............................................................................................................ 411
Marli M. Moraes da Costa e Rodrigo Cristiano Diehl

EMPATIA: perspectivas de atuação e de possibilidades na busca do


sentimento de justiça ......................................................................... 427
Rejane Silva Barbosa

RETRATOS DO ACESSO À JUSTIÇA DAS MULHERES EM


SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: epistemologia feminista
do direito ........................................................................................... 443
Rosinere Marques de Moura

ACESSO À JUSTIÇA, MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE


CONFLITO E O ADVOGADO NO CONTEXTO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...................................................... 455
Thanderson Pereira de Sousa

ONLINE DISPUTE RESOLUTION E O ACESSO À JUSTIÇA: qual é


a contribuição dos serviços privados? ............................................... 473
Wilson Sales Belchior
A FUNÇÃO DO NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS
PARA O ACESSO À JUSTIÇA

Ana Katrine de Moraes Sousa


Natália Carvalho Passos

RESUMO: O Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Faculdade de


Direito da Universidade Federal do Ceará atua em duas frentes, sendo
uma em sua função acadêmica, voltada para a formação prática dos
alunos do curso de Direito, e a outra em sua função social na medida
em que contribui para o acesso à justiça aos que não possuem
condições financeiras de arcar com as despesas de um processo judicial
(honorários advocatícios e custas). O NPJ recepciona diariamente um
considerável número de pessoas que procuram atendimento jurídico e,
em função disso, surgem diversos desafios a serem vencidos. Um
exemplo é a exigência de medidas práticas e proativas no exercício de
atividades voltadas à vinculação de informações relativas a alguns dos
procedimentos estabelecidos pelo núcleo, exigência que é tanto
demandada pelos assistidos quanto pelos estagiários responsáveis pelos
processos. Outro desafio que decorre da grande demanda de
atendimento é a organização e a movimentação dos documentos,
arquivos e pastas processuais, quais exigem muita atenção e eficiência
em sua execução. No atendimento direto às pessoas, temos que levar
em consideração que quase a totalidade de pessoas atendidas são de
origem humildes e procuram soluções para seus problemas civis.
Receber estas pessoas com atenção é fundamental.

Palavras-chave: Função. Social. Acesso. Justiça. Atendimento.


Acadêmica em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ex-bolsista do
Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ). Membro do Grupo de Estudos em Direito e
Assuntos Internacionais (GEDAI). Monitora da Disciplina História e Estudo do
Direito. Email: anakatrinemsn@gmail.com.

Acadêmica em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ex-bolsista do
Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ). Membro do Grupo de Estudos em Direito e
Assuntos Internacionais (GEDAI). Email: nataliacarvalhop97@gmail.com.

1
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

ABSTRACT: The Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) of the Faculty of


Law of the Federal University of Ceará works on two fronts, one in its
academic function, focused on the practical training of law students,
and the other on its social function in the measure In which it
contributes to the access to justice to those who cannot afford to pay the
costs of legal proceedings (legal fees and costs). The NPJ welcomes a
large number of people who seek legal assistance daily and, due to this,
there are several challenges to overcome. An example is the
requirement of practical and proactive measures in the exercise of
activities aimed at linking information related to some of the
procedures established by the nucleus, a requirement that is demanded
both by the assistants and by the trainees responsible for the processes.
Another challenge that arises from the great demand for care is the
organization and movement of documents, files and procedural folders,
which require a lot of attention and efficiency in its execution. In direct
service to people, we have to take into consideration that almost all the
people served are humble origin and seek solutions to their civil
problems. Receiving these people with attention is fundamental.

Keywords: Function. Social. Access. Justice. Attendance.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Desafios decorrentes da Prática


Jurisdicional. 3 O NPJ como laboratório. 4 A atuação da
autocomposição no CPC para resolução de conflitos. 5 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O Núcleo de Práticas Jurídicas é equipamento colocado à


disposição do corpo discente, sendo fundamental para o currículo do
curso de Direito, porquanto viabiliza a formação prática do aluno ao
unir a teoria aprendida no decorrer dos oito primeiros semestres da
faculdade com o estudo e resolução de casos concretos. Tal formação é
efetivada por intermédio das disciplinas de Estágio Supervisionado de
Prática Jurídica I e Estágio Supervisionado de Prática Jurídica II,
estimadas, respectivamente, aos alunos do 9° e do 10º semestre, onde
em ambas se realiza a aplicação científica do Direito.

2
No Estágio I, há a elaboração de peças processuais, isoladas
ou em processos simulados, a participação em atividades externas
(como audiências e sessões de órgãos colegiados) e a presença em
palestras previamente designadas, cujos temas são voltados aos
aspectos práticos da vida profissional. No Estágio II, os alunos efetuam
atendimento ao público, prestando assessoria e consultoria jurídica,
recebem os documentos dos interessados e elaboram as petições
iniciais, sendo a capacidade postulatória exercida pela Defensoria
Pública do Estado do Ceará. O Núcleo não se presta, outrossim, apenas
para o direito litigioso, pois no Estágio II fomentam-se os métodos
extrajudiciais de solução de conflitos, a exemplo da mediação. Todas as
atividades das suas disciplinas ofertadas através do NPJ são realizadas
com a supervisão dos professores orientadores, cuja autonomia
acadêmica e liberdade de cátedra são mantidas e respeitadas (SILVA,
2012).
O Núcleo de Práticas Jurídicas é vinculado a Defensoria
Pública do Estado do Ceará, que por sua vez se consolida como
instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição
Federal.
A importância da Defensoria Pública para a comunidade
cearense é evidenciada na expressiva demanda de processos e
atendimentos tanto nos Núcleos de Práticas Jurídicas quanto em sua
sede na própria Defensoria. Destacam-se dentre o grande leque de
direitos tutelados o usucapião, por exemplo, onde aquele que possui
coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos,
com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á propriedade. Fazendo a
ressalva se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos,
produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Outra demanda tutelada habitualmente no NPJ é o processo de
alimentos, quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem
pode prover, pelo seu trabalho, à própria a mantença, e aquele, de quem

3
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu


sustento, podendo o inadimplente ser constrangido à prisão civil nos
termos (do art. 5º, inciso LXVII, da CF). O processo de alimentos é
disposto não somente nos casos de pai e filho, mas de companheiros
também. Nesse caso o assistido é dirigido a secretaria do NPJ onde em
primeiro momento os bolsistas irão marcar conforme agenda
preestabelecida uma audiência de conciliação onde será resolvida o
valor da pensão, a forma da obrigação bem como prever outras
disposições resultantes do processo de alimentos.
Nessa triagem do Dialogar o(a) assistido(a) leva a carta
convite para entregar ao outro interessado. Na data previamente
agendada, os interessados comparecem para a sessão. Antes do início,
faz-se a pré-mediação com o outro interessado. Realizada a sessão,
havendo acordo, os alunos responsáveis elaboram o termo, a ratificação
do acordo e a petição de homologação, se necessário. Em caso de não
realização do acordo, faz-se o termo de sessão e, se os interessados
desejarem, retomam o atendimento junto aos alunos do NPJ.
"Para o Núcleo de Práticas Jurídicas, a resolução consensual
de conflitos é de fundamental relevância, especialmente no que tange à
efetivação de direitos e fortalecimento de uma cultura de paz. Estamos
localizados no centro da cidade e nosso entorno dá mostras da
importância da consolidação do diálogo como prática social”, declara a
professora Beatriz Rego Xavier, coordenadora do Núcleo. Nos três
primeiros meses de funcionamento, o Núcleo de Conciliação e
Mediação recebeu como principais demandas casos envolvendo o
direito de família, seguido de negociação de dívidas e direito de
vizinhança.
Ainda de acordo com a professora Beatriz, a parceria com a
Defensoria Pública é de extrema importância:

Temos com a Defensoria Pública um estreito


relacionamento que nos permite exercer as atividades de
educação jurídica com os alunos de modo efetivo, seguro,
responsável e com qualidade. Acreditamos ainda no
potencial de trabalho do nosso corpo discente e gostamos
de nos sentir colaboradores da Defensoria Pública do
Estado do Ceará na efetivação de direitos humanos, com
foco no direito das pessoas com deficiência e outros

4
grupos vulneráveis, como pessoas em situação de rua e
assim fortalecer ainda mais o relacionamento com a
Defensoria.

A defensora pública responsável pelo Núcleo, Mylena Maria


Silva Reginaldo, fala da importância desta parceria e do projeto para o
desenvolvimento dos alunos: “A importância da mediação e conciliação
é que, além de propiciar aos alunos novas experiências a respeito da
possibilidade de solução dos conflitos, proporciona as partes
escolherem a melhor forma de diminuírem seus conflitos e assim
promover a justiça social”, declara.
Dessa forma, o Núcleo de Práticas Jurídicas proporciona tanto
para o aluno a efetivação do direito na sua prática, servindo e
contribuindo para a sociedade; como também é incentivado a
desenvolver uma cultura de paz, marcada pelo diálogo que além do seu
caráter humanitário é apontado como uma excelente oportunidade de
desafogar o aparelho jurisdicional resolvendo demandas em uma
simples mesa redonda, não necessitando mover o Judiciário para tutelar
o direito em questão.

2 DESAFIOS DECORRENTES DA PRÁTICA JURISDICIONAL

O homem é um ente social e gregário. Não se concebe, salvo


situações excepcionais, que possa viver isoladamente. Entre as
necessidades humanas mais profundas está a do convívio social, a de
estabelecer relações com outros homens, com as mais diversas
finalidades e os mais variados graus de intensidade. Por isso, desde há
muito tempo que o grupo social estabeleceu regras de conduta,
impostas a todos ou alguns de seus membros. A preservação da vida em
comum exige a imposição de regras, pois o homem não pode existir
exclusivamente para satisfazer os próprios impulsos e instintos
(GONÇALVES, 2009).
A imposição de regras ao indivíduo, pelo grupo social, não é
suficiente para evitar, por completo, os conflitos de interesses. Nem
sempre os bens e valores estão à disposição em quantidade tal que
satisfaça a todos os indivíduos, o que pode provocar disputas. Além
disso, nem sempre os integrantes do grupo social obedecem

5
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

espontaneamente às regras de conduta por eles impostas. Em


decorrência, percebeu-se que não basta simplesmente estabelecer regras
de conduta se não há meios de impô-las coercitivamente. De nada vale
a proibição se não há como impor o seu cumprimento (DIDIER
JUNIOR, 2015).
Essas circunstâncias geravam tal insatisfação entre os
membros da coletividade que havia risco à sobrevivência desta. Foi só
com o surgimento do Estado que se encontrou uma solução satisfatória
para a resolução de conflitos. E é o Direito Processual Civil o ramo do
direito que contém as regras e os princípios que tratam da jurisdição
civil, isto é, da aplicação da lei aos casos concretos, para a solução de
conflitos de interesses pelo Estado-juiz.
Aquele que se pretenda titular de um direito que não vem
sendo respeitado pelo seu adversário pode ingressar em juízo, para que
o Estado faça valer a norma de conduta que se aplica ao fato em
concreto. É com a intervenção do Estado que os direitos se tornam
efetivos e podem ser realizados e satisfeitos, quando não o foram
espontaneamente. O juiz deve estar sempre atento ao fato de que o
processo não é um bem a que se aspira por si mesmo, mas um meio de
obter a solução dos conflitos de interesses e a pacificação social. Ele é
o instrumento da jurisdição (NEVES, 2015). Em sentido semelhante
Theodoro Júnior (2000) ressalta a identificação do Estado Democrático
de Direito no instrumento processual.

Tão decisiva é a participação do mecanismo do


direito processual no Estado de nossos tempos que
se pode mesmo identificar o Estado Democrático de
Direito como aquele em que as garantias
fundamentais dos direitos do homem se acham
adequadamente protegidas por um eficaz sistema de
processo judicial [...] Por isso mesmo, as diversas
tutelas que se atribuem constitucionalmente ao
processo não devem estar limitadas ao âmbito das
simples declarações de princípios, mas, sim, hão de
se traduzir em providências de ordem prática, reais e
eficazes, com vigência efetivamente certa para cada
caso concreto que se traga à solução judicial. Em

6
outras palavras, o processo deve corresponder, em
remédios práticos, àquilo que a ordem
constitucional espera dele, como instrumento ágil de
efetivação das garantias integrantes do sistema.

Com a evolução do processo como um todo criou-se os


juizados especiais cíveis, que procuram facilitar o acesso jurisdicional
tornando consumidores da justiça pessoas que possivelmente não
levariam a juízo seus litígios de menor extensão; as tutelas de
urgências, que buscam minimizar os efeitos danosos da demora do
processo; a tutela dos interesses difusos e coletivos, atribuídas a
determinados entes o que resultou na lei de ação civil pública e na
proteção coletiva do consumidor, entre outros.
O que se tem buscado, portanto, é a universalização da justiça,
seja facilitando-lhe o acesso a todos, seja distribuindo melhor os ônus
da demora no processo, seja permitindo a tutela dos interesses que, por
fragmentados entre os membros da coletividade, não eram
adequadamente protegidos.
E se mencionando a demora do processo, elencamos na nossa
pesquisa a morosidade da justiça um dos grandes desafios a serem
enfrentados por quem pleteia a tutela de um direito. E se para nós na
posição de bolsistas foi difícil entender toda o tramite judicial que um
processo passa até chegar a sentença do juiz, mais difícil ainda é
explicar todo esse procedimento ao assistido que muitas vezes chega ao
Núcleo aflito e carecedor de uma informação pertinente em relação a
sua demanda.
Foram muitas as vezes que diante de uma demanda altamente
delicada tivemos que com muita atenção explicar ao assistido que seu
processo sequer teria entrado nas nossas estatísticas, seja pelo direito
em si, seja pela falta de um documento. E essa simples falta de um
documento gera uma demora muitas vezes irreparável para a razoável
duração do processo.
Atrelado a isso cabe se destacar o prazo, que é o conjunto de
atos encadeados que se sucedem no tempo. Para que ele não se eternize
a lei estabelece limites temporais dentre os quais o ato processual deve
ser praticado. O prazo é sempre uma quantidade de tempo que se fixa
para a realização de um ato, conta-se a partir de um outro ato que seja

7
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

anterior ou posterior. É diferente a natureza dos prazos impostos às


partes e ao juiz e seus auxiliares. De modo geral, o delas (as partes) é
preclusivo, o que se quer dizer que o desrespeito ao prazo implicará a
perda da faculdade processual de praticar o ato (preclusão). Os prazos
preclusivos são denominados próprios, e como regra, são os impostos
às partes, ao Ministério Público quando participa nessa qualidade e aos
terceiros intervenientes.
Ainda sobre a preclusão, é um instituto de suma importância
para o andamento do processo, pois sem ela, os processos se
eternizariam. No entanto, pouca atenção tem lhe sido dada. O processo
é uma sequência coerente e regular de atos que encadeados buscam
chegar a uma finalidade. Para que isso ocorra, é preciso que as fases e
situações processuais ultrapassadas tornem se estáveis sem perigo de
retrocesso.
As partes têm o ônus de realizar as atividades processuais no
prazo, sob pena de não poder mais fazê-lo posteriormente. Também não
podem praticar atos que sejam incompatíveis com outros realizados
anteriormente. Sem isso, o processo correria o risco de retroceder a
todo momento.

3 O NPJ COMO LABORATÓRIO

Assim como no âmbito da medicina os hospitais são os locais


de colocar em prática a teoria, no Direito uma de suas aplicações ocorre
nos Núcleos de Práticas Jurídicas. É no NPJ onde acontece a fusão dos
conhecimentos jurídicos obtidos durante as aulas e a leitura doutrinária
ao caso concreto. Momento este em que há a observação do caso,
experimentação das teorias e seus resultados.
A observação se dar no momento do atendimento em que os
estagiários ouvem os relatos dos assistidos e enquadram o fato à norma.
Determinando o que poderá ser feito para atender à causa de pedir do
assistido, quais métodos processuais se mostrarão eficazes e se o
Núcleo de Prática Jurídica detém competência para executar o pedido.
O que ocorria quando se tratava de violência contra a mulher em que a
atendida era dirigida à Delegacia da Mulher ou ao tratar de assuntos
que poderiam ser resolvidos com o auxílio dos Juizados Especiais

8
(quando os custos processuais não ultrapassassem vinte salários
mínimos) em que não há necessidade de representação por advogado e
a inexistência daquele formalismo presente nas audiências que iam
desde a forma de comunicação até o vestuário. Deixando o cidadão
mais à vontade e afastando o temor ao Judiciário.
A experimentação pode ser entendida como aquele momento
em que se constata se os meios utilizados (petição, documentação
pessoal ou referente à demanda) são viáveis para alcançar o fim a que
foram propostas. Se obtivessem êxito passariam para as vistas da
defensora. Caso isso não ocorresse alterações eram feitas tanto na
petição quanto na documentação e assim serem submetidas à defensora.
O resultado era concretizado quando se deferia o pedido
presente na petição inicial. Ele também era obtido quando se fazia
acordos extrajudiciais, já que o Núcleo de Práticas Jurídicas possui um
projeto chamado Dialogar onde são realizadas a Conciliação e a
Mediação. Na conciliação, o conciliador (no caso professoras) tem uma
participação mais ativa no processo de negociação, podendo inclusive
sugerir soluções para o litígio. A técnica da conciliação é mais indicada
para os casos em que não havia vínculo anterior entre os envolvidos.
Enquanto na mediação, o mediador não propõe soluções aos
interessados. Ela é por isso mais indicada nos casos em que exista uma
relação anterior e permanente entre os interessados, como os casos de
conflitos societários e familiares. Portanto, ao utilizar- se desses meios
extrajudiciais não haveria a necessidade de acionar o Poder Judiciário.
Dentre a dinâmica do Núcleo de Prática Jurídica existem
alguns procedimentos processuais. O procedimento como assim é
entendido pela doutrina processualista como uma sucessão de atos
interligados de maneira lógica e consequencial visando a obtenção de
um objetivo final.
Ao aplicar- se essa definição ao Núcleo de Práticas Jurídicas a
sucessão de atos se dava com o atendimento, produção da petição,
revisão pelos professores, envio para a defensora e caso estivesse apta
recebia um protocolo para só então ser enviada a sua respectiva Vara
(Cível ou de Família) nesse momento era realizada uma ligação para
informar ao assistido que ele deveria entrar em contato com o Tele
Justiça a fim de adquirir uma senha para acompanhamento do processo

9
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

on-line através do e- SAJ (O portal e- SAJ é uma solução que visa


facilitar a troca de informações e agilizar o trâmite processual por meio
de diversos serviços WEB voltados para os advogados, cidadãos e
serventuários da justiça. Após o envio à respectiva Vara a depender do
caso, realiza-se o julgamento e a obtenção do objetivo final: atender à
causa de pedir do assistido. E esse ciclo iniciado nos Núcleos de Prática
Jurídica em parceria com a Defensoria Pública estaria completo.

4 A ATUAÇÃO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NO CPC PARA


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A autocomposição é uma interessante e cada vez mais popular


forma de solução dos conflitos sem a interferência da jurisdição,
estando fundada no sacrifício integral ou parcial do interesse das partes
envolvidas no conflito mediante a vontade unilateral ou bilateral de tais
sujeitos. O que determina a solução do conflito não é o exercício da
força, como ocorre na autotutela, mas a vontade das partes, o que é
muito mais condizente com o Estado democrático de direito em que
vivemos. Inclusive é considerado atualmente um excelente meio de
pacificação social porque inexiste no caso concreto uma decisão
impositiva, como ocorre na jurisdição, valorizando- se a autonomia da
vontade das partes na solução dos conflitos.
A autocomposição é um gênero, do qual são espécies a
transação – a mais comum -, a submissão e a renúncia. Na transação há
um sacrifício recíproco de interesses, sendo que cada parte abdica
parcialmente de sua pretensão para que se atinja a solução do conflito.
Trata- se do exercício de vontade bilateral das partes, visto que quando
um não quer dois não fazem a transação. Na renúncia e na submissão o
exercício de vontade é unilateral, podendo até mesmo ser consideradas
soluções altruístas do conflito, levando em conta que a solução durante
um processo decorre de ato da parte que abre mão do exercício de um
direito que teoricamente seria legítimo. Na renúncia, o titular do
pretenso direito simplesmente abdica de tal direito, fazendo-o
desaparecer juntamente com o conflito gerado por sua ofensa, enquanto
na submissão o sujeito se submete à pretensão contrária, ainda que
fosse legítima sua resistência.

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Cumpre observar que, embora sejam espécies de
autocomposição, e por tal razão formas de equivalentes jurisdicionais, a
transação, a renúncia e a submissão podem ocorrer também durante um
processo judicial, sendo que a submissão nesse caso é chamada de
reconhecimento jurídico do pedido, enquanto a transação e a renúncia
mantém a mesma nomenclatura.
Verificando- se durante um processo judicial, o juiz
homologará por sentença de mérito a autocomposição (art. 269, II, III,
V, do CPC), com formação de coisa julgada material. Nesse caso, é
importante perceber que a solução do conflito deu- se por
autocomposição, derivada da manifestação da vontade das partes, e não
da aplicação do direito objetivo ao caso concreto (ou ainda da criação
da norma jurídica), ainda que a participação homologatória do juiz
tenha produzido uma decisão apta a gerar a coisa julgada material.
Dessa forma, tem-se certa hibridez: substancialmente o conflito foi
resolvido por autocomposição, mas formalmente, em razão da sentença
judicial homologatória, há o exercício de jurisdição.

5 CONCLUSÃO

Ao nos depararmos com os casos relatados pelos assistidos


ficou clara a discrepância que há entre o Direito Teórico e o Prático,
principalmente quanto aos prazos processuais. O que faz com que esses
processos se alonguem por muito tempo e a parte fique sem uma
resposta rápida e eficaz. Então, surge essa reflexão do que poderia ser
feito para amenizar essas diferenças. Seriam mudanças nos Códigos de
Processo (Civil e Penal), capacitação para servidores, ensino
diferenciado nas faculdades e a humanização no atendimento?
A Defensoria Pública do Estado do Ceará, como órgão auxiliar
da justiça é de grande relevância ao prestar atendimento à população
hipossuficiente que não dispõe de salário para arcar com as custas
processuais e honorários sucumbenciais. Este que é um direito e
garantia fundamental inerente ao Estado Democrático de Direito.Vide
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: Artigo 5º,
inciso LXXIV - O Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Fazendo com

11
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que o fator econômico não se torne uma barreira direta ao exercício de


seus direitos.
É sabido o quão os fóruns são requisitados, já que são eles os
aparelhos estatais utilizados para amparar as demandas o que vem
gerando um expressivo “engarrafamento” de processos que não pode
ser abarcada por sua estrutura e trabalho humano. É nesse viés que a
criação dos Núcleo de Práticas Jurídicas nas Faculdades de Direito
tornou-se uma boa solução para desafogá-los e permitir que o cidadão
obtenha atendimento e a possível efetivação de seus direitos.
Após o contato com os mais diversos casos, nosso senso de
empatia foi aumentado de forma significativa. Vivenciar a relação das
pessoas e a polarização das suas lides na busca pela resolução de
conflitos em uma mesa redonda, é sem dúvidas uma experiência
engradecedora. A valorização das pessoas naquele ambiente marcado
pela resolução da divergência só evidencia o quanto é possível um
acordo benéfico para todos os envolvidos.

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados


Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2000.

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao


direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed.
Salvador: JusPodivm, 2015. v.1.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito


processual civil, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual


civil, 7. ed. Rio de Janeiro ; São Paulo: Forense ; Método: 2015.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. Novo Núcleo de Prática


Jurídica – NPJ. Disponível em: <https://goo.gl/BV5tLm>. Acesso em:
1 abr. 2017.

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A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO
INSTRUMENTOS DE ACESSO À JUSTIÇA:
perspectiva a partir dos direitos humanos

Alessandra Almeida Barbosa


José Welhinjton Cavalcante Rodrigues

RESUMO: Esta pesquisa trata do acesso à justiça através de


mecanismos alternativos de resolução de conflitos de interesses sob a
perspectiva dos direitos humanos, com o olhar direcionado para a
realidade do Centro de Mediação e Conciliação do NPJ/FAFIC. Nesse
sentido, pretende-se verificar em que medida o Centro de Mediação e
Conciliação, localizada no alto sertão paraibano, promove o direito ao
acesso à justiça da população cajazeirense “necessitada”. Diante dos
diversos obstáculos enfrentados por aqueles que buscam se socorrer
junto ao Poder Judiciário para reivindicar direitos, teria o Centro de
Mediação e Conciliação o condão de favorecer o acesso à justiça?
Constituiu-se como metodologia deste estudo o foco nos dados
coletados em termos positivos e negativos de audiência e outros
documentos junto ao Centro, durante o período que vai de setembro de
2013 a setembro de 2015. Em poucas linhas, é forçoso concluir que
toda a engrenagem ambientada nas dependências do NPJ/FAFIC,
notadamente os serviços do Centro, não cuida apenas de reforçar
expectativas quanto a uma solução extrajudicial com resultado positivo,


Possui graduação em Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (PB) (2016). Possui pós-graduação em
Direito Penal pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (PB)
(2017). Mestranda em Ciências Criminológico - Forense pela Universidad de la
Empresa - UDE - Montevidéu (Uruguay).

Graduado do curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC). Especialista em Direito Penal pela FAFIC.
Atualmente cursa especialização em Docência do Ensino Superior. Advogado pela
OAB-PB.

13
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

na verdade, no horizonte dos direitos humanos, indicam um processo


de fortalecimento da cidadania e de inclusão social dos cidadãos
cajazeirense.

Palavras-chave: Acesso à justiça. Resolução de conflitos. Direitos


humanos.

ABSTRACT: This research paper deals with the access to justice


through alternative mechanisms for resolving conflicts of interest from
the human rights perspective, with looks on the reality of the Mediation
and Conciliation Center NPJ/FAFIC (Juridical Practice Center). In this
sense, it is intended to verify to what extent the Mediation and
Conciliation Center, located in the Sertão of Paraiba, promotes the right
of access to justice of the people from Cajazeiras in "need”. Faced with
various obstacles faced by those who seek help from the Judiciary to
claim rights, would the Mediation and Conciliation Center have the
right to favor of access to justice? It was based as methodology in this
study the focus on data collected in positive and negative audience and
other documents from the Center during the period from September,
2013 to September, 2015. In a few lines, it is necessary to conclude that
the whole engine set in the premises of the JPC/FAFIC, notably the
Center's services, not only seeks to reinforce expectations regarding a
positive out-of-court solution, in fact on the horizon of human rights,
indicate a process of strengthening citizenship and social inclusion of
the citizens of Cajazeiras.

Keywords: Access to justice. Conflict resolution. Human Rights.

1 INTRODUÇÃO

A presente investigação busca verificar em que medida o


Centro de Mediação e Conciliação da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Cajazeiras (FAFIC), localizada no alto sertão paraibano,
promove o direito ao acesso à justiça da população cajazeirense
“necessitada”, a partir da perspectiva dos direitos humanos. Assim,
diante dos diversos obstáculos enfrentados por aqueles que buscam se

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socorrer junto ao sistema judicial para reivindicar direitos violados,
seria o Centro de Mediação e Conciliação uma alternativa adequada e
eficaz com capacidade de favorecer o acesso à justiça?
Constituiu-se como metodologia deste estudo o foco nos dados
coletados e armazenados pelo Núcleo Prática Jurídica (NPJ) da FAFIC,
durante o período que vai de setembro de 2013 a setembro de 2015. Por
quatro dias foram levantados os termos positivos e negativos de
audiência e outros documentos junto às dependências do NPJ. Com
isso, priorizou-se selecionar informações relacionadas a quantidade de
casos aportados, suas respectivas áreas do direito e a quantidade de
processos que foram efetivamente objeto de sessão de mediação e
conciliação.
O trabalho está dividido em três seções. Na primeira seção,
busca-se situar o leitor quanto às questões atinentes a concepção atual
de acesso à justiça, considerando, para tanto, a abordagem de
Cappelletti e Garth (1988). Na seção seguinte, pretende-se estender o
tema do acesso à justiça diante da perspectiva dos direitos humanos,
utilizando o discurso de Santos (2003 e 2007). Na terceira e última
seção, são apresentados os dados colhidos junto ao NPJ/FAFIC no
sentido de expor os primeiros resultados alcançados com esse desafio
que é lidar com os mecanismos alternativos de resolução de conflitos.

2 O ACESSO À JUSTIÇA

Com o intuito de estabelecer noções básicas sobre o tema


“acesso à justiça”, nessa seção serão trazidas discussões jurídicas sobre
o seu conceito sob a perspectiva de Cappelletti e Garth (1988). Partindo
daí, serão apresentadas as três “ondas renovatórias” de acesso à justiça,
notadamente com maior enfoque na terceira “onda”, por ser a mais
pertinente à finalidade pretendida nesse paper.
A ideia de “acesso à justiça” traz em si um conteúdo difícil de
ser esmiuçado, apesar disso é dela que surgem dois fins básicos do
sistema jurídico. O primeiro diz respeito à possibilidade de
reivindicação de direitos, enquanto o segundo trata da resolução de
conflitos, segundo Cappelletti e Garth (1988). A partir dessas
finalidades torna-se possível apontar como o sistema deve ser e quais

15
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

resultados deverão ser produzidos. Decorre disso dois desdobramentos:


a igual acessibilidade ao sistema de justiça e a produção de soluções
jurídicas individuais e socialmente justas.
Fato é que, como nunca antes, o sistema judicial assumiu tão
intenso protagonismo diante da reinvindicação de direitos e da
resolução de conflitos. Não há apenas um fator que identifique os
motivos de ser dessa procura pelo Poder Judiciário, sendo esse um
movimento perceptível em todos os países semiperiféricos, como é o
caso do Brasil. Mesmo assim, é consenso que a precarização dos
direitos econômicos e sociais guarda relação com esse fenômeno,
destacam Santos (2007) e Brandão (2010).
O mundo apresenta uma situação de elevadas e acentuadas
desigualdades, contudo cada vez mais as classes populares têm
percebido essas desigualdades, e não apenas se sensibilizado, mas
também adquirido consciência que elas são injustas e atingem
bruscamente os seus direitos. No Brasil, o quadro não poderia ser outro.
Os brasileiros, conscientes de que seus direitos estão sendo violados,
têm acionado Juízes e Tribunais para terem contempladas as políticas
sociais. O sistema da administração pública, incapaz de dar conta das
prestações sociais, tem sido substituído pelo sistema judicial, apontam
Santos (2007) e Brandão (2010).
Como se não bastasse, tem-se percebido um verdadeiro
deslocamento da legitimidade dos poderes Executivo e Legislativo,
para o campo de atuação do Poder Judiciário, anotam Santos (2007) e
Brandão (2010). A expectativa é grande no sentido de que as questões
não recebidas pelas políticas públicas sejam resolvidas através do
sistema judicial, o que tem estimulado a predominância de uma cultura
judiciária, diz Brandão (2010).
Diante desse cenário, o conceito de acesso à justiça foi sendo
adaptado, sofrendo modificações a depender do tempo e do lugar.
Durante os séculos XVIII e XIX, esse acesso consistia basicamente no
direito formal de cada pessoa agravada de propor ou contestar uma
ação, afirma Cappelletti e Garth (1988). Essa noção refletia uma ótica
notadamente individualista dos direitos, onde estes guardavam relação
direta com o processo, o que acarretava o império da formalidade.
Mesmo assim, com a expansão das sociedades e com a

16
intensificação das relações sociais, a concepção dos direitos humanos
começou a sofrer uma mudança radical, na percepção de Cappelletti e
Garth (1988). Paralelamente a predominância de relações mais
coletivas do que individuais, passou o Estado a ser demandado como
parte ativa, responsável por uma atuação positiva, no reconhecimento
de direitos, menciona Brandão (2010). Com isso, os direitos sociais
passaram a ser contemplados a nível constitucional.
Ao relacionar a efetividade de direitos com a expansão não
restrita ao acesso à justiça, surge então a noção de “ondas renovatórias”
desse acesso, alerta Brandão (2010). Ao todo, são três as “ondas
renovatórias”: a um, a associada com a assistência judiciária; a dois, a
relacionada com a representação jurídica dos interesses difusos; e, a
três, com o “enfoque de acesso à justiça”, desenvolve Cappelletti e
Garth (1988).
A terceira “onda renovatória”, denominada de “enfoque de
acesso à justiça”, receberá especial atenção neste estudo por se entender
mais pertinente no tratamento de questões relacionadas aos
mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos. Esta onda
direciona-se para a expansão dos instrumentos relacionados a um pleno
acesso à justiça, isso porque ela dar ênfase ao conjunto geral de
instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos usados para
processar e inclusive prevenir embates nas sociedades contemporâneas,
articula Cappelletti e Garth (1988). Trata-se da Justiça informal, da
ampliação da mediação e da simplificação da lei.
Conforme lição de Gryszpan (1999, p. 100), a terceira onda:

[...] decorreu e, ao mesmo tempo, englobou as anteriores,


expandindo e consolidando o reconhecimento e a
presença, no Judiciário, de atores até então excluídos,
desembocando num aprimoramento ou numa
modificação de instituições, mecanismos, procedimentos
e pessoas envolvidos no processamento e na presença de
disputas na sociedade.

Essa onda tratou de lidar com a busca por soluções para dois
problemas bem específicos, quais sejam: a um, a adoção de
procedimentos mais especializados e que sejam econômicos e

17
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

eficientes; a dois, a promoção de uma justiça que fosse realmente mais


acessível, tendo por apoio critérios de equidade distributiva e social,
como ocorre na conciliação e na mediação, explica Ribeiro (2012).
A mera representação judicial não basta, pois, por vezes, a
própria instituição e o procedimento não são suficientemente eficientes.
A reflexão é clara no sentido de que o sistema judiciário precisa ser
repensado. Pontua Cappelletti e Garth (1988, p. 71):

Esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla


variedade de reformas, incluindo alterações nas formas de
procedimento, mudança na estrutura dos tribunais ou a
criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas ou
para profissionais, tanto como juízes quanto como
defensores, modificações no direito substantivo destinado
a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de
mecanismos privados ou informais de solução dos
litígios.

Ainda tem em conta que o processo deve se adaptar a cada


tipo de litígio e também que se tem que verificar quais partes estão
envolvidas em um tipo de litígio. Sem perder de vista, inclusive, como
a solução da disputa repercute socialmente, uma vez que não
permanece conectada apenas aos litigantes, acentua Ribeiro (2012).
Emanada da terceira onda renovatória de reformas para as
dificuldades da justiça, a questão da mediação e da conciliação,
notadamente através dos Centros de Mediação e Conciliação, assume
importância na medida em que se propõe a ser um novo enfoque para o
acesso à justiça.
Ao se observar as primeiras menções normativas aos
mecanismos de resolução de disputas de interesses, pode-se verificar
que, no Brasil, a Constituição Imperial de 1824 assegurava que nenhum
processo poderia ser iniciado sem que antes houvesse a tentativa de
resolução do conflito pelos meios de conciliação, diz Chaves e Sales
(2014). Com isso, a conciliação passava a ter caráter de
obrigatoriedade. Porém, esse caráter preliminarmente obrigatório fora
abolido com o Decreto nº 359/1890, em virtude de a conciliação ter
sido considerada como algo caro e dispensável na composição dos
litígios.

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As Constituições de 1937 e 1946, por sua vez, inspiraram-se
na Justiça de Paz do Império, o que resultou nas figuras dos
conciliadores e dos juízes togados com investidura limitada no tempo
que tinham competência para julgar causas de pequeno valor.
O Código de Processo Civil (CPC), de 1973, apresentava uma
seção a respeito da conciliação. No CPC de 2002, o artigo 125, IV,
autorizou o juiz a convocar, a qualquer tempo, as partes para tentar
conciliar. Isso é igualmente reafirmado no artigo 331, que foi modicado
pela Lei n. 8.952/94, e pela Lei n. 10.444/02.
A conciliação está prevista nos artigos 21 ao 26, da Lei n.
9.099/1995, denominada de Juizados Especiais, onde se percebe certa
prioridade à tentativa de conciliar. Nessa mesma Lei, merece destaque
ainda o artigo 57 que trata da validade do acordo produzido
extrajudicialmente que passa a ter valor de título executivo judicial. A
conciliação também teve o seu espaço estabelecido na Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT) que prevê expressamente a conciliação em
seus artigos 846 e 850, em momentos distintos do processo,
incentivando a composição amigável, dentre outras, evidenciam Chaves
e Sales (2014).
O debate sobre mediação foi difundido no Brasil com a vinda
de profissionais especializados de outros países nos anos de 1980. A
partir daí, criou-se em 1994 o Instituto de Mediação e Arbitragem do
Brasil (IMAB) e o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e
Arbitragem (CONIMA), entre outras instituições.
No ano de 2010, com a Resolução nº 125, o Conselho
Nacional de Justiça, com o intuito de criar uma cultura do consenso,
instituiu a Política Judiciária Nacional que visa dar um tratamento
adequado e eficaz aos conflitos de interesses através da utilização dos
mecanismos de resolução de conflitos, passando a honrar, de fato, o
princípio da razoável duração do processo.
Em 2014, foi debatido o Projeto da Mediação, denominado de
Projeto de Lei n. 7.169/14, na Câmara dos Deputados, sob a relatoria
do Deputado Federal Sérgio Zveiter, que visualizava os métodos
alternativos de resolução de conflitos como instrumentos
concretizadores da democracia. Tal Projeto de Lei foi transformado na
Lei Ordinária n. 13.140/15.

19
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Ainda nesse mesmo ano, foi lançada pelo Ministério da Justiça


a chamada “Estratégia Nacional de Não Judicialização (Enajud)”,
visando evitar que fossem levados ao Poder Judiciário aqueles conflitos
que poderiam ser resolvidos com a utilização dos meios alternativos,
tanto para o setor público como para o setor privado.

3 O ACESSO À JUSTIÇA NORTEADO PELA ÓTICA DOS


DIREITOS HUMANOS

Nesta seção, busca-se situar a discussão sobre acesso à justiça


no horizonte dos direitos humanos, no sentido de tentar favorecer o
diálogo. Não se pode perder de vista o potencial emancipatório dos
direitos humanos, capaz, inclusive, de promover a inclusão social.
Nesse sentido, pretende-se dialogar com as ideias de Santos (2003 e
2007) a respeito de como o acesso à justiça poderia atuar para
promover mudanças sociais no contexto da globalização1.
Os direitos humanos representam um fenômeno complexo,
particularmente quando são criados e exercidos como forma de
globalização hegemônica2 ou como globalização contra-hegemônica3.
Como ressalta Santos (2003), parece que uma determinada política
contra-hegemônica de direitos humanos é imprescindível, porém
somente é realizável modificando processos de interação nos quais se
desenvolvem as globalizações.

1
Por globalização entende-se aqui o processo onde dada condição ou mesmo
entendida local expande seu poder ao restante do mundo e, assim feito, desenvolve a
capacidade de visualizar como sendo doméstica outra condição social ou entidade
rival, conforme Santos (2003).
2
A globalização hegemônica compreende os processos guiados para a acumulação e
apropriação capitalista, sendo que sua hegemonia está no consenso que beneficia os
grupos dominantes, o que promove a exclusão social.
3
A globalização contra-hegemônica reúne os vários movimentos locais, algumas
vezes articulados mundialmente e que buscam a solidariedade e o bem comum, que
batalham em desfavor dos efeitos cruéis da globalização hegemônica, de acordo com
Santos (2003).

20
Assim sendo, é necessário que as formas de localismo
globalizado e de globalismo localizado sejam modificadas 4. Nessa
esteira, surge o cosmopolitismo subalterno de oposição5,
compartilhando a batalha contra a exclusão social, com articulações
concretizadas através da tecnologia de informação e de comunicação.
Surge ainda o patrimônio comum da humanidade, que volta atenção aos
temas mais importantes na comunidade internacional, como outros
formatos habilitados para favorecer uma globalização contra-
hegemônica, nos termos de Santos (2003).
O cosmopolitismo subalterno de oposição se revela como uma
alternativa de refúgio para aqueles socialmente excluídos, vitimados
por uma concepção hegemônica. De tal sorte, o cosmopolitismo
subalterno solta aos olhos daqueles que tem sua dignidade
desrespeitada, especialmente se considerada a comunidade humana em
que habitam.
Por sua vez, para a realização de outros formatos, Santos
(2003) indica pressupostos para a mudança da globalização
hegemônica em projeto cosmopolita. Assim, forma o conjunto desses
pressupostos a sugestão de superação da discussão sobre as concepções
universalista e relativista cultural, propondo a aceitação da existência
de diversas ideias diferentes de dignidade da pessoa humana que não
somente estaria pautada em termos de direitos humanos. Estaria
reunida nesse conjunto a necessária distinção entre luta pela igualdade
e luta pelo reconhecimento igualitário das diferenças, assim como a
ideia de que cada cultura não é completa, principalmente pela
existência de uma pluralidade de culturas.
Considerando esses pressupostos, tem-se estabelecido um
diálogo intercultural que desemboca em uma noção multicultural de

4
O localismo globalizado consiste na forma na qual um fenômeno específico local se
torna global. Já o globalismo localizado compreende o impacto de práticas e
imperativos internacionais nas condições locais, segundo Santos (2003).
5
O cosmopolitismo subalterno de oposição “[...] é a forma político-cultural de
globalização contra-hegemônica. É, numa palavra, o nome dos projectos (sic)
emancipatórios cujas reivindicações e critérios de inclusão social se projectam (sic)
para além do capitalismo global” (SANTOS, 2003).

21
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

direitos humanos. Como forma de tornar viável isso, aplica-se a


hermenêutica diatópica, cujo esforço centra-se em expandir ao máximo
a consciência da incompletude mútua através de um diálogo que leva
em conta diferentes culturas, manifesta Santos (2003).
Essa formulação converge com a discussão sobre o acesso à
justiça na medida em que este é tido como requisito fundamental,
portanto, um direito humano dos mais básicos, de um sistema jurídico
moderno e igualitário que tenha o objetivo de declarar e assegurar os
direitos de todas as pessoas, diz Cappelletti e Garth (1988).
Observada a relação entre acesso à justiça e direitos humanos,
pode-se compreender que aquele está sujeita à complexidade destacada
por Santos (2003), no que diz a estar fortemente voltada a manutenção
da ordem da maneira como está ou para concretizar a realização de
direitos. Nesse sentido, ao tratar de meios de fruir de direitos, encontra-
se a relação processual como meio de conexão entre o cidadão e o
Estado, notadamente quando se procura a solução de conflitos e a
garantia de direitos, destaca Cintra (2002).
Desse modo, afirma Brandão (2010) que para que o acesso à
justiça funcione no processo contra-hegemônico, em face da promoção
de mudanças sociais, há que se garantir que por esse acesso se favoreça
a promoção de direitos como um todo, incluindo além do acesso à
justiça, os direitos civis, culturais, econômicos e sociais. Continua a
mesma autora (2010) dispondo que é compreensível que, na busca por
soluções judiciais, sejam reforçadas expectativas com um possível
resultado favorável. No entanto, sob a ótica dos direitos humanos, o
acesso à justiça deve ultrapassar essa mera expectativa e dar ênfase ao
caminho que será percorrido até chegar à sentença.
Dar atenção ao caminho, entre outros fatores, de acordo com
Brandão (2010), implica em uma consciência de que a busca pelo
Judiciário tem aumentado para uma classe de pessoas antes
consideradas invisíveis nesse contexto por não dispor de condições
econômicas de promover o acesso a seus direitos. Tem-se, com isso, um
espaço para aqueles cidadãos que tomaram consciência de que os
vários processos de mudança constitucional lhes deram direitos
significativos, dispõe Santos (2007).
Continua Brandão (2010, p. 22):

22
Na contramão da exclusão social a que estão
acostumados, esses sujeitos têm deixado pistas de como
podem existir outras manifestações de questionamento,
justamente pela via do direito, pela via da legalidade.
Nessa linha, [...] entende-se que esse acesso à justiça
pode-se transformar em um mecanismo de inclusão
social. Na medida em que se volta para o reconhecimento
de que outras relações sociais também têm guarida na
arena de poder, que tem o Estado como árbitro, entende-
se que esse acesso pode vir a fortalecer a cidadania.

Outro percurso possível para se atingir um pleno acesso à


justiça demanda processos de transformação das interações através de
uma política de emancipação. Assim, a luta travada em busca dos
direitos humanos e da dignidade da pessoa humana não pode se resumir
a um simples exercício de intelectualidade, mas deve se dá na prática
decorrente de uma dedicação afetiva, emocional e moral, tendo por
apoio a incondicionalidade do inconformismo e da exigência de ação,
leciona Santos (2003).
É no sentido de que a luta travada em busca dos direitos
humanos e da dignidade da pessoa humana, aqui dando ênfase ao
acesso à justiça, não compreende apenas uma mera ação cognitiva, foi
por essa razão que se objetivou verificar em que medida o Centro de
Mediação e Conciliação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Cajazeiras (FAFIC), localizada no alto sertão paraibano, promove o
direito ao acesso à justiça da população cajazeirense “necessitada”.

4 O CASO DO CENTRO DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO DA


FAFIC

O Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) existe com a finalidade de


facilitar o acesso da população mais carente ao judiciário, exercendo a
sua função social na dentro dos limites da Comarca de Cajazeiras
(compreendendo os municípios de Cajazeiras, Cachoeira dos Índios e
Bom Jesus, todas localizadas no interior da Paraíba). Atuam no NPJ os
alunos dos cursos de Bacharelado em Ciência Jurídicas e Sociais
(Direito), de Bacharelado em Serviço Social e de Bacharelado em

23
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Ciências Contábeis. Sendo o atendimento totalmente gratuito e


integrado nas áreas jurídica, contábil e da assistência social.
Um dos serviços oferecidos pelo NPJ, fruto de um convênio
com o Tribunal de Justiça da Paraíba, é o Centro de Mediação e
Conciliação que funciona desde setembro de 2013, realizando sessões
de medição6 e conciliação7 semanais com a participação dos alunos dos
cursos de Direito e Serviço Social na condição de mediadores e
conciliadores8, sempre acompanhados por professores daquele curso na
figura de coordenador da sessão autocompositiva. O Centro atua nas
áreas do Direito Civil, do Direito do Consumidor e do Direito de
Família, entre outras.
O levantamento dos dados compreende o período que vai de
setembro de 2013 (data em que foi firmada a parceria do núcleo com o
Tribunal de Justiça) até setembro de 2015. Primeiramente, foram
colhidos todos aqueles processos aportados no NPJ e, posteriormente,

6
A mediação pode ser compreendida como um método fundamentado, teórica e
tecnicamente. Funciona com a figura de uma terceira pessoa, neutra e especialmente
treinada, que ensina os mediandos a despertar seus recursos pessoais para que
consigam transformar o conflito. Essa transformação constitui oportunidade de
construção de outras alternativas para o enfrentamento ou a prevenção de conflitos,
lenciona Barbosa (2004).
7
A conciliação consiste em um mecanismo de obtenção de autocomposição
desenvolvido através da figura do conciliador que pode ser exercido por qualquer
pessoa indicada pelas partes, desde que seja um terceiro, neutro e imparcial. Tem
como método a participação mais efetiva desse terceiro na proposta de solução, tendo
por objetivo a solução do conflito que lhe é apresentado nas petições das partes,
destaca Calmon (2007).
8
É válido desde já mencionar que a conciliação e a mediação têm características
próprias que os distinguem. A conciliação é indicada aos conflitos de natureza não
afetiva, onde as partes envolvidas não pretendem ter um convívio ou relação futura.
Enquanto que a mediação, como já foi dito, atua na esfera dos conflitos de cunho
emocional, afetivo, dentro de uma relação continuada de sentimentos. Dessa forma,
percebe-se que a conciliação se distingue na mediação quanto à sua natureza, haja
vista, a Conciliação ser mais utilizada nas hipóteses de conflitos que envolvam
questões tanto comercial/empresarias como questões referentes ao consumidor. Tanto
o mediador como o conciliador, atuam como facilitadores de um possível acordo entre
as partes, porém, diferente do mediador o conciliador tem a faculdade de apontar a
melhor opção de solução para assim se resolver um conflito, indicam Andrade e Sales
(2004).

24
aqueles processos que foram objeto de sessão de mediação e
conciliação, visto que nem todos as pessoas que buscaram os serviços
do Centro deram prosseguimento ao feito.
Nesse sentido, o quadro a seguir trata dos casos que foram
aportados no NPJ.

Quadro 1: Distribuição de casos aportados no Centro de Conciliação e


Mediação de Cajazeiras – NPJ/FAFIC

NÚMERO DE
CASOS/ANO TOTAL DE
ÁREAS
CASOS
2013 2014 2015
Direito de família 7 38 19 64
Ação de cobrança 7 33 18 58
Ação de obrigação
3 29 22 54
(fazer/dar)
Ação de indenização
por danos morais e 8 5 7 20
materiais
Ação de execução 0 8 0 8
Ação previdenciária 1 4 3 8
Ação de retificação
0 2 1 3
de nome
Ação de reintegração
1 2 2 5
de posse/usucapião
Ação declaratória 2 0 0 2
Ação de restituição –
ressarcimento de 6 1 2 9
valor ou coisa
Ação de reclamação
0 5 2 7
trabalhista
Ação penal 0 5 2 7
Ação de repetição de
0 2 4 6
indébito
Ação de consignação 0 0 1 1

25
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

em pagamento

Ação de inventário 0 0 1 1
Ação reclamatória em
face de nomeação por 0 0 1 1
concurso público
Ação de impugnação
0 0 1 1
à contestação
TOTAL 35 134 86 255
Fonte: Os autores.

Como se observa no quadro acima, as situações mais


levantadas, dentro dos três anos de recorte temporal da pesquisa,
perante o Centro de Mediação e Conciliação envolveram o Direito de
Família (com 64 casos); ações de cobrança, portanto, que versavam
sobre relações de consumo (com 58 casos) e ações de obrigação (com
54 casos). Em contrapartida, as situações menos acionadas foram ações
de consignação em pagamento, de inventário, reclamatória em face de
nomeação em concurso público e de impugnação à contestação (com
um caso cada uma); ação declaratória (com dois casos) e ação de
retificação de nome (com três casos).
Ainda é possível acentuar, a partir da tabela exposta acima,
que houve uma procura bastante significativa pelos serviços prestados
pelo Centro de Mediação e Conciliação do ano de 2013 a 2014, o que
se justifica diante da expectativa da população de ter um acesso a seus
direitos por meio de uma via mais célere do que a ofertada pelo
Judiciário. Quando observado o ano de 2015, percebe-se que houve
uma redução das pessoas que buscaram atendimento.
Dos casos aportados no ano de 2013, notou-se que 12
processos foram arquivados por terem sido judicializados, 14 processos
tiveram sessão de mediação/conciliação realizada, cinco processos
foram objeto de arquivamento devido a desídia ou desistência das
partes, dois processos estão paralisados no cartório do NPJ, um
processo foi julgado improcedente e um processo teve sua extinção
declarada sem resolução do mérito.
A situação atual dos processos levados ao Centro no ano de

26
2014 consiste em 24 casos arquivados devido as partes terem preferido
se socorrer ao Poder Judiciário; 57 casos tiveram sessão de
mediação/conciliação realizada; 23 processos foram arquivados em
virtude de desídia ou desistência das partes; quatro processos estão
aguardando alguma movimentação e, por isso, estão paralisados no
cartório do NPJ.
Ainda quanto aos casos do ano de 2014, registrou-se que 15
processos foram arquivados por falta de documentação; três encontram-
se arquivados devido requerimento do estagiário ou recomendação da
coordenação do NPJ por se enquadrarem nos casos de incompetência
de foro; sete casos foram arquivados por falta de algum dos
pressupostos da ação; e um por falecimento da parte autora.
No tocante a situação processual dos casos levados ao NPJ em
2015, observou-se que nove encontram-se arquivados por terem sidos
judicializados; 37 processos foram levados à mediação, vinte e cinco
foram arquivados por desídia ou desistência das partes; sete casos estão
arquivados por falta de documentação; quatro processos estão
arquivados por requerimento do estagiário ou recomendação da
coordenação do NPJ por se enquadrarem nos casos de incompetência
de foro; e quatro foram arquivados por falta de algum dos pressupostos
da ação.
Pode-se perceber que dos 255 processos que foram aportados
no NPJ/FAFIC, durante o período em que foram coletados os dados,
nem mesmo metade chegaram a ser objeto de discussão em alguma
sessão de mediação e/ou conciliação, mesmo as partes tendo sido
avisadas de todas as vantagens que o processo da mediação/conciliação
traria para as partes.
Muitos dos processos foram arquivados por ausência das
partes, e, em alguns casos, ausência da própria parte que buscou o
serviço do NPJ/FAFIC, ou mesmo a falta de entrega da documentação
necessária, o que demonstra algum desinteresse nesses mecanismos de
resolução do conflito. Houve ainda quem preferisse acionar o Poder
Judiciário, mesmo com a possibilidade de um desgaste físico e
psicológico maior, além da morosidade processual que caracteriza o
sistema judicial. A cultura do conflito ainda se faz presente na
mentalidade das pessoas que residem em Cajazeiras-PB.

27
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Permanece, contudo, o questionamento sobre a quantidade de


casos que efetivamente tiveram sessão de mediação e/ou conciliação
realizadas e qual foi o resultado alcançado. O quadro 2 abaixo
apresenta dados nesse sentido.

Quadro 2: Distribuição de casos com sessão de mediação e/ou


conciliação realizada no Centro de Conciliação e Mediação de
Cajazeiras – NPJ/FAFIC

ÁREAS NÚMERO DE TOTAL DE


CASOS/ANO CASOS
2013 2014 2015
Direito de família 1 11 6 18
Cobrança 4 24 11 39
Obrigações 1 12 11 24
Indenizatórias 4 2 0 6
Execução 0 7 0 7
Restituição- 3 0 0 3
ressarcimento
Trabalhista 0 0 1 1
Ação penal 0 1 0 1
Reintegração de 1 0 1 2
posse
Ação de limite de 0 0 1 1
vizinhança
Ação de 0 0 1 1
consignação em
pagamento
Ação de inventário 0 0 1 1
Ação de repetição de 0 0 4 4
indébito
TOTAL 14 57 37 108
Fonte: Os autores.

A partir do apresentado no quadro 2, constatou-se que em


2013, dos 14 casos em que foram realizadas sessões de medição e/ou

28
conciliação, em seis processos alcançaram-se termos positivos, ou seja,
acordos foram efetivados. Em quatro casos as partes nem se quer
compareceram à sessão, portanto, foram lavrados termos negativos; e
em três processos, mesmo depois do processo de medição e/ou
conciliação, as partes resolveram recorrer às vias judiciais, o que
acarretou na lavratura de termos negativos; e em um caso as partes não
levaram a documentação necessária, razão pela qual o termo negativo
foi produzido.
No ano de 2014, dos 57 processos que foram levados à
mediação e/ou conciliação, 22 tiveram termos positivos; em 30, as
partes nem se quer compareceram à sessão, portanto, resultaram em
termos negativos, incluindo-se os casos de desistência da parte; em um
caso, mesmo depois do processo de medição e/ou conciliação, as partes
resolveram recorrer às vias judiciais; e em quatro processos as partes
não chegaram a um acordo.
No que diz ao ano de 2015, observou-se que 37 processos que
foram levados à mediação/conciliação, em 10 tiveram termos positivos;
em 20 casos, as partes nem se quer compareceram à sessão, incluindo-
se nos casos de desistência da parte; em seis processos houve
impossibilidade de acordo; e teve uma situação em que se caracterizou
a indisponibilidade do interesse público.
Dessa forma, foram feitas 108 sessões de mediação e/ou
conciliação ao todo no período que vai de setembro de 2013 a setembro
de 2015. Houve 38 sessões em que as partes fizeram acordos, sendo
que as 70 sessões restantes não resultaram em acordos pelas razões
acima detalhadamente mencionadas. Assim, o que se percebe é que,
mesmo diante desse novo horizonte representado pelos mecanismos
alternativos de resolução de conflitos, ainda permanece arraigado no
imaginário das pessoas alguma preferência pela litigiosidade que o
sistema judicial tem a oferecer.
Não restam dúvidas do caráter inovador da ação desenvolvida
pelo NPJ/FAFIC em convênio com o Tribunal de Justiça da Paraíba,
uma vez que se tem no Centro de Mediação e Conciliação um espaço
democrático, de luta no que diz a reivindicação de direitos humanos e
da dignidade humana violada da população cajazeirense que, não raras
vezes, enfrenta inúmeros obstáculos no acesso à justiça formal. É uma

29
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

luta difícil que ocorre diariamente nas dependências da FAFIC e que se


firma através da prática.
A mediação e a conciliação são meios adequados e efetivos de
acesso à justiça que representam um novo horizonte a ser explorado
devido ao seu enorme potencial de combater os obstáculos de acesso a
uma justiça que frequentemente falha e tarda no atendimento das
demandas levantadas pelos necessitados na forma da lei e,
principalmente, na forma da realidade. Somente a prática pode trazer
resultados amplos, capazes de surtirem efeitos concretos.

5 CONCLUSÃO

Como foi observado no decorrer deste artigo, o Centro de


Mediação e Conciliação do NPJ/FAFIC favorece um acesso à justiça
que funciona como processo contra-hegemônico, especialmente devido
estimular mudanças sociais, na medida em que se garante através desse
acesso a promoção de direitos humanos que levam em conta sua
característica de complementaridade. Toda a engrenagem ambientada
nas dependências do NPJ/FAFIC, notadamente os serviços do Centro,
não cuida apenas de reforçar expectativas quanto a uma solução
extrajudicial com resultado positivo, na verdade, no horizonte dos
direitos humanos, indicam um processo de fortalecimento da cidadania
e de inclusão social da população cajazeirense necessitada.
A Justiça informal, capitaneada aqui pelos mecanismos da
mediação e conciliação, tem se expandido para um grupo de pessoas
antes taxado como invisíveis e apontam no sentido de possibilitar sua
emancipação. Apesar dos dados apresentados ao longo da investigação
sugerirem que ainda permanece presente no imaginário das pessoas
alguma preferência pela litigiosidade que o Poder Judiciário tem a
ofertar, pode-se destacar que a semente está sendo plantada, e os
resultados iniciais, apesar de tímidos, podem ser percebidos. Cabe
ainda uma maior sensibilização da população a respeito desses
mecanismos alternativos, seja através de campanhas que os divulguem
nos jornais impressos e eletrônicos locais, emissoras de rádio e em
eventos científicos, seja através de parceiras e convênios com órgãos e
instituições que busquem vivenciar uma cultura de paz.

30
É importante não perder de vista que a promoção de direitos
em um cenário de fortes desigualdades como é o Brasil,
especificamente Cajazeiras-PB, não significa que o Centro de
Mediação e Conciliação do NPJ/FAFIC esteja destinado ao sucesso ou
ao fracasso. É bem verdade que na realidade, as diversas contradições
podem sugerir que experiências bem-sucedidas podem ser construídas
em contextos adversos e de muita complexidade. Contudo, apenas o
tempo e a luta diária poderam definir o resultado desse desafio.

REFERÊNCIAS

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Mediação em perspectiva: orientação para mediadores comunitários.
Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2004.

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: instrumento para a


reforma do judiciário. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.).
Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004.

BRANDÃO, Juliana Ribeiro. Percepções sobre acesso à justiça:


olhares dos usuários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
2010. 205 f. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) –
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010.

COLMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da Conciliação.


Rio de Janeiro: Forence, 2007.

CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto


Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1988.

CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano; SALES, Lilia Maia de


Morais. Mediação e conciliação judicial – a importância da capacitação
e de seus desafios. Sequência (Florianópolis), n. 69, 2014, p. 255-280.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;

31
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São


Paulo: Malheiros Editores, 2002.

GRYNSPAN, M. Acesso e recurso à Justiça no Brasil: algumas


questões. In: CARVALHO, J. M. (org.). Cidadania, Justiça e
violência. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de


direitos humanos. In: ________. Reconhecer para Libertar: os
caminhos para o cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.

________. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo:


Cortez Editora, 2007.

32
EDUCAÇÃO JURÍDICA E A MEDIAÇÃO COMO
EIXO DE REFUNDAÇÃO DAS ESCOLAS DE
DIREITO

Ana Paula Araújo de Holanda


Maria do Carmo Barros
Marlea Nobre da Costa Maciel
Tiago Amorim Nogueira

RESUMO: Para se ter uma proposta de refundação das escolas de


Direito é preciso voltar ao passado. Conhecer a origem, o percurso dos
cursos de direito, ou seja, seu passado, seu presente e assim sonhar com
o futuro. Na codificação genética da educação brasileira tem-se o marco
do pensamento conservador português, com fortes conotações
religiosas. Ë preciso um desprendimento conceitual para uma melhor
compreensão de nossas raízes escolares. A criação das escolas de
Direito no Brasil está umbilicalmente ligada à política e aos intelectuais


Advogada. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR.
Especialista em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre
em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Doutoranda em Direito pela
Universidad Rovira i Virgili - URV. Professora da Universidade de Fortaleza –
UNIFOR. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/CE. E-mail:
apaholanda@hotmail.com.

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza. Especialista em
Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Tecnologia de Palmas. Membro da
Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem e da Comissão de Ensino
Jurídico da OAB/CE. Assessora Jurídica da Regional VI da Prefeitura Municipal de
Fortaleza. E-mail: mariabarros_advce@hotmail.com.

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza. Especialista em
Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Christus, Mestranda em
Processo e Direito ao Desenvolvimento no Centro Universitário Christus. Membro da
Comissão de Ensino Jurídico da OAB/CE. E-mail: marleanobre@hotmail.com.

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Farias Brito (2015.2). Atualmente é
Secretário Geral Adjunto da Comissão de Ensino Jurídico e membro da Comissão de
Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará. Pesquisador
do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais na Universidade Federal
do Ceará - GEDAI – UFC. E-mail: amorim.advce@gmail.com.

33
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

componentes da estrutura estatal do século XIX. É importante relembrar


o surgimento dos cursos de Direito no Brasil para que se possa
compreender a necessidade de adequar e buscar novos paradigmas.

Palavras-chave: Mediação; Direito; Justiça;

1 AS CARAVELAS CHEGAM EM TERRA BRASILIS

Falar da sua origem representa um olhar no embrião do


modelo que posteriormente foi seguido e adaptado pelos nossos
bacharéis e só assim será possível compreender a importância desse
movimento de construção de uma identidade intelectual e cultural para
o Brasil1.
O controle ideológico-doutrinário da matriz - Portugal - nas
escolas superiores do Brasil contribuíram para o atraso do
desenvolvimento acadêmico, ora pela precariedade das instalações
físicas, ora pela falta de professores2, ora pela falta de livros
atualizados, por se tratar de doutrina portuguesa, fatos que se somam a
própria realidade econômica, social, política que também estava
atrelada aos ditames dos interesses de Portugal.
O ensino superior no Brasil serviu de base para a construção e
sustentação de uma elite econômica, apropriando-se da estrutura
política e ocupando os cargos políticos e administrativos. O bacharel
em direito passa a ter relevante importância política na construção do
Brasil Império e Brasil República.
Contudo desde a fundação dos cursos de direito no Brasil

1
Com a vinda da família real para o Brasil ocorreu o engajamento da mesma na
realidade ainda precária da cultura nacional. Em 1808, D. João VI cria as escolas
especiais de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, a cadeira de Artes Militares. Tal
medida ameniza apenas parcialmente a carência nacional, pois não se constituía em
Faculdades, quiçá Universidades. A sociedade brasileira continuava a ser dependente
de Portugal, no tocante à cultura jurídica; só os abastados é que podiam alimentar-se
do bacharelismo. O direito não possuía um celeiro para desenvolver suas pesquisas,
pois estávamos atrelados aos ensinamentos e doutrinas estudadas em Coimbra. É com
este precário panorama nacional que se defrontava nosso país após a Independência.
2
Na época professores eram chamados de lentes.

34
havia um descompasso entre a realidade acadêmica e os desejos da
sociedade, sedenta de novos saberes, e ávida por aplicação concreta dos
estudos de então. Fato que percorre o século XVII e no final do século
XIX e início do século XX assim se posiciona Clóvis Beviláqua: o país
necessitava de uma reformulação do ensino, direcionando-o para uma
realidade concreta, tendo como proposta que “o ensino da primeira
idade é preciso ser dado em família, para que bem longe se lance pela
vida do homem a salutar influência feminina, cabendo ao Estado o
ensino posterior” (BEVILÁQUA, 1975, p. 44).
A reforma do “ensino livre”3, iniciada em 1870, gerada apenas
após a Proclamação da República surge de forma ainda precária e
distante da real necessidade brasileira. Basta se ter em mente que
ausência dos estudos de Psicologia, que para Clóvis Beviláqua, é de
fundamental importância seu estudo nos cursos jurídicos, por entender
se tratar de um conhecimento necessário ao aprendizado da filosofia do
direito bem como do direito criminal.
Para Clóvis Beviláqua (1975, p. 375); a reforma do ensino
promovida por Benjamin Constant

[...] operou grandes transformações no ensino público do


país. Não somente se criaram cadeiras nas Faculdades de
Direito, como se imprimiu um caráter mais consentâneo
com as idéias do tempo, à concepção geral de ensino
jurídico. Pela primeira vez se teve, no mundo oficial, a
compreensão da real importância da história e da
legislação comparada, com o elemento elucidativo da
função social do Direito.

A Reforma trouxe consigo a descentralização educacional e, no


dizer de Venâncio Filho (1982), a reforma nivelou do federalismo
político ao federalismo educacional. Com isso rompe-se com o
monopólio de Recife e de São Paulo no ensino do direito. Ocorre uma
disseminação de vários cursos e faculdades de direito pelo Brasil.
Paralelamente a reforma do ensino, surge na cidade de Recife
um movimento, que romperá com os paradigmas do então modelo de

3
Reforma do ensino livre foi idealizada e implementada por Benjamin Constant, em
2 de janeiro de 1891, por meio do decreto n° 1232-H.

35
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

ensinar e pensar o Direito: A Escola do Recife. Uma escola que


representou um giro epistemológico no debate nacional, e proporcionou
ainda uma abertura doutrinaria e uma atualização das matrizes jurídicas
brasileiras.
O seu advento projetou-se um novo olhar nas academias
brasileiras, influenciando várias escolas de direito no Brasil. Sua
pujança cultural influenciou inclusive com a mesma esteia doutrinária, a
criação das Faculdades de Direito da Bahia (1891) e do Ceará (1903) 4, a
partir das ampliações promovidas pela reforma do ensino de Benjamin
Constant.

2 BREVES NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O ENSINO DO


DIREITO NO BRASIL

Os primeiros cursos jurídicos brasileiros foram criados a partir


da Carta de Lei sancionada por Dom Pedro I, em 11 de agosto de 1827.
Portanto, esta data é o referencial de fundação da cultura jurídica
nacional, com sedes inicialmente, em São Paulo e Olinda. Eram
chamados de Academias de Direito – art. 1º da referida lei. O Curso de
São Paulo foi instalado no Convento de São Francisco, em março de
1828, e o de Olinda foi instalado no Mosteiro de São Bento, em maio do
mesmo ano. Em 1954 os cursos jurídicos passaram a ser denominados
de Faculdades de Direito. No mesmo ano o curso de Olinda foi
transferido para Recife. Já em 1869 foi implementada a reforma do
ensino livre, com base na liberdade do aluno, permitindo inclusive sua
ausência nas aulas, podendo apenas prestar as provas. Tal ideia
constitui-se em um projeto extremamente revolucionário para os
padrões intelectuais da época sendo hoje utilizado em várias
universidades, especialmente nas europeias. Como exemplo podemos
citar a Faculdade de Direito da Universidade de Roma La Sapienza e,
em outras áreas, na Gregoriana, também de Roma.

4
LUZ, E. P. G.; HOLANDA, A. P. A.; MACIEL, M. N. C. Entrelaçamentos das
escolas de Direito do Brasil e de Portugal: reflexões sobre o passado e o porvir na
cultura de Paz e nos Direitos Humanos. In: HOLANDA, Ana Paula Araújo de et al.
(org.). Direitos Humanos: Histórico e Contemporaneidade. Fortaleza: Premius
Editora, 2014. v. 1, p. 49-64.

36
O Conselho Federal de Educação em 1962, regulamenta pela
primeira vez um currículo mínimo5 para os cursos de Direito. Haja vista
que até o momento tinham ocorrido pequenos ajustes sem grande
reflexo no cenário do ensino do direito. Com esta concepção de
currículo os cursos podiam adaptar o currículo pleno à realidade local e
regional através das disciplinas a serem ofertadas para totalizar a carga
horário do curso.
Com a Resolução n. 3 de 1972 do Conselho Federal de
Educação amplia o espaço humanístico na educação jurídica. A
estrutura curricular mínima passa ter como disciplinas básicas:
Introdução ao Estudo do Direito, Economia e Sociologia e como
disciplinas profissionalizantes: Direito Constitucional (Teoria Geral do
Estado), Civil, Penal, Comercial, Trabalho, Administrativo, Processual
Civil e Penal e mais duas a serem escolhidas entre: Direito Internacional
Público e Privado, Tributário, Marítimo, Romano, Agrário,
Previdenciário, Medicina Legal, e adiciona o estágio, muito embora
alguns cursos entenderam-no como Disciplina de Prática Forense Civil
e Penal.
Com a obrigatoriedade de estágio, a carga horária é ampliada
para 2700 horas, tendo como tempo de duração de 04 (quatro) a 07
(sete) anos. Com estas alterações mesmo assim é preciso uma
reformulação acadêmica herdada pelas mudanças sociais e políticas
ocorridas no Brasil. O Brasil ingressa na democracia ainda com os seus
cursos de direito atrelados ao modelo da ditadura militar. Urge a
necessidade de adaptação aos novos paradigmas condizentes com a
realidade social e política do Brasil liberto.
Em 1994 em consonância com as demandas das academias de
Direito, que desejam profundas mudanças no desejado perfil do egresso
a Portaria MEC N. 1.886/19946, que passou a ser a base moderna de
regulação dos currículos dos cursos de direito, conjuntamente com as
5
O Ministério impõe o curso com duração mínima de 5 anos e elenca 14 disciplinas
obrigatórias: Introdução à Ciência do Direito, Direito: Civil, Comercial,
Constitucional (incluindo TGE), Internacional Público, Administrativo, Trabalho,
Penal e Financeiro, Práticas: Civil e Penal, Medicina Legal e Economia Política.
6
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portaria nº 1886, de 30 de dezembro de 1994.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5
jan. 1996, seção 3, p. 238.

37
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

diretrizes curriculares7 definidas posteriormente (2000). A referida


portaria foi um produto do amplo debate travado nacionalmente
(ocorreram três seminários regionais) que culminou com o Seminário
Nacional dos Cursos Jurídicos com foco na elevação da qualidade e
avaliação, em 1993. Com bases neste debate, foi apresentado um
relatório final, que serviu de base para elaboração da dita Portaria8.
Com o advento da nova Lei das Diretrizes e Bases - LDB, Lei
nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, normativo basilar de todas as
orientações e regulação da educação brasileira. No dizer de Holanda
(2002, p. 39-40) a LDB trouxe em seu grande bojo a flexibilização
curricular, como caminho de criação de grades curriculares peculiares
ao interesse e vocação de cada discente e universidade, ampliando,
portanto, a autonomia individual e institucional.
A Portaria 1886/1994 serviu inicialmente como diretriz para os
projetos pedagógicos dos cursos de Direito. A concepção de diretrizes
curriculares tem por base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a partir das
indicações fornecidas pelo Parecer nº 776/1997 da Câmara de Educação
Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo Edital
nº 4/1997 da SESu/MEC, com o fito de sistematizar a Portaria nº 1.886,
de 30 de dezembro de 1994 surgem as diretrizes curriculares nacionais
para os cursos de Direito.

7
Consultar: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/dir_dire.pdf>. Acesso em: 10
out 2014. Tais orientações contou com a ampla participação da comunidade
acadêmica que teve suas opiniões sistematizadas pela Comissão de Especialistas de
Ensino de Direito (CEED/SESu/MEC) em parceria com a Comissão de Ensino
Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
8
Disposições básicas: a) carga horária: 3300h; b) tempo: 5 a 8 anos; c) o curso de
Direito deverá abranger as atividades de ensino, pesquisa e extensão; d) institui as
atividades complementares. Conteúdo mínimo: 1) disciplinas fundamentais:
Introdução ao Direito, Filosofia Geral e Jurídica, Ética Geral e Profissional,
Sociologia Geral e Jurídica, Economia e Ciência Política; 2) disciplinas
profissionalizantes: Direito Constitucional, Civil, Administrativo, Tributário, Penal,
Processual Civil e Penal, Trabalho, Comercial e Internacional; 3) estágio obrigatório
de no mínimo 300 horas; 4) Trabalho de conclusão de curso um monografia; 5)
disciplinas optativas com foco na regionalização e contextualização sócio-econômica
e 6) novos direitos. Assim ficam distribuídos os eixos no currículo pleno.

38
Portanto, as diretrizes curriculares têm uma concepção
didático-pedagógica voltada para a humanização do profissional do
Direito. Os projetos pedagógicos dos cursos de Direito passam a ter
maior autonomia acadêmica, com maior inserção regional de cada
curso, segundo suas vocações, demandas sociais e mercado de trabalho,
propiciando ao acadêmico seu melhor preparo intelectual e profissional.
Propõem as diretrizes uma ruptura como o modelo antigo de
educação jurídica, centrada e concentrada no montante de informação,
sem a devida percepção em formar uma cultura crítica aos seus
bacharéis em direito.
Com a implementação da Portaria nº 1.886/94, somando-se as
Condições de Oferta dos cursos, os Padrões de Qualidade, a aplicação
do Exame Nacional de Cursos, além da própria adoção do Exame de
Ordem pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tais mecanismos
redefiniram os Cursos Jurídicos no Brasil, adicionando a todos estes
instrumentos a definição de um Projeto Pedagógico democrático e
participativo.
Em 2004 surge uma nova diretriz curricular para o Direito
através da Resolução n° 9, de 29 de setembro de 20049 do Conselho
Nacional de Educação, como intuito de aprofundar as matrizes da
previstas na Portaria N. 1886/1994. Tal normativa visa possibilitar aos
acadêmicos um espaço educativo mais reflexivo e crítico acerca do
fenômeno jurídico, sem perder de vista a dimensão inerente ao homem
o exercício da cidadania, tendo por fundamento os eixos de

9
BRASIL. Resolução CNE/CES n° 9, de 29 de setembro de 2004 do Conselho
Nacional de Educação. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Direito e dá outras providências. Disponível em:
<https://goo.gl/uekCEe>. Acesso em 26 dez 2014. Ver também: Pareceres CNE/CES
ns 236/2009 e 150/2013.

39
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

fundamental, profissional e prático10, todos voltados para uma


educação libertária.
Portanto, o Currículo Pleno deve proporcionar ao aluno os
instrumentos teóricos e práticos para a aplicação dos requisitos acima
elencados, e sempre que possível estabelecer a dimensão inter e
transdisciplinar do direito, viabilizando, por conseguinte, sua
participação no mercado de trabalho.

3 MEDIAÇÃO: uma ponte possível na formação do novo


profissional de direito

Com a Portaria Nº. 1886/18994 tem-se no ensino do direito o


início do processo de discussão, desenvolvimento e quiçá verdadeira
aplicação do instituto da mediação. Tal afirmativa remete ao próprio
texto da referida portaria na medida que o mesmo nos dá apenas
lampejos de acesso à justiça e de conciliação, posto não referir a em
nenhum momento a mediação, como se ver nos Arts. 10 e 11, in verbis:

Art. 10. O estágio de prática jurídica, supervisionado


pela instituição de ensino superior, será obrigatório e

10
Resolução nº 9/2004: Art. 5o O curso de graduação em Direito deverá contemplar,
em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades
que atendam aos seguintes eixos interligados de formação: I - Eixo de Formação
Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as
relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que
envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia,
Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia, II - Eixo de Formação Profissional,
abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas
as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados
sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua
aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas
relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com
o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial,
Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e III - Eixo de
Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos
desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o
Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

40
integrante do currículo pleno, em um total de 300 horas
de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas
pelo aluno sob controle e orientação do núcleo
correspondente.
§1º O núcleo de prática jurídica, coordenado por
professores do curso, disporá instalações adequadas para
treinamento das atividades de advocacia, magistratura,
Ministério Público, demais profissões jurídicas e para
atendimento ao público.
§2º As atividades de prática jurídica poderão ser
complementadas mediante convênios com a Defensoria
Pública outras entidades públicas judiciárias
empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a
participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos
e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que
venham a ser instalados em dependência da própria
instituição de ensino superior.
Art. 11. As atividades do estágio supervisionado serão
exclusivamente práticas, incluindo redação de peças
processuais e profissionais, rotinas processuais,
assistência e atuação em audiências e sessões, vistas a
órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e
técnicas de negociações coletivas, arbitragens e
conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do
núcleo de prática jurídica. (grifo nosso)

Há que se afirmar que mesmo sem uma citação expressa do


instituto da mediação, ocorre neste momento uma ruptura de
paradigma, tendo em vista que o estágio deixa de ser um mero
cumprimento legal (práticas forenses até então existentes) e passa a
assumir um papel de protagonista no projeto pedagógicos dos cursos de
Direito.
Tal instrumento normativo imprime um novo papel as
Instituições de Ensino Superior - IES, que é o de prestar serviço
jurídico ao cidadão com foco nos hipossuficientes, estimulando assim
que a IES’s rompam seus muros e caminhe em direção à sociedade
civil com sua função social. As atividades de prática jurídica também
podem ser exercidas neste momento mediante convênio com

41
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Defensoria Pública11 outras entidades públicas judiciárias


empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação
dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica,
ou em juizados especiais.
Depreende-se o real interesse da portaria em voltar os cursos
de direito para o social, quando refere à Defensoria Pública, entidade a
época pouco conhecida e na maioria dos estados da federação brasileira
inexiste. Reporta-se, também, as outras entidades e em especial aos
Juizados Especiais, órgão que atua essencialmente com conciliação.
Portanto, passa o estágio curricular a proporcionar
primordialmente ao discente as vivências das habilidades profissionais
necessárias e exigidas ao bacharel em direito a partir de um condão
social. Ressalte-se que a entrada em vigor da Portaria 1886/1994
deveria ser 1996, porém foi postergada para 199712 com ajustes que
protelaram a aplicabilidade da mesma, ou seja, o início real dos
estágios, nos cursos de direito, só viria a ocorrem no início de 200013 e
na maioria das IES apenas em 2002 ou 2003.
Neste contexto depreende-se que não havia a necessária
aplicação quer simulada quer real da mediação, pois a normativa

11
BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 13 jan. 1994. Disponível
em: <https://goo.gl/n8wgzA>. Acesso em: 10 jan. 2008. CEARÁ. Lei Complementar
No. 06, de 28 de abril de 1997. Diário Oficial [do] Estado do Ceará, 29 abr. 1997.
Disponível em: <http://www.defensoria.ce.gov.br/normas/lei-organica-estadual/>.
Acesso em: 10 jan 2008.
12
Por meio da Portaria no 3 de 9 de janeiro de 1996 foi alterada a aplicação das
diretrizes curriculares fixando sua obrigatoriedade “aos alunos matriculados a partir
de 1997, nos cursos jurídicos que, no exercício de sua autonomia, poderão aplicá- las
imediatamente.”
13
O curso de Direito da Universidade de Fortaleza inaugurou seu Escritório de
Práticas Jurídicas - EPJ em agosto de 2000 devidamente conveniado com a
Defensoria Pública do estado do Ceará, sob a coordenação de Ana Paula Araújo de
Holanda. Em 2001 amplia seu espectro de atendimento com uma sala de conciliação.
Fato que de pronto se demostra insuficiente e de imediato são construídas mais duas
salas com nova especificidade, passam a ser denominadas salas de conciliação e
mediação. Em 2004 o EPJ cria o Serviço de Solução Extra-judicial de Disputas –
SESED (mediação, conciliação, negociação e aconselhamento patrimonial). Ver:
HOLANDA, 2014.

42
mencionava apenas a técnicas de negociações coletivas, arbitragens e
conciliação, ou seja, muito havia que ser percorrido.

3.1 A MEDIAÇÃO FORMALMENTE NOS NORMATIVOS


EDUCACIONAIS

A Resolução Nº. 09/200414 que constituiu as novas diretrizes


curriculares para os cursos de Direito não tratou expressamente da
obrigatoriedade do conteúdo dos meios de solução consensuais nos
currículos dos cursos de Direito e nem de sua prática junto aos Núcleos
de Prática Jurídicas das IES15, conforme segue, in verbis:

Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente


curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos
desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil
do formando, devendo cada instituição, por seus
colegiados próprios, aprovar o correspondente
regulamento, com suas diferentes modalidades de
operacionalização.
§1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na
própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica,
que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo
com regulamentação própria, aprovada pelo conselho
competente, podendo, em parte, contemplar convênios
com outras entidades ou instituições e escritórios de
advocacia; em serviços de assistência judiciária
implantados na instituição, nos órgãos do Poder
Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública
ou ainda em departamentos jurídicos oficiais,
importando, em qualquer caso, na supervisão das
atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser

14
BRASIL. Resolução n° 9, de 29 de setembro de 2004 do Conselho Nacional de
Educação. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Direito e dá outras providências. Disponível em: <https://goo.gl/VrQEhj>. Acesso
em: 26 dez. 2014.
15
O curso de Direito da Universidade de Fortaleza através do seu Escritório de
Práticas Jurídicas – EPJ já disponibilizava os serviços de mediação e conciliação
desde 2002, ou seja, muito antes de tias institutos ingressarem formalmente nos
instrumentos de avaliação. Posto que a Resolução 09/2004 não tratava expressamente
destes institutos.

43
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

encaminhados à Coordenação de Estágio das IES, para a


avaliação pertinente.
§ 2º As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas
e reorientadas de acordo com os resultados teórico-
práticos gradualmente revelados pelo aluno, na forma
definida na regulamentação do Núcleo de Prática
Jurídica, até que se possa considerá-lo concluído,
resguardando, como padrão de qualidade, os domínios
indispensáveis ao exercício das diversas carreiras
contempladas pela formação jurídica.

Portanto, tem-se neste normativo o visível retrocesso no


tocante aos meios de solução consensuais de disputas em relação à
Portaria Nº. 1886/1994, que foi por esta nova normativa revogada.
Tem-se também do Programa Nacional de Direitos Humanos –
3 (2010, p. 129)16 a assertiva:

Reafirma-se a centralidade do direito universal de acesso


à Justiça, com a possibilidade de acesso aos tribunais por
toda a população, com o fortalecimento das defensorias
públicas e a modernização da gestão judicial, de modo a
garantir respostas judiciais mais céleres e eficazes.
Destacam-se, ainda, o direito de acesso à Justiça em
matéria de conflitos agrários e urbanos e o necessário
estímulo aos meios de soluções pacíficas de
controvérsias.

E, combinado com o Plano Nacional de Educação em Direitos


Humanos (2003, p. 38)17 que traz em seu bojo a Educação superior
com o compromisso da

16
BRASIL. Programa Nacional de Direito Humanos (PNDH-3). Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasília: SEDH/PR,
2010. Disponível em: <https://goo.gl/vhd3SS>. Acesso em: 10 out 2014. Foi criado
inicialmente pela Decreto N. 7.037, de 21 de dezembro de 2009 e atualizado pelo
Decreto N. 7.177, de 12 de maio de 2010.
17
BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília,
Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da Educação, 2003. Disponível
em: <https://goo.gl/zJG6n7>. Acesso em: 10 out. 2014.

44
[...] produção do conhecimento é o motor do
desenvolvimento científico e tecnológico e de um
compromisso com o futuro da sociedade brasileira, tendo
em vista a promoção do desenvolvimento, da justiça
social, da democracia, da cidadania e da paz.

Porém, a realidade mostra-se em total descompasso entre o


ensino ministrado nas salas de aula e sua aplicação nos contextos:
profissional, social, político e econômico, ou porque as escolas de
Direito não estão preparadas a crítica e aplicação dos novos olhares do
Direito, ou porque estão descompasso entre o posto nos normativos e a
metodologia de aplicação em sala de aula, ou porque as escolas não
preparam seus alunos, futuros profissionais, para a realidade concreta.

3.2 A MEDIAÇÃO, A ESCOLAS DE DIREITO E O NOVO CPC18

A partir dos normativos acima tratados tem-se um raio x da


realidade vivenciada nos cursos de Direito, ou seja, há um previsão
legal, quer em normativos diretamente vinculados as escolas de
direitos, quer em normativos subsidiários a educação superior, em
especial ao ensino do Direito que mais de duas décadas nos conclama a
refletir sobre o Direito não mais como espaço de solução de
controvérsias ditadas pelo juiz, mas sim como espaço constitutivo de
diálogo, de reconstrução do afeto, o seja, de disseminação de uma
cultura não adversarial, de uma cultura de Paz.
O Conselho Nacional de Justiça estabelece um marco
regulatório para a cultura de Paz junto ao Sistema de Justiça quando em
29 de novembro de 2010 institui a Resolução Nº. 12519, que visa
disseminar a mediação e a conciliação quando através deste normativo
instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento aos conflitos de
18
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 17 mar.
2015. Disponível em: <https://goo.gl/2U1Dv9>. Acesso em: 30 out. 2015.
19
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de
2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Portal
CNJ - Atos Administrativos, Brasília. Disponível em: <https://goo.gl/NamHtm>.
Acesso em: 30 nov. 2015.

45
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

interesses, conclamando o Poder Judiciário a ofertar a sociedade


diferentes meios de solução das disputas, com um olhar especial aos
meios consensuais (mediação e conciliação) e o estímulo a prevenção
dos litígios através da orientação/educação do cidadão aos seus direitos
e deveres.
O Sistema de Justiça brasileiro encontra-se agora sob a égide
do novo Código de Processo Civil brasileiro que tem como eixo
fundante e transversal os meios de soluções pacíficas de disputas.
Entretanto, a análise deve perpassar a questão da tradição, pois
os atuais atores do sistema de justiça estão absortos na litigiosidade,
tanto os juízes, como os advogados, não foram preparados pelas
escolas de Direito a pensar/atuar como mediadores.
Não experimentaram ou vivenciaram essas possibilidades de
composição amigáveis na formação acadêmica, não foram preparados
para trabalhar suas competências socioemocionais - tema que pulula
entre os estudiosos da educação como imprescindível para formar
crianças, jovens, pessoas serem capazes de lidar com os problemas em
sociedade.
Tais competências, como perseverança, colaboração,
autocontrole, curiosidade, otimismo e confiança são exemplos de
competências socioemocionais, e de acordo com Anita Abed (2014, p.
105):
[...] o desenvolvimento das habilidades socioemocionais
é fundamental para aprimorar o processo de ensino -
aprendizagem, promover o sucesso escolar e fomentar o
progresso social dos indivíduos e das nações [...]

Encontram-se atualmente os componentes do sistema de


justiça com uma nova normativa, que estabelece um novo paradigma
para o processo civil brasileiro, mas seus usurários não se encontram
preparados apesar de há mais de duas décadas a doutrina e as
normativas da educação brasileira apontarem para este cenário, que
agora está posto.

46
5 EM NOTAS CONCLUSIVAS: desafios e perspectivas

Diante dessa realidade, por nós vivenciada nos bancos das


Instituições de Ensino Superior no Brasil, propõem-se uma ruptura
epistemológica e metodológica para a educação em Direito, um novo
modo de transmitir o conhecimento aos discentes com docentes
integrados a esta nova concepção educacional, porém, condizentes com
a realidade social e acadêmica e com a visão não só de se formar bons
profissionais do Direito, detentores do saber, mas formar seres
humanos de pensamentos críticos condizentes com a realidade social
que vive, e com um olhar para a Cultura de Paz e para os Direitos
Humanos. Conteúdos este que devem atravessar/penetrar em todo o
Projeto Pedagógico de Curso - PPC, por que não dizer em toda a IES
em que estiver inserido o curso de Direito.
O século XXI não comporta reproduções reducionistas da
dogmática jurídica. É necessário se pensar em uma reconfiguração do
processo pedagógico capaz de formar profissionais reflexivos e críticos,
com a capacidade vislumbrar os novos mecanismos de aprendizado. Isto
acarretará uma onda, um giro epistemológico contínuo no processo
ensino/aprendizagem promovendo, por conseguinte um pensar crítico e
filosófico dos nossos docentes e discentes, que atualmente apenas
reproduzem discursos prontos e abstratos.
É importante ressaltar a papel social do profissional do Direito
para a aplicação correta e mais justa das normas: promover a cidadania,
acesso à justiça e cultura de Paz. Ele deve estar preparado para
corresponder às demandas sociais, políticas e econômicas em constante
mutação, propugnando pela ética e qualidade do ensino, a partir de um
processo pedagógico criterioso e humanista.
Urge, então, uma reformulação das matrizes epistemológicas
da educação em Direito, implementando-se novas e ousadas diretrizes
curriculares, e por que não dizer: novo modelo conceitual de ensinar o
Direito. No dizer de Warat, a sala de aula deve ser o espaço constitutivo
da vazão dos desejos e do amor ao saber, enquanto elemento de ruptura
com a dogmática, por uma “ecologia do desejo”.
Mesmo diante da adaptação formal à nova legislação sabemos
que a mens legislatori não cabe apenas na aplicação literal da forma,

47
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

mas uma perfeita hermenêutica, ou seja, na integração entre forma e


conteúdo, com o despertar do instituto da cidadania no seio acadêmico.
Pois, só assim, teremos um Projeto Pedagógico capaz de agregar
verdadeiramente o profissional na realidade da sociedade, formando-o
para a cidadania efetiva e afetiva.
Mesmo com o novo instrumento normativo20 que definiu as
novas diretrizes curriculares, os cursos de Direito continuam
exageradamente normativistas com vistas a concursos, e no exame da
ordem, transmitindo aos alunos conhecimento genérico, dissociado da
prática, tanto social como forense. Ocasionando no desenvolvimento de
um profissional fora da realidade da sociedade e quase incapaz de
vislumbrar soluções judiciais ou extrajudiciais que busque o fomento
do acesso à justiça e da cidadania.
A nova proposta pedagógica é multidirecional, dialógica e
participativa, na qual a qualquer momento podem ser redefinidas e
criticadas. Assim proporcionará uma educação de caráter formativo-
orientadora, com foco no desenvolvimento de processos de reflexão, de
metodologias problematizadoras e tendo o estudante como sujeito de
sua própria história, ou seja, de sua própria aprendizagem e definidor
efetivo de seu saber.
Sem dúvida, o foco principal do projeto é transformar o
estudante ouvinte em protagonista, autor do seu próprio pensamento
crítico capaz de desenvolver e expressar seu pensamento e aplicar nas
lides a cultura de paz.
Com profissionais críticos é possível vislumbrar uma
reaquisição plena dos Direitos Humanos e do pleno exercício da
Cidadania que ainda esperam de forma latente em nosso Estado de
Direitos. Novos vínculos são formados com este novo olhar para o
ensino do Direitos, no qual se deve articular cultura de Paz através da
Mediação, Segurança Pública e Direitos Humanos. Segundo Warat
(2003, p. 10-11) “o homem vive aprendendo, o cotidiano é o seu
mestre, a relação com os outros é o seu guia.

20
Resolução n° 9, de 29 de setembro de 2004 do Conselho Nacional de Educação.
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá
outras providências.

48
Repensar a educação em Direito a partir do olhar da cultura de
Paz nos faz transcender as matrizes tradicionais e propor novos
caminhos. Caminhos estes entrelaçados umbilicalmente com ações
pautadas nos conteúdos a serem ministrados nas academias, porém com
metodologias desafiadoras, que propõe romper com o espaço fechado
das salas de aulas e praticar o ensino em simulações, rodas de
conversas, teatro, dentro e foras das IES, nas praças, nas praias, nas
ruas..., enfim, todo ambiente como espaço de diálogo, saber e troca de
conhecimento.
Muitos obstáculos já surgiram, alguns foram vencidos e outros
ainda não. O principal é fazer com os atores deste processo, quer
professor, quer aluno, quer a estrutura administrativa das IES creiam na
possibilidade de transmissão/troca de saberes para além das formas
prontas.

REFERÊNCIAS

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socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso
escolar de alunos da educação básica. São Paulo: MEC 2014.
Disponível em: <https://goo.gl/mvou7w>. Acesso em: 9 jun. 2017.

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setembro de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Diário

49
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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51
A PRISÃO DOMICILIAR E A SITUAÇÃO DA
MULHER PRESIDIÁRIA SOB A PERSPECTIVA DO
ACESSO À JUSTIÇA: por quais motivos o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) denegou mais de 300 pedidos
de prisão domiciliar do gênero feminino, porém autorizou
o da esposa de um ex-governador (caso Adriana
Ancelmo)?

Ana Paula Guimarães de Brito


José Victor Ibiapina Cunha Morais
Sidney Soares Filho

RESUMO: A prisão domiciliar, entre outras funções, atua como uma


forma de garantir a presença das mães no convívio familiar na primeira
infância. Esse direito encontra amparo nas Regras de Bangkok,
conjunto de diretrizes para o tratamento de mulheres presas aprovado
na Assembleia Geral da ONU de 2010. Este trabalho tem como
objetivo investigar por qual motivo o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) acatou o pedido de prisão domiciliar da advogada e esposa do ex-
governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, tendo já denegado mais
de 300 (trezentos) pedidos de mulheres no mesmo sentido. Assim, este
estudo contribui para identificar perfis específicos das mulheres em
situação de privação de liberdade, para a melhoria das práticas
institucionais e formulação de políticas públicas de promoção de
direitos e acesso à justiça a este público. Para tanto, adotou-se, como
metodologia, um estudo descritivo e exploratório, com análise dos
dados, por meio de uma abordagem qualitativa-quantitativa, tendo
havido pesquisas em livro, jurisprudências e artigos científicos sobre o
assunto, além de dados censitários (INFOPEN).


anabritobg@hotmail.com.

victoribiapinacunha@hotmail.com.

sidney@unifor.br.

53
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Palavras-Chave: Acesso à Justiça. Prisão Domiciliar. Adriana


Anselmo. Primeira Infância.

ABSTRACT: House hold arrest, among other functions, acts as a way


of guarantee in the presence of mothers in family life in early
childhood. This right is supported by the Bangkok Rules, a set of
guidelines for the treatment of female prisoners, approved at the 2010
UN General Assembly. The objective of this work is to investigate why
the Superior Court of Justice (STJ) has accepted the request for house
arrest Of the law yearned wife of former governor Sergio Cabral,
Adriana Ancelmo, having already denied more than 300 (three
hundred) request women in the same direction. Thus, this study
contributes to the identification of specific profiles of women in
situations of privation of liberty, improvement of institutional practices
and formulation of public policies to promote rights and access to
justice for this public. For this purpose, a descriptive and exploratory
study was used, with data analysis, using a qualitative-quantitative
approach. There were researches in the book, jurisprudence and
scientific articles on the subject, as well as census data (INFOPEN).

Keywords: Access to Justice. Home prison. Adriana Ancelmo. Early


Childhood.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo volta-se para fazer um estudo da condição da


mulher presidiária na realidade brasileira, com reflexos sobre a
problemática do acesso à justiça. O benefício do acesso à justiça
reflete-se hoje como uma garantia de ordem constitucional em que o
indivíduo deve ter acesso quando necessitar da proteção conferida pelo
Estado, que se faz através do Poder Judiciário.
Ocorre que tal benefício deve ser ofertado e efetivado de
maneira horizontal, colocando a todos sobre uma perspectiva
igualitária, viabilizando o respeito aos princípios da isonomia e
igualdade. Todavia, esta realidade mostra-se semelhante a uma utopia,
pois não é o que vemos acontecer.

54
O Poder Judiciário, um dos Três Poderes da nossa Federação,
responsável por fazer valer um ideal de Justiça e igualdade, mantém
sob seus auspícios situações que não denotam uma estrita obediência a
estes princípios. O próprio Superior Tribunal de Justiça, guardião da
lei, protagoniza um caso que está virando emblemático de clara
demonstração de falta de devido acesso à justiça em uma perspectiva,
como dito, horizontal. Ao julgar o caso da advogada e esposa do ex-
governador Sergio Cabral, Adriana Ancelmo, possibilitando a esta que
cumpra sua pena em prisão domiciliar demonstra a desigualdade
latente, à medida que é denegado o benefício a 300 outras mulheres que
o pleiteiam da mesma forma.
Isso leva a crer que o acesso à justiça, nessa acepção, é um
mecanismo utilizado mais fortemente pelos favorecidos e mais
abastados que, via de regra, possuem defensores de renome e
influência, que possam fazer valer sua “justiça", na medida que o
restante dos réus fica à margem de um sistema que não confere suporte
suficiente. Nesse diapasão, espera-se do Judiciário uma atitude que
convergisse à superação de tais desigualdades, conferindo assim um
julgamento justo e isonômico, o que não parece acontecer, conforme
será demonstrado neste artigo.
O presente trabalho, então, tendo como caso paradigma o
citado em epígrafe (Adriano Anselmo), tem como objetivo geral
discutir o acesso à justiça da mulher presidiária no seu direito à prisão
domiciliar. Já os objetivos específicos são entender a prisão domiciliar
na perspectiva do acesso à justiça; analisar, objetivamente, através de
números censitários (INFOPEN), a situação da mulher nos presídios
brasileiros; por fim, explicar os motivos pelos quais o STJ deferiu o
pedido de prisão domiciliar da Adriana Anselmo, tendo denegado mais
de 300 pleitos neste sentido. Com este estudo, busca-se a melhoria das
práticas institucionais e formulação de políticas públicas prisionais.
Para tanto, foram desenvolvidos 03 (três) tópicos. No
primeiro, abordou-se a Prisão domiciliar sob a perspectiva do acesso à
justiça; no segundo, desenvolveu-se sobre a situação da Mulher
presidiária em números; já, no terceiro, discorreu-se acerca da decisão
do STJ que concedeu prisão domiciliar à mulher de ex-governador,
Adriana Anselmo, tendo, antes denegado outros 300 (trezentos) pedidos

55
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

de igual teor. Ainda neste terceiro e último tópico, analisa-se a


dificuldade em garantir um acesso justo e igualitário.
No que diz respeito à metodologia, utilizou-se pesquisa
bibliográfica em livros, publicações especializadas, legislação,
jurisprudência de tribunais de segunda instância e dos Superiores (lato
sensu) e, ainda, dados censitários (INFOPEN).
Por fim, consigna-se que as políticas públicas necessitam
serem implantadas para conferir um acesso como dito, visando suprir
barreiras que se interpõem entre a mulher presidiária e a prestação
jurisdicional devida, efetiva e de maneira igualitária entre todas,
incluindo nesse conjunto aquelas que não possuem condições de arcar
com uma assistência de qualidade, razão pela qual o presente estudo se
faz importante.

2 PRISÃO DOMICILIAR SOB A PERSPECTIVA DO ACESSO À


JUSTIÇA

O acesso à justiça não deve ser entendido unicamente como a


facilidade de ingressar em juízo, isso já é questão há muito debatida e
superada, uma vez que o grande problema hoje está no decesso e não
no acesso, conforme pode-se depreender de uma observação lógica do
sistema, visto que ingressar em juízo é muito mais fácil que resolver
uma lide levada ao Judiciário.
Assim, tal beneplácito versa sobre o alcance dos litigantes aos
benefícios e direitos ofertados pela legislação através do processo em
todas as suas partes, desde o ingresso em juízo até o final com a
resolução de mérito, passando pelas garantias de ordem legal e
constitucionalmente previstas. Entendimento balizado por José Eduardo
Carreira Alvim, professor da UFRJ, ex-juiz do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região:

Como disse, o problema do acesso à Justiça não é uma


questão de "entrada", pois, pela porta gigantesca desse
templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de
advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder
Público, seja de advogado escolhido pela própria parte,
sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo,

56
sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O
problema é de "saída", pois todos entram, mas poucos
conseguem sair num prazo razoável, e os que saem,
fazem-no pelas "portas de emergência", representadas
pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá
dentro, rezando, para conseguir sair com vida (ALVIM,
2003).

O processo é o mecanismo de exercício dos direitos garantidos


pelo Estado, assim, garantir um acesso à justiça é fazer com que o
processo e todas as suas garantias sejam efetivados e respeitados à luz
da Constituição Federal. Neste sentido:

A garantia constitucional do Acesso à Justiça não se


esgota no direito de provocar o exercício da função
jurisdicional, abrangendo, igualmente, o direito do
jurisdicionado de obter a prestação da tutela justa,
adequada, efetiva e tempestiva, através dos
procedimentos preordenados (SABINO, 2011, p. 103).

Acesso à Justiça deve significar o acesso a um processo justo,


o acesso ao devido processo legal, a garantia de acesso a uma injustiça
imparcial; a uma justiça igual, contraditória, dialética, cooperatória, que
ponha à disposição das partes todos os instrumentos e os meios
necessários que lhes possibilitem, concretamente, sustentarem suas
razões, produzirem suas provas, influírem sobre a formação do
convencimento do juiz. Dessa forma, portanto, devemos observar a
prisão domiciliar como um instrumento processual de salvaguarda de
direitos constitucionalmente assegurados (SABINO, 2011, p. 103).
Sendo assim, entende Aury Lopes (2013, p.886) que a prisão
preventiva, por mais que alguns entendam como uma violação ao
princípio da presunção de inocência, já está sendo pacificada como um
mecanismo de salvaguarda do processo, como medida cautelar, visando
resguardar o regular andamento do processo penal.
Assim, nas mesmas circunstâncias processuais, é possível a
substituição de uma prisão preventiva pela domiciliar, que no dizer de
Aury Lopes Jr., como as demais medidas cautelares, são substitutivas
da prisão preventiva estando, portanto, submetida aos mesmos
requisitos e princípios. Diante disso, podemos inferir a natureza

57
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

cautelar da prisão domiciliar, que tem a função de assegurar o curso da


instrução processual, caracterizando-se, portanto, como um instrumento
processual, que deve ser assegurado a todos de maneira isonômica na
perspectiva do acesso à justiça acima delineado. O jurista Guilherme
de Souza Nucci, em seu livro Prisão e Liberdade, sobre o assunto,
preceitua o seguinte:
[...] não vemos com acerto a redação formulada no
art. 318, caput, do CPP: “poderá o juiz substituir a
prisão preventiva pela domiciliar” (grifamos).
Afinal, inexiste como ente autônomo, no prisma das
medidas cautelares, a prisão domiciliar. O que,
realmente, há é a prisão preventiva, que pode ser
cumprida em domicílio. Logo, não é o caso
de substituir uma pela outra, mas de inserir o
indiciado ou réu em local diverso do presídio
fechado para cumprir prisão cautelar, advinda dos
requisitos do art. 312 do CPP, logo, preventiva
(NUCCI, 2011, p.79).

É mister, observar que o ingresso de qualquer condenado em


prisão domiciliar deve seguir as regras estabelecidas na legislação
penal, pressupondo, obviamente, a aceitação do programa e das
condições impostas pelo magistrado, somente podendo ter direito a tal
benefício quem estiver trabalhando ou comprovando sua incapacidade
para qualquer atividade profissional, e apresentando, em razão dos
seus antecedentes, a possibilidade de cumprir a prisão domiciliar,
responsabilizando-se pelo ajuste ao regime determinado, mantendo a
autodisciplina e o senso de responsabilidade. Além disso, uma pessoa
condenada que adquirir o benefício, deve ainda atender o que é
determinado pelo artigo 115 da Lei de Execuções Penais
Sendo assim, pode o juiz determinar as condições especiais
para a concessão da escolha do regime aberto, assim, quando respeitado
as condições gerais e obrigatórias diante da legislação penal, como
pode ocorrer no caso de sair para o trabalho e retornar, nos horários
fixados, ou até mesmo permanecer no local que fora designado, durante
todo o repouso e até nos dias de folga.

58
2.2 A SITUAÇÃO DA MULHER PRESIDIÁRIA EM NÚMEROS

A prisão domiciliar é uma forma alternativa de prisão


preventiva, que tem por escopo a possibilidade de pena na qual o réu,
julgado e condenado ou à espera de julgamento, cumpra em sua própria
residência, em regime fechado. Ela encontra previsão legal, conforme
explicado no tópico anterior, nos artigos 317 e 318 do Código de
Processo Penal, que conceitua a prisão domiciliar e os casos em que
poderá ser substituída a prisão preventiva pela domiciliar.
As causas em que se pode pleitear o benefício são: o agente ter
mais de oitenta anos, ser extremamente debilitado por motivo de
doença grave, sua presença ser imprescindível aos cuidados de pessoa
menor de 6(seis) anos de idade ou com deficiência, gestante a partir do
7(sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco, todos com a
devida comprovação.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2010, com a
participação do Brasil, assinou o Tratado Internacional de Direitos
Humanos, chamado de Regras de Bangkok-regras das Nações Unidas
para o tratamento de mulheres presas e as medidas não privativas de
liberdade para mulheres infratoras, e traduzidas em 2016, como um dos
principais acordos internacionais que atendem as grávidas e lactantes,
previstas pela Lei 13.257/16(alterou, dentre outros, o Estatuto da
Criança e do Adolescente e o Código de Processo Penal) alterando a
idade dos filhos dependentes da mãe encarcerada de 6 anos para12 anos
incompletos. No mesmo ano tivemos as Regras de Mandela, ou seja,
regras mínimas das nações unidas para o tratamento de presos, que
amplia o respeito à dignidade, garante acesso à saúde e o direito de
defesa e regula punições disciplinares.
Segundo texto extraído das Regras de Bangkok, a seguinte
premissa:

Disposições pós-condenação das Regras de Bangkok


alertam para que penas não privativas de liberdade sejam
preferíveis às mulheres grávidas e com filhos
dependentes, quando for possível e apropriado, sendo a
pena de prisão apenas considerada quando o crime for
grave ou violento ou a mulher representar ameaça

59
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

contínua, sempre velando pelo melhor interesse do filho


ou filhos e assegurando as diligências adequadas para seu
cuidado.

Apesar do Brasil ter assumido o compromisso internacional


para cumprir esta regra, a interpretação do judiciário é de que tal
benefício deve ser visto como uma “possibilidade” e não uma regra a
ser cumprida, mesmo que os requisitos legais sejam atendidos.
Em artigo escrito em abril de 2017, por Fábio Silva de
Oliveira, no site Canal de Ciências Criminais, relata que o Supremo
Tribunal Federal apresenta registro em 20 decisões, sendo 03 em
acórdãos e 17 decisões monocráticas. Diferente do STJ, que indeferiu a
maioria dos pedidos, o STF tem 16 decisões favoráveis e apenas 04
desfavoráveis. A primeira decisão a considerar as Regras de Bangkok é
de 01 de janeiro de 2015, do ministro Ricardo Lewandowski, no HC
126.107/SP.
Apesar das novas regras, inspiradas em princípios contidos em
várias convenções e declarações das Nações Unidas e da nova previsão
legal, no entendimento do STJ a inclusão do inciso V ao artigo 318 do
CPP reflete a possibilidade, e não a obrigatoriedade, de ser concedida a
prisão domiciliar em virtude da existência de filhos menores.
Levantamento realizado em junho de 2014, pelo INFOPEN
(Levantamento Nacional de Informações penitenciárias) sobre as
mulheres presidiárias, alerta para o crescimento de 567,4% da
população carcerária feminina, no período de 2000 a 2014, enquanto a
média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%,
refletindo assim a curva ascendente do encarceramento em massa de
mulheres no Brasil. (Infopen Mulheres 2014).1

1
Dados da pesquisa mais recente realizada pelo INFOPEN datam de 2015.

60
Figura 1: Evolução da população prisional, segundo gênero no Brasil,
de 2000 a 2014

Pode-se denotar que, em 2000 as mulheres representavam


3,2% da população prisional, em 2014 elas passaram a representar
6,4% do total encarcerado. O estudo também mostra o despreparo dos
estabelecimentos prisionais, que, dos 1.420 que existem no Brasil, 103
são exclusivamente femininos e 239 são mistos, e apenas em 5% das
prisões femininas existe creche para crianças. Conclui-se com isso que
não existem unidades adequadas para atender a parturiente e a lactante.
Amparado no princípio da dignidade da pessoa humana,
esquece-se que as mulheres merecem um tratamento diferenciado, seja
pela humanização das condições do cumprimento da pena, acesso à
justiça e apoio à maternidade, além de políticas públicas de proteção
social, trabalho e renda das egressas e a possibilidade do seu
empoderamento no regresso à sociedade. É um dever estatal, a
destinação dos estabelecimentos segundo o gênero e representa um
aspecto fundamental para implementação de políticas públicas voltadas
à essa população.
Faz-se necessária a observação da situação de desamparo à
encarcerada gestante ou lactante, segundo dados do INFOPEN abaixo
representados:

61
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Figura 2: Existência de cela/dormitório adequado para gestantes:


Brasil. Junho de 2014

Fonte: INFOPEN, jun. 2014.

De acordo com os dados apresentados acima, pode-se


identificar que as unidades prisionais não dispõem de instalações
específicas para suprir as necessidades básicas da mulher gestante. Nas
unidades femininas, menos da metade de suas celas (49%) oferecem
cela/dormitório adequado, enquanto que nos presídios mistos a situação
consegue ser bem pior, reduzindo drasticamente para 6% á oferta de
celas à gestante.

Figura 3: Existência de berçário e/ou centro de referência em unidades


femininas e mistas. Brasil. Junho de 2014

Fonte: INFOPEN, jun/2014

62
De cada 10 unidade femininas, apenas 3 possuem berçário, e
nas unidades mistas oferecem dados alarmantes de apenas 3% unidades
prisionais com existência de berçário e/ou centro de referência. Apesar
da notável relevância do relatório da INFOPEN Mulheres, visto o
aumento gradativo da população carcerária feminina, seus dados ainda
são insuficientes em relação a quantas mulheres presas são mães,
informação imprescindível para sua aplicabilidade em políticas efetivas
para a diminuição do encarceramento em massa.
Pesquisa quantitativa realizada por LEAL (2016) com uma
população nacional de 495 mulheres (206 gestantes e 289 mães),
concluiu as precárias condições sociais das mães que pariram nas
prisões. Entre outras coisas, a precária assistência pré-natal, o uso de
algemas durante o trabalho de parto e parto, bem como o relato de
violência e a péssima avaliação do atendimento recebido, denotam que
o serviço de saúde não tem funcionado como barreira protetora e de
garantia dos direitos desse grupo populacional. Isso contraria o
princípio de que as mulheres presas devem se beneficiar do mesmo
tratamento que a população livre, de acordo com Constituição Federal.
Em pesquisa realizada em 2015 no banco de dados STF, do
STJ e dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Paraná, São
Paulo e Mato Grosso, no período de 2002 a 2012, pode-se concluir que,
por estar privada de liberdade, as condições de cumprimento da pena da
mulher repercutem em seus filhos, notadamente naqueles de parca
idade que permanecem no cárcere, implicando grave violação a direito
fundamental, por não serem oferecidas condições de adequada
assistência. Em geral, não é observado o princípio constitucional da
transcendência da pena, segundo o qual nenhuma pena passará da
pessoa do condenado, nos exatos termos do artigo 5º, inciso XLV, da
Constituição Federal brasileira (SIMAS, 2015).
Com relação aos poucos processos cíveis encontrados,
imperou a lógica da destituição do poder familiar diante da ausência de
políticas públicas focalizadas para essa parcela da sociedade. É
praticamente inexistente o debate acerca da responsabilização estatal no

63
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

desenvolvimento físico e emocional das crianças que se encontram


recolhidas com suas mães nas prisões e de outros filhos que
permanecem privados de sua genitora.
Oportuno observar que um dos grandes desafios para o
exercício do direito de defesa e acesso à justiça é a baixa escolaridade e
renda da maior parte das pessoas privadas de liberdade no Brasil.
Desde a investigação, as pessoas autuadas, investigadas e suspeitas que
não têm acesso à defesa técnica de qualidade, ficam impossibilitadas de
pleitear benefícios como progressão de pena para os regimes
semiaberto, aberto, livramento condicional ou prisão domiciliar, assim
como a impossibilidade do mecanismo da audiência de
custódia(Prevista em Pactos e Tratados Internacionais assinados pelo
Brasil, como exemplo temos o Pacto de San Jose), retratando mais
ainda a situação de desamparo e despreocupação das mulheres
presidiárias.
Em estudo do sistema prisional sob o olhar sociológico e
jurídico em sua obra intitulada Sociologie de la Prison, o francês
Philippe Combessie ressalta que a prisão sofre diferentes lógicas sociais
e cita três tipos principais, que são o encarceramento com o sentido de
neutralização, ou seja, que busca afastar do convívio social o indivíduo
verdadeiramente perigoso para a sociedade; o encarceramento no
sentido de diferenciação social ou ressocialização, aquele que tem por
finalidade proporcionar na cadeia uma formação adequada para que o
criminoso possa ser reabilitado a voltar à sociedade; e, por fim, o
encarceramento de autoridade, o que visa afirmar uma relação de poder
(REGO 2004)

2.3 CONCESSÃO DA PRISÃO DOMICILIAR PARA A EX-


MULHER DO GOVERNADOR SERGIO CABRAL, QUE NÃO
ALCANÇA OUTRAS 300 MULHERES. DIFICULDADE EM
GARANTIR UM ACESSO JUSTO E IGUALITÁRIO ENTRE
TODAS.

Um caso emblemático que serviu para inflamar a questão do


acesso à justiça de forma igualitária foi visto recentemente, quando a
advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral

64
conseguiu junto ao STJ o benefício da prisão domiciliar. O benefício
foi concedido em decisão na primeira instância, no dia 17 do mês de
março. Adriana Anselmo responde pelo crime de corrupção.
O caso ganhou notoriedade e grande repercussão de forma
negativa pelo fato do Juiz Marcelo Bretas, que deferiu a prisão
domiciliar, assim como a ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª
Turma do STJ, que cassou a negativa do MPF em autorizar o benefício,
à medida em que tal benefício fora negado a tantas outras mães em
situação análoga. O argumento da procuradoria para pedir a revogação
da prisão baseou-se no princípio da isonomia, alegando que conceder
tal benefício seria uma “enorme quebra de isonomia” perante outras
mulheres (HC 362.922 e RHC 81.300). Isso denota a discrepância entre
as acusadas, mostrando uma desigualdade latente no quesito de acesso
à prestação do Poder Judiciário.
Muito embora o caso tenha ganho ampla notoriedade pela
mídia, a decisão do magistrado não deve se basear apenas no clamor da
opinião pública. A conduta de quem julga deve ser discreta e recatada,
fugindo da exposição pública e das vaidades ateadas pela mídia.
Muitas vezes, a decisão correta e justa não é a mais popular, mas os
juízes devem ser íntegros, seguir suas consciências e motivar suas
decisões de forma racional. A grande questão é a desigualdade de
suporte entre as detentas que dificilmente alcançarão uma assessoria
capaz de subverter decisões como esta, evidenciando que o acesso à
justiça ainda não foi alcançado substancialmente, mas sim
formalmente. (SABINO. 2011. p. 112)
A obra de CAPPELLETTI (1988, p.32) é bastante eficaz para
analisarmos esta questão, quando traz à discussão do acesso à justiça
em três ondas, mais notadamente na primeira, que retrata a assistência
jurídica aos pobres e suas dificuldades. Os métodos para proporcionar a
assistência jurídica àqueles que não podem custear, são, por isso
mesmo, vitais.
Diante da decisão, em ofício a ministra Carmen Lúcia, a
ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, defende que a medida

65
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

seja aplicada ás presidiárias “pretas, pobres e da periferia”, que estão na


mesma condição da esposa de Sérgio Cabral (Fonte: Agência Brasil
EBC, 2017)
A grande dificuldade reside em como os menos abastados
financeiramente terão acesso a uma prestação na mesma categoria,
quando as barreiras são tantas que começam no próprio conhecimento
do indivíduo que por vezes é limitado, não sabendo sequer a existência
de determinados direitos ou a maneira de ajuizar determinada demanda,
como obtempera Cappelletti. (1988, p.23). Segundo a professora de
Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Luciana Boiteux, o caso é uma afronta ao Estado Democrático de
Direito, afirma que “em vez de avançar para reafirmar um direito, nós
negamos a própria existência desse direito sob a argumentação de que
ele não se aplica amplamente”. “Vejo com muita preocupação que o
nível do debate nacional seja este", continua Boiteux.
É preciso analisar a decisão do judiciário, não como um mérito
pelo fato de negar o benefício a uma pessoa que está fora do perfil da
mulher encarcerada (advogada e com alta renda), mas uma
oportunidade de discutir uma regra que não é respeitada, que é a
negativa de um benefício garantido por Lei ás mães encarceradas, e que
esbarra no conservadorismo do judiciário. Mais importante ainda é
trazer soluções para tentar desnivelar essa condição entre as mulheres
encarceradas. Com efeito, CAPPELLETTI (1988, p. 35) traz maneiras
de superar as barreiras da falta de acesso à justiça em suas mais
variadas dimensões, que foram adotadas por países como França e
Inglaterra e obtiveram resultados positivos.
Trazendo para a realidade aqui vergastada, tanto para a
realidade brasileira como para a questão das mulheres presas, o
primeiro mecanismo seria o Sistema Judicare, sistema através do qual a
assistência judiciária seria estabelecida como um direito para as pessoas
que se enquadrassem nos requisitos estabelecidos pela lei. Teríamos
aqui advogados particulares pagos pelo Estado.2

2
O sistema Judiciare, que de acordo com Cappelletti (1988, p. 35) trata-se de:
“[...]um sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um
direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei. Os advogados
particulares, então, são pagos pelo Estado. A finalidade do sistema judicare é

66
Nesse diapasão, seria um sistema em que conferiria um direito
às mulheres encarceradas de terem uma assistência judiciária em razão
de sua situação, pela falta de políticas eficazes e que venham a
proporcionar um efetivo acesso à justiça tal que esteja ligado de
maneira íntima à garantia do devido processo legal, assegurando aos
que necessitam da tutela jurídica em contrapartida ao Estado que deve
prestá-la. (BATISTA. 2010, p. 47)
O outro trazido por Cappelletti (1988, p. 35) é o Advogado
remunerado pelos cofres públicos, que se diferenciam do sistema
judicare, pelo fato de serem escritórios particulares pagos através de
impostos dos contribuintes para garantir às presidiárias pobres,
enquanto classe, acesso à prestação jurisdicional proporcionadas por
escritórios particulares pagos pelo Estado.
Ou ainda, como o exemplo da Suécia efetivar um modelo
combinado que maximiza essa prestação enquanto direito, aplicando,
repise-se às mulheres presidiárias que, pobres como podem ser,
necessitam de um serviço adequado (CAPPELETTI, 1988, p. 43).
Assim, levando em conta a realidade pátria, é necessário do
Estado um apoio nesse sentido acima delineado, para possibilitar às
presidiárias uma assistência eficaz que pudesse fazer valer seus direitos
de maneira igualitária, como o intuito de concretizar o devido processo
legal e o acesso à justiça como garantidor da dignidade humana.

3 CONCLUSÃO

O presente artigo propôs-se a realizar uma análise da situação


da mulher presidiária no Brasil voltada para uma perspectiva processual
que está ligada ao acesso à justiça. Foi desenvolvido sobre o instituto
da prisão domiciliar como um instrumento processual e diante da
perspectiva de que o acesso à justiça não se dá mais unicamente na
viabilidade de se ingressar em juízo, mas sobretudo, no acesso aos
instrumentos de um processo justo, que como tal deve estar a postos de
todos aqueles que dele necessitarem, como uma alternativa à prisão
preventiva da presidiária mãe, de acordo com tratados internacionais e

proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se


pudessem pagar um advogado. ”

67
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

com base no Estatuto da Primeira, Lei 13.257/16.


Com um crescimento de mais de 500% em 14 anos, a
população carcerária feminina enfrenta uma ausência de estrutura
mínimas para o exercício da maternidade, seja durante a gestação e
amamentação até a possibilidade da continuidade do vínculo familiar
através da prisão domiciliar. Pode-se justificar a ausência desse
benefício em decorrência da falta de acesso de uma grande parte da
população carcerária feminina à uma assistência judiciária de
qualidade, que lhe proporcione o correto exercício de seus direitos e
garantias ofertados, seja pela falta de recursos financeiros seja pela
própria falta de instrução.
Os números são alarmantes, mesmo com a crescente
população carcerária feminina alcançando a marca de 6,4% do total de
encarcerados até 2014, data do último senso, a medida em que o
despreparo dos estabelecimentos prisionais, não acompanha esse
crescimento, tento em vista que, dos 1.420 estabelecimentos prisionais
brasileiros, o número ínfimo de 103 são exclusivamente femininos e
5% deles possibilitam creche para crianças. A problemática do acesso à
justiça às presidiárias mães se dá em uma acepção substancial e não
mais meramente formal, onde deve estar vinculada de tal maneira às
garantias processuais, para que se efetive o exercício do devido
processo legal.
Tais reflexões encontram esteio nos ensinamentos de Mauro
Cappelletti, notadamente quando fala das ondas de acesso à justiça e as
maneiras de transpor as barreiras que dificultam este direito aos menos
abastados. Propõe a implantação de sistemas de apoio de assistência
jurídica aos mais necessitados e aqui trouxemos a proposta de
implementação a uma realidade carcerária feminina, como uma
maneira de superarmos esses entraves.
Permitir a ex-esposa de um governador consiga o benefício da
prisão domiciliar, à medida que outras 300 mulheres em situação
análoga é um flagrante absurdo e que fere frontalmente a Constituição
Brasileira, não necessariamente por conceder direito a uma, mas por
negar a tantas outras que não possuem os mesmos mecanismos de
salvaguarda de seus direitos. Mecanismos estes que dizem respeito a
uma defesa e assistência jurídica preparada e capaz de subverter

68
decisões de tribunais, na medida em que conseguiu frente ao STJ
suscitar o entendimento jurisprudencial pacifico de que o mecanismo
processual utilizado pelo MPF, liminar em mandado de segurança, para
suspender a decisão do juízo de piso, que concedeu a prisão domiciliar
não é admissível quando haja recurso previsto. A isonomia é
vilipendiada.
Mas acredita-se que um dia o exercício dos direitos através do
processo será isonômico, à medida que o judiciário zele por isso, e o
acesso à justiça se dará por completo, conferindo ao grande número de
mulheres presidiárias, como acima ilustrado e evidenciado, a correta e
justa espada da Justiça.

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72
ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DA CONCILIAÇÃO
NO PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E
DEFESA DO CONSUMIDOR - DECON

Ana Paula Guimarães de Brito


Luziane de Oliveira Costa
Nathalia Soares Lisboa

RESUMO: O presente artigo tem como escopo apresentar o instituto


da conciliação como meio ao acesso à justiça e o estudo de caso
destinado ao Programa Estadual de Defesa do Consumidor - DECON.
Em busca de realizar o direito fundamental de acesso à justiça, sendo
muito bem salientado a efetivação da cidadania e da pacificação social.
Tem o objetivo principal de analisar de maneira geral a aplicabilidade
em que se dá o programa no DECON – Ceará na medida de ressaltar os
principais conceitos da conciliação, as inúmeras vantagens e também
do acesso prático, célere para resolver de forma pacífica os conflitos de
acordo com os próprios interesses das partes. Tendo como enfoque a
devida eficácia da prestação jurisdicional em vista das inúmeras
garantias e direitos constitucionais, é também um momento de
oportunizar o conhecimento de inúmeros direitos pertencentes as
pessoas que se encontram relacionadas em um determinado litígio. A
conciliação é um meio que oferece às partes suas autonomias no poder
de decisão e é uma maneira de afastar toda a morosidade do poder
judiciário, até mesmo pelo fato de muitas causas estarem em
julgamento ou em grande maioria inertes a um longo período de tempo.

Palavras-chave: Acesso à justiça. Conciliação. Consumidor. Decon.

ABSTRACT: The purpose of this article is to present the conciliation


institute as a means to access to justice and the case study for the State


Advogada.

Advogada.

Advogada.

73
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Program of Consumer Protection - DECON. In search of realizing the


fundamental right of access to justice, being very well emphasized the
effectiveness of citizenship and social pacification. Its main objective is
to analyze in a general way the applicability of the program in DECON
- Ceará in order to highlight the main concepts of conciliation, the
many advantages and also the practical access, quick to resolve
conflicts in a peaceful way Interests of the parties. It is also a moment
of opportune knowledge of countless rights belonging to the people that
are related in a given litigation, focusing on the due effectiveness of the
jurisdictional provision in view of the numerous guarantees and
constitutional rights. Conciliation is a means that gives parties their
autonomies in decision-making power and is a way of warding off all
the slowness of judicial power, even because many causes are in
judgment or largely inert over a long period of time.

Keywords: Access to justice. Conciliation. Consumer. Decon.

1 INTRODUÇÃO

A ordem jurídica brasileira vem sofrendo profundas


transformações nos últimos anos, principalmente no que diz respeito às
inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil e a edição da
Lei da Mediação. Neste diapasão, a temática acerca do direito de acesso
à justiça, positivado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal,
dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”, reputa-se cada vez mais atual e de grande
importância.
A ação jurisdicional implica na devida ordem jurídica justa,
sendo fato o seu cabimento direto ao Poder Judiciário para estabelecer
as vertentes das políticas públicas com o intuito estabelecer-se uma
relação processual ou até extrajudicial para a solução dos mais diversos
conflitos envolvendo a sociedade.
Contudo, a demora na efetivação da prestação jurisdicional,
diante das dificuldades que o sistema judiciário brasileiro tem
encontrado, tais como excesso de demanda e a escassez de servidores,
faz necessária a utilização dos mecanismos de solução extrajudicial de

74
conflito para que haja concretamente a efetivação de direitos, sem que
ocorra, entretanto, a exclusão da apreciação do direito pelo Estado, caso
a sua atuação seja realmente imprescindível.
Com o objetivo de possibilitar o caminho para uma solução
mais célere e a melhor obtenção final da causa ensejadora foram
criados os instrumentos de solução de conflitos de forma extrajudicial,
sendo eles a mediação, a arbitragem e a conciliação. Assim sendo, a
conciliação de forma sintética é o meio pelo qual a atuação perpassa o
conciliador e as partes em que se encontram em um determinado
conflito, com a capacidade de sugerir uma solução positiva para a
contenda. Visto que como salienta Neto (2003, p.20):

A sociedade brasileira está acostumada e acomodada ao


litígio e ao célebre pressuposto básico de que justiça só se
alcança a partir de uma decisão proferida pelo juiz
togado. Decisão esta muitas vezes restrita a aplicação
pura e simples de previsão legal, o que explica o vasto
universo de normas no ordenamento jurídico nacional,
que buscam pelo menos amenizar a ansiedade do cidadão
brasileiro em ver aplicada regras mínimas para regulação
da sociedade.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ - possui


um papel fundamental no que se refere a promoção e organização para
as ações de incentivar a auto composição dos litígios, a pacificação
social e o acesso à justiça. O CNJ promoveu, em 2006, o início do
processo de implantação sobre o Movimento pela Conciliação, com o
objetivo maior de alterar o fim da cultura litigiosa a que a sociedade
brasileira se encontra e promover a solução para os conflitos de forma a
construir os acordos com cooperação e decisão das próprias partes
conflitantes.
Com isso, o movimento passou a ganhar força para um melhor
desenvolvimento nas causas litigiosas e anualmente celebra a Semana
Nacional da Conciliação, envolvendo todos os tribunais do Brasil. O
movimento alcançou a todos de uma forma tão construtiva e
beneficente que o CNJ em 2010 editou a Resolução n.125, que trata

75
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

sobre a Política Judiciária de Tratamento Adequado nos Conflitos de


Interesse no Âmbito do Poder Judiciário, e ao longo dos seus
dispositivos elencou no art 4º, a seguinte nuance:

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça


organizar programa com o objetivo de promover ações de
incentivo à auto composição de litígios e à pacificação
social por meio da conciliação e da mediação.

Com isso as causas se findaram de uma forma célere e


promissora que o Novo Código de Processo Civil encampa a ideia de
forma obrigatória, antecedentes do próprio processo como um todo.
Segundo Lilia Maia Sales assevera, a conciliação é um instrumento de
solução de conflitos no qual as pessoas buscam sanar as divergências
com o auxílio de terceiro, o qual é reconhecido como conciliador. A
conciliação, como veremos a seguir, é uma eficaz ferramenta para a
solução de conflitos estabelecidos em relações transitórias e sem a
finalidade de convivência direta.
Este artigo visa evidenciar como a conciliação tem sido um
instrumento determinante de facilitação ao acesso à justiça,
especialmente após a análise da atuação do Decon, órgão de Proteção e
Defesa do Consumidor atuante em todo o estado do Ceará, cuja atuação
tem auxiliado profundamente a aumentar a satisfação dos demandantes
em relação aos conflitos oriundos das relações de consumo,
contribuindo para uma facilitação do acesso à justiça no âmbito
estadual.
Hodiernamente, o Poder Judiciário é a instituição que
representa de forma direta a efetivação do Estado Democrático. Além
do mais, é o guardião da Constituição Federal, pela qual objetiva a
pactuação dos valores e direitos que fundamentam a órbita da
cidadania, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do
trabalho, da soberania e da livre iniciativa, como também o pluralismo
político, tudo de forma positivada pelo art. 1º da CRFB/88.
Entretanto, a realidade do Judiciário se encontra insuficiente,
se fazendo necessária a ajuda de novos auxiliares, ou seja, órgãos
administrativos com competência para atuar de forma a dar suporte nas

76
inúmeras contendas da sociedade brasileira. Neste contexto,
analisaremos a forma como o acesso à justiça poderá ser alcançado com
a ajuda, em especial, do DECON – Programa Estadual de Proteção e
Defesa do Consumidor, cuja principal tarefa é atuar na facilitação deste
direito fundamental.

2 ACESSO À JUSTIÇA: um direito básico do consumidor

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei


8078/90, o ordenamento jurídico brasileiro ganhou mais uma
importante ferramenta de efetivação de direitos, respeitando o que trata
o artigo 5º, XXXII da Carta Magna de 1988: “[...] o Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Ao localizarmos a proteção da defesa do consumidor dentre as
cláusulas pétreas estabelecidas pela Constituição Federal, constatamos
a preocupação do legislador com a solução dada aos problemas
advindos das relações de consumo.
Em razão da compreensão de que o consumidor é parte fraca e
vulnerável na relação de consumo e, impulsionado pelo texto
constitucional, o legislador ordinário concedeu-lhe especial proteção ao
determinar no artigo 6º, VII e VIII do CDC que dispõe:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos
com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica
aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências;

Neste sentido, constatamos que é um direito fundamental e


básico do consumidor o acesso aos órgãos judiciários e administrativos
para a solução de seus conflitos. Neste sentido, o Procon é o órgão

77
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

criado e destinado à proteção dos direitos dos consumidores, com a


competência de realizar a fiscalização e o acompanhamento das
relações de consumo entre consumidores e fornecedores. Os Procons
são órgãos estaduais ou municipais e a sua criação pressupõe a edição
de leis ou decretos, onde serão estabelecidas as suas atribuições.
O atendimento aos consumidores deve ser dado,
preferencialmente, na modalidade presencial, mas nada impede que,
com o advento das novas tecnologias, sejam criados mecanismos que
facilitem a abertura das reclamações. Contudo, o atendimento pessoal é
muitas vezes imprescindível, pois o contato direto com o consumidor
permite uma orientação jurídica personalizada, além da análise
pormenorizada das provas que fundamentam a demanda administrativa.
Um aspecto importante que deve ser levado em consideração é
a desnecessidade de o consumidor dirigir-se ao órgão acompanhado de
advogado, pois lá ele encontra uma orientação clara e efetiva sobre seus
direitos.
Além das funções de fiscalizar as relações de consumo e
orientar o consumidor sobre seus direitos, o Procon atua como órgão de
instrução e julgamento, no âmbito do processo administrativo.

Entre outras atividades, o PROCON funciona como


instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua
competência e da legislação complementar, a partir de
regular processo administrativo. O processo
administrativo no âmbito do PROCON é um conjunto de
atos ordenados e estabelecidos em lei com o objetivo de
subsidiar uma decisão motivada que conclua pelo
acolhimento (ou não) de reclamação fundamentada por
consumidor. A disponibilidade de um processo
administrativo garante maior transparência para os atos
do PROCON e aos que com ele se relacionam. (ENDC,
2008, p. 19)

As reclamações trazidas pelos consumidores serão, após


receberem a análise de existência mínima de fundamentação,
processadas e documentadas para que haja a abertura de um processo
administrativo. No decorrer da demanda administrativa, caso seja

78
constatada a prática de infração, pode ser feita a lavratura de auto de
infração para a apuração de irregularidades.
Importante ressaltar que, no decorrer do processo
administrativo, será oportunizada a concretização de acordos entre o
consumidor e o fornecedor. Para isto, serão realizadas sessões de
conciliação para que haja um entendimento entre as partes. Para que
haja tal entendimento, o conciliador intermediará o diálogo entre as
partes e deixará claro que ninguém será obrigado a assinar um acordo,
caso não concorde com os termos e condições apresentados.
Após a realização do acordo, um termo de conciliação será
lavrado e assinado pelas partes para que surta os efeitos legais e
administrativos. Caso ocorra descumprimento do que for pactuado em
audiência, o reclamante poderá levar o referido documento para a
apreciação do Poder Judiciário.

3 ASPECTOS GERAIS SOBRE A CONCILIAÇÃO

A conciliação é um método de solução de conflitos que se


justifica até mesmo pelo pretexto do Estado Democrático de Direto em
que o Brasil se faz presente, além de uma forma de exercício da
cidadania e a efetividade do acesso à justiça para a população.
Em verdade, dentre os meios de solução de conflitos de forma
auto compositiva a conciliação não se confunde com a mediação, sendo
tênue a diferença que paira sobre as duas no aspecto de que na
mediação as partes conflitantes sugerem as soluções e o mediador
apenas facilita o diálogo e organiza essas sugestões apresentadas para
um promissor ensejo da demanda pelos dois polos, não reside a ideia de
um perde e o outro ganha, pois ambos saem vitoriosos. Já na
conciliação o conciliador sugere a solução e formula propostas e até
mesmo um possível acordo, ficando a critério das partes aceitarem ou
não o que fora proposto.
As vantagens em fazer o uso dos meios de solução de conflitos
são encampadas na ideia de redução do custo financeiro e
principalmente emocional, guardada pelo sigilo, a agilidade e
celeridade na composição da lide, operada pela incapacidade do
conciliador e o mediador e também quanto a diligência em que se faz

79
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

necessária pela prudência e cuidado com a observância da regularidade,


e visa assegurar a qualidade do processo.
Para a composição das fases do método da Conciliação,
segundo Adolfo Braga Neto (2003, p.23), assegura a existência de
quatro etapas a serem seguidas, como: abertura, esclarecimentos,
criação de opções e acordo.
A abertura é o momento pelo qual são feitos, por intermédio
do conciliador, os devidos esclarecimentos iniciais sobre o
procedimento e todas as implicações legais pelas nuances e alcance do
acordo realizado naquela oportunidade ou até mesmo pela sua
impossibilidade.
Os esclarecimentos ocorrem na oportunidade em que as partes
prestam informações sobre suas atitudes, ações e iniciativas que
realizaram para dar início do conflito. Momento importante para o
procedimento, pois é com ele que as partem manifestam as posições de
cada lado, sendo atitude do conciliador identificar os pontos
convergentes e divergentes da controvérsia, fazendo uso de perguntas
sobre o fato e sobre a relação casual entre as partes, bem como se
utilizar de uma escuta ativa sobre a comunicação verbal e não verbal
das partes.
O próximo passo é dedicado a criação de opções, seja por
meio de indagações feitas pelo conciliador, até por intermédio de
propostas oportunamente dadas pelas partes, tendo como objetivo de
atingir o consenso pela solução, e, por fim é realizado o acordo,
colocado em sua necessária redação e assinatura de todos os
participantes da conciliação.
O instituto da conciliação se pauta nos conflitos pelos quais as
partes envolvidas não possuem um vínculo afetivo, vínculo emocional.
Por esse viés a referência é feita para acontecimentos esporádicos,
sendo menos complexos, não possuindo o vínculo sentimental, o qual
revelaria o real propósito do conflito. Pelo fato de que o conciliador
possui uma participação efetiva no mérito do conflito, não obstante, o
conciliador se faz presente na ocasião por sua interferência sobre como
se dará a forma como o conflito será resolvido.
Vale acrescentar que aos conflitos ensejadores de relações
emocionais ou continuadas, a escolha a ser feita é pela mediação por

80
motivo de configurar um processo mais profundo, de uma interferência
singela do mediador para não promover propostas para o deslinde da
causa, devido a sua complexidade e quando envolve um conflito
causado pelo lado emocional dos participantes.
No ordenamento jurídico brasileiro faz parte a existência da
conciliação extrajudicial e judicial. A extrajudicial ocorre antes mesmo
do processo. Sendo caso de não haver o acordo, as partes que estão
envolvidas, caso decidam pela solução do conflito direcionem o
conflito para ser decidido no âmbito do Poder Judiciário. No caso
ocorrerá a conciliação judicial, ela acontece durante o processo, e não
havendo solução para a deslinde, dar-se-á o prosseguimento ao
processo para decisão do juiz.
Em se tratando da legislação atuante para as causas de
conciliação está presente a Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.
Considerando na parte em que é tratada a mediação judicial, como
consequência equipara-se e traz à tona a conciliação sendo
reponsabilidade dos tribunais para criarem centros judiciários de
solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de
sessões e audiências de conciliação, pré-processuais e processuais, e até
pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e
estimular a auto composição.

4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO PROCON

Com o objetivo do presente trabalho, faz-se necessário


apresentar a funcionalidade e procedimentos que adotam os Procons
como pode-se observar quanto as etapas da reclamação, em primeiro
momento é importante a efetivação do registro, para que a queixa seja
apurada de forma correta e de acordo com o acontecido. Dado esse
fator é uma etapa simples, denominada como uma demanda ou até
mesmo um atendimento, pois o Procon entrará em contato com o
fornecedor por meio do telefone para fazer indagações acerca do
problema apresentado pelo consumidor, através das chamadas linhas
diretas, caso se faça necessário.
Em segundo momento, caso a demanda não seja satisfatória, o
órgão terá como critério a emissão de um Carta de Informações

81
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Preliminares (CIP) à empresa do polo passivo e abre um prazo de 10


(dez) dias, contados a partir da data do recebimento, para que ela
mesma venha responda sobre a demanda, caso a resposta seja positivo e
confirma é dada a queixa como encerrada.
A problemática ocorre quando a CIP não é positiva e
permanece sem solução para o consumidor, sendo fato que será preciso
instaurar um processo administrativo e, assim, a demanda passa a ser
nomeada como reclamação fundamentada. Assim, fica com a abertura a
convocação de uma audiência presencial entre o fornecedor e o
consumidor para a tentativa de um acordo, ou, até mesmo a nova
notificação para que a empresa possa apresentar resposta conclusiva
quanto ao pedido da reclamação. Cumpre ressaltar que:

O Procon tem poderes legais para convocar o fornecedor


a comparecer em audiência, com data e hora agendadas,
tanto para a busca de acordo ou, se for o caso,
prosseguimento do processo administrativo.
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor –
DPDC (Nota Técnica 220/2003, de 08 de outubro de
2003): ‘opina-se pela legalidade, portanto, da ordem
emanada por autoridade pública com fundamento no art.
55 §4º do CDC c/c art. 33, §2º do Decreto 2.181/97, para
que o fornecedor compareça em audiência para prestar
informações de interesse do consumidor, oportunidade na
qual poderá ser proposta a possibilidade de acordo,
ajustando-se a conduta do fornecedor às exigências
legais, tal como previsto no art. 113 c/c 117 do CDC’.
(ENDC, 2008, p. 20)

Vale acrescentar que o ponto relevante é quanto a verificação


do histórico da empresa em cumprir o pedido de audiência ou não. Em
caso negativo faz-se necessário o encaminhamento de nova notificação,
sendo, então, mais eficaz, deixando o processo mais célere para as
partes, principalmente a que está sofrendo o prejuízo. Com isso, não
sendo útil e não havendo da demanda com a instauração administrativa,
fica a critério da parte ingressar com ação na justiça para a resolução da
reclamação. Sendo que a maioria das relações de consumo são tratadas
no Juizado Especial Cível (JEC), que reputa causas de até 40 salários

82
mínimos, no caso de até 20 salários mínimos é dispensado a atuação do
advogado.
Sobretudo, caso não seja possível diante das hipóteses
supracitadas a solução quanto a demanda consumerista, é oportuno que
dependendo da resposta dada pela parte do fornecedor quanto a última
fase da intermediação do Procon, a reclamação fundamentada deverá
ser registrada como atendida ou como não atendida. Após a feitura
desse procedimento, o resultado da proposta é posto por meio de dados
no Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas, que anualmente
possui resultados.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2015 os
processos sobre relações de consumo totalizaram 1.667,654 ações,
ficando em quarto lugar no ranking dos dez assuntos mais recorrentes
no Poder Judiciário, representando um total de 9,6% das ações deste
órgão. No Ceará, segundo dados do CNJ, os processos de relações de
consumo equivaleram a 11,1% das ações do TJCE no referido ano.
Dentre as principais ações de defesa do consumidor podemos
destacar a atuação da Secretaria Nacional do consumidor- SENACON,
criada pelo Decreto n 7738, de 28 de maio de 2012, que integra o
Ministério da Justiça e tem atribuições estabelecidas no artigo 106 do
Código de defesa do Consumidor e no artigo 3 do Decreto n 2181/97.
Sua atuação concentra-se no planejamento, elaboração, coordenação e
execução da política nacional das relações de consumo, na análise de
questões que tenham repercussão nacional e interesse geral, na
promoção e coordenação de diálogos setoriais, dentre outros.
Atuando junto a SENACON, temos o Departamento de
proteção e defesa do consumidor-DPDC, o órgão que auxilia a
SENACON na execução de política nacional das relações de consumo,
monitorando o mercado de consumo e realizando diálogos setoriais
com fornecedores, na cooperação técnica com órgãos e agências
reguladoras, exercendo a advocacia do consumidor, prevenindo e
repreendendo práticas infratoras aos direitos do consumidor, em
questões que tenham repercussão nacional e interesse geral.
O DPDC integra os Procons e centraliza as informações
relativas ao cadastro nacional de reclamações fundamentadas. O
Procon, por sua vez, é o órgão do Poder Executivo que atua no âmbito

83
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

municipal ou estadual, responsável por manter o contato mais direto


com o consumidor e suas necessidades. Sua função é elaborar,
coordenar e executara política estadual ou municipal da defesa do
consumidor, além do atendimento aos consumidores e fiscalização das
relações de consumo no âmbito das suas competências. A criação de
um Procon tem previsão legal tomando como referência o artigo 4 do
Decreto 2181/97.

5 DECON: importante ferramenta de acesso à justiça no âmbito do


estado do Ceará

O Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor –


DECON – é órgão integrante do Ministério Público cearense e foi
criado pela Lei Complementar nº. 30, de 26 de julho de 2002, conforme
dispõe a Constituição Estadual do Ceará, objetivando a aplicabilidade
das normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor e no
Decreto Federal de nº. 2.181 de 20 de março de 1997, que organiza o
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
O DECON exerce a coordenação da política do Sistema
Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor através de sua Secretaria
Executiva, possuindo competência para as atribuições administrativas e
judiciais no âmbito do Estado do Ceará. Neste sentido, elabora, planeja,
propõe, coordena e executa a política de proteção e defesa dos
consumidores do Estado do Ceará.
Dentre as suas atribuições está a função de receber, analisar,
avaliar e apurar as consultas e denúncias apresentadas por entidades
representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou
por consumidores individuais, além de processar regularmente as
reclamações, prestando aos consumidores orientação permanente sobre
seus direitos e garantias. Também fiscaliza as relações de consumo,
aplicando as sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 1990
e em outras normas pertinentes à Defesa do Consumidor, dentre outras
atribuições previstas na Lei Complementar nº 30/2002, Código de
Defesa do Consumidor e legislações correlatas. (DECON, on line).
Para que a análise da relevância que este órgão de defesa do
consumidor exerce no quesito acesso à justiça, faz-se necessário

84
verificar o alcance deste serviço à população. Assim, serão
consideradas as estatísticas de atendimento, abertura de reclamações,
bem como o índice de resolutividade compreendidos no período entre
01 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016.
De acordo com as informações colhidas no site do Ministério
Público do Estado do Ceará, durante o ano de 2016 foram realizados
26.497 atendimentos, que podem ser identificados como abertura direta
de reclamação, atendimento preliminar, cálculo, atendimentos
cancelados, CIP (Carta de Informações Preliminares), Extra Procon,
Reclamações de Ofício e simples consulta.

Figura 1: Tipos de Atendimento

Fonte: http://www.mpce.mp.br/decon/estatisticas/

Podemos inferir que, apesar de o número de reclamações


abertas em 2016 terem somado apenas 5.715, os demais atendimentos
do órgão em estudo atenderam às expectativas dos consumidores. Isto
decorre do fato de que quem procura o DECON, ou qualquer órgão de
Defesa do Consumidor, pode ter seu pleito atendido antes mesmo da
abertura do procedimento administrativo propriamente dito.

85
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

O atendimento nomeado como simples consulta nada mais é


do que uma orientação jurídica que, ao ser prestada ao consumidor,
resulta na prestação de informações ao consumidor que o capacitam a
atender as suas expectativas sem uma intermediação mais efetiva do
órgão de defesa do consumidor. O atendimento preliminar pressupõe a
intervenção do Procon junto ao fornecedor através de ligação telefônica
para que este resolva o problema sem a necessidade de abrir a
reclamação. Caso algum destes atendimentos não seja suficiente, será
encaminhada ao fornecedor uma Carta de Informações Preliminares –
CIP.
Alguns casos levados pelos consumidores não se encaixam das
definições estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, ou
seja, não versam sobre relação de consumo. Este tipo de atendimento é
chamado de Extra Procon. Nestes casos o órgão realiza a consultoria
jurídica e o consumidor é encaminhado para o órgão ou entidade
competente para resolver o assunto.
A abertura de reclamação pode ser realizada de três modos
diferentes: de forma direta, de ofício ou pelo retorno de CIP. A Abertura
Direta de Reclamação ocorre nos casos mais drásticos, onde a demanda
do consumidor seja de urgência ou precise de uma intervenção mais
efetiva do Procon. Ela ocorre quando as outras alternativas acima
apresentadas não surtiriam o efeito desejado, caso fossem utilizadas
para a satisfação da demanda consumerista.
A Abertura de Reclamação de Ofício é realizada por decisão
da autoridade de defesa do consumidor e ocorre quando não existe uma
demanda de um consumidor específico, mas sim, uma demanda de
interesse coletivo que motive a instauração do procedimento
administrativo. É o caso, por exemplo, do fornecedor que descumpre o
Código de Defesa do Consumidor de maneira reiterada, não
solucionando os problemas que são recorrentes diante dos seus
consumidores. Outra maneira de se abrir uma reclamação é em
decorrência da ausência de acordo ou da não apresentação de proposta
satisfatória no prazo da CIP, que é de 10 dias após a sua abertura.
Nos três casos em que a reclamação é aberta, o fornecedor é
notificado a comparecer a uma audiência de conciliação para que seja
oportunizada e estimulada a composição entre as partes envolvidas.

86
Figura 2: Meios de Consumo

Fonte: http://www.mpce.mp.br/decon/estatisticas/

A tabela anterior demonstra que os estabelecimentos


comerciais lideram as reclamações no DECON - Ceará com quase 60%
das reclamações, já em segundo lugar tem-se outros estabelecimentos e
em terceiro e quarto lugar estão empresas telefônicas e serviços de
internet. Demandas corriqueiras devido as necessidades de convívio na
sociedade, sendo devidas precipuamente nas causas que revelam
escopo perante as necessidades públicas, como meios de comunicação,
visto que atualmente a necessidade é diária e em todas as ocasiões, seja
assuntos do trabalho, assuntos pessoais e afins.
As insatisfações das instituições encontram-se em
descompasso com relação aos consumidores e suas faltas promessas.
As telefonias atingem o patamar 5.54% atingindo pouco mais de 1.435
cidadãos cearenses, como demonstra a tabela supracitada. Os dados
estatísticos revelam a natureza conflituosa e insatisfação dos
consumidores perante as propostas disponibilizadas pelas instituições
fornecedoras dos mais diferentes produtos.

87
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Figura 3: Reclamação

Fonte: http://www.mpce.mp.br/decon/estatisticas/

Com relação a perspectiva das insatisfações perante o objeto


de reclamação, vale considerar as quatros mais altas insatisfação como
os serviços financeiros (32,63% - 3.771), serviços essenciais (25,73% -
2,974). Serviços privados (13,58% - 1,570), produtos (19,61% - 2,266).
A premissa na seara do Código de Defesa do Consumidor assevera que
certos direitos inerentes a pessoa humana garante, aos consumidores, o
efetivo e o real acesso à justiça, assim sendo, a melhor forma de obter a
defesa dos seus mais presentes direitos.
Segundo dados da Portaria 02/2017 emitida pela Secretaria
Executiva do Programa Estadual de Defesa do Consumidor – DECON,
que publica o Cadastro de Reclamações Fundamentadas do Estado do
Ceará, conforme apuração realizada no Sistema Nacional de
Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), no período
compreendido entre os dias 01.01.2016 a 31.12.2016, em seu Anexo I,
das 6.466 reclamações cadastradas 5.234 foram atendidas e 1.232 não
foram atendidas pelos fornecedores. Estes números indicam um

88
percentual de 80,9% de resolutividade das demandas trazidas pelos
consumidores. Isto significa que apenas 19,1% das pessoas que
procuraram o DECON precisaram buscar a efetivação de seus direitos
perante as vias judiciais.

6 CONCLUSÃO

Destarte, perante os casos quanto a relação de consumo é


possível verificar o consumidor como a parte vulnerável da relação,
pois, juridicamente, o fornecedor encontra-se no polo mais contundente
a que os consumidores, e, com isso, detém os meios necessários para a
finalidade do ganha-perde. Com a aplicação do meio de solução de
conflito supracitado, a conciliação busca descontruir a dicotomia
ganha-perde e trazer à tona a premissa do ganha-ganha.
A relação e finalidade do CDC já demonstra esse enfoque, no
caso de já prever direitos e medidas instrumentais para apaziguar os
abusos hodiernamente ocorridos perante os fornecedores e
consumeristas. Com isso, a prática da conciliação, ainda na seara
administrativa, tem reconhecido aspectos positivos na tentativa de
solucionar os casos preeminentes à medida antecipada do poder
judiciário, até porque fica a critério das partes a tentativa de um acordo
próspero.
É mister acrescentar que há intensa relevância social quanto a
aprovação de que fica devido ao Estado a conduta de cumprir os
aspectos desdenhados pelos estudiosos e reconhecidos jurídica e
extrajudicialmente quanto a pratica da conciliação nas soluções
consumeristas, pois a facilitação do acesso à justiça alcança o verbete
positivado na Constituição Federal, a qual dispõe a competência ao
Estado e o seu dever de assegurar à justiça a todos.
Diante de tamanha insatisfação com as soluções apresentadas
pelos fornecedores às demandas relacionadas ao consumo, não se
admira que o aumento do número de demandas judiciais envolvendo o
assunto. Contudo, o excessivo número de processos para que poucos
servidores do judiciário possam dar conta, dentre outros problemas,
causam a demora na concretização da prestação jurisdicional,
desestimulando à procura deste meio de acesso à justiça, muitas vezes

89
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

em razão do valor da causa não justificar tamanho esforço por parte do


requerente. Neste sentido, observa-se que o índice de resolutividade das
reclamações apresentadas aos órgãos de Defesa do Consumidor, mais
especificamente no que diz respeito ao DECON, aumentem a sensação
da sociedade de que a efetivação da justiça é acessível a todos.

REFERÊNCIAS

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conciliação. Brasília. Disponível em: <https://goo.gl/1kJZzd>. Acesso
em: 4 mai. 2017.

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do Consumidor. Estatísticas. Disponível em: <https://goo.gl/F1uw67>.
Acesso em: 16 jun. 2017.

_________. _________. Institucional. Disponível em:


<https://goo.gl/VVRPTY> Acesso em: 16 jun. 2017.

_________. Ministério Público do Estado do Ceará. Portaria 002/2017.


Programa Estadual de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<https://goo.gl/t3puD5> Acesso em: 16 jun. 2017.

ENDC. Manual de Direito do Consumidor. Brasília: Escola Nacional


de Defesa do Consumidor, 2008.

FARACHE, Rafaela da Fonseca Lima Rocha. A conciliação como


instrumento de acesso à justiça. Conteúdo Jurídico, Brasília, 05 fev.
2014. Disponivel em: <https://goo.gl/bJUpnJ>. Acesso em: 24 abr.
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IDEC. Como funcionam os Procons. Disponível em:


<https://goo.gl/q564FE>. Acesso em: 19 jun. 2017.

NETO, Adolfo Braga. Alguns aspectos relevantes sobre mediação de


conflitos. In: SALES, Lilia Maia de Morais (org.). Estudos sobre

90
mediação e arbitragem. São Paulo: ABC Editora, 2003.

SALDANHA, Celso de Jesus Pereira. A conciliação no PROCON/PA:


um meio alternativo para a resolução do conflito nas relações de
consumo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan.
2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20863>. Acesso
em: 24 jun. 2017.

SALES, Lilia Maia de Morais. Mediare: um guia prático para


mediadores, 3. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2010.

91
ACESSO À JUSTIÇA E IGUALDADE MATERIAL: um
diálogo necessário

Daniel Macedo Tavares Cruz


Mariana Urano de Carvalho Caldas

RESUMO: Este artigo objetiva trazer à baila a íntima relação existente


entre a igualdade material e o acesso à justiça, sobretudo quando visto
sob um viés amplo. Para tanto, desenvolveu-se pesquisa exploratória,
de cunho bibliográfico e documental. Inicialmente, delimitou-se a
importância da concretização do princípio da igualdade para a
consecução dos fins do novo constitucionalismo, delineando-se ilações
atinentes à Constituição Federal de 1988 e, por conseguinte, à promessa
de construção de uma sociedade mais justa. Em seguida, foram
apresentadas as duas facetas do acesso à justiça, ora aplicado nos
limites da máquina judiciária, ora visto como consectário de uma
cultura de paz. Conclui-se pela imprescindibilidade da escolha de uma
concepção de justiça lastreada pelos ideais mais caros aos cidadãos
brasileiros, que suplica pela redução das desigualdades sociais, não
raras vezes desprezadas pelo poder público.

Palavras-chave: Acesso à justiça. Igualdade material. Novo


Constitucionalismo.

ABSTRACT: This article aims to bring into light the close relationship
between material equality and access to justice, especially when
analized through a broad sense. In order to reach this purpose, an
exploratory research with a bibliographical and documental approach
was developed. Initially, the need to implement the principle of equality


Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo
Educacional Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Analista Jurídico da Companhia de Integração Portuária do Ceará
(Cearáportos). E-mail: danielmtcruz@gmail.com.

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do
Ceará (PPGD/UFC). Graduada em Direito pelo Centro Universitário Christus
(Unichristus). Advogada. E-mail: mariana_urano@hotmail.com.

93
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

in order fulfill the purpose of the new constitutionalism was stablished,


outlining conclusions related to the Federal Constitution of 1988 and,
therefore, to the promise of a fairer society. Afterwards, the two aspects
of justice access were presented, either applied within the limits of the
judiciary system, or seen as the result of a culture of peace. It comes to
the conclusion that it’s indispensable to chose a conception of justice
based on the most valuable ideals of Brazilian citizens, which pleads
for the reduction of social inequalities, often neglected by the public
power.

Keywords: Access to justice. Material equality. New constitutionalism.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 conferiu aos Três Poderes e às


demais instituições um papel bem mais complexo na busca pela
efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Voltada
explicitamente à redução das desigualdades e à concretização da
cidadania, a nova Carta Constitucional fez da igualdade material a
essência do Estado Democrático de Direito brasileiro, em contraposição
ao viés formal que predominava no apogeu do Estado Liberal.
Isso posto, este trabalho, primeiramente, delineia ilações a
respeito dos contornos jurídicos do princípio da igualdade, explicando-
se de que maneira sua materialização restou conexa ao conceito de
acesso à justiça. Por meio de estudo bibliográfico e documental, de
cunho exploratório, apresenta-se as duas acepções do termo, ora
confundido com acesso ao Judiciário, ora tratado como valor. Frisa-se
as restrições e concessões pelas quais a pretendida igualdade material
tem perpassado, bem como sua relevância para a efetivação dos anseios
dos cidadãos brasileiros.

94
Muito além da seara jurisdicional, objetiva-se explanar como o
princípio em comento pode promover a tão almejada justiça social, que,
há tempos, exige a superação dos limites da máquina judiciária. Sem se
negar as melhorias trazidas com a aplicação dos princípios
constitucionais do processo, deseja-se indicar em que proporção os
meios alternativos de resolução de conflitos, por exemplo, têm
contribuído para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

2 IGUALDADE MATERIAL: contornos constitucionais

O Estado tem ocultado as reais limitações do sistema público


voltado para a proteção dos direitos fundamentais. Como apontam
cotidianamente os noticiários brasileiros, elas advêm, principalmente,
da inadequada aplicação e da gestão fraudulenta dos recursos
(CARVALHO; CARVALHO, 2008, p. 239), o que aumenta as
desigualdades sociais.
Tais desigualdades, mencionadas pelo inciso III do art. 3º da
Constituição Federal de 1988, poderiam ser atenuadas com um maior
investimento em saúde e educação, por exemplo (MACHADO
SEGUNDO, 2010, p. 232). Entretanto, ao não adotar uma postura
comprometida, o poder público impossibilita a concretização do papel
histórico-social que foi atribuído ao novo constitucionalismo
(STRECK, 2007, p. 35).
Como ensina Streck (2013, p. 344), a CRFB/1988 inaugurou o
paradigma do Estado Democrático de Direito no País, revestindo-se de
um evidente caráter compromissório e diretivo. Ao resgatar as
propostas da modernidade, somando-as “às facetas ordenadora (Estado
Liberal de Direito) e promovedora (Estado Social de Direito)”
(STRECK, 2009, p. 66), ela almeja a neutralização da força excludente
da economia capitalista e a promoção do desenvolvimento da pessoa
humana (BUCCI, 2006, p. 4).
Hodiernamente, os conflitos sociais alcançaram a condição de
referência na avaliação do funcionamento do sistema jurídico brasileiro
(SILVA, 2002, p. 4), julgando-se inaceitável a inércia do poder público
diante deles. Deseja-se substituir o constitucionalismo liberal por um

95
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

constitucionalismo societário e comunitário (OUVERNEY, 2016, p. 8),


em homenagem ao princípio da igualdade.
Contudo, frequentemente, o Judiciário vê-se sozinho na busca
pela fruição dos direitos fundamentais dos cidadãos (SILVA, 2008, p.
588), o que se contrapõe ao ideal democrático e dá azo à legitimação
das injustiças sociais (LIMA, 2014, p. 170). Frise-se que, como
defendem Cappelletti e Garth (2002, p. 7), nenhum aspecto do hodierno
sistema jurídico é imune à crítica, indagando-se sempre a que preço e
em benefício de quem ele realmente funciona.
A máquina judiciária tem sofrido os impactos da redescoberta
da cidadania e do surgimento dos novos direitos individuais e sociais
(BARROSO, 2005, p. 36). Com a chamada “panjudicialização”, o
processo judicial não é mais visto como um insubstituível instrumento
de participação na vida social e política (ALVES, 2015, p. 93), indo,
não raras vezes, de encontro à consecução da igualdade material.
Para Canotilho (2003, p. 501), a igualdade material visa
garantir a todos as mesmas oportunidades, além de tornar
verdadeiramente livres “aqueles que a liberdade do Estado de Direito
da burguesia fizera paradoxalmente súditos” (BONAVIDES, 2004, p.
379). E, para tanto, as normas e as instituições devem “ajustar-se aos
direitos e liberdades, reconhecendo-os, garantindo-os e promovendo-
os” (VERDÚ, 2004, p. 165).
Uma Constituição pode ser considerada vivida quando “é
sentida pelo povo e aparece como símbolo político que tem razão de ser
em virtude de sua função integradora” (VERDÚ, 2004, p. 7). E o
sentimento constitucional é a expressão máxima da afinidade com a
justiça, pois o ordenamento jurídico fundamental regula direitos e
princípios basilares, como a igualdade (VERDÚ, 2004, p. 70), núcleo
do Estado Democrático de Direito brasileiro (BONAVIDES, 2004, p.
376).
A CRFB/1988, já em seu preâmbulo, prevê a justiça como
valor supremo de uma sociedade fraterna, não o fazendo com a
intenção de restringi-la a determinadas camadas sociais. E o acesso à
justiça, sobretudo quando visto sob um viés amplo, permite a efetiva
ascensão de questões como isonomia e garantia da cidadania, assim
como o enfrentamento dos seus obstáculos de modo mais articulado e

96
compreensivo (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 31).
Todavia, se, de acordo com a Constituição em comento, todas
as pessoas gozam de plenos direitos e são iguais, por que a maior parte
delas continua alegando desigualdade e expondo apelos por justiça
social? (COSTA, 2016, p. 729). Malgrado os recursos públicos, não
raras vezes, serem insuficientes para a universalização dos direitos
fundamentais, deve-se reconhecer o seguinte:

[...] há núcleos da dignidade humana – existencial,


essencialmente fonte das políticas de cidadania, de
inclusão e de assistência social, que, se reduzidas ou
extintas, formalizarão o retrocesso não apenas dos
direitos conquistados e mal preservados resultantes das
relações socioeconômicas, mas, inclusive, promoverão o
recuo da solidariedade moral, da cooperação e do
contrato social (COSTA, 2016, p. 735).

Tem-se que a igualdade material é um mandado de justiça,


pois requer a adoção de tratamentos jurídicos justos (VELLOSO, 2007,
p. 47), além da utilização da lógica da isonomia (MELO, 2010, p. 29).
Isso posto, os tópicos seguintes dedicar-se-ão à exposição de ilações
concernentes ao acesso à justiça, em seus dois sentidos. Dessa forma,
tratar-se-á do tema de maneira mais cuidadosa e aprofundada.

3 O ACESSO À JUSTIÇA EM SENTIDO ESTRITO

O valor do acesso à justiça foi constatado de maneira mais


intensa com a consagração dos direitos oriundos do novo
constitucionalismo, quando passou a ser fundamental para a própria
efetivação deles (MARINONI, 1996, p. 21). Tais direitos possuem
estreita relação com o princípio da igualdade, mostrando-se inaceitável
a adoção da riqueza como elemento diferenciador dos cidadãos
(ROBERT; SÉGUIN, 2000, p. 180).
Contudo, inicialmente, o acesso à justiça representava
simplesmente uma “contrapartida estatal ao veto à realização, pelos
indivíduos, de justiça por mãos próprias” (TEIXEIRA FILHO, 1996, p.
37). Tratava-se, essencialmente, do direito formal de propor ou
contestar uma ação, o que exigia, para sua preservação, apenas que o

97
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Estado não permitisse que ele fosse violado pelos demais


(CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 9).
A garantia do acesso à máquina judiciária, nos termos
suprarreferidos, perspectivou-se de forma predominantemente
defensiva (CANOTILHO, 2003, p. 501). No entanto, ela pressupõe
também uma postura ativa por parte do Estado, que deve criar
processos adequados e assegurar prestações, “tendentes a evitar a
denegação da justiça por insuficiência de meios econômicos”
(CANOTILHO, 2003, p. 501).
É fundamental a promoção da “igualdade de armas” no plano
processual, com a finalidade de se obter uma tutela jurisdicional mais
justa, concedendo-se as mesmas possibilidades materiais a todos os
litigantes (BARROS; PINTO, 2013, p. 45). Atualmente, como ensina
Baracho (1995, p. 65), essa noção de acesso à justiça estritamente
vinculada aos processos judiciais deve ser permeada nos seguintes
termos:

O direito de ação, o direito de petição, o direito de defesa


(igualdade das partes, juiz natural, presunção da
inocência, publicidade do processo), fundamentação das
decisões, garantias judiciais, garantias constitucionais,
cobrem pontes essenciais da proteção dada à cidadania.
Inclui-se aí o direito a um processo rápido, como garantia
essencial.

Nesses moldes, o acesso à justiça é o direito a uma jurisdição


responsável e eficiente, que assegure o gozo dos direitos fundamentais.
Em síntese:

[...] só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe


justiça. E receber justiça significa ser admitido em juízo,
poder participar, contar com a participação adequada do
juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional
consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os
contornos do processo justo, ou processo équo, que é
composto pela efetividade de um mínimo de garantias de
meios e de resultados (DINAMARCO, 2005, p. 118).

98
Para o atendimento do acesso à justiça enquanto sinônimo de
acesso ao Judiciário, a submissão aos princípios constitucionais do
processo é imprescindível (BARACHO, 1995, p. 10). Sem se pretender
suprimir o valor do Direito Processual, entende-se, hodiernamente, que
todos os ramos jurídicos devem obediência à Constituição Federal,
elencando estes princípios fundamentais atinentes aos litígios
justamente com a finalidade de fortalecer as disposições da legislação
processualista.
Remetendo-se à evolução da ciência processual, pode-se
constatar que o acesso à justiça recebeu o devido destaque na fase do
instrumentalismo, que atribuiu, de forma simultânea, grande atenção à
efetividade do processo e aos escopos sociais, políticos e jurídicos
(DINAMARCO, 2005, p. 382). Por oportuno, cite-se o art. 1º do
Código de Processo Civil de 2015, que promete constante obediência
aos valores e às normas fundamentais.
O Direito Processual Civil, assim como outros ramos do
âmbito jurídico,

[...] deve funcionar como instrumento substancial de


proteção dos mais necessitados, para que se promova a
igualdade material e todos que tenham razão, apesar da
sua condição econômica desfavorável, possa obter a
tutela de seus direitos. Afinal, apenas assegurar os
direitos daqueles que já possuem condições mínimas de
existência é consagrar a desigualdade e as injustiças
sociais (CAMBI; OLIVEIRA, 2015, p. 169).

O princípio da efetividade processual trouxe notável avanço a


essa seara, e depende da observância a outros princípios
constitucionais, expostos no art. 5º da CRFB/1988, como a
inafastabilidade da jurisdição (XXXV), o devido processo legal (LIV) e
a duração razoável do processo (LXXVIII). As pessoas recorrem ao
Judiciário com o fito de concretizar seus direitos (ROCHA, 2005, p.
202), não sendo suficiente a mera exibição da causa em juízo.
Tais princípios funcionam como “mecanismos para legitimar o
juiz, suprindo a falta de eleição” (BARACHO, 1995, p. 45). Julga-se
essencial que o magistrado comporte-se de acordo com os preceitos
constitucionais, que outorgam ao Judiciário um viés mais democrático

99
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

e social. Afinal, o processo tem que “deixar de ser mero instrumento a


serviço dos históricos e ancestrais detentores do poder” (RÉ, 2015, p.
52).
Para Didier Júnior (2005, p. 172), com o novo
constitucionalismo, evidenciou-se a necessidade de se adjetivar a
prestação estatal, que precisa ser efetiva, rápida e adequada. Caso
continuasse sendo delineado nos antigos moldes, o direito de ação

[...] seria totalmente ineficaz, sendo certo que obstáculos


econômicos (principalmente), sociais e de outras
naturezas impediriam que todas as alegações de lesão ou
ameaça a direitos pudessem chegar ao judiciário. A
garantia do acesso à justiça deve ser uma garantia
substancial, assegurando-se, assim, a todos aqueles que se
encontrem como titulares de uma posição jurídica de
vantagem, que possam obter uma verdadeira e efetiva
tutela jurídica a ser prestada pelo Judiciário (CÂMARA,
2010, p. 38).

Mostra-se oportuno ainda se destacar as inovações sucedidas


no âmbito normativo após a promulgação da CRFB/1988 que
propulsionaram mudanças significativas no conceito de acesso à justiça
aqui estudado, aproximando-o do princípio da efetividade. Dentre elas,
vale mencionar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/1990), a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº
9.099/1995), a Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) e o
atual Código de Processo Civil (Lei n 1º 13.105/2015).
Ocorre que, nos últimos anos, outros meios de resolução de
conflitos ganharam destaque, “especialmente aqueles que transferem
esse mesmo poder do Estado para a sociedade, para os próprios
jurisdicionados, em um fenômeno de crescente emancipação social”
(RÉ, 2015, p. 65). Eles serão devidamente tratados do próximo tópico,
atinente ao acesso à justiça em sentido amplo.

4 O ACESSO À JUSTIÇA EM SUA PERSPECTIVA AMPLA

Sob um viés amplo, o acesso à justiça abarca a obtenção da


justiça social. Deve-se reconhecer, primeiramente, que o Judiciário não

100
é o único que pode solucionar conflitos. Por esse prisma, o acesso à
justiça precisa ser visto “como o requisito fundamental – o mais básico
dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário
que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos”
(CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 12). Compreende-se, dessarte,

[...] que o acesso à justiça é um fenômeno complexo,


cujos instrumentos viabilizadores preocupam-se com as
condicionantes econômicas, sociais e culturais imperantes
na sociedade e não meramente com a dimensão técnica
da tramitação processual, buscando não somente
promover a igualdade formal à tutela jurisdicional, como
também, e principalmente, a igualdade material.
Encontra-se, então, intrinsecamente vinculado aos
direitos fundamentais do homem (CAPPELLETTI;
LAIER, 2015, p. 106).

Atualmente, prioriza-se a solução eficiente e célere dos


conflitos, preferencialmente fora do ambiente judiciário (RÉ, 2015, p.
39). Por conseguinte, pode-se concluir que a existência do princípio da
inafastabilidade da jurisdição não significa que todo indivíduo que tem
seus direitos ameaçados é obrigado a ingressar em juízo (ANDRIGHI,
2008, p. 260). O sentido lato do acesso à justiça funda-se

[...] na própria liberdade individual (direito de primeira


dimensão), ou no direito à igualdade material ou ao
empoderamento material dos meios dirimentes (direito de
segunda dimensão), ou então no direito difuso à
pacificação social eficiente (direito de terceira dimensão).
Enfim, cabe ao Estado disponibilizar ao cidadão
alternativas para o tratamento de seus conflitos ou de seus
grupos, o que está longe de significar o simples acesso ao
Judiciário (RÉ, 2015, p. 72).

Nos dizeres de Andrigui (2008, p. 260), não se obsta “que, nos


limites da disponibilidade de seus direitos violados, as partes alcancem
solução autônoma para sua controvérsia, independentemente da
supervisão do Estado”. Dessa forma, o inciso XXXV do art. 5º da Carta
Constitucional brasileira não é um convite à demanda, e sim

101
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

[...] uma cláusula de reserva, uma oferta subsidiária da


prestação jurisdicional, tanto para os casos tornados
incompossíveis entre os próprios interessados, após
esgotados os meios suasórios, como para aqueles que, em
razão de peculiaridades das pessoas envolvidas ou da
natureza da matéria, se faz inarredável uma passagem
judiciária – a dita jurisdição necessária (MANCUSO,
2009, p. 88).

O acesso à justiça integra o mínimo essencial para uma


existência digna, juntamente com a educação fundamental, a saúde
básica e a assistência aos desamparados (BARCELLOS, 2002, p. 247).
E a presença dos três últimos componentes, em muitas ocasiões,
depende da realização do primeiro, competindo ao poder público
viabilizar o atendimento dos reclames sociais de forma endo ou
extraprocessual.
Veja-se que o acesso à justiça também pode ser assegurado
pelos Poderes Executivo e Legislativo. Este deve proclamá-lo criando
políticas públicas socialmente adequadas; por sua vez, cabe àquele
“aprovar normas que reconheçam direitos, que destravem
contingenciamentos indevidos de recursos públicos e que garantam a
isonomia na lei” (OLIVEIRA NETO, 2015, p. 136).
O termo “justiça” precisa ser entendido em sua acepção mais
ampla, de viés ético e axiológico, intimamente ligado à realização dos
objetivos constitucionais consagrados no art. 3º da CRFB/1988
(ALVES, 2015, p. 95), como a redução das desigualdades sociais.
Assim, possibilita-se a real “observância de critérios justos e de
equidade nas relações interpessoais cotidianas, perseguindo-se a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (ALVES, 2015, p.
95), independentemente da via legítima eleita.
As limitações jurídicas e/ou de fato hoje reconhecidas no que
tange ao acesso ao Judiciário acabam por assolar a universalidade da
tutela jurisdicional (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2013, p. 5). Isso
posto, não basta a inclusão do cidadão que se encontra à margem do
sistema de justiça, sendo necessário também o educar quanto à melhor
forma de resolução dos conflitos nos quais eventualmente se envolva
(KIRCHNER, 2015, p. 217). Para tanto, as instituições democráticas

102
têm se mostrado indispensáveis, cabendo-lhes a defesa e a
conscientização do ser humano.
As crises de eficiência e de identidade e todos os reflexos a
elas correlatos trazem, como consequências, o “esmagamento” da
justiça e a descrença do cidadão comum (SPENGLER; SPENGLER
NETO, 2013, p. 11). Nesse diapasão, a eliminação dos litígios deve
atender ao critério de justiça, visto que o seu valor figura como objetivo
da jurisdição no plano social; caso contrário, haverá mera sucessão de
arbitrariedades (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2013, p. 5).
Diante do agravamento da conjuntura social e política
brasileira, a demanda pela assistência dos órgãos estatais aumentou
vertiginosamente. Nesse ínterim, a resposta ao impasse inclusão-
exclusão tem consistido, muitas vezes, na eleição dos grupos sociais
que devem permanecer protegidos pelo Estado Democrático de Direito,
sobretudo diante da persistência da crise econômica (COSTA, 2016, p.
732).
Além das causas de exclusão de natureza econômica e
cultural, Rocha (1999, p. 172) cita ainda as de origem ideológica. O
Estado insiste em ignorar que o alcance do chamado “direito aos
direitos” (MIRANDA, 1988, p. 252) pressupõe o conhecimento de sua
titularidade, o que, não raras vezes, resta impossibilitado em razão da
injusta seletividade do poder público quanto ao público-alvo de suas
políticas.
O interesse em torno da superação desses entraves ao acesso à
justiça adveio da adoção de três posições básicas, ou “ondas”
(CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 31). A primeira diz respeito à
assistência judiciária; a segunda refere-se à representação jurídica dos
interesses difusos; e a terceira versa sobre o atual “enfoque no acesso à
justiça”, que inclui as “ondas” anteriores e vai muito além delas,
consistindo em uma “tentativa de atacar as barreiras do acesso de modo
mais articulado e compreensivo” (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p.
31).
Como aduz Silva (2014, p. 72), é preciso “buscar soluções que
legitimem o acesso à justiça, não somente numa visão macro, mas nos
detalhes que minimizam a atual atividade jurisdicional”. O fomento à
cultura demandista (RÉ, 2015, p. 41), ao não se mostrar compatível

103
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

com os fins do Estado Democrático de Direito, tem conferido aos


meios de solução amigável de contendas um valor cada vez maior.
Percebeu-se, finalmente, que não se pode falar em igualdade material
em uma sociedade avessa ao diálogo e refém do Poder Judicante.

5 CONCLUSÃO

Tratou-se, no presente trabalho, da relevância da função do


novo constitucionalismo, que elevou, como objeto de referência do
Estado Democrático de Direito, questões que envolvem os conflitos e a
busca pela redução das desigualdades sociais. Nesse contexto, versou-
se, primeiramente, a respeito do papel do Judiciário, identificando-se o
fenômeno da “panjudicialização” e os aspectos que têm gerado um
modelo de sociedade centrado na realização da igualdade material,
oportunidade em que se assinalou a importância do acesso à justiça.
Na avaliação do acesso à justiça em sentido estrito, restou
claro que ele deixou de ser situado apenas na esfera formal, na
perspectiva de defesa do jurisdicionado perante os tribunais. Levantou-
se a atual vertente desse instituto, voltado à submissão aos princípios
constitucionais do processo, constatando-se a imprescindibilidade de
uma atuação judiciária de natureza democrática e participativa. Esse
cenário também possibilitou inovações no âmbito normativo, além do
desenvolvimento de meios extrajudiciais de resolução de conflitos.
Pela ótica da concepção ampla de acesso à justiça, foi
ressaltada a sua vocação como meio para se alcançar um mínimo
essencial para uma existência verdadeiramente digna, uma real justiça
social, imbuída de aspectos éticos e axiológicos. Nesse passo,
confirmou-se a importância do tratamento das contendas fora da
máquina judiciária, com a participação indispensável de todas as
instituições democráticas. Com considerações atinentes à conjuntura
social e política, à crise econômica e às causas de exclusão, socorreu-se
às proposições da doutrina relativas à superação dos entraves à justiça,
conferindo-se destaque às “ondas” concernentes ao seu acesso.
Diante do exposto, conclui-se pela urgente necessidade da
adoção de uma concepção de justiça embasada em ideias fundamentais
vistas como latentes na cultura pública de uma sociedade igualitária e

104
fraterna, e não apenas restrita aos patamares eleitos pelo Estado. O
grande desafio é justamente superar as barreiras de cunho econômico,
social e ideológico, possibilitando-se que o acesso se dê não apenas de
modo formal, mas que implique em igualdade material e na efetiva
realização da justiça.

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109
A INOVAÇÃO DOS MEIOS ELETÔNICOS COMO
FORMA ALTERNATIVA DE RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS E ACESSIBILIDADE À JUSTIÇA

Dayane Oliveira de Freitas

RESUMO: Este artigo científico trata-se da inovação que atualmente


ocorre em nosso sistema judiciário, através de meios eletrônicos
inseridos pelo NCPC 2015 e Resoluções do CNJ, que tem por intuito
acompanhar a modernidade do nosso século, trazendo vantagens, tanto
para a mediação, como forma de maior eficácia dos meios de disputa
extrajudiciais, como para demais formas de solução de litígios
existentes no poder judiciário. Apesar dessa novidade ainda estar sendo
melhorada em nosso sistema jurídico, esta já apresentou diversas
satisfações e uma das maiores inovações que trouxe foi a plataforma
pertencente ao site do CNJ, o qual possibilita uma interação online dos
interessados em solucionar seus litígios através da mediação. Além
disto, o NCPC 2015, também trouxe novidades quanto a utilização de
sistema de som e imagem perante as audiências nos tribunais em que as
partes ou procurador não possam comparecer, por motivo de que não
residirem na localidade em que acontece a audiência, ou qualquer outro
motivo que impossibilite o comparecimento físico à audiência.
Ademais, demonstrar como o aplicativo Whatsapp vem sendo aceito
como prova documental de fatos e direitos que podem ser trazidos ao
processo para justificar um ato ou recrimina-lo.

Palavras-chave: Meios Eletrônicos. Mediação. Acesso à Justiça.


Celeridade Processual.

ABSTRACT: This scientific article deals with the innovation that


currently occurs in our judicial system, through electronic means
inserted by the NCPC 2015 and Resolutions of the CNJ, which aims to


Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Tecnológica de
Palmas – FTP.

111
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

accompany the modernity of our century, bringing advantages, both for


mediation, More effective means of out-of-court dispute, and for other
forms of dispute settlement in the judiciary. Although this novelty is
still being improved in our legal system, this one already presented
several satisfactions and one of the biggest innovations that brought
was the platform belonging to the site of the CNJ, which enables an
online interaction of those interested in resolving their litigation
through mediation. In addition, NCPC 2015 has also brought new
developments regarding the use of sound and image systems before
hearings in courts where the parties or prosecutor are unable to attend
because they do not reside in the locality where the hearing takes place
or any Other reason that makes it impossible for the public to attend the
hearing. In addition, demonstrate how the Whatsapp application has
been accepted as documentary evidence of facts and rights that can be
brought to the process to justify an act or recriminate it.

Keywords: Electronic Media. Mediation. Access to justice. Process


acceleration.

1 INTRODUÇÃO

A informatização se deu no início do ano de 1990, quando foi


sancionada a Lei nº 9.800. Esta lei introduziu o sistema de transmissão
de dados na prática dos atos processuais. Ademais, a Lei nº 11.419 do
ano de 2006, possibilitou a digitalização dos processos judiciais, assim
como a criação do Diário de Justiça Eletrônico (DJE), propiciando aos
advogados e às partes do processo uma forma mais fácil de acessar os
autos.
Antes do Novo Código de Processo Civil (CPC 2015), o qual
entrou em vigor em 2015, o Código de Processo Civil de 1973 não
instituía a Audiência de composição como forma obrigatória na
instauração do processo, devendo o Autor optar expressamente por ela
ou não.
Com o advento do CPC 2015, houveram grandes modificações
acerca do assunto no ordenamento jurídico, as quais garantiram, em
nosso Estado moderno, a acessibilidade à justiça através de soluções de

112
conflitos diferentes das judiciais, isto é, meios extrajudiciais, os quais,
atualmente, está sendo o maior foco dos atuantes da justiça, vez que, a
solução de disputa extrajudicial acaba sendo uma forma mais célere e
eficaz para a dissolução dos litígios.
Conforme a evolução da nossa sociedade vai ocorrendo, é
necessário que o nosso sistema jurídico também acompanhe esta
modernidade, caso contrário, o sistema se torna obsoleto e ineficaz para
a solução dos conflitos. E, por esta razão, os meios eletrônicos, os quais
já fazem parte da vida cotidiana dos indivíduos, passaram a integrar,
como ferramenta essencial de acessibilidade dos indivíduos, aos litígios
judiciais e extrajudiciais.
A aplicação dos meios eletrônicos às soluções de disputas
extrajudiciais facilitou ainda mais o acesso à justiça e a celeridade do
desfecho do litígio, haja vista que, por meio do CPC 2015 e Resoluções
do CNJ, foi introduzida a aplicabilidade nos processos judiciais
eletrônicos, videoconferências e à mediação através de Whatsapp, o
que já vem sendo utilizado por alguns Tribunais brasileiro.
Destarte, o intuito deste artigo é responder a determinados
questionamentos, como: Para que serve a mediação e como ela pode ser
inserida no contexto atual? Qual o impacto dos meios eletrônicos
causados na mediação? Quais foram as mudanças trazidas por esta
inovação nas soluções de disputas extrajudiciais? E quais outros modos
podem ser inseridos os meios eletrônicos na esfera judicial?
No que diz respeito aos aspectos metodológicos, as hipóteses
de incidência foram averiguadas pelo estudo descritivo-analítico,
desenvolvido através de pesquisas. Quanto ao tipo, ela será
bibliográfica, através de livros, monografias e dados oficiais publicados
na Internet. Quanto à utilização dos resultados, ela será pura, pois terá
como única finalidade a ampliação dos conhecimentos sobre o assunto
proposto. Quanto à abordagem, ela será qualitativa, pois objetiva a
criação do tema de pesquisa cuja principal limitação é a carência de
disponibilidade de estudos voltados para a inserção dos meios
eletrônicos, em especial, nas mediações. Quanto aos objetivos, ela será
descritiva, pois, levando em consideração a falta de bibliografia
específica, a maior contribuição deste trabalho é o seu pioneirismo em
estudar os meios eletrônicos, com formas inovadoras de soluções de

113
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

conflito e acessibilidade do indivíduo à justiça e impulsionando maior


celeridade em sua resolução.
Portanto, é trazido como objetivo principal a análise da
inserção dos meios eletrônicos diante dos litígios e disputas dos
indivíduos, com a finalidade incentivar a utilização destes meios para
promover maior modernidade, celeridade e acessibilidade à justiça,
com base, em fundamentos doutrinários e legislativos atuais.

2 A MEDIAÇÃO COMO FORMA ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO


DE CONFLITOS

A mediação nada mais é que um instrumento inovador e


facilitador de resolução dos litígios, fazendo com que as partes
solucionem da melhor forma o conflito existente entre elas, sem a
necessidade de instaurar um processo na esfera Judicial, simplificando
o procedimento e tornando-o espontâneo, informal e prevalecendo a
importante característica de confidencialidade das partes, o que
proporciona maior conforto aos litigantes.
O intuito deste instrumento de solução alternativa de conflitos
é buscar uma forma de intervenção pacifica, imparcial e que atinja a
todos: desde os mais necessitados, os quais não possuem condições
financeiras para ingressar na Justiça, até aqueles que tem a opção de
escolha pela Mediação, como forma mais célere e procedimento mais
fácil para solucionar a sua lide.
É neste sentido que o doutrinador VEZULLA, Juan Carlos
(1995, p.15), ensina: “A mediação é uma técnica de resolução de
conflitos, que sem imposições de sentenças ou de laudos, e, com um
profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus
verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde as
duas partes ganham”.
Este terceiro indivíduo imparcial é o chamado Mediador, que
participará de todo o trâmite da Mediação, conduzindo as partes para
que elas se coloquem em posições antagônicas, com a finalidade de
tentar uma conversa amigável e pacífica para solver os pontos
conflitantes da lide, respeitando o Princípio da Participação de Terceiro
Imparcial. Este princípio guia o Mediador para escutar ambas as partes,

114
excluindo suas convicções pessoais, e resumir a problemática trazida,
apresentando os pontos convergentes, para que cheguem ao acordo
final.
Deste modo, para que haja mediações satisfatórias para ambas
as partes é essencial que o mediador seja bem treinado e entenda que
ele é apenas um facilitador do diálogo entre as partes. Por isto, foi
necessária a implementação da política Judiciária Nacional para
promover curso adequado para formação de instrutores da mediação
judicial, ENFAM, aliando-os à resolução nº 125, de 29 de novembro de
2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os mediadores devem atuar de acordo com princípios
fundamentais, estabelecidos na resolução supracitada, que são:
confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade,
independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes,
empoderamento e validação. Além dos princípios estabelecidos pela
Lei nº 13.140, sancionada em 26 de junho de 2015, mais conhecida
como Lei da Mediação (Online, 2015): informalidade, simplicidade,
economia processual, celeridade, oralidade e flexibilidade processual.
As etapas da mediação são bastante simples. Primeiramente, o
mediador apresenta-se de forma breve e clara para as partes e, em
seguida, explica o conceito e o procedimento da mediação. Após, cada
uma das partes terá sua vez de manifestar sua problemática, para, em
seguida, o facilitador elaborar um breve resumo, explanando os pontos
contraditórios e os interesses do litígio. Por fim, se as partes
conseguirem entrar em consenso, é redigido um acordo de linguagem
simples e objetiva, sendo assinado por ambas as partes e mais duas
testemunhas.
Um dos pontos positivos da Mediação é a finalidade de trazer
aos cidadãos o conhecimento e a participação ativa em suas relações
conflituosas, proporcionando a eles o dever de responsabilidade civil e
de cidadania para uma convivência harmônica, vez que o acordo resulta
tão somente da comunicação e entendimento entre as partes.
Por este motivo, o Poder Judiciário, através do CNJ, passou a
impulsionar a Mediação como uma de suas atribuições, conforme
preceitua o artigo 4º, da Resolução nº 122/2010 (Online, 2010), do
CNJ: “Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa

115
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de


litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação”.
O direito ao acesso à justiça é garantido pelos princípios
norteadores da Constituição Federal do Brasil de 1988 (Online, 1988),
em seus artigos 3º e 5º, os quais lecionam sobre a igualdade de todos
perante a Lei, nos afirmando que, apesar do nosso país ter a
problemática da criminalidade nas periferias do Estado, este direito é
garantido sobretudo ao mais necessitados. Desta feita, HOLANDA
(2013, p. 63), inspirada nos ensinamentos de Maria Tereza Sadek, cita a
criação de novos mecanismos como forma de facilitar o acesso à
justiça:

O acesso à justiça é reconhecido como requisito


fundamental um dos mais básicos dos direitos humanos,
relacionado a um sistema jurídico moderno e igualitário
pretendendo garantir, e não apenas proclamar, os direitos
de todos. A acessibilidade à justiça não é apenas um
direito social fundamental, crescentemente reconhecido;
ele é, também, necessariamente, o ponto central na
moderna processualística. Tem como foco um
alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos
da moderna ciência jurídica.

Neste sentido, a respeitada pesquisadora, professora e diretora


de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais,
SADEK (2010, p.5), compara a eficácia ao acesso à justiça dos países
centrais ao Brasil, in verbis:

Nos países centrais, a contextualização do acesso à


justiça vem precedida por um processo histórico e
cumulativo de afirmação da eficácia dos direitos: em
primeiro lugar, os direitos civis ou individuais; em
segundo lugar, os direitos políticos; e, finalmente, os
direitos sociais. Uma sequência, cada uma dessas etapas
sendo precedida de uma relativa consolidação da eficácia
da etapa anterior. Entre nós, o processo se dá de uma
forma completamente diversa. Nós tentamos
simultaneamente, na mesma conjuntura histórica, afirmar
tanto os direitos civis e individuais quanto os direitos
políticos, os direitos sociais e os coletivos. Ou seja, os

116
desafios para o acesso à justiça entre nós são
infinitamente mais acentuados individuais quanto os
direitos políticos, os direitos sociais e os coletivos. Ou
seja, os desafios para o acesso à justiça entre nós são
infinitamente mais acentuados. Em terceiro lugar, nos
países centrais, a preocupação com o acesso à justiça é
principalmente com a manutenção de um certo padrão de
garantia dos direitos, de eficácia e de penetração dos
direitos na sociedade. Ora, entre nós, a preocupação com
o acesso à justiça não é de manutenção, mas sim de
obtenção de algo que nunca foi conquistado: a afirmação
da cidadania pela via judicial.

Ademais, a Mediação, além da forma extrajudicial, também


pode ser oferecida pelo juiz em processos que estão em trâmite
processual, isto é, na forma judicial. Nesta segunda situação, a
mediação pode ocorrer antes do julgamento, chamada pré-processual,
onde o juiz analisa apenas se a petição preenche todos os requisitos
legais e, caso estiver a petição instauradora em conformidade com a
Lei, determina a audiência de mediação, conforme parágrafo único, do
artigo 1º, da Resolução nº 125/2010, do CNJ (Online, 2010).
Na mediação judicial atual existem três centros judiciários de
solução consensual de conflitos, isto é, os CEJUSCs: Núcleos
Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
(NUPEMECs); Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania, conforme artigo 8º, da Resolução nº 125/2010, do CNJ
(Online, 2010); e Centros Judiciários de Solução Consensual de
Conflitos, consoante artigo 165, do Novo Código de Processo Civil de
2015 (Online, 2015).
No começo deste ano, o NUPEMEC do Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará (TJCE), abriu as primeiras inscrições para o cadastro
de mediadores do TJCE, mediante o Edital nº 1/2016, publicado no
Diário Oficial de Justiça no dia 14 de janeiro de 2016. Isto é mais uma
prova de que a mediação está tornando-se instrumento frequente nas
resoluções de conflito.
Vale ressaltar que desde 2002 foi criada a Associação de
Mediadores de Conflitos (AMC), que tem como objetivo divulgar e
incentivar o recurso aos meios alternativos de resolução de conflitos,

117
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

além de proporcionar apoio aos mediadores, podendo estes trocarem


idéias e conhecimentos acerca do tema, influenciando
significativamente no seu avanço.

3 ALTERAÇÕES RECENTES INTRODUZIDAS NA MEDIAÇÃO

Levando em consideração o atual cenário brasileiro, onde a


utilização de meios eletrônicos passou a ser ferramenta essencial no
dia-a-dia dos indivíduos, tanto em suas vidas pessoais, aproximando o
vínculo com pessoas de outros Estado e até mesmo países, quanto da
vida profissional, buscando atualidades e conhecimentos de forma mais
rápida e eficaz.
O ilustre doutrinador, Batista (2010, p.47), alerta que o acesso
à justiça deve também chegar a classe hipossuficiente. E para isto, o
Poder Judiciário deve implantar mecanismos que possibilitem o
ingresso destas pessoas declaradas como necessitadas à justiça: “A
cultura, apesar de estar em evolução, ainda não foi democratizada no
sentido de alcançar as periferias pobres, como alguns bairros e favelas.
Assim, a necessária proliferação de instrumentos viabilizadores do
acesso à justiça para que levem a cidadania e a democracia àqueles que
dela necessitam”.
Esta constante evolução na tecnologia trouxe inovações para a
Mediação, introduzindo os meios eletrônicos no Judiciário, dando
celeridade ao processo e maior eficácia, vez que a informática pode ser
utilizada como pessoas que estão à grandes distâncias, oferecendo às
partes uma forma de comunicação eletrônica. Neste sentido, aduz
Azevedo (2013, p.144), em referência aos ensinamentos de SADEK:
“A tecnologia da informação já é uma realidade no judiciário brasileiro.
Ela surge como uma forma de proporcionar celeridade e eficiência aos
Fóruns e Tribunais, reformulando e influenciando as relações jurídicas
com o escopo de se encontrar a pacificação social e a otimização dos
trabalhos”.
Desta feita, para que estes meios eletrônicos fossem
implementados e tivessem plena eficácia no Poder Judiciário, foi
necessário a criação de algumas Leis, Resoluções e sistemas
inovadores, os quais serão abordados a seguir.

118
3.1 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS MEIOS
ELETRÔNICOS

A Lei nº 13.105 (BRASIL, 2015), promulgada no dia 16 de


março de 2015, mais conhecida como o Novo Código de Processo Civil
(NCPC), que tomou o lugar do Código de Processo Civil de 1973,
contribuiu significativamente para a inserção de meios eletrônicos no
sistema judiciário.
A princípio, o inciso II, do artigo 319, do diploma legal
supracitado, facilitou a comunicação do juiz com às partes do processo,
por meio de endereço eletrônico (e-mail), que passou a integrar o
processo a partir do ano de 2016, introduzido na qualificação das partes
litigantes do processo, assim transcrito a seguir: “A petição inicial
indicará: [...] II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de
união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de
Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço
eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”.
Esta inovação promove grande celeridade processual, fazendo
com que, caso as partes não sejam encontradas nos endereços físicos
indicados, por motivo de mudança de domicílio, as partes podem ser
notificadas rapidamente por este meio eletrônico rotineiro na vida dos
cidadãos: o email. O que também proporcionou a economia processual,
vez que as dúvidas quanto ao processo são dirimidas por uma
comunicação direta e simples entre o juiz e às partes, aproximando-os,
situação que antes parecia existir uma certa distância.
Ademais, o parágrafo 7º, do artigo 334, tornou-se um dos
artigos mais inovadores do NCPC, pois introduziu o meio eletrônico na
mediação: “A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se
por meio eletrônico, nos termos da lei”. Possibilitando assim a
realização de uma mediação por um sistema de troca de dados, diverso
do e-mail ou qualquer troca de mensagens, fazendo uma conferência
entre as três partes: o mediador e os litigantes.
Podemos presumir que o Novo Código de Processo Civil
apenas aprimorou a idéia que já existia sobre a inserção da tecnologia

119
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

da informação aos processos, tornando possível uma mediação virtual,


tendo em vista que a sociedade caminha para esta evolução e as Leis
devem avançar junto às necessidades da sociedade atual.
Desta forma, a Resolução nº 125/2010 (CNJ, 2010), do CNJ,
implementou o Projeto piloto do Sistema de Mediação Digital, alterado
posteriormente pela Emenda nº 2/2016 (CNJ, 2016), criando uma
plataforma online, que tem por finalidade a resolução de conflitos pré-
processuais através do portal do CNJ, o Escritório Digital, que facilita a
interação das partes, através de um computador, sem a necessidade de
se locomoverem do lugar em que estiverem. Assim aduz o artigo 6º,
inciso X, da referida resolução:

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ:


[...]
X - criar Sistema de Mediação e Conciliação Digital ou a
distância para atuação pré-processual de conflitos e,
havendo adesão formal de cada Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal, para atuação em demandas
em curso, nos termos do art. 334, § 7º, do Novo Código
de Processo Civil e do art. 46 da Lei de Mediação.

O juiz AZEVEDO (Online, 2016) auxiliar da Presidência do


Conselho Nacional de Justiça, posicionou-se quanto a experiência
obtida até o momento com o projeto-piloto desenvolvido pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, mostrando grande satisfação com os
resultados do projeto: “A mediação digital será mais uma
complementação para reforçar as políticas de tratamento adequado de
conflitos no país”, afirmou. A intenção, segundo ele, é estimular o
acordo entre grandes litigantes.

4 MEIOS ELETRÔNICOS COMO FORMA FACILITADORA DE


ACESSO À JUSTIÇA

Através da Lei nº 11.419/2006 (BRASIL, 2006), juntamente


com a Resolução nº 105/2010, do CNJ, foi possível a prática de atos
processuais por intermédio de videoconferência, que já vem
acontecendo há alguns anos nos Tribunais brasileiros.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015

120
(BRASIL, 2015), especificamente em seu artigo 236, §3º, o qual aduz:
“Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência
ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em
tempo real”, consolidou o uso de meios tecnológicos no mundo
jurídico, pela chamada Info via do Judiciário, o qual utiliza o sistema
de áudio e imagem com confiável segurança no tráfego de informações
transmitidas do Conselho Nacional de Justiça.
Corroborando com o recente entendimento da utilização da
videoconferência como meio facilitador de litígios, o CPC 2015
(BRASIL, 2015) também introduziu o uso da videoconferência, ou
outro recurso tecnológico, para depoimentos pessoais, oitiva de
testemunha, acareação ou sustentação oral do indivíduo que se encontra
em comarca diversa da que tramita o processo, consoante disposto nos
artigos 385, §3º, 435 §1º, 461, §2º e 937, §4º, do diploma legal
supracitado.
Ainda com o avanço da tecnologia é possível afirmar que o
Judiciário está se tornando mais eficiente e célere quanto aos processos
e litígios judiciais e extrajudiciais. Tendo em vista que o Julgamento de
recursos pode ser realizado por meio eletrônico, conforma aduz o artigo
945, do mesmo diploma legal: “A critério do órgão julgador, o
julgamento dos recursos e dos processos de competência originária que
não admitem sustentação oral poderá realizar-se por meio eletrônico”.
Desta forma, há a possibilidade de qualquer das partes
litigantes apresentarem discordância do julgamento por meio
eletrônico, conforme preconiza o mesmo artigo supracitado, em seu §2º
e 3º, independente de motivação, que será apta a determinar o
julgamento em sessão presencial.
Além da videoconferência, há também outro aplicativo, muito
conhecido atualmente: o Whatsapp, que, apensar de não ter sido criado
para esta finalidade, está facilitando o acesso dos litigantes às soluções
de conflitos judiciais e extrajudiciais.
A exemplo disto, a Justiça do Trabalho do Ceará (TRT/CE),
criou um novo canal como forma inovadora de solucionar os conflitos,
a conciliação via Whatsapp. Meio este em que as partes solicitam uma
audiência de conciliação pelo aplicativo, apontando o número do
processo e o nome das partes interessadas.

121
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Este aplicativo de mensagens de texto pode também ajudar a


encontrar réus que fogem das intimações realizadas por oficiais de
justiça, ou aqueles que mudaram de domicílio e estão em lugares não
sabidos ou diversos da localidade em que tramita o litígio. Ademais, o
aplicativo também pode ser utilizado como conteúdo probatório, como
por exemplo, com o intuito de manifestar a quebra contratual.
Estes novos meios eletrônicos contribuíram para desafogar a
Justiça, acelerar a intimação e informações necessárias que devem ser
prestadas no processo, além de servir de prova documental, como
vários juízes já veem deferindo atualmente.
Desta forma, os meios eletrônicos garantem a eficácia da
norma contida no artigo 5º, inciso XXXV, da CF (BRASIL, 1988), que
preza pela inafastabilidade do Poder Judiciário a qualquer indivíduo
que estiver sofrendo lesão ou ameaça a seu direito. Nesta síntese Paulo
Roberto de Gouvêa Medina (2004, p.43) leciona: “a Constituição
assegura ao titular de uma pretensão a faculdade de exercitá-la em
Juízo por meio da ação própria, buscando a tutela jurisdicional para o
seu direito”. O que torna evidente a garantia da cidadania e o acesso à
justiça.
Acerca do princípio ora em comento, devemos levar em
consideração que o acesso à justiça engloba, não somente o acesso ao
Judiciário, mas à Justiça em todas suas formas e manifestações. Neste
entendimento, se expressa o doutrinador Candido Rangel Dinamarco
(1998, p. 304):

Mais que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de


todos os princípios e garantias do processo, seja a nível
constitucional ou infraconstitucional, seja em sede
legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à
idéia do acesso à Justiça, que é o pólo metodológico mais
importante do sistema processual na atualidade, mediante
o exame de todos e de qualquer um dos grandes
princípios.

É evidente que o princípio do acesso à justiça e o da celeridade


processual andam juntas, de mãos dadas, vez que na evolução de nossa
sociedade, a modernidade ao acesso à justiça pelos menos eletrônicos
resultou uma grande celeridade de litígios, provocando uma solução

122
rápida e eficaz, satisfazendo o interesse das partes litigantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das pesquisas realizadas se conclui que a mediação é


um instituto que pode ser utilizado como forma alternativa da solução
dos conflitos, pois o mediador vai tentar, através de reuniões com as
partes, fazer com estas se conscientizem e obtenham a solução
satisfatória por meio do diálogo e do consenso mútuo, quando não há
uma imposição de uma solução por um terceiro (arbitro ou juiz) as
possibilidades de cumprimento do acordo são maiores.
Contudo, sem embargo de opiniões em contrário, o caminho
não deve ser a imposição para as partes tentarem resolver o conflito
através da mediação, mas uma indicação, para que só depois, caso a
mediação ou conciliação não tiverem êxito, as partes ingressarem com
a ação.
No Brasil, o que mais se comenta é a demora do Judiciário em
entregar a prestação jurisdicional. E por esta razão que, tanto a
conciliação, quanto a mediação, se apresentam como meios satisfativos
para a pacificação e solução efetiva de conflitos em quase todos os
ramos do direito, desde que sejam direitos disponíveis.
O CPC (BRASIL, 2015) leciona, de forma clara e objetiva,
quando os meios eletrônicos que podem ser aplicados no processo.
Desta forma, os operadores do direito têm a tarefa de se atualizarem e
se adaptarem a nova sistemática dos tempos modernos. Devem também
incentivarem o uso destes meios eletrônicos, junto a soluções de
disputas extrajudiciais, como forma célere e efetiva de pacificação do
litígio, com o intuito de que haja um desafogamento do Poder
Judiciário, tornando-o mais justo e eficaz.
Os operadores do direito devem buscar uma qualificação na
área de solução de conflitos extrajudiciais, inovando sua forma de
trabalhar e realizar parcerias, além de criar mecanismos próprios para
conseguirem sobressair à nova sistemática e terem um melhor
desempenho em sua atividade profissional.
De igual modo, aos juízes e promotores, devem aceitar estas
mudanças, aceitando as novas normas regulamentadoras e inovadoras
do direito, com o intuito de que sua postura modifique, quando aos

123
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

litígios, para que seus atos sejam menos formalistas e passem a dar
maior atenção ao que realmente importa, que é a resolução do conflito,
impulsionando uma maior economia processual e aproximando as
partes do juiz. Ademais, devem ter como prioridade o incentivo das
partes à solução de conflito extrajudicial.
Já o Estado, deve tomar medidas adequadas para que haja o
real incentivo à estas soluções de disputas e inovações aos meios
eletrônicos, investindo financeiramente em equipamentos apropriados e
publicidades educativas, para que este objetivo chegue à todos,
principalmente à população de baixa renda, designada como
necessitada, que tem o acesso à justiça mitigado e possuem pouca
informação. Com isto, prezando por uma sociedade mais justa, menos
conflituosa, igualitária e em sintonia com os fundamentos assegurados
na Constituição Federal: Dignidade Humana e Cidadania.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
Disponível em: <https://goo.gl/tmj61R>. Acesso em: 26 abr. 2017.

________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo


Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, 17 mar. 2015. Disponível em:
<https://goo.gl/2U1Dv9>. Acesso em: 27 mar. 2017.

________. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Diário Oficial [da]


República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 29 jun.
2015. Disponível em: <https://goo.gl/Kjh2fA>. Acesso em: 6 mar.
2014.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 122, de 26 de


outubro de 2010. Altera dispositivos da Resolução n° 81, de 9 de
junho de 2009, que dispõe sobre os concursos públicos de provas e
títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e minuta
de edital. Disponível em: <https://goo.gl/vikjzK>. Acesso em: 27 abr.

124
2017.

________. Resolução nº 2, de 02 de março de 2016. Altera e


acrescenta artigos e os Anexos I e III da Resolução 125, de 29 de
novembro de 2010. Disponível em: <https://goo.gl/4Mgx6i>. Acesso
em: 27 abr. 2017.

________. Resolução nº 105, de 06 de abril de 2010. Dispõe sobre a


documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e
realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por
videoconferência. Disponível em: < https://goo.gl/HKHm7w>. Acesso
em: 27 mar. 2017.

________. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe


sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras
providências. Disponível em: <https://goo.gl/P5LBJk>. Acesso em: 2
abr. 2017.

AZEVEDO, Andre Gomma de. Sistema de Mediação Digital deverá


ser lançado até maio. CNJ, Brasília, 14 abr. 2016. Disponível em:
<https://goo.gl/p5cf17>. Acesso em: 5 maio 2017.

AZEVEDO, Patricia Rodrigues de. A Virtualização dos Processos no


Brasil como Entrave no Acesso à Justiça das Pessoas Miseráveis. In:
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6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 304.

HOLANDA, Juliana Mota. A mediação como Forma de Solução de

125
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Conflito. QUARANTA, Roberta Madeira; ANDRADE, Mariana D. de.


(org.). Acesso à Justiça: textos em homenagem à Maria Tereza Sadek,
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constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 43.

SADEK, Maria Tereza. O judiciário em debate. Rio de Janeiro:


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VEZULLA, Juan Carlos. Teoria e prática da mediação. Curitiba:


Instituto de Mediação, 1995, p. 15.

126
O ACESSO DOS TRABALHADORES À JUSTIÇA
ATRAVÉS DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL

Deise Brião Ferraz


Eder Dion de Paula Costa

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo investigar a figura da


Substituição Processual por sindicatos, assegurada pela legitimidade
extraordinária, constante da Constituição Federal de 1988, em seu art.
8º, III, enquanto instrumento de acesso dos trabalhadores à ordem
jurídica. Para tanto, inicia aprofundando a tutela coletiva de direitos
exercida pelos sindicatos sob o arquétipo da Substituição Processual,
segue com a análise do direito fundamental de acesso à Justiça,
apontando os principais pontos que afastam os trabalhadores do acesso
à ordem jurídica e culmina com as contribuições da substituição
processual para promover esse acesso. O método de abordagem
utilizado no presente trabalho é indutivo e a técnica de pesquisa é a
bibliográfica qualitativa.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Substituição processual.


Legitimidade extraordinária. Direito coletivo. Direitos Fundamentais.

ABSTRACT: The purpose of this study is to investigate the role of


procedural substitution, ensured by extraordinary union legitimacy,
contained in the Federal Constitution of 1988, in its art. 8, III, as an
instrument of access of workers to the legal order. To this end, it begins
by deepening the collective tutelage of rights exercised by the unions
under the archetype of Procedural Substitution, it follows with the
analysis of the fundamental right of access to Justice, pointing out the
main points that distance workers from access to the legal order and
culminates with the contributions Procedural substitution to promote
such access. The method of approach used in this work is inductive and
the technique of qualitative bibliographic research.


Advogada.

Advogado.

127
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Keywords: Access to justice. Substitution procedure. Extraordinary


legitimacy. Collective rights. Fundamental rights.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho em epígrafe tem o condão de investigar o acesso


dos trabalhadores à ordem jurídica através da substituição processual
por sindicatos no Processo do Trabalho e, para tanto, parte da hipótese
de que a referida substituição processual serve como uma ferramenta
que promove e auxilia o acesso à Justiça, contribuindo para a
efetividade deste direito fundamental.
Apresentado o objetivo e a delimitação do tema, vale apontar o
caminho que se pretende percorrer: o opúsculo partirá, em seu primeiro
capítulo, da tentativa de configurar o que é o acesso à Justiça e qual seu
panorama diante do mundo do trabalho, apontando os principais
eventos que afastam o trabalhador da ordem jurídica e quais as
dificuldades encontradas no momento da busca de tutela jurisdicional.
Seguirá no capítulo seguinte fazendo um apanhado a respeito da
substituição processual sindical sob todos os aspectos, onde está
prevista, como atua, quem tem legitimidade para fazer uso dessa
ferramenta e demais características, além de abordar a legitimidade
extraordinária conferida aos sindicatos e prevista na Constituição
Federal, chegando, por fim, ao capítulo conclusivo a respeito das
contribuições do instituto para o acesso dos trabalhadores à ordem
jurídica.
A importância de se aprofundar as faculdades do instituto da
substituição processual na tutela dos direitos individuais homogêneos
(aqueles decorrentes de matéria fática e jurídica comum que englobam
trabalhadores que compartilham situação uniforme, proveniente de
causa comum) deve-se a diversos fatores que ele permite, entre os quais
se faz mister ressaltar a despersonalização dos conflitos e a segurança
jurídica, entre outros que serão abordados no âmago deste trabalho.
Não obstante, ainda que o tema em questão seja relativamente novo,
pois, somente recentemente as Cortes Trabalhistas vem firmando
posicionamento no sentido de que os sindicatos têm legitimidade para

128
processar coletivamente demandas que versem sobre direitos
individuais homogêneos, mostra-se de suma importância uma análise
aprofundada sobre este, que é um instrumento para a tutela de direitos
coletivos, o que justifica o presente estudo.
O método de abordagem utilizado no presente trabalho é
indutivo e a técnica de pesquisa é a bibliográfica qualitativa.

2 O ACESSO À JUSTIÇA: “Não basta o acesso, a ordem jurídica


tem que ser justa”

Nas lições de Cappelletti (1988), embora o acesso à justiça


venha sendo aceito como um direito social básico, sua efetividade não
tem alcançado o plano desejado já que este só poderia ocorrer através
de completa igualdade de armas que diz respeito à garantia de que a
condução da demanda dependa apenas de questões jurídicas sem
qualquer relação com as diferenças estranhas ao Direito, o que
considera utópico.
O autor traz ainda outras contribuições valiosas e de grande
interesse para estes apontamentos, principalmente ao lembrar as
vantagens e desvantagens de determinados litigantes com base em
pesquisas sociológicas que mostram que 1) pessoas ou organizações
com recursos financeiros consideráveis apresentam uma notável
vantagem ao propor ou defender demandas, pois podem pagar por isso
e suportar a morosidade do litígio. Ocorre que, quando essa vantagem
está concentrada apenas na mão de uma das partes do litígio torna-se
uma arma poderosa visto que uma das partes pode defender seus
argumentos com mais eficiência e, considerando que o julgamento
depende da obtenção e apresentação de provas e discussão da causa
pelas partes, a justiça mostra-se inacessível para muitos, como nos
casos que envolvem relações de trabalho com um empregado versus o
empregador em relação de poder abismalmente desigual; 2) capacidade
jurídica pessoal que leva em conta as barreiras que precisam ser
transpassadas para que um direito possa ser reivindicado no sistema
judiciário. Essa capacidade depende proporcionalmente dos recursos
financeiros, educação, meio e status social e propriamente a questão de
reconhecer a existência de um direito que pode ser exigido na justiça;

129
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

3) A falta de conhecimento a respeito da maneira de ajuizamento de


uma demanda. Ou seja, há uma desinformação que paralisa. Essa
desinformação se relaciona com a disposição psicológica para ingressar
com demandas judiciais. 4) há uma declarada desconfiança nos
advogados, principalmente nas classes menos favorecidas. 5) somado a
isso, os procedimentos complexos, formalismo, ambientes que
intimidam com figuras que oprimem (juízes e advogados).
Ademais, os preços constantes das tabelas de serviços
profissionais dos advogados não correspondem à realidade da renda da
maioria da população brasileira, o que outra vez impede o acesso do
cidadão de baixa renda à Justiça. Não obstante, a linguagem jurídica e a
falta de confiança na relação cliente-advogado, produto de todo esse
distanciamento entre jurisdicionado e procurador mostram que,
permear, ingressar, adentrar o judiciário é uma tarefa árdua e dificultosa
aos trabalhadores.
Por todos estes motivos que o problema do acesso à Justiça
deve transbordar os cínicos limites do acesso aos órgãos judiciais, pois,
não é mera questão de possibilitar o acesso à Justiça, mas, sim, na sábia
lição de Watanabe (2009) de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
O autor vai ao extremo e sinaliza que ao invés de aplicar esse direito
injusto, melhor seria dificultar o acesso à Justiça a fim de evitar o
cometimento de dupla injustiça. O acesso à ordem jurídica justa, para
ele:

a) o direito de acesso à justiça é, fundamentalmente,


direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados
elementares desse direito: (1) o direito à informação e
perfeito conhecimento do direito substancial e à
organização de pesquisa permanente a cargo de
especialistas e orientada à aferição constante da
adequação entre a ordem jurídica e a realidade
sócioeconômico do País; (2) direito de acesso à Justiça
adequadamente organizada e formada por juízes inseridos
na realidade social e comprometidos com o objetivo de
realização da ordem jurídica justa; (3) direito à pré-
ordenação dos instrumentos processuais capazes de
promover a efetiva tutela de direitos. (4) direito à

130
remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao
acesso efetivo à Justiça com tais características
(WATANABE, 2009, p. 135).

Cappelletti (1988) lembra que a expressão “acesso à Justiça” é


de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas
do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar
seus direitos e/ou resolver seus litígios sob a égide do Estado que,
primeiro deve ser realmente acessível a todos e deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos. Da lição de
Cappelletti (1988) extrai-se a sensação de um recente despertar de
interesse em torno do acesso efetivo à Justiça, o que conduziu a três
posições básicas nos países do mundo Ocidental, com início em 1965.
A primeira solução para o acesso ou, como denomina, a primeira
“onda” desse movimento foi a assistência judiciária; A segunda foi
referente às reformas com intuito de proporcionar representação
jurídica para os interesses difusos, sobretudo nas áreas da proteção
ambiental e do consumidor; E a mais recente, chamada de “enfoque de
acesso à justiça”, inclui os posicionamentos anteriores, mas vai além e
representa uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais
articulado e compreensivo.
Nesse sentido, Warat (2010) reverbera a necessidade das
práticas jurídicas aproximarem-se dos excluídos e dos esquecidos do
mundo e anota:

Os setores de alta vulnerabilidade foram antecipadamente


alçados a um permanente estado de exceção, entendido
como um permanente estar-fora do sistema de ilusões que
são apresentados como tutelas de garantias. A tutela
constitucional das garantias de direitos fundamentais
pressupõe que os garantidos sejam cidadãos e não excluídos,
postos socialmente em uma situação de permanente
exceção. A cidadania não existe se o outro da alteridade é
um excluído. Enquanto existirem excluídos é uma hipocrisia
falar de cidadania. Somente se é cidadão se os outros, a

131
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

alteridade que organiza as possibilidades de estar entre nós


não está excluída. Se os outros são excluídos eles não são
cidadãos. Falar de cidadania em circunstâncias de exclusão é
garantir a persistência de estados de exclusão, que são o lado
diabólico das nossas sociedades. São muito mais perigosos
os estados de exclusão do que os estados de exceção
(WARAT, 2010, p. 82).

A crítica waratiana é absolutamente eficaz quando denuncia o


estado de exceção permanente ao qual são lançados todos aqueles que
não podem viver plenamente a tutela de garantias constitucionais
porque deixam de ser cidadãos e passam a ser excluídos. Situação essa
que é vivenciada pelos trabalhadores conforme os pontos levantados na
crítica até aqui tecida que reforçam o mito do que o acesso à justiça
representa para eles e como devem ser encontrar saídas para derrubar
essas barreiras que os condicionam a uma situação de exclusão da
ordem jurídica e da promessa constitucional garantidora de direitos
sociais fundamentais.
Ao encontro do cenário já detalhado, Mota (2008) aponta que
o grande problema do Judiciário hoje é o de não ser de eficácia
universal, o que se manifesta em três principais aspectos, quais sejam a
falta de acesso à Justiça da maioria das pessoas, decisões norteadas pela
vontade de manutenção do status quo, e a morosidade das decisões.
Ressalta, ainda, que há um custo econômico na provocação da
atividade jurisdicional que não pode ser ignorado e que os organismos
de assistência judiciária gratuita não são suficientes para abarcar todas
as demandas emergentes e consigna, que, com base em sua prática
como juiz, teve ciência de que até o gasto com transporte é um
obstáculo à ida das pessoas à Justiça.
Não bastasse o ora exposto, há razões de ordem moral como o
receio das pessoas em não verem atendido seu pleito, falta de
efetividade das decisões que lhe sejam favoráveis ou mesmo a
eternização de suas demandas que incentivam o afastamento entre os
tutelados e o Poder Judiciário. Há um ponto de suma importância
apontado por Mota (2008) que diz respeito ao fato de o Poder
Judiciário ser integrado em grande parte por servidores provenientes da
elite dominante que trabalha na perpetuação desse poder na elite e na

132
manutenção do status quo, reforçando a subsistência do estado de
exclusão de considerável parte da população.
Esse panorama traçado gera um afastamento abismal entre as
pessoas que buscam a tutela jurisdicional e o próprio Poder Judiciário,
reforçando a ideia trazida neste estudo de que a substituição processual
por Sindicatos serve como um rompimento para esses empecilhos,
fortalecendo a promoção dos Direitos Fundamentais, sobretudo da
dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça, da inafastabilidade da
jurisdição e da razoável duração do processo.

3 SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL E LEGITIMIDADE


EXTRAORDINÁRIA SINDICAL NA CF/1988

A legitimidade extraordinária sindical, prevista expressamente


na Carta Maior, foi interpretada pela jurisprudência e pela doutrina
majoritária, até o claro posicionamento do STF em contrário, como
uma norma constitucional vazia, já que não era aceita pelo TST e
tampouco pelos TRT’s. Essa corrente que negava a substituição
processual constitucional baseava-se no fato de que o texto
originalmente submetido à Assembleia Constituinte que continha a
expressão “inclusive como substituto processual”, sendo
posteriormente retirado do texto final proclamava a vontade do
constituinte de que a possibilidade da substituição fosse absolutamente
restrita. Firmando esse posicionamento, o TST editou a súmula nº 3101

1
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SINDICATO (cancelamento mantido) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 e republicada DJ 25.11.2003I - O art. 8º, inciso
III, da Constituição da República não assegura a substituição processual pelo
sindicato.
[...] II - A substituição processual autorizada ao sindicato pelas Leis nºs 6.708, de
30.10.1979, e 7.238, de 29.10.1984, limitada aos associados, restringe-se às demandas
que visem aos reajustes salariais previstos em lei, ajuizadas até 03.07.1989, data em
que entrou em vigor a Lei nº 7.788/1989. III - A Lei nº 7.788/1989, em seu art. 8º,
assegurou, durante sua vigência, a legitimidade do sindicato como substituto
processual da categoria. IV - A substituição processual autorizada pela Lei nº 8.073,
de 30.07.1990, ao sindicato alcança todos os integrantes da categoria e é restrita às
demandas que visem à satisfação de reajustes salariais específicos resultantes de
disposição prevista em lei de política salarial. V - Em qualquer ação proposta pelo
sindicato como substituto processual, todos os substituídos serão individualizados na

133
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que rechaçava a substituição prevista no Art. 8º, III da CF.


A substituição processual também foi prevista na legislação
extravagante, como no caso das leis nº 6.78/79, 7.238/84, 7.788/89 e
8.73/90. Nas duas primeiras, a substituição era autorizada para o pleito
de reajustes salariais em favor dos associados sindicais. Contudo, alei
7.238/90 foi revogada pela lei 7.788/89 que estabelecia a substituição
sindical dos integrantes da categoria para qualquer que fosse o direito
vindicado. A referida lei foi revogada pela de nº 8.073/90 que foi
promulgada com único dispositivo que versava: “As entidades sindicais
poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da
categoria.” Quanto a essa última, a lei 8.073/90, seu alcance material
foi restringido pelo TST à pretensão de reajuste salarial constante em
norma que viesse a ser editada pelo Poder Público. Também na
legislação extravagante, a lei nº 8.036/90 que trata do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e garante, em seu art. 25, a
substituição processual por legitimidade extraordinária aos dependentes
do trabalhador e ao Sindicato. Também há de se citar a possibilidade de
substituição processual proveniente da Lei de Ação Popular (LACP), da
Lei de Ação Civil Pública (LACP) e do Código de Defesa do
Consumidor (CDC). Repisa-se que, apesar de tais previsões, foi o Art.
8º, III, CF que saneou qualquer dúvida quando a amplitude do alcance
da substituição processual por Sindicatos, o que anteriormente não
ocorria já que era comum esbarrar-se em interpretações diversas e
resistentes nos Tribunais.
A substituição processual é a fonte de investigação deste

petição inicial e, para o início da execução, devidamente identificados pelo número da


Carteira de Trabalho e Previdência Social ou de qualquer documento de identidade.
VI - É lícito aos substituídos integrar a lide como assistente litisconsorcial, acordar,
transigir e renunciar, independentemente de autorização ou anuência do substituto.
VII - Na liquidação da sentença exeqüenda, promovida pelo substituto, serão
individualizados os valores devidos a cada substituído, cujos depósitos para quitação
serão levantados através de guias expedidas em seu nome ou de procurador com
poderes especiais para esse fim, inclusive nas ações de cumprimento. VIII - Quando o
sindicato for o autor da ação na condição de substituto processual, não serão devidos
honorários advocatícios.

134
trabalho graças ao contorno que tomou com seu amadurecimento,
desde o momento em que deixou de ter mera previsão no ordenamento
jurídico – sobretudo na Constituição Federal e passou a ser aplicada,
sendo amplamente admitida no âmbito do Tribunal Superior do
Trabalho e, inclusive, pela Corte Máxima. Pode-se atrelar sua
importância a diversos fatores que serão pormenorizados. Pode-se
iniciar tal análise partindo do que se pode chamar de
“despersonificação” e do que se pode chamar de “despersonalização”
dos conflitos.
Explica-se. A despersonficação é o que contempla em um
único processo uma quantidade expressiva de pessoas, desatrelando-se
da lógica do processo individual que conduz a uma situação em que
diversas pessoas que sofreram a mesma lesão ou ameaça a direito
ingressem individualmente em juízo com suas demandas, contribuindo
para o afogamento do judiciário e a insegurança jurídica da
possibilidade de soluções diferentes para lides com origem comum e,
portanto, situações idênticas. Sob essa ótica, o processo coletivo por
substituição processual permitiria o ajuizamento de demanda única para
o julgamento de lesões de origem comum, permitindo uma decisão
uniforme e mais célere - aspectos positivos para o Judiciário e para os
trabalhadores envolvidos.
Quando à despersonalização, esta resolve uma questão
amplamente conhecida, que é a exposição do trabalhador que compõe o
polo ativo da demanda ao empregador que ocupa o polo passivo da
lide. Ora, tal situação é, sem dúvida alguma, grande empecilho para os
trabalhadores que tem seus direitos ameaçados ou lesados, quando
pensam na possibilidade de ingressar judicialmente a fim de obter um
provimento jurisdicional. Isso porque há um confrontamento entre
aquele que se encontra no lado mais “fraco” da relação de emprego,
versus aquele que se encontra na posição de mando, detentor do meio
de produção e do poder econômico. Não raramente, o ingresso do
trabalhador em juízo ainda durante o curso do contrato de trabalho
causa grande insegurança ao obreiro a respeito da continuidade de seu
emprego, ora porque teme sofrer represálias, ora porque teme pelo
próprio emprego. Além de que o conflito existente tem forma
adversarial no atual modelo de processo que se tem.

135
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Sem que seja necessário ir além, é possível perceber quais


empecilhos se apresentam ao trabalhador quando do momento de
ingresso com uma demanda judicial: a demora decorrente da
sobrecarga do aparelho judiciário, decisões não uniformes que gera
insegurança jurídica, além da insegurança decorrente quanto à
continuidade do contrato de trabalho. Logo, já é simples pensar na ação
coletiva como uma possível solução para estes problemas de acesso à
justiça.
Grinover e Watanabe (2014) nos estudos realizados para o
Centro Brasileiro de estudos e pesquisas judiciais/ centro de pesquisa
jurídica aplicada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas, afirmam que quando ações individuais são ajuizadas
para a tutela de um interesse que é vinculado a uma pluralidade de
pessoas, elas clamam por uma solução comum e que a multiplicação de
demandas individuais contribui para a sobrecarga do judiciário, criando
o terreno perfeito para que casos que merecem soluções idênticas sejam
julgados de forma diferente, o que incentiva a atomização de demandas
que deveriam ser tratadas de maneira molecularizada.
A atomização é um conceito cunhado por Kazuo Watanabe
para tratar da técnica de fragmentação dos conflitos, bem como a
molecularização, que se refere à aglutinação de interesses e direitos
individuais homogêneos em processos coletivos. Logo, aquilo que
Watanabe (2009) chama de molecularização de demandas, ou seja, seu
tratamento coletivo opõe-se ao que ele alcunha de atomização de
demandas, de forma que a experiência jurídica adota de forma massiva
este último tratamento dos conflitos trabalhistas, o que sobrecarrega o
Judiciário com demandas similares e repetitivas, com decisões muitas
vezes distintas, apesar de as reclamatórias decorrerem de uma mesma
situação fática.
Embora a Justiça do Trabalho receba informalmente o
prestígio de ser aquela em que os processos tramitam com mais
celeridade, não se pode olvidar o caminho que há para ser percorrido na
entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. Isso porque o
número de reclamações trabalhistas é crescente no país, não podendo
gerar efeito diverso do que a sobrecarga do aparelho judiciário e, por
consequência, a demora na entrega prestacional.

136
Conforme detalha Mota (2008), na década de 1980
contabilizou-se a propositura de 9.164.557 processos trabalhistas; Na
década de 1990 esse número cresceu para 20.856.684; Na década de
2000, somente até 2005 o TST já contabilizava 13.550.714 processos
autuados em todo país. No ano de 2015, o TST computou 2,6 milhões
de ações distribuídas pelas Varas do Trabalho de todo país.
Conforme aponta o site do TST 2 em relação ao relatório “Justiça em
números” do CNJ, o desempenho da Justiça do Trabalho foi o seguinte:

Justiça do Trabalho conseguiu, em 2014, baixar mais


casos do que o número de processos recebidos durante o
ano, o que deve resultar em redução do estoque para o
final do ano. O Índice de Atendimento à Demanda (IAD),
que faz a relação entre o total de processos baixados e o
de casos novos, foi de 105,5% - o maior desde 2009. Em
19 dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o
índice superou o patamar de 100% em pelo menos uma
das instâncias. No Tribunal Superior do Trabalho, a carga
de trabalho dos magistrados subiu 11%, e o número de
processos julgados aumentou 13.8%. A Justiça do
Trabalho concentra 20% dos magistrados e 15% dos
servidores do Poder Judiciário brasileiro. Durante o ano
passado, cerca de 4 milhões de sentenças e decisões
foram proferidas, das quais 81% no 1º grau. Em média,
cada magistrado baixou o equivalente a 1.238 processos,
o que significa uma média de 103 casos resolvidos por
mês, por magistrado. Com isso, o Índice de Produtividade
de Magistrados (IPM), que avalia a produtividade do
magistrado conforme o número de processos baixados,
apresentou alta de 5,3% no último ano e 18,3% no
período de 2009 a 2014. O Índice de Produtividade dos
Servidores da Área Judiciária (IPS-Jud), também
registrou aumento de 5,7%.

A partir dos dados apresentados algumas análises merecem


destaque: a subida na carga de trabalho dos magistrados em 11% e o

2
FEIJÓ, Carmen. Relatório Justiça em Números 2015 destaca produtividade e
informatização da Justiça do Trabalho. TST, Brasília, [15 jan. 2015]. Disponível em:
<https://goo.gl/xrQzZH>. Acesso em: 15 jun. 2016.

137
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

aumento no número de processos julgados em 13.8%, inevitavelmente,


provocam de forma colateral a sobrecarga humana dos magistrados que
recebem cada vez mais trabalho, o que se reflete também na qualidade
das decisões por eles proferidas. Pode-se dimensionar a qualidade das
decisões também considerando que durante um ano cerca de 4 milhões
de sentenças foram proferidas, sendo que mais de 80% foram no 1º
grau, contabilizando-se a média de 103 casos resolvidos por mês.
Mota (2008) denuncia que há no âmbito do TST um problema
sério quanto ao tempo de tramitação dos recursos, uma vez que os
agravos de instrumento propostos contra a negativa de subida de
recurso de revista no ano de 2006, por exemplo, tiveram prazo médio
de julgamento de 615 dias e o recurso de revista em si teve prazo médio
de 1.178 dias para julgamento. Isso tudo sem falar na crise das
execuções trabalhistas tanto no que diz respeito à morosidade quanto a
sua efetividade. Nessa fase do processo se esbarra em uma grande
quantidade de outros processos acumulados também em fase de
execução, além das tentativas (muitas vezes infrutíferas) para descobrir
bens suscetíveis de execução, comunicação ineficiente entre órgãos de
informação e os recursos disponíveis para interposição por parte dos
litigantes que tornam essa fase ainda mais demorada quando comparada
com a fase de cognição.
Assim, o que tem se proposto neste estudo só vem a se
confirmar com o panorama apresentado, ou seja, é latente a necessidade
de “molecularizar” as demandas, como propõe Watanabe, o que se
torna possível através de uma tutela coletiva de direitos individuais
homogêneos. Esse tratamento é capaz de produzir efeitos práticos no
tratamento dos conflitos porque permite ao magistrado proferir uma
sentença que contemple todo um grupo de associados de forma
coerente, trazendo maior segurança jurídica para os trabalhadores, e
concentrando em uma única demanda o que poderia se desdobrar em
inúmeros processos individuais com diversos atos que exigem o
envolvimento dos servidores e dos magistrados e tiram a eficácia da
prestação jurisdicional. Isso sem que se fale em todos os outros
benefícios já apontados na tutela coletiva, sob pena de se incorrer em
repetição.

138
4 CONCLUSÃO

Compreende-se, conforme já explanado neste trabalho que o


caminho de aproximação dos trabalhadores à Justiça se mostra possível
através da Substituição Processual pelos sindicatos. Conforme relatou-
se, a efetividade do acesso à Justiça não tem alcançado o plano
desejado já que este só poderia ocorrer através de completa igualdade
de armas, o que naturalmente implica na garantia de que a condução da
demanda dependa apenas de questões jurídicas sem qualquer relação
com as diferenças estranhas ao Direito.
Da noção de acesso à Justiça podem ser extraídas duas
finalidades básicas do ordenamento jurídico: um sistema de resolução
de litígios realmente acessível a todos e com resultados socialmente
justos já que a justiça social pressupõe acesso efetivo. Assim, a
substituição processual por sindicatos atua na defesa de interesses
individuais homogêneos de grupos, categoria, classe de pessoas
determinadas ou determináveis com direitos oriundos de circunstâncias
de origem comum e pode colaborar com a harmonização de decisões
judiciais que tratam dos mesmos direitos decorrentes de origem
comum, evitando decisões disformes quando comparadas com pleitos
individualmente intentados por trabalhadores. Isso porque decisões
destoantes também geram aos jurisdicionados a sensação de
insegurança, afastando-os da busca da tutela jurisdicional.
Frisa-se que as associações tem mais chance de êxito na
escolha de profissionais da advocacia porque podem constituir corpo de
advogados especificamente designados para atender os interesses da
categoria que representam de forma especializada ao passo que as
instituições públicas de assistência judiciária muitas vezes são precárias
e tem recursos materiais insuficientes para atender a demanda, além de
não estarem presentes de forma universal atendendo todas as regiões
geográficas deste país de dimensões continentais. Nessa ótica, as
associações podem suportar as despesas do processo, disponibilizando
advogados especializados para os pleitos empreendidos.
Chama-se atenção também para o fato de que os trabalhadores,
em geral, tendem a pleitear os direitos que viram violados durante o
contrato de trabalho somente depois de dispensados porque temem a

139
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

represália do empregador e a dispensa. Por isso, pode-se dizer que a


Justiça do Trabalho é a Justiça dos Desempregados, afinal os
empregados não podem arriscar seus empregos em uma possível
retaliação patronal.
Não bastasse isso, não se pode olvidar da prática bastante
comum de troca de informações entre empregadores para dificultar o
acesso do trabalhador demandante ao mercado de trabalho, fomentando
a lista dos trabalhadores “incontratáveis”, afinal, empregador algum
quer ser demandado. Todo esse cenário reflete a falta de efetividade das
normas trabalhistas e a perda do direito de ação, conduzindo novamente
à importância da substituição processual na despersonalização dos
conflitos.
Por fim, necessita-se com urgência garantir o acesso à ordem
jurídica em tempo razoável e mantendo a efetividade das normas
trabalhistas assegurada enquanto ainda é possível reverter a descrença
dos trabalhadores no poder regulador instituído. Contempla-se na
substituição processual sindical essa possibilidade de promover o
acesso à Justiça, diminuir a sobrecarga do judiciário e, colateralmente,
fomentar a celeridade processual, com decisões justas e harmonizadas,
sem a oferta de riscos aos trabalhadores quanto à retaliação patronal,
promovendo o associativismo e atenuando os empecilhos de acesso à
ordem jurídica, fortalecendo a promoção dos Direitos Fundamentais,
sobretudo da dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça, da
inafastabilidade da jurisdição e da razoável duração do processo.

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142
A SISTEMATIZAÇÃO DO AMICUS CURIAE NO
NOVO CPC COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À
JUSTIÇA

Denise Maria de Sousa Nogueira


Emanuela da Cunha Gomes

RESUMO: A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil


trouxe diversos aperfeiçoamentos ao direito processual pátrio,
destacando-se a sistematização, em capítulo próprio, do terceiro
interveniente denominado amicus curiae. Essa significativa figura não
é novidade no direito brasileiro, porém não restam dúvidas de que tal
sistematização outorgou uma maior legitimação ao instituto, bem como
um maior detalhamento não previsto anteriormente. A atividade do
amigo da cúria passa a ter uma ampliação subjetiva, objetiva e
funcional antes não mencionadas no ordenamento jurídico, fato que
possibilita o acesso à justiça e seus corolários, bem como o exercício
dos princípios constitucionais da democracia, efetividade processual,
ampla defesa e contraditório.

Palavras-Chave: Acesso à Justiça. Amicus curiae. Terceiro


interveniente. Princípios constitucionais.

ABSTRACT: The entry into force of the new Code of Civil Procedure
brought several improvements to the procedural law of the country,
especially the systematization, in its own chapter, of the third intervener
called the amicus curiae. This significant figure is not new in Brazilian
law, but there is no doubt that such systematization granted greater
legitimacy to the institute, as well as a greater detail not previously
predicted. The activity of the friend of the curia begins to have a


Advogada.

Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Foi
aprovada em vários concursos públicos, tendo exercido o cargo de procurador da
Petrobrás e juiz de direito substituto do Estado do Pará. Atualmente, integra a
magistratura do Estado de Tocantins. Publicou no ano de 2009 um livro sobre
controle de constitucionalidade.

143
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

subjective, objective and functional magnification previously not


mentioned in the juridical order, a fact that allows access to justice and
its corollaries, as well as the exercise of the constitutional principles of
democracy, procedural effectiveness and contradictory.

Keywords: Access to justice. Amicus curiae. Third party intervention.


Constitutional principles.

1 INTRODUÇÃO

O Direito Processual Civil sofreu diversas mudanças com o


advento do novo Código de Processo Civil de 2015. Uma das mais
significativas foi o enfoque dado pelo art. 1º da Lei Adjetiva Civil, o
qual sistematizou a constitucionalização do direito processual, devendo
a aplicação das normas processuais ser realizada sempre à luz de uma
leitura constitucional. Referido artigo explicita que a Constituição é
fundamento de validade de todo o Código, devendo seu conteúdo ser
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas
fundamentais.
Dessa forma, as normas e os princípios constantes no texto
constitucional norteiam uma interpretação conforme, plena de direitos e
garantias inerentes à democracia. E um direito basilar assegurado pela
Constituição é o direito de acesso à justiça.
Longe de encerrar a discussão sobre o assunto, o direito de
acesso à justiça, essencial vínculo entre o cidadão e o Poder Judiciário,
é o tema central deste trabalho, juntamente com a figura do amicus
curiae. O acesso à justiça é direito substancial, digno de ser
considerado alicerce do Estado Democrático de Direito e a
emblemática figura do amicus curiae, inserida de forma autônoma no
novo Código de Processo Civil (CPC) é mecanismo capaz de assegurar
o exercício desse direito.
Numa primeira abordagem, será explanado sobre o princípio
do acesso à justiça, o qual possui atualmente um conceito bem mais
abrangente, retratado sob uma perspectiva constitucional repleta de
direitos e garantias e sobre a figura do amigo da corte. Será exposto o
conceito desta emblemática figura, um breve histórico, bem como em

144
quais leis está presente no ordenamento jurídico nacional.
Numa segunda abordagem, será retratado como a inserção do
amicus curiae de forma autônoma no novo CPC propiciou o acesso ao
Poder Judiciário nas suas dimensões objetiva, subjetiva e funcional,
configurando um avanço para o Direito Processual Civil e trazendo a
possibilidade de uma decisão ainda mais justa.
Sem a pretensão de encerrar o debate sobre o tema, resta claro
que essa modificação legislativa trouxe um novo enfoque ao amigo da
cúria, alterando o modo como o mesmo é tratado na realidade fática do
processo, trazendo novas margens à sua atuação e, consequentemente,
fomentando o acesso à justiça processual brasileira.

2 O ACESSO À JUSTIÇA E O AMICUS CURIAE

É característica comum aos Estados democráticos o constante


debate e estudo sobre o direito de acesso à justiça. A evolução
conceitual que o termo sofreu ao longo da história é aprimorada cada
vez mais pelo mundo jurídico. O que antes era entendido puramente
como a certeza do indivíduo de ter sua ação postulada e apreciada pelo
Estado, hoje experimenta uma definição muito mais ampla.
Atualmente, o acesso à justiça é visto como um postulado
indispensável aos indivíduos e às coletividades, ultrapassando a simples
prestação jurisdicional, exigindo-se que esta seja célere, individual e
socialmente justa.
Positivado na legislação pátria no art. 5º, inciso XXV da
Constituição Federal, depreende-se do dispositivo o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional e uma gama de garantias
decorrentes do mesmo, tais como a efetividade, a ampla defesa, o
contraditório e a razoável duração do processo, dentre outros.
Para Cappelletti (1988, p. 12), o direito de acesso à justiça é
mais que um primado constitucional, é “um requisito fundamental - o
mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e
igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de
todos”. Para o renomado autor, este não é unicamente um direito
fundamental, é “também, necessariamente, o ponto central da moderna
processualística”.

145
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Doutrina contemporânea afirma que o princípio do acesso à


justiça não pode se limitar ao ingresso em juízo, devendo ser
interpretado da forma mais ampla possível. Donizetti (2016, p.33), por
sua vez, traz importante contribuição sobre tal princípio:

Esse princípio deve ser interpretado compreendendo a


noção ampla de acesso à ordem jurídica justa, para a qual
converge todo o conjunto de princípios e garantias
constitucionais fundamentais ao processo. E para que se
obtenha essa “garantia-síntese”, o constituinte positivou
na lei maior uma série de princípios e garantias, impondo
várias exigências ao sistema processual por meio de um
conjunto de disposições que convergem para esse fim.

Sobre a temática, Marinoni (2016) entende que viabilizar o


acesso à justiça não é somente “abrir as portas do Judiciário”, mas fazer
com que as partes possam efetivamente participar do exercício do
poder jurisdicional. Para o doutrinador, “não há como se ter uma
decisão legítima sem dar àqueles que são atingidos por seus efeitos a
adequada oportunidade de participar da formação do judicium”. Nesse
sentido, conclui:

Tais garantias devem dar às partes a possibilidade de


efetivamente participarem no processo. O exercício do
poder jurisdicional somente é legítimo quando os
interessados no ato de positivação do poder -na decisão-
podem efetiva e adequadamente participar do processo,
alegando, produzindo provas, participando das
audiências, controlando a racionalidade do exercício do
poder estatal etc. (MARINONI, 2016, p. 388-389).

Por conseguinte, muito mais abrangente que possibilitar o


acesso ao Poder Judiciário, o direito constitucional de acesso à justiça
permite que o Estado tutele efetivamente os direitos dos cidadãos,
esforçando-se para entregar uma solução devida, em tempo oportuno e
por meio de um processo abundante em garantias. Nesse contexto,
surge a notável figura do amicus curiae, um dos institutos que propicia
adequado acesso à justiça e possibilita o real exercício do mesmo.
O amicus curiae é uma expressão de origem latina e

146
comumente também é denominado amigo da cúria ou amigo da corte. A
doutrina não encontra uniformidade sobre a real origem dessa figura.
De acordo com Bueno (1998), alguns entendem que o instituto teve
surgimento no direito romano, para outros no direito anglo-saxão,
especialmente no direito penal inglês medieval. Este último, por sua
vez, teria apresentado amplos reflexos no direito norte-americano,
legislação esta que proporcionou maior desenvolvimento do tema.
O primeiro caso a tratar sobre o assunto nos Estados Unidos
foi The Schooner Exchange vs. McFadden, no ano de 1812. Nesse
processo, um general foi chamado para dar sua opinião sobre a matéria
posta a julgamento, a fim de que falasse sobre questões referentes à
marinha. Depois disso, os tribunais americanos passaram a admitir
particulares como amigos da cúria, em processos de direito privado, e
logo depois, associações privadas. (BUENO, 2012)
Houve uma inegável ingerência trazida pelo direito norte-
americano ao amigo da corte no Brasil, muito embora tenha sofrido
também influência do direito inglês, francês, italiano e argentino.
Convém destacar a atual redação da Rule 37 da Corte Suprema
Americana, citada por Bueno (2012, p.122), que faz reflexões sobre o
que se espera do amicus curiae, a dizer:

[...] é que ele traga ao conhecimento do tribunal novas


considerações ou novas questões não suficientemente
discutidas pelas partes, sob pena de sua intervenção não
ser aceita. Também que a petição apresentada pelo
amicus curiae, além de outras exigências formais (ela não
deve ultrapassar 5 páginas, por exemplo), será́ aceita
quando acompanhada do consentimento por escrito das
partes quanto à intervenção ou quando for requerida pelo
próprio tribunal. Este, de qualquer sorte, poderá́ apreciar
também a possibilidade de atuação do amicus curiae
mesmo sem o prévio consentimento dos litigantes,
hipótese em que o amicus deverá declinar o interesse que
justifica sua intervenção [...]. Por fim, os amici privados
deverão indicar se o advogado de uma das partes ou
outrem redigiu a petição e em que proporção, além de
indicar toda pessoa ou entidade, que não o próprio
amicus, seus membros ou o seu advogado, que, de

147
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

alguma forma, contribuíram economicamente para a


preparação de sua manifestação.

Já no Direito brasileiro, até a entrada em vigor do novo CPC


de 2015, não havia expressamente a previsão do amigo da corte de
forma integrada e sistematizada, muito embora a legislação esparsa já
trouxesse hipóteses de intervenção que subsumiam na moldura
do amicus curiae, a exemplo do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999; art.
6º, § 1º, da Lei 9.882/1999; art. 14, § 7º, da Lei 10.259/2001; o art.
3º, § 2º, da Lei 11.417/2006; o art. 118 da Lei 12.529/2011; o art.
896-C, § 8º, da CLT, acrescido pela Lei 13.015/2014.
Com a edição do novo Código de Processo Civil, este incluiu
expressamente a figura do amigo da corte como hipótese de
intervenção de terceiro. Como um terceiro interveniente, o amigo da
cúria é um sujeito processual que auxilia o juiz na interpretação
hermenêutica, colaborando com a exegese legal e com a construção do
sentido das normas. A coletividade passa a dar sua contribuição através
desse instituto, já que ele traz elementos que se relacionam com a
matéria encaminhada a julgamento.
Dada a importância da atuação do amigo da corte no feito,
transcreve-se trecho do acórdão no AgReg na ADI 4.858/DF, julgado
pelo Supremo Tribunal Federal, apresentando de forma magistral o
assunto, ipsis litteris:

A interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou


jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se
apresentem como amigos da Corte, tem um potencial
epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista,
interesses, aspectos e elementos nem sempre alcançados,
vistos ou ouvidos pelo Tribunal diretamente da
controvérsia entre as partes em sentido formal,
possibilitando, assim, decisões melhores e também mais
legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de
Direito. 2. Conforme os arts. 7º, §2º, da Lei 9.868/1999 e
138 do CPC/15, os critérios para admissão de entidades
como amicus curiae são a relevância da matéria,
especificidade do tema ou repercussão social da
controvérsia, assim como a representatividade adequada
do pretendente.

148
É de suma importância a atuação do amigo da cúria como
auxílio à atividade judicial. Em razão de sua representatividade
institucional, o amigo da corte apresenta uma parcela de informações
adicionais, apresentando ao juiz ou tribunal o assunto sob diversos
ângulos, nem sempre avistados pelo Juízo. O seu exercício é a prática
da própria cidadania e busca da segurança jurídica, onde ocorre o
resguardo da ordem constitucional e dos princípios e garantias
jurídicas.
Bueno (2012, p. 39) explicita sobre a importância de tal figura
para o ordenamento jurídico:

[...] a prévia oitiva da sociedade civil organizada e do


próprio Estado, em suas diversas órbitas de interesse,
para fixar da melhor maneira possível (entendida esta
expressão no seu sentido comum e amplo) o conteúdo do
“precedente jurisdicional” não pode mais ser olvidada. O
que os Tribunais decidem hoje vincula procedimental e
substancialmente o que se decidirá amanhã. É está uma
tendência inegável das alterações que, há mais de quinze
anos, vem sendo feitas no direito processual civil
brasileiro.

A legislação nacional, ao admitir tal intervenção, viabiliza uma


decisão judicial que atende da forma mais equilibrada possível aos
anseios sociais, exercendo o amicus curiae papel substancial na solução
dos litígios presentes na sociedade. Considera-se, assim, a relevância da
matéria e a representatividade do amicus curiae, trazendo ao processo
um conhecimento inconteste, uma experiência temática sobre o
assunto, viabilizando o efetivo acesso da voz dos terceiros ao Poder
Judiciário.

3 O AMICUS CURIAE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO


CIVIL

O novel Código de Processo Civil, inaugurado sob amplos


influxos democráticos, sistematizou a atuação do amicus curiae,
atribuindo-lhe envergadura até então desconhecida no ordenamento

149
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

nacional. O amigo da corte não mais se submete aos mesmos limites


de outrora, ultrapassando as fronteiras de suas tradições na jurisdição
constitucional, notadamente frente a verdadeira mudança de
paradigmas inaugurada pela atual legislação adjetiva.
A Lei nº 5.869/73, de nítido caráter privatístico, apresentava as
seguintes hipóteses de intervenção de terceiro: assistência, oposição,
nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo.
Priorizando a existência de conflitos individuais, verifica-se
que as hipóteses de intervenção de terceiro até então previstas eram
moldadas especialmente para conflitos que envolvessem direitos
individuais1. Tome-se, como exemplo, a nomeação à autoria2, em que
aquele que detivesse a coisa em nome alheio, o “fâmulo” da posse,
sendo demandado em nome próprio, deveria nomear à autoria o
proprietário ou o possuidor, marca irrefutável do caráter privado do
sistema processual anterior.
Com o advento da recente legislação processual, verifica-se
uma profunda mudança de paradigmas, decorrente do atual estágio das
relações jurídicas em uma sociedade globalizada, nota marcante da
objetivação processual. É inegável que o CPC/73, nas últimas décadas,
foi objeto de inúmeras reformas com o intuito de se adaptar a tal
situação. No entanto, o novo código apresenta um quadro ordenado e
ampliado de hipóteses em que se deve proceder a julgamentos de
causas repetitivas, ao tempo em que aduz uma vinculação aos
precedentes judiciais, consoante redação dos art. 926 e 927.
Partindo de tais premissas e considerando a previsão do
vigente código de que os Tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência, especialmente no que concerne à utilização de
instrumentos em demandas recorrentes, verifica-se que o diploma

1
Insta salientar a utilização de algumas das intervenções de terceiro na jurisdição
coletiva, a exemplo da assistência. No entanto, o CPC/73, quando de sua edição, tinha
por prioridade disciplinar conflitos individuais.
2
A nomeação à autoria se encontrava prevista no art. 62 do CPC/73. O CPC/2015
extinguiu tal figura como hipótese de intervenção de terceiro. No entanto, criou
instrumento genérico que faculta a alteração do polo passivo de qualquer tipo de
demanda, caso o réu alegue ser parte ilegítima. A fim de não fugirmos da temática
discutida, remetemos o leitor à consulta dos artigos 338 e 339 do Código de Processo
Civil vigente.

150
processual buscou mitigar o déficit de legitimidade de decisões que
eventualmente pudessem irradiar seus efeitos para além das partes
formais ou envolvesse matéria de grande relevância, em insofismável
observância ao regime democrático e ao pluralismo social.
Nesse diapasão, o instituto do amicus curiae foi positivado nos
seguintes termos:

TÍTULO III
DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
[...]
CAPÍTULO V
DO AMICUS CURIAE
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da
matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a
repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de
quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a
participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou
entidade especializada, com representatividade adequada,
no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica
alteração de competência nem autoriza a interposição de
recursos, ressalvadas a oposição de embargos de
declaração e a hipótese do § 3o.
§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar
ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus
curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar
o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Examinando-se o dispositivo, percebe-se a inequívoca


sistematização dada à figura do amicus curiae. Analisando-se sua
simples alocação, é possível observar que o mesmo se encontra na parte
geral do vigente Código, integrando o Livro III – concernente aos
sujeitos do processo, sendo disciplinado em capítulo exclusivo, dentro
do título de intervenção de terceiros.
Tal fato, per si, já traz uma informação muito valiosa, vez que
apresenta o amicus curiae ao lado de outras figuras típicas de
intervenção de terceiro: uma vocação generalizante de sua
aplicabilidade. Não bastasse tal constatação, o dispositivo aduz que,

151
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

preenchidos os requisitos de seu cabimento, o juiz ou relator poderá


solicitar ou admitir a participação do amigo da cúria.
Ao tecer comentários ao projeto de lei que originou a atual
sistematização processual civil, Bueno (2011, p.113, grifo do autor)
registra que “Como o que se propõe para um novo Código de Processo
Civil toma a uniformização da jurisprudência como um objetivo a
ser atingido por diversas técnicas (art. 882), nada mais correto do que
admitir, generalizadamente, a intervenção daquele terceiro”.
Dessa forma, não mais se limita a atuação do amicus curiae à
jurisdição constitucional ou às restritas hipóteses previstas em
legislação esparsa, podendo o mesmo atuar em todo e qualquer feito,
bem como em quaisquer graus de jurisdição.
Diante deste novo cenário, verifica-se que a nova lei adjetiva
outorgou ao amigo da corte competências outrora desconhecidas,
inovando no sistema processual, ao passo em que alargou
significativamente o acesso à justiça por meio da intervenção deste
terceiro, em seu âmbito objetivo, dada sua possibilidade de atuar em
qualquer tipo de procedimento judicial, bem como em todos os graus
de jurisdição.
Em decorrência de tais fatos, infere-se que a sistematização
desta intervenção de terceiro, nesse ponto, amplia objetivamente o
acesso do amicus curiae ao processo, como corolário do acesso à
justiça, direito fundamental e expressão do Estado Democrático de
Direito.
No entanto, a ordenação do amigo da cúria não se limita a tal
aspecto. Analisando o disposto do art. 138, caput, do CPC/2015, nota-
se que o legislador atribuiu a pessoa natural ou jurídica, órgão ou
entidade especializada, com representatividade adequada, a função de
amigo da corte.
Inicialmente, urge o esclarecimento do seguinte
questionamento: o que se entende por representatividade adequada?
Trata-se de conceito jurídico indeterminado, dotado de extrema fluidez
e que somente pode ser aferido caso a caso, como pressuposto de
legitimação para atuação do amicus curiae no processo. Nesse sentido,
veja-se interessante jurisprudência a respeito do assunto:

152
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO
COLETIVA. CARÊNCIA DE AÇÃO.
REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA.
ILEGITIMIDADE ATIVA. PROIBIÇÃO DE
PRODUZIR E COMERCIALIZAR CIGARROS.
RESERVA DO POSSÍVEL. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
1.NADA OBSTANTE O CONTROLE JUDICIAL
SOBRE A REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA SE
OPERE OPE LEGIS E DE FORMA OBJETIVA,
VERIFICA-SE QUE O SISTEMA SE AJUSTA MAIS A
UMA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL. O
MODELO DO DIREITO COMPARADO, QUE
ATRIBUI AO JUIZ O CONTROLE DA
"REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA" (ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA, CÓDIGO MODELO PARA
IBERO-AMÉRICA, URUGUAI E ARGENTINA)
PODE SER TRANQÜILAMENTE ADOTADO NO
BRASIL, NA AUSÊNCIA DE NORMA IMPEDITIVA.
[...]
2. A REPRESENTAÇÃO ADEQUADA É UM
CONCEITO JURIDICAMENTE
INDETERMINADO, ABERTO, PORTANTO, A SER
INTEGRADO NO CASO CONCRETO PELO
CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ DE
ACORDO COM A FINALIDADE DA LEI.
EXISTEM DADOS SENSÍVEIS QUE
CARACTERIZARIAM A REPRESENTATIVIDADE
IDÔNEA E ADEQUADA. SEGUNDO A DOUTRINA,
ESSES DADOS SÃO: A CREDIBILIDADE, A
SERIEDADE, O CONHECIMENTO TÉCNICO-
CIENTÍFICO, A CAPACIDADE ECONÔMICA, A
POSSIBILIDADE DE PRODUZIR UMA DEFESA
PROCESSUAL VÁLIDA.
[...]. (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios. Apelação Cível nº
359465420068070001-DF, Primeira Turma Cível.
Relator: Flávio Rostirola. Brasília, 15 de agosto de 2007.
Diário de Justiça, 18 set. 2007, Seção 3, p. 109, grifo
nosso)

153
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

No entanto, algumas considerações devem ser traçadas a fim


de se aferir maiores informações sobre a temática. A representação
adequada legitima terceiro a ingressar no feito em razão de ser um
autêntico porta-voz de interesses que ultrapassam as lindes dos
individuais. Nesse sentido, constata-se que o amicus curiae será
considerado um representante adequado quando demonstrar ser
possuidor de interesse institucional na lide.
A ideia de representatividade adequada se encontra
intrinsecamente relacionada com o chamado interesse institucional,
embora ambos não se confundam. Na verdade, o interesse institucional
alicerça e respalda uma representatividade adequada no caso concreto,
vez que esta não pode estar desprovida do genuíno interesse
transindividual que a justifica. A fim de elucidar a questão, Bueno
(2011, p.115, grifo do autor), de forma irretorquível, aduz:

O que enseja a intervenção desse ‘terceiro’ no processo é


a circunstância de ser ele, desde o plano material,
legítimo portador de um “interesse institucional”, assim
entendido aquele interesse que ultrapassa a esfera jurídica
de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse
metaindividual, típico de uma sociedade pluralista e
democrática, que é titularizado por grupos ou por
segmentos sociais mais ou menos bem definidos.

Logo, o ingresso do amicus curiae ao feito estará


condicionado à demonstração de sua adequada representação dos
interesses sociais debatidos em juízo, sendo, portanto, legítimo
mensageiro de segmentos em uma sociedade cada vez mais plural.
Evidencia-se que a sistematização do amicus curiae ratifica a
existência de uma autêntica sociedade aberta de intérpretes
(HÄBERLE, 1997), expandindo a interpretação constitucional dentro
da dinâmica do processual civil.
Nesse sentido, Häberle (1997, p. 24, grifo do autor), em sua
magistral obra Hermenêutica Constitucional, preconiza:

Até pouco tempo imperava a idéia de que o processo de


interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos
estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-

154
se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos
‘órgãos oficiais’, naqueles órgãos que desempenham o
complexo jogo jurídico-institucional das funções estatais.
Isso não significa que não se reconheça a importância da
atividade desenvolvida por esses entes. A interpretação
constitucional é, todavia, uma ‘atividade’ que,
potencialmente, diz respeito a todos.

Tecidas tais considerações, verifica-se que o caput do art. 138


admite que, uma vez demonstrada a representação adequada, haja o
assentimento da participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou
entidade especializada no feito. Neste ponto, resta inconteste a
expansão dos legitimados ao uso do instituto, que não mais se limita a
uma pessoa jurídica na legislação nacional, sendo admitida igualmente,
de forma expressa, a pessoa natural, desde que seja uma adequada
plenipotenciária de interesses meta-individuais.
Tal fato permite atribuir outro efeito à sistematização do
amicus curiae: a ampliação subjetiva do acesso à justiça por meio deste
terceiro interessado. A outorga de legitimação à qualquer pessoa com
representatividade adequada, natural ou jurídica, densifica o acesso à
justiça, ao passo em que permite a concretização de uma verdadeira
sociedade de intérpretes (HÄBERLE, 1997).
Mister salientar a conclusão de Bueno (2011, 114, grifo do
autor), que acrescenta outro reflexo ao tema, em irrepreensível ilação:

Trata-se, neste sentido, de um inegável ponto de contato


entre o ‘direito processual civil individual’ e o chamado
‘direito processual coletivo’ na exata medida em que as
decisões jurisdicionais tendem a afetar cada vez mais
pessoas ou grupos que não participam diretamente do
processo no próprio plano processual. É o que se dá, de
forma muito evidente, com os chamados ‘efeitos
vinculantes’ e, de forma ampla, com qualquer ‘precedente
jurisprudencial’.

Dada a propensão de que as decisões judiciais atinjam um


número cada vez maior de indivíduos, a utilização genérica do instituto
do amicus curiae no âmbito subjetivo converge para a testificação do
acesso à justiça, ampliando os legitimados – pessoas naturais ou

155
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

jurídicas, ao passo em que colaciona aos autos novas perspectivas sobre


o tema e as consequências que podem decorrer da decisão judicial.
Não bastassem as considerações até então tecidas, é possível
se atribuir outro aspecto decorrente da sistematização do amicus curiae:
a possibilidade de ter seus poderes ampliados pelo juiz ou relator,
consoante disposto no art. 138, §2º, NCPC.
Inicialmente, faz-se imprescindível aduzir que o art. 138,
caput, acrescido do § 1º, parte final e § 3º do NCPC estabelecem uma
pauta mínima de poderes a serem exercidos pelo amigo da corte, de
forma que asseguram a participação de pessoa natural ou jurídica com
representatividade adequada, chancelam a apresentação de embargos de
declaração e a interposição de recurso da decisão que julgar o incidente
de resolução de demandas repetitivas.
D’outra banda, o diploma processual desautoriza a
interposição de recursos, com exceção daqueles permitidos e já
mencionados.
No entanto, nos termos do § 2º do art. 138, incumbe ao juiz ou
ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os
poderes do amicus curiae.
Diante de tal quadro, dúvidas não há de que ao definir os
poderes do amicus curiae, a norma atribui ao magistrado o poder de
ampliar a atuação deste terceiro para além da pauta mínima de poderes
constante do texto legal, respeitada a vedação ao recurso.
Observadas tais balizas, pode o Juiz atribuir poderes outros ao
amicus curiae, a exemplo de realizar sustentação oral, oferecer
alegações finais, dentre outros, consoante a casuística do feito e
mediante decisão judicial fundamentada. No entanto, faz-se prudente
ratificar que o juiz não poderá reduzir para aquém do mínimo legal as
atribuições do amigo da corte, sob pena de esvaziamento do instituto e
malferimento ao devido processo legal.
Logo, faz-se lícito reconhecer que a recente legislação
processual efetuou uma verdadeira ampliação funcional na atuação do
amicus curiae, permitindo que a voz dos interlocutores seja ouvida não
somente por meio de mera manifestação escrita de seu representante,
mas igualmente por intermédio da efetiva prática de inúmeros atos

156
processuais inerentes à condição de parte3 atribuída pelo CPC/2015 a
tal terceiro interveniente, consoante vier a ser fixado em decisão
judicial.
Nesse diapasão, a sistematização do amicus curiae apresenta,
a par de uma ampliação objetiva e subjetiva, uma ampliação funcional
em sua atuação. Tal fato trouxe novos contornos ao instituto e descerra
o nítido caráter democrático do processo como instrumento de efetivo
acesso à Justiça, em consonância com o espírito do novo processo
constitucional civil.
Longe de encerrar o debate, muito ainda há de ser discutido
sobre a temática, que merece ser aprofundada em razão da notável
alteração do instituto no novo Código de Processo Civil. Considerando
a relevância do assunto e possibilidades de sua aplicabilidade, resta
aguardar a manifestação da jurisprudência dos Tribunais sobre a
temática, dado o indubitável aperfeiçoamento do acesso à Justiça
promovido pela sistematização da atuação do amicus curiae.

4 CONCLUSÃO

A Lei n. 13.105/2015 inaugurou uma real mudança de


paradigmas, assentando um direito constitucional processual, que
deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e
as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal,
determinação esta constante no artigo inaugural do Codex.
Dentre os inúmeros reflexos decorrentes desta leitura
constitucionalizada do processo civil nacional, destaca-se o imperativo
caráter democrático que deve ser dado ao mesmo como instrumento de
acesso à justiça, corolário do art. 5º, XXXV, da Constituição
Republicana.
Nesse diapasão, desponta a sistematização do amicus curiae,
que amplia substancialmente a atividade deste terceiro, suprindo o

3
Antes da edição do CPC/2015 havia grande controvérsia doutrinária sobre a
natureza jurídica do amicus curiae. Atualmente, o diploma constitucional processual
elucida a questão, não restando dúvidas de que o amicus curiae possui natureza
jurídica de parte. Nesse sentido, veja-se o Curso de Direito Processual Civil, de Fredie
Didier Jr, p. 591, 2017.

157
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

déficit de legitimidade nas decisões judiciais, especialmente aquelas


vocacionadas a produzir seus efeitos para além das partes no feito, dada
o inequívoco comando legislativo de uniformização da jurisprudência,
aliado a inúmeros instrumentos de julgamentos em demandas
repetitivas.
Perante tal cenário da processualísta civil, verificou-se a
necessidade de utilização de instrumento hábil a firmar autêntico elo de
coesão entre os interesses das partes formais e daqueles potencialmente
atingidos pela decisão judicial, bem como ampliasse a legitimação de
tais decisões.
Nesse contexto, sistematizou-se a atuação do amicus curiae,
visando amplificar o debate de uma sociedade plural sobre decisões que
apresentassem amplas repercussões e concretizando, por conseguinte, o
efetivo acesso à Justiça.
Analisando-se o capítulo destinado ao amigo da corte no
vigente Código de Processo Civil, verifica-se que o mesmo se ocupou
em sistematizar o uso de tal instituto, ampliando sua atuação nos
âmbitos objetivo, subjetivo e funcional.
No que concerne ao plano objetivo, observa-se grande
expansão dada à atuação do amicus curiae, vez que este é passível de
atuar em todo tipo de demanda, bem como em quaisquer graus de
jurisdição.
Quanto ao plano subjetivo, o novel Código de Processo Civil
passa a admitir tanto pessoa natural quanto pessoa jurídica, alargando o
leque de legitimados como amicus curiae, em razão de ser autêntico
porta-voz de interesses que ultrapassam as lindes dos individuais.
Por fim, a sistematização do amigo da corte trouxe ampliação
de cunho funcional, autorizando o Magistrado a definir os poderes do
amicus curiae, exercendo atribuições outras decorrentes da condição
atribuída pelo CPC/2015 a tal terceiro interveniente, consoante a
casuísta do feito e nos termos em que vier a ser fixado em decisão
judicial.
Diante de tais inovações, inegável que a sistematização da
atuação do amigo da cúria consolidou o efetivo acesso à Justiça,
consectário do princípio democrático e da expressa
constitucionalização da processualística civil.

158
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
Disponível em: <https://goo.gl/tmj61R>. Acesso em: 26 abr. 2017.

________. Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação


das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 9 ago. 1943. Disponível em:
<https://goo.gl/nMor6d>. Acesso em: 27 mar. 2017.

________. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de


Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, 17 jan. 1973.

________. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o


processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade [...].
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília, 11 nov. 1999.

________. Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o


processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito
fundamental [...]. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 6 dez. 1999.

________. Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a


instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da
Justiça Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, 13 jul. 2001.

________. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta o


art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de
janeiro de 1999 [...]. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 20 dez. 2006.

159
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

________. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o


Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência [...]. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 1
dez. 2011.

________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo


Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, 17 mar. 2015. Disponível em:
<https://goo.gl/2U1Dv9>. Acesso em: 27 mar. 2017.

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no Processo Civil


Brasileiro: um terceiro enigmático, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Acesso em: 8 maio 2017.

CAPPELLETTI, M; GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre:


Sergio Antônio Fabris Editor, 1988.

DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao


direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 19. ed.
Salvador: Juspodium, 2017.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil.


São Paulo: Atlas, 2016.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre:


Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

MARINONI, L.G; ARENHART, S.C; MITIDIERO, D. Novo Curso de


Processo Civil, 2. ed. São Paulo: RT, 2016. v. 1.

160
ATUAÇÃO DO ADVOGADO EM BUSCA DO ACESSO
À JUSTIÇA CONSENSUAL

Emanuelle Coelho de Souto


Mara Lívia Moreira Damasceno

RESUMO: Neste artigo é explanado que o advogado exerce um


importante papel na busca pelo acesso à Justiça consensual. Aborda-se
que tal profissional pode atuar nos mecanismos complementares, como
a mediação, a conciliação, e a arbitragem. Nesse sentido, são
demonstradas as vantagens do uso dos referidos meios para as partes,
para os próprios advogados e para o Poder Judiciário, a fim de alcançar
um efetivo acesso à Justiça.

Palavras-Chave: Justiça consensual. Advogado. Vantagens. Acesso à


Justiça.

ABSTRACT: In this article it is explained that the lawyer has an


important role in the search for access to consensual justice. It is
approached that such a professional can act in complementary
mechanisms, as in mediation, conciliation, and arbitration. In this
sense, some advantages of the use of said means for the parties, for the
lawyers, and for the Judiciary Branch are demonstrated, in order to
achieve effective access to justice.

Keywords: Consensual Justice. Lawyer. Advantages. Acess to Justice.

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que o acesso à Justiça é muito mais amplo do que o


acesso ao Poder Judiciário, que se restringe à prerrogativa que todos
têm de acionar a via judicial. Na verdade, o ‘‘[...] ter acesso à justiça
não é somente o acesso aos tribunais e às sentenças judiciais, mas [...]


Advogada.

Advogada e Professora.

161
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

um sistema que seja igualmente acessível para todas as pessoas,


onde possam fazer valer os seus direitos e obter resultados
individual e socialmente justos’’ (VEZZULLA apud CAPELLETTI;
GARTH, 1996, p. 75, grifo nosso). Aufere-se, portanto, que o acesso à
Justiça não é alcançado apenas de forma litigiosa, mas também de
forma consensual, o que deve ser fomentado por advogados, dentre
outros, conforme art. 3, §3º, do Código de Processo Civil (CPC).
Não obstante, é notório que o advogado “[...] é indispensável à
administração da justiça [...]’’, conforme está posto no art. 133, da
Constituição Federal de 1988. Nessa esteira, é cediço que tais
profissionais exercem um papel relevante também na busca pelo acesso
à Justiça consensual, ao atuar de forma adequada nos meios pacíficos
de solução de conflitos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Percebe-se que não raramente ‘‘[...] em um litígio, a voz é
silenciada, convertida em pedido firmado pelo advogado’’ (WARAT,
2004, p. 124). Ou seja, muitas vezes as partes não participam da
solução de suas próprias lides, delegando tal atuação quase totalmente
aos advogados, para que sejam encaminhadas a um magistrado. Trata-
se da cultura adversarial, que tem dado ensejo a um número expressivo
de causas submetidas ao Poder Judiciário, o que dificulta a prestação
célere e eficaz pela via litigiosa. Aqui, ressalte-se que a necessidade do
uso de formas alternativas de solução de impasses já era notada há
muitas décadas. Veja-se:

[...] reformas dos Tribunais [...] envolvem a criação de


alternativas, utilizando procedimentos mais simples e/ou
julgadores mais informais [...]. Os reformadores estão
utilizando, cada vez mais, o juízo arbitral, a
conciliação [...] para a solução dos litígios fora dos
Tribunais. (CAPELLETTI; GARTH, 1988, p. 81, grifo
nosso)

Pelo que foi exposto, como forma de demonstrar que existe a


possibilidade de não silenciar a voz dos envolvidos e ainda assim haver
a participação do advogado na solução das controvérsias, aborda-se
como se dá a adequada atuação do advogado nos meios consensuais de
solução de conflitos, bem como quais são as vantagens do uso dos

162
referidos meios para as partes, para os próprios advogados e para o
Poder Judiciário, visando ao efetivo acesso à Justiça.

2 A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO

Inicialmente, cumpre esclarecer que a mediação é um


procedimento de resolução de conflitos em que o mediador, que deve
ser imparcial e não pode sugerir acordo, facilitará a conversa entre os
envolvidos, com a utilização de técnicas que podem variar conforme o
caso concreto. Destaque-se ainda que a tal mecanismo é indicado para
situações em que as relações perdurarão, ou seja, ‘‘nas relações
continuadas, relações que são mantidas apesar do problema
vivenciado’’ (SALES, 2010, p. 2).
Na mediação, o advogado poderá atuar acompanhando seu
cliente ou poderá ser o próprio mediador, também chamado de terceiro
facilitador, tendo em vista que facilitará o diálogo. Nesse sentido, faz-
se necessário entender qual é o papel do advogado na mediação quando
ele está acompanhando seu cliente, bem como quais são os
impedimentos para o exercício advocacia concomitantemente à
mediação, dentre outras informações.

2.1 O ADVOGADO MEDIADOR

Aqui, destaca-se que o advogado pode atuar como mediador


extrajudicial ou judicial. Relembre-se que de acordo com o art. 9 e 10
da Lei nº 13.140/2015, para ser mediador extrajudicial basta que a
pessoa seja capaz, que tenha a confiança das partes e tenha aptidão para
mediar, sem ser necessário que integre entidade de classe ou conselho
específico. Já para ser um mediador judicial, além de ser pessoa capaz,
é preciso que o pretenso mediador possua graduação em qualquer área,
há pelo menos dois anos, em faculdade reconhecida pelo Ministério da
Educação. Ademais, é imprescindível passar pela capacitação do
Conselho Nacional de Justiça, oferecida pelos Tribunais (art. 11, da Lei
nº 13.140/2015).
Além do exposto, de acordo com o art. 165, §3, do CPC, o
advogado mediador atuará nas lides em que haja vínculo entre os

163
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

envolvidos, e os ajudará a ‘‘compreender as questões [...] identificar,


por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos’’
(grifo nosso). Ademais, deve ser observado o impedimento constante
no art. 167, §5 do Código de Processo Civil (CPC), que afirma serem
os mediadores judiciais ‘‘[...] impedidos de exercer a advocacia nos
juízos em que desempenhem suas funções [...]’’, bem como serão
impedidos de atuar assessorando, representando ou patrocinando
qualquer das partes por um ano após a última audiência realizada, de
acordo com o artigo 172 do CPC. Ressalte-se que a doutrina não é
pacífica quanto à abrangência da palavra juízo, mas se acredita que o
advogado não poderá ser mediador no processo em que desempenhe a
função de advogado de uma das partes, salvo melhor entendimento.
Já enquanto mediador extrajudicial, pode o advogado exercer a
mediação em seu escritório, por exemplo, fomentando o diálogo entre
as partes e ressaltando que existem outros meios de solução de
controvérsias, diversos da via judicial, que muitas vezes se mostram
mais eficazes e céleres do que o Poder Judiciário, como ocorre na
mediação e nos demais meios de solução consensual de controvérsias.
Ressalte-se que, caso o advogado realize um acordo extrajudicial, pode
solicitar a homologação desse acordo.

2.2 O PAPEL DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO

Inicialmente, vale mencionar que o atual Código de Processo


Civil postula ser obrigatória a presença dos advogados na audiência de
mediação judicial, conforme art. 334, § 9º, do Código de Processo Civil
(CPC). Tal previsão sugestiona que o advogado exerce um papel
relevante na mediação em juízo, já que sua presença é indispensável no
referido procedimento.
De fato, dentre outras importantes atribuições, cabe ao
advogado ‘‘[...] apresentar soluções criativas para que se atendam aos
interesses das partes [...] esclarecer quais os direitos de seu
representado’’ (AZEVEDO et al., 2015, p. 134). Nesse sentido:

Durante o procedimento da mediação, é natural, e muito


frequente, haver dúvidas sobre os direitos e os deveres
dos mediados [...] uma série de questões relevantes e

164
inerentes ao diálogo cooperativo se interpõem. Aos
advogados, nesse aspecto, cabe prestar tanto o
esclarecimento, quanto todo assessoramento legal
sobre aquelas questões (SAMPAIO; BRAGA NETO,
2007, p. 112-113, grifo nosso).

Apesar de o advogado poder apresentar soluções criativas e


prestar assessoramento jurídico, é importante destacar que ‘‘[...] na
maior parte da mediação os advogados não se manifestam, e isso
significa que eles estão desempenhando adequadamente seus papéis
[...] um deles é de permitir que as partes se expressem livremente para
que possam se entender diretamente’’ (AZEVEDO et al., 2015, p. 135).
Nesse diapasão, o papel do advogado na audiência de
mediação diverge do papel do advogado nas demais audiências. Isso
porque nas tradicionais audiências de instrução o advogado costuma se
manifestar com mais frequência do que o seu cliente, por se tratar
essencialmente de questões técnicas ou jurídicas. Já na mediação,
muitas vezes a não intervenção do advogado é uma maneira de exercer
o seu papel de forma satisfatória, tendo em vista que o referido
procedimento prioriza o diálogo entre as próprias partes, por se tratar
de questões do relacionamento que existe entre as partes, a fim de
viabilizar a construção de uma solução que seja benéfica para ambos os
envolvidos.
Não obstante, como exemplo de atuação do advogado na
defesa dos interesses do seu cliente, pode-se citar que é indispensável
que haja a ‘‘[...] orientação legal por advogados daqueles que
participam do processo, apontando os diversos desdobramentos dos
compromissos assumidos’’ (SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p. 113).
Aqui, é evidente que o advogado estará cooperando com o mediador,
na medida em que o ajudará a atestar se o cumprimento do acordo pelo
seu cliente de fato é viável, ou seja, se o envolvido terá condição de
cumprir os termos do acordo caso o assine, seja atestando suas
condições financeiras, seja analisando outras questões, o que
contribuirá para evitar o surgimento de novos impasses em razão do
descumprimento do acordo futuramente. Esse comportamento se
configura como uma técnica aplicada na mediação, chamada de teste de
realidade.

165
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Portanto, cabe ao advogado empreender esforços no sentido de


viabilizar que os direitos do seu cliente sejam resguardados, sendo
relevante a prestação de seus serviços ‘‘[...] desde a entrevista prévia
até a assinatura formal da solução ou soluções alcançadas’’
(SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p. 112). Em suma, resta claro que o
advogado pode intervir na mediação em momentos pontuais, como para
esclarecer sobre os direitos e deveres, sanando eventuais dúvidas, e
analisando se o que está sendo acordado poderá ser cumprido pelo seu
cliente. Em sua atuação, no entanto, o advogado deve respeitar o
diálogo direto entre as partes, tendo a consciência de que a
comunicação pacífica é o essencial da mediação.

3 A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NA CONCILIAÇÃO

A conciliação é uma forma de resolução de conflitos em que


há a participação de um terceiro que pode sugerir um possível acordo,
cuja aceitação pelas partes não é obrigatória. No procedimento
conciliatório, o advogado pode atuar acompanhando seu cliente na
audiência ou sendo o próprio conciliador. Quando o profissional do
direito está acompanhando seu cliente, deverá esclarecê-lo sobre seus
direitos e deveres, a fim que a parte não seja prejudicada com a
assinatura de um acordo que não a favorece. Por esse motivo, dentre
outros, a presença do advogado é indispensável, de acordo com o art.
334, §9º, do Código de Processo Civil (CPC).
Já quanto ao conciliador, que pode ser um advogado, saliente-
se que ele ‘‘[...] atuará preferencialmente nos casos em que não houver
vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio,
sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou
intimidação para que as partes conciliem [...]’’, conforme art. 165, §2º
do CPC. Ademais, assim como ocorre na mediação judicial, o
comentado profissional deve observar o impedimento constante no art.
167, §5 do CPC, sendo ‘‘[...] impedidos de exercer a advocacia nos
juízos em que desempenhem suas funções’’.
Assim como os mediadores judiciais, também os advogados
conciliadores serão impedidos de atuar assessorando, representando ou
patrocinando qualquer das partes por um ano após a última audiência

166
realizada, de acordo com o artigo 172 do CPC, conforme já descrito.
Sobre o tema, cumpre evidenciar que recentemente o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) entendeu que os estudantes de Direito
podem atuar isoladamente como conciliadores judiciais, caso tenham
participado do curso de capacitação. In verbis:

[...] Estudantes de ensino superior podem atuar como


conciliadores judiciais, desde que sejam capacitados
conforme determina a Resolução n. 125 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), ou supervisionados por
professores capacitados como instrutores [...] devem
ser incentivadas as parcerias entre faculdades e Centros
Judiciários de Solução de Conflitos dos tribunais, a
prestação de serviços de mediação e conciliação em
escritórios-modelo, o oferecimento de disciplina
específica sobre meios consensuais aos alunos.
(FARIELLO, 2017, grifo nosso)

Tal decisão ratifica que a atuação do profissional do direito na


conciliação, seja ele estudante, bacharel ou advogado, não é só
permitida, mas é recomendável, na medida em que deve haver o
incentivo de parcerias com as faculdades, a inserção de escritórios para
fins de mediação e conciliação, além da inclusão de disciplina na
graduação sobre os meios consensuais de solução de impasses, que são
notórias formas de fomentar a divulgação de tais meios no ambiente
acadêmico da área do Direito. Por isso, para que os estudantes possam
atuar isoladamente como conciliadores, há ainda a disponibilidade de
cursos de capacitação pelos Tribunais, com certificação do CNJ.
Além do exposto, sabe-se que a conciliação visa ao acordo.
Por isso, cumpre destacar que se na procuração a parte tiver outorgado
poderes especiais ao advogado, por meio de cláusula específica, ele
estará apto a transigir, podendo negociar diretamente com a outra parte,
com o assentimento de seu representante. Por isso, nos casos em que o
acordo foi assinado por advogado que detinha poderes especiais para
transigir, o termo poderá ser enviado para homologação judicial. O art.
334, §10, do CPC ratifica tal entendimento ao dispor que ‘‘a parte
poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com
poderes para negociar e transigir’’. Nesse caso, o referido termo deverá

167
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

ser aceito ainda que não haja a assinatura do cliente, caso não existam
indícios de falsificação de assinatura, ou outros motivos relevantes.

4 A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NA ARBITRAGEM

A princípio, cumpre destacar que a arbitragem é um


procedimento em que há um contrato entre os envolvidos estabelecendo
tal meio como forma de resolução do conflito, e conferindo ao árbitro a
faculdade de decidir sobre o litígio, em que deve ser observado o
contraditório, a igualdade entre as partes, e o livre convencimento dos
árbitros. Ademais, o conflito deve versar sobre direitos patrimoniais e
disponíveis (ROCHA, 2012).
Destaque-se que o advogado poderá exercer ‘‘[...] pelo menos
quatro papéis bem definidos no processo arbitral: advogado de parte,
consultor de parte, consultor do órgão arbitral e árbitro’’ (CARMONA,
2012, p. 299). Como advogado do envolvido, ele atuará em favor os
interesses de seu cliente. Como consultor da parte, por exemplo, poderá
atuar com consultoria especializada em direito estrangeiro. Como
consultor do órgão arbitral, o advogado não atua nos interesses ligados
aos envolvidos, mas aconselhará o árbitro, bem como esclarecerá
questões controversas, dentre outros. Por último, o advogado poderá
atuar como árbitro, tendo em vista que o advogado geralmente sabe
como conduzir o processo arbitral. (CARMONA, 2012). No
procedimento arbitral, no entanto, a presença do advogado é
facultativa, conforme preceitua o art. 21, §3º, da Lei nº 9.307/1996.
Apesar disso, é evidente que a presença do advogado é recomendável,
valendo esclarecer que o advogado exerce um importante papel quando
está atuando no referido procedimento, o que será explanado a seguir.
Nesse sentido:

Será difícil [...] imaginar uma arbitragem, de porte


médio que seja, sem a presença direta e constante do
advogado. Entretanto, considerando a força que o
legislador emprestou à vontade das partes, não seria
razoável impor aos litigantes a presença do profissional
do Direito. (CARMONA, 2012, p. 300, grifo nosso)

168
De fato, geralmente é o advogado quem possui os
conhecimentos técnicos necessários ao bom encaminhamento do
procedimento arbitral. No entanto, como explanado pelo autor,
entendeu-se que a autonomia da vontade das partes deveria se sobrepor
à obrigatoriedade de constituição de advogado na arbitragem, apesar
das causas que são submetidas à arbitragem serem notadamente
complexas, na maioria das vezes. Não obstante, destaque-se que ‘‘[...]
competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral [...] tentar a conciliação das
partes [...]’’, conforme art. 21, §4º da Lei nº 9.307/1996. Nesse sentido,
caso as partes cheguem a um acordo, cabe ao árbitro ou o tribunal
arbitral declarar a existência do acordo em sentença arbitral, se as
partes requererem, conforme está posto com art. 28, da referida lei.

5 AS VANTAGENS DO USO DOS MEIOS CONSENSUAIS DE


SOLUÇÃO DE CONFLITOS PELOS ADVOGADOS PARA A
EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

O ordenamento jurídico brasileiro tem passado por mudanças


que visam a fomentar o correto uso dos métodos de soluções
consensuais dos conflitos, como a negociação, a mediação, a
conciliação e a arbitragem para a obtenção do acesso à Justiça
consensual. Tal mudança se tornou notória com a publicação da
Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o atual
Código de Processo Civil (CPC), e a Lei nº 13.140/2015 (Lei da
Mediação). Nesse sentido, também o Código de Ética e Disciplina da
advocacia (CED), que entrou em vigor em setembro de 2016, seguiu a
tendência de prever que é dever do advogado fomentar o correto
tratamento aos conflitos, com o dever de estímulo ao uso da mediação e
da conciliação, dentre outros, com base no art. 2º, VI do CED. No
entanto, o uso dos meios consensuais ainda está muito aquém do
número de causas submetidas ao Poder Judiciário, conforme consta no
relatório Justiça em Números (2016), do Conselho Nacional de Justiça.
Sabe-se que as novas alternativas de atuação advocatícia já
vêm sendo objeto de estudo no Brasil. Como exemplo, podem ser
citadas as práticas colaborativas, que são uma ‘‘nova forma de advogar,
que tem como princípio basilar, uma atuação não adversarial,

169
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

extrajudicial e multidisciplinar na busca pela solução de


conflitos’’(GAMA, online). Trata-se de prática que requer a
especialização do advogado para atuar extrajudicialmente de forma
colaborativa, ou seja, sem fomentar disputas judiciais, participando da
resolução dos conflitos de forma amigável.
Para tanto, atuam conjuntamente advogados, profissionais da
saúde e da área financeira, além das próprias partes, que tem papel de
destaque no procedimento colaborativo. Aqui, cumpre esclarecer que
não são passíveis de resolução pacífica, casos que envolvam ‘‘[...]
doenças mentais sérias, [...] violência doméstica; [...] que o perfil do
conflito ou das partes envolvidas não se coadune com o espírito das
práticas colaborativas’’ (GAMA, online). Não obstante, acredita-se que
o uso dos meios consensuais de conflitos pelos advogados é benéfico
em muitos casos concretos, razão pela qual se faz necessário abordar as
vantagens do uso dos meios consensuais para as partes, para os
advogados, e para o Poder Judiciário.

5.1 VANTAGENS PARA AS PARTES

A princípio, faz-se necessário esclarecer que os envolvidos em


um conflito não só resolverão seus litígios amistosamente, como
poderão aprender como lidar melhor com suas lides futuras ao
participar de uma sessão de mediação, por exemplo. Nesse sentido,
conforme o caso concreto, o uso dos meios consensuais pode gerar
benefícios para as partes, caso sejam usados corretamente. Para tanto, o
estímulo por juízes, advogados aos meios consensuais se tornou
obrigatório no Brasil, por meio da mudança no ordenamento jurídico
pátrio. Sobre o tema, destaque-se que tal obrigatoriedade já foi adotada
na Inglaterra quanto à mediação, em que se constatou que ‘‘[...] há um
alto nível de satisfação dos mediados, que elogiaram as habilidades e o
preparo dos mediadores’’ (DRUMMOND, 2012, p. 169).
Como exemplos de vantagens do uso da mediação, cite-se: a
possibilidade de empoderamento, que ‘‘significa a busca pela
restauração do senso de valor e poder da parte para que esta esteja apta
a melhor dirimir futuros conflitos’’ (AZEVEDO et al., 2015, p. 142).
Ou seja, o envolvido terá a possibilidade de aprender algumas técnicas

170
na mediação, e poderá usá-las para mais bem administrar outros
conflitos. Além do exposto, na mediação há maior rapidez e menor
custo da mediação em relação ao processo judicial; não há necessidade
de provar fatos; é confidencial; há o diálogo em ambiente imparcial, na
presença do facilitador, que ajudará as partes a dialogarem; e há a
possibilidade de administrar o conflito, de forma que se possa ‘‘[...]
manter ou aperfeiçoar o relacionamento anterior com a outra parte’’
(AZEVEDO et al., 2015, p. 143). Sobre o tema:

Devido a todas suas características, a mediação


consegue, por meio do diálogo, enfatizar os pontos
convergentes do relacionamento e restaurar os bons
momentos da relação, pois muitas vezes os envolvidos
em um conflito estão de tal modo ressentidos que não
conseguem identificar nada de bom no histórico do
relacionamento entre eles. Por isso, a mediação estimula
[...] o resgate dos objetivos comuns [...] entre os
indivíduos que estão vivendo o problema
(DAMASCENO, 2013, p. 62, grifo nosso).

Já quanto à conciliação, cite-se que é um procedimento célere,


e que gera a extinção do processo. Nesse mecanismo, as partes
possuem independência para decidir sobre seu conflito, além da
possibilidade de prever as consequências da assinatura do acordo.
Ademais, assim como na mediação, não é necessário provar fatos, o
que torna menos dispendioso tal procedimento em relação à via
judicial, em que há a necessidade de provar os fatos alegados, e
contratar peritos. Por fim, não há ônus caso a parte decida por fim ao
processo por meio da conciliação, não sendo necessário, por exemplo,
que a parte pague algum valor a mais (BACELLAR, 2012).
Não obstante, o uso da arbitragem possui várias vantagens, tais
quais: os árbitros costumam ser especialistas, gerando maior segurança
jurídica para as partes; os próprios envolvidos escolhem os árbitros
para resolver sua lide; não é formal, na medida em que as partes podem
convencionar sobre as regras; o procedimento é conduzido de forma
mais célere que a via judicial, sendo irrecorrível a sentença arbitral
(SCAVONE, 2016). Vale ainda ressaltar que o procedimento arbitral é
confidencial. Veja-se:

171
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Portanto, se as partes convencionarem o sigilo [...] o


procedimento será sigiloso e manterá essa
característica durante eventual fase de execução
perante o Poder Judiciário, obrigando o árbitro em
razão do dever de discrição insculpido no § 6º do art.
13 da Lei 9.307/1996, o que não ocorre no
procedimento judicial que, em regra, é público.
(SCAVONE, 2016, p. 7, grifo nosso)

De fato, no processo judicial ‘‘Os atos processuais são


públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos [...] que
versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral,
desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja
comprovada perante o juízo’’, conforme preceitua o art. 189, inc. IV, do
CPC. Embora citado Código expresse que o procedimento arbitral
poderá ser confidencial e para tanto é preciso que as partes
convencionem que a arbitragem não será publicizada, e façam prova
dessa convenção em juízo, entende-se que a confidencialidade é a regra
geral para a arbitragem, tornando-se um dever do árbitro desempenhar
sua função com diligência e descrição, conforme art. 13, §6º da Lei
9.307/1996. Para melhor assimilar as vantagens acima elencadas do uso
dos principais meios consensuais, observe-se a tabela1:

MEDIAÇÃO CONCILIAÇÃO ARBITRAGEM


Gera a extinção do
Empoderamento Especialização
processo
Diálogo em Independência das
Rapidez
ambiente imparcial partes

1
Formulado pela autora, com apoio das fontes: AZEVEDO, André Gomma de et al.
Manual de mediação judicial do Conselho Nacional de Justiça, 5. ed. Brasília,
2015. [s.n]; BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem, 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção saberes do direito ; 53); SCAVONE Jr., Luiz Antonio.
Manual de Arbitragem: Mediação e Conciliação, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016.

172
Manter ou
Possibilita prever
aperfeiçoar o Irrecorribilidade
consequências
vínculo
Administração do Não precisa provar
Informalidade
conflito fatos
Celeridade/Baixo
Ausência de ônus Confidencialidade
custo

5.2 VANTAGENS PARA OS ADVOGADOS

A negociação é uma prática corriqueira, em que os envolvidos


transigem diretamente entre si, podendo ser utilizada até mesmo sem a
intervenção de terceiros. No entanto, em certos casos a presença de
terceiros imparciais é indicada, seja pela natureza do conflito, seja pela
dificuldade vivenciada pelas partes em buscar soluções satisfatórias
para a lide diretamente entre elas. É o caso da mediação e da
conciliação. Aqui, destaque-se que o advogado pode exercer atividades
negociais e ser beneficiado com isso.
Observa-se que muitos advogados ainda não possuem
familiaridade com o uso dos meios consensuais. Por isso, tais meios
podem parecer ameaçadores, na medida em que o advogado não
exercerá mais o controle absoluto sobre a lide submetida à via judicial.
Agravado a isso, cite-se que existem escritórios que incentivam os
advogados a não fomentarem os meios consensuais, permanecendo na
lide. (SALES, 2012). No entanto, há muitas benesses advindas da
atuação dos advogados nos meios consensuais. Além de contribuir com
a busca de soluções pacíficas que beneficiem seus clientes, o advogado
poderá ter a possibilidade de exercer suas atividades em uma área que
tem ganhado destaque no Brasil, o que é evidenciado pelas recentes
mudanças na legislação pátria no sentido de promover o adequado
tratamento aos conflitos.
Nesse sentido, ‘‘[...] advogados menos experientes [...]
possuem receio de perder dinheiro’’ (SALES, 2012, p. 144). No
entanto, com a recente entrada em vigor do atual Código de Ética e
Disciplina da advocacia (CED), tal receio se mostra sem fundamento,
na medida em que passou a ser vedada a diminuição de honorários pela

173
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

extinção da lide por meio adequado de solução consensual de conflitos,


conforme art. 48, §5, do CED. Trata-se de uma vantagem para o
advogado, que tem o dever de fomentar o uso dos meios consensuais de
resolução de conflitos. Não obstante, caso o advogado contribua para
efetivamente eliminar o conflito por meio de um acordo que satisfaça
ambas as partes, possivelmente sua clientela irá aumentar, em virtude
da propaganda positiva que os clientes podem fazer de seu trabalho e
pela rotatividade de novas causas, por ter sido célere e eficaz.
Além do exposto, vale ressaltar que recentemente o número de
profissionais do Direito inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) superou um milhão de pessoas, e não há um piso salarial em
âmbito nacional para a referida classe, apenas alguns estados já
definiram tais valores (OAB, 2016). Por isso, muitas vezes o advogado
empregado em escritórios recebe salários que não são compatíveis com
o empenho despendido. Tal informação sugere ser necessário ao
profissional do Direito conhecer as áreas em que poderá trabalhar como
profissional liberal, com mais ferramentas e possibilidades de atuação,
já que no mercado de trabalho existe um número expressivo de
advogados.

5.3 VANTAGENS PARA O PODER JUDICIÁRIO

Sabe-se que ‘‘[...] a busca pela paz social, calcada em


sentenças, não tem alcançado êxito efetivo, pois não se consegue
cumprir a ordem constitucional de que todo processo deve se
desenvolver dentro de um tempo razoável de duração’’ (ANDRIGHI,
2012, p. 82). Aqui, ressalte-se que, ao atuar nos meios consensuais de
conflitos, o advogado estará contribuindo para que o andamento das
demandas seja mais célere. Nesse sentido:

A presença no advogado negociador surge, assim, como


instrumento eficaz para a concretização dessa cidadania e
para desafogar os tribunais. Dando andamento célere às
demandas, contribui para que os direitos fundamentais
sejam respeitados e para que o desenvolvimento da
sociedade seja mais harmônico (BRANDÃO, 2014, p.
22).

174
De fato, como já foi abordado, ao atuar como mediador ou
conciliador em seu escritório, por exemplo, o advogado está
contribuindo para a diminuição do número de causas submetidas à via
judicial, além de, consequentemente, estar fomentando o direito de
acesso à Justiça, que é destinado a todos, e foi preceituado no art. 5º,
XXXV, da Carta Magna. Nesse sentido, ‘‘[...] as pesquisas demonstram
que os meios consensuais foram responsáveis por apenas 11% da
solução dos conflitos, apesar do imenso investimento do CNJ e dos
tribunais’’ (CNJ, 2016, p. 382, grifo nosso). Nota-se que o percentual
de causas extintas por meios consensuais é notoriamente
desproporcional aos esforços empreendidos pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), dentre outros, para fins de fomento do uso dos meios
pacíficos e do consequente tratamento adequado aos conflitos.
Acredita-se que, quando o pensamento não adversarial for mais bem
entendido e aplicado na sociedade pelos indivíduos em seus próprios
conflitos, o Poder Judiciário certamente irá se beneficiar ainda mais
com a diminuição no número de demandas submetidas ao seu juízo.
É cediço que o andamento dos processos judiciais tem se
mostrado ineficazes quanto a duração razoável do processo. Na fase de
execução, os dados são ainda mais alarmantes, na medida em que os
‘‘[...] juizados especiais – criados a partir dos princípios da sim-
plicidade, informalidade e economia processual – também sofrem o
impacto da morosidade da execução’’ (CNJ, 2016, p. 381, grifo nosso).
Isso porque, ‘‘[...] enquanto na Justiça Estadual os casos em
execução permanecem aguardando desfecho por quase 9 anos (em
média), nos juizados especiais o tempo médio [...] é de 6 anos e 9
meses’’ (CNJ, 2016, p. 381, grifo nosso). Por isso, faz-se necessário
que haja uma atuação advocatícia mais consciente sobre a relevância
dos meios consensuais, para que o advogado oriente as partes sobre as
benesses do uso tais meios, a fim de cumprir seu dever de fomentar o
uso dos meios adequados de solução pacífica de controvérsias.
Nesse sentido, pesquisas ‘‘[...] demonstraram que o
encerramento de boa parte dos processos pela via da conciliação
nos juizados cíveis ocorre ao final do processo de conhecimento,
quando o requerido percebe que não obterá êxito em sua defesa’’.

175
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

(CNJ, 2016, p. 382, grifo nosso). Com a leitura desse trecho do


relatório Justiça em Números, é possível auferir que muitas vezes há a
necessidade de já estar em um processo judicial, em vias de publicação
de sentença, para que o indivíduo perceba que pode ser sensivelmente
prejudicado, caso a sentença não lhe seja favorável. Nesse momento,
muitas partes resolvem extinguir o processo por meio de acordo. Isso
porque, o que se nota atualmente é a existência de ‘‘[...] um cidadão
sem cidadania, dependente de um Estado que tem para com ele [...] o
dever de assegurar seus direitos de liberdade, e não o direito de que
tenha a liberdade de decidir seus próprios conflitos. Essa última
liberdade foi cedida ao Estado’’ (WARAT, 2004, p. 118, grifo nosso).
Pelo exposto, nota-se que urge a necessidade de mudança
quanto ao pensamento adversarial, que retira do indivíduo o
discernimento de que ele pode resolver seus próprios conflitos, ainda
que para isso necessite de um facilitador, como ocorre na mediação e
na conciliação, para o efetivo alcance do acesso à Justiça.

6 CONCLUSÃO

Diante disso, compreende-se que o direito de acesso à Justiça é


muito mais amplo do que o direito de acesso ao Poder Judiciário. Nessa
esteira, percebe-se que os advogados estão contribuindo para o acesso à
Justiça consensual ao atuar nos meios pacíficos de solução de conflitos,
como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Quanto à mediação, o
advogado poderá atuar acompanhando seu cliente ou como mediador,
assim como ocorre na conciliação. Restou claro ainda que na
arbitragem, a presença do advogado é facultativa, conforme preceitua o
art. 21, §3º, da Lei nº 9.307/1996, mas o referido profissional poderá
atuar como advogado de parte, consultor da parte ou do juízo arbitral
ou ser o próprio árbitro.
Deduz-se ainda que há vantagens advindas da atuação do
advogado nas soluções consensuais de conflitos para as partes, para o
advogado e para o Poder Judiciário. Para as partes, o uso da mediação
gera benefícios, como o diálogo em ambiente imparcial e a
administração do conflito; já a conciliação é benéfica por não exigir a
comprovação dos fatos e gerar a extinção do processo, dentre outros;

176
por fim, na arbitragem há a confidencialidade, além de maior
celeridade, etc. Quanto ao advogado, observou-se que, além de
contribuir com a busca de soluções pacíficas que beneficiem seus
clientes, o referido profissional poderá ter a possibilidade de exercer
suas atividades em uma área que tem ganhado destaque, o que é
evidenciado pelas recentes mudanças na legislação pátria no sentido de
promover o adequado tratamento aos conflitos, por exemplo.
Conclui-se, portanto, que os meios consensuais são uma forma
eficaz e célere na busca pela solução adequada das controvérsias, na
maioria das vezes. Acredita-se, por fim, que o advogado está
efetivamente contribuindo para a diminuição do número de causas
submetidas ao Poder Judiciário ao atuar como mediador, conciliador ou
árbitro, além de, consequentemente, estar fomentando o acesso à
Justiça de forma consensual, que é direito de todos.

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Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção saberes do direito ; 53)

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promoção do acesso à justiça pela desjudicialização dos conflitos, 1. ed.
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177
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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178
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WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador,


3. ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

179
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO JUS
POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO: uma
análise da efetividade da prestação jurisdicional à luz da
constituição de 1988

Érica Veríssimo Martins

RESUMO: O estudo versa sobre o conflito entre a possibilidade de


postulação em juízo sem o intermédio de advogado, através do instituto
do jus postulandi, tendo como principal objetivo analisar a
constitucionalidade deste instituto, tendo em vista que, pelo menos
aparentemente, há um conflito de direitos fundamentais que dizem
respeito ao acesso à justiça, a garantia de prestação jurisdicional e a
previsão de essencialidade do advogado à administração da justiça,
além da expressa previsão dos órgãos de defensorias públicas federais e
estaduais para defesa dos interesses dos menos favorecidos, bem como
da legitimidade dos sindicatos para postular em nome de seus
representados. Outro ponto da pesquisa, não menos relevante, diz
respeito à busca pela constatação de efetividade (ou não) da prestação
jurisdicional pelo estado, quando esta ocorre através do instituto do jus
postulandi considerando as nuances técnicas que envolvem a
tramitação do processo judicial, inclusive com a virtualização do
processo e as implicações desta mudança, bem como a própria
limitação legal do instituto questionado neste trabalho.

Palavras-chave: Jus Postulandi. Acesso a justice. Advogado.


Defensoria Pública. Sindicato.

ABSTRACT: The study deals with the conflict between the possibility
of applying in court without the intermediary of a lawyer, through the
institute of jus postulandi, whose main objective is to analyze the
constitutionality of this institute, considering that, at least apparently,
there is a conflict of rights Fundamental rights relating to access to
justice, guarantee of judicial performance and provision of essentiality


Advogada.

181
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

of the lawyer to the administration of justice, in addition to the express


provision of federal and state public defender bodies to defend the
interests of the underprivileged, as well as the legitimacy Of the unions
to apply on behalf of their representatives. Another point of the
research, no less relevant, concerns the search for the effectiveness (or
not) of the jurisdictional provision by the state, when this occurs
through the institute of jus postulandi considering the technical nuances
that involve the processing of the judicial process, The virtualization of
the process and the implications of this change, as well as the legal
limitation of the institute questioned in this work.

Keywords: Jus Postulandi. Access to justice. Lawyer. Public


Defender's Office. Trade Unions.

1 INTRODUÇÃO

O acesso ao judiciário deve ser tratado pelo legislador e


operadores do direito como meio e fim de justiça, razão pela qual deve
ser prestado sempre com seriedade e profissionalismo, levando-se em
conta que, para o cidadão, não basta promover uma demanda de forma
“fácil”, é necessário permanecer com segurança no curso do processo e
sair dele com a tutela jurisdicional mais pertinente e justa para o caso.
A análise da constitucionalidade do instituto do jus postulandi,
sob a ótica da efetividade da prestação jurisdicional, é essencial para
que se abram os olhos para a realidade atual para que o cidadão seja, de
fato, amparado pela justiça - garantindo-lhe acesso digno e efetivo ao
judiciário.
Neste aspecto há que se considerar em primeiro momento a
previsão constitucional de acesso amplo a justiça (e não meramente ao
judiciário), o que envolve não apenas a possibilidade de demanda, mas
todo o aparelhamento estatal que o viabilize.
Na própria Constituição Federal há previsão 1) Do advogado
como essencial a administração da justiça, 2) Da defensoria pública
para representação de forma integral e gratuita, aos necessitados, 3) a
representação pelos sindicatos em defesa dos direitos e interesses

182
coletivos ou individuais da categoria por ele representada, inclusive em
questões judiciais ou administrativas;
Vislumbra-se, pois, a necessidade de aperfeiçoamento do
tema, fornecendo uma visão peculiar do problema, não apenas do ponto
de vista da crítica das expressões contidas na lei processual, mas para a
necessária estruturação do judiciário e sua instrumentalização, sempre
buscando os melhores resultados e a efetividade da justiça,
característica inerente ao processo, seu maior objetivo.
Na vivência profissional é possível visualizar, diariamente, o
fenômeno da busca pelo cidadão por direitos perante a justiça do
trabalho desamparado de profissionais técnicos qualificados para lhes
assistirem, em que pese as previsões legais e constitucionais que
garantem, pelo menos em tese, o acesso a justiça.
Dessa observação nasceu o interesse em averiguar as
implicações no processo do pleito judicial por meio do jus postulandi,
garantido na Consolidação das Leis Trabalhistas, traçando um perfil do
reclamante e/ou reclamado, e sua expectativa/possibilidade de sucesso
no pleito, face ao desconhecimento da técnica.
Surgiu ainda o questionamento acerca da constitucionalidade
de tal instituto, uma vez que, pelo menos aparentemente, tem-se um
conflito de normas a ser descortinado.
Não seria impróprio falar em possível afronta à constituição no
que respeita a previsão do jus postulandi, uma vez que a própria
constituição prediz o advogado como indispensável à administração da
justiça, quando, por outro lado, norma infraconstitucional dispensa sua
atuação, em determinados procedimentos processuais.
Consta na Carta Magna previsão expressa de que toda lesão ou
ameaça pode e deve ser apreciada pelo poder judiciário, direito este
incluso em seu art. 5º, compondo o rol de direitos fundamentais.
Mais adiante, no art. 133 da mesma Carta, vislumbra-se a
previsão de essencialidade do advogado na administração da justiça,
bem como, no art. 134, institui a defensoria pública como órgão
essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo a ela a defesa e
orientação, em todos os graus, dos necessitados.
A Lei Federal nº. 8.906/1994, conhecida como Estatuto da
Advocacia e da OAB também traz em seu bojo, especificamente no

183
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

art.2º, a importância da função do advogado, bem como a Lei


Complementar 132/2009, que organiza a Defensoria Pública da União,
do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua
organização nos Estados, repete a previsão de existência e funções da
Defensoria Pública. Já a CLT atribui também aos sindicatos a
legitimidade de representação dos profissionais integrantes de sua
categoria de abrangência em questões administrativas e judiciais.
A compilação dos direitos previstos na constituição federal e
na legislação infraconstitucional dão ao jurista e aos jurisdicionado ares
de efetivo amparo, efetividade e eficiência quanto a prestação dos
serviços do Poder Judiciário para a sociedade.
Entretanto, tais dispositivos que deveriam ser interpretados e
utilizados como complementares entram em rota de choque quando
vislumbrado sob a perspectiva do instituto do jus postulandi, pois abre
a possibilidade de que qualquer pessoa provoque o judiciário, em
determinadas hipóteses, sem que tenha a seu favor qualificação técnica
e conhecimento jurídico adequado para diligenciar os atos judiciais
inerentes ao processo com a expertise necessária.
Verifica-se, na condição atual, uma possível colisão
principiológica a qual será tratada no presente estudo descortinando
suas vertentes, sopesando seus efeitos e, ao afinal, analisando seu
impacto na prestação jurisdicional efetiva.
Trata-se de verificar se a sociedade tem acesso pleno ao
judiciário – de forma adequada, eficiente e eficaz -, e se a previsão
legal atende aos fins a que se destinam, posto que não se pode entender
acesso apenas como intentar ações na justiça, mas também permanecer
bem no decorrer da demanda e sair dela com a tutela jurisdicional
perquirida.
Se por um lado tem-se incutido no texto constitucional que é
do advogado a capacidade postulatória, e que sua atuação é prevista
como essencial, que o defensor publico tem capacidade postulatória
decorrente da posse no cargo por força da lei que regulamenta a
profissão e que os sindicatos podem representar individual e
coletivamente os profissionais da categoria, em outro momento, na
legislação esparsa, sua presença, no processo, é relativizada, tornando-
se mera possibilidade, e não exigência.

184
É diante desta dicotomia que se desenvolve o estudo em
apreço, a fim de verificar tanto a constitucionalidade do jus postulandi,
em face de aparente colisão que este revela entre o direito fundamental
de acesso a justiça e a essencialidade do advogado. Serve-se, ainda, a
presente pesquisa para constatar a eficácia da prestação jurisdicional
ofertada por meio de referido instituto.

2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Dentre tantos direitos fundamentais previstos na Constituição


da República Federativa do Brasil, está incutido no art. 5º, inciso
XXXV da Carta Magna o direito ao acesso ao judiciário, o qual garante
ao cidadão levar a conhecimento do juiz toda e qualquer violação a
direito seu, a fim de obter efetiva tutela e amparo jurisdicional para a
solução do conflito.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;

O artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre Direitos


Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário,
também versa sobre a garantia de acesso a justiça, nos seguintes
termos:

Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as


garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

185
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Suzana Vereta Pastore (2004), assevera que o direito de acesso


à justiça como direito fundamental é alicerçado em três pilares: o
primeiro refere-se à possibilidade de toda lesão de direito ou
controvérsia ser objeto de apreciação do Poder Judiciário; o segundo, o
qual destacamos, refere-se aos princípios da ampla defesa e do
contraditório, uma forma de legitimar o provimento final; e o terceiro, o
qual também destacamos, é o direito à assistência jurídica integral,
estabelecido no art. 5º, LXXIV, da Constituição da República de 1988.
Frisa-se, por oportuno, que o acesso à justiça não se limita ao
direito à jurisdição, mas estende-se a prestação jurisdicional estatal de
maneira mais justa ao caso, conforme suas circunstâncias.
Nos dizeres de Uadi Lâmego Bulos (BULOS, 2007), o
objetivo da garantia constitucional do acesso à justiça é “difundir a
mensagem de que todo homem, independente de raça, credo, condição
econômica, posição política ou social, tem o direito de ser ouvido por
um tribunal independente e imparcial, na defesa de seu patrimônio ou
liberdade.”
Nos dizeres de Carlos Henrique Bezerra Leita (LEITE, 2007),
o acesso à justiça é essencial para a materialização do Estado
Democrático de Direito, para a cidadania e engloba o saber dos seus
direitos, deveres, dos valores indeléveis a ser preservado em qualquer
sociedade humana, sem o que, não há Estado, Nação ou pátria.
Assim, pode-se constatar que o direito aqui tratado é não só
uma norma de direito constitucional, mas de Direitos Humanos, se
consideramos sua importância e repercussão.

3 DA PREVISÃO DE ESSENCIALIDADE DO ADVOGADO

Complementando o direito de acesso ao judiciário, a própria


Constituição, assim como a legislação esparsa, traz mecanismos de
concretização da garantia mencionada, organizando o poder judiciário,
criando carreiras jurídicas e determinando o funcionamento daquelas e
funções destes, a exemplo do Capítulo III da CRFB/88, que trata do
Poder Judiciário.
Assim é que, o artigo 133 da Constituição Federal, prevê o
exercício da advocacia como indispensável à administração da justiça,

186
sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da
profissão, nos limites da lei.
No mesmo sentido, dispõe o artigo 2º e seus incisos, da lei
8.906/94, comumente denominada de Estatuto da Advocacia,
afirmando ainda que, no seu ministério privado, o advogado presta
serviço público e exerce função social, bem como que no processo
judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao
seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem
múnus público e que, no exercício da profissão, o advogado é
inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.
Verifica-se, ainda, que o advogado é detentor da capacidade
postulatória, conforme se depreende do artigo 36 do CPC: "A parte será
representada em Juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á
lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação
legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa
ou impedimento dos que houver."
Extrai-se do texto normativo que a atuação do advogado em
favor do cidadão é de fundamental importância, principalmente por ser
ele o detentor do conhecimento técnico e prático para atuar junto ao
judiciário a fim de garantir o exercício do direito fundamental de acesso
a justiça de forma eficaz e segura.
Tanto é assim, que a postulação a órgão do Poder Judiciário é
previsto no art. 1º da Lei 8.906/94 como ato privativo de advocacia,
bem como a consultoria, assessoria e direção jurídica, constituindo
contravenção penal de exercício irregular da profissão (art. 47 da Lei
3.688/41- Lei das contravenções penais), a realização destas atividades
por pessoas não habilitadas e sendo os atos nulos (art. 4ª da Lei
8.906/94).
Ocorre que não há como o exercício da jurisdição ser efetivo,
sem a presença do advogado nos atos processuais, sob pena de restar
prejudicado prejuízo o contraditório, a própria defesa de direitos,
restando a parte que estiver desacompanhada de profissional capacitado
e habilitado, totalmente desamparada.
O advogado é quem possui conhecimento técnico e jurídico,
sendo o mais indicado para acompanhar todo e qualquer processo até a
decisão final, inclusive por estar externo às emoções do direito posto

187
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

em discussão na lide, oportunizando uma análise despida de


sentimentos e eminentemente técnica e justa.
O advogado deve ser visto como o garantidor do contraditório
e da ampla defesa dos cidadãos, sendo essencial a administração da
justiça, assim como prevê a constituição e o Estatuto da advocacia,
sendo esta previsão entendida e respeitada em todas as áreas do direito
e em todas as vertentes e instâncias do poder judiciário.

4 DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO REPRESENTANTE DOS


POBRES NA FORMA DA LEI

Certamente, sendo a Constituição de 1988 a constituição


social, não poderia ela deixar de considerar a situação econômica dos
menos favorecidos, trazendo em seu bojo a previsão da Defensoria
Pública como meio de garantia dos direitos individuais e coletivos de
todos os necessitados, de forma integral e gratuita, dentre outros,
especialmente quando necessário o acesso ao judiciário, fazendo o
defensor público as vezes de “advogado” do cidadão hipossuficiente
financeiramente, consoante previsão contida no art. 134 da
Constituição.
A assistência judiciária gratuita deve ser prestada pelo Estado,
como dispõe o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, de modo
que essa atuação será realizada através de uma entidade administrativa
criada por meio de lei sob a escudo da competência legislativa da
União e dos Estados, ou seja, cada um desses entes poderá criar os seus
órgãos de proteção e defesa dos diretos dos cidadãos necessitados,
conforme supracitado.
A atividade da defensoria pública é regulamentada pela Lei
Complementar nº 80/1994 que em seu artigo 1º, prevê ser a Defensoria
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a
orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em
todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim
considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição
Federal.

188
Do texto legal é possível constatar a atribuição à Defensoria
Pública a responsabilidade tanto pela orientação jurídica como a
promoção de direitos judicial e extrajudicialmente sejam individuais ou
coletivos, de forma que sua atuação no âmbito trabalhista deveria ser
instituída e aparelhada de forma a atender a população que necessita
destes serviços.
Na mesma legislação há previsão dos objetivos e funções
institucionais da defensoria, se não vejamos, dos quais destacam-se os
artigos 3º, IV e 4º, IV, V, XI e § § 2º e 5º. Vejamos:

Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:


[...]
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla
defesa e do contraditório.
[...]
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública,
dentre outras:
[...]
IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de
órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o
exercício de suas atribuições;
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista,
a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas
naturais e jurídicas, em processos administrativos e
judiciais, perante todos os órgãos e em todas as
instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas
as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva
defesa de seus interesses;
[...]
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e
coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa
portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de
violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais
vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;
[...]
§ 2º As funções institucionais da Defensoria Pública
serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de
Direito Público.
[...]
§ 5º A assistência jurídica integral e gratuita custeada ou
fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria
Pública.

189
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

A Defensoria Pública da União foi organizada para atuar em


todas as instâncias administrativas e judiciárias, conforme prevê o art.
134 da Constituição Federal e a própria Lei Complementar nº. 80/94,
em seus artigos, elencando, dentre as instâncias de atuação, a da Justiça
do Trabalho.
Assim, a DPU possui competência para atuar em todas as
esferas do judiciário, de forma a garantir o acesso à Justiça em todos os
graus, restando ao Estado promover seu aparelhamento para tanto.

5 LEGITIMIDADE REPRESENTATIVA DOS SINDICATOS

Além dos profissionais da advocacia e da defensoria pública,


cujas funções e essencialidade já se delineou neste estudo, a
Constituição Federal traz ainda em seu bojo a previsão de que, na
defesa dos interesses coletivos ou individuais de categoria de
trabalhadores, o sindicato representativo tem legitimidade para postular
seja em questões administrativas, seja em demandas judiciais.

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical,


observado o seguinte:
II - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas;

No mesmo sentido, a previsão contida na alínea a do art. 513


da CLT:

Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:


a) representar, perante as autoridades administrativas e
judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou
profissão liberal ou interesses individuais dos associados
relativos á atividade ou profissão exercida;

A atuação das entidades sindicais na justiça do trabalho


compreende a defesa de direitos homogêneos e heterogêneos, através
de ações coletivas e individuais, comumente propostas por meio da
substituição processual e assistência processual, respectivamente.

190
6 JUS POSTULANDI

Na contramão de toda a organização do judiciário e da


previsão de essencialidade de profissional habilitado na administração
da justiça e amparo ao cidadão quando da busca por tutela judicial,
verifica-se a prescrição contida no artigo 791 da Consolidação das Leis
Trabalhistas, segundo o qual as partes podem acompanhar suas
reclamações até o final pessoalmente, sem a assistência de advogado.
A previsão legal contida no art. 791 da CLT é denominada jus
postulandi.

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão


reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e
acompanhar as suas reclamações até o final.

Segundo Sérgio Pinto Martins (MARTINS, 2017), jus


postulandi é uma locução latina que indica o direito de falar, em nome
das partes, no processo, que diz respeito a advogado.
Tal norma causa estranheza e traz questionamento quanto a
sua constitucionalidade, haja vista a expressa previsão de
essencialidade do advogado incutida no art. 133 da CRFB/88, da
defensoria como representante dos direitos dos menos favorecidos, no
art. 134 da CRFB/88, e da legitimação dos sindicatos na representação
da categoria, conforme mencionado e fundamentado acima.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil em 5 de outubro de 1988, parecia estar solucionado o debate
quanto ao jus postulando e a essencialidade do advogado, supondo-se
que o instituto que conferia possibilidade de demanda sem
acompanhamento de advogado estaria extinto uma vez que a Carta
Magna trouxe em seu art. 133 a indispensabilidade do advogado.

Art. 133 – O advogado é indispensável à administração


da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações
no exercício da profissão, nos limites da lei.

191
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Apesar de a Constituição ter previsto o advogado como


indispensável à administração da justiça, o STF e o TST ainda hoje
entendem que o jus postulandi permanece vigente, arguindo para tanto
que o art. 133 da CRFB/88 seria uma norma de eficácia contida, haja
vista a presença da expressão “nos limites da lei”, não tendo a
Constituição revogado as normas especiais que autorizavam a
postulação em juízo diretamente pelas partes, que tal norma seria
dependente de regulamentação infraconstitucional, a qual até hoje, não
existe.
Com a publicação da Lei 8.906/94, as esperanças para a
revogação do jus postulandi reacenderam, uma vez que, em seu art. 1º,
inciso I, previu que seriam atividades privativas da advocacia a
postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados
especiais, tendo excetuado apenas os casos de habeas-corpus. Com esta
previsão, criou-se a expectativa de que fosse considerado revogado o
dispositivo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:


I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e
aos juizados especiais;
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção
jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a
impetração de habeas corpus em qualquer instância ou
tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas,
sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro,
nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

A Associação dos Magistrados Brasileiros propôs Ação Direta


de Inconstitucionalidade, questionando diversos dispositivos constantes
no Novo Estatuto da OAB, inclusive o famigerado art. 1º, I, e, alegando
que o mesmo sreia incompatível com a ordem constitucional vigente,
conforme se depreende de alguns dos argumentos extraídos do relatório
da ADI 1.127-DF, feito pelo Ministro Relator Paulo Brossard:

O art. 1º do Estatuto da OAB toma atividade privativa da


advocacia ‘a postulação a qualquer órgão do Poder
Judiciário e aos Juizados Especiais’. Assim dispondo,

192
sujeitou a validade do processo judicial, não importa o
órgão jurisdicional perante a qual se instaura, a
capacidade postulatória consubstanciada no binômio
parte-advogado. [...]
As, considerações, que se acabam de fazer sobre juizados
especiais cíveis e sobre a justiça da paz alcançam também
a necessidade criada pela norma impugnada, que rompeu
com vitoriosa tradição, de representação do reclamante
perante os órgãos da Justiça do Trabalho da 1ª instância,
[...]
Se a opção política, contida na regra impugnada, é
censurável porque se destina, claramente, apenas a
ampliar o mercado de trabalho da nobre classe dos
advogados, sem outras preocupações, que a realidade
brasileira torna impositiva, aquele preceito não resiste ao
confronto com os arts. 98, I e II, 116, e 5º, XXXIV, ‘a’, e
XXXV da Constituição Federal, tornando-se
indispensável a declaração de sua inconstitucionalidade.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.127-DF,
Tribunal Pleno. Relator: Min. Paulo Brossard. Brasília, 6
de outubro de 1994. Diário de Justiça: 29 jun. 2001 -
Relatório do Acórdão da ADI)

Em decorrência, após análise inicial, o STF concedeu


parcialmente a liminar requerida em sede de ADI, e depois confirmou
sua decisão, tendo dado provimento a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, suspendendo parte dos efeitos do Art. 1º, I, da
Lei 8.096/94, uma vez que entendeu que, apesar de constitucional, o
artigo em questão teria excluído sua aplicação dos juizados de
pequenas causas, da Justiça do Trabalho e da Justiça de Paz,
continuando permitida a demanda pessoal pelas partes nestes.
Após a decisão proferida nos autos da ADI 1.127-DF, o texto
legal ficou assim:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:


I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e
aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção
jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a

193
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

impetração de habeas corpus em qualquer instância ou


tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas,
sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro,
nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
(grifo nosso)

O que se pretende aclarar é que a revisão constitucional de


indispensabilidade do advogado na administração da justiça não é
aleatória ou um benefício a estes profissionais. Pelo contrário, é
garantia ao cidadão de que seu direito seja seriamente defendido,
conferindo à população a possibilidade não apenas de ingressar com
ação judicial, mas de ter um acompanhamento eficiente na busca por
direito seu que, por ventura, tenha sido violado ou encontre-se na
iminência de ser.
Tanto é assim que outros meios de garantia de aceso a justiça
são vislumbrados pela própria Constituição Federal e pela legislação
infraconstitucional, como já restou explicitado e tratado cada uma delas
em tópicos específicos.
É constitucional a previsão de acesso a justiça e os meios de
acesso a ela, não se reputado legitimo a previsão de que este acesso
possa se dar por meio de eficácia comprometida e limitada, como
ocorre na previsão contida na súmula 425 do TST.

7 EFETIVIDADE JURISDICIONAL NA APLICAÇÃO DO JUS


POSTULANDI

A previsão do jus postulandi contida na CLT, leva os


estudiosos da área trabalhista a se perguntarem quanto à efetividade do
instituto, levando em consideração que a parte estaria litigando em
juízo sem o conhecimento técnico necessário para tanto, restando
evidentemente vulnerável.
Há de se levar em consideração nessa análise que o próprio
Tribunal Superior do Trabalho editou súmula limitando o jus
postulandi, na qual verificasse que o Excelso Tribunal entende que a
possibilidade das partes litigarem na justiça do trabalho sem o
acompanhamento de advogado limita-se às varas do trabalho (1ª

194
instância) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs – 2ª instância), não
sendo possível que a parte, sozinha, interponha recursos junto ao
Tribunal Superior do Trabalho nem alcançando Ações Rescisórias,
Ações Cautelares e Mandados de Segurança.
Trata-se da Súmula nº 425, a qual traz em seu bojo limitação à
aplicabilidade do princípio do “jus postulandi” na Justiça do Trabalho.
Vejamos:

Súmula 425 do TST


O jus postulandi das partes, estabelecido no
art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos
Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação
rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os
recursos de competência do Tribunal Superior do
Trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho deu um passo relevante no


sentido de reconhecer a necessidade de acompanhamento das lides e
partes por advogado, perfilhando a importância da pericia e
conhecimento técnico jurídico para manusear os procedimentos
judiciais a fim de que estes tenham seu objetivo atingido e a paridade
processual seja alcançada.
Sem dúvidas, o passo dado pelo TST não encerra o assunto,
não é suficiente para resolver a questão do jus postulandi e seus riscos,
mas já denota a percepção de que o “jus postulandi” foi criado para
suprir uma indigência intrínseca à época de sua criação, quando haviam
grandes injustiças com os trabalhadores e ninguém mais, além deles
próprios, eram interessados em suas causas.
Importa esclarecer que o momento histórico vivido atualmente
é totalmente diferente do momento da criação do jus postulandi, não
havendo mais a necessidade ou possibilidade de sua aplicação
hodiernamente, inclusive se levamos em consideração a complexidade
de direitos e procedimentos que foram concedidos aos obreiros com o
passar do tempo.
Na prática trabalhista, tem-se percebido que a falta de um
acompanhamento de um advogado ocasiona prejuízo para o
empregado, pois é o maior utilizador desta prerrogativa. Pois, como

195
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

leigo que é, não conseguiria cumprir prazos, requisitos e ritos


processuais de forma satisfatória, principalmente se no lado oposto
estiver um profissional capacitado.
Quem atua hodiernamente na Justiça Laboral pode perceber
que a falta de acompanhamento de advogado caminha na iminência
sempre de ocasionar prejuízo para as partes que se utilizam da
prerrogativa do jus postulandi, pois, como leigos, podem não conseguir
cumprir prazos, requisitos e ritos processuais de forma satisfatória,
principalmente se no lado oposto estiver um profissional capacitado.
De sorte que, a informatização do processo na Justiça do
Trabalho tem implicação direta na aplicabilidade do jus postulandi,
posto que o acesso se dá por meio de sistema informatizado, com
utilização de certificado digital específico para advogados e servidores,
com licenças de utilização do sistema limitado ao tipo de certificado,
comprometendo assim o acesso integral aos autos pelas partes, sejam
pessoas físicas ou jurídicas, que estejam desassistidas por advogados.
Amauri Mascaro Nascimento (NASCIMENTO, 2010)
evidencia a importância do advogado num processo na Justiça
Trabalhista, ensinando, com maestria, em sua obra, Iniciação ao
Direito do Trabalho, que o processo é uma unidade complexa de
caráter técnico e de difícil domínio, daí porque o seu trato é reservado,
via de regra, a profissionais que tenham conhecimentos especializados
e estejam em condições de praticar os atos múltiplos que ocorrem
durante o seu desenvolvimento. A redação de petições, a inquirição de
testemunhas, a elaboração de defesas, o despacho com o juiz, o modo
de colocação dos problemas exige pessoa habilitada, sem o que muitas
seriam as dificuldades a advir, perturbando o normal andamento do
processo. Em consequência, as manifestações das partes no processo,
desde tempos remotos, são confiadas à profissionais denominados
procuradores, ou defensores, ou advogados, além de seus auxiliares,
que são os estagiários, antigamente denominados solicitadores.
Para Nascimento, a presença do advogado consciente valoriza
o processo, facilita a exata formação do contraditório e é realmente
indispensável.

196
8 CONCLUSÃO

Da análise do tema em estudo, pode-se concluir que a


persistência do jus postulandi representa um sério risco a efetividade da
prestação jurisdicional, uma vez que há comprometimento do direito do
empregado e/ou empregador que opta a ingressar em juízo sem o
amparo de profissional habilitado e qualificado para manusear o
procedimento judicial e adequar sua pretensão ao seu direito, quais
sejam advogados e defensores públicos.
A previsão de acesso à justiça não pode ser vista como um
comando isolado, sendo necessária a análise do conjunto de normas que
viabilizem a efetivação da justiça almejada de forma adequada, célere e
eficiente.
Neste sentido, como garantia efetiva de acesso a justiça e não
meramente possibilidade de demanda judicial, entende-se que o jus
postulandi chega a ser prejudicial ás partes num processo, bem como
trata-se de figura não recepcionada pela ordem constitucional de 1988.
Há de ser considerado para viabilizar o acesso a justiça ao
cidadão de forma digna, eficaz e coerente a utilização dos instrumentos
constitucionais e legais previstos, extirpando o meio lesivo de demanda
da norma legal.
Assim, a presença do advogado na demanda é essencial para
que o processo se desenvolva regularmente, bem como para ver
cumprido o comando constitucional inserto no art. 133 da Constituição
Federal, devendo aqueles que sejam pobres na forma da lei serem
assistidos pela Defensoria Pública, conforme previsão também incursa
na Constituição, considerando que é responsabilidade do Estado o
aparelhamento da instituição para garantir o acesso a justiça ao cidadão.
A necessidade da assistência judiciária gratuita no processo do
trabalho, em razão das questões de alterações na competência da Justiça
do Trabalho a partir da Emenda Constitucional nº. 45/2004, bem como
das questões infrutíferas de utilização do princípio do jus postulandi
como instrumento de acesso à Justiça, deve ser suportada pelo Estado.
Entende-se que não há efetividade da prestação jurisdicional
quando a parte é submetida a uma situação de vulnerabilidade por não
ter a seu dispor o rigor técnico na defesa de seus interesses e

197
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

acompanhamento da lide de que faça parte que lhe é conferido pela


presença de um profissional habilitado e capacitado para tanto.
Por fim, acredita-se que o jus postulandi já não tem razão
histórica para existir, bem como fere a previsão constitucional de
essencialidade do advogado à administração da justiça, da defensoria
como representante do cidadão pobre na acepção legal da palavra e dos
sindicatos como representantes legítimos das categorias profissionais.

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Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
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Brasil, Poder Executivo, Brasília, 9 ago. 1943. Disponível em:
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Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
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<https://goo.gl/VZXxdJ>. Acesso em: 26 jul. 2017.

________. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o


Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília, 5 jul. 1994. Disponivel em: <https://goo.gl/5ZW9EU>. Acesso
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________. Defensoria Pública da União. Portaria nº. 01 de 08 de


janeiro de 2007. Regulamenta a assistência jurídica prestada pela
Defensoria Pública da União em todo o país. Disponível em:
<https://goo.gl/bfn4ml>. Acesso em: 26 jul. 2017.

198
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38. Consulta projeto piloto de instituição de ofícios trabalhistas.
Disponível em: <http://goo.gl/NieEyD>. Acesso em: 26 jul. 2017.

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Saraiva, 2007.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do


Trabalho, 7. ed. São Paulo: LTr, 2009.

LEITE, Gisele. O acesso à justiça como direito fundamental. Âmbito


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<https://goo.gl/FeMmmG>. Acesso em: 21 jul. 2017

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho, 39. ed. São


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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Processo do


Trabalho, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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1999

PASTORE, Suzana Vereta Nahoum. O direito de acesso à justiça: rumo


a sua efetividade. Revista de Direito Constitucional e Internacional,
São Paulo, v. 12, n. 49, p. 154-190, out./dez. 2004.

199
O ACESSO À JUSTIÇA NO PANORAMA JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL ATUAL: novas políticas de
democratização

ACCESS TO JUSTICE IN THE CURRENT JURIDICAL


AND CONSTITUTIONAL PANORAMA: new
democratization policies

Roberta Gonçalves Bezerra de Menezes


Francisca Edineusa Pamplona Damacena

RESUMO: Este artigo aborda o direito fundamental de acesso à justiça


no panorama jurídico-constitucional atual, por meio de um estudo
teórico e empírico. Pesquisou-se as raízes históricas desse direito, bem
como se discutiu as principais contribuições doutrinárias nesta matéria
para, posteriormente, evidenciar as atuais problemáticas enfrentadas na
busca pela real efetivação dessa garantia constitucional. Em seguida,
realizou-se uma pesquisa de campo, a fim de analisar as problemáticas
que envolvem essa matéria a partir de um resultado concreto aferido no
município do Crato - CE. Verificou-se que o acesso à justiça terá sua
eficácia material plena quando houver a participação coletiva na
construção do direito e, isto só será possível se o conhecimento do
mesmo for democrático e incluído o ensino dos direitos fundamentais e
garantias constitucionais na grade escolar.


Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri. Bolsista pelo programa
PIBIC-URCA. Integrante do grupo de estudos e pesquisas em direitos humanos
fundamentais. Email: robertagbm@gmail.com.

Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUC-PR). Suficiência investigadora na área de Direito
Administrativo no programa de doutorado "O Direito Público e as Institucións
Públicas ante a Unión Europea e o Mercosur" da Universidade de Santiago de
Compostela (USC-Es). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal Ceará
(UFC). Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Email:
edineusapamplona@gmail.com.

201
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Palavras-chave: Acesso à justiça. Direitos e Garantias Fundamentais.


Educação.

ABSTRACT: This article addresses the fundamental right of access to


justice in the current juridical-constitutional panorama, through a
theoretical and empirical study. The historical roots of this right were
investigated, as well as the main doctrinal contributions in this matter
were discussed to later, to show the current problems faced in the
search for the effective realization of this constitutional guarantee.
Then, a field survey was carried out in order to analyze the issues
involved in this matter from a concrete result measured in the
municipality of Crato - CE. It was found that access to justice will have
its full material effectiveness when there is collective participation in
the construction of law and this will only be possible if the knowledge
of it is democratic and included the teaching of fundamental rights and
constitutional guarantees in the school system.

Keywords: Access to justice. Fundamental Rights and Guarantees.


Education.

1 INTRODUÇÃO

O acesso à justiça passou por diversas transformações


históricas, sociais, jurídicas e doutrinárias durante as últimas décadas.
Este fator contribuiu significativanete para que essa garantia
fundamental pudesse, hoje, ser considerado um dos mais básicos
direitos a serem ofertados por um Estado Democrático.
No Brasil esse acesso foi positivado explicitamente na
Constituição de 1946, contudo estava fundamentado com base, apenas,
na sua concepção formal. Destarte, a justiça formal pode ser entendida
como aquela cujos membros de uma mesma sociedade devem ser
tratados da mesma forma, sem destacar as necessidades que cada grupo
possa vir a apresentar individualmente, analisa-se o todo.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, conhecida
como constituição cidadã, além da garantia da justiça formal firmou-se
a concepção material, em que foram reconhecidas as peculiaridades de

202
cada ser ou classe integrante do meio social, assim, defendendo-se que
para o acesso à justiça se efetivar é preciso um suporte diferenciado do
Estado a certos grupos (GAMBA; MONTAL, 2008).
É no sentido da materialidade do acesso à justiça que este
artigo delimita o seu objeto de investigação. Destaca-se que o trabalho
foi divido em duas etapas: a primeira consistiu em uma análise teórica e
a segunda em uma pesquisa empírica realizada através da aplicação de
questionários em escolas da rede pública de ensino da cidade de Crato-
CE.
O objetivo principal deste artigo consistiu na analise das
principais dificuldades dos alunos do ensino médio de escolas, do
município supracitado, em relação à justiça e seu acesso, bem como,
em ressaltar a importância do desenvolvimento do ensino dos direitos
humanos e fundamentais dentro do ambiente escolar.
Com base nos resultados dessa pesquisa de campo, pode-se
contrapor com os dados teóricos obtidos através da análise de livros e
períodicos cientificos que versem sobre a temática em comento. Além
disso, destaca-se que a pesquisa possui natureza qualitativa quanto à
análise dos dados e caráter descritivo.

2 ACESSO À JUSTIÇA: aspectos históricos e definição de um


conceito

Na Constituição Federal Brasileira de 1988, encontra-se


inserido no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais,
precisamente no art. 5°, inciso XXXV, que: “[...] a lei não excluirá de
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL,
1998).
Com base em um retrospecto histórico da nossa sociedade
pode-se observar que para o acesso à justiça ser positivado como uma
garantia fundamental demandou-se um longo período de tempo e
intensas reinvindicações sociais. Como será mais bem explanado
posteriormente, é certa a existência de resquícios desse mecanismo de
justiça, mesmo em sistemas primitivos de resolução de conflitos.
Com base nas evoluções sociais e nos ideais humanitários tal
acesso foi ingressando nas normas de direito de diversos países, e

203
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

consequentemente, mesmo que de forma mais tardia, no Brasil.


Destarte, o conceito de acesso à justiça remodelou-se e até hoje é alvo
de grandes discussões. A seguir, cada período de desenvolvimento do
acesso, brevemente aqui introduzido, será abordado com um grau maior
de profundidade.
Tem-se o consenso entre os doutrinadores de que o surgimento
do acesso à justiça ocorreu a partir do Código de Hamurabi, pois este
apresentou normas voltadas para as pessoas tidas como mais fracas no
intuito de que pudessem exercer seus direitos. Garantia àquele que se
julgasse injustiçado ou fosse oprimido o direito de comparecer diante
do rei, pois este era a ajustiça (SILVERIO, 2008).
Outro período que também deve ser destacado é o da Grécia
Antiga, em que se começou a desenvolver a ideia de isonomia e as
primeiras reflexões mais aprofundadas sobre o direito. Contudo, as
garantias jurídicas eram direcionadas apenas para os considerados
cidadãos, ou seja, um pequeno número se comparado com a totalidade
de pessoas ali existentes.
Segundo Paroski (2006) o sistema jurídico Grego contribuiu
significativamente para construção do modelo Romano de democracia,
como se observa a seguir:

O sistema jurídico criado pela cultura romana teve forte


inspiração do pensamento grego, influenciando a
construção dos sistemas jurídicos do futuro, hoje
conhecidos como da família romano-germânica. Noções
e princípios importantes nos sistemas contemporâneos,
ligados ao direito e a justiça, foram hauridos do sistema
jurídico romano, [...] O direito romano apresentou
notável desenvolvimento dos institutos jurídicos e da
jurisdição. Inicialmente a solução se dava pela autotutela
(justiça privada), depois pela autocomposição e, em
seguida, pelo modelo de resolução de conflitos através da
escolha de árbitros pelas próprias partes, geralmente
fundada em razões religiosas, sendo imparciais e
traduzindo a vontade das partes (PAROSKI, 2006, p.
224).

Apesar dos avanços adquiridos na Grécia e Roma em relação


ao direito de acesso à justiça, o período subsequente veio a sepultar tais

204
progressos. Foi na Idade Média que a teologia e a fé preponderaram
sobre a razão, resgatando-se a ideia de que um ser supremo é a causa e
o efeito de tudo. Esse período marcou-se pela inquisição, punindo-se
aqueles que se manifestassem contra os ensinamentos da igreja
(MINGATI; RICCI, 2011).
Somente nos séculos XIV e XV, quando estado e igreja
começaram a separar-se, tomou-se lugar o período que ficou conhecido
como Renascimento. As explicações medievais já não vinham mais
satisfazendo os anseios da população, assim, no período da renascença
opta-se por retomar as ideias da Grécia e de Roma, voltando-se ao
passado no sentido de atender as demandas presentes e futuras. Neste
período, prepondera a ideia do humanismo e da fundamentação de que
o direito não estava mais na religião, e sim na razão (PAROSKI, 2006).
Como afirma Mingati e Ricci (2011), após o renascimento o
movimento na busca de maiores garantias sociais ganhou força, e no
século XVIII, conhecido como século das luzes, pregou-se com maior
veemência o pensamento de igualdade de todos perante a lei, de
igualdade religiosa e da livre manifestação do pensamento. Os
iluministas, que criticavam fortemente o regime vigente na época,
ganharam a adesão da burguesia no intuito de reivindicar perante a
aristocracia uma condição de igualdade jurídica, bem como, defendiam
a implantação de um governo constitucional e parlamentar.
Através de lutas, consolidou-se o estado liberal no século XIX
e inicio do século XX, positivando-se nos textos constitucionais a ideia
da igualdade entre os homens. Neste período, o direito de ingressar com
uma ação perante o órgão jurisdicional já estava garantido a todos,
contudo tal direito ainda reduzia-se a pequena parcela que conseguia
arcar com as custas judiciais (MINGATI; RICCI, 2011).
Surge neste período a distinção entre acesso à justiça formal e
material. Neste ponto, as constituições dos estados ocidentais passaram
a se preocupar com o reconhecimento e a efetivação dos direitos
sociais. Citando como exemplo o Brasil, o acesso à justiça só foi
incluído de forma explicita pela primeira vez na Constituição de 19461.

1
Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 4º. A lei não poderá excluir da

205
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Posteriormente, explicando brevemente tal principio nas constituições


brasileiras subsequentes cita (MINGATI; RICCI, 2011):

A Constituição de 1967 previa em seu art. 150, § 4º a


garantia do acesso à justiça, porém, após o golpe militar
foi editada a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de
outubro de 1969, que manteve o dispositivo com a
redação original, porém, no Capítulo V, das Disposições
Gerais e Transitórias, o art. 181, incisos I a III, excluía da
apreciação judicial alguns atos e resoluções praticados
pelo Governo Militar. Também excluiu-se da apreciação
judicial, conforme art. 182, da EC nº 1/1969 e art. 11 do
AI 5/1968, os atos praticados de acordo com o Ato
Institucional nº 5 e Atos Complementares (MINGATI;
RICCI, 2011, p. 6).

Após o período militar, restaurando-se o Estado Democrático,


tem-se a Constituição Federal de 1988 como a maior garantidora do
acesso à justiça, não só em seu aspecto formal, mas também no
material trazendo garantias como a da justiça gratuita, da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, da igualdade, da celeridade
processual, entre outros.
Hodiernamente, segundo concepção adotada pelo Ministério
da Justiça, tal acesso não se resume apenas a inclusão dos segmentos
sociais no processo judicial, mas cabe a ele proporcionar que a
população detenha conhecimento para apropriar-se dos seus direitos.

3 AS ONDAS REVOLUCIONÁRIAS DE ACESSO À JUSTIÇA

Como analisado no tópico anterior, a concepção de acesso à


justiça remodelou-se conforme as transformações sociais, políticas e
jurídicas que nossa sociedade possuiu. Tal acesso foi estudado
profundamente por diversos doutrinadores no intuito de proporcionar a
efetivação desse direito fundamental. Destarte, as discussões
doutrinárias acerca deste direito também se remodelaram conforme os
períodos históricos vividos pela sociedade.

apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.

206
Mauro Cappelletti e Bryant Garth são tidos como uns dos
principais expoentes dentro dos estudos do acesso à justiça. Ambos
dedicaram-se a criação da obra “acesso à justiça”, elaborada a partir do
desenvolvimento de projeto Florença de Acesso à Justiça2 cujo objetivo
era analisar os sistemas judiciais de 23 países3. Ressalta-se que este
estudo foi realizado entre os anos de 1973 a 1978, mas ainda hoje é
usado como uma das principais doutrinas acerca dessa temática.
Ambos buscaram analisar, primeiramente, qual seria o
conceito e quais os obstáculos desse acesso, e posteriormente
identificar as possíveis soluções para os problemas identificados. Com
base nisso, foram desenvolvidas as três primeiras ondas revolucionárias
de acesso à justiça.
O conceito adotado pelos autores tinha o acesso à justiça como
um direito Humano e Fundamental de um sistema jurídico moderno,
objetivando garantir a igualdade de direitos entre todos os cidadãos e
não tê-los apenas como promessas. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Já os obstáculos por eles identificados nas pesquisas
resumiam-se basicamente a três: as altas custas judiciais; a
possibilidade das partes, não só financeira, mas de saber reconhecer
que um direito seu está sendo violado; e a falta de interesse em proteger
os direitos coletivos, pois nem sempre a luta pela garantia desses
direitos refletia na conquista de causas tão vantajosas devido as custas
serem altas o retorno financeiro mínimo.
Com base na identificação de tais obstáculos Cappelletti e
Garth puderam estabelecer um panorama daquilo que poderia ser feito
para promover mudanças. Surge a primeira onda revolucionária
destinada a assistência jurídica aos mais pobres, pois as desigualdades
sociais surgidas em decorrência do estado capitalista promoveu a
exclusão de diversas camadas populacionais da dinâmica não só
econômico-social, mas também jurídica. (SILVÉRIO, 2008). Assim,
propuseram um sistema de assistência gratuita voltado para atender as

2
Relatório geral do projeto foi intitulado de “Access to Justice: The Worldwide
Movement to Make Rights Effective. A General Report”. Publicado em Milan (1978)
3
Austrália, Áustria, Bulgária, Canadá, China, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda,
Hungria, Indonésia, Israel, Itália, Japão, Polônia, União Soviética, Espanha, Suécia,
Estados Unidos, México, Colômbia, Chile e Uruguai.

207
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

demandas daqueles que não tivessem condições financeiras de arcar


com as custas processuais.
A segunda onda revolucionária debruçou-se sobre os interesses
difusos. Percebeu-se que o grande empecilho que norteava os interesses
coletivos estava no fato de, na maioria das vezes, tais direitos
contrariarem os interesses de grandes empresas, ou até mesmo do
Estado (CAPPELLETTI; GARTH, 1988). Desta forma, seria necessária
uma maior atuação não só social, mas o reconhecimento do Estado na
luta por essa garantia.
Por fim, a terceira onda versa sobre o caminho do acesso a
representação em juízo, ou seja, visa propor medidas que combatam a
morosidade processual, bem como, enfatiza a utilização de mecanismos
como a arbitragem, a conciliação e a mediação como alternativas
capazes de proporcionar uma resolução de conflitos mais célere.
Outro doutrinador que adquiriu grande notoriedade no cenário
jurídico referente à temática em estudo foi o professor da universidade
de direito de Exeter na Inglaterra, Kim Economides. Este encarou a
problemática do acesso sob uma perspectiva até então ainda não
desenvolvida. Suas pesquisas ocorreram em comunidades rurais da
Inglaterra, sendo sua obra finalizada no ano de 1999. Como o próprio
destaca:

Considero que a essência do problema não está mais


limitada ao acesso dos cidadãos à justiça, mas que inclui
também o acesso dos próprios advogados à justiça. De
fato, em minha opinião, o acesso dos cidadãos à justiça é
inútil sem o acesso dos operadores do direito à justiça
(ECONOMIDES, 1999, p. 62).

Um dos principais aspectos levantados nos estudos de


Economides é que naquele período o acesso dos cidadãos as carreiras
jurídicas era limitado e, quando estes conseguiam ingressar no ensino
superior deparavam-se com um ensino sucateado. Destarte, a quarta
onda voltou-se para identificar os impasses que impedem a prestação
judiciária de atuar de forma mais efetiva, olhando-se para os operadores
do direito.

208
Entretanto, apesar das obras desses três grandes pesquisadores
do acesso à justiça, contemporaneamente outras demandas começaram
a surgir, não se podendo considerar a quarta onda revolucionária como
a última. Desta forma, formaram-se novas perspectivas voltadas para
concretização e democratização do acesso sob uma perspectiva ainda
mais social, voltado para efetivação do conceito atual que se tem do
acesso a justiça material.

4 O CENÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO ATUAL E O ACESSO


À JUSTIÇA

Novas demandas sociais e estudos doutrinários começaram a


se desenvolver a partir das pesquisas de Cappelletti, Garth e
Economides. Segundo Habermas (1997), apesar da importante
necessidade de buscar mecanismos capazes de proporcionar um acesso
à justiça mais célere, antes de tudo é fundamental que todos os
indivíduos tragam consigo a consciência de serem sujeitos ativos na
construção do Estado.
Diante desse pensamento desenvolvido por Habermas é que se
torna necessários remeter-se ao cenário jurídico brasileiro no intuito de
analisar se as problemáticas evidenciadas pelas quatro primeiras ondas
revolucionárias de acesso à justiça provocaram mudanças, e enfatizar o
que se poderia considerar a quinta onda revolucionária do acesso que
vem sendo discutida entre os pesquisadores nacionais.
Falou-se, inicialmente, neste artigo da concepção de acesso à
justiça adotada pela Constituição Federal de 1988, bem como se
evidenciou a diferença entre justiça formal e material. Contudo, apesar
do reconhecimento de que tal acesso para ser realmente efetivado
necessita de medidas que proporcionem: maior celeridade; condições
que favoreçam os menos abastados a demandar judicialmente;
diminuição da burocracia; maior capacitação para os profissionais;
entre outras, é certo que ainda não é suficiente para que o modelo
material de acesso se concretize.
A questão acima citada deve-se ao fato de que a tendência hoje
é que todo e qualquer conflito passe pelo crivo judiciário, muitos
sequer tentam inicialmente buscar solucionar os conflitos através dos

209
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

meios extrajudiciais. Trata-se do fenômeno da judicialização dos


conflitos (FERREIRA, 2013).
Surgiu-se a preocupação pela expansão do judiciário
brasileiro, ou seja, ampliação da sua estrutura física e de pessoal apto
para atendimento das partes, devido a grande demanda que passou a
aumentar constantemente. Este é o cenário jurídico atual que se
encontra presente no Estado brasileiro, no entanto, apesar da
importância dessas medidas, estas suprirão uma demanda em curto
prazo, pois a tendência é tais procuras aumentarem cada vez mais
(FERREIRA, 2013).
Desta forma, os pesquisadores do acesso à justiça brasileiro
trazem uma nova discussão no intuito de efetivar a justiça e acesso
materiais. Ressalta-se a importância da participação popular na
construção do direito como forma de exercício máximo da cidadania,
contudo para que isso possa ser concretizado é imprescindível que a
população detenha um conhecimento mínimo sobre o mesmo.
Um dos mecanismos capazes de proporcionar essa inclusão é a
criação, conforme afirma Gonçalves e Martins (2013), de políticas
públicas que efetivem o que consta nos Direitos Humanos e
Fundamentais.

As políticas públicas teriam o condão de fomentar a


concretização dos direitos fundamentais prestacionais
que, por sua vez, são instrumentos que possibilitarão a
inclusão social de grupos excluídos, tendo em vista que
aquelas políticas, ao serem instituídas, tem o intuito de
igualizar situações de desigualdades, proporcionando as
mesmas oportunidades (GONÇALVES; MARTIN, 2013,
p. 7).

Existem diversos tipos de políticas públicas, dentre elas cita-


se: as ambientais, de saúde, de cultura, habitacionais, educacionais,
entre tantas outras. Esta última reflete aquilo que se debate como
principal mecanismo capaz de concretizar o acesso à justiça em todos
os seus âmbitos. Para que o acesso à justiça ocorra de forma igualitária
para todos os cidadãos e para que estes possam participar ativamente da
construção das normas que regem o estado, é fundamental que
detenham o mínimo de conhecimento necessário, e este conhecimento

210
só será realmente enraizado se for adquirido na base da formação
cidadã, que é a escola.

5 RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA REALIZADA NA


CIDADE DE CRATO-CE: a educação escolar como base para
efetivação do acesso

Um dos principais ambientes capazes de proporcionar a


democratização do acesso através da educação é a escola. A pesquisa de
campo realizada na cidade de Crato-CE no ano de 2014 objetivou
captar inicialmente as noções básicas de direito dos alunos do ensino
médio de quatro escolas da rede pública de ensino para que se pudesse
estabelecer um parâmetro e consequentemente analisar a real
necessidade dessa nova corrente doutrinária.
Em síntese, a pesquisa se caracteriza como teórica e de campo,
sendo que esta segunda etapa foi realizada através da aplicação de
questionários. Aplicou-se um total de 400 questionários, cada
questionário possuiu um total de nove questões. Quanto a sua natureza
a pesquisa se classifica como qualitativa, possui finalidade básica e
caráter transversal.
A seguir serão apresentados os dados obtidos com a pesquisa.

Questão 1- Identificar a função do Questão 2- Identificar a função do


MP, Fórum, PROCON, Defensoria Advogado, Promotor de Justiça, Juiz,
Pública. Delegado.
Acertaram todas as 186 Acertaram todas as 236
funções funções
Acertaram a função 231 Acertaram a função 381
do Ministério Público do Advogado
Acertaram a função 319 Acertaram a função 226
do Fórum do Promotor de
Justiça
Acertaram a função 269 Acertaram a função 338
do PROCON do Juiz

211
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Acertaram a função 153 Acertaram a função 263


da Defensoria Pública do Delegado
Erraram todas as 49 Erraram todas as 5
funções funções

A duas primeiras questões expostas acima buscaram


identificar se os alunos do ensino médio da cidade de Crato saberiam
distinguir os órgãos básicos da justiça e as profissões exercidas pelos
profissionais do direito. Evidencia-se que o modelo de questão adotada
mostrava uma coluna com as funções do Ministério Público, da
Defensoria Pública, do PROCON e do Fórum e pedia para relacionar
com a outra coluna que trazia as suas respectivas funções. O critério de
escolha desses órgãos foi baseado nas diferentes funções que eles
exercem, bem como, por todos estarem presentes da referida cidade.
Com base nos dados, observou-se que no geral os alunos
conseguem distinguir as funções, isso decorre, principalmente, do fato
de que hodiernamente a necessidade e facilidade de buscar auxílio para
resolver os litígios aumentaram, proporcionando, assim, que a
população menos abastada possa buscar seus direitos. Diante disso, a
família, a escola, a mídia e a própria sociedade já discutem a temática
do acesso à justiça facilitando aos jovens saberem no mínimo distinguir
os órgãos e as funções do profissional do direito.
O gráfico a seguir mostra os resultados da terceira à nona
questão. O modelo de questão adotado, como poderá ser visto mais
adiante foi de perguntas que deveriam ser respondidas com “sim” ou
“não”. Cada pergunta foi pensada no intuito de tentar abranger o maior
número de assuntos da área, para saber se existe uma preponderância
sobre determinados assuntos e não sobre outros.

Q3- EM SUA ESCOLA SÃO DESENVOLVIDAS ATIVIDADES


SOBRE O ENSINO DO DIREITO?
Q4- SE SUA RESPOSTA FOI NÃO NA QUESTÃO ANTERIOR,
VOCÊ GOSTARIA QUE EM SUA ESCOLA FOSSEM
ENSINADAS NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO?

212
A terceira questão confirmou uma das hipóteses levantadas
neste artigo. Na visita as escolas para aplicação dos questionários
constatou-se a presença de disciplinas como a de ética e de cidadania,
voltadas principalmente para construção cidadã dos jovens, fator que
consequentemente deveria possuir na grade curricular lições sobre
direitos e deveres. Contudo, como mostram os dados dessa questão
92% dos participantes afirmaram que não existem atividades de ensino
sobre tal temática.
Analisando-se a Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9.394/96 ressalta-se que esta traz em seu texto a necessidade
de inclusão de conteúdos referentes ao ensino dos Direitos Humanos e
do Estatuto da Criança e do Adolescente na grade curricular das
escolas. No entanto, dificuldades são enfrentadas, muitas vezes, devido
à ausência de capacitação dos professores sobre essas temáticas.
Diante desse déficit enfrentado por alunos e professores,
justifica-se aqui a ideia anteriormente levantada da necessidade de
criação de políticas públicas que visem suprir tal necessidade. O
interesse dos alunos é real, pois 85% afirmaram que gostariam que em
sua escola fosse ensinada noções básicas de direito, falta incentivo não
só da gestão escolar, mas do governo.

Q5- VOCÊ JÁ LEU A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA


FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988?

Sabe-se que a Constituição Federal é a lei maior de um Estado


Democrático de Direito, logo esta deve ser conhecida por todos os
membros desse estado. Entretanto, como se observa nos dados, 86%
dos participantes da pesquisa não a conhecem. Citam-se como motivo
os mesmos evidenciados nas questões anteriores, bem como, reitera-se
que o ambiente escolar é tido como o mais propício para implantação
desse ensino.
Atualmente, segundo dados do senso do IBGE, realizado no
ano de 2010, o Brasil é um país que possui 91% da sua população
alfabetizada, ou seja, se dentro da escola fossem ensinadas essas noções

213
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

teríamos tantos essa porcentagem de brasileiros aptos a atuarem como


cidadãos conhecedores dos seus direitos e deveres.
Conforme estudos da Psicologia do Desenvolvimento4 o
ambiente escolar é tido como um dos principais meios capazes de
construir nos adolescentes uma consciência voltada para o exercício da
cidadania. Nesta fase, esses jovens encontram-se em um período de
formação da sua personalidade e, consequentemente, do seu
posicionamento crítico (BOCK, 2001).

Q6A- O NOSSO DIREITO GARANTE QUE NINGUÉM SERÁ


SUBMETIDO A TORTURA NEM A TRATAMENTO DESUMANO
OU DEGRADANTE?

Q6B- É LIVRE A EXPRESSÃO DA ATIVIDADE INTELECTUAL,


ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E DE COMUNICAÇÃO,
INDEPENDENTEMENTE DE CENSURA OU LICENÇA?

Q6C- A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO PODER


JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO?

Q6D- NINGUÉM SERÁ PROCESSADO NEM SENTENCIADO


SENÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE?

Q6E- NÃO HAVERÁ PENA DE MORTE, SALVO EM CASO DE


GUERRA DECLARADA?

Q6F- A PRÁTICA DO RACISMO CONSTITUI CRIME


INAFIANÇÁVEL E IMPRESCRITÍVEL, SUJEITO À PENA DE
RECLUSÃO, NOS TERMOS DA LEI?

4
A psicologia do desenvolvimento se caracteriza como um ramo que tem a finalidade
de estudar a interação dos processos físicos e psicológicos e às etapas de crescimento,
a partir da concepção até ao final da vida de um sujeito (BOCK, 2001).

214
A sexta questão foi dividida em seis perguntas. O intuito era
identificar se os participantes da pesquisa sabiam o significado de
trechos do nosso texto constitucional. Muitas das leis Brasileiras são
criticadas pela complexidade com que os legisladores elaboram o seu
texto, diante disso, selecionaram-se incisos do artigo 5° da referida lei e
perguntou-se se os alunos achavam que aquela afirmação era
verdadeira ou falsa.
A questão que obteve um maior índice de acertos foi a “6f”
que aborda a prática do racismo como crime inafiançável e
imprescritível. Isso se justifica foi essa ser uma temática bastante
trabalhada no ambiente escolar, já que situações de racismo são
enfrentadas diariamente neste local. Frisa-se aqui o reconhecimento por
essa inclusão das discussões sobre racismo na escola, contudo o leque
de debates deve abranger uma pluralidade de assuntos para construção
ética e cidadã desses adolescentes.

Q7- SOBRE OS QUESTIONAMENTOS ANTERIORES TEVE


ALGUM QUE VOCÊ NÃO COMPREENDEU O QUE
SIGNIFICA?

Outra hipótese que foi comprovada refere-se ao fato de que


75% dos alunos não souberam o real significado das perguntas
realizadas na sexta questão. Muitos não sabiam o significado de
determinadas palavras o que contribuiu para dificultar a compreensão.
Este é o fenômeno conhecido em nosso direito como “juridiquês”,
existindo muitas correntes que criticam essa elitização e exclusão que o
legislador acaba gerando.

Q8- VOCÊ JÁ LEU O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE?

Q9- VOCÊ JÁ ESTUDOU NA SUA ESCOLA SOBRE A LEI DE


DISCRIMINAÇÃO RACIAL?

215
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Novamente entra-se em debate a questão racial e, como se


observa nos dados do gráfico, 68% dos alunos afirmaram que na sua
escola estudaram sobre a lei de discriminação racial. Porém, um
número menor, apenas 40%, afirmaram já terem estudado na sua escola
sobre o ECA.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A democratização do acesso à justiça passou por diversos


estágios até adquirir a importância social e jurídica que possui na
atualidade. Esse direito, como visto no decorrer deste trabalho, sofreu o
impacto não só das transformações históricas, mas também das
construções doutrinárias acerca da sua real eficácia e aplicabilidade.
Apontam-se as ondas revolucionárias como um dos principais
estudos elaborados no intuito de procurar medidas que promovessem
mudanças significativas na construção do acesso à justiça. A busca por
um estado democrático de direito que possibilitasse a consumação da
justiça material foi um fator que vigorou como prioridade nas quatro
ondas revolucionárias desse acesso e que até hoje é o grande alvo das
discussões que permeiam essa temática.
No Brasil, as implicações que essas ondas trouxeram
contribuíram no sentido de modernização dos ideais e dos meios de
proporcionar a justiça material. Outrossim, as medidas extrajudiciais de
resolução de conflitos adquiriam maior adesão, possibilitando-se a
diminuição do número de demandas recebidas pelo órgão jurisdicional.
Entretanto, mesmo diante de tais contribuições ainda enfrenta-se um
sistema composto por inúmeras demandas, sem possibilidade de
atendê-las em tempo hábil.
Com base em tais problemáticas este artigo defende o que se
poderia considerar uma quinta onda revolucionária de acesso à justiça,
voltada para o reconhecimento da importância da população na
participação e construção do direito. Entretanto, isto só se tornaria
eficaz caso o conhecimento do direito fosse democratizado, fator que
proporciona a reflexão sobre o ambiente capaz de promover essa
inclusão.

216
Como visto, com base em estudos da psicologia do
desenvolvimento a escola é um dos principais ambientes capazes de
promover uma consciência cidadã nos jovens. Analisando-se os dados
coletados com a pesquisa de campo constatou-se que o interesse em
adquirir esse saber por parte dos estudantes é nítido, contudo questões
como a falta de capacitação dos professores em relação a essa temática
e o mínimo interesse do Estado em incluir mais uma disciplina na grade
curricular das escolas de ensino médio, contribuem para que o a busca
pela concretização do acesso à justiça material e participativo torne-se
cada vez mais complexo.
Destarte, diante de tais fatores, conclui-se pela necessidade de
inclusão de uma disciplina de direitos e garantias fundamentais no
ensino regular. Esta implementação não versa apenas sobre o âmbito
pedagógico e jurídico, mas do próprio objetivo da Constituição Federal
em formar cidadãos conscientes dos seus direitos e obrigações.

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da psicologia, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 492 p.

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________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 23 dez. 1996.
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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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Getulio Vargas, 1999, p. 61-76. Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br>.
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218
(Mestrado em Direito)-Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2006.

SILVERIO, Karina Peres. O acesso à justiça. Intertemas, Presidente


Prudente, v. 4, n. 9, 2008.

________. O acesso à justiça. Intertemas, Presidente Prudente, v. 4, n.


9, 2008.

219
INTERVENÇÃO RELIGIOSA NO CUMPRIMENTO
DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: a essencial tutela
dos direitos do menor

Franklin Delano Santos Silva

RESUMO: procura analisar a efetividade da prestação de atendimento


religioso em ambientes onde existe cumprimento de medidas
socioeducativas. Leva em consideração os aspectos constitucionais e
legais referentes às garantias do menor em conflito com a lei,
principalmente com relação à liberdade religiosa e de que forma as
unidades socioeducativas e os profissionais que têm contato com esses
jovens lidam com a questão. A pesquisa desenvolvida possui bases
bibliográficas, estudo de caso e utiliza o método dedutivo.

Palavras-chave: Assistência religiosa. Estado laico. Direitos


fundamentais.

ABSTRACT: intends to assay effectiveness of religious services in


establishments that apply socio-educational programs. It takes into
account constitucional and legal issues that guarantee young offenders’
rights, specially the ones that protect liberty of religion, and how socio-
educational establishments and their personnel handle this situation.
The research analyzed law literature and concrete cases, based on
deductive method.

Keywords: Religious services. Lay State. Basic rights.

1 INTRODUÇÃO

Em tempos de apelo midiático e de intenso debate sobre a


redução da maioridade criminal, convém ressaltar a adequada
necessidade de que sejam considerados todos os pontos sensíveis que


Graduando em Direito.

221
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

giram em torno da aplicação das leis processuais nos casos em que


crianças e adolescentes cometem infrações. No mais das vezes, o
clamor popular impede que se veja com clareza a situação distinta que
se dá quando sujeitos em desenvolvimento são postos nos holofotes
policiais, sob apuração de ato infracional, em contato com autoridades
e compelidos a comparecer em audiências judiciais.
O tratamento dispensado a jovens em conflito com a lei – bem
como as medidas socioeducativas pertinentes e suas peculiaridades
processuais – é regrado pela Constituição Federal, pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente e pela Lei n. 12.594/2012, que institui o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e que,
inclusive, altera dispositivos do próprio ECA.
O SINASE se orienta pela uniformização das políticas de
atendimento socioeducativo, manutenção de programas coordenados e
assistência técnica e financeira aos entes federativos; sistematiza as
diretrizes de execução das medidas socioeducativas em atenção aos
princípios que invocam a proteção integral das crianças e adolescentes,
políticas públicas específicas e demais garantias constitucionais.
Compreendidos os jovens e crianças como aqueles em
desenvolvimento de personalidade e valores, sua condição peculiar
invoca a atenção do Estado, da família e da sociedade como entidades
responsáveis pela proteção de seus interesses e na contribuição para sua
formação.

Os princípios e diretrizes da ação socioeducativa são


desdobrados em oito eixos principais, a saber: 1. Suporte
Institucional e Pedagógico; 2. Diversidade Étnico-Racial,
Gênero e Orientação Sexual; 3. Educação; 4. Esporte,
Cultura e Lazer; 5. Saúde; 6. Abordagem Familiar e
Comunitária; 7. Profissionalização/ Trabalho/
Previdência; 8. Segurança (SIMÕES, 2010, p. 21).

Embora não contemple diretamente a assistência religiosa, os


princípios do SINASE não se mostram afastados da atenção aos valores
espirituais dos jovens e de sua potência reformadora. De maneira geral,
a garantia à liberdade se encontra amparada por outros dispositivos
legais e pela própria Constituição; estes, como parte do sistema

222
socioeducativo, fornecem suporte para intervenções dentro dos
sistemas de cumprimento de medidas por crianças e jovens.
Historicamente as medidas socioeducativas só encontraram a
menor condição de efetividade quando se viram orientadas pelos
princípios da prioridade absoluta e da proteção integral como
norteadores de sua aplicação. Articulados, a sociedade civil e os
sistemas estatais atraíram para si a responsabilidade de garantia e
manutenção dos direitos fundamentais.
Assegurar educação, saúde, lazer, segurança e oportunizar
assistência religiosa em harmonia com as crenças pessoais do menor é
essencial não só para prevenir seu conflito com a lei, mas, já em fase de
execução de medida socioeducativa, para que as possibilidades de
inserção social sejam potencializadas e a reincidência não venha a
ocorrer.
É preciso lembrar que, quando se trata do menor inimputável,
a reprovação social de sua conduta não se consubstancia na aplicação
da pena, mas na responsabilização pela lesão decorrente do ato
infracional e sua consequente reparação. Mesmo a medida de
internação, análoga à pena privativa de liberdade, tem por objetivo
oportunizar a (re)educação do jovem dentro de valores construtivos e
socializadores e orientá-lo ao convívio em comunidade. A abordagem
socioeducativa é holística, e recorre à educação formal e profissional, à
prática de atividades esportivas e artístico-culturais, ao atendimento
psicológico e social e à assistência religiosa como meios para a
consecução de seus objetivos.
O procedimento para apuração de ato infracional, além de
seguir o disposto na Seção V do ECA, também está subordinado a toda
a estrutura principiológica do ordenamento jurídico brasileiro, ainda
aquela que se aplique ao processo penal. O princípio da presunção de
inocência estrutura o sistema processual em obediência ao devido
processo legal, à defesa técnica, assistência jurídica gratuita e à
necessidade de que o jovem tome conhecimento de maneira plena do
ato infracional que lhe seja atribuído.
A fase de execução da medida socioeducativa – em especial a
internação, que afasta o jovem do meio social onde vive – também
implica o respeito a uma série de princípios constitucionais, inclusive o

223
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

da liberdade religiosa, objeto do presente estudo. A pesquisa se inclina


sobre se (e como) as medidas de internação de crianças e adolescentes
contemplam a possibilidade de assistência religiosa, e qual a sua
efetividade em alcançar e estabelecer novos parâmetros morais para
esses jovens de modo a inseri-los adequadamente na sociedade.

2 A LIBERDADE E ASSISTÊNCIA RELIGIOSAS SOB A ÉGIDE


CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal declara inviolável a liberdade de


consciência e de crença, e assegura o livre exercício dos cultos,
proteção aos locais onde são praticados e respeito a suas liturgias
(BRASIL, 1988). E garante basicamente quatro esferas da liberdade
religiosa: a liberdade de consciência, de culto, de associação religiosa e
a liberdade de comunicação das ideias religiosas.
A livre consciência alcança um dos mais subjetivos direitos,
conquanto tutele ao indivíduo a possibilidade de se guiar por todos os
valores que considere justos, verdadeiros e sinceros. Quando permeia o
campo das liberdades religiosas, a livre consciência assegura não
somente o direito de se ter uma religião, como o de não se ter crença
alguma. Assim, ateus, agnósticos, espíritas, candomblecistas, católicos
(e outros tantos) têm, indistintamente, constitucional direito de trilhar
quaisquer caminhos que pretendam com base em suas próprias
convicções.
A liberdade de culto surge com a necessidade de
exteriorização da crença, e salvaguarda a prática de ritos, cerimônias e
reuniões. Protege os signos, procedimentos e, em suma, a liturgia de
toda e qualquer religião. É preciso dizer que, por um longo período, o
Brasil permitiu a liberdade de crença, mas não a de culto. A
Constituição Imperial de 1824 (art. 5º) declara que outras religiões, que
não a católica romana, poderiam ser aceitas, desde que seus cultos
fossem particulares.
A associação religiosa como garantia constitucional progride
juntamente com o processo de laicização do Estado brasileiro. Quando
da distinção entre Igreja e Estado, as entidades religiosas foram
conduzidas da esfera pública à privada. O culto, uma das práticas

224
ritualísticas inerentes à religião, envolve a reunião de duas ou mais
pessoas para comunicação e compreensão espiritual, e, por
mandamento constitucional, cabe ao Estado não apenas deixar de
intervir nessa associação como garantir que ela seja preservada.
Por fim, a comunicação de ideias religiosas permite a prática
do proselitismo, que se configura como a tentativa de conversão do
indivíduo através do discurso ou da catequese. Professar a fé e difundi-
la também é garantia constitucional, desde que respeitadas as crenças e
individualidades daqueles a quem se aborda.
A prática do proselitismo é o que oportuniza, por exemplo, que
membros de comunidades religiosas se aproximem de estabelecimentos
onde são cumpridas medidas socioeducativas e promovam intervenções
no processo de recuperação de menores em conflito com a lei.
Também é o que, em audiências judiciais e extrajudiciais, facilita o
contato mais próximo de magistrados e profissionais do Direito com
esses jovens, quando normalmente há aconselhamento ou aplicação da
medida de advertência.
O inciso VII do art. 5º da CF, embora não trate
especificamente da assistência religiosa em ambiente socioeducativo,
prevê analogamente sua prestação em ambientes onde é aplicada a
privação de liberdade como “nas entidades civis e militares de
internação coletiva”. A Constituição, no art. 19, veda a todos os entes
federativos o estabelecimento de cultos religiosos, a obstrução ao seu
funcionamento e a manutenção de relações de dependência ou aliança,
desde que essa colaboração tenha por fim o interesse público.
A exceção apresentada pelo dispositivo constitucional, em
simbiose com os mecanismos previstos pelo ECA em seus arts. 94 e
124 – que versam sobre a obrigação de as entidades de internação
prestarem assistência religiosa aos socioeducandos e a garantia de que,
privado da liberdade, o jovem tenha direito a amparo religioso de
acordo com suas crenças – é o que possibilita a inserção de grupos e
entidades confessionais.

225
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

3 O PERFIL DO SOCIOEDUCANDO EM CUMPRIMENTO DE


MEDIDA DE INTERNAÇÃO

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2012) 1, 6


em cada 10 jovens que cumprem medida socioeducativa de internação
no Brasil têm entre 15 e 17 anos. Em todas as regiões do país, o
primeiro ato infracional é majoritariamente cometido por adolescentes
com mais de 15 anos e 52% de todos os atos infracionais correspondem
a crimes contra o patrimônio. O roubo é a causa principal na lista de
infrações com consequência na internação (36%), seguido pelo tráfico
de entorpecentes (24%) e pelo homicídio (13%).
Os índices levantados pelo Conselho Nacional de Justiça
transparecem a realidade de um massivo número de crianças e
adolescentes que vivem em regiões periféricas, marginalizadas, em
estruturas familiares deficientes e cujo acesso a serviços básicos como
educação se dá de maneira incompleta ou tardia.
Entre os jovens entrevistados, 14% já eram pais e 47% haviam
sido criados em famílias monoparentais. A repetição de uma formação
familiar onde apenas um responsável pelo menor também é o provedor
da família reflete outros problemas relativos às dificuldades na
formação dessas crianças e jovens. O contato com substâncias
psicoativas também é relato frequente entre os internos, considerando
que 3/4 deles declararam que faziam uso de drogas ilícitas, maconha e
cocaína como as mais citadas.
O ECA prevê que as entidades responsáveis por programas de
internação estejam obrigadas a promover a educação formal e
profissional do adolescente que se encontra em cumprimento de medida
socioeducativa com privação de liberdade. A obrigação reflete,
inclusive, uma realidade dos jovens internados, alfabetizados numa
proporção de menos de 10 para 100 – observado ainda que mais da
metade do total declarou não frequentar a escola antes de ingressar na
unidade e a última série cursada por 86% deles estava compreendida no
período do ensino fundamental.
Além das atividades educacionais, a rotina da instituição deve
incluir um programa de tarefas e ocupações que estimulem a
1
Todos os dados desta seção são fruto deste mesmo levantamento.

226
potencialidade dos jovens e se configurem verdadeira jornada
pedagógica rumo ao desenvolvimento e à conquista da inserção social
de que foram um dia privados. A execução do projeto envolve não só a
participação dos socioeducadores e dos menores internos, mas também
dos coordenadores dos cursos de formação profissional, professores,
membros de entidades religiosas, cidadãos da comunidade local etc.
As atividades externas contemplam 69% das internações em
todo o país, e assumem um dos sustentáculos do sistema
socioeducativo, uma vez que põem os menores em contato com práticas
pedagógicas prazerosas e variadas. O ambiente precisa (e deve) se
afastar ao máximo da ideia de prisão e se tornar cada vez mais
acolhedor, inclusive para que as evasões sejam evitadas.
Conforme se depreende do gráfico abaixo (CNJ, 2012), a
estrutura e o pessoal compõem peças importantes para a manutenção de
uma instituição mais adequada a sujeitos em condição peculiar de
desenvolvimento. Mas as adequações físicas limitam-se quase
exclusivamente a garantir o que se considera essencial à formação dos
internos. Outras necessidades, como as práticas confessionais e o
desenvolvimento da espiritualidade, acabam encontrando pouco
amparo e, consequentemente, as estruturas de apoio para essas
atividades se apresentam em proporção menor.

227
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

4 A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA RELIGIOSA NOS


SISTEMAS DE SEMILIBERDADE E INTERNAÇÃO

O art. 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a


aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade em dois vieses:
instituído desde o princípio ou como transição para o meio aberto. A
semiliberdade surge como alternativa à medida de internação,
conquanto prive parcialmente o adolescente de sua liberdade, mas
ainda o ponha em contato com a comunidade.
A internação, por sua vez, é a última entre as opções de
aplicação de medida socioeducativa. Marcos Bandeira (2006, p. 183)
compreende que “é sem dúvida a forma mais drástica de intervenção
estatal na esfera individual do cidadão, pois o poder sancionatório do
Estado alcança o jus libertatis do adolescente, o maior bem que se
possui, depois da vida”.
A aplicação de qualquer medida privativa de liberdade deve
observar os princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito
à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A
excepcionalidade, segundo o ECA (art. 122, § 2º), prevê que a
privação de liberdade deva surgir como medida última, quando
esgotadas todas as opções de reparação do dano e recuperação do
menor. A brevidade se insere na compreensão de que, como a
internação é a mais grave entre as medidas socioeducativas e lesa um
rol de liberdades do jovem, deve ser aplicada pelo menor tempo
possível (desde, é claro, que já tenha cumprido seu papel na
recuperação do menor infrator).
Além da educação, dos esportes, das artes e da capacitação
profissional, a espiritualidade e a religião assumem, no processo de
aplicação da medida socioeducativa, um papel decisivo na formação
moral do jovem assistenciado, mostrando-se capaz de integrá-lo no
meio em que vive – em especial no sistema de semiliberdade, onde
ele terá contato com a comunidade enquanto cumpre a medida.
A prática de intervenção religiosa em cumprimento de medida
socioeducativa, por conta disso, passou a se tornar timidamente mais
usual. Esses métodos, porém, carecem sempre de atenção e delicadeza
quando da sua aplicação, em especial pela necessidade de que eles

228
sejam supervisionados e não venham a ofender as liberdades
individuais do menor.
Pedro Simões (2012) demonstrou, em estudo, a atividade dos
profissionais do Direito com respeito à adoção de princípios religiosos
em suas relações com os adolescentes do estado do Rio de Janeiro. O
papel dos magistrados ganha atenção aqui, porque são eles os principais
responsáveis pela avaliação da necessidade e duração do cumprimento
das medidas socioeducativas e também os que mais têm contato com os
menores quando da aplicação de quaisquer dessas medidas (da
advertência à internação).
Um dos juízes realizava audiências públicas semanais em que
os adolescentes em regime de semiliberdade deveriam comparecer. O
ambiente, a unidade de semiliberdade do sistema, era decorado com
imagens sacras e as audiências ocorriam com a leitura de textos de
conteúdo evangelizador. Ainda que não declaradas as intenções
dogmáticas, o magistrado se valia de suas prerrogativas legais, para, em
constrangimento do menor e de seus responsáveis, aplicar uma
perspectiva própria do que seria educação moral. Havia descrença por
parte dele de “qualquer proposta de socioeducação que reafirme valores
cívicos e que não estejam ‘impregnados’ de conotação religiosa.”
A posição que os magistrados abordados pela entrevista
assumiam era, via de regra, a de tutores dos jovens. Partindo do
pressuposto de que “os adolescentes que chegam ao sistema estão
perdidos, necessitados de orientação” e que “a fé ajuda sempre que se
está em desespero”, a religião acaba por se confundir com a própria
prática socioeducativa, numa avaliação que não contemplava os
interesses do menor ou suas particularidades.
Nessas condições, o discurso de autoridade acaba se
deturpando e cria discrepâncias entre a interpretação dos profissionais
do Direito sobre a lei e a real garantia que existe sobre os conceitos de
liberdade religiosa e de crença.
Nos sistemas de internação, onde o contato com o meio
externo inexiste durante o cumprimento da medida, o acesso à
assistência religiosa depende cada vez mais da administração dos
estabelecimentos socioeducativos e dos grupos religiosos que deles se
aproximam. A oferta de atividades religiosas é solicitada por entidades

229
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

cristãs, em sua maioria, e são também estas as mais procuradas pela


diretoria das unidades. Em algumas situações, a gestão não favorecia a
aproximação de novos grupos à unidade porque se consideravam
bastantes aqueles que já atuavam (SIMÕES, 2010).
Também houve a desistência de uma autoridade religiosa em
atuar no estabelecimento porque havia apenas um adolescente a ser
atendido por ele. A despeito de toda a regularidade no atendimento,
houve desinteresse em se prestar assistência a apenas uma pessoa. A
inviabilidade da intervenção se expressa na necessidade de difusão da
fé e dogmas, em detrimento de um atendimento voltado às necessidades
específicas de cada interno.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais e as garantias processuais aplicam-


se, inequivocamente, ao menor em conflito com a lei ainda com mais
veemência do que com relação aos imputáveis, considerando toda a
sistemática axiológica concebida pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente e consubstanciada no Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo.
O respeito às liberdades individuais e à condição peculiar do
menor fizeram emergir do ordenamento normas sustentadas pelos
princípios da prioridade absoluta, da convivência familiar, da brevidade
e excepcionalidade da medida privativa de liberdade e do sigilo
processual. Todas elas convergem a família, sociedade e Estado para a
preservação dos interesses do menor e fomento a um ambiente –
material e afetivo – salubre onde eles, as crianças e jovens, possam se
desenvolver em toda a sua plenitude.
A materialização de oportunidades surge não só como medida
preventiva à infração, mas, com maior razão, quando a harmonia da
microestrutura social se encontra prejudicada e o menor colide com a
norma penal.
Quando a medida socioeducativa é aplicada, em especial nos
casos de semiliberdade e internação, toda a estrutura estatal (e também
a comunitária) precisa estar apta a preparar o jovem à adequada
inserção em sociedade. A unidade de internação se concentra como

230
estrutura primordial dentro desse processo, já que passa a ser o novo
ambiente de acolhimento e vivência em que o menor fora
compulsoriamente inserido por força de decisão judicial.
A estrutura da unidade e a abordagem pedagógica devem ser
pautadas em valores construtivos e que se adequem às peculiaridades
de cada interno, inclusive sua liberdade de crença. Mas o que ocorre, ao
contrário, é o descumprimento de muitas dessas garantias ainda em fase
de apuração do ato infracional.
O contato com magistrados muitas vezes envolve o
estabelecimento de relações verticais, onde o menor se vê constrangido
e o juiz se utiliza de prerrogativas legais para extrapolar suas
atribuições e aconselhar o adolescente com base em seus valores
pessoais e em princípios religioso-dogmáticos que não se harmonizam
com as convicções do menor.
Já na privação de liberdade, a prestação de assistência
religiosa no sistema socioeducativo evidencia uma carência não só
estrutural – considerando que apenas 18% de todos os estabelecimentos
tinham um local específico para que se realizasse esse tipo de
intervenção (CNJ, 2012) – mas também relativa à discricionariedade
com que os gestores das unidades elegem os grupos religiosos que irão
ter contato com os menores internos.

A forma de implantação dos trabalhos de assistência


religiosa evidencia um duplo movimento: de um lado os
agentes institucionais buscando os grupos religiosos para
a implantação dos trabalhos; de outro, os grupos
religiosos buscando as instituições para implantar seus
trabalhos. Em nenhum caso buscou-se identificar qual a
importância da religião para os adolescentes como
pressuposto para a implantação das atividades de
assistência religiosa (SIMÕES, 2010, p. 48).

O critério não contempla as necessidades dos internos, vez que


se constitui ato meramente administrativo. Os gestores elegem entre
estes grupos religiosos aqueles que mais considerem adequados à
instituição e lhes permitem acesso. E a assistência, por sua vez, ainda
está organizada num sistema de capelania onde mais vale a catequese
do que a intervenção caso a caso, respeitadas as crenças,

231
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

individualidades e objetivos de cada jovem.


Garantir a essas crianças e adolescentes a segurança um
devido processo é certificar-se de que não só as garantias processuais se
encontrem atendidas, mas que a medida socioeducativa, uma vez
aplicada, seja uma experiência menos danosa possível. Pelo contrário,
que ofereça as bases para uma construção humana digna e cada vez
mais capaz de transformá-los em cidadãos condutores de suas próprias
histórias.

REFERÊNCIAS

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uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006.

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Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
Disponível em: <https://goo.gl/tmj61R>. Acesso em: 26 abr. 2017.

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(SINASE). Brasília, DF: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA), 2006.

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Brazil. Rio de Janeiro: Senado, 1824. Disponível em:
<https://goo.gl/9BcMnK> Acesso em: 20 fev. 2017.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos


humanos, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

DUPRET, Cristiane. Curso de direito da criança e do adolescente, 3.


ed. Belo Horizonte: Letramento, 2015.

232
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do
Direito, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal, 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.

OLIVEIRA, Fábio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no


ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, jul. 2010.
Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso
em: 24 fev. 2017.

ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA,


Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente: comentado
artigo por artigo, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a


uma leitura externa do direito, 4. ed. São Paulo: RT, 2008.

SIMÕES, Pedro. Assistência religiosa no sistema socioeducativo: a


visão dos operadores do direito. Religião e sociedade, Rio de Janeiro,
v. 32, n. 1, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/LdGmr9>. Acesso
em: 15 fev. 2017.

SIMÕES, Pedro (org.). Filhos de Deus: assistência religiosa no sistema


socioeducativo. Rio de Janeiro: ISER, 2010.

233
ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA LEI
BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA

Gabrielle Sarah da Silva Bezerra


Mário Fillipe Cardoso de Abreu

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo apresentar as


perspectivas atuais e os direitos da pessoa com deficiência para um
devido acesso à justiça. Analisa-se o conceito de acesso à justiça e a
maneira pela qual ocorre esse acesso à pessoa com deficiência no
âmbito do órgão jurisdicional. Além disso, aborda-se o reconhecimento
da igualdade das pessoas que apresentam alguma deficiência sob o
enfoque da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (Decreto nº 6.949/09) e a Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) que
trouxeram um arcabouço jurídico com normas que preconizam a
autonomia e a igualdade dessa pessoa. Deste modo, mostram-se
algumas barreiras existentes ao acesso à justiça e quais os direitos que
são assegurados à essa pessoa em condições de igualdade com as
demais. Ao final, conclui-se que a garantia do amplo acesso à justiça
para pessoa com deficiência teve uma notória conquista por meio da
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, cabendo ainda
uma maior solidez dos órgãos jurisdicionais na devida aplicação da
dignidade da pessoa humana através desse acesso.

Palavras-chave: Acesso à justiça. Pessoa com Deficiência. Lei


Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Barreiras.

ABSTRACT: The purpose of this study is to present the current


Advogada, Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Mestranda do Mestrado
Profissional em Planejamento e Políticas Públicas – UECE.

Assistente Jurídico do 24º Juizado Especial da capital. Advogado licenciado.
Especialista em Direito Civil e Empresarial. Mestrando do Mestrado Profissional em
Planejamento e Políticas Públicas – UECE.

235
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

perspectives and the rights of persons with disability to due access to


justice. By analyzing the concept of access to justice and the way such
access is dealt with by the courts to persons with disability. In addition,
it addresses the recognition of the equality of persons with disabilities
under the focus of the International Convention on the Rights of
Persons with Disabilities (Decree No. 6.949/09) and Law No. 13,146 of
July 6, 2015 (Law Brazilian Association for the Inclusion of Persons
with Disabilities) that have brought a legal framework with norms that
advocate the autonomy and equality of these persons. Therefore, there
are some barriers to access to justice and what rights are guaranteed to
that person on an equal basis with others. In conclusion, the guarantee
of the wide access to justice for persons with disabilities had a notable
achievement through the Brazilian Law on Inclusion of Persons with
Disabilities, and that there is a greater solidity of the courts in the
proper application of the dignity of the human person through its
access.

Keywords: Access to justice. Persons with Disability. Brazilian Law on


Inclusion of Persons with Disabilities. Barriers.

1 INTRODUÇÃO

O acesso à justiça deve ser compreendido como um direito


fundamental garantido a todo e qualquer cidadão, independentemente
de raça, cor, sexo, religião. Contudo, nota-se que o supramencionado
acesso nem sempre é tutelado à sociedade, tampouco à pessoa com
deficiência, mesmo sendo essa mais vulnerável às mazelas das relações
jurídicas.
A relevância deste estudo existe para que se possa
compreender a dimensão do reflexo da Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) perante à
sociedade, sendo assim possível analisar o quanto o aludido dispositivo
pode fomentar pelo fim das barreiras, e, consequentemente preservar o
devido acesso à justiça a essa pessoa.
Por conseguinte, o presente artigo tem-se como objetivo
analisar a situação do acesso à justiça à pessoa com deficiência,

236
expondo sobre o conceito desse acesso, o reconhecimento de igualdade
a partir da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, além
das barreiras existentes no órgão jurisdicional.

2 O ACESSO À JUSTIÇA

A própria nomenclatura “acesso à justiça” tem distintos


significados, uma vez que pode sofrer alterações conceituais a depender
do sujeito que estará analisando. Porquanto, para que se possa
compreender o acesso à justiça em seu sentido latu sensu, é necessário
analisar os sujeitos que compõem o Poder Judiciário e suas
perspectivas iniciais do sentido de ter esse tipo de acesso, sobretudo em
relação à pessoa com deficiência.
Inicialmente, na acepção da estrutura judiciária, esse acesso à
justiça deve, prioritariamente, ser concebido à sociedade
independentemente do conflito existente, bem como da matéria a qual
está sendo dirimida, isto é, não deve haver restrições judiciais seja no
âmbito civil, penal, trabalhista, previdenciário, fazendário, tributário,
familiar, militar e eleitoral.
Ademais, o Judiciário não pode tolher os interesses da
sociedade diante da existência de faixa etária, porquanto tanto crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos1 detêm dos mesmos direitos
fundamentais, devidamente resguardados na Constituição Federal de
1988 e, nas respectivas leis infraconstitucionais.
Mauro Cappelleti e Bryant Garth, na obra clássica “Acesso à
Justiça”, abordam que:

[...] o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como


o requisito fundamental – o mais básico dos direitos
humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário

1
Conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é considerada
criança aquela pessoa com até doze anos incompletos; ao passo que o adolescente é
aquela pessoa que tem entre doze e dezoito anos de idade. Já o jovem é aquele que
está na idade compreendida entre quinze e vinte e nove anos, nos termos do Estatuto
da Juventude (Lei nº 12.852/2013). Além disso, está inserido no contexto de adulto
aquele que tem entre trinta e cinquenta e nove anos; e, idoso, aquele que tem sessenta
anos ou mais, como dispõe o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03).

237
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos


de todos (CAPPELLETI; GARTH, 1998, p. 5).

Desse modo, percebe-se que o acesso à justiça é considerado


um direito fundamental, porquanto no momento em que há barreiras
que venham a dificultar o ingresso de uma ação judicial,
consequentemente, a dignidade humana do cidadão é maculada.
O aludido direito fundamental resta devidamente caracterizado
quando o cidadão tem acesso amplo e irrestrito à justiça, isto é, não
basta apenas que o Judiciário garanta o ajuizamento de uma ação, mas
resta imprescindível que essa demanda seja dirimida de forma célere,
sobretudo respeitando o devido processo legal; sendo ainda necessário
que haja um resultado prático.
Ademais, compreende-se também que o acesso à justiça
depende de qualificação profissional, tanto no âmbito dos servidores
públicos que devem estar aptos para recepcionarem os jurisdicionados,
quanto na esfera da advocacia, uma vez que estes são fundamentais, na
defesa dos direitos e deveres da sociedade, independentemente da
espécie do conflito existente. Neste jaez, a Constituição Cidadã perfaz
em seu art. 133, que “o advogado é indispensável à administração da
justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da
profissão, nos limites da lei”, sendo tal preceito ratificado no art. 2º, da
Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do
Brasil).
Outrossim, deve-se compreender que o acesso à justiça está
em constante rotação, porém antes de se ofertar um serviço ao cidadão,
resta necessário que haja uma atenção primordial na concessão dos
direitos da pessoa com deficiência.
Diante das inúmeras esferas judiciais, pode-se verificar, no
âmbito da justiça comum, especificamente na seara dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais estaduais, que o cidadão pode ingressar
com uma demanda judicial sem a necessidade de assistência obrigatória
de um advogado, sendo assim propiciada uma maior facilitação no
acesso à justiça. No entanto, antes mesmo da entrada em vigor da Lei
nº 9.099/95 restava necessária capacitar os servidores, com o fito de
esses terem conhecimento ou domínio de como facilitar a comunicação
e o acesso da pessoa com deficiência nos juizados especiais, porquanto

238
após mais de 20 anos de existência da supramencionada lei, percebe-se
que inexiste profissionais habilitados, na recepção dessas pessoas com
deficiência, tampouco os sistemas virtuais conseguem garantir à pessoa
com deficiência o devido acesso à justiça.
Uma das principais violações constitucionais que ocorre no
Poder Judiciário refere-se à inexistência de acesso à justiça a essa
pessoa com deficiência, seja essa de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial. São inúmeras as barreiras enfrentadas pela pessoa com
deficiência, visto que a estrutura física atual do Judiciário brasileiro não
consegue atender em sua plenitude o devido acesso, seja em
decorrência de problemas estruturais, seja devido à ausência de
servidores capacitados para atender as pessoas com deficiência, mesmo
diante de clara previsão no art. 79, da Lei nº 13.146 (Estatuto da Pessoa
com Deficiência), in verbis:

Art. 79. O poder público deve assegurar o acesso da


pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, garantindo,
sempre que requeridos, adaptações e recursos de
tecnologia assistiva.
§ 1o A fim de garantir a atuação da pessoa com
deficiência em todo o processo judicial, o poder público
deve capacitar os membros e os servidores que atuam
no Poder Judiciário, no Ministério Público, na
Defensoria Pública, nos órgãos de segurança pública e
no sistema penitenciário quanto aos direitos da pessoa
com deficiência (grifo nosso).

3 IGUALDADE DE RECONHECIMENTO DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIAPERANTE A LEI

A Convenção Internacional de 2007 sobre os Direitos da


Pessoa com Deficiência de Nova York constitui um marco histórico na
garantia e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e em
particular da pessoa com deficiência. Ela foi ratificada e promulgada
em 2009 no Brasil e internalizada conforme o preceito Constitucional
do artigo 5º, §3º, tendo eficácia de emenda constitucional. O Brasil ser
um dos países signatários deste tratado de Direitos Humanos foi

239
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

fundamental, no movimento de luta dessa pessoa. Assim, a partir da


Convenção, há exatamente dez anos, o conceito de Deficiência vem
evoluindo em seu sentido. Dessa maneira a Convenção Internacional
conceitua deficiência em seu art.1º:

Considera-se pessoa com deficiência aquela "que tem


impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdades de condições com
as demais pessoas.”

Pode-se afirmar que a nova interpretação do conceito de


deficiência, não mais compreende a deficiência como uma condição
estática e biológica da pessoa, mas como o resultado da interação das
barreiras impostas pelo meio com as limitações de natureza física,
mental, intelectual e sensorial do indivíduo. Neste sentido, a deficiência
deixa de ser um atributo da pessoa. Passa a ser, portanto, o resultado
das respostas inacessíveis que a sociedade e o Estado dão as limitações
e diversidades de cada indivíduo.
O supramencionado tratado também garantiu o
reconhecimento igual da capacidade legal da pessoa com deficiência
em seu artigo 12, itens 1 e 2:

Artigo 12: 1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas


com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em
qualquer lugar como pessoas perante a lei.
2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com
deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas em todos os aspectos
da vida.

Esse reconhecimento da capacidade plena foi reafirmado pela


Lei nº13.146, de 6 de julho 2015, Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto
da Pessoa com Deficiência –LBI. Essa lei passou a vigorar em 02 de
janeiro de 2016 e representa um avanço importante para o cumprimento
das normas internacionais, sobretudo, na esfera nacional.
A LBI, por meio de seus preceitos garante a inclusão social da

240
pessoa com deficiência, com a finalidade de acabar com as barreiras
existentes para esses indivíduos, principalmente as barreiras atitudinais
que, conforme o art. 3º, inciso IV da lei em comento: “[...] são atitudes
ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social
da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades
com as demais pessoas.”
Para a efetivação ao acesso à justiça, a LBI trouxe mudanças
na capacidade civil da pessoa com deficiência, visando, em condições
de igualdade, à inclusão social e à cidadania dessas, assegurando, desta
forma, o reconhecimento de igualdade dessa pessoa perante a lei para
desempenhar sua capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas. A partir da LBI, vários artigos do Código Civil de 2002
foram alterados, bem como toda a teoria das incapacidades.

4 BARREIRAS E DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA DA


PESSOA COM DEFICIÊNCIA

As mudanças na capacidade civil ratificam a premissa de que a


pessoa com deficiência não é incapaz para exercer seus direitos e nem
precisa de limitações legais para exercer seus atos civis e,
principalmente de ser sujeito e de ser parte processual.
Desta maneira, essa pessoa possue capacidade processual
plena, salvo se houver institutos processuais protetivos, como a curatela
total, somente nesses casos haverá a necessidade dessa ser assistida, por
seu curador, para que haja a regularidade de representação processual,
conforme preconiza o artigo 71 do Código de Processo Civil de 2015.
No entanto, durante todo o processo, os interesses da pessoa curatelada
devem ser sempre resguardados, caso isso não ocorra e haja um
conflito de interesses com o assistente ou representante, deverá ser
nomeado um curador especial.
Para que a pessoa com deficiência tenha garantidos os seus
direitos fundamentais, e um deles é o acesso à justiça, é necessário que
existam subsídios estruturais que garantam a efetivação desse direito
fundamental. O doutrinador Rogério Sanches explica que não basta
uma integração dessa pessoa na sociedade, mas a sua verdadeira
inclusão social:

241
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

[...] desdobra-se, portanto, da dignidade humana a


garantia de inclusão social, jurídica e judicial da pessoa
com deficiência. No ponto, releva advertir que incluir não
significa, tão somente, evitar a discriminação (permitindo
que a pessoa com deficiência alcance, por méritos
próprios, os seus fins), mas, por igual, criar mecanismos
para que tais seres humanos possam acessar, sem
embaraços, o Poder Judiciário (SANCHES, 2016, p.
216).

Dessa forma, a Lei Brasileira de Inclusão preceitua em seu


artigo 79, que o direito ao acesso à justiça deverá perpassar por todo
processo judicial, garantindo a atuação da pessoa com deficiência como
sujeito processual. Para que isso seja concretizado, a Lei em comento
preconiza a qualificação dos membros e servidores que atuam e
compõem o Poder Judiciário, incluindo a estruturação de todos os
órgãos e Tribunais para o devido cumprimento dos direitos das pessoas
com deficiência.
Além dessa qualificação, em todas as esferas do Poder
judiciário, devem ser garantidas a acessibilidade e a igualdade da
pessoa com deficiência, retirando todas as barreiras existentes, tais
como as arquitetônicas e as barreiras de comunicação, por meio de
recursos de tecnologias assistivas. A acessibilidade também é uma
garantia a essa pessoa submetida à medida restritiva de liberdade, bem
como todos os demais direitos e garantias aos apenados, conforme
preconizam os artigos 79 e 80, da LBI.
A LBI garante o acesso aos conteúdos de todos os atos
processuais para a pessoa com deficiência, inclusive no exercício da
advocacia. No entanto, o advogado com deficiência ainda encontra
obstáculos para exercer sua profissão de forma plena, tendo em vista
que os processos judiciais eletrônicos ainda não são totalmente
acessíveis e adequados às pessoas com deficiência. Um exemplo dessas
barreiras nos processos eletrônicos é um trecho da liminar concedida,
em 2014, pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo
Lewandowski a uma advogada com deficiência visual, a saber:

242
[...] Assim, é de se ter em conta a obrigação de o Estado
adotar medidas que visem a promover o acesso das
pessoas portadoras de necessidades especiais aos sistemas
e tecnologias da informação e comunicação, sobretudo de
forma livre e independente, a fim de que possam exercer
autonomamente sua atividade profissional. Entendo,
portanto, presentes a plausibilidade das alegações
contidas na inicial e, também, o periculum in mora. Isso
porque a exigibilidade de peticionamento eletrônico
como única forma de acesso ao Poder Judiciário, sem que
os sistemas tenham sido elaborados com base nas normas
internacionais de acessibilidade web, impede o livre
exercício profissional da impetrante (MS 32.751-DF).

Outra barreira encontrada pela pessoa com deficiência para um


devido acesso à justiça é a falta de suporte para a atuação dela como
testemunha processual, tendo em vista que a legislação pátria sobre
esse assunto é dissonante a uma inclusão prática. Isso pode ser
observado no que alude o artigo 192, do Código de Processo Penal:

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do


surdo-mudo será feito pela forma seguinte:
I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas,
que ele responderá oralmente;
II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente,
respondendo-as por escrito;
III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por
escrito e do mesmo modo dará as respostas.
Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou
escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob
compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

Essa norma supracitada se encontra totalmente ultrapassada e


inapropriada, além de ser discriminatória, porquanto vai de encontro
com as normas especificas a pessoa com deficiência, especialmente a
com deficiência auditiva. Hoje, sabe-se que a pessoa surda pode falar,
ou seja, não é muda, salvo algumas exceções, também cumpre informar
que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como meio
legal de comunicação e expressão das comunidades surdas, de acordo
com a Lei nº 10.436 de 2002, sendo oficialmente reconhecida como a

243
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

primeira língua dessa pessoa, a qual não é obrigada a saber o português


e principalmente na modalidade escrita, pois o português é considerado
a segunda língua. Assim, o uso das LIBRAS deve ser garantido pelo
Poder público e quando necessário deverá ser disponibilizado o serviço
de intérpretes e tradutores de libras, conforme normas atuais da LBI.
Neste contexto, em relação à testemunha que possua alguma
deficiência, a LBI alterou o artigo 228, do Código Civil, revogando os
incisos II e III, que não permitia ao surdo atuar como testemunha em
razão da sua deficiência. Além disso, foi incluído neste artigo o
parágrafo segundo, o qual assegura a igualdade da pessoa com
deficiência para atuar como testemunha, bem como todo suporte
necessário para esse fim.
Desta feita, para garantir o acesso à justiça a testemunha que
seja pessoa com deficiência, devem ser oferecidos todos os recursos de
tecnologia assistiva, tais como interpretes, guias, ledores e outros
apoios necessários assegurados pela legislação internacional e nacional
de acessibilidade.
Assim, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por meio da
Resolução nº 230 de 2016, preconizou algumas orientações a fim de
efetivar a adequação das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de
seus serviços auxiliares em relação às determinações exaradas pela
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e pela LBI, propondo em seus 34 artigos algumas medidas
de inclusão da pessoa com deficiência, seja ela servidor público, parte
processual ou advogado. O artigo 3º da Resolução dispõe que medidas
urgentes e apropriadas deverão ser adotadas para promover a igualdade
e eliminar as barreiras existentes à pessoa com deficiência. Já o artigo
4º apregoa as atividades que o Poder Judiciário deverá promover para
dar acessibilidade e por consequência efetivar um maior acesso à
justiça à essa pessoa.
Por fim, o descumprimento das normas trazidas pela
Convenção da ONU e da LBI para garantir a inclusão da pessoa com
deficiência, bem como qualquer ação ou omissão que cerceie os
direitos da pessoa em razão da sua deficiência pode ser configurada
como discriminação, que é considerado crime, conforme artigo 88, da
LBI sob pena reclusão e multa. Essas sanções penais trazidas pela LBI

244
são necessárias para que as barreiras existentes à essa pessoa sejam
sanadas, principalmente aos obstáculos que cerceiam o direito dessa
pessoa a um devido acesso à justiça.

5 CONCLUSÃO

O acesso à justiça é um direito fundamental e este deve ser


garantido a todos, especialmente aquele que possue alguma deficiência,
tendo em vista que essa pessoa tem uma história de predominante
exclusão social e vulnerabilidade, devendo ter o apoio do Poder
Judiciário para que seus direitos sejam concretizados.
No Brasil, antes da Convenção da ONU e das recentes
mudanças legais advindas da LBI, a pessoa com deficiência tinha seus
direitos basilares limitados por uma legislação que não motivava a
autonomia e a participação cidadã desse indivíduo, sendo considerada
pessoa incapaz de realizar os atos da vida civil ou mesmo de ser parte
processual.
No entanto, para uma afirmação concreta de uma capacidade
plena e de uma garantia de todos os direitos fundamentais à pessoa com
deficiência, a legislação pátria precisa com urgência estar em
consonância com as normas internacionais da Convenção da ONU e da
LBI. Além disso, o Estado, juntamente com a Defensoria Pública e o
Ministério Público deverão tomar as medidas necessárias ao
cumprimento das políticas públicas de acessibilidade.
Por fim, um país democrático é aquele que promove medidas
de inclusão aos seus cidadãos e para o Brasil começar a promover essa
realidade, uma das primeiras medidas é a garantia de um adequado
acesso à justiça às pessoas com deficiência.

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Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
Disponível em: <https://goo.gl/tmj61R>. Acesso em: 26 abr. 2017.

245
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em
30 de março de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 26 ago. 2009. Disponível em:
<https://goo.gl/g4o7As>. Acesso em: 15 maio 2017.

________. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o


Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário
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Língua Brasileira de Sinais e dá outras providências. Diário Oficial
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________. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o


Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 3 out.
2003. Disponível em: <https://goo.gl/NCzrDB>. Acesso em 18 maio
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________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo


Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
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246
________. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, 7 jul. 2015. Disponível em:
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________. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado


de Segurança nº 32.751-RJ. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 31
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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 230 de 2016.


Disponível em: < https://goo.gl/B1XSww>. Acesso em 22 maio 2017.

CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto


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FARIAS, Cristiano Chaves de; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO,


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comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, 2008.

247
MEDIAÇÃO: uma forma de acesso à justiça

Watina Amorim Assis


Isa Omena Machado Freitas
Vinicius Pinheiro Marques

RESUMO: O presente artigo teve como problema principal e objetivo


geral identificar se a mediação pode ser considerada uma forma de
acesso à Justiça. Um dos pontos essências da pesquisa foi a abordagem
do conceito de acesso à Justiça, bem como a análise do instituto da
mediação, observando os posicionamentos doutrinários acerca do
assunto. O tema possui grande relevância no meio jurídico, pois trata-se
de um instituto que ganhou grande força através da leis 13.105/2015 e
13.140/2015, trazendo inovações como a resolução autocompositiva
dos conflitos através do diálogo. No desenvolvimento da pesquisa foi
utilizado o método dedutivo, pesquisa bibliográfica com fonte
documental, e uma abordagem qualitativa de investigação exploratória.
Conclui-se, através dos diplomas legais citados acima, que a mediação
pode ser considerada uma forma de acesso à Justiça, pois adentrou no
ordenamento jurídico brasileiro com o intuito de dar tanto efetividade
ao indivíduo, quanto ao direito de resolver seus conflitos de forma
justa, menos burocrática, morosa e onerosa.

Palavras-chave: Mediação. Acesso à Justiça. Autocompositiva.

ABSTRACT: The present paper had as main problem and general


objective to identify if the mediation can be considered as a way of
access to Justice. One of the essential points of the research was the


Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins
(FCJP). E-mail: watinaamorim@gmail.com

Professor Mestre da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP)
e Faculdade Católica do Tocantins (FACTO). E-mail: isamfreitas@ig.com.br.

Professor Doutor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins
(FCJP), Universidade Federal do Tocantins (UFT), Faculdade Católica do Tocantins
(FACTO) e Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA). E-mail:
viniciusmarques@uft.edu.br.

249
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

approach of the concept of access to justice, as well as the analysis of


the institute of mediation, observing the doctrinary placements around
the subject. The subject has great relevance in the legal environment,
because it is about an institute that has gained great strength through
the 13.105/2015 and 13.140/2015 laws, bringing innovations such as
the self-made resolution of conflicts through dialogue. In the
development of the research, it was used the deductive method,
bibliographical research with documentary source, and a qualitative
approach of exploratory investigation. It is concluded, through the
aforementioned legal documents, that mediation can be considered a
form of access to justice, since it has entered into the Brazilian legal
system with the purpose of giving both the individual effectiveness and
the right to resolve their conflicts fairly, less bureaucratic, time
consuming and burdensome.

Keywords: Mediation. Access to Justice. Self Compositional.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo geral, identificar se o


instituto da mediação é um meio de acesso à justiça. Os objetivos
específicos consistem em estudar a ideia de justiça utilizando a doutrina
como pressuposto conceitual, explicar o que vem a ser a mediação, e,
identificar se há na mediação uma solução alternativa de resolução de
conflitos. Sua questão central é: A mediação é uma forma de acesso à
justiça?
Para o desenvolvimento da questão apresentada acima, será
observada uma estrutura metodológica, onde, será utilizada a pesquisa
bibliográfica com fonte documental, uma abordagem qualitativa de
investigação exploratória e o método será o dedutivo.
O Brasil tem em sua Constituição Federal promulgada em
1988 entre os incisos do art. 5°, o acesso à justiça, sendo este, um meio
de amparo e garantia dos direitos constitucionais dados aos cidadãos
brasileiros. Todavia, mesmo que expresso o acesso à justiça na
Constituição Federal, observou-se a necessidade de colocá-lo em
prática, de forma eficaz e tempestiva, visto que atualmente é possível

250
notar uma grande demanda de processos judiciais, ocorrendo assim um
engessamento do Poder Judiciário (BRASIL, 2016a, não paginado).
Importante dizer que, para haver possíveis mudanças nas
soluções dos conflitos através do Poder Judiciário é necessário não
apenas investimentos neste, mas, em todo o contexto cultural da
população. Observando essa necessidade, foi inserido então no
contexto brasileiro, meios autocompositivos de solução de conflitos,
como a mediação, tema central deste artigo.
Conceitualmente, a mediação “é a atividade técnica exercida
por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito
pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções
consensuais para a controvérsia”, como dispõe a Lei n° 13.140/2015,
que trata da mediação (BRASIL, 2015a, não paginado).
Contudo, a relevância desse artigo consiste no fato de que, ao
perceber que o acesso à Justiça parece ser algo utópico para alguns e
muito difícil para outros, a mediação veio para quebrar esse paradigma,
pois com as alterações do Novo Código de processo Civil e a criação da
Lei 13.140/2015, ficou mais nítido o acesso à justiça, bem como a
solução de conflitos por meio deste instituto, que busca
prioritariamente a satisfação das partes mediadas.

2 IDEIA ATUAL DE ACESSO À JUSTIÇA

Ao falar em acesso à Justiça é necessário observar a amplitude


de sua cobertura, ou seja, não se pode limitar o acesso à Justiça a uma
sentença judicial, pois esse acesso também pode ser concedido quando
é dado ao indivíduo, meios, sejam judiciais ou não, que recupere um
direito violado, ou então, quando apenas se afirma a este indivíduo que
ele possui tal direito.
Falar em acesso à Justiça é falar em uma resolução justa, onde
há imparcialidade por parte de um juiz, ou de um intermediador, sendo
que esses personagens tem o papel fundamental de viabilizar a
participação das partes e a efetivação dos direitos, não fazendo
distinção entre os indivíduos devido a classe social, ou até mesmo
devido a situação que as partes se encontram no conflito.
Cappelletti (1994, p. 125), afirma que para se obter o acesso à

251
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Justiça, faz-se necessária a superação de três entraves conexos ao


processo, sendo o primeiro, o entrave econômico, onde é verificado
através da penúria das pessoas que, por motivos financeiros, não tem
acesso à informação e à representação adequada; O segundo diz
respeito ao entrave organizacional, ou seja, dificuldade de acesso à
Justiça; Por fim, o último entrave processual relacionado ao fato de
que, em determinadas áreas e dependendo da natureza do conflito, a
solução por meio do processo litigioso não é a mais vantajosa, pois não
garantirá ao indivíduo a efetiva vindicação de direitos.
Portanto, entende-se que a sociedade moderna deseja
celeridade, eficácia, credibilidade e eficiência na resolução de seus
conflitos quando estão sob os cuidados do Poder Jurisdicional do
Estado. Todavia, esse monopólio exercido pelo Estado não consegue
responder à tamanha demanda, e, a burocracia enfrentada no judiciário
faz com que haja uma maior lentidão na resolução da lide, bem como o
acúmulo nas demandas, o que viabiliza a busca por métodos
alternativos na resolução de conflitos (SPENGLER, 2016, p. 15)
Ademais, acredita-se que na ideia atual de justiça, o Poder
Judiciário exerce um papel muito importante, que é o de permitir um
sentimento de justiça no indivíduo através de uma sentença judicial,
contudo, surgem as seguintes indagações: Somente o Judiciário poderá
dar ao indivíduo esse sentimento de justiça? Deverá o indivíduo passar
por inúmeras dificuldades para obter esse sentimento? E a resposta
mais adequada fundamenta-se no fato de que esse sentimento também
pode possivelmente ser adquirido pela via extrajudicial, ou, através dos
métodos autocompositivos de resolução de conflitos.
Atualmente, há uma grande reivindicação no Brasil no que
concerne a efetividade do acesso à Justiça, contudo, o país em questão
oferece aos indivíduos, instrumentos exíguos, ou seja, instrumentos
insuficientes para atender a vasta demanda que lhe são apresentadas.
Portanto, há que se dizer, no que concerne a tutela jurisdicional, que o
país encontra-se em um momento crítico (RODRIGUES JUNIOR,
2007, p. 3).
Portanto, o acesso à Justiça visa integrar o cidadão que seja
dependente do sistema judiciário, a integrar o novo sistema, ou seja, o
da autocomposição, estimulando-o e educando-o a participar

252
ativamente dos procedimentos, bem como, na solução amigável de seus
conflitos (KIRCHNER; BARBOSA, 2014, p. 26).
Destarte, é possível notar que alguns países têm buscado
facilitar os sistemas judiciais, da mesma maneira, buscam também a
integralização dos métodos alternativos para simplificar a disputa das
partes conflitantes, nesse sentido afirmam Morais e Silveira (1998, p.
70):

Esses mecanismos alternativos, entre os quais citam-se a


mediação, a arbitragem, a negociação, a conciliação,
colocam-se ao lado do tradicional processo Judicial como
uma opção que visa descongestionar os tribunais e
reduzir o custo e a demora dos procedimentos; estimular
a participação da comunidade na resolução dos conflitos,
e facilitar o acesso à Justiça, já que, por vezes, muitos
conflitos ficam sem resolução porque as vias de obtenção
são complicadas e custosas e as partes não têm
alternativas disponíveis a não ser, quem sabe, recorrer à
força (MORAIS; SILVEIRA, 1998, p. 70).

Portanto, em nenhum momento houve a referência da intenção


em retirar do Estado seu poder de dizer o direito, mas houve sim, a
menção de que o Estado por meio do judiciário, precisa dinamizar e
criar métodos, que, trabalhando em conjunto, podem facilitar a solução
de um conflito.
Portanto, o Estado deverá procurar a melhor forma de
amenizar o problema do congestionamento do Judiciário, bem como,
garantir aos necessitados uma forma acessível de ter seu direito
constitucional preservado.
Contudo, o acesso à Justiça vem sendo analisado por uma
ótica processualística, e não somente como um direito fundamental,
assim, verifica-se a preocupação dos legisladores em inserir no
ordenamento jurídico instrumentos que podem viabilizar tal acesso de
forma mais célere garantindo sua efetividade (ARAÚJO, 2001, p. 42).
De forma complementar, entende-se que o acesso à Justiça
também é a garantia do estado democrático de direito, ou seja, vai além
de um direito fundamental, sendo possível compreender que mesmo
existindo as leis de nada adiantaria se estas não forem respeitas, ou se

253
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

não houvesse um órgão legitimado para exercer o controle de sua


observância (TAVARES, 2010, p. 723).
De forma conclusiva é possível salientar que em meio a tantos
conceitos, o acesso à justiça pode ser interpretado através das brilhantes
palavras de Bezerra (2008, p. 94) como “O acesso à ordem jurídica
justa, ou seja, não é só através do processo judicial que se tem acesso à
justiça, pelo menos não como valor inerente ao homem.” É o conjunto
hierarquizado de normas jurídicas que, quando estabelecido, determina
aos cidadãos, os quais são seus subordinados, o nível do acesso à
justiça. É, portanto, no ordenamento jurídico que se fomenta ou se
estreita o acesso à justiça.
Na mediação há a intervenção dos operadores do direito,
contudo, apenas no auxílio de seus clientes quanto ao caminho que
melhor se adequará a situação conflituosa, pois nesse contexto, as
partes são os únicos protagonistas. Com método autocompositivo
buscar-se-á a incorporação da pacificação social, ao invés de dar
credibilidade apenas para uma sentença judicial.

3 MEDIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

É de suma importância a abordagem da Resolução e das leis


que consagraram o instituto da mediação no ordenamento jurídico
brasileiro, mostrando que além de ser um método alternativo de
resolução de conflitos, trata-se também de uma política pública que
busca de forma qualitativa resolver os conflitos entre os indivíduos.

3.1 MEDIAÇÃO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA NA


RESOLUÇÃO 125 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
(CNJ)

A mediação é um meio de acesso à Justiça e uma política


pública que se fortalece a cada dia na Secretaria de Reforma do
Judiciário, no Ministério da Justiça e nos CNJ brasileiros, pois é
possível observar sua eficácia na resolução de conflitos, mesmo que de
forma empírica (SPENGLER, 2016, p. 68).
Contudo, para aprofundar o assunto e as determinações

254
descritas na Resolução, primeiramente se faz necessário abordar a
definição de “política pública” nesse contexto, e para tanto, esta pode
ser definida como um “[...] programa de ação governamental que
resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente
regulados visando coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente
relevantes e politicamente determinados [...]”, na finalidade de fazer
algo que seja de ordem pública ou, na visão dos juristas, dar efetividade
ao direito (BUCCI, 2006, p. 39).
Portanto, em análise do que já fora abordado é possível
entender que quando se fala em relações sociais, onde há o
envolvimento de interesses e de expectativas dos participantes, deve
haver, portanto, uma política pública capaz de intervir
construtivamente, aplicando os meios razoáveis e adequados para que
se produzam efeitos positivos.
A mediação pede ser facilmente encaixada nesse contexto de
política pública, pois esta trata adequadamente os empasses vividos
pelos componentes da sociedade.
Diante do que foi abordado, é nítido que o instituto da
mediação trata-se não só de um método autocompositivo na resolução
de controvérsias, mas vai além, como uma política pública que precisa
ser abraçada pelos governantes. Nesse sentido, é possível afirmar que
“a política pública é uma determinação consciente de um governo.”
(HOWLLET; RAMESH; PERL, 2013, p. 6-7).
Por conseguinte, ao analisar o instituto da mediação como uma
política pública, nota-se um desejo dos legisladores de não somente
desafogar o judiciário, mas de permitir ao cidadão uma forma mais
qualitativa de resolver seus conflitos.
Para confirmar o que fora dito no parágrafo anterior, Spengler
(2016, p. 71) afirma que umas das consequências da mediação é a
celeridade processual, mas essa consequência não pode ser vista como
o objetivo principal, pois o objetivo principal é dar aos conflitantes
plena autonomia, fazendo com que estes, sejam os principais
responsáveis por suas escolhas.
Na mediação há a intervenção dos operadores do direito,
contudo, apenas no auxílio de seus clientes quanto ao caminho que

255
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

melhor se adequará a situação conflituosa, pois nesse contexto, as


partes são os únicos protagonistas. Com método autocompositivo
buscar-se-á a incorporação da pacificação social, ao invés de dar
credibilidade apenas para uma sentença judicial.

3.2 A LEI 13.105/2015: novo CPC brasileiro, que regulamenta


meios consensuais de tratar conflitos.

O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)


concernente aos métodos autocompositivos faz a seguinte referência:
“dos conciliadores e dos mediadores judiciais.” Isso, em seu artigo 165,
na seção V, disposto no Capítulo III, que faz referência aos “auxiliares
da justiça”. (BRASIL, 2015b, não paginado).
É possível afirmar que esse diploma legal, adentrou no
ordenamento jurídico com características fortes de seguir a ideia da
função social do direito, que é o de prevenir conflitos e garantir a
pacificação da sociedade (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 30). Isso é
nitidamente perceptível aos usuários dessa norma, pois foram
instituídos métodos que buscam dar voz a vontade da população,
garantindo também uma celeridade na justiça, assim corresponde as
fortes características da mediação.
Diante disso, “tem-se nos mecanismos complementares de
tratamento de conflito, em especial na mediação, uma grande hipótese
de reduzir demandas e tornar eficiente a pacificação social.”
(SPENGLER, 2016, p. 116).
Por fim, depreende-se, a partir da análise do novo CPC que o
mesmo não tem por finalidade fazer da mediação um instrumento
obrigatório, contudo, este deve ser estimulado mesmo que a ação já
tenha sido proposta no judiciário.

3.3 A MEDIAÇÃO DISPOSTA NA LEI 13.140/2015

A Lei 13.140/2015 pode facilmente ser percebida como o


marco legal da Mediação do Brasil. Em seu artigo 1° afirma que “[...]
tal lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias
entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos da

256
Administração Pública.” (BRASIL, 2015a, não paginado).
Ressalta-se que, esta lei segue o que veio proposto no novo
CPC (2015), ou seja, a mudança no que concerne à cultura do litígio,
trazendo a institucionalização da mediação, que, como já fora abordado
anteriormente, trata-se de uma forma dos indivíduos responsabilizar-se
por seus próprios conflitos.
Por institucionalização da mediação “entende-se [...] a sua
implementação, regulação e suporte conferidos pelo judiciário, quer
antes do processo Judicial, quer inicialmente a ele (mediação pré-
processual e processual).” (GABBAY, 2013, p. 65).
Diante dessa abordagem, nota-se a preocupação do legislador
em garantir a tranquilidade ao indivíduo, quando este optar pelo
método autocompositivo de resolução de conflitos, nesse caso, a
mediação.

4 MEDIAÇÃO

Aqui, será feita a abordagem do conceito de mediação por


diversos doutrinadores, e dessa forma, será possível deixar claro e
plenamente compreensível sobre o que se trata esse instituto
autocompositivo de resolução de conflitos.
Nas palavras do brilhante doutrinador Egger (2002, p. 60), é
possível afirmar que:

Mediação é um método extrajudicial, não adversarial, de


solução de conflitos através do diálogo. É um processo
autocompositivo, isto é, as partes, com o auxílio do
mediador, superam o conflito sem a necessidade de uma
decisão externa, proferida por outrem que não as próprias
partes envolvidas na controvérsia. Ou seja, na mediação,
através do diálogo, o mediador auxilia os participantes a
descobrir os verdadeiros conflitos, seus reais interesses e
a trabalhar cooperativamente na busca das melhores
soluções. A solução obtida culminará num acordo
voluntário dos participantes. A mediação consegue, na
maioria das vezes, restaurar a harmonia e a paz entre as

257
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

partes envolvidas, pois o mediador trabalha


especialmente nas inter-relações. Na mediação, as
soluções surgem espontaneamente, reconhecendo-se que
a melhor sentença é a vontade das partes (EGGER, 2002,
p. 60).

Para Cooley e Lubet (2001, p. 23) a mediação “[...] pode ser


definida como um processo no qual uma parte neutra ajuda os
contendores a chegar a um acerto voluntário de suas diferenças
mediante um acordo que define seu futuro comprometimento.”
Neste mesmo sentido Lemos (2001, p. 81) diz que:

A mediação, [...] envolve a tentativa das partes em litígio


para resolver suas pendências com o auxílio de um
terceiro, necessariamente neutro e imparcial, que
desenvolve uma atividade consultiva, procurando quebrar
o gelo entre as partes que, permanecem com o poder de
pôr fim à querela mediante propostas e soluções próprias.

A mediação, portanto, terá sempre a figura de uma terceira


pessoa responsável por conduzir a sessão de mediação. “O acordo final
resolve o problema com uma solução mutuamente aceitável e será
estruturado de modo a manter a continuidade das relações das pessoas
envolvidas no conflito.” (HAYNES; MARODIN, 1996, p. 11).
É possível afirmar que a mediação não busca tão somente um
acordo formal, mas procura restabelecer os laços que encontram-se se
rompidos, e, nesse sentido o professor Warat (2001, p. 28) comenta
que;

A mediação seria uma proposta transformadora do


conflito porque não busca a sua decisão por um terceiro,
mas, sim, a sua resolução pelas próprias partes, que
recebem auxílio do mediador para administrá-lo. A
mediação não se preocupa com o litígio, ou seja, com a
verdade formal contida nos autos. Tampouco, tem como
única finalidade a obtenção de um acordo.

Diante das palavras citadas acima, é possível perceber que não


há uma preocupação em intervenção no conflito, mas sim uma busca

258
pela compreensão dos sentimentos dos mediandos, pois o que se busca
aqui é a restruturação da afetividade que se encontra abalada.
É possível afirmar que os conflitos não se dissipam, mas
apresentam uma nova roupagem, justamente pelo fato que na maioria
das vezes há uma preocupação apenas com o conflito, ao invés de
buscarem a transformação internamente.
Para dar fundamento ao que fora dito no parágrafo anterior,
Santos (2012, p. 128 apud SPENGLER, 2016, p. 109), afirma que o
mediador deve “[...] entender a diferença entre intervir no conflito e nos
sentimentos das partes. O mediador deve ajudar as partes, fazer com
que olhem para si mesmas e não ao conflito, como se ele fosse alguma
coisa absolutamente exterior a elas.”
“Os sentimentos são percebidos no silêncio, a pessoa, quando
fica silenciosa, serena, atinge a paz interior, a não violência, a
amorosidade. Estamos a caminho de tornarmo-nos liberdade. Essa é a
meta da mediação.” (WARAT, 2004, p. 26).
Na mediação não há uma hierarquia, há apenas a colaboração
de um terceiro, que como já fora abordado em um capítulo anterior,
deve ser imparcial, deve ser aceito pelas partes, e deve contribuir de
forma que possibilite e facilite a comunicação entre os envolvidos no
conflito.
Quando se analisa a palavra mediação, é possível verificar que
ela trás aos sentidos um uma ideia de centro, de meio, de equilíbrio, por
isso, verifica-se nesse instituto a ideia do mediador, um terceiro
elemento que estará entre, e não sobre, as partes conflitantes. Esse
mediador ajudará aos participantes da mediação na busca amigável de
tratamento da situação conflituosa, de maneira que permita ser possível
a continuidade de suas relações (HAYNES, 1993, p. 11).
A partir dessa análise, é possível absorver que o mediador
deverá levar em consideração todos os detalhes de uma mediação, pois
isso será de fundamental importância na finalização do acordo, não
podendo esquecer em nenhuma hipótese do princípio da
imparcialidade. É possível falar dos excelentes resultados da mediação,
porque o mediador, facilitador, estará ali, auxiliando os conflitantes na
busca pela melhor solução. Observa-se, portanto, que a mediação só
funciona porque há uma confiança dos mediandos no mediador, e

259
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

porque não há um juiz ou a imposição de uma sentença. O mediador


também deverá esclarecer aos indivíduos sobre as regras da mediação,
ou seja, não pode haver agressões físicas ou verbais, deve-se ouvir a
outra parte quando ela quiser falar, mantendo “um tom de voz
adequado, disponibilizando ao outro condições para ambos saírem com
o acordo realizado sem que ocorra mais e novos atritos.” (AZEVEDO,
2009, p. 94-96)
Diante disso, a mediação pode ser aplicada em diversos
contextos sociais e não só no que diz respeito a conflitos passíveis de
demandas jurídicas, pois o que se busca aqui é a restauração do diálogo
e a prevenção no que se diz respeito ao surgimento de novos conflitos.

4.1 MEDIAÇÃO COMO MÉTODO ALTERNATIVO DE


RESOLUÇÃO CONFLITOS

Ao falar em mediação como uma forma alternativa de


conflitos, para alguns, cria-se a falsa impressão de que o objetivo
principal é o de afastar o poder jurisdicional do Estado das relações
interpessoais; quando na verdade um dos grandes objetivos é abrir um
leque de caminhos para que o indivíduo nem sempre se encontre
obrigado a procurar meios mais burocráticos, como é o judiciário, para
ter seu problema resolvido.
Ademais, é importante ressaltar que a mediação não anda
sozinha, por caminhos contrários ao que é positivado no ordenamento
jurídico brasileiro, mas ela anda lado a lado com as normas
infraconstitucionais, servindo como um instrumento auxiliar no acesso
à Justiça.
A pergunta que surge neste subcapítulo é: Por que utilizar a
mediação como resolução de conflitos? E como reposta, Spengler
(2010, p. 312-313) afirma que:

A mediação difere das práticas tradicionais de jurisdição


justamente porque o seu local de atuação é a sociedade,
sendo sua base de operações o pluralismo de valores, a
presença de sistemas de vida diversos e alternativos, e sua
finalidade consiste em reabrir os canais de comunicação
interrompidos e reconstruir laços sociais destruídos. O

260
seu desafio mais importante é aceitar a diferença e a
diversidade, o dissenso e a desordem por eles gerados.
Sua principal aspiração não consiste em propor novos
valores, mas em estabelecer a comunicação entre aqueles
que cada um traz consigo.

Assim, surge a mediação, não só como instrumento que visa


desafogar as vias judicias, mas uma ferramenta que surge para dar
auxílio ao judiciário no que concerne a resolução de conflitos, pois é
dada as partes um momento de exporem suas razões e sua visão a cerca
do que será tratado na sessão.
Conforme desenvolve Sales (2010), é possível afirmar que
“[...] a mediação é o meio consensual de solução de controvérsias em
que as partes, encorajadas por um terceiro imparcial com habilidades
para facilitar a negociação, procuram a solução do conflito através do
diálogo.”
Como foi abordado anteriormente a mediação não se trata de
um instituto novo, na realidade, ela sempre existiu na sociedade,
principalmente na figura dos pais que mediavam os conflitos entre seus
filhos, contudo, não existia uma regularização. Diante disso, ao passar
dos tempos verificou-se a apenas uma “redescoberta” dessa ferramenta
(MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 133-134).
A mediação, a cada abordagem ganha mais força no que diz
respeito ao aspecto de ferramenta de resolução de conflitos, a verdade é
que são muitos os benefícios que ela garante, dentre eles a ajuda aos
conflitantes em redimensionar os embates, dessa forma leciona Warat
(2004, p. 60):

A mediação não se preocupa com o litígio, ou seja, com a


verdade formal contida nos autos. Tampouco tem como
única finalidade a obtenção de uni acordo. Mas, visa,
principalmente, ajudar as partes a redimensionar o
conflito, aqui entendido como conjunto de condições
psicológicas, culturais e sociais que determinam uni
choques de atitudes e interesses no relacionamento das
pessoas envolvidas. O mediador exerce a função de
ajudar as partes a reconstruírem simbolicamente a relação
conflituosa.

261
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Diante dessa abordagem é possível entender que a mediação,


como um novo paradigma, busca potencializar a capacidade dos
indivíduos em resolver seus conflitos. E nesse mesmo olhar, a
mediação segundo Levy (2008, p. 128), pode ser compreendida como:

Uma nova maneira de interação nos conflitos


interpessoais. Traz à tona o desejo das pessoas em
resolver seus próprios conflitos e realizar suas próprias
escolhas. Propõe a autodeterminação e autonomia dos
mediandos. Incentiva o olhar para um planejamento do
futuro, que se pretende tranquilo e promissor, deixando as
mágoas e os rancores no passado.

Portando, a partir dessa narrativa, depreende-se que a


mediação como método alternativo de resolução de conflitos, cumpre
com seu devido papel no que se refere a permitir o diálogo, a
cooperação, buscando a melhor forma de solucionar um entrave
interpessoal.
Na busca pela conclusão desse subcapítulo, a mediação pode
ser apresentada como uma forma diferente em se abordar o conflito, e
nesse sentido, Almeida (2009, p. 95), diferencia a mediação da
conciliação, afirmando que:

A mediação propõe uma mudança paradigmática no


contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de
negociações para trabalhar arduamente no atendimento
das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na
conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca,
exclusivamente, do atendimento de suas demandas
pessoais [...] As pessoas envolvidas nas mesas de
mediação são convidadas, antes mesmo do início do
processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de
satisfação e benefício mútuo.

Finalmente, é possível afirmar que foram apresentados vários


argumentos de que o instituto em epígrafe trata-se, sim, de um método
alternativo de resolução de conflitos, e que o mesmo trouxe infindas
vantagens aos indivíduos, andando em passos iguais com a finalidade
no Novo Código de Processo Civil, que é o de transformar a cultura do

262
litígio pela cultura da resolução extrajudicial/consensual de resolução
de conflitos.

5 CONCLUSÃO

O objetivo geral e também a questão central deste trabalho foi


identificar se a mediação é uma forma de acesso à justiça.
Diante disso, a mediação adquiriu muitos adeptos por ter sua
credibilidade restabelecida, tendo como principais características, a
celeridade, o diálogo e a economia processual.
A mediação é defendida por diversos doutrinadores como um
modelo de acesso à Justiça que foge das determinações rigorosas das
regras jurídicas, pois dá voz as partes, permitindo a comunicação, bem
como a liberdade em tomarem suas decisões, assim, também afirmam
que a principal vantagem da mediação é a atenção que este instituto dá
ao caso concreto, permitindo com que se analise os diversos caminhos
para se alcançar a solução mais benéfica, observando as peculiaridades
de cada conflito.
Portanto, o instituto da mediação se encaixa perfeitamente
como uma ferramenta de acesso à justiça, pois a verdadeira justiça só é
alcançada quando se coloca fim a uma lide por meios consensuais que
visam não somente resolver o problema proposto, mas também resolver
as relações afetivas dos indivíduos conflitantes. Com a inserção de um
“modelo mediacional”, ou seja, um método alternativo de resolução de
conflitos, haverá a possibilidade do Estado em conquistar a harmonia e
a pacificação entre os indivíduos.

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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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267
A EVOLUÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA: das ondas
renovatórias ao direito transnacional

Jade Caputo Corrêa


João Ricardo Pimentel

RESUMO: Princípio basilar do processo civil brasileiro o "Acesso à


Justiça" tem se desenvolvido profundamente na doutrina nacional. O
presente artigo busca, através de uma pesquisa bibliográfica, abordar
alguns destes desdobramentos doutrinários desde sua concepção
clássica, passando pelas "três ondas" da Cappelletti e Garth, pela atual
concepção dos autores brasileiros, e finalizando com uma abordagem
do princípio à luz do Direito Processual Transnacional, sem olvidar as
recentes inovações legislativas que cercam o tema.

Palavras-Chave: Acesso. Justiça. Evolução. Brasil. Transnacional

ABSTRACT: Basic principle of the Brazilian Civil Process the


"Access to Justice" has been developed deeply in national doctrine. The
present article seeks, through a bibliographical research, to address
some of these doctrinal developments from its classical conception,
through the "three waves" of Cappelletti and Garth, through the current
conception of the national authors, and finalizing with an approach
about the Transnational Procedural Law, always approaching the recent
legislative innovations that surrounds the subject.

Keywords: Acess. Justice. Evolution. Brazil.Transnacional.

1 INTRODUÇÃO

O conceito de acesso à justiça vem sofrendo ao longo dos anos


grandiosas alterações, seja em âmbito meramente doutrinário, seja
através de sua positivação em diversos diplomas legais, tanto nacionais


Advogado.

Advogado.

269
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

como estrangeiros, de forma a tornar-se cada vez mais amplo e


abrangente, sem perder seu caráter de indisponibilidade.
Compreendido por muitos anos apenas como sinônimo da
possibilidade de se ingressar com uma demanda junto ao Poder
Judiciário para assim obter uma resposta acerca do direito discutido,
atualmente Leonardo Greco (2010, p. 831)1 ensina que o conteúdo de
tal acesso “é implementado através das chamadas garantias
fundamentais do processo ou do que vem sendo denominado de
processo justo”, que compreende por sua vez “todo o conjunto de
princípios e direitos básicos de que deve desfrutar aquele que se dirige
ao Poder Judiciário em busca da tutela dos seus direitos”.
Assim, sob a ótica de um moderno Estado Democrático de
Direito, o acesso à justiça não se resume no direito de ser ouvido em
juízo e de obter uma resposta qualquer do órgão jurisdicional. Mais do
que isso, o princípio do acesso à justiça extrapola a compreensão de
existência da demanda judicial, sendo dele extraídos outros tantos
princípios fundamentais ao desenvolvimento da doutrina e prática
processual.
Segundo Theodoro Júnior (2015, p. 124),2 estruturalmente:

[...] o Acesso à Justiça exige que concorra, por parte dos


órgãos e sistemas de atuação do Judiciário, a observância
de garantias como: a da impessoalidade e permanência da
jurisdição; a da independência dos juízes; a da motivação
das decisões; a do respeito ao contraditório participativo;
a da inexistência de obstáculos ilegítimos; a da
efetividade qualitativa, capaz de dar a quem tem direito
tudo aquilo a que faz jus de acordo com o ordenamento
jurídico; a do respeito ao procedimento legal, que,
entretanto, há de ser flexível e previsível; a da
publicidade e da duração razoável do processo; a do
duplo grau de jurisdição; e, enfim, a do “respeito à
dignidade humana, como o direito de exigir do Estado o
respeito aos seus direitos fundamentais.

1
GRECO, Leonardo. Justiça civil, acesso à justiça e garantias. In: ARMELIN, Donaldo
(coord.). Tutelas de urgência e cautelares. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 831.
2
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral
do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, 56. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 124.

270
Assim sendo, o tema acesso à justiça vendo sendo alvo de
estudos ao longo dos anos e o objetivo do presente trabalho é realizar
um breve estudo das principais e mais inovadoras contribuições
doutrinárias que circundam tal princípio basilar do direito processual.

2 AS 'ONDAS' DE CAPPELLETTI E GARTH

Segundo Cappelletti3, ao longo dos séculos XVIII e XIX os


litígios civis refletiam uma filosofia jurídica essencialmente
individualista dos direitos, de modo que o acesso à justiça correspondia
apenas ao "direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar
uma ação", desde que para tanto, tivesse reais condições de enfrentar
seus custos, uma vez a atuação do Estado ser altamente passiva, em
reconhecimento a um 'direito natural'.
Com a difusão da sociedade do laissez-faire, os autores
afirmam que se criou em escala global uma movimentação em prol da
defesa dos direitos humanos, que culminou no editamento da
Constituição Francesa de 1946, segundo a qual os direitos humanos
"são antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer,
realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados". Assim, o
Estado passou a agir positivamente visando resguardar ao seu povo,
estes direitos básicos.
No Brasil, observamos um grande movimento de acesso à
justiça (nos dizeres do doutrinador, uma "primeira onda") a partir da
entrada em vigor no ano de 1950, da Lei 1.060/50, que estabelece
normas para a concessão de assistência judiciária à população, a qual
culminou, quarenta anos após, com a instituição da Defensoria Pública,
por meio da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994.
No contexto da atual Constituição Federal de 1988, esta onda
encontra-se inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais, mais
precisamente no inciso LXXIV do artigo 5º4. Por sua vez, a Defensoria

3
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 1988, p. 9.
4
"Art. 5º [...] LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos."

271
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Pública, foi consagrada no artigo 134 da Constituição como “instituição


essencial à função jurisdicional do Estado”, portanto, por ter se tornado
uma garantia institucional, não pode, em hipótese alguma, ser
suprimida do ordenamento nacional.
No tocante ao segundo movimento (ou "segunda onda"),
buscou-se desenvolver regras processuais que possibilitassem a alguns
entes que, dispondo de maiores recursos e gozando dos benefícios de
organização, pudessem enfrentar, em melhores condições, seus ex
adversos. A estes, estariam abertas as portas para uma maior
participação popular no judiciário, uma das possíveis manifestações da
cidadania participativa, fundamento do Estado Social e Democrático de
Direito, conforme Art. 1º, inciso II da Carta Magna. Nesse sentido, fez-
se mister o desenvolvimento de normas próprias para o processo de
massa, de modo a operacionalizar uma verdadeira “insurreição da
aldeia global contra o processo civil clássico.”5
Sobre esta segunda onda, Cappelletti e Garth (1988, p. 50)
afirmam que:

Uma vez que nem todos os titulares de um direito difuso


podem comparecer em juízo – por exemplo, todos os
interessados na manutenção da qualidade do ar, numa
determinada região – é preciso que haja um
“representante adequado” para agir em benefício da
coletividade, mesmo que os membros dela não sejam
citados individualmente. Da mesma forma, para ser
efetiva, a decisão deve obrigar a todos os membros do
grupo, ainda que nem todos tenham tido a oportunidade
de ser ouvidos. Dessa maneira, outra noção tradicional, a
da coisa julgada, precisa ser modificada, de modo a
permitir a proteção judicial efetiva dos interesses difusos.

5
Para mais sobre o assunto vide BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da
aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a
libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis
(coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos
de aplicação. São Paulo: RT, 1995.

272
Noutro giro, em um terceiro movimento (terceira onda) do
acesso à justiça, mais amplo, levou-se em consideração, dentre outros,
o papel do magistrado na condução do processo. Este passa a possuir
como objetivo, o de atuar ativa e direcionadamente, contornando
obstáculos burocráticos e formalísticos que impedem seja a sua
prestação jurisdicional efetiva. Esta onda propugna, portanto, que os
magistrados abandonem o tradicional papel passivo de mero
espectador, e passem a atuar de forma ativa na busca da solução do
conflito existente, para serem criativos e inovadores durante toda a na
condução do processo. Luchiari (2012, p. 56) menciona que:

[...] apesar de ter havido algum progresso no afastamento


dos obstáculos econômicos e políticos, com a criação da
Defensoria Pública e do sistema de assistência judiciária
gratuita, bem como a edição de leis especiais (Juizados
Especiais, Ação Popular, Ação Civil Pública, Código de
Defesa do Consumidor), ainda há muito a ser feito em
relação à chamada "terceira onda" do acesso à Justiça (no
dizer de Mauro Cappelletti), que visa à pacificação social.

Nesse sentido, Baptista da Silva (1996, p. 219 apud Gastaldi,


2013):

Embora se deva reconhecer o inegável mérito das


tentativas de ‘modernização’ de nosso processo civil,
todas elas, como já o dissemos, serão incapazes de
produzir uma transformação significativa em nossa
experiência judiciária. Sem uma profunda e corajosa
revisão de nosso ‘paradigma’, capaz de torná-lo
harmônico com a sociedade complexa, pluralista e
democrática da experiência contemporânea, devolvendo
ao juiz os poderes que o iluminismo lhe recusara, todas as
reformas de superfície cedo ou tarde resultarão em novas
desilusões. Como temos insistido em dizer, é
indispensável, e mais do que indispensável, urgente,
formar juristas que não sejam, como agora, ‘técnicos sem
princípios’, meros ‘intérpretes passivos de textos’, em
última análise, ‘escravos do poder’ (Michel Villey,
‘Leçons d´histoire de la philosophie du droit’, Paris,
1957, p. 109), pois o servilismo judicial frente ao império
da lei anula o Poder Judiciário que, em nossas

273
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

circunstâncias históricas, tornou-se o mais democráticos


dos três ramos do Poder Estatal, já que, frente ao
momento de crise estrutural e endêmica vivida pelas
democracias representativas, o livre acesso ao Poder
Judiciário, constitucionalmente garantido, é o espaço
mais autêntico para o exercício da verdadeira cidadania.

Em 1997, vislumbrando o acesso à tutela jurisdicional como o


“[...] espaço mais autêntico para o exercício da verdadeira cidadania
[...]”, o ex-ministro do STF Nelson Jobim demonstrou preocupação
com a reforma do Judiciário em seu discurso de posse à Presidência do
Supremo Tribunal Federal6:

A questão judiciária passou a ser tema urgente da nação.


O tema foi arrancado do restrito círculo dos magistrados,
promotores e advogados. Não mais se trata de discutir e
resolver o conflito entre esses atores. Não mais se trata do
espaço de cada um nesse Poder da República. O tema
chegou à rua. A cidadania quer resultados. Quer um
sistema judiciário sem donos e feitores. Quer um sistema
que sirva à nação e não a seus membros. A nação quer e
precisa de um sistema judiciário que responda a três
exigências: acessibilidade a todos; previsibilidade de suas
decisões; e decisões em tempo social e economicamente
tolerável. [...] Esse dimensionamento, absolutamente
necessário, reclama uma análise estratégica do Poder
Judiciário, na sua integralidade. Análise essa que induza
os 27 Tribunais de Justiça Estaduais, os 24 Tribunais
Regionais do Trabalho, os 5 Tribunais Regionais
Federais, com todas as suas estruturas de primeiro grau,
juntamente com os 4 Tribunais Superiores e com o
Supremo Tribunal Federal a começarem a agir em
comum e de forma sistêmica.

Deste momento em diante, começou-se a se estabelecer


doutrinaria e jurisdicionalmente uma noção mais moderna sobre o tema

6
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Discurso do Ministro Nelson Jobim
proferido durante a cerimônia de sua posse à Presidência do Supremo Tribunal
Federal. Disponível em: <https://goo.gl/iF2PsE>. Acesso em: 15 jun. 2015.

274
do Acesso à Justiça, que atendesse a demanda social existente e ao
mesmo tempo se amoldasse à realidade judiciária brasileira.

3 MODERNA CONCEPÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA NA


DOUTRINA BRASILEIRA

Modernamente, renomados juristas tendem a não coadunar em


ter o Brasil vivenciado essas três ondas de forma isolada e organizada,
mas sim uma "macro-onda", uma "tsunami" de acesso à justiça
compreendido em um período de catorze anos de constante evolução
deste princípio. Segundo Carneiro (2016, p. 74) o Brasil diferentemente
da Europa descrita por Mauro Cappelletti e Brian Garth, não presenciou
movimentos distintos, as denominadas "Ondas" de Acesso à Justiça,
mas sim um único movimento concentrado, destacado pelas seguintes
legislações: Lei 6.938/81; Lei 7.224/84; Lei 7.347/85; CF/88; Lei
7.853/89; Lei 7.913/89; Lei 8.069/90; Lei 8.078/90; Lei 9.099/95; Lei
9.307/96. Segundo o Autor:

Nesse período de praticamente quatorze anos e, com


grande atraso, começamos a colocar em prática este
princípio, esta garantia maior da nossa Constituição, que
é o acesso à justiça. O Novo Código de Processo Civil
procurou garantir as antigas conquistas, e trouxe outras
tantas, com a criação de novos mecanismos e institutos
processuais para otimizar a tutela jurisdicional [...].

Com a edição pelo CNJ de sua Resolução nº 125/10, uma nova


concepção de acesso à justiça, mais ligada à satisfação do
jurisdicionado com o resultado final do processo de resolução de um
conflito do que simplesmente com o acesso ao Poder Judiciário e o
exercício do direito de ação. De acordo com o Azevedo (2013, p. 29):

[...] as pesquisas desenvolvidas atualmente têm sinalizado


que a satisfação dos usuários com o devido processo legal
depende fortemente da percepção de que o processo foi
justo. Bem como, nas hipóteses permitidas por lei,
alguma participação do jurisdicionado na seleção dos
processos a serem utilizados para dirimir suas questões
aumenta significativamente essa percepção de justiça.

275
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Logo, o que se vê atualmente é cada vez mais o conceito de


acesso à justiça concebido precisamente em administrar-se o sistema
público de solução de conflitos, como se este fosse legitimado
principalmente pela satisfação do jurisdicionado na condução e
resultado final de sua demanda. Como ressaltou Dinamarco (2003, p.
35), a efetividade processual deve ser entendida como o processo posto
à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos
infelizes), com a eliminação dos conflitos que as envolvem, através de
decisões justas. O acesso à Justiça, menciona o Autor, é a síntese de
todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional
ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e
jurisprudencial. Como pontua Fonseca Neto (2007, p. 8):

Manifesta-se Humberto Dalla no sentido de que se põe


uma questão em foco: ou o direito processual civil
renova-se e adequa-se às novas necessidades sociais -
para o que, deve-se alterar o enfoque das relações
processuais do âmbito individual e patrimonial para o
eixo da indisponibilidade, quando se tratar de uma
demanda coletiva - ou perderá em grande parte sua
efetividade, contribuindo, por conseguinte, para elevar o
nível de tensão social, especialmente por estar falhando
em seu objetivo de promover a paz e o bem comum na
sociedade.

Fortalecido pelo reconhecimento das falhas do Poder


Judiciário, e atendendo à uma demanda social de participação e
adequação do procedimento ao conflito, as discussões sobre a
utilização e regulamentação dos Meios Adequados de Solução de
Conflitos (MASC) renasceram, principalmente após as inovações
legislativas no procedimento processual civil com o Novo Código de
Processo Civil (Lei13.105/15) e Lei de Mediação (13.140/15).

3.1 MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

A incorporação crescente da Mediação e da Conciliação na


realidade forense, mais do que meramente atender à uma demanda

276
social reprimida por anos, é finalmente fazer valer o princípio
constitucional de solução pacífica dos conflitos. Estes são os métodos,
e não únicos, com melhores perspectivas de efetiva integração à
realidade brasileira, principalmente se fizermos uma análise do Novo
Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), aliado à política pública
proposta pelo CNJ através da Resolução nº 125/10.
Buscou-se assim, uma mudança na mentalidade dos
operadores do Direito, visando uma formação de novos modelos de
profissionais na área jurídica, vejamos, por exemplo, o art. 2º parágrafo
único, VI da Resolução n. 02/2015 da Ordem dos Advogados do Brasil
que aprovou o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados
do Brasil - OAB, segundo o qual é dever do advogado estimular, a
qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes,
prevenindo sempre que possível, a instauração de litígios.
Através da incorporação destes métodos ao diploma
processual, podemos afirmar que o legislador cada vez mais busca
implantar no Brasil um verdadeiro "Tribunal Multiportas", um modelo
integrativo que segundo Crespo (2012, p. 29)7 pode "contribuir para a
inserção das pessoas sem voz ativa no centro das ações, em igualdade
de condições", corrigindo assim um déficit de legitimação democrática
das decisões judiciais que pode ser observado atualmente nos tribunais
brasileiros.
Segundo Sanders (apud ALMEIDA 2012, p. 33):

[...] o Tribunal Multiportas deveria estar ligado aos


tribunais, mas tecnicamente o centro abrangente de
justiça [ou Tribunal Multiportas] que eu citei poderia
estar bem separado dos tribunais. [...] O tribunal é o lugar
onde os casos estão, portanto nada mais natural do que
fazer do tribunal uma das portas do Tribunal Multiportas
- a ideia é essa. Mas pode acontecer de o tribunal estar
aqui, e os outros processos [arbitragem, mediação etc.]

7
HERNANDEZ CRESPO, Mariana. Diálogo entre os professores Frank Sander e
Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução do Tribunal Multiportas. In:
ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; HERNANDEZ CRESPO, Mariana
(org.). Tribunal Multiportas: Investindo no capital social para maximizar o sistema
de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. (cap. 1)

277
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

estarem lá; não existe nada [no método] que possa evitar
esse fato.

De forma breve, a Mediação pode ser compreendida como o


processo de resolução de conflitos, através do qual as partes,
preferencialmente em casos de relação continuada, negociam entre si
com o auxílio de um terceiro imparcial, desinteressado e neutro que,
sem propor soluções de acordo possíveis e sem julgar, atua na
facilitação do diálogo entre os mediandos, buscando com que estes
alcancem ou não um acordo para por fim ao conflito.
Por sua vez, a Conciliação pode ser conceituada como o
processo de negociação em que as partes, preferencialmente em casos
em que não há relação continuada, são auxiliadas por um terceiro com
poder negocial, que inclusive pode sugerir opções de acordo e auxiliar
na avaliação de propostas, para buscar solucionar a lide que vivenciam.
Tal contexto coaduna-se com o disposto na Carta de 1988,
devido ao fato de não assegurar-se somente um acesso à justiça de
maneira formal (a mera possibilidade de ingresso em juízo), mas um
acesso qualificado, que necessariamente exige ser efetivo, célere8, e
adequado à tutela jurisdicional, levando em última análise à pacificação
social, escopo máximo de nossa Constituição, o que nem sempre se é
atingido com a decisão judicial, devido à natureza do litígio, que só
poderá ser alcançado através de uma abordagem diferenciada.
Deve-se afirmar de antemão, que não se trata de retirar o
prestígio e não se conferir a devida importância do processo
contencioso judicial e nem de magistrados, pelo contrário, trata-se de se
reservar à estes questões complexas, que versem sobre direitos
indisponíveis, intransacionáveis, ou ainda aquelas em que, mesmo
podendo, as partes decidam se submeter à sentença.
Nesse sentido expõe Neto (apud Pinho, 2008, p. 11):

8
Segundo Barbosa Moreira (2001, p. 232): "[...] Se uma justiça lenta demais é
decerto uma justiça má, daí não segue que uma justiça muito rápida seja
necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação
jurisdicional venha ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la,
muito bem: não, contudo, a qualquer preço".

278
[...] o paradigma trazido pela mediação traz em seu bojo
alguns questionamentos sobre o acesso à justiça e não
sobre a justiça ou o poder judiciário, como muitos
inicialmente observam. Esse questionamento não é
realizado com a pretensão de substituí-los ou contrapô-
los, mas sim como uma possibilidade de oferecer um
procedimento alternativo para que todos sem exceção
possam usufruir da justiça mais rapidamente ou queiram
ter seu acesso a ela facilitado, desde que possuam efetivo
interesse por esta opção. A sociedade brasileira está
acostumada e acomodada ao litígio e ao célebre
pressuposto básico que justice só se alcança a partir de
uma decisão proferida pelo juiz togado. Decisão esta
muitas vezes restrita a aplicação pura e simples de
previsão legal, o que explica o vasto universo de normas
no ordenamento jurídico nacional, que buscam pelo
menos a amenizar a ansiedade do cidadão brasileiro em
ver aplicada regras mínimas para regulação da sociedade.

Ergo, pode-se afirmar que o verdadeiro acesso à justiça


abrange não apenas a prevenção e reparação de direitos, mas a
realização de soluções negociadas e o fomento da mobilização da
sociedade, para que possa participar ativamente dos procedimentos de
resolução de disputas com os seus resultados.
Atenta à todo esse arcabouço teórico e ciente dos desafios
cada vez mais frequentes enfrentados por uma sociedade globalizada na
qual as relações jurídicas cada vez mais rompem as fronteiras de uma
nação, surge a teoria de um Direito Transnacional, principalmente na
esfera processual, partindo do pressuposto de que deve haver uma
releitura do tradicional conceito do termo "soberania" à luz do
reconhecimento do processo de globalização e do primado dos direitos
humanos, a fim de que consigamos assegurar a paz e a justiça
superando a Teoria dos Estados-Nações e passando à uma Teoria do
Mundo.

4 O DIREITO PROCESSUAL TRANSNACIONAL E O ACESSO


À JUSTIÇA

O Direito Processual Transnacional pode ser compreendido

279
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

como um microssistema do Direito Processual Civil, que se ocupa dos


princípios e instrumentos processuais comuns, aptos a solucionar as
controvérsias transnacionais de natureza cível, irrompidas no seio da
atual sociedade globalizada, cuja solução necessite cooperação entre
autoridades de diferentes países, seja no momento da formação ou no
desenvolvimento processual, no cumprimento dos provimentos
jurisdicionais, a fim de estender ao âmbito transnacional os primados
da isonomia, efetividade, duração razoável do processo e
principalmente do acesso à justiça. Segundo Jeuland (apud Hill, 2013,
p. 48).

[...] embora não se possa falar propriamente de um direito


processual comum, existe, atualmente, uma 'essência
mínima comum a todos os tribunais, que se assenta no
prestígio conferido aos princípios fundamentais
processuais [...] A esse ponto de convergência, por assim
dizer, diversos insignes processualistas estrangeiros vêm
denominando Direito Processual Transnacional.

A concepção de um Direito Transnacional traduz a realidade


de supremacia dos princípios processuais fundamentais, objetivando
aproximar os sistemas jurídicos de cada nação, fomentando a
cooperação entre estas. Pode, portanto, ser compreendida como a
chegada tardia do fenômeno da globalização ao mundo jurídico
processual, buscando reduzir as barreiras culturais e legais, evitando
desta forma o "provincialismo cultural" dos juristas. Segundo Hill
(2013, p. 47):

[...] Jurgen Habermas, ao tratar dos novos desafios


impostos pelo que ele intitula "sociedade mundial",
destaca que a solução de seus problemas depende do
adequado desempenho de duas funções, a saber: (a)
manutenção da paz e (b) efetivação, em escala global, dos
direitos fundamentais." [...] De um lado, o primado dos
direitos fundamentais influi na forma de conceber o
Direito Processual na atualidade e, de outro, o Direito
Processual deve se reestruturar precisamente com vistas a
agasalhar e viabilizar a efetivação dos direitos
fundamentais. [...] A concepção do Direito Transnacional

280
emerge justamente a partir da valorização dos princípios
fundamentais processuais, fenômeno verificado em
diferentes países do mundo nas últimas décadas.

Após a promulgação do texto constitucional de 1988, pudemos


observar uma eficácia irradiante dos princípios constitucionais
brasileiros em diversas áreas do Direito, e não seria diferente no âmbito
do Processo Civil. Assim, passou-se a se falar em Direito Processual
Civil Constitucional9, de modo que os princípios constitucionais
guiassem toda a interpretação do diploma processual brasileiro.
Segundo Hill (2013, p. 46):

Como reflexo da constitucionalização do Direito, passa-


se a falar em Direito Processual Constitucional e em
princípios fundamentais processuais. Dentre os princípios
fundamentais processuais, emerge a importância dada,
pelos próprios constitucionalistas, à garantia do acesso à
justiça, reconhecendo-o como integrante do mínimo
existencial do princípio basilar da dignidade da pessoa
humana.

Observando toda essa realidade e movimentação doutrinária,


ao ser elaborado o Novo Código de Processo Civil de 2015 (Lei
13.105/15), podemos observar a preocupação do legislador ao
incorporar diversas previsões neste sentido, inclusive dedicando um
capítulo específico para as "Normas Fundamentais do Processo Civil"
(Livro I, Capítulo I) e para a "Cooperação Internacional" (Livro II,
Capítulo II). Segundo Hill (2013, p. 69):

O plano transacional envolve problemas e anseios com


características semelhantes que alcançam cidadãos das
mais cariadas nacionalidades. Em outras palavras, trata-se
de uma realidade com contornos próprios que desconhece
critérios de nacionalidade. Para tanto, Habermas sustenta

9
A expressão inspira-se na obra: ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. Il
modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni. Turim:
Giapicchelli, 1990.

281
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

a necessidade de se promover a crescente cooperação


jurídica entre os países, de modo a que rumemos, no
futuro, para o que ele intitula "administração global da
justiça", marcada pela primazia de um vigoroso espírito
colaborativo entre as autoridades em prol da efetiva
garantia do acesso à justiça.

Portanto, devemos atentar ao fato de o acesso à justiça possuir


uma dimensão que transcende e independe do Poder Judiciário, mas
que é igualmente importante. Conforme Fonseca Neto (2007, p. 7):

[...] o acesso á justiça somente será plenamente atingido


caso se volte, não apenas ao Poder Judiciário, como
também à etapa anterior, qual seja, a atividade
desempenhada pelo Poder legislativo, oriundo do que
devem surgir normas eficazes e aptas a ensejar
efetividade no meio em que incidirão. Enfim, do Estado
exige-se um inequívoco acesso à ordem jurídica justa,
composta por um ordenamento capaz de evitar
desnecessários conflitos de interesses, sendo certo,
contudo, que, uma vez existentes, sejam prontamentes
solucionados, por meio de uma relação jurídica
processual simples, ágil e confiável, pública ou privada.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho pode-se concluir havermos tido no


cenário jurídico brasileiro um grande desenvolvimento doutrinário do
princípio basilar do Acesso à Justiça, que capitaneou o estudo e a
elaboração de diversas inovações legislativas que vemos ser
incorporadas à cada dia no cenário judiciário do país.
Se em um primeiro momento o princípio esteve ligado apenas
à possibilidade de se ingressar com uma ação no Judiciário, a realidade
atual não pode ser tida como a mesma, sob pena de se fazer tábua rasa
do basilar princípio constitucional.
A correta compreensão do princípio do "Acesso à Justiça"
perpassa a exata compreensão do objetivo processual de pacificação
social, e, portanto, a existência de outros meios mais adequados (como

282
a mediação, a conciliação, etc.) a resolver conflitos que possuem
contornos específicos, atendendo à uma demanda social que extrapola
cada vez mais os limites nacionais, necessitando para tanto, uma
regulamentação que atenda à realidade de uma ciência jurídica que
cada dia extrapola os limites nacionais, fortalecendo a constituição de
um Direito Transnacional.

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(coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões
após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995.

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Jobim proferido durante a cerimônia de sua posse à Presidência do
Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/palavra_dos_ministros/discur
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CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre,


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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do Processo,


7. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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Tutela Coletiva e o Fenômeno do Acesso à Justiça. Rio de Janeiro:
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GASTALDI, Suzana. Ondas renovatórias de acesso à justiça e


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metaindividuais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3817, 13
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GRECO, Leonardo. Justiça civil, acesso à justiça e garantias. In:


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HILL, Flávia Pereira. O direito processual transnacional como


forma de acesso à justiça no século XXI: os reflexos e desafios da
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Realidade Brasileira : Origem e Evolução até a Resolução n. 125 do
Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

284
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Mediação à luz do projeto de lei e do direito comparado. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil:


Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1.

285
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA
PÚBLICA NAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO
ESTADO DE SERGIPE NO BIÊNIO 2013/2014

João Víctor Pinto Santana

RESUMO: Com a alteração legislativa operada pela Lei nº 11.448/07,


a Defensoria Pública passou a integrar o rol de legitimados para a
realização da tutela de direitos difusos e coletivos, o que parece dar
causa a um processo de democratização do acesso à justiça. Esta é
justamente a hipótese que o presente trabalho procura enfrentar.
Utilizando-se de pesquisa bibliográfica quantitativa e qualitativa,
através de referenciais teóricos e de jurisprudências relacionadas à
atuação da Defensoria Pública na defesa dos direitos coletivos e difusos
por meio de ação civil pública, realizou-se a sistematização das ações
civis públicas transitadas em julgado no biênio 2013/2014 no Estado de
Sergipe, com o escopo de analisar tal realidade. Sendo assim, o
presente estudo buscou verificar se o fortalecimento institucional da
Defensoria Pública, para a proteção dos direitos difusos e coletivos,
contribui para a democratização do acesso à justiça.

Palavras-chave: Defensoria Pública. Acesso à Justiça. Interesses


Difusos e Coletivos. Ação civil pública.

RESUMEN: Con la modificación legislativa operada por la Ley nº


11.448 / 07, la Defensoría Pública pasó a integrar el rol de legitimados
para la realización de la tutela de derechos difusos y colectivos, lo que
parece dar lugar a un proceso de democratización del acceso a la
justicia. Esta es justamente la hipótesis que el presente trabajo intenta
afrontar. El uso de la investigación bibliográfica cuantitativa y
cualitativa, a través de referenciales teóricos y de jurisprudencias
relacionadas con la actuación de la Defensoría Pública en la defensa de


Advogado inscrito na OAB/SE. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de
Sergipe - UFS. Bolsista da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica
do Estado de Sergipe – FAPITEC/SE. Email: j.victorsantana@hotmail.com.

287
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

los derechos colectivos y difusos por medio de acción civil pública, se


realizó la sistematización de las acciones civiles públicas prorrogadas
en juzgado El bienio 2013/2014 en el Estado de Sergipe, con el
objetivo de analizar tal realidad. Por lo tanto, el presente estudio buscó
verificar si el fortalecimiento institucional de la Defensoría Pública,
para la protección de los derechos difusos y colectivos, contribuye a la
democratización del acceso a la justicia.

Palabras-clave: Defensoría Pública. Acceso a Justicia, Intereses


Difusos y Colectivos. Acción civil pública.

1 INTRODUÇÃO

O acesso à justiça é um essencial direito fundamental em


nosso ordenamento pátrio. Adentrar na temática relacionada ao acesso à
justiça é reconhecer as conquistas - mas também os consequentes
desafios - oriundos do advento de um Estado Democrático de Direito.
Entre outros fatores porque já não é mais admissível entender o acesso
à justiça como uma mera oportunidade de acesso aos tribunais para que
sejam solucionados os conflitos, fazendo-se necessário um efetivo
acesso1, por meio de uma participação processual democrática e uma
solução estatal satisfatoriamente equânime às partes2.

1
Materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades, afirmando-
se como verdadeiro corolário do devido processo legal, que integra um conjunto de
princípios constitucionais que norteiam o Estado de Direito (CANOTILHO, 2003).
Nesse sentido, necessário destacar que o acesso à justiça deve:[...] ser encarado como
o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema
jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os
direitos de todos. (CAPPELLETTI; GARTH, 2002. p. 12).
2
A discussão relacionada ao acesso à justiça, entorno do seu conteúdo, significado e
repercussão para a sociedade é uma questão que merece evidência na
contemporaneidade, sob pena de se correr o risco de soçobrar, definitivamente, a
estrutura judiciária brasileira, tendo em vista o preocupante avanço de entraves como
a morosidade processual (MANCUSO, 2015, p. 216). Portanto, tendo em vista que
“[...] há direitos que obrigam apenas uma pessoa, como os derivados de um contrato.
Outros obrigam o Estado, como o direito à educação básica, expresso em nossa
Constituição. Há direitos, por sua vez, que criam obrigações universais, ou seja, que
obrigam a todas as pessoas e instituições”.(VIEIRA, 2002, p.13), pode-se constatar

288
Nesse contexto de reconhecimento de conquistas, resultantes
de um recente processo de democratização3, o presente trabalho almeja
fomentar a discussão acerca da atuação da Defensoria Pública, pois
percebe-se que o processo civil adquiriu nova roupagem em virtude da
inserção de interpretações exegéticas em benefício da coletividade,
razão pela qual torna-se cada vez mais relevante a referida temática.
Partindo-se da concepção de que as ações coletivas são um dos
resultados benéficos da constitucionalização do direito4 e de fomento a
democratização do acesso à justiça, o presente trabalho visa investigar a
legitimidade ativa atribuída à Defensoria Pública para tutelar direitos
difusos e coletivos, por meio de ação civil pública, mais
especificamente no cenário da jurisdição estadual.
Para tanto, no tocante à catalogação dos dados processuais
abordados neste trabalho, foram estabelecidos os seguintes variáveis
para a elaboração dos elementos quantitativos: a) atuação de ofício ou
mediante provocação b) legitimados passivos; c) juízo em que tramitou;
d) concessão ou não de medida liminar ou antecipatória de tutela; e)
parecer do Ministério Público; f) sentença; g) recurso; h) resultado
processual definitivo.

que, o acesso à justiça, certamente, é um direito humano universal e indiscutivelmente


necessário num Estado Constitucional Democrático-Social de Direito.
3
Essa referida democratização do acesso à justiça representa “uma tentativa da
Secretaria de Reforma do Judiciário de articular uma política nacional constituída
pelo debate coletivo e executada em conjunto com as estruturas do sistema de Justiça,
instituições de ensino, pesquisa e entidades da sociedade civil (TAVARES, 2014,
p.10). Além disso, necessário frisar que a democratização do acesso à justiça
compreende não somente o acesso ao Judiciário, mas também o acesso aos direitos
fundamentais mais basilares.
4
Onde as normas constitucionais encontram-se indiscutivelmente impregnadas no
conteúdo normativo do sistema jurídico. Essa constitucionalização ocorre através de
uma Constituição rígida, superior hierarquicamente à legislação ordinária e composta
de mecanismos de controle de constitucionalidade. Observa-se, assim, que a
Constituição se tornou um verdadeiro norteamento interpretativo invasor, na medida
em que passa a vincular, inclusive, as relações privadas e influenciar as relações
políticas, consolidando a interpretação harmônica das leis infraconstitucionais à luz
da Constituição (GUASTINI, 2003). Resumidamente, “as normas constitucionais
tornam-se progressivamente o fundamento comum dos diversos ramos do direito”
(SILVA, 2014, p.49).

289
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Portanto, quanto à metodologia, adotou-se a pesquisa


bibliográfica, quantitativa e qualitativa, tendo como referenciais
teóricos tanto as ações civis públicas transitadas em julgado no biênio
2013/2014 (com a participação da Defensoria Pública do Estado de
Sergipe no pólo ativo) como a fundamentação teórica e jurisprudencial
pertinentes.
A referida pesquisa quantitativa, objeto central do presente
estudo, foi realizada com base nos dados disponíveis no acervo do
arquivo judiciário de Sergipe e no sítio eletrônico do Tribunal de
Justiça de Sergipe. Adotou como corte científico o lapso temporal
mencionado, visto que foi o biênio - após o advento da Lei nº.
11.448/20075 - imediatamente anterior à pacificação jurisprudencial
realizada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento (que
ocorreu em 2015) da ação direta de inconstitucionalidade nº 3.9436
(onde se reconheceu a atuação da Defensoria, na defesa de direitos
difusos e coletivos).
Diante disso, ressalta-se que foram catalogadas um total de 44
(quarenta e quatro) ações civis públicas propostas pela Defensoria
Pública em Sergipe em âmbito da justiça estadual. Realizou-se,
portanto, um mapeamento geral dos processos tramitados na justiça
sergipana que tiveram a Defensoria Pública estadual no pólo ativo das
ações em defesa de direitos difusos e coletivos, com o escopo de
verificar a efetivação da democratização do acesso à justiça, no Estado
de Sergipe.

5
Lei que alterou o artigo 5º da Lei nº. 7.347/85, incluindo a Defensoria Pública no rol
de legitimados para a propositura de ações civis públicas.
6
Nesse julgamento, o entendimento do STF fortaleceu a democratização do acesso à
justiça, visto que reconheceu mais um meio é mais um meio idôneo para “prevenir a
pulverização dos megaconflitos em múltiplas e repetidas ações individuais”
(MANCUSO, 2009, p. 147), reconhecendo que “[…] a Defensoria Pública poderá
ajuizar qualquer ação para tutela de interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos que tenham repercussão em interesses dos necessitados. Não será
necessário que a ação coletiva se volte à tutela exclusiva dos necessitados, mas sim
que a sua solução repercuta diretamente na esfera jurídica dos necessitados, ainda que
também possa operar efeitos perante outros sujeitos.” (MARINONI; MITIDIERO;
ARENHART, 2015,p. 417)

290
2 DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E OS
IMPACTOS DA LEI Nº 11.448/2007 NO ESTADO DE SERGIPE

Conforme já mencionado, a Lei nº 11.448/07, que alterou o


artigo 5º da Lei nº. 7.347/85, ampliou o rol de legitimados para a
propositura de ações civis públicas, ao incluir a Defensoria Pública para
a realização da tutela de direitos difusos e coletivos, realidade
normativa que fortaleceu a proteção processual à coletividade.
Portanto, a referida instituição passou a ser legitimada a propor ações
civis públicas, desde 2007, na defesa de direitos difusos e coletivos.
Merece destaque o fato de que a Defensoria Pública já atuava
em defesa da coletividade, ao tutelar os interesses individuais
homogêneos, com fulcro nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do
Consumidor, ou seja, o que houve, em verdade, foi um fortalecimento
do processo de democratização do acesso à justiça, na medida em que
ampliou as competências institucionais da Defensoria, pois “[...] na
ordem jurídica não há preferência alguma entre os diversos
legitimados” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 738) para propositura
de ação civil pública.
Tendo em vista que “a consagração legislativa de um direito é
apenas o primeiro passo rumo à sua efetivação no plano concreto”
(FENSTERSEIFER,2015, 72), surgiram outras inovações normativas
que fomentaram a discussão jurídica sobre a legitimidade ativa da
Defensoria na defesa dos direitos difusos e coletivos, como por
exemplo a aprovação da emenda constitucional nº 80/2014, que
conferiu à Defensoria, expressamente, competência institucional para
defender a coletividade. Sendo assim, até o final ano de 20157 era
polêmica a legitimidade ativa da Defensoria, na defesa de direitos
coletivos e difusos, no cenário jurídico.
O presente estudo, não busca analisar o desenvolvimento
teórico acerca dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais
divergentes em relação à citada legitimidade ativa da Defensoria que

7
A mencionada polêmica fora devidamente estabilizada no mundo jurídico, através
do recente julgamento pelo STF, por meio da ADI 3943, no ano de 2015.

291
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

surgiu após o advento da alteração trazida pela mencionada Lei


11.448/07 e também não pretende analisar os reflexos sócio jurídicos
do posicionamento da ADI nº 3943, visto que este não o objeto de
estudo proposto8.
Necessário frisar, portanto, conforme já afirmado, que o objeto
de estudo aqui delineado corresponde à análise do acervo do arquivo
judiciário de Sergipe de ações civis públicas, que tutelaram direitos
difusos e coletivos e tiveram a Defensoria Pública como sujeito ativo,
transitadas em julgado no biênio 2013/2014.
Para tanto, parte-se de uma premissa, sob a égide da
hermenêutica constitucional hodierna9, de que o acesso à justiça deve
ser proporcionado fomentando as seguintes vertentes: a) acesso aos
Tribunais, não podendo qualquer lesão ou ameaça a direito ser afastada
do controle jurisdicional; b) proibição dos Tribunais e juízes de exceção
e garantia do devido processo legal, assegurados a ampla defesa e o
contraditório; c) e assistência jurídica integral e gratuita; d) garantia de
um acesso ao processo justo e com tramitação razoável para que se
possa, efetivamente, garantir a concretização do acesso à justiça.
Nessa lógica de buscar a concretização10 de um processo justo,
torna-se pertinente analisar a atuação processual de instituições
essenciais à justiça, como por exemplo: Defensoria Pública,
identificando as conquistas e desafios da sua legitimidade ativa, para

8
Inclusive, entendemos que, sem sombra de dúvidas, com o julgamento da ADI 3943,
o STF fortaleceu o ideal-democrático-participativo de acesso à justiça, onde o
principal beneficiário deste fortalecimento institucional da Defensoria Pública foi a
coletividade, razão pela qual não busca-se, pelo menos neste ensaio, analisar tal
decisão. Pelo contrário, adotamos esta realidade processual como premissa para o
desenvolvimento deste trabalho.
9
Por meio de uma interpretação dos seguintes dispositivos constitucionais: artigo 5º,
incisos: XXXV, XXXVII, LIV, LV e LXXIV, todos da CF/88. E, por base na
concepção de constitucionalização do direito, desenvolvida por Riccardo
Guastini(2003), já detalhada em nota de rodapé alhures.
10
Justamente para que se possa fomentar e, logicamente permitir a “prestação
jurisdicional eficaz que surgiu o processo coletivo. Não basta que a Constituição
assegure acesso à Justiça: para que essa garantia seja real, é preciso que o acesso seja
eficaz. E essa é a função do processo coletivo: centralizar numa única ação a defesa
de todo o grupo, classe ou categoria de lesados, permitindo que o julgamento de
procedência beneficie a todos”(MAZZILLI, 2012,s.n)

292
que possa haver o fortalecimento deste recente processo de
democratização brasileiro bem como garantia da efetiva
democratização do acesso à justiça, através de um panorama
quantitativa de atuação.

3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO


ESTADO DE SERGIPE COM BASE NOS DADOS COLETADOS
NO BIÊNIO 2013/2014

A análise do quantitativo das ações civis públicas ajuizadas no


Estado de Sergipe, pela Defensoria Pública, conforme dito
anteriormente, visa fomentar arcabouço teórico para a efetivação da
norma jurídica que expressa a legitimidade ativa da mencionada
instituição para a propositura de ação civil pública. O que se busca,
consequentemente, é fortalecer “o debate sobre o conteúdo e o
significado contemporâneo do acesso à justiça entre nós, antes que
soçobre de vez a estrutura judiciária do país” (MANCUSO, 2015, p.
216). Nesse sentido, é necessário compreender inicialmente que:

[...] o direito de acesso à justiça possui duas facetas: a


primeira é a faceta formal, e consiste no reconhecimento
do direito de acionar o Poder Judiciário. A segunda faceta
é a material ou substancial, e consiste na efetivação desse
direito: (i) por meio do reconhecimento da assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovem a
insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV); (ii) pela
estruturação da Defensoria Pública como instituição
essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134); (iii)
pela aceitação da tutela coletiva dos direitos e da tutela de
direitos coletivos, que possibilita o acesso à justiça de
várias demandas reprimidas; e (iv) pela insurgência de
um devido processo legal em prazo razoável, pois não
basta possibilitar o acesso à justiça em um ambiente
judicial marcado pela morosidade e delonga (RAMOS,
2015, p. 596).

Tendo em vista que a judicialização de tais ações ainda é algo


recente na realidade processual brasileira, questiona-se: De que maneira

293
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

a legitimidade ativa da Defensoria Pública ocorreu no âmbito do


judiciário sergipano?
Para tentar responder tal questionamento, é necessário realizar
uma análise do tema à luz da Constituição Federal de 1988, pois trata-
se da inserção da Defensoria Pública na categoria dos legitimados para
defesa de direitos difusos e coletivos.
Durante o biênio 2013/2014, foram constatadas 44 (quarenta e
quatro) ações civis públicas (que possuíram como objeto a tutela de
direitos difusos e coletivos) transitadas em julgado no Estado de
Sergipe, tendo como sujeito processual ativo, a Defensoria Pública
Estadual.
Quanto à catalogação dos dados processuais, como já foi
mencionado, utilizou-se dos seguintes elementos de análise: a) atuação
de ofício ou mediante provocação; b) legitimados passivos; c) juízo em
que tramitou; d) concessão ou não de medida liminar ou antecipatória
de tutela; e) parecer do Ministério Público; f) sentença; g) recurso; h)
resultado processual definitivo. Tais dados foram essenciais para
entender a atuação legitimidade ativa da Defensoria Pública do Estado
de Sergipe – DPE/SE e fundamentais para a construção do panorama de
atuação da mencionada instituição, nas ações coletivas – em defesa dos
direitos difusos e coletivos – transitadas em julgado no biênio de
2013/2014.

3.1 VARIÁVEL “A”: atuação de ofício ou mediante provocação?

Em relação a variável “a” (denominada: atuação nas ações


civis públicas), buscou-se examinar se a atuação da DPE/SE consistia,
em sua maioria, em ser de ofício ou mediante provocação. Constatou-se
que 85,71% dos processos tiveram uma atuação de ofício da Defensoria
Pública do Estado de Sergipe para integrar o pólo ativo da demanda,
enquanto que em apenas 14,28% dos processos ocorreu uma atuação
mediante provocação para a propositura das referidas ações civis
públicas, conforme o gráfico a seguir:
Assim sendo, resta evidente que a Defensoria Pública vem
adotando um caráter independente em sua atuação, na medida em que

294
judicializa de ex officio as demandas referentes aos interesses da
coletividade.
Consequentemente, por meio destes dados, nota-se a presença
de uma postura institucional rumo à concretização e efetivação das
garantias constitucionais da sociedade, mas, acima de tudo, das
garantias constitucionais destinadas à referida instituição essencial à
justiça (como por exemplo os princípios institucionais elencados no
artigo 3º da Lei Complementar nº 80/94).
E é justamente por meio da judicialização dos direitos difusos
e coletivos, que o Poder Judiciário (no presente contexto,
especificamente por meio da Defensoria Pública), tornam concretas
todas as orientações e procedimentos inseridos na Constituição da
República/88 referentes às obrigações ainda inadimplidas pelo Poder
Público, constituindo um positivo (e nobre) ativismo do poder
judiciário para a concretização de tais direitos.
Portanto, torna-se necessária a reflexão de que a criação e
estruturação de instituições estatais com tal objetivo constitucional,
como as Defensoria Públicas, sem dúvida, se estabeleceu (e se
estabelece) como um verdadeiro avanço para a concretização do acesso
à justiça. (FENSTERSEIFER,2015, p. 54-55).
Por outro lado, não é despiciendo atentar que a necessidade de
fortalecimento institucional ainda é marcante, visto que, ainda hoje, a
instituição “Defensoria Pública” não está instalada em todos os Estados
da Federação. (BRASIL, 2013). Essa realidade é corroborada pelo
Mapa da Defensoria Pública no Brasil (IPEA, 2013) e é digna de uma
profunda reflexão11 que deve ser pautada à luz da consolidação dos
direitos fundamentais.

11
Entretanto, frise-se que, infelizmente, não há como o presente artigo se debruçar
sobre tal temática, haja vista a delimitação para discussão e o limite de laudas para
publicação. Mas, reitera-se a necessidade de uma reflexão urgente, que deve ser
realizada por meio de uma abordagem multidisciplinar, principalmente abordando-se
as vertentes: econômica e sociais.

295
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

3.2 VARIÁVEL “B” LEGITIMADOS PASSIVOS: QUEM


FORAM OS LEGITIMADOS PASSIVOS MAIS
RECORRENTES?

Com relação a variável “b” (intitulada de: legitimados


passivos), buscou-se identificar quais eram os principais legitimados
passivos das respectivas demandas, e foi observado que 35,71% dos
processos envolveram o Estado de Sergipe no pólo passivo das
demandas. Enquanto que 21,42% dos processos analisados envolveram
Municípios e em 42,85% das causas judiciais tiveram outras partes no
pólo passivo.
Nota-se que os dados ligados à Administração Pública
(Estados e Municípios), estavam voltados para obrigações de fazer por
parte destes entes públicos, configurando-se, como por exemplo: as
implantações de políticas públicas ou até mesmo a garantia de direitos
humanos fundamentais, como o fornecimento de refeição diária em
presídios.
O grande quantitativo de outros integrantes no pólo passivo,
que não sejam o poder público, era basicamente referente à prestação
de serviços como por exemplo: a atualização dos saldos de poupanças
(frequente em ações relacionadas aos planos governamentais: Bresser e
Verão); suspensão de taxa de telefonia; interrupção de serviços;
permissão de inscrição em concursos públicos (frequente em processos
relacionados instituições responsáveis por certames públicos);
abusividade contratual (frequente em ações envolvendo aumento
unilateral na mensalidade de planos de saúde).
São indicativos que retratam alguns fatores, dentre eles: a
ausência de cumprimento, por parte dos gestores públicos, das
responsabilidades relacionadas à atividade pública.

3.3 VARIÁVEL “C”: em qual juízo tramitou o processo?

Sobre a variável “c” (intitulada: juízo em que tramitou a ação


civil pública), buscou-se identificar onde havia maior proporção de
ações impetradas, e notou-se que 70,21% foram tramitados na capital

296
sergipana enquanto que 29,79% foram tramitados nas comarcas do
interior do Estado.
Os referentes dados, já eram previsíveis por uma série de
fatores que foram constatados no decorrer da análise dos dados
coletados, dentre eles: a) Há uma maior proporção de demandas
judiciais na capital do que no interior (e esse fator está relacionado,
certamente, ao maior contingente populacional localizado na capital de
Sergipe, o município de Aracaju); b) Há, em Aracaju/SE, um maior
número de varas para a solução dos conflitos (ou seja, maior
estruturação da máquina judiciária); c) Ainda há pouco quantitativo de
quadro pessoal na instituição.
Com isso, o presente dado mostra-se esclarecedor na medida
em que serve como um alerta tanto para a sociedade quanto para a
própria Defensoria da necessidade do fortalecimento12, em termos
estruturais, da instituição na base territorial jurisdicional do interior do
Estado (até mesmo para evitar a desistência de ações por parte da
Defensoria, onde passaram a “ter no pólo ativo o Ministério Público,
assumindo a demanda em razão da inexistência de Defensor Público
com ofício nesta Comarca”13).

3.4 VARIÁVEL “D”: houve (ou não) concessão de liminar ou


antecipatória de tutela?

Referente a variável “d” (intitulada: concessão ou não de


medida liminar ou antecipatória de tutela) observou-se que 57,14% das
ações tiveram a concessão de tutela antecipada concedidas enquanto
que 42,85% das demandas judiciais não tiveram a referida concessão,
conforme a tabela abaixo:
Com isso, constata-se, mais uma vez, a primordial função da
referida legitimidade de propositura das ações civis públicas, haja vista

12
Cf. VERRI, Marina Mezzavilla. Legitimidade da Defensoria Pública na Ação
Civil Pública: Limites. São Paulo: Ribeirão Preto Gráfica e Editora, 2008, p. 105-
106.
13
SERGIPE. Tribunal de Justiça. Ação Civil Pública. Processo nº 200881200554
(julgado), da Comarca de Malhador. Requerente: Defensoria Pública do Estado de
Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Distribuído em: 09/09/2008

297
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que o alto índice de deferimento de liminares, apenas demonstra a


necessidade de julgamento célere relacionado aos direitos coletivos.

3.5 VARIÁVEL “E”: parecer (favorvel ou não) do ministério


público em relação às causas coletivas impetradas pela defensoria
pública

Em relação a variável “e” (intitulada como: parecer do


Ministério Público em relação às causas coletivas impetradas pela
Defensoria Pública), buscou-se avaliar a atuação do Parquet prevista no
artigo 5º, §1º da Lei nº 7.347/85 (Lei que disciplina a ação civil
pública) c/c artigo 83 do Código de Processo Civil de 197314, ou seja,
como “fiscal da lei”. Foram coletados os seguintes dados:
Percebe-se que 78,57% dos pareceres foram favoráveis à
atuação enquanto que 21,43% foram contra a referida atuação de
iniciativa da Defensoria.
Destaca-se que, nos casos onde o posicionamento do
Ministério Público Estadual fora contrário aos pedidos da inicial foram,
em sua maioria, em virtude da perda superveniente do objeto da causa
ou até mesmo o declínio de competência jurisdicional. Sendo assim,
tais dados são indicativos de que a atuação da Defensoria Pública de
Sergipe é balizada na proporcionalidade e dentro das competências
institucionais.

3.6 VARIÁVEL “F” – SENTENÇA: procedente ou improcedente?

Em relação a variável “f” (intitulada: sentença), buscou-se


saber o percentual de sentenças favoráveis e a proporção das demandas
desfavoráveis aos pedidos mencionados nas exordiais das ações civis
públicas que tutelaram direitos difusos e coletivos.
Evidenciou-se que 60,72% das demandas tiveram sentenças
favoráveis enquanto que 39,28% tiveram a resolução do pleito desfavorável
em relação ao que fora mencionado na peça processual inaugural.

14
Apenas a título de esclarecimento, importante relembrar que à época do biênio
2013/2014 estava em vigor o CPC/73. Atualmente, o mencionado dispositivo é
referente ao artigo 179 do Código de Processo Civil Brasileiro.

298
Destaca-se que, para a presente sistematização, nas decisões
favoráveis foram inseridas apenas as sentenças com resolução de
mérito favorável, enquanto que nas decisões desfavoráveis encontram-
se, além das sentenças improcedentes, as decisões sem resolução do
mérito fundamentadas no art. 267 do CPC/7315.
Assim, nota-se um retorno positivo, da atuação da DPE/SE,
em benefício da coletividade, diante do maior número de sentenças
favoráveis, tendo em vista que a tutela é, desde a exordial, pautada na
defesa dos direitos difusos e coletivos da sociedade civil. Em que pese,
portanto, possíveis condenações terem recaído sobre a Administração
Pública, faz-se necessário interpretar estes dados à luz do interesse da
coletividade, com base numa exegese da própria natureza jurídica da
ação processual coletiva.

3.7 VARIÁVEL “G” – RECURSO: houve ou não houve?

Em relação a variável “g” (intitulada: recurso), na busca da


análise dos quantitativos, evidenciou-se que em 64,29% dos processos
houveram recurso, enquanto que em 35,71% não foram evidenciados
recurso processual, nos termos da tabela abaixo:
Destaca-se que a porcentagem referente à ausência de recurso
deve ser interpretada juntamente com as hipóteses mencionadas na
variável “f” quando foi tratado sobre as resoluções das demandas sem
resolução de mérito, haja vista a perda do objeto da relação
jurisdicional.
No mais, não se extrai uma relevância social prática desses
dados sobre a efetividade das decisões, mas é um forte indicativo de
atuação presente em instâncias processuais superiores e
acompanhamento do processo por parte da instituição essencial à
justiça, realidade que reitera o compromisso social conferido à
instituição de proteção à coletividade em todas as instâncias, conforme
o art. 134 da CF/88.

15
Atualmente, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o referido
dispositivo é referente ao artigo 485 do CPC/2015.

299
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

3.8 VARIÁVEL “H”: resultado processual definitivo

E, por fim, em relação a variável “h” (intitulada: resultado


processual definitivo), tem-se que, após os respectivos recursos,
82,14% das sentenças foram mantidas enquanto que apenas 17,86%
foram reformadas pelo TJSE.
Os dados, ao retratarem alto índice de manutenção das
sentenças, indicam novamente para importância da atuação da
Defensoria Pública no Estado de Sergipe, na efetivação dos direitos
difusos e coletivos.
Entretanto, necessário destacar que fora analisado somente a
manutenção ou não da sentença, portanto, apesar dos índices estarem,
de certa forma, atrelados à procedência ou não da sentença, tal relação
– com base no filtro científico que foi utilizado na presente análise
acadêmica – pode não estar diretamente relacionada, ou seja, não
necessariamente o índice é referente à manutenção de um resultado
processual favorável.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de democratização do acesso à justiça, com a


inserção da Defensoria Pública dentre os legitimados processuais para
realização da propositura de ações civis públicas, em defesa dos
direitos difusos e coletivos, possibilitou uma nova abordagem
interpretativa do direito, na medida em que fomentou as competências
institucionais já estabelecidas pela Constituição Cidadã e ampliou o
conceito de hipossuficiência, não se limitando somente à carência
financeira, garantindo a proteção institucional daqueles que ostentam
outras noções de vulnerabilidade, como a organizacional e a jurídica.
Salienta-se que a Defensoria Pública ainda carece de aparato
estrutural para cumprir os novos compromissos legislativos. Assim,
torna-se crucial fortalecer institucionalmente a Defensoria, pois o
fortalecimento deste mencionado órgão, é, certamente, sinônimo de
efetivação dos direitos fundamentais e consequentemente de efetivação
da democratização do acesso à justiça.
Com base nos dados quantitativos apresentados, pode-se notar

300
que a atuação da Defensoria Pública pode ser considerada de
fundamental importância, pois os dados referentes à legitimidade ativa
da Defensoria Pública na defesa dos direitos difusos e coletivos , no
âmbito do judiciário sergipano, no biênio 2013/2014, comprovam que a
atuação institucional ocorreu de forma satisfatória para a coletividade.

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304
EM BUSCA DO ACESSO À JUSTIÇA NO CAMPO
PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO: entre as (revira)
voltas do pensamento de Franz Kafka no inquérito
policial e o princípio do contraditório

José Nilton de Menezes Marinho Filho


Rian Pinheiro Pereira

RESUMO: O acesso à justiça torna-se uma tônica que extrapola o


universo jurídico clássico, na medida em que se utiliza da contribuição
essencial de outras áreas do conhecimento (as ciências sociais, a
literatura, a filosofia, dentre outros) a fim de se firmar e efetivar-se na
realidade cotidiana. Nesse sentido, o mero ordenamento jurídico pátrio
não é o fim único, sendo, pois, um início. Focando empenho em
analisar o acesso à justiça no processo penal consoante ao respeito das
garantias constitucionais, esse estudo objetiva, de modo especial,
apreciar o princípio do contraditório no inquérito policial. Essas
considerações se dão de modo histórico-comparativo mediante o estudo
do romance “O processo” de Franz Kafka. Realiza-se, preliminarmente
uma investigação acerca da obra e suas similitudes com a fase pré-
processual brasileira, aludindo, com isso, a importância da atividade
advocatícia no caminhar de um efetivo acesso à justiça. Por fim,
detendo-se a uma investigação das garantias fundamentais, aponta-se o
necessário respeito a estas em sede de inquérito policial, em especial ao
princípio do contraditório que se personifica com atuação do advogado,
defensor que age em favor de seu representado, objetivando o acesso
amplo da defesa, sendo, pois uma atuação que assegura, lato sensu, o
acesso à justiça.

Palavras-chave: Acesso à justiça. Inquérito policial. “O processo”.


Princípio do contraditório.

ABSTRACT: Access to justice becomes a tonic that goes beyond the


Graduando em Direito.

Advogado.

305
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

classical legal universe, in that it uses the essential contribution of other


knowledge areas (the social sciences, literature, philosophy, among
others) in order to be establish and effective In everyday reality. In this
sense, the mere legal order of the country is not the only end, and is
therefore a beginning. Focusing on examining access to justice in
criminal proceedings according to the respect of constitutional
guarantees, this study aims, in a special way, to assess the contradictory
principle in the police inquiry. These considerations are given in a
historical-compared way through the study of novel "The Process" by
Franz Kafka. An investigation about the work and its similarities with
the Brazilian pre-procedural phase is carried out, alluding, with this, the
importance of the advocacy activity in the way of an effective access to
justice. Finally, in order to investigate the fundamental guarantees, it is
necessary to respect them in course of police investigation, in particular
principle of the contradictory personified by the lawyer, a defender who
acts in favor of his representative, objectifying the broad access of the
defense, being therefore action that ensures, broad sense access to
justice.

Keywords: Access to justice. Police inquiry. "The process".


Contradictory principle

1 INTRODUÇÃO

Tormentosa é a trilha com finalidade de determinar o alcance


do termo “justiça”. De plano, é possível observar que não comporta a
adoção de um conceito restritivo. A filosofia e as ciências sociais em
muito já se empenharam com essa tarefa. Com segurança, é possível
afirmar que a sistemática econômica, correntes ideológicas e crenças
religiosas, fatores sociais em geral, influenciaram na definição do justo,
do mesmo modo que é notável sua fluidez diante das balizas temporal e
espacial.
Inocência acreditar que a lei positivada será suficiente para
demarcar o justo e garantir sua concretização. De certo, a equidade e
justiça são valores que devem nortear a construção da norma, no
entanto, não se pode esquecer o papel de controle social exercido pela

306
norma, enquanto previsão abstrata e quando da aplicação concreta, no
qual muitas vezes o mandamento legal acaba por ter sentido e
finalidade deturpados.
Fincado os pés nessas proposições, propõe-se com o estudo
analisar no processo penal o acesso à justiça. Partindo do estudo do
“processo” consagrado na obra literária de Kafka, adotará por foco o
princípio da dialética, mandamento basilar da justiça processual,
positivado sob alcunha de contraditório. Diante do império democrático
da norma, há legitimidade para existência de uma fase inquisitorial do
processo penal?
A exploração do tema realizar-se-á mediante uma abordagem
dedutiva através de estudo bibliográfico que comportará a análise
qualitativa de livros, periódicos, teses e textos normativos. O objetivo
central é analisar o acesso à justiça através do respeito ao princípio do
contraditório no âmbito do inquérito policial. De modo secundário
objetiva-se compreende o processo em Kafka e suas similaridades com
a persecução penal brasileira, para tanto, empregará secundariamente a
metodologia comparativa. De mesmo modo, objetiva demonstrar a
necessidade da presença do advogado para garantir o justo.

2 JOSEF K. E O INQUÉRITO POLICIAL: atualizações de “O


processo” kafikiano à brasileira

“Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã


ele foi detido sem ter feito mal algum.” (KAFKA, 2005, p. 7) Assim,
inicia-se a narrativa escrita por Franz Kafka, denominada “O processo”,
em que é narrado o caso do procurador de um banco, Josef K., que fora
abordado e detido na pensão em que morava por dois funcionários,
supostamente vinculados à justiça, incumbidos de vigiá-lo, sendo
somente isso que estes sabiam acerca daquela situação. A abordagem é
rápida e turva. Nada é lógico, tampouco linear. Nesse breve tempo em
que a cena se desenvolve, algumas investigações são realizadas, mesmo
que de forma velada no ambiente, bem como nos pertences pessoais de
Josef K.
Enquanto isso, no quarto ao lado, é improvisada uma sala de
interrogatório, onde Josef K. é conduzido e apresentado a um inspetor

307
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que assim como os demais funcionários, era subalterno e secundário ao


caso; possuindo apenas a função de anunciar ao procurador que este
fora acusado, mas que, nem mesmo ele possuía o conhecimento de
quem o acusara, ou do teor desta acusação. No desenrolar da obra,
nota-se que todos eram “[...] funcionários inferiores alienados da
dimensão global do processo, mas cumpridores de ordens estabelecidas
pelo Outro, aquele que nunca aparece ou se sabe quem é, o ausente”
(STRECK; OLIVEIRA, 2012, p. 7).
Neste momento alguns questionamentos são realizados,
contudo, sem que nada fosse solucionado. A cena que personificara a
ideia do cerceamento a um contraditório e ao acesso à informação,
como se entende atualmente, chega ao fim com a saída descontínua dos
funcionários e a liberação de Josef K., que mesmo continuando detido,
recebe o aviso que nada o impediria de continuar sua rotina de modo
como já realizara habitualmente (KAFKA, 2005).
Em termos jurídico-processuais brasileiros contemporâneos, a
situação descrita pode ser considerada não propriamente processual,
mas sim pré-processual. Ao invés de constituir um processo, a situação
enfrentada por Josef K. no dia de seu trigésimo aniversário, assemelha-
se a um procedimento que compõe um inquérito policial.
Por definição o inquérito policial é um procedimento
inquisitivo, realizado pela polícia judiciária de caráter administrativo
que se origina com a notitia criminis, consistindo em uma investigação
preliminar que intenta angariar informações sobre o delito e os agentes
envolvidos neste. Dessa forma, não possui finalidade em si mesmo, é,
antes um instrumento meio que visa possibilitar a formação de um
arcabouço auxiliar ao processo judicial.
Ao se analisar os princípios da ampla defesa e do contraditório
como são reconhecidos pela comunidade jurídica brasileira atual, tem-
se que este garante ao acusado o direito de ter conhecimento do inteiro
teor daquilo que o acusam, sendo a este possibilitado o direito de
participar de modo ativo da situação, bem como influenciar os rumos
que seu caso irá tomar; já aquele proporciona a possibilidade de se
utilizar de mecanismos legais para rebater o conteúdo da acusação,
sendo, desta forma, o modo como se efetiva o contraditório. Partindo
do ponto em que estes princípios são inerentes aos processos, tem-se

308
Josef K. não fora submetido a um processo propriamente dito,
consoante ao entendimento pátrio atual, mas sim a um inquérito.
Ao se analisar o artigo 6º do Código de Processo Penal
brasileiro que trata do inquérito policial e recordando a passagem
anteriormente citada da obra de Franz Kafka, pode-se apreender e
confirmar as similitudes existentes entre os dois textos. Possibilitando-
se, deste modo, afirmar que este trecho da legislação nacional reproduz
a cena narrada de forma límpida, além de corroborar com a ideia que
Josef K. fora submetido a um inquérito e não a um processo
propriamente dito.
Assim, devido ao seu caráter administrativo e pela ausência de
dialeticidade no que se refere às garantias constitucionais inerentes a
efetivação da justiça, o inquérito policial, por si só, não é, em regra, um
instrumento capaz de levar a condenação de um indivíduo. Contudo,
seu acervo probatório, caso seja confirmado em juízo, no qual sejam
garantidos de modo pleno o acesso aos princípios que regem as
relações processuais, são homologados e passam a ser provas legais.

2.1 PROVAS INCONSTITUCIONAIS PODEM SERVIR DE


EVIDENTIAS REI NAS CONDENAÇÕES CRIMINAIS?

O artigo 155 do Código de Processo Penal abarca uma série de


questões polêmicas e de certo modo anacrônicas que acabam por ferir
direitos e garantias fundamentais. Logo de início este dispositivo já
informa que faz a opção pelo sistema de livre apreciação (motivada),
método que permite ao magistrado decidir conforme seu livre
convencimento, não ficando preso apenas a legislação vigente, nem
tampouco as provas produzidas durante o percurso pré-processual e
processual, possuindo apenas o dever de expor os motivos que o
convenceram. Ora, a decisão, nesse caso, é uma análise do caso
concreto acrescida ao entendimento do juiz. Essa situação é
inadmissível em uma democracia, haja vista seja necessário se ter um
controle para além de um decisionismo intersubjetivo. Personalismos
não combinam com Estado Democrático que preconiza que as regras
seguidas sejam anteriormente positivadas, excluindo, dessa forma,
comportamentos surpresas.

309
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Nesse arquétipo, o juiz extrapola a função de apenas aplicar a


legislação ao caso concreto, utilizando-se de seu arbítrio (BOURDIEU,
2006), bem como de seus valores para solucionar as demandas
submetidas ao Poder Judiciário. Todo esse movimento ultrapassa o
chamado juiz boca da lei que só reproduzia os textos legais para dar
margem ao juiz dono da lei que pode decidir conforme seu
convencimento (desde que motive), sem a necessidade de respeito as
provas constituídas em juízo. Só a motivação (pessoal) basta.
É necessário afirmar que esta situação ocorre, principalmente,
com o objetivo de se buscar a chamada verdade real que (almeja
fantasiosamente) reproduzir, de modo fidedigno, os fatos que ensejaram
os casos analisados perante os órgãos judiciais. Neste modelo não basta
a mera análise das provas e demais produções elaboradas pelas partes,
mas sim, procura-se a verdade da realidade. Acreditar nesse modelo é
renegar o caráter dialético das relações sociais, dando-lhe um aspecto
plasmado.
Partindo para uma investigação da palavra “exclusivamente”
contida no dispositivo legal, chega-se à conclusão que este termo
possui uma dubiedade hermenêutica. Se por um lado confirma a
ausência da possibilidade de se decidir acerca da condenação de
alguém baseando-se somente em provas colhidas pelo inquérito
policial, uma vez que este não possui a possibilidade de um efetivo
contraditório, logo descumprindo um dos pilares do Estado
Democrático. Por outro prisma, esta mesma palavra (exclusivamente) é
entendida como a expressão “tão somente” o que remete a
possibilidade de as provas reunidas com o inquérito policial serem
consideradas evidentia rei (FOUCAULT, p.57, 1987) e serem as
responsáveis por decidirem os caminhos que os casos tomem.
Se é verdade que o magistrado não pode solucionar a demanda
judicial, somente baseado nos frutos da fase pré-processual, o texto
legal silencia sobre a utilização dessas provas como guias mestras na
resolução das situações que chegam ao Judiciário. O problema não se
ausenta, mas ganha um caráter velado, o que transparece é o
cumprimento efetivo da prestação jurisdicional, como a primeira vista
aparenta ser, quando na verdade o que ocorre são decisões motivadas
por provas inconstitucionais.

310
Neste aspecto, tanto uma quanto outra possibilidade
interpretativa são lesivas ao ordenamento jurídico brasileiro, haja vista
concedem às provas formuladas pela via administrativa uma força
processual intensa. Estes fatos violam diretamente o texto
constitucional de 1988 em seus incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5º e
o inciso IX do art. 93 (LOPES JR., 2016), logo não consistindo
instrumento apto para fundamentar uma decisão jurídica que objetive
uma condenação.
Neste sentido sinaliza de maneira enfática Lopes Jr. (2016, p.
90)

[...] é absolutamente inconcebível que os atos praticados


por uma autoridade administrativa, sem a intervenção do
órgão jurisdicional, tenham valor probatório na sentença.
Não só não foram praticados ante o juiz, senão que
simbolizam a inquisição do acusador, pois o contraditório
é apenas aparente e muitas vezes absolutamente
inexistente. Da mesma forma, a igualdade sequer é um
ideal pretendido, muito pelo contrário, de todas as formas
se busca acentuar a vantagem do acusador público.

Na mesma esteira de raciocínio, outro questionamento


relevante quanto a formulação normativa e estrutural desse dispositivo
normativo, refere-se a suas exceções: as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas. O legislador em suas ressalvas, possuindo
como anseio privilegiar algumas provas confeccionadas antes do
processo judicial, devido a especificidades que as mesmas portam, seja
pela ação do tempo que pode impossibilitar a utilização dessas ou
mesmo sua reprodução com fidedignidade, seja pela impossibilidade de
repetição das mesmas; acaba por acatar provas que ferem, mesmo que
indiretamente, garantias constitucionais.
Por fim, esse arquétipo consiste em um “modelo dissimulado”
(LOPES JR., 2008, p. 286) no qual quando inexistem provas
legalmente confeccionadas ou se perde a capacidade de reproduzi-las
durante o curso do processo, buscando-se, com isso, socorro no
arcabouço produzido durante o inquérito (LOPES JR., 2008). Dessa
forma, há um sacrifício da ordem jurídica que é colocada em segundo
plano, ficando a mercê de provas elaboradas sem o devido respeito a

311
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

garantias constitucionais, em privilégio de uma busca instantânea de


solução de conflitos.
3 O ADVOGADO: da indispensabilidade no caminhar à justiça

O senhor Josef K., encontrando-se na condição de réu, toma


por providência conhecer os livros, regras e sequências de atos que
comportarão o desenrolar da marcha processual. Na obra literária1, o
personagem ao se deparar com os livros postos a mesa do juiz de
instrução, apenas reconhecem imagens sem tomar qualquer ciência
quanto a direitos, procedimentos ou processo, mantendo-se na mesma
penumbra da ignorância preliminar. (KAFKA, 2005)
Apesar de inserido num dos polos da relação processual, o réu
de um procedimento penal não tem, no mais das vezes, qualquer
segurança ou juízo de previsibilidade acerca dos atos processuais
vindouros. Daí já detectável o primeiro prejuízo ao acusado, ou
indiciado se se tratar da fase de inquérito policial. A esse cenário de
inferioridade soma-se o desconhecimento das atitudes possíveis para a
formulação e constituição dos elementos probatórios que poderiam
influir diretamente no provimento jurisdicional.
É diante do desconhecimento dos textos normativos e das suas
repercussões legais que o ordenamento pátrio em sua norma maior,
Constituição Federal de 1988, elenca de um lado a indispensabilidade
do ofício advocatício para a administração da justiça e, na outra mão, o
caráter permanente a instituição da Defensoria Pública para à prestação
das suas incumbências, a destacar a representação, orientação e
promoção dos direitos das classes estigmatizadas pela vulnerabilidade
econômica e social.
Carece, a prima facie, evidenciar que o acesso à justiça, do
qual se toma o tempo em empregar palavras, não diz respeito ao
mandamento previsto no art. 5º, XXXV. O controle jurisdicional,
previsto nesse trecho legal, reflete o acesso ao Poder Judiciário, o que

1
Anota-se que Josef K. diante do desconhecimento da cadeia de atos procedimentais
que irá enfrentar, mas observando o extremo abuso dos atos praticados por aquela
“justiça”, questiona-se acerca presteza e a diligência do seu advogado, chegando à
máxima de rescindir a incumbência defensiva conferida ao patrono. Episódio que
infelizmente repete-se na atualidade.

312
não representa, obrigatoriamente, que o trâmite judicial encerrará num
provimento legítimo e, consequentemente, na concretização do justo.
Nicodemos (2017) concorda com o posicionamento aqui
esposado, afirmando existir um caráter universal de acesso à justiça,
um direito que assiste a todos os indivíduos independentes de suas
qualidades e características singulares. Essa universalidade estaria na
exata concepção do que se chamou, no parágrafo precedente, de
“acesso ao judiciário”, logo apreciação de uma lide pelo Estado.
Prossegue Nicodemos (2017, p. 27):

Desse modo, considero que a assistência judiaria prestada


aos réus por meio de diferentes modalidades é uma
mediação entre estes e o espaço judicial no sentido de
constituí-los enquanto sujeitos de direitos, nos limites do
modelo liberal em que se inserem. Examinar
sociologicamente estas atuações jurídicas é uma forma de
operacionalizar a análise de articulações relacional entre
indivíduo e administração da justiça estatal, pensada
como uma dimensão da organização burocrática do
Estado.

No embate processual é essencial se fazer representado por um


sujeito dotado da expertise jurídica, não apenas por imperativo
normativo que concede a capacidade postulatória2 ao bacharel em
direito regularmente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do
Brasil, mas por uma questão de igualdade processual, da viabilidade de
litigar com a dignidade.
Numa apressada observação, é possível até compreender que a
exigência de um profissional habilitado para a atuação em juízo reduz a
autonomia do titular do direito e amplia os custos para o acesso ao
poder judicante, embaraçando, assim, a concretização dos direitos
abstratamente previstos nas normas.

2
A posição generalista adota não cerra os olhos aos episódios pontuais em que o
ordenamento jurídico permite ao próprio ofendido ou ameaçado proferir,
considerando os atos verbais posteriormente reduzidos a termos pelos serventuários
do judiciário, com suas próprias formas, conforme ocorre, exemplificativamente, nos
processos individuais de natureza trabalhista ou mesmo nos processos cíveis sob
trâmite nos juizados especiais nos termos da lei nº 9.099/90.

313
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Os elementos acima apontados são dotados de plausível


capacidade de convencimento, mas põe a margem a mais sensível e
fundamental questão do processo: a finalidade. O processo tem sua
razão de ser em concretizar o mandamento da ordem jurídica para
aquela situação posta a análise do ente judicante, seja acolhendo a
pretensão demonstrada na inicial ou a refutando, parcial ou totalmente.
A justiça é o fim desse meio instrumental, não sendo racional a
existência de um processo capenga de um direito material.
É nessa toada que se invoca a pobreza, mas não na acepção da
ausência de recursos econômicos que ponha em risco a existência do
indivíduo, questiona-se aqui a exiguidade de conhecimento técnico e
sua consequência no convencimento do juiz diante da diminuta
capacidade de demonstrar faticamente a existência dos elementos, no
caso concreto, que lhe garante a assistência do direito.
Tomar-se-á liberdade de apresentar as palavras Russomano
(apud Costa e Silva, 1991, p. 34) que ao debater a carência de
conhecimento nos processos trabalhista, demonstra o potencial prejuízo
que a prática de atos legais despidos de assistência jurídico do
advogado representa, ainda que trate de outra área processual, o
fragmento é enaltecedor:

O índice intelectual do empregado e do empregador não


é, entre nós, suficientemente alto para que eles
compreendam, sem certa dificuldade, as razões de ser da
Justiça do Trabalho [...]. O Direito processual do
Trabalho está subordinado aos princípios e postulados
medulares de toda a ciência jurídica, que fogem à
compreensão dos leigos. É um ramo do direito positivo
com regras abundantes e que demandam análise de
hermenêutica, por mais simples que queiram ser. [...]
Muitas vezes o juiz sente que a parte está com o direito
ao seu favor. A própria alegação do interessado,
entretanto, põe por terra sua pretensão, porque mal
formulada, mal articulada, mal explicada e, sobretudo,
mal defendida. Na condução da prova, o problema se
acentua e agrava. E todos sabemos que a decisão depende
do que os autos revelarem e que os autos revelam o que
está provado.

314
Evidencia-se, a priori, que não há qualquer sentido em
relacionar a atividade advocatícia com a prática sofista dos tempos
gregos. Parcialmente, é reconhecida a necessidade de maestria na
retórica para o exercício dessa profissão, tal como se dava com os
sofistas, no entanto, jamais se daria voz ou enalteceria que a atuação do
advogado como ato de convencimento mediante a boa oratória e
singular escolha de palavras.
Conforme Mascaro (2014) é visível nos sofistas um desapego
à ideia que se está a defender. A oratória representaria uma atuação
instrumental a serviço daquele que o contratou para, mediante a
argumentação articulada, convencer os demais sujeitos da democracia
ateniense.
O referido papel não se presta àqueles que advogam. Há um
compromisso com o ordenamento jurídico a pautar a atuação. Quando
se fala em ordenamento jurídico, como luz norteadora da labuta do
causídico, está a afirmar que o direito não se limita à norma posta. É
com base na completude do direito, um conjunto composto por regras
positivadas e princípios, que se dever ser prestado a defesa das
pretensões dos sujeitos de direito.
É cabível, diante dessa perspectiva, a crítica ao dispositivo
presente no Estatuto da Advocacia no art. 34, XVII. Ao classificar a
conduta de “prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de
ato contrário à lei...” como infração disciplinar, está o legislador a
cometer sério equívoco, inicialmente por reduzir o direito a norma
positiva e, em seguida, por marginalizar a possibilidade de a norma
posta está em descompasso com o ordenamento, desrespeitando a
hierarquia normativa pregada pelo constitucionalismo. Em situações
como essa, do advogado cabe a exigência da coragem e da prestação
positiva de resistência contra a norma simbólica que destoa com a
harmonia do regime jurídico e se afasta dos ditames da justiça.
Superado esse entrave, o que se está a clamar como
fundamento para atuação do expert jurídico é a equidade entre os
agentes no debate jurídico, uma aparente igualdade da capacidade de
intervenção na construção do discurso decisório, o provimento
jurisdicional.

315
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Conquanto ao conteúdo decisório se faça obrigatória a sua


fundamentação no texto normativo, reconhece-se que não se trata de
mero enquadramento numerário, não se limita às certezas exatas de um
trabalho tecnicista. A universalidade do caso particular, as adjetivações
próprias daquilo que está em análise judicial, determinará a formação
de uma norma individual e que deverá estar contida no ideal do justo.
O arcabouço jurídico da construção normativa é talhada por
uma divisão de trabalho no qual há de um lado o conhecimento
doutrinário representando a teoria e, na outra vertente, a produção
prática representada pelas decisões judiciais. Nas mais precisas
palavras de Bourdieu (1989, p. 217-218):

A significação prática da lei não se determina realmente


senão na confrontação entre diferentes corpos animados
de interesses específicos divergentes (magistrados,
advogados, notários, etc.), eles próprios invidios em
grupos diferentes animados de interesses divergentes, e
até mesmo oposto, em função sobretudo da sua posição
hierárquica interna do corpo, que corresponde sempre de
maneira bastantes estrita à posição da sua clientela na
hierarquia social.

Nesse mister, prossegue Bourdieu (1989) conceituando o


“espaço judicial” como zona fronteiriça no qual estão situados aqueles
com o devido conhecimento técnico e, por assim dizer, capazes do
manejo da linguagem para a construção do direito. Assim como, no
mesmo espaço, estarão presentes os que são lançados no “jogo
processual” e que por não apresentarem a competência intelectiva
necessária não prosperam na condição ao direito do caso julgado.
Dúvida não há que, mesmo diante da existência da regra
positiva no art. 3º do Decreto-lei nº 4.657/42 no sentido de que o
desconhecimento da lei não é escusável a qualquer do povo, a restrição
do acesso ao conhecimento jurídico é barreira capital para o exercício
livre do direito.
Furta-se a responsabilidade de realização de debate sobre
matriz curricular ou educacional aplicada em solo pátrio, restringe-se a
observar apenas que, quanto ao direito, a manutenção de formulas
rígidas para o alcance do direito e a utilização demasiada de

316
terminologias inacessíveis, quando da própria construção dos
instrumentos normativos, aos comuns do povo decorre unicamente na
manutenção das estruturas de poder através da segregação e do
fortalecimento da casta daqueles capazes de “jogar no campo
processual”.

4 ATUAÇÃO DO ADVOGADO EM SEDE DO IP: a garantia da


presunção de inocência

O estudo dos direitos e garantias fundamentais apenas é


dotado de racionalidade e rigor técnico quando se considera os fatores
políticos e econômicos da comunidade sobre a qual se objetiva a
análise. É imodesta e falaciosa a doutrinação no sentido de formular um
conjunto de prerrogativas e garantias que seria universal e, portanto,
inerente à condição humana. As proposituras, nesse sentido, acabam
por preconceituar um modelo eurocentrista e, ainda assim, limitada aos
Estados de melhor condição econômica com atuação ativa para a
prestação dos direitos sociais. O fundamental varia conforme as gentes
(SARMENTO, 2010).
É diante de uma perspectiva nacional que se realiza a análise
de um dos princípios basilares do ordenamento jurídico, no que tange
aos diplomas normativos repressivos de natureza penal, a presunção de
inocência. Em caráter informativo, a primeira geração de direitos
fundamentais consagra a impossibilidade de interferência do Estado no
patrimônio ou na liberdade do indivíduo sem o consentimento judicial,
demonstrado em um processo regularmente previsto e, possibilitando
ao indivíduo o conhecimento dos fatos e fundamentos alegados pelo
Estado, assim como, sendo permitida a “vítima”, atuação positiva para
salvaguardar seus bens.
Partindo de uma conotação positiva, o art. 5º, LIV e LVII da
Lei Maior informando da necessidade de observação do devido
processo legal para legitima privação de bens e da liberdade, destarte
determina que o título de culpado recairá unicamente sobre o indivíduo
após o trânsito em julgado da sentença.
No romance kafikiano, inicialmente a existência de um
processo do qual desconhecia totalmente sua motivação e ditames, que

317
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

repercute numa detenção não justificada, pouco perturbava a paz de


Josef K., a grande tormenta apenas tomou o personagem quando um
parente, o tio Albert, logrou conhecimento que corria contra seu
sobrinho um processo. Apresentado a um amigo advogado, pelo tio,
Josef é surpreendido com as palavras ouvidas no sentido que muito
pouco é possível se fazer para influenciar na tomada de decisões do juiz
de instrução, acrescentando ainda que “na realidade, a lei não autoriza
defesa, tolera-a simplesmente; e a questão de saber se a alínea em causa
deve ser interpretada pelo menos no sentido da tolerância, é ela própria
controversa.” (KAFKA, 2005, p. 66)
Nesse sentido, nota-se que inexiste para Josef K. a
possibilidade de uma defesa efetiva, dotada de provas e argumentos
capazes de demostrar sua inocência em relação ao processo criminal ao
qual fora acusado. É ausente este direito, porque, antes o é negado o
direito de se ter conhecimento daquilo que o acusam. A dúvida maior
na seca narrativa nunca é solucionada. As aparências e as infundadas
decisões que cercam o romance jamais levaram ou permitiram se
chegar a uma solução do caso.
A interrogação, componente primordial do texto de Franz
Kafka, acerca da acusação imputada ao personagem principal do
romance nunca fora desvendada, testemunho maior consiste no próprio
Josef K., que morrera na incerteza, aguardando, contudo, esperançoso
de ao menos ser colocado diante de alguém competente para analisar
sua acusação criminal. Mas nem isso a ele fora concedido. “Onde
estava o juiz que ele nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal ao
qual ele nunca havia chegado? Ergueu a mão e esticou todos os dedos”
(KAFKA, 2005, p. 228)
As cenas descritas anteriormente sobre o cerceamento de
direitos enfrentados por Josef K., se atualizadas fossem remeteriam a
privação do princípio do contraditório, princípio este que fora
recepcionado expressamente pelo texto constitucional de 1988, em seu
artigo 5º, inciso LV, sendo dotado de eficácia imediata, e como tal
munido de normatividade e aplicabilidade material, uma vez que
extrapola os limites teóricos e se (pretende) personifica(r) socialmente
(BARROSO, 2010).
Nesse sentindo, de modo conceitual, o princípio do

318
contraditório, a partir de uma compreensão histórico-dimensional,
bifurca-se: primeiramente, e nesse momento atrelado ao Estado Liberal,
restringe-se ao direito de se ter conhecimento daquilo que é alegado,
bem como a faculdade de reação, consistindo, com isso, em uma
possibilidade de contestação. Em um segundo momento, desde o
advento do constitucionalismo contemporâneo no contexto global e da
promulgação da Magna Carta de 1988 no âmbito nacional, o princípio
do contraditório passou a consistir na efetiva participação processual,
bem como a oportunidade de influenciar no seu caminhar processual
(SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016).
Nessa ótica, apreende-se que o princípio do contraditório é um
instrumento democratizador, haja vista consiste na busca de uma
síntese por uma dialética processual, em que são concedidos aos
envolvidos uma paridade de oportunidade e possibilidades, mediante
um confronto de fatos e provas que segue um procedimento ordenado e
pré-estabelecido.
Ao analisar a Lei Maior de 1988 em seu artigo 5º, inciso LV,
nota-se que este dispositivo consagra o princípio do contraditório
também ao inquérito policial, que possui natureza administrativa, não
se restringindo, desse modo, à fase processual. Nesse sentido,
corroborando com essa linha de raciocínio preceitua Lopes Jr. (2005)
que no texto constitucional o legislador, objetivando salvaguardar
aquele que fora indiciado empregou essa garantia de modo a incluir os
acusados em amplo, remetendo-se aos acusados de modo geral,
abarcando, dessa maneira, aqueles que ainda estão sob o crivo de
investigações pré-processuais.
Entretanto, mesmo sendo garantida a utilização do princípio
do contraditório no inquérito policial e na fase processual, sua
incidência se dá de modo distinto nessas etapas. Enquanto que no
primeiro momento a aplicação ocorre de modo pleno, e assim o deve
ser, sob pena de invalidação da situação jurídica; naquele o princípio
também deve ocorrer, contudo, devido ao seu caráter inquisitivo, a sua
atuação não ocorre integralmente. Sua atuação, neste último caso, deve
se ater a uma atuação indispensável. Com isso, afirma-se que deve
haver a presença do princípio do contraditório no inquérito policial,
isso porque o texto constitucional assim estabelece. Contudo, essa

319
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

atuação não abarca todos os procedimentos que compõe esta fase pré-
processual. Essa é sua natureza.
Preleciona Mendes e Branco (2017) que mesmo havendo
decisões de que o princípio do contraditório não se aplica ao inquérito
policial, uma vez que este possui um caráter de procedimento
administrativo, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de
que é protegido o amplo acesso aos autos inquisitoriais pelos
advogados, podendo estes consultarem os documentos pré-processuais,
desde que seja não sigilosos. É necessário salientar que já deve ocorrer
um direcionamento das averiguações no sentido conclusivo destas,
tendo em vista não atrapalhar o caminhar das investigações, essas
últimas informações refletem que as provas devem estar documentadas
e que as análises advocatícias nos autos digam respeito ao exercício do
direito de defesa.
Nesse ângulo, são preciosas e reafirmam esse entendimento a
grafia da Súmula vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal: “[...] é
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (BRASIL,
2016, p. 2049).
Nesta esteira de raciocínio, é de salientar que a Lei 13.245/16
ao alterar o Estatuto da Advocacia e permitir que o profissional tenha
acesso e examine os autos de investigação de qualquer natureza,
realizado por qualquer entidade, além de permitir assistir a “clientes”
durante as apurações, não retira o caráter inquisitorial desse
procedimento. Plausível apenas a retirada, pela nova norma, do caráter
sigiloso do procedimento.
A impossibilidade de manifestar-se no sentido de influenciar o
sujeito competente para o caminhar do Inquérito Policial, o delegado,
ou mesmo a solicitar a realização de diligências, tema vetado na lei
supra, é a mais clara constatação de ausência de contraditório. A nova
lei fornece o conhecimento e priva a ação, por isso, capenga.
Nas lições de Silva (2012, p. 78) através da possibilidade de
argumentação se materializa o Estado Democrático de Direito, uma vez
que deve o sujeito que sofrerá os efeitos do ato jurídico ter a

320
possibilidade de influenciar na construção do referido ato, logo, “[...]
uma contribuição para a investigação, afastando a ideia de que a
participação do investigado será meramente fictícia, ou apenas
aparente”.
A concretização restritiva da possibilidade de atuação, no
desenvolvimento do inquérito, atinge diretamente a presunção de
inocência e cercear a liberdade individual de modo pleno, em nível de
desconsiderar o indiciado como sujeito de direitos. Há um corpo que
realiza ações pelo imperativo racional, um homem, e sobre ele será
realizado a atuação do Estado em busca do conhecimento de uma
suposta prática delitiva. O homem reduzido a objeto.
“Invisível, de aparência desleixada e vil, a “justiça” é
onipresente”. (LIMA, 1993, p. 102). E a atualização do pensamento
Kafkiano também, para tudo e todos.

5 CONCLUSÃO

Observa-se que toda persecução criminal até chegar à sentença


transitada e julgada causa dano, per si, injusto ao sujeito passivo, o que
justifica a discursão proposta quanto à fase inquisitorial é ausência de
razoabilidade que nela se apresenta. Uma vez que o indiciamento, ou o
inquérito policial na íntegra, não vincula a atuação do Parquet, sujeito
que detém competência de iniciativa da ação penal. Nesse sentido,
gera-se um dano sem possibilidade de defesa do indiciado e,
principalmente, sem a certeza que o Estado-acusador reconhece
naquela situação a plausibilidade mínima para início da ação penal.
O Inquérito Policial deve ter a sua duração, considerando tal
instituto relevante para a responsabilização penal, reduzida ao estrito
necessário. E não apenas a razoável duração deve o tocar, todos os
princípios constitucionais que informam o processo penal, stricto
sensu, deverá também guiar as investigações prévias a denúncia.
O Estado Democrático de Direito ao reconhecer um conjunto
de limite a atuação estatal, não pode conceber a existência de espaços
de exceção, a formulação de uma “terra de ninguém” na qual a lei do
mais forte prepondere o súdito permaneça escravizado pelo príncipe.
O garantismo constitucional-penal deve estender seu manto

321
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

para toda persecução criminal de modo a permitir o conhecimento


sujeito alvo da atuação estatal, e não apenas o saber, mas garantir o agir
através de um sujeito capaz de se fazer entender pelas instâncias
jurídicas tornando palpável o ideal do justo.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional


Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Processo Penal. Rio de Janeiro. RJ: Presidência da República, 1941.

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Introdução às normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, RJ:
Presidência da República, 1942.

________. Lei 8.906, de 04 de julho de 1994. Lex. Dispõe sobre o


Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
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Relator: Teori Zavascki. Brasília, 17 de fevereiro de 2016. Diário de
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322
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Constituição de 1988. Revista do Tribunal Superior do Trabalho,
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323
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, 2.


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Caetano do Sul, ano 11, n. 22, jan./jun. 2012.

324
ACESSO À SAÚDE NO BRASIL: um estudo de caso da
STA nº 175 no Supremo Tribunal Federal

Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante

RESUMO: O direito à saúde representa uma conquista social que


passou por um processo de transformação de forma positiva no
histórico constitucional brasileiro. Sua ampliação ocasionou a
possibilidade de reivindicação por parte dos indivíduos, em busca de
se fazer valer a promessa de assistência universalizada, motivo pelo
qual houve o surgimento do fenômeno da judicialização da saúde,
trazendo consigo inúmeras problemáticas acerca da matéria. Inserida
nesse contexto jurídico nacional, a Suspensão de Tutela Antecipada
nº 175 (STA-175/CE), que foi julgada perante o Supremo Tribunal
Federal, teve por objeto o fornecimento de medicamento de alto custo,
e representou um marco, tendo em vista que estabeleceu parâmetros
voltados para a orientação das decisões dos tribunais em face da
ausência do descumprimento de políticas de saúde pública. O presente
trabalho objetiva analisar os principais fundamentos da decisão da
STA-175/CE, de maneira a identificar os parâmetros definidos pelo
STF para o enfrentamento do problema e os possíveis impactos no
fenômeno da judicialização. O artigo se justifica na necessidade de
compreensão da previsão de saúde no ordenamento brasileiro, além
dos principais aspectos envolvendo as políticas públicas e sua
judicialização para contrastar tais elementos com a análise do caso.
No que diz respeito aos aspectos metodológicos, foram realizadas
pesquisas de naturezas descritiva e exploratória, e concluiu-se, sem
pretensão de esgotar a matéria, que os parâmetros delineados pelo
STF se mostraram bastante úteis do ponto de vista processual, para a
uniformização de decisões dos tribunais, todavia, pouco eficazes para
solucionar os problemas gerados pela judicialização.


Pós-graduanda em Direito e Processo Constitucionais pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito Lato Sensu da Universidade de Fortaleza.; pesquisadora do
Laboratório de Juriprudência da Universidade de Fortaleza; advogada OAB/CE nº
35.470.

325
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Palavras-chave: Saúde. Judicialização. Políticas Públicas. STA 175.

ABSTRACT: The right to health represents a social conquest which


went through a positive transformation process in Brazilian
constitutional history. Its expansion made possible the individuals’
claims seeking to enforce the promise of universal service, which is
why there was the emergence of the phenomenon of health
judicialization, bringing along numerous problems on the subject.
Inserted in this context, the STA-175/EC, which was tried before the
Supreme Court, had as object the supply of some high cost medicine,
wich was remarkable taking into consideration the consequent
establishment of parameters for the orientation of the decisions of the
courts before the absence of the breach of public health policies. This
study aims to analyze the main grounds of the decision of the
STA175/EC, in order to identify the parameters defined by the
Supreme Court to deal with the problem and the possible impacts on
the phenomenon of judicialization. The article is justified in need of
understanding of health supply in the Brazilian planning, beyond the
main aspects involving public policy and its judicialization to contrast
such elements with the analysis of the case. Regarding the
methodological aspects, research of descriptive and exploratory nature
were made and it was concluded, without pretence to exhaust the
subject, that the parameters outlined by the Supreme Court have
proven quite useful from the point of view of procedure, for the
uniformity of court rulings, however, ineffective to solve the problems
generated by the judicialization.

Keywords: Health. Judicialization. Public Policy. STA 175.

1 INTRODUÇÃO

A inclusão do direito à saúde no rol dos direitos sociais na


Constituição Federal, significou importante avanço na história
constitucional brasileira, tendo em vista que, pela primeira vez,
referido direito passou a ser assegurado de maneira igualitária e
universal.

326
Essa positivação e ampliação da titularidade do direito, trouxe
consigo a possibilidade de reivindicação por parte dos indivíduos, em
busca de se fazer valer a promessa de assistência universalizada,
trazida pelo texto constitucional. Como consequência, o Poder
Judiciário vem assumindo cada vez mais um papel protagonista na
efetivação da saúde com o fito de suprir a omissão administrativa dos
entes públicos no cumprimento de seus deveres prestacionais.
Esse deslocamento da efetivação do direito à saúde para o
poder Judiciário, contudo, tem causado grandes repercussões nas
políticas públicas, e impactado diretamente no planejamento
orçamentário. Por este motivo, diversas instituições envolvidas nesse
processo têm lançado olhares para o fenômeno da judicialização
apontando para a necessidade de se estabelecer ações voltadas para a
orientação das decisões judiciais a fim de se evitar ingerências
indevidas do Judiciário na atuação dos demais poderes.
Nesse sentido, diante do excessivo número de demandas e dos
impactos negativos da judicialização nas contas públicas, diversos
debates foram fomentados visando estabelecer parâmetros e
orientações como estratégias para a resolução de tais demandas,
destacando-se como importantes marcos, a audiência pública nº 4
realizada em 2009 e a recomendação nº 31 de 2010, do CNJ.
Inserida nesse contexto, a Suspensão de Tutela Antecipada n º
175 (STA-175/CE), que teve por objeto o fornecimento de
medicamento de alto custo, representou um marco para a
judicialização da saúde. Ao definir parâmetros voltados para a
orientação das decisões dos tribunais, referida ação se propõe a tentar
amenizar os impactos decorrentes do excessivo número de demandas
repetitivas em face da ausência do descumprimento de políticas de
saúde pública, ao mesmo tempo em que evidencia problemáticas que
necessitam de soluções. Por este motivo, diante da relevância de tal
ação, o presente trabalho tem por objetivo analisar os principais
fundamentos da decisão definitiva da STA-175/CE, de maneira a
identificar os parâmetros definidos pelo Tribunal para o enfrentamento
do problema e os possíveis impactos no fenômeno da judicialização.
Referido estudo representa parte de uma pesquisa desenvolvida
perante o Laboratório de Jurisprudência da Universidade de Fortaleza,

327
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

que objetivou analisar a judicialização da saúde, especialmente no que


diz respeito ao fornecimento de medicamentos no âmbito no TRF da 5ª
região. Diante da sua complexidade e repercussão para o cenário
jurídico nacional, a STA-175/CE mostrou-se como um elemento
representativo das demandas, necessário para o aprofundamento das
questões relacionadas ao fenômeno da judicialização.
No que diz respeito aos aspectos metodológicos, a presente
pesquisa de natureza descritiva e exploratória vale-se de análise
qualitativa, mediante abordagem descritiva e exploratória para estudo
do caso. As hipóteses são investigadas através de pesquisa
bibliográfica e documental de informações coletadas por meio da
análise dos autos processuais no âmbito da 7ª Vara Federal no Ceará,
além de peças disponíveis no sítio eletrônico do TRF da 5ª região e do
STF. Como percurso metodológico, fez-se necessário compreender
melhor a previsão do direito à saúde no ordenamento brasileiro e seu
acesso, além dos principais aspectos envolvendo as políticas públicas e
judicialização da saúde para, por fim contrastar tais elementos com a
análise do caso.

2 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO CENÁRIO NACIONAL

Uma das principais funções do Judiciário no Estado


Democrático de Direito é a concretização efetiva dos direitos
fundamentais. O reflexo do amplo acesso à justiça no Brasil e a falta de
uma fixação de parâmetros voltados para a esfera de saúde ocasionou
uma explosão de litígios dessa matéria no referido Poder. Conforme
dados compartilhados em 2015 pelo Ministério da Saúde, “desde 2010
houve um aumento de 727% nos gastos da União com ações judiciais
para aquisição de medicamentos”, por conta do aumento das demandas
em juízo (BRASIL, 2015).
Em razão de tal fato, surgiu o fenômeno da judicialização, que
incitou problemáticas como o mínimo existencial em confronto com a
efetividade dos direitos à vida e à própria saúde, o primado da
separação dos Poderes e a falta de recursos públicos. O resultado disso
motivou uma ampliação de serviços de saúde pela via judicial,
posicionando o Judiciário como protagonista em tela na tentativa de

328
oferecer soluções aos anseios da população e garantir a força normativa
constitucional.
O primeiro julgado de maior relevância em matéria de saúde
pública foi a STA nº 175/ STF, de 2010, que objetivou delinear
diretrizes decisórias em âmbito de fornecimento de medicamentos e
tratamentos no SUS, e logo será abordada neste trabalho. Contudo, há
de se observer que, no ano de 2016, o Supremo voltou a fixar
parâmetros para a judicialização da saúde no julgamento da medida
cautelar da ADI 5501, suspendendo a eficácia da Lei 13.269/2016, que
trazia autorização do uso do componente metabólico fosfoetanolamina
sintética, para uso dos pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.

2.1 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DO CEARÁ

O fenômeno político-jurídico da judicialização da saúde atinge


vários estados do nosso país na medida em que a promoção do acesso
universalizado encontra-se prejudicada. Tal situação também pode ser
observada no Estado do Ceará, uma vez que os recursos estatais restam
insuficientes para arcar com os gastos públicos, o que tem ocasionado
uma omissão no cumprimento de seus deveres prestacionais. Assim, o
cidadão que faz uso dos meios públicos de saúde tem se valido cada
vez mais de instrumentos jurídicos para obter assistência.
Diante de um número crescente de ações, em maio de 2016, a
Defensoria Pública do Estado do Ceará, com o objetivo de viabilizar a
formação de um diálogo mais direto com o indivíduo e resolver
demandas assistenciais extrajudicialmente, desafogando o Judiciário a
partir da diminuição do encaminhamento de processos envolvendo
saúde, assinou um termo cooperacional com as Secretarias de Saúde do
Ceará para a criação do programa “Defensoria em Ação por mais
saúde”.
O projeto defende que os registros acerca da matéria, presentes
no Núcleo de Defesa da Defensoria Pública, deverão ser encaminhados
ao Núcleo Inicial de Saúde (NAIS) para que os requerimentos de
tratamentos sejam levados diretamente às Secretarias, podendo no caso,
ocorrer conciliação. Assim, o cerne do problema será imediatamente
apresentado aos órgãos públicos. De acordo com dados da referida

329
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

instituição pública, “o convênio surgiu de uma crescente demanda na


área de saúde na Defensoria. Apenas em 2016, o Núcleo de Defesa da
Saúde (Nudesa) já contabilizou 1.609 atuações. De 2013 a 2015, foram
9.573 atuações, sendo 3.946 ações judiciais contra Estado, municípios e
planos de saúde, em Fortaleza.” (CEARÁ, 2016)

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

Dizer que a saúde é dever do Estado brasileiro, ou seja, da


República Federativa do Brasil, não é eximir a responsabilidade dos
entes federativos. Em tese, cumpre aos Estados-membros, ao Distrito
Federal e aos Municípios primar pela consecução de políticas
governamentais úteis à manutenção da saúde integral do indivíduo
(BULOS, 2007, p. 1339).
Dessa forma, o provimento da saúde pública brasileira é
conferido à população mediante esforços dos entes da Federação,
havendo competência comum entre eles com relação às prestações
assistenciais, observando-se o primado da ordem social do art. 193,
CRFB/1988, cujos objetivos são o bem-estar e a justiça sociais.
Vale mencionar que, para viabilizar a efetividade do direito
ora abordado, o Poder Público conta com um sistema estruturado de
acordo com as diretrizes dos arts. 200 e 198 da CRFB/1988: o Sistema
Único de Saúde (SUS), que se opera por meio de recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes (parágrafo 1º do art.
198, CRFB/1988). A Lei Federal de nº 8.080/1990 regula o
funcionamento das engrenagens do SUS, traçando disposições sobre
seus objetivos, princípios, gestão, competência, dentre outras
atribuições.
Após o repasse da verba, os entes públicos se responsabilizam
pelo investimento nos setores de saúde e pela formulação de relatórios
de gestão, fazendo valer o princípio constitucional da motivação dos
atos públicos para viabilizar o controle dos recursos. Contudo, até que
ponto é possível se averiguar a elaboração e a efetivação de medidas
públicas por parte dos entes? De acordo com Ana Paula de Barcellos
(2007, p. 11-12):

330
Como não há recursos ilimitados, será preciso priorizar e
escolher em que o dinheiro público disponível será
investido. Essas escolhas, portanto, recebem a influência
direta das opções constitucionais acerca dos fins que
devem ser perseguidos em caráter prioritário. Ou seja: as
escolhas em matéria de gastos públicos não constituem
um tema integralmente reservado à deliberação política,
ao contrário, o ponto recebe importante incidência de
normas jurídicas constitucionais.

Para Viola (2006, p. 82),

[...] as limitações fáticas devem conduzir a juízos que


permitam que as prestações concedidas pelo Estado
sejam passíveis de fruição universal igualitária entre
potenciais beneficiários sem que outros serviços e ações
sejam prejudicados.

Ora, como o cerne da questão em exame diz respeito à


prestação de dever impostergável, uma distribuição racional e criteriosa
das ações governamentais merece ser formulada a fim de se obedecer a
previsão constitucional. Nesse sentido, é preciso então delinear o
problema existente e confrontá-lo com o resultado da aplicação de
políticas públicas para se possa estabelecer novos parâmetros de
controle da questão.
A este respeito, durante a análise da STA 178/DF - DJ
28.9.20091, perante o STF, o ministro Gilmar Mendes defendeu a
importância do registro do medicamento como primeira condição – não
como regra absoluta– de sua incorporação à lista do SUS.
Compreendeu, inclusive, que os medicamentos importados deveriam se
submeter ao registro do Ministério da Saúde, por meio da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), antes de serem
apresentados no mercado, pois a análise em questão traz enfoque à

1
STA nº 178 do STF, formulada pelo Município de Fortaleza, de idêntico conteúdo a
STA nº 175 do STF, contra acórdão proferido pela 1- Turma do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, nos autos da Apelação Cível nº 408729/CE (processo nº
2006.81.00.003148-1).

331
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

segurança que nosso país passa aos consumidores, devendo-se ter a


garantia de eficácia do fármaco.
Comprovada a qualidade do produto, a ANVISA fixa também
seu preço com base no benefício clínico, após conceder-lhe o registro; e
como dito anteriormente, esta é a primeira condição para que o
medicamento seja incorporado às listas do SUS, salvo em situações
excepcionais, como assevera o ministro, poderá ser autorizada a
importação de fármaco sem registro para o caso daqueles que forem
obtidos por organismos internacionais, quando para uso de programas
governamentais de saúde.
Com relação ao aspecto característico de experimentalidade ou
não dos medicamentos, o Ministro Gilmar Mendes, entendeu, durante o
julgamento da decisão da STA 178/DF - DJ 28.9.20092, que os
tratamentos experimentais são regulados por normas que dispõem sobre
a pesquisa médica, não podendo o Estado ser obrigado a fornecê-los à
população.
Por mais que existam inúmeros debates relacionados a
possíveis resultados positivos provenientes do uso de tratamentos
experimentais, torna-se necessário alertar que a manipulação indevida
de medicamentos frustra as disposições estabelecidas
constitucionalmente, que por sua vez, visualizam o melhor à
coletividade.

4 O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NO


ORDENAMENTO BRASILEIRO

O Direito à saúde consolidou-se no Brasil com o decorrer


do processo de constitucionalização do nosso ordenamento jurídico. O direito
ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que
a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos
para a sua efetiva reivindicação (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 11).

2
STA nº 178 do STF, formulada pelo Município de Fortaleza, de idêntico conteúdo a
STA nº 175 do STF, contra acórdão proferido pela 1- Turma do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, nos autos da Apelação Cível nº 408729/CE (processo nº
2006.81.00.003148-1).

332
Por meio da Constituição de 1988 e em decorrência do
reconhecimento internacional da Declaração Universal de Direitos
Humanos, além de obter status de valor jurídico universal, amparado
pelo princípio da dignidade humana, o direito à saúde passou a ser
compreendido como fundamental brasileiro, encontrando-se no núcleo
axiológico da nossa Constituição, como assevera o texto do art. 6º, da
CRFB/1988.
O artigo 24, inc. XII, da CRFB/88, dispõe que a competência
para legislar sobre proteção e defesa da saúde é concorrente entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, impõe-se que
exista cooperação entre eles na formulação de medidas que garantam o
propósito da Constituição. Seguindo este raciocínio, caberá à União
estabelecer normas gerais sobre a matéria; aos Estados, suplementar ao
conteúdo de legislação federal; ao DF, as mesmas atribuições dos
Estados e Municípios; e à Municipalidade, além de suplementar as
legislações federal e estadual no que couber, compete legislar sobre
seus interesses locais, tudo em concordância com os parágrafos
primeiro e segundo do art. 24, o parágrafo primeiro do art. 32, os
incisos I e II do art. 30 da CRFB/88;

5 A SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA Nº 175 DO STF

Em abril de 2006, o Ministério Público Federal no Ceará –


MPF promoveu, perante a 7ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, a ação
civil pública de nº 014/20063, com pedido de liminar, contra a União
Federal, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, objetivando
fornecimento de medicamento para o tratamento de uma jovem
portadora da doença Niemann-pick4, tipo C, patologia causadora de
distúrbios neuropsiquiátricos.
O diagnóstico apresentado à paciente afirmava que o único
medicamento capaz de deter a progressão dos problemas neurológicos
ocasionados pela referida doença seria o Zavesca, de fabricação alemã

3
ACP nº 014/2006, conforme processo de nº 0003148-80.2006.4.05.8100, disponível
na Justiça Federal do Ceará.
4
Para informações sobre a doença, vide o portal da Associação Niemann- Pick Brasil
(ANPB), criada em 2010.

333
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

e princípio ativo Miglustato ou Miglustate5. Ocorre que, à época da


ação, o fármaco não possuía registro perante a ANVISA, por ser
experimental; não constava dos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do
SUS e não era contemplado pela Política Farmacêutica da rede pública,
portanto, o Estado não poderia ser obrigado a fornecer tratamento desse
tipo.
Após ter sido decretada a extinção do feito sem resolução do
mérito pelo Juízo da 7ª Vara, o MP recorreu ao TRF 5ª Região,
conseguindo decisão favorável, motivo pelo qual a União Federal
apresentou um pedido de suspensão de tutela antecipada de número 175
(a STA nº175), se utilizando dos argumentos de inexistência da
responsabilização solidária entre os entes, violação do princípio da
separação de poderes e dos regulamentos do próprio SUS, pois a
interferência do Judiciário em matéria de prestação de medidas públicas
dos serviços de saúde seria indevida, tendo em vista que cada uma das
esferas possui suas atribuições específicas.
A ação de saúde percorreu por uma série de caminhos
processuais até chegar à pauta do STF. Diante do pedido suspensivo
elaborado pela União, e em virtude da disposição da Lei 7.347/1985, a
Presidência do STF não constatou lesão grave à ordem, à economia e à
saúde públicas, tendo indeferido o pedido da STA e mantido a
antecipação de tutela que ora fora concedida pela 1ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região.
A União decidiu apresentar recurso de agravo regimental
contra a decisão do STF, que indeferiu o pedido de suspensão
anteriormente apresentado. A partir da decisão do Agravo, o Plenário
traçou importantes deslindes sobre a política de medicamentos
excepcionais, necessidade de registro, problemática acerca dos recursos
destinados pelos governos e efetividade do direito à saúde.
Na tentativa de construir parâmetros decisórios, o ministro
Gilmar Mendes convocou a audiência pública nº 4 para que
especialistas na área da saúde pudessem opinar com propriedade sobre
as problemáticas levantadas durante o estudo da ação.

5
vide Nota Técnica nº 307/2013, de agosto de 2013, do Ministério da Saúde -
Consultoria Jurídica/Advocacia Geral da União, que traz informações sobre o
princípio ativo miglustate, de nome comercial Zavesca®.

334
No decorrer dos seis dias de debates, foram analisadas
problemáticas pertinentes ao tema, oportunidade em que segmentos
representantes da sociedade puderam mostrar ao Judiciário os
problemas latentes na saúde brasileira. O aprofundamento de
conhecimentos que a audiência pública proporcionou a todos foi crucial
para que o Plenário proferisse decisão paradigma para o judiciário
brasileiro. Em março de 2010, foi negado o provimento ao recurso de
agravo apresentado pela União Federal, por unanimidade, pelo referido
Tribunal.
Após obterem perspectivas mais amplas para julgar, os
ministros apresentaram seus votos. O Ministro relator, Gilmar Mendes,
compreendeu que a interferência do Judiciário nas políticas públicas de
saúde ocorre em prol do efetivo cumprimento de medidas já existentes,
e não pela criação de novas políticas, fato que caracterizaria a livre
apreciação do magistrado para determinar judicialmente o efetivo das
prestações. Assim, afastou a problemática da separação dos Poderes. O
ministro destacou a possibilidade, em casos excepcionais, de
importação de medicamentos pendentes de registro: provenientes de
setores de fora do país para o uso do Ministério da Saúde.
Ainda, ressaltou o relato do próprio Ministro da Saúde, que
asseverou a necessidade de revisão periódica dos protocolos clínicos, e
entendeu em seu voto que há possibilidade de contestá-los
judicialmente, dada sua situação questionável, e diferenciou
tratamentos experimentais de novos tratamentos ainda pendentes de
análise no Brasil, afirmando que o primeiro grupo não dispõe de
comprovação de sua real eficácia, não sendo o Estado obrigado a
fornecê-lo, ao passo que o segundo se compõe por fármacos que ainda
não foram incorporados pelo SUS.
As maiores questões que inviabilizam o fornecimento de saúde
no país estão diretamente relacionadas a falta de recursos suficientes
para suprir os gastos necessários. Nesse sentido, seria necessário
priorizar as verbas destinadas a cada ente e escolher a melhor forma
para o dinheiro público disponível ser investido. Assim, o ministro
Gilmar Mendes também afirmou que a responsabilidade dos entes
federativos deveria ser solidária, negando, ao fim, o provimento ao
agravo regimental.

335
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Já o Ministro Celso de Melo, por sua vez, fazendo referência


ao julgamento da ADPF 45/DF6, afirmou que o encargo atribuído, de
forma secundária, ao Poder Judiciário de implementar e formular
políticas públicas, poderia vir a ser tomado de forma excepcional, em
ocasião de descumprimento dos deveres dos órgãos estaduais, de forma
a comprometer diretamente a eficácia do direito. Tal posicionamento
significa dizer que essa intervenção, sendo justificada pela recusa dos
entes públicos no cumprimento das diretrizes estabelecidas, torna
legítimo o Poder Judiciário, sem ofensa à separação de poderes.
Com relação à questão da invocação da cláusula da reserva do
possível, o ministro afirmou que não se poderia utilizá-la como
fundamento, ressalvando-se o justo motivo, objetivando exonerar-se do
cumprimento das obrigações constitucionais, considerando tal conduta
governamental como negativa.
Os Ministros Eros Grau, Ayres Britto, Ellen Gracie e Marco
Aurélio acompanharam o voto do Presidente, negando provimento ao
agravo regimental. Verifica-se que houve influência dos depoimentos
colhidos na audiência para a elaboração dos votos, tendo em vista as
discussões orçamentárias entre gestores e colaboradores.

6 ANÁLISE DA STA 175: parâmetros fixados e impactos causados

Durante a análise do caso que deu origem à STA-175, desde a


instância ordinária até chegar ao Supremo Tribunal Federal, verificou-
se que a defesa manteve um padrão argumentativo com o intuito de
tentar reverter a decisão. Conforme demonstrado no decorrer do
presente trabalho, as principais linhas de defesa levaram em
consideração principalmente a interferência indevida do Judiciário nas
políticas públicas e na repartição de competências, além do alto custo
do medicamento e a inexistência de registro na ANVISA. Em matéria
6
Vide: ADPF 45/DF, do STF, que trata sobre a questão da legitimidade constitucional
do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de
políticas públicas (BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 45-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 29 de abril de 2004.
Diário de Justiça: 4 maio 2004).

336
orçamentária, alegou-se que a não observância das competências de
cada ente da federação, além de prejudicar a política pública, causaria
ainda um deslocamento indevido dos recursos que deveriam ser
utilizados na prestação de outros serviços de saúde para a população.
Mesmo diante de mais uma tentativa de reverter o
posicionamento do tribunal, o Plenário do STF negou, de forma
unânime, o recurso apresentado, e, com base nas informações coletadas
na audiência pública, o então presidente da Corte entendeu que o
medicamento requerido deveria ser fornecido pelo ente público.
Todavia, diante da complexidade da questão e do número de demandas
que tem deslocado a atenção à saúde para o cenário judicial, o STF
julgou necessário redimensionar a judicialização na saúde no Brasil
estabelecendo alguns parâmetros para orientação da atividade
jurisdicional relacionada a esta problemática.
Em síntese, os parâmetros podem ser elencados da seguinte
forma: 1. o Judiciário goza de livre apreciação das demandas
assistenciais, não havendo proibição de sua interferência em matéria
dos demais Poderes, tendo em vista que haverá apenas determinação do
cumprimento de políticas públicas já existentes; 2. Apesar da
observância da necessidade do registro do fármaco para
comercialização e uso no Brasil, há possibilidade de se conseguir
tratamentos com dispensa da análise da ANVISA; 3. A
responsabilidade dos entes governamentais é solidária, de modo que
eles cooperem entre si na construção de ações conjuntas para
concretizar o acesso universalizado do direito fundamental à saúde; e 4.
Caso inexistam políticas públicas para um tratamento específico, sem
que haja caracterização puramente experimental, poderá ser pleiteada
demanda perante o Judiciário para se questionar a elaboração dos
Protocolos Clínicos do SUS.
Uma das maiores contribuições da decisão no Agravo
regimental na STA nº 175 diz respeito ao segundo parâmetro
relacionado ao registro do medicamento. Por meio dessa orientação, o
Supremo sugere às demais instâncias do judiciário que levem em
consideração, prioritariamente, as políticas públicas desenvolvidas pelo
Estado, verificando a existência de registro na ANVISA e a previsão de
orientações nos Protocolos Clínicos. Ora, restou evidenciado que o

337
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

registro da ANVISA, muito mais do que um requisito formal para a


inclusão do medicamento na lista do SUS representa um fator de
segurança para a própria sociedade.
Com relação ao caso em análise, verifica-se que, quando do
pedido da demandante, o medicamento Zavesca ainda não possuía
registro e não era contemplado na esfera dos Protocolos do SUS. Sua
comercialização era proibida e sua indicação não constava na Política
Farmacêutica da rede pública, sendo considerado como tratamento de
alto custo. Contudo, quando o processo restou concluso para o
julgamento final, tal medicamento já havia sido devidamente registrado
em janeiro de 2007, quase um ano após a propositura da ação.
De fato, essa preocupação é demonstrada na decisão da STA nº
175 quando o ministro Gilmar Mendes afirma que o Judiciário deverá
conceder a tutela somente nos casos em que há uma omissão por parte
do Estado em incluir o medicamento, ou excepcionalmente, se restar
comprovado que o fármaco que se encontra na lista do SUS não atende
às necessidades para o tratamento da doença. Assim, a partir dessa
orientação do STF, o fornecimento de medicamentos não registrados ou
em fase de experimentação deve se dar pela via judicial, somente
excepcionalmente, em casos de comprovada ineficácia dos tratamentos
ofertados pelo Poder Público. Essa decisão do Supremo reflete uma
preocupação que tem chamado a atenção de outras instituições
envolvidas no fenômeno da judicialização. Nesse sentido, a
recomendação nº 31 do CNJ, segundo a qual:

Os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil


dependem de prévia aprovação pela ANVISA, na forma
do art. 12 da Lei n. 6.360/1976 c/c a Lei n. 9.782/1999, as
quais objetivam garantir a saúde dos usuários contra
práticas com resultados ainda não comprovados ou
mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos
pacientes (BRASIL, 2010, p. 11).

No tocante aos demais parâmetros, contudo, a STA 175 gera


algumas controvérsias no campo jurídico. Isso porque resta evidenciado
que o STF adota uma posição sobre o direito à vida e à saúde como um
direito hierarquicamente superior que deve ser privilegiado em

338
detrimento de interesses considerados como secundários. É tanto que,
uma vez considerados insuficientes os primeiros parâmetros delineados
pelo Tribunal, houve a necessidade de se fixar novos limites durante o
julgamento de medida cautelar da ADI nº 5501/STF.
Em decorrência do caráter paradigmático e orientador das
demandas, a STA ao invés de ter contribuído para melhorar o problema
da judicialização, pode ter operado o efeito inverso, de modo a
intensificar o fenômeno, uma vez que ratifica o entendimento há muito
já adotado pelos tribunais sobre seu papel na efetivação dos direitos
sociais.
Ocorre que os direitos fundamentais, em todas as suas
dimensões, dependem de recursos para sua implementação, e o Estado
precisa dispor de tais recursos para garantir a universalidade da saúde.
Na medida em que os recursos são evidentemente escassos, o
Administrador Público é obrigado a formular políticas que contemplem
de forma mais racional o atendimento à saúde, com base em estudos
técnicos e estratégias de planejamento.
Todavia, o Supremo, ao possibilitar a concessão de fármacos
por via judicial sem registro na ANVISA, acaba por interferir nas
políticas públicas, podendo gerar grandes impactos na economia dos
entes da federação, uma vez que já existe por parte desse tribunal um
entendimento sobre a responsabilidade solidária dos entes,
independentemente de planejamento ou dotação orçamentária. Esse
padrão decisório tem refletido diretamente nas contas, sobrecarregando
muitas vezes o orçamento público.

7 CONCLUSÃO

Em virtude do fenômeno da judicialização da saúde no Brasil,


diversas problemáticas foram levantadas por causa da complexidade da
matéria verificada na esfera judiciária. Por meio do estudo de caso,
concluiu-se que a decisão do recurso de agravo interposto pela União
Federal no caso da STA nº 175 do STF, mostrou-se bastante
esclarecedora no sentido de trabalhar os questionamentos existentes e
fixar parâmetros a serem observados por julgadores do todo o país.
Importa salientar que tal demanda não foi ação em controle de

339
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

constitucionalidade, porém, houve uma repercussão geral a partir de


seu julgamento. Assim, durante a decisão do Plenário, prevaleceu o
entendimento de solidariedade dos entes da Federação para agirem no
cumprimento das prestações assistenciais, e fixou-se o parâmetro de
que os medicamentos necessitam de registro para que sejam aceitos e
comercializados, sendo admitido, contudo, exceção para aqueles
provenientes de organismos internacionais para o uso em políticas
públicas de alçada do Ministério da Saúde.
Com relação à possibilidade de interferência do Poder
Judiciário na apreciação de demandas envolvendo pedidos
assistenciais, esclareceu-se que não há nenhuma proibição legal e nem
ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que a
justiça analisará a situação em que o reú se encontra com seus deveres
prestacionais no intuito de determinar o cumprimento de políticas
públicas já existentes, porém, ineficazes.
Nesse sentido, a decisão do STF fixa mais um parâmetro que
assevera que, em casos onde se constatar a inexistência das ações
públicas para algum tipo de tratamento específico, sem que este seja
experimental, pois nesse caso, o Estado não se obrigará a fornecê-lo, o
paciente terá a oportunidade de requerer assistência à saúde perante o
Judiciário, tanto por meio de ações coletivas, quanto individuais,
podendo questionar a falta de seu tratamento e a elaboração dos
Protocolos Clínicos.
Observou-se que essa decisão ocorreu em um momento onde
se discutiam as problemáticas do fenômeno da judicialização da saúde
no país, razão pela qual se pode destacar sua importância no sentido de
tentar resolver critérios processuais, tendo em vista o alinhamento do
Poder Judiciário, pois a fixação de diretrizes sobre a matéria evita a
carga de recursos no Supremo e auxilia os demais juízos na apreciação
de demandas assistenciais.
Do ponto de vista fático, percebe-se que o direito à saúde, por
ser caracterizado como público, subjetivo e universal, possui relação
direta com a questão do direcionamento de recursos estatais para a sua
efetivação. Nesse sentido, a decisão estudada desconsiderou os
aspectos orçamentários, que representam, atualmente, uma das maiores
problemáticas existentes para o fornecimento de prestações de saúde.

340
O recente julgamento da medida cautelar da ADI nº 5501, de
maio de 2016, que suspendeu a eficácia da lei que autorizava o uso de
fosfoetanolamina sintética para pacientes com neoplasia maligna
(câncer) nos leva a crer que os parâmetros estabelecidos durante a STA
175 se mostraram insuficientes, apesar de sua importância, tendo em
vista que novos pontos foram fixados, tais como: a necessidade de
comprovação da segurança dos medicamentos e tecnologias antes de
sua concessão, bem como do registro, sem o qual a inadequação resta
presumida; avaliação de novas práticas científicas que comprovem a
eficácia dos remédios; observância do controle prévio de viabilidade
sanitária para distribuição do medicamento e sua necessária aprovação
pelo Ministério da Saúde como condição de industrialização e
comercialização.
Dessa forma, em face da repercussão conferida ao agravo
regimental na STA nº 175, os parâmetros decisórios estabelecidos pelo
tribunal mostraram-se úteis do ponto de vista processual para a
sistematização de informações e uniformização de procedimentos no
que diz respeito aos demais órgãos do poder judiciário. Todavia, do
ponto de vista da realidade fática, os parâmetros se mostraram pouco
eficazes para os problemas gerados pela judicialização, tanto é que
houve a necessidade de o Tribunal fixar nova padronização de limites
para as deliberações judiciárias, esperando que possa se viabilizar o
controle do grande número de demandas existentes e a racionalização
de decisões.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios


constitucionais. O princípio da dignidade humana. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 230-250.

BARROSO, Luis Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização


excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de
Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Disponível
em: <https://goo.gl/1y5FMN>. Acesso em: 20 fev. 2016.

341
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 5 out. 1988.
Disponível em: <https://goo.gl/tmj61R>. Acesso em: 26 abr. 2017.

_______. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as


condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 20 set. 1990. Disponível em:
<https://goo.gl/mytx9B>. Acesso em: 01 jan. 2016.

_______. Supremo Tribunal Federal. Termo de abertura da


Audiência Pública nº 4, 28 de setembro de 2009. Disponível em:
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_______. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão


de Tutela Antecipada nº 175-CE, Tribunal Pleno. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Brasília, 17 de março de 2010. Diário de Justiça: 30 abr.
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BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 7. ed. São


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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto


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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 31 de


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DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO. DPGE lança


programa “Defensoria em Ação por Mais Saúde” com assinatura
de termo de cooperação e palestra, DPGE-CE, Fortaleza, 2016.
Disponível em: <https://goo.gl/U5J688>. Acesso em: 05 abr. 2016.

342
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva
do Possível. Mínimo existencial e direito à saúde: algumas
aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24,
jul. 2008. Disponível em: <http://bit.ly/2At2iit> Acesso em: 2 maio
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_______.; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso


de Direito Constitucional, 2. ed. São Paulo: RT, 2013.

VIOLA, Luís Armando. O Direito Prestacional Saúde e sua proteção


constitucional, 2006. Disponível em: <https://goo.gl/CzaECY>.
Acesso em: 3 jan. 2016.

YIN. Robert K. Estudo de caso: Planejamento e Métodos; trad. Daniel


Grassi, 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

343
O ACESSO DO ESTRANGEIRO À JUSTIÇA NO
BRASIL

Lara Campos Arriaga

RESUMO: Este artigo tem como objeto analisar o acesso do


estrangeiro à justiça no Brasil. Aborda-se, primariamente, o direito à
justiça como garantia fundamental, abordando aspectos conceituais,
característicos e históricos. Expõe-se, também, acerca da previsão do
acesso à justiça nos tratados internacionais de direitos humanos.
Mostra-se as condições de acesso a esse direito aos nacionais e aos não-
nacionais na Constituição Federal de 1988 e na legislação infra-
constitucional. Em seguida, analisam-se algumas jurisprudências que
mostram como as cortes nacionais têm se manifestado no que tange à
concessão desse direito aos estrangeiros, abordando, principalmente a
concessão da justiça gratuita e o reconhecimento dos direitos
trabalhistas. Finalmente, narra-se acerca das dificuldades de acesso à
justiça dos estrangeiros no Brasil. Com o estudo, verificou-se que, os
tribunais têm agido diversas vezes positivamente a favor dos imigrantes
em situação irregular e que as legislações específicas que regulam os
direitos dos estrangeiros são lacunosas no que diz respeito aos acessos
dos imigrantes à justiça. Constatou-se, que a inclusão dessa garantia em
leis específicas que regulamentam os direitos dos não-nacionais seria-
lhes de relevante acréscimo protetivo, assim como a ratificação do País
à Convenção Internacional sobre a Protecão dos Trabalhadores
Migrantes de 1990.

Palavras-chave: Estrangeiro. Nacionalidade. Direitos fundamentais.


Acesso à justiça.

ABSTRACT: This article has as object to analyze the access of


foreigners to justice in Brazil. It addresses primarily the right to justice


Mestrado em curso (2015/2016) – Direito público e políticas públicas dos países
desenvolvimento – Université de Sorbonne, Paris V – René Descartes. Advogada
(OAB/CE 31.351)
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

as a fundamental guarantee, covering conceptual aspects, typical and


historical. Exposes itself, also, about the prediction of access to justice
in international human rights treaties. It shows the conditions of access
to this right to nationals and non-nationals in the Federal Constitution
of 1988 and the legislation. It analyzes some precedents that show how
the courts have expressed regarding the granting of the right to
foreigners, especially the granting of justice and the recognition of
labor rights. Finally, tells about the difficulties of access to justice for
foreigners in Brazil. With the study, it was found that the courts have
acted several times positively in favor of immigrants in an irregular
situation and that the specific legislation governing the rights of
foreigners are lacunosas in respect to access of immigrants to justice. It
was noted that the inclusion of this guarantee in specific laws
regulating the rights of non-nationals would be them with additional
protective, as well as the ratification of the International Convention on
the Protection of All Migrant Workers.

Keywords: Foreign. Nationality. Fundamental rights. Access to justice.

1 INTRODUÇÃO

No atual contexto global marcado pela intensificação dos


movimentos migratórios e, tendo em vista, a posição ocupada pelo
continente latino-americano no que se refere ao acolhimento de
estrangeiros, que, segundo as estatísticas de 2017 do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), ocupa a 4a posição
mundial, com 12% do fluxo migratório mundial, o Brasil tem
presenciado, nos últimos anos, consideráveis aumentos de indivíduos
de outras nacionalidades instalando-se em seu território, ocasionando,
portanto, novas reflexões à sociedade no que tange, principalmente, à
garantia de seus direitos fundamentais, dentre os quais, objeto de
análise a seguir, o acesso à justiça.
As origens do conceito de justiça remontam à Grécia Antiga,
mais precisamente às idéias dos filósofos Platão e Aristóteles, em torno
de discussões ligadas à idéia de igualdade e desigualdade entre os
cidadãos da pólis grega. Já na sociedade moderna, nas palavras da

346
professora e pesquisadora em direito do estrangeiro no âmbito latino-
americano da Universidade Autônoma do México, Loretta Ahlf (2011,
p.13 apud Zanatta e María del, 2004, tradução nossa), “a gênese do
direito de acesso à justiça remonta ao due process of law, o qual se
incorporou nas emendas V e XV da Constituição dos Estados Unidos
de 1787.”
Primeiramente, vale destacar que a Constituição Federal de
1988, em sua parte introdutória, ou seja, em seu preâmbulo, denota que
a justiça é valor supremo da sociedade brasileira, de modo que, embora
seu prefácio não possua força normativa, percebe-se que ele serve
como base para os preceitos que são expostos ao longo de seus artigos.
O acesso a esse direito fundamental, pode ser compreendido, quando
Cunha Filho (2008, p. 47, online) afirma que, “o acesso ao Poder
Judiciário, órgão detentor da atividade jurisdicional, é uma das funções
do poder estatal, ao lado das funções administrativa e legislativa,
resultante da tripartição clássica dos poderes de Montesquieu.”
Ademais, segundo Oberdoff (2015, p. 205, tradução nossa), a justiça,
que deve ser independente e imparcial, deve ser também:

Um serviço público acessível para os litigantes cuja


acessibilidade também está relacionada com o seu ritmo.
Além disso, deve ser humana, que é um dos atributos da
acessibilidade, qualidade essencial a qual divide-se em
vários elementos. Ademais, os litigantes devem receber
informação adequada sobre os seus direitos nas diversas
fases do processo, a fim de entendê-lo melhor e
compreender seus efeitos. Nesse sentido, o réu não deve
ser distanciado de seu juiz natural para ser levado a uma
jurisdição excepcional. É a igualdade de todos perante a
lei, ou seja, a aplicação a todos os litigantes das mesmas
regras de direito e de processo.

Ante as breves considerações feitas nos parágrafos anteriores,


o presente artigo analisará o acesso do estrangeiro à justiça no Brasil,
expondo de que forma esse direito é concedido aos nacionais e aos não-
nacionais na Constituição Federal de 1988 e na legislação infra-
constitucional; exporá a situação atual da adesão do Estado aos tratados
internacionais de direitos humanos; mostrará como as cortes brasileiras
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

têm se manifestado no reconhecimento dessa garantia fundamental aos


estrangeiros e, finalmente, narrará as atuais dificuldades de acesso à
justiça dos estrangeiros no Brasil.

2 A NACIONALIDADE E O DIREITO DE AÇÃO NA CARTA


MAGNA DE 1988

O princípio da igualdade entre brasileiros e estrangeiros


residentes no país é denotado no caput do artigo 5° da Constituição
Brasileira, de forma que os nacionais e não nacionais que habitam no
território possuem os mesmos direitos fundamentais, com exceção de
alguns relacionados ao preenchimento de cargos e funções públicas, o
que está mais vinculado à aquisição da nacionalidade de forma primária
ou secundária. Para Moraes (2013, p. 227), outras hipóteses de
tratamento diferenciado estão relacionadas à extradição e à propriedade
de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Conforme descrevem Loussouarn, Bourel e Vareilles-
Sommièeres, (2013, p. 959, tradução nossa): “A nacionalidade pode ser
definida como os laços políticos e legais que unem o indivíduo ao
estado do qual ele é um dos componentes.” Destarte, é imprescindível
mencionar a amplitude do termo em questão, haja vista a possibilidade
de analisá-lo sob diversas óticas, dentre as quais a política e a
sociológica, que, entretanto, não serão objetos de análise aprofundada.
Entrando no objeto em estudo deste artigo que consiste nas
vias de acesso à justiça no País, é mister destacar que a Constituição
Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, XXXV, que:

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Sob a perspectiva do inciso supramencionado, percebe-se,


portanto, que o poder judiciário é obrigado a analisar e a tentar

348
solucionar a demanda jurisdicional efetuada pelo indivíduo,
independentemente da nacionalidade ou naturalidade do demandante.
Para Moraes (2013, p. 85), no Estado Democrático de Direito, o
princípio da legalidade é basilar e a Constituição deve determinar sua
garantia sempre que houver lesão ou ameaça a um direito.

3 O ACESSO À JUSTIÇA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO


CIVIL

Conforme afirma Cunha Filho (2008, p. 51 apud SILVA, 2001,


online), “a ação é um direito abstrato, manifestado contra o Estado-
Juiz, almejando à tutela jurisdicional, que deve ser concedida a quem
tenha direito ou não no plano do direito material.” Dessa forma, no que
tange à ausência de recursos financeiros do indivíduo para o
acionamento judicial, é nobre salientar que o artigo 2° da lei 1060/50,
hoje revogado com o advento no novo Código de Processo Civil,
incluía apenas os estrangeiros residentes no país no rol dos
demandantes que poderiam ter o benefício da assistência judiciária
gratuita no caso de prova de hipossuficiência financeira e que
necessitassem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. O
artigo 98 do novo CPC veio para extender o direito à gratuidade da
justiça também à pessoa jurídica estrangeira que tenha recursos
insuficientes para pagar as as despesas processuais e os honorários
advocatícios.
Ademais, a lei nº 13.105/15 foi elaborada no sentido de
reforçar a cooperação internacional, dedicando um capítulo para esse
assunto que, entretanto, não era previsto no CPC que estava
anteriomente em vigência. De seu artigo 26, II decorre que:

Artigo 26 - A cooperação jurídica internacional será


regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:
[…]
II - a igualdade de tratamento entre nacionais e
estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao
acesso à justiça e à tramitação dos processos,
assegurando-se assistência judiciária aos necessitados.
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Depreende-se, então, do inciso acima exposto que os nacionais


e os não-nacionais, quer residem no país de forma legal ou ilegal, quer
estejam temporariamente no território brasileiro, a turismo, em trânsito
ou com um visto temporário possuem o mesmo direito de acionar a
justiça, não podendo existir, portanto, diferença na prioridade de
tramitação judicial em decorrência da nacionalidade ou naturalidade do
indivíduo. Para Mazzuoli (2015, p. 787 apud MENDES Gilmar, 2006),
“é dever dos Estados onde se encontrem estrangeiros […] garantir-lhes
certos direitos inerentes à sua qualidade de pessoa humana, como o
direito à vida, à liberdade, à proteção judicial efetiva, etc.”

4 A PREVISÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NA PERSPECTIVA


DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS

Importante também é destacar, a nível de direito internacional,


que o Estado Brasileiro ratificou a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San Jose da Costa Rica), que
prevê na primeira parte de seu artigo 8º as garantias judiciais que o
Estado deve resguardar ao indivíduo:

Artigo 8º - Garantias judiciais


1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as
devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem seus direitos ou obrigações de
natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.

A segunda parte do artigo supramencionado também expõe


direitos ligados ao acesso à justiça de grande importância ao indivíduo
e que estão previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como o direito
a ter um intérprete, no caso de o demandante ser estrangeiro e, portanto,
não compreender o idioma local (garantia prevista também no artigo
768 § 1o do novo Código de Processo Civil); o direito a um defensor,
público ou não; o direito à não produção de provas contra si mesmo,

350
etc. De acordo com o pensamento do professor francês Frédéric
Rouvillois (2016), mesmo antes do julgamento ser executado, o direito
à justiça implica o acesso a um julgamento justo, reconhecido pelo
artigo 14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de
1966 e, também, pelo artigo 25 do Pacto de San Jose da Costa Rica,
anteriormente mencionado.
Cumpre salientar também a previsão no artigo 5º da
Convenção de Direito Internacional Privado de 1928, também
ratificada pelo Brasil, a qual defende a existência de um igualitarismo
jurídico, porém não absoluto, entre nacionais e não nacionais, conforme
percebe-se abaixo:

Artigo 5º - Os Estados devem conceder aos estrangeiros


domiciliados ou de passagem em seu territorio todas as
garantias individuais que concedem aos seus proprios
nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem
prejuízo, no que concerne aos estrangeiros, das
prescrições legais relativas à extensão e modalidades do
exercício dos ditos direitos e garantias.

Do instrumento jurídico nacional que descreve os direitos e


deveres dos estrangeiros no Brasil, que consiste na lei 6815/1980,
extrai-se o artigo 95, que, conforme o analisado até aqui, mais uma vez
reforça o gozo igualitário de direitos reconhecidos aos brasileiros que
deve ser extendido aos não-nacionais residentes no Brasil: “Artigo 95 -
O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos
reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis. ”
Insta dizer que, conforme denota-se nas palavras da professora
Loretta Ahlf (2011, p. 3, tradução nossa), “o direito de acesso à justiça
do estrangeiro passou de um direito carente de efetividade a um direito
fundamental de primeira ordem cuja regulação exige uma análise
minunciosa, a fim de garantir seu exercício de forma concreta.” Assim,
embora tenhamos mencionado nos últimos parágrafos alguns tratados
internacionais os quais o Brasil incorporou ao seu ordenamento jurídico
acerca do acesso à justiça, cumpre lembrar outro documento
internacional clássico de relevante importância que também prevê essa
mesma garantia fundamental, o qual consiste na Declaração Universal
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

dos Direitos do Homem de 1948. Ademais, diversas outras resoluções


das Nações Unidas tratam acerca desse tema tão largo.
É válido salientar também, que, com relação à Convenção
sobre a Proteção dos Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares de
1990, esta destaca como prioridade a nível internacional o princípio da
não-discriminação, expondo direitos inerentes à condição de ser
humano do migrante e de seus familiares. Para Ahlf (2011), esse
documento é o instrumento internacional que não distingue quanto aos
direitos fundamentais do imigrante regular e do irregular e que concede
um peso ao acesso à justiça dos estrangeiros.
Importante é destacar a previsão normativa do acesso à justiça
pelo imigrante previsto nos artigos 16, VI e VIII e 18, III desse
instrumento legal, conforme descreve-se abaixo :

Artigo 16 :
[…]
VI. O trabalhador migrante ou membro da sua família
que seja detido ou preso pela prática de uma infração
penal deve ser presente, sem demora, a um juiz ou outra
entidade autorizada por lei a exercer funções judiciais e
tem o direito de ser julgado em prazo razoável ou de
aguardar julgamento em liberdade. A prisão preventiva da
pessoa que tenha de ser julgada não deve ser a regra
geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a
garantias que assegurem a sua comparência na audiência
ou em qualquer acto processual e, se for o caso, para
execução de sentença.
[…]
VIII. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas
famílias que sejam privados da sua liberdade mediante
detenção ou prisão têm o direito de interpor recurso
perante um tribunal, para que este decida sem demora
sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua
libertação no caso de aquela ser ilegal. Quando
participem nas audiências, devem beneficiar da
assistência, se necessário gratuita, de um intérprete, se
não compreenderem ou não falarem suficientemente bem
a língua utilizada pelo tribunal.
[...]
Artigo 18:
[…]

352
3. O trabalhador migrante ou membro da sua família
acusado de ter infringido a lei penal tem, no mínimo,
direito às garantias seguintes:
a) A ser informado prontamente, numa língua que
compreenda e pormenorizadamente, da natureza e dos
motivos das acusações formuladas contra si;
b) A dispor do tempo e dos meios necessários à
preparação da sua defesa e a comunicar com o advogado
da sua escolha;
c) A ser julgado num prazo razoável;
d) A estar presente no julgamento e a defender-se a si
próprio ou por intermédio de um defensor da sua escolha;
se não tiver patrocínio jurídico, a ser informado deste
direito; e a pedir a designação de um defensor oficioso,
sempre que os interesses da justiça exijam a assistência
do defensor, sem encargos, se não tiver meios suficientes
para os suportar;
e) A interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de
acusação e a obter a comparência e o interrogatório das
testemunhas de defesa em condições de igualdade;
f) A beneficiar da assistência gratuita de um intérprete se
não compreender ou falar a língua utilizada pelo tribunal;
g) A não ser obrigado a testemunhar ou a confessar-se
culpado.

Embora o Brasil seja signatário de diversos tratados


internacionais de direitos humanos e estes sejam incorporados ao
ordenamento jurídico nacional com força de emenda à constituição, nos
moldes de seu artigo 5°, §3º o País é o único membro do Mercosul que
todavia não ratificou a convenção da ONU supramencionada,
contrapondo-se, portanto, notavelmente à defesa da dignidade da
pessoa humana, que é fundamento da república; à promoção do bem de
todos, que é objetivo nacional e à prevalência dos direitos humanos, a
qual consiste em princípio que rege as relações internacionais da
Federação.
As discussões acerca da ratificação dessa convenção vêm
sendo feitas no Congresso Nacional há alguns anos, entretanto, nenhum
êxito tem sido alcançado todavia no sentido da assinatura desse tratado
multilateral, o que representa uma resistência a um avanço necessário
na proteção aos direitos dos estrangeiros, que, portanto, deve ser objeto
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

de maior atenção por parte do poder legislativo, sobretudo para que


princípios desse instrumento internacional possam estar presentes na
nova Lei de Migração, que, ainda não foi sancionada pelo atual
presidente Michel Temer.

5 O POSICIONAMENTO DAS CORTES BRASILEIRAS


FRENTE AO ACESSO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PELO
NÃO-NACIONAL

Relativamente à atual jurisprudência nacional no que tange ao


acesso do estrangeiro à justiça, cumpre afirmar que os tribunais têm
agido no sentido de promover uma maior eficácia do direito de acionar
à justiça desses indivíduos, como ocorreu em 2016 em decisão unânime
da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que agiu no sentido
de deferir o acesso à justiça gratuita pleiteada por uma italiana que
estava temporariamente no Brasil, a qual não possuía visto de residente
permanente e cuja demanda havia sido negada por um tribunal do Rio
Grande do Sul, abrindo espaço para que outros tribunais possam agir da
mesma forma. Vejamos abaixo a decisão:

RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE


INSTRUMENTO - PEDIDO DE ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA INDEFERIDO PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS - PESSOA ESTRANGEIRA
RESIDENTE NO EXTERIOR - ART. 2º, LEI 1.060/50
REVOGADO PELO NOVO CPC - NORMA
PROCESSUAL - APLICAÇÃO IMEDIATA -
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Hipótese: Trata-se de pedido de concessão do benefício
da justiça gratuita por estrangeiro residente no exterior,
o qual fora negado pelas instâncias ordinárias ao
fundamento de que se trata de pessoa estrangeira não
residente no país.
1. O artigo 2º da Lei 1.060/50 fora revogado pelo Novo
Código de Processo Civil, cuja matéria passou a ser
disciplinada no artigo 98 do CPC/2015, in verbis: "A
pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com
insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas
processuais e os honorários advocatícios tem direito à
gratuidade da justiça, na forma da lei."

354
1.1. Trata-se de norma de direito processual,
portanto, a sua incidência é imediata, aplicando-se
aos processos em curso, consoante dispõe o artigo 14
do CPC/2015.
2. Em que pese à época da apreciação da matéria pelo
Tribunal de piso, a legislação em vigor não prever a
possibilidade de concessão da assistência judiciária ao
estrangeiro residente no exterior, com a vigência das
novas regras processuais passou-se a admitir tal
hipótese.
2.1. O caput do artigo 98 do Código de Processo
Civil vigente ampliou o rol dos sujeitos que podem ser
beneficiados pela concessão da assistência judiciária, em
relação ao disposto no revogado artigo 2º da Lei
1.060/50. Portanto, não há qualquer impeditivo legal à
pessoa estrangeira residente no exterior de postular a
assistência judiciária gratuita e ter deu pedido apreciado
pelo juízo.
2.2. A análise dos demais requisitos exigidos pela
legislação para obtenção do benefício devem ser
aferidos pelas instâncias ordinárias, visto que o
presente apelo fora proposto nos autos de agravo de
instrumento.
3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial
nº 1.225.854-RS, Quarta Turma. Relator: Min. Marco
Buzzi. Brasília, 25 de outubro de 2016. Diário de
Justiça: 4 nov. 2016).

Insta dizer que, com a chegada dos grupos migratórios ao


longo dos últimos anos, sobretudo de haitianos, sírios e, hoje, de
venezuelanos, que representam os fluxos mais significativos no País,
instrumentos normativos foram elaborados pelo poder público, a fim de
regulamentar a permanência desses grupos no Brasil, como a
Resolução normativa 97/2012 do CNIg, a qual normatizou a concessão
do visto humanitários aos refugiados ambientais oriundos do Haiti e
outorgou-lhes o direito de trabalhar. Com relação aos sírios, esses estão
protegidos pela lei 9474/1997, a qual regulamenta a concessão do
refúgio no Brasil, mas que, entretanto, possui lacunas no que se refere à
menção do acesso à justiça dessa categoria de imigrantes. Ademais, no
que se refere ao agravamento da situação socioeconômica na
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Venezuela, milhares de pessoas fugiram nos últmos meses para os


países vizinhos, dentre os quais o Brasil, a fim de fugir da crise
humanitária no País, e o Governo Brasileiro editou a resolução
normativa 126/2017 do CNIg, a fim de favorecer a instalação desses
estrangeiros no território brasileiro, tendo em vista que eles não são
beneficiados pelo Acordo de Residência para Nacionais dos Estados
Partes do Mercosul e associados e a eles não se aplica o instituto do
refúgio para que possam permanecer no Território.
Em decorrência do aumento de estrangeiros que se instalaram
no Brasil nos últimos anos, o mercado de trabalho passou a abranger
cada vez mais pessoas oriundas de diversas nacionalidades para
exercerem diversas funções, que, em sua maioria, consistem em
trabalhos informais e que, por sua vez, não exigem grande capacitação
profissional. Em São Paulo, por exemplo, todavia é bastante comum o
trabalho de bolivianos e de asiáticos na indústria de confecções. Ocorre
que recorrentes são as denúncias de maus tratos, cargas horárias
excessivas e de outros abusos por parte dos empregadores, que, muitas
vezes, se aproveitam das necessidades desses estrangeiros de ter
qualquer tipo de trabalho e de, diversas vezes, desconhecerem o idioma
local.
Conforme depreende-se da Consolidação das Leis
Trabalhistas, o estrangeiro e o trabalhador nacional possuem os
mesmos direitos laborais. Dessa forma, o imigrante terá, portanto,
direitos, como férias anuais, 13° salário, FGTS, etc, e, no caso de haver
violação a esses direitos, terá, então, acesso à justiça trabalhista, o que
tem sido constante.
Cumpre salientar que o acesso dos estrangeiros à justiça
laboral nem sempre é fácil, de modo que diversas barreiras devem ser
superadas, a fim de que um imigrante consiga acionar a jurisdição
estatal para que tenha seus direitos de trabalhador devidamente
reconhecidos. Nota-se que, muitas vezes, a dificuldade com a língua
brasileira consiste em um empecilho notório, pois o trabalhador não
entende quais são os seus direitos, a quem pode demandá-los e como
pode pleiteá-los.
Ademais, o desconhecimento da defensoria pública e de como
ela funciona também consiste em uma barreira para o acesso à justiça.

356
Importante também é não deixar de destacar que muitos estrangeiros
sequer sabem por quais instrumentos legais são protegidos e descrêem
na efetividade da justiça trabalhista no Brasil, sem contar, no medo que
muitos trabalhadores possuem de sofrer represálias por parte de seus
empregadores, o que poderia tornar o acesso a outro trabalho mais
difícil.
Insta dizer, entretanto, que diversas têm sido as sentenças a
favor de trabalhadores estrangeiros no Brasil por parte dos tribunais
nacionais, conforme podemos ver, a título exemplificativo um acórdão
da 6a turma do TST de 2006, no qual um trabalhador estrangeiro
residente ilegalmente no País acionou à justiça e obteve o
reconhecimento de seu vínculo trabalhista:

RECURSO DE REVISTA - EMPREGADO


ESTRANGEIRO IRREGULAR NO BRASIL -
INEXISTÊNCIA DO DOCUMENTO DE IDENTIDADE
DE QUE TRATAM OS ARTIGOS 359 DA CLT E 21, §
1º, DA LEI Nº 6.815/80 - NULIDADE DA
CONTRATAÇÃO - INEXISTÊNCIA - ARTIGO 3º DO
PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO E ASSISTÊNCIA
JURISDICIONAL EM MATÉRIA CIVIL,
COMERCIAL, TRABALHISTA E ADMINISTRATIVA
DO MERCOSUL, INCORPORADO AO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO NOS
TERMOS DO DECRETO Nº 2.067/1996. Trata-se a
presente controvérsia de se saber se há ou não nulidade
da contratação de estrangeiro decorrente do fato de não
ser ele portador de documento de identidade previsto
pelos artigos 359 da CLT e 21, § 1º, da Lei nº 6.815/80.
Com efeito, são fundamentos da República Federativa do
Brasil, dentre outros, "a dignidade da pessoa humana" e
"os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (art.
1º, III e IV, da Constituição Federal de 1988), bem como
consta dentre seus objetivos fundamentais "promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"
(art. 3º, IV), sendo ainda mais contundente a enunciação
do princípio constitucional da isonomia, que se refere
expressamente "aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País" (art. 5º, caput) e igualdade em direitos
e obrigações, salvo expressa disposição em lei (incisos I e
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

II daquele mesmo artigo). Feitas essas considerações, e


tendo-se em vista que seria absolutamente inconcebível
que um contrato de trabalho envolvendo trabalhador
brasileiro pudesse vir a ser judicialmente declarado nulo
por causa da mera inexistência de um documento de
identidade, é inequívoca a conclusão de que assiste razão
ao Reclamante. Acrescente-se que, conforme indicado
com precisão na revista, o artigo 3º do Protocolo de
Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa, cujos signatários
são os Governos da República Argentina, da República
Federativa do Brasil, da República do Paraguai e da
República Oriental do Uruguai, celebrado em 1992 na
cidade de Las Leñas, província de Mendoza, Argentina, e
incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio
do Decreto Legislativo nº 55, promulgado, por sua vez,
pelo anexo do Decreto nº 2.067, de 12.11.96, dispõe que
"os cidadãos e os residentes permanentes de um dos
Estados Partes gozarão, NAS MESMAS CONDIÇÕES
DOS CIDADÃOS e residentes permanentes do outro
Estado Parte, do livre acesso à jurisdição desse Estado
para a defesa de seus direitos e interesses" (grifos não
constantes do original). Esclareça-se que o excelso STF,
desde sempre o órgão de cúpula do Poder Judiciário
Brasileiro e guardião da Constituição, tem
tradicionalmente demonstrado uma sensibilidade para
com o cumprimento de atos normativos editados em
razão da conjuntura internacional que tenham reflexos
nas relações trabalhistas internas, motivo outro pelo qual
há que se reformar o r. decisum ora recorrido. Nesse
sentido, e a título de ilustração, precedente da e. 2ª Turma
daquele Augusto Pretório que julgou improcedente o
pedido de reintegração de empregado italiano dispensado
em razão de sua nacionalidade por força do Decreto nº
4.638/42, que permitia a rescisão do contrato de trabalho
dos empregados "súditos das nações com as quais o
Brasil rompeu relações diplomáticas ou se encontra em
estado de beligerância" (STF-RE-33.938/DF, 2ª Turma,
Rel. Min. Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, DJU de
24.7.1957). Ainda como reforço de argumentação, tem-se
que a eventual manutenção do v. acórdão do Regional
implicaria uma dupla injustiça - primeiro com os
trabalhadores estrangeiros em situação irregular no País
que, não obstante tenham colocado sua força de trabalho

358
à disposição do empregador, ver-se-ão privados da devida
remuneração em razão de informalidade de cuja ciência
prévia o empregador estava obrigado pelo artigo 359 da
CLT; e segundo, com os próprios trabalhadores
brasileiros, que poderiam vir a ser preteridos pela mão-
de-obra de estrangeiros irregulares em razão do custo
menor desses últimos, como tragicamente sói acontecer
nas economias dos países do Hemisfério Norte.
Finalmente, há que ser salientada a notória jurisprudência
do excelso STF, segundo a qual os decretos que inserem
tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro
têm a mesma hierarquia das leis ordinárias, o que afasta,
no particular, o entendimento deste c. Tribunal no sentido
de que normas infralegais não se enquadram na hipótese
do artigo 896, "c", da CLT. Recurso de revista provido.
(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de
Revista nº 750094-05.2001.5.24.5555, Sexta Turma.
Relator: Min. Horácio Raymundo de Senna Pires.
Brasília, 6 de setembro de 2006. Diário Eletrônico de
Justiça do Trabalho: 29 set. 2006)

Da análise da decisão em questão, depreende-se que, para o


ministro Horácio Pires, seria inconcebível que um contrato de trabalho
cuja uma das partes fosse um trabalhador brasileiro fosse nulo por
causa da mera inexistência de um documento de identidade, dessa
forma, tal posição deveria ser aplicada ao estrangeiro de nacionalidade
paraguaia. Ademais, o acórdão também fundamentou-se no artigo 3º do
Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,
Comercial, Trabalhista e Administrativa de 1992, dentre os quais Brasil
e Paraguai são signatários: “Artigo 3º - Os cidadãos e os residentes
permanentes de um dos estados partes gozarão, nas mesmas condições
dos cidadãos e residentes permanentes do outro estado parte, do livre
acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e
interesses.”
Outro caso que pode ser exemplificado de reconhecimento de
direitos trabalhistas à estrangeiro em situação irregular no País é
exposto abaixo, em que a 4a Turma do TRT da 2a região deu
provimento à demanda de um imigrante no ano de 2013. Na decisão do
desembargador Ricardo Costa, ficou evidenciado que o estrangeiro que
ingressa e permanece no Brasil, em situação irregular, encontra-se
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

frágil e vulnerável, facilitando que empregadores de má-fé promovam a


exploração da mão-de-obra em condições situadas abaixo do patamar
civilizatório mínimo. Vejamos abaixo a ementa:

TRABALHADOR ESTRANGEIRO. AUSÊNCIA DE


DOCUMENTOS COMPROVANDO A
REGULARIDADE DO INGRESSO E PERMANÊNCIA
NO BRASIL. IGUALDADE ENTRE BRASILEIROS E
ESTRANGEIROS. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO
E CONSECTÁRIOS LEGAIS DEFERIDOS.
Primeiramente, impõe-se destacar o fato de que a
Constituição Federal assegurou a igualdade entre
brasileiros e estrangeiros, mormente no que tange à tutela
dos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, o
caput do artigo 5º da Lei Maior foi redigido da seguinte
forma: "5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:". Importante observar,
ademais, que ao firmar contrato de emprego o trabalhado,
em última análise, busca assegurar o próprio sustento por
meio da percepção de parcelas cuja natureza é
eminentemente alimentícia. Assim, não há como negar o
fato de que o adimplemento de tais direitos visa
proporcionar ao obreiro o acesso ao núcleo essencial de
outros direitos fundamentais, como educação, vestuário,
lazer, higiene, moradia, etc. Expostastais premissas,
emerge de forma clara a conclusão de que a manutenção
da r. sentença é a única maneira de dar efetividade, no
caso concreto, à dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º,
III, CF). Não se pode perder de vista, demais disso, que a
força de trabalho despendida pelo trabalhador gerou
riqueza para o empregador, que deve suportar a
contraprestação devida, sob pena de enriquecimento sem
causa, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Não bastasse o amparo constitucional e axiológico
exposto acima, faz-se mister mencionar a existência de
regra jurídica criada com ocondão de regulamentar
especificamente hipóteses como esta que se afigura in

360
casu. Trata-se, com efeito, do Acordo sobre Residência
para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL,
assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do
Mercado Comum, realizada em Brasília, nos dias 5 e 6 de
dezembro de 2002. O instrumento foi inserido no
ordenamento jurídico pátrio por meio do decreto nº
6.964/2009, sendo o seu artigo 10 redigido da seguinte
forma: As partes estabelecerão mecanismos de
cooperação permanentes tendentes a impedir o emprego
ilegal dos imigrantes no território da outra, para tal efeito,
adotarão entre outras, as seguintes medidas: [...] b)
Sanções efetivas às pessoas físicas ou jurídicas que
empreguem nacionais das Partes em condições ilegais.
Tais medidas não afetarão os direitos que correspondam
aos trabalhadores imigrantes, como consequência dos
trabalhos realizados nestas condições". Recurso patronal
ao qual se nega provimento. (RONDÔNIA (Estado).
Tribunal Regional do Trabalho (2. Região). Apelação nº
00005534620135020055-SP, Quarta Turma. Relator:
Min. Ricardo Artur Costa e Trigueiros. Brasília, 24 de
setembro de 2013. Diário Eletrônico de Justiça do
Trabalho: 4 out. 2013)

Importante também é não deixar de mencionar a ação sindical


na defesa dos direitos trabalhistas do estrangeiro, que poderá ocorrer
também no pleito de verbas oriundas das relações de trabalho de
estrangeiros residentes e que possuem autorização para trabalhar no
País, conforme rege a Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão


reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e
acompanhar as suas reclamações até o final.
§ 1º - Nos dissídios individuais os empregados e
empregadores poderão fazer-se representar por
intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou
provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil.

Insta dizer, dessa forma que, de acordo com Oliveira, Lins e


Colares (2016, p. 173, online), embora estejam em situação de
ilegalidade no Brasil, estando dentro do território nacional e, aí tendo
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

estabelecido uma relação trabalhista, em decorrência da soberania,


aplicam-se as normas da CLT, ficando-lhes garantido o acesso à justiça
em decorrência da representação sindical.

6 CONCLUSÃO

Ante o exposto ao longo deste artigo, constata-se que o acesso


à justiça consiste em direito fundamental previsto na Constituição
Federal de 1988 e em diversas outras legislações infraconstitucionais.
Ademais, o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que
defendem esse direito. Insta dizer, entretanto, que, embora o atual
ordenamento jurídico nacional determine a igualdade de concessão
desse direito aos brasileiros e estrangeiros, diversas são as
controvérsias legislativas existentes.
De acordo com as jurisprudências analisadas, nota-se que os
tribunais nacionais têm agido no sentido de reconhecer o vínculo
empregatício de muitos estrangeiros em situação irregular no país que
preencheram os requisitos da existência de uma relação de trabalho
com um empregador, embora não detivessem um documento de estadia
no País. Assim, cumpre afirmar que, para diminuir a necessidade de os
estrangeiros serem obrigados a acionar a justiça em decorrência de
violações a seus direitos humanos, importante seria uma maior ação por
parte do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão atrelado ao
Ministério do Trabalho e Emprego, na defesa pela garantia dos direitos
trabalhistas dos estrangeiros no Brasil, tendo em vista que esse
organismo é competente para a concessão da autorização de trabalho ao
imigrante, assim, o CNIg poderia agir no sentido de informar-lhes com
maior clareza como podem evitar cair em armadilhas por parte dos
empregadores e de promover-lhes uma maior conscientização acerca
dos riscos do trabalho não-autorizado àqueles que estão em situação
irregular.
No que se refere às ratificações do Brasil aos tratados
internacionais de direitos humanos, indispensável seria a ratificação da
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 1990, a
fim de incorporar definitivamente ao ordenamento jurídico interno os

362
princípios norteados nesse instrumento multilateral destinado à
proteção efetiva desses indivíduos em situação vulnerável, para
promover uma maior garantia dos direitos fundamentais dos
estrangeiros no País, dentre os quais, o importante acesso à justiça.
Ademais, no que tange à nova Lei de Migrações, oportuno
seria se esta prevêsse em seu corpo textual mecanismos de acesso dos
estrangeiros à justiça, tendo em vista que o atual Estatuto do
Estrangeiro e a lei 9.474/1997 são lacunosos no que se refere ao acesso
a esse direito fundamental por parte dos imigrantes no Brasil, de modo
que, ante o exposto ao longo deste artigo, percebe-se que muitos
julgados são fundamentados principalmente no caráter equitativo de
direitos que a Carta Magna Brasileira determina entre nacionais e não-
nacionais, entretanto, a inclusão em uma lei específica que regule o
acesso à justiça dos indivíduos que não possuem a nacionalidade
brasileira seria de relevante acréscimo protetivo aos direitos
fundamentais daqueles em situação vulnerável.
Cumpre afirmar, também, que cabe às defensorias públicas
estaduais e da União de atuarem no sentido à promover mecanismos de
informação aos trabalhadores estrangeiros no Brasil acerca das formas
nas quais eles podem acionar à justiça no caso de terem seus direitos
violados. No mesmo sentido, insta dizer, que a Polícia Federal, órgão
que concede autorizações para os estrangeiros permanecerem no
Território Nacional, poderia também exercer essa função informativa
aos não-nacionais que desejam instalar-se no País. Ademais, vale
lembrar do papel que as comissões de acesso à justiça e de direito
internacional da Ordem dos Advogados do Brasil poderiam exercer, a
fim de lutar pelos direitos dos imigrantes em vulnerabilidade no País.
Por fim, nota-se que não se deve esquecer de mencionar acerca
do papel dos sindicatos, que podem representar os trabalhadores
estrangeiros, contribuindo para a proteção dos direitos fundamentais
dos indivíduos em situação de vulnerabilidade no País.

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366
ANÁLISE DA INEFETIVIDADE DO ACESSO À
JUSTIÇA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Larissa Querem Tavares Mendonça

RESUMO: A deficiência é tão antiga quanto a própria existência da


sociedade, contudo as concepções de acessibilidade e inclusão social
são contemporâneas. No Brasil, somente com a Constituição Federal de
1988 que as pessoas com deficiência gozaram de espaço no meio
social, mediante a proteção jurídica de interesses que por bastante
tempo foram deixados ao desabrigo. Em síntese, este artigo analisou
que existem leis suficientes de acessibilidade no ordenamento jurídico,
bastando apenas a materialização das mesmas, para que, desse modo,
não haja a exclusão, a injustiça e a marginalização desse segmento
populacional. Destarte, este opúsculo proporcionou reflexões sobre a
carência de políticas públicas para a concretização do direito de acesso
à justiça das pessoas com deficiência, devido ao fato do direito ser
garantido por lei, no entanto, a efetiva realização não é alcançada, dessa
forma, é imprescindível que haja meios para efetivá-los em tempo
hábil, com o intuito de possibilitar a inclusão social dessa parcela da
população que necessita de um tratamento diferenciado.

Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Acesso à justiça. Inclusão


social.

ABSTRACT: The physical disability is as old as the society existence;


however, the conceptions of accessibility and social inclusion are
contemporary. Only with the Federal Constitution of 1988 that disabled
people enjoyed space in the social environment. In summary, this
article analyzed that there are accessibility laws enough in the legal
order, just by the materialization, so that, in this way, there is no
exclusion, injustice and marginalization of this segment of the
population. Therefore, this booklet provided reflections about the lack
of public policy to the implementation of the right of access to justice


Graduanda em Direito.

367
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

for persons with disabilities, because law guarantees the right, however,
the effective realization is by not achieved, in this way, it is imperative
that there be means to effect them in a timely manner, with the purpose
of enabling the social inclusion of that part of the population that needs
a differentiated treatment.

KEYWORDS: Person with disability. Access to justice. Social


inclusion.

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, as pessoas com deficiência receberam um


tratamento de exclusão social, porém o enfrentamento da falta de
efetividade do acesso à justiça as pessoas com deficiência têm mudado
desde os anos de 1970, encorajado pela organização das pessoas que
possuem alguma deficiência e pela expansão da tendência de se encarar
a deficiência como uma questão de direitos humanos, de modo, que
todo ser humano tem o direito de desfrutar de todas as condições
necessárias para a sua subsistência sem ser submetido a qualquer tipo
de discriminação, com base no princípio da dignidade da pessoa
humana.
Assim sendo, assevera Cappelletti (1988, p. 11) sobre a
importância do direito acesso à justiça:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido


progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e
sociais, uma vez que a titularidade do direito é destituída
de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva
reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser
encarado como o requisito fundamental – o mais básico
dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e
igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar
os direitos de todos.

Diante dessa citação, percebe-se que o direito de acesso à


justiça é um direito social básico de todo ser humano. Com isso, devido
ao fato de que praticamente todas as pessoas terão uma deficiência

368
temporária ou permanente em algum momento de suas vidas é que
surgiu a preocupação de solucionar a questão social, moral e política de
como melhor incluir e apoiar as pessoas com deficiência, pois assim
como qualquer outro ser humano, essas pessoas possuem o direito de
não serem discriminadas. Dessa forma, surgiram vários documentos
internacionais como, a Convenção Interamericana para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de
Deficiência (Convenção de Guatemala, 1999) e a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, das nações Unidas de 2006 e a
Resolução n° 31/123, que instituiu o ano de 1981 como “Ano
Internacional das Pessoas com Deficiência”.
Todavia, apesar de no âmbito internacional e no nacional haver
demasiados dispositivos legislativos para assegurar os direitos
fundamentais da pessoa com deficiência, além de previsões
assecuratórias na Constituição Federal de 1988, a título de exemplo, o
artigo 24, XIV que trata da competência concorrente da União, dos
Estados e do Distrito Federal para legislar sobre: “a proteção e
integração social das pessoas portadoras de deficiência”, contudo não
há a realização de políticas públicas que assegurem de fato esses
direitos. À vista disso, há um distanciamento entre ter direitos exercer
os direitos legalmente previstos.
Portanto, o presente estudo analisou e discutiu a problemática
da falta aplicabilidade do direito de acesso à justiça das pessoas com
deficiência, sendo, portanto, uma afronta ao mínimo existencial, isto é,
ao conjunto de direitos inerentes a todos os indivíduos para que possam
viver com decência. Além disso, elencaram-se alternativas para sanar as
dificuldades de acesso à justiça dessas pessoas, considerando que é
imperioso a realização dos direitos das pessoas com deficiência, por
intermédios de ações de acessibilidade, tendo sempre como objetivo
principal minimizar ou eliminar a lacuna existente entre as condições
das pessoas com deficiência e as das pessoas sem deficiência.
Para o deslinde deste trabalho acadêmico, utilizou-se uma
metodologia de pesquisa de natureza descritiva e exploratória, por
intermédio de uma abordagem qualitativa, desenvolvida através de
pesquisa bibliográfica, baseada em livros de doutrinadores que tratam
sobre a política da isonomia e as formas de combater as desigualdades,

369
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

artigos e leis de acessibilidade diametralmente associados ao tema em


análise.

2 A EVOLUÇÃO NO TRATAMENTO DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA

No decorrer da história, o tratamento concedido às pessoas


com deficiência passou por momentos de demasiada intolerância e
discriminação, resultando, em muitos casos, na marginalização desses
indivíduos. Tal fato é notório na civilização hebraica que comparava a
deficiência como uma punição divina, além disso as leis de Esparta e da
antiga Roma os condenavam à morte, por serem criaturas malignas.
Sobre a progressão no trato das pessoas com deficiência é relevante
citar Ribeiro (2010, p. 23):

No passado remoto, com os povos primitivos, tiveram


tratamentos distintos e antagônicos entre si: alguns as
destruíam por considera-las entraves ao desenvolvimento
da raça ou grupo, como o caso do povo Sirione (antigos
moradores da selva boliviana) que, por sua natureza
semi-nômade, abandonava as pessoas com deficiência,
porque não podia ficar transportando-as ou mesmo dos
astecas que os mantinham isolados em campos
semelhante a jardins zoológicos, para serem
ridicularizados enquanto outros os protegiam como forma
de louvar os deuses e ganhar a simpatia ou como gratidão
aos mutilados de guerra.

Partindo desse deslinde, é visível que por um largo período de


tempo o pensamento predominante era de que a deficiência era algo a
ser combatido. Com isso, foi apenas com o fim da segunda guerra
mundial e com o surgimento da revolução industrial que as pessoas
com deficiência passaram a receber uma proteção diferenciada,
decorrente da dilatação do número de pessoas que passaram a se
encontrar nessa condição de vulnerabilidade, devido aos mutilados da
guerra e dos acidentados no ambiente degradante de trabalho.
No Brasil, foi tão somente com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã – uma vez que

370
acolheu várias reinvindicações sociais, dentre elas, a de ter uma
evolução humanística e igualitária na normatização dos conceitos,
diretrizes e direitos dessa importante parcela da sociedade – que houve
de fato a tutela das pessoas com deficiência pelo Estado, sendo,
portanto o direito à igualdade o marco para os demais direitos das
pessoas deficientes, como o direito a reserva de vagas em concurso
público (art. 37, VIII da CF/88 ); ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III
da CF/88) e a eliminação de barreiras arquitetônicas para garantir o
acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência (art. 227, § 2° da
CF/88).
Além do texto constitucional, até ser instituída existiram
inúmeros decretos, leis e convenções que trataram dos direitos das
pessoas com deficiência até a regulamentação da legislação específica,
a Lei 13.146 de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência) destinada a assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por
pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Nesse sentido, é importante destacar os instrumentos
normativos sobre o trato das pessoas com deficiência:

Entre outras, podem ser citadas a Lei 7.853/1989 (Dispõe


sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde,
institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos e
difusos dessas pessoas, disciplina atuação do Ministério
Público, define crimes, e dá outras providências); o
Decreto n.°3298/1999 (regulamenta esta lei e consolida
normas de proteção); A Lei n.°8899/1994 (Concede passe
livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de
transporte coletivo interestadual); a Lei n.°10.098/2000
(estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências); a Lei 10.216/2001 (Dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental); além do Decreto n° 3956/2001, que

371
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação


de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência (ARAÚJO et al., 2006, p. 448).

Com base nessa citação, verifica-se que houve um avanço no


tema, contudo, ainda hoje, grande parte das pessoas com deficiência
encontram uma série de barreiras que dificultam, e, muitas vezes,
impossibilitam o efetivo exercício dos direitos garantidos a todos
cidadãos, como o direito à saúde, à educação, ao trabalho, ao
transporte, bem como o direito de acesso à justiça, visto como
sustentáculo para a manutenção do Estado Democrático de Direito,
gerando uma relação de desigualdade entre elas e os demais indivíduos
da sociedade.

3 CONCEITO DE PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

O conceito de pessoa com deficiência é flexível, não sendo


fácil defini-lo, visto que a Constituição Federal não traz em seu texto
uma definição, bem como vários instrumentos jurídico-normativos de
acessibilidade não definiram de forma precisa o termo.
Por isso, é imprescindível analisar a conceituação do relevante
dispositivo normativo presente no texto da Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência, para dirimir as controvérsias relacionadas a
sua conceituação. O Estatuto da Pessoa com Deficiência confirmou o
entendimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, da Organização das Nações
Unidas (ONU), aprovada pelo Decreto Legislativo n. 186, ratificada
pelo Brasil na forma do artigo 5°, § 3° da CF/88, sendo, portanto, o
primeiro Tratado Internacional de Direitos Humanos com status de
emenda constitucional. Define em seu artigo 2°:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem


impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.

372
A partir desse conceito trazido pela Lei 13.146 entende-se que
a nomenclatura pessoas portadoras de deficiência é errônea, porque o
foco estava no “portador” e não na “pessoa”. Nesse sentido, ressalta-se
o posicionamento de Fávero (2004, p.22):

Os movimentos sociais identificaram que a expressão


“portador” cai muito bem para coisas que a pessoa
carrega e/ou pode deixar de lado, não para características
físicas, sensoriais ou mentais do ser humano. Ainda, que
a palavra “portador” traz um peso frequentemente
associado a doenças, já que também é usada, e aí
corretamente, para designar uma situação em que alguém,
em determinado momento, está, portanto, um vírus, por
exemplo. E não custa lembrar, deficiência é diferente de
doença. É simples: basta imaginar que jamais falaríamos
“pessoas portadora de olhos azuis”.

Logo, deve-se adotar a expressão – pessoas com deficiência –


pois não se porta a deficiência, já que ela faz parte da pessoa. Ademais,
outra relevante alteração em consequência dessa conceituação refere-se
capacidade para os atos da vida civil das pessoas com deficiência, que
devido a expressão “pode”, acima grifada, vislumbra-se que, em regra,
terão capacidade civil plena. Portanto a lei em questão revogou
expressamente os incisos dos artigos. 3º e 4º do Código Civil que
determinava como absoluta e relativamente incapazes aqueles que por
enfermidade ou deficiência mental não tivessem o necessário
discernimento, ou o tivessem de forma reduzida, respectivamente.
Outrossim, segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência
da Organização Mundial da Saúde – OMS (2011, p.4):

A deficiência é complexa, dinâmica, multidimensional e


questionada. Nas últimas décadas, o movimento das
pessoas com deficiência, juntamente com inúmeros
pesquisadores das ciências sociais e da saúde têm
identificado o papel das barreiras físicas e sociais para a
deficiência. A transição de uma perspectiva individual e
médica para uma perspectiva estrutural e social foi
descrita como a mudança de um “modelo médico” para
um “modelo social” no qual as pessoas são vistas como
deficientes pela sociedade e não devido a seus corpos.

373
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Destarte, o dispositivo em comento reconhece a deficiência


como um conceito que depende não apenas de fatores biológicos, pois é
também resultante da interação entre os indivíduos com deficiência, as
barreiras impostas pelo ambiente e certas atitudes da sociedade.

4 O DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA E AS PESSSOAS COM


DEFICIÊNCIA

O Brasil dispõe de um vasto corpo normativo versando sobre


as pessoas com deficiência, desse modo, não é necessário a criação de
novas leis, contudo a concretização das que já existem, por intermédio
de políticas públicas que implementem ações de acessibilidade, além de
uma estruturação do Poder Judiciário que seja capaz de atender de
forma eficaz as pessoas objeto desse estudo.
Com base no art. 5°, XXXV da Constituição Federal: “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição que
assegura o direito à proteção judicial efetiva. Logo, qualquer pessoa
tem direito de acesso à justiça, ou seja, desde que tenha legitimidade e
interesse de agir poderá demandar o Estado Juíz para que tenha a
adequada tutela jurisdicional, caso contrário seria uma afronta ao
mínimo existencial, isto é, ao conjunto de condições materiais
necessárias para que o indivíduo possa viver com dignidade. Dessa
maneira, afirma-se que o mínimo existencial integra o núcleo essencial
do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Por isso, é relevante
fornecer o entendimento sobre o citado princípio segundo Sarlet (2001,
p. 32).

[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada


ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e co-

374
responsável nos destinos da própria existência e da vida
em comunhão com os demais seres humanos, mediante o
devido respeito aos demais seres que integram a rede da
vida.

Portanto, cabe ao Estado assegurar em igualdade de condições


com os demais membros da sociedade o direito de acesso à justiça das
pessoas com deficiência, considerando as suas limitações. Todavia,
hodiernamente, percebe-se que a preocupação dos governantes se
restringe, apenas, na criação de rampas e na colocação de Brailes em
elevadores, levando em consideração apenas o acesso físico. Contudo
as dificuldades que devem ser superadas quanto ao acesso à justiça
abrangem também as barreiras econômicas, sociais, culturais e
psicológicas.
Acerca do direito à igualdade das pessoas com deficiência
cita-se a Lei 13.146:

Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à


igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não
sofrerá nenhuma espécie de discriminação. §
1o Considera-se discriminação em razão da deficiência
toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação
ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de
prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o
exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de
pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações
razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. §
2o A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição
de benefícios decorrentes de ação afirmativa.

Em suma, percebe-se pela leitura desse artigo que o acesso à


justiça dos deficientes não abarca apenas as questões processuais,
ligadas a existência de interesse de agir e a legitimidade das partes, mas
também envolve a capacidade econômica, física e mental, pois os
deficientes como o já amplamente discutido estão em condições de
vulnerabilidade frente as demais pessoas da sociedade.

375
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

4.1 ALTERNATIVAS PARA SANAR AS DIFICULDADES DE


ACESSO À JUSTIÇA

A Carta Magna estabelece no caput do seu art. 5° que: “todos


são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”, assim
sendo determina o direito à igualdade, ou seja, de tratamento igualitário
a todos, mas para que a isonomia real ou material seja efetivada é
necessário que leve-se em consideração pelo poder público as eventuais
diferenças entre os sujeitos de direito.
Diante disso, quando as pessoas estiverem em uma situação de
igualdade, devem receber tratamento igualitário, entretanto quando
estas forem diferentes, e estiverem em situação de desequilíbrio, isso
deve ser considerado. Portanto, em razão das pessoas deficientes serem
detentoras de determinadas limitações que as individualizam das
demais, além de não ser permitido a autotutela, que ocorre quando o
próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o
à parte contestante e à própria comunidade, é imperioso que o Poder
Público assegure o direito de acesso à justiça para as pessoas com
deficiência e as condições de exercê-lo em juízo.
Em síntese, o presente tópico elencará algumas alternativas
para que sejam sanadas as dificuldades rotineiras daqueles indivíduos
que possuem alguma deficiência, com a finalidade de que não sejam
privados do seu direito de acesso à justiça de forma igualitária. Sendo
elas: a estruturação do Poder Judiciário, a competência do juízo na
comarca em que reside a pessoa com deficiência e a conscientização
social como fator de mudança.

4.1.1 A ESTRUTURAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário deve estar devidamente estruturado para


receber as pessoas com deficiência. Em relação àquelas que possuem
dificuldades locomotoras é necessário que sejam construídas rampas
em todas as comarcas que ainda não possuem, para facilitar a
acessibilidade. Além disso, é imprescindível a aplicação de políticas
públicas que permitam um acesso direto à justiça aos deficientes
auditivos e visuais sem a necessidade de ter um intermediário para

376
facilitar a comunicação entre essas pessoas que precisam de tratamento
diferenciado e o Poder Judiciário.
Segundo o artigo 13 sobre o acesso à justiça da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:

Os Estados Partes assegurarão o efetivo acesso das


pessoas com deficiência à justiça, em igualdade de
condições com as demais pessoas, inclusive mediante a
provisão de adaptações processuais adequadas à idade, a
fim de facilitar o efetivo papel das pessoas com
deficiência como participantes diretos ou indiretos,
inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos
jurídicos, tais como investigações e outras etapas
preliminares. A fim de assegurar às pessoas com
deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados Partes
promoverão a capacitação apropriada daqueles que
trabalham na área de administração da justiça, inclusive a
polícia e os funcionários do sistema penitenciário.

Com fundamento nesse artigo, é necessária a capacitação dos


servidores da justiça para que tenham o domínio das Libras (Língua
Brasileira de Sinais), uma vez que a mesma é reconhecida como língua,
com base na Lei n° 10.436 de 2002 que institui em seu art. 1°: “é
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela
associados”. Em vista disso, os tribunais deverão disponibilizar a
ministração de cursos para que os servidores possam fornecer o devido
atendimento especializado, visando que as pessoas surdas possam
plenamente exercer seus direitos fundamentais previstos no art. 5° da
Constituição Nacional.
Outrossim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência dispõe o
seguinte artigo:

Art. 80. Devem ser oferecidos todos os recursos de


tecnologia assistiva disponíveis para que a pessoa com
deficiência tenha garantido o acesso à justiça, sempre que
figure em um dos polos da ação ou atue como
testemunha, partícipe da lide posta em juízo, advogado,
defensor público, magistrado ou membro do Ministério
Público.

377
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Baseado nesse dispositivo, é importante que haja a adequação


dos processos em áudio e em Braille, para que sejam colocadas à
disposição das pessoas com deficiência tecnologia assistiva para que as
mesmos possam praticar quaisquer atos da vida civil sem
discriminação, uma vez que os deficientes não são seres inertes, de
modo que é indubitável que para a sua inclusão social é necessário que
sejam introduzidos mecanismos para uma atuação proativa dessa
parcela da população.

4.1.2 COMPETÊNCIA DO JUÍZO NA COMARCA EM QUE


RESIDE A PESSOA DEFICIENTE

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2011, p. 10-


14), existem mais de um bilhão de pessoas no mundo com algum tipo
de deficiência, dentre elas, cerca de duzentos milhões representam
indivíduos que apresentam dificuldades funcionais sérias.
Além disso, segundo a Cartilha do Censo Demográfico do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010, p.4):

Considerando a população residente no país, 23,9%


possuíam pelo menos uma das deficiências investigadas:
visual, auditiva, motora e mental ou intelectual. A
prevalência da deficiência variou de acordo com a
natureza delas. A deficiência visual apresentou a maior
ocorrência, afetando 18,6% da população brasileira. Em
segundo lugar está a deficiência motora, ocorrendo em
7% da população, seguida da deficiência auditiva, em
5,10% e da deficiência mental ou intelectual, em 1,40%.

Portanto, percebe-se que uma parte considerável da população


possui alguma deficiência. Em vista disso, surge a problemática de
quando o órgão jurisdicional competente para uma ação for distante do
domicílio da pessoa deficiente que é parte. A respeito desse problema,
indaga-se: existe o juiz natural de pessoa deficiente?
Primeiramente, é relevante compreender o que vem a ser juiz
natural. A Constituição de 1988 estabelece em seu art. 5°, LIII que:
“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade

378
competente” e no XXXVII do mesmo artigo que: “não haverá juízo ou
tribunal de exceção”. Assim, a partir da leitura dos incisos desse artigo
entende-se que o juiz natural é aquele cuja competência é determinada
de acordo com regras previamente estabelecidas no ordenamento
jurídico, e que não poderá ser modificada posteriormente.
Assevera Botelho de Mesquita (2007, p. 149) que:

Dente os princípios da mais antiga tradição em nosso


direito constitucional está precisamente o princípio do
juiz natural. Já o assegurava o art. 179, XI, da
Constituição Imperial de 1824, nos termos de sua
formulação clássica: ‘Ninguém será sentenciado senão
pela autoridade competente, por virtude de Lei Maior, e
na forma por ela prescrita’.

Partindo desse deslinde, verifica-se que até na primeira


Constituição do Brasil – que foi imposta ou outorgada, sendo dotada de
exacerbado centralismo político, devido ao quarto poder em que o
Imperador era considerado uma pessoa sagrada e inviolável – já era
previsto que a todos seria assegurado o direito fundamental ao juiz
natural. Logo, essa garantia constitucional de imparcialidade do
julgador é de todos, seja ou não deficiente.
A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
determinou nos seguintes artigos:

ARTIGO 3°: Para alcançar os objetivos desta Convenção,


os Estados Partes comprometem-se a: 1. Tomar as
medidas de caráter legislativo, social, educacional,
trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam
necessárias para eliminar a discriminação contra as
pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua
plena integração à sociedade, entre as quais as medidas
abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas
exclusivas: a) medidas das autoridades governamentais
e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a
discriminação e promover a integração na prestação ou
fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e
atividades, tais como o emprego, o transporte, as
comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte,

379
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades


políticas e de administração;
ARTIGO 4°: Para alcançar os objetivos desta Convenção,
os Estados Partes comprometem-se a:1. Cooperar entre si
a fim de contribuir para a prevenção e eliminação da
discriminação contra as pessoas portadoras de
deficiência. 2. Colaborar de forma efetiva no seguinte: b)
desenvolvimento de meios e recursos destinados a
facilitar ou promover a vida independente, a auto-
suficiência e a integração total, em condições de
igualdade, à sociedade das pessoas portadoras de
deficiência.

Com suporte nessa Convenção, que foi introduzida no


ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto n° 3.956 de 2001, tendo
status de dispositivo supralegal, cabe ao Poder Público adotar medidas,
até mesmo de caráter legislativo, que proporcionem a facilitação do
acesso à justiça as pessoas com deficiência. Logo, considerando a
situação dos cadeirantes que são detentores de deficiência física tendo,
desse modo, limitações impostas pela deficiência para mover-se para
acessar a justiça é importante que haja um tratamento diferenciado no
que diz respeito à distribuição de competência.
Além disso, com base na Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), órgão da
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República,
o IBGE acusou que (2010, p. 11):

A Região Nordeste teve a maior taxa de prevalência de


pessoas com pelo menos uma das deficiências, de 26,3%,
tendência que foi mantida desde o Censo de 2000,
quando a taxa foi de 16,8% e a maior entre as regiões
brasileiras. As menores incidências ocorreram nas regiões
Sul e Centro Oeste, 22,5% e 22,51%, respectivamente.
Esses dados corroboram a tese de que a deficiência tem
forte ligação com a pobreza e que os programas de
combate à pobreza também melhoram a vida das pessoas
com deficiência.

Em suma, baseado nos dados do IBGE a maioria das pessoas


com deficiência vivem em condições de pobreza, já que a maior

380
concentração destas está na região nordeste, além do mais conforme
Greco Filho (2006, p. 202): “[...] as regras de competência territorial ou
de foro têm por fim determinar qual a comarca em que deve ser
proposta a demanda, ou seja, qual será o seu foro”. Dessa maneira, é
razoável que para abrandar ou eliminar a dificuldade de acesso ao foro
competente quando não coincide com o foro do domicílio civil do
deficiente, seja devido as suas limitações físicas e/ou econômicas é
imprescindível que a competência seja determinada em razão do
território, com a finalidade das pessoas com deficiência possuírem uma
competência específica no sistema processual brasileiro.

4.1.3 A CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL COMO FATOR DE


MUDANÇA

As pessoas com deficiência podem possuir limitações físicas,


sensoriais e/ou mentais, porém esse fato não justifica que essas
diferenças frente aos demais indivíduos seja o motivo de práticas
sociais segregacionistas ou preconceituosas. Para adentrar nesse tópico
é crucial citar o subsequente posicionamento de Telles (2001, p.383-
384):

Esse luminoso mandamento [ama ao teu próximo como a


ti mesmo] – forma de um sentimento recôndito, muitas
vezes nem bem consciente, mas natural e norteador no
coração humano dos verdadeiros legisladores – é,
certamente, a primordial razão de ser das ordenações
sociais. Ela não é jurídica, essa norma, pronunciada por
Jesus. Mas ela manifesta uma condição preciosa de
entendimento e harmonia. Nela está uma inicial
inspiração, a recomendação basilar, da qual a inteligência
infere – de conjuntura em conjuntura, de degrau em
degrau – todos os imperativos e todas as interpretações de
disposições jurídicas. Com a consciência apoiada nesse
PRIMEIRO MANDAMENTO é que os legisladores
sinceros são misteriosamente conduzidos, na construção
de seus edifícios normativos. É com ele na
subconsciência que os juristas manejam a sua CHAVE,
ao empregar a lógica do razoável, na interpretação das
leis. Quando os construtores e os intérpretes se apartam

381
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

dele e o invertem, por erro ou por algum nefasto motivo,


a Disciplina da Convivência perde seu alicerce, se
desvirtua, se corrompe, passa a infelicitar a comunidade.
É o que acontece, por exemplo, quando a disciplina
legítima da convivência é substituída pelas ordens do
arbítrio, dos autocratas e déspotas [...].

Com fundamento nessa colocação, bem como no


entendimento de Barroso (2009, p. 50) sobre a Dignidade Humana de
que “é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de
origem religiosa, do respeito ao próximo”, compreende-se que a
atuação dos Poderes Políticos, seja legislando ou mesmo julgando, deve
ter como essência esse respeito ao próximo. É necessária para
concretização da dignidade da pessoa humana que a interpretação e a
aplicação do direito sejam baseadas na solidariedade, para que sejam
alcançados resultados mais humanos e benignos.
Com isso, destaca-se o art. 8° da Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência:

É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à


pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à
paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação,
à educação, à profissionalização, ao trabalho, à
previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao
transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao
turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos
avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao
respeito, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária, entre outros decorrentes da Constituição
Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de
outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social
e econômico.

Por isso, cabe ao Estado, a família e a sociedade motivados


por esse ensinamento de se colocar na situação do próximo a efetivação
dos direitos fundamentais das pessoas deficientes com prioridade,
devido não apenas as características próprias desse segmento

382
populacional, mas também tendo como base o direito fundamental do
ser humano de viver de forma digna.
Em resumo, concernirá ao Poder Público o dever de criação e
concretização de medidas que materializem os direitos das pessoas com
deficiência, de modo, que caberá as autoridades administrativas
destinarem recursos públicos nas previsões orçamentárias anuais para a
acessibilidade desse grupo de pessoas que necessitam de tratamento
diferenciado. Todavia, se as mesmas não cumprirem com suas
obrigações deverá a sociedade se conscientizar sobre os direitos
garantidos a essas pessoas e, dessa forma, deverá fiscalizar a efetivação
desses direitos juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (Conade) – órgão superior de deliberação
colegiada, criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma
política nacional para inclusão da pessoa com deficiência – para que os
deficientes tenham mais dignidade como pessoa humana.
Sobre o papel da sociedade na superação da rejeição da
deficiência destaca-se:

O caminho para a superação desta questão está na busca e


no encontro de um sentido para a existência humana, cujo
sujeito, o homem, não está determinado pela sua
condição física, mental ou sensorial, mas principalmente
por seu modo se ser, autêntico e único. Superar a visão
passiva e negativa da deficiência, entendê-la com mais
uma possibilidade no universo da pluralidade de
possibilidades e tratar seus portadores como membros
ativos da cultura são medidas de segurança para a
integração. A normalidade e a anormalidade não podem
ser reduzidas ao plano biológico. Mais do que isto,
precisam ser consideradas do ponto de vista social. O
assumir-se como sujeito e o grau de inserção no processo
histórico e cultural independem do fato da pessoa
enxergar ou não, ouvir ou não, andar ou não, ter maior ou
menor capacidade cognitiva. O essencial não está no
instrumento, mas no modo como se dá a inserção do
sujeito no contexto social (TERESA et al., 1997, p. 22).

Logo, é necessário para a eliminação da discriminação das


pessoas com deficiência que a sociedade compreenda que as diferenças,

383
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

por mais acentuadas que sejam, não representam uma razão para a
perda do essencial da existência humana, a sua humanidade, os seus
direitos fundamentais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da deficiência é tão antiga quanto a própria


formação da sociedade, de modo que a deficiência não é um fator
restrito a certas regiões ou a determinados países, todavia afeta a todas
as comunidades, seja ela mais ou menos desenvolvida econômica ou
culturalmente, a diferença talvez se encontre no tipo predominante de
deficiência, já que em algumas localidades se concentra maior número
de problemas congênitos, outras predominam as deficiências
ocasionadas por fatores externos como os acidentes e as guerras.
Em síntese, o presente estudo tratou das dificuldades de acesso
à justiça dessas pessoas com deficiência, que apesar de existirem
demasiados instrumentos normativos sobre a acessibilidade, como os
tratados, convenções e legislações específicas para implementar
políticas que atendam às exigências dessa parcela da população que
necessita de tratamento diferenciado, mesmo assim não há a efetivação
dos seus direitos.
Em função disso, além dos meios assegurados pela
Constituição Federal para proporcionar o acesso à justiça de forma
igualitária, a título de exemplo, o direito ao devido processo legal e ao
contraditório, no que tange as pessoas com deficiência que,
rotineiramente, já possuem restrições devido as suas restrições, de
modo, que nem sempre estão em condições de igualdade com as
demais pessoas, é necessário, portanto, meios de aproximar o cidadão
que necessita de um tratamento diferenciado através da concretização
de políticas públicas, tais como: a estruturação do Poder Judiciário com
processos em áudio e Braille, além da capacitação dos servidores de
justiça em libras, para atender de forma mais eficaz as pessoas com
deficiência visual e auditiva, respectivamente, que buscam a Justiça.
Além disso, em relação aos deficientes que possuem
limitações na sua capacidade de locomoção é imperioso que o Poder
Judiciário verifique, no caso concreto, se não é razoável que haja a

384
adaptação processual da competência do órgão julgador quando não
corresponder com o domicilio civil da pessoa deficiente.
Em suma, é necessário a conscientização da sociedade quanto
as direitos desse segmento populacional, para que possam fiscalizar o
planejamento e a materialização das políticas destinadas à pessoa com
deficiência, por meio da articulação e diálogo com as demais instâncias
de controle social e os gestores da administração pública direta e
indireta, além de atuarem de forma conjunta com as entidades
representativas das pessoas com deficiência, para exigirem do Poder
Público a destinação de recursos para serem investidos nas áreas de
atendimento aos deficientes
Com isso, somente com a aplicação de ações afirmativas que
sejam capazes de sanar as dificuldades de acesso à justiça das pessoas
com deficiência é que será possível o tratamento justo a essas pessoas e
a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com os demais membros do corpo social.

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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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388
O JUS POSTULANDI E O ACESSO À JUSTIÇA NA
JURISDIÇÃO TRABALHISTA BRASILEIRA

Marília Costa Barbosa Fernandes

RESUMO: O presente artigo aborda o uso do Jus postulandi pela parte


na jurisdição trabalhista brasileira e analisa a eficiência desse instituto
na atualidade para garantir a efetivação do direito de acesso à justiça.
Através da pesquisa bibliográfica e legislativa, aponta-se o conteúdo
jurídico do direito de acesso à justiça e os resultados decorrentes do
exercício do Jus postulandi no âmbito do processo do trabalho,
sobretudo em relação ao obreiro carente de recursos para a contratação
de um advogado. No cotejo das informações, emerge a necessidade de
criação pelo Estado de meios que possam concretamente fornecer ao
jurisdicionado trabalhista hipossuficiente a assistência jurídica gratuita
e o fomento do patrocínio de suas causas por advogado, como medidas
essenciais de promoção do acesso à justiça.

Palavras-chave: Jus postulandi. Acesso à Justiça. Justiça do Trabalho.

ABSTRACT: This article discusses the use of Jus postulandi by the


Brazilian labor jurisdiction and analyzes the efficiency of this institute
nowadays to guarantee the effective right of access to justice. Through
bibliographic and legislative research, the juridical content of the right
of access to justice and the results derived from the exercise of Jus
postulandi in the scope of the labor process, especially in relation to the
worker lacking resources for the hiring of a lawyer, are pointed out. In
the collation of information, the need for the State to create means that
can concretely provide the labor jurisdictional jurisdiction with free
legal assistance and the promotion of sponsorship of its causes by
lawyer as essential measures to promote access to justice.

Keywords: Jus postulandi. Access to justice. Labor Court.


Advogada.

389
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

1 INTRODUÇÃO

A garantia de acesso à justiça tem sido progressivamente


reconhecida como requisito fundamental dos sistemas jurídicos
modernos, que se voltam à concretização democrática e igualitária de
direitos, por meio da tutela jurisdicional.
No entanto, persiste na Justiça do Trabalho a aplicação do Jus
postulandi da parte, como forma de possibilitar ao hipossuficiente uma
falsa aparência acesso ao Judiciário, na medida em que permite ao
litigante agir em juízo sem advogado.
Com o incremento da jurisdição trabalhista, o uso do Jus
postulandi tem sido alvo de questionamentos quanto à sua eficácia na
realização do efetivo acesso à justiça, uma vez que a assistência
processual da parte por advogado se torna cada vez mais
imprescindível.
Portanto, a análise desse cenário se mostra essencial, na busca
de soluções que assegurem concretamente a paridade de armas entre os
litigantes na justiça laboral, sobretudo através da assistência jurídica
gratuita ao trabalhador carente e de meios que estimulem o patrocínio
advocatício de suas demandas.

2 O CONTEÚDO JURÍDICO DO DIREITO DE ACESSO À


JUSTIÇA

O direito de acesso à justiça não possui um conteúdo estático e


vem sendo ampliado conforme a dinâmica da sociedade e da estrutura
jurídico-política de cada época.
Ao longo da passagem pelos diversos paradigmas de Estado,
considerando os modelos de Estado Liberal, Estado Social e Estado
Democrático de Direito, a noção jurídica de acesso à justiça evoluiu,
possuindo diferentes definições. Isto decorre do fato de que a
interpretação de um direito assume dimensões distintas conforme o
modelo de Estado eleito constitucionalmente, adequando-se às
necessidades sociais e ao sistema vigente.
Por volta dos séculos XVIII e XIX, o acesso à justiça
representava “um ideal de proteção do Estado Liberal aos cidadãos, isto

390
é, o direito formal de um indivíduo interpor uma determinada ação ou
dela defender-se” (PORTANOVA, 2001, p. 109).
Nessa fase do liberalismo, em função da valorização dos
direitos individuais e da propriedade privada, o acesso à justiça,
entendido restritamente como ingresso junto ao Poder Judiciário, era
limitado ao caráter patrimonialista e somente poderia recorrer à
instância judicial quem tivesse condições de arcar com os custos da
demanda.

O acesso à justiça nos Estados burgueses dos séculos


XVIII e XIX era assegurado de maneira formal. Aqueles
que tivessem condições financeiras de enfrentar os custos
de um processo tinham acesso à justiça; aos demais não
se proporcionava esta possibilidade e não havia
responsabilidade por parte do Estado. (XIMENES, 2004,
p. 22).

Desta feita, no paradigma do Estado Liberal, havia uma


intervenção estatal mínima na esfera particular do indivíduo, baseada
tão somente na garantia da ordem social. Era o modelo de Estado
caracterizado por Bonavides (2009, p. 40) como “o Estado gendarme
de Kant, o Estado guarda-noturno, que Lasalle tanto ridicularizava,
demissionário de qualquer responsabilidade na promoção do bem
comum”.
Nesse modelo, a justiça era aquela decorrente da igualdade
formal, sem qualquer preocupação do Estado com a superação das
diferenças subjetivas. O acesso à justiça era uma garantia enunciada nas
principais declarações de direitos fundamentais, mas ainda longe de ser
concretizada como uma conquista de todos.
A ampliação do acesso à justiça ganhou força com o Estado
Social, mormente após a Segunda Guerra Mundial, onde a intervenção
estatal se fez necessária para recompor os aspectos econômicos e
sociais abalados. No pós-guerra, esta questão explodiu com a
consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais,
transformando o direito de acesso à justiça num “direito charneira, um
direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais” (SANTOS,
1999, p. 167).

391
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Percebe-se, nesse modelo, a materialização dos direitos


anteriormente formais, além de “[...] uma plêiade de leis sociais e
coletivas que possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das
diferenças materiais e o tratamento privilegiado do lado social ou
economicamente mais fraco da relação” (CARVALHO NETTO, 1999,
p. 480).
Todavia, o Estado Social não foi expressivo em fazer dos
cidadãos participantes efetivos e genuínos do espaço democrático
(NUNES, 2003, p. 56).
O desenvolvimento da cidadania e a maior conscientização
sobre direitos fez com que os diversos segmentos sociais unissem
forças políticas e econômicas diante do poder, a fim de que houvesse
uma maior participação no processo político, o que culminou na
estabilização do Estado Democrático de Direito.
Conforme explica Aguiar (2008, p. 209), “o paradigma social
sofreu críticas em decorrência das políticas paternalistas, que não
possibilitavam aos destinatários das decisões participarem de sua
construção”, havendo a busca pelo exercício democrático do poder
nessa nova etapa, onde a preocupação com a legitimidade do Direito é
predominante.
Um dos principais objetivos perseguido pelo Estado
Democrático de Direito consiste na promoção do acesso efetivo aos
direitos fundamentais, assegurando a participação isonômica dos seus
destinatários na obtenção da tutela jurídica desses direitos.
Conforme acentuam Cappelletti e Garth (1988, p. 11-12), o
acesso à justiça deve ser encarado como “[...] requisito fundamental – o
mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e
igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de
todos”. Isto porque a titularidade de direitos é destituída de sentido, na
ausência de mecanismos que garantam a sua reivindicação.
Na seara judicial, considera-se que “[...] para que haja o
efetivo acesso à justiça, é indispensável que o maior número possível
de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente”
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 35).
Assim, o Poder Público, como detentor da função
jurisdicional, tem por incumbência colocar à disposição dos indivíduos

392
e das coletividades meios que propiciem um acesso amplo, eficiente,
isonômico e participativo às vias de proteção dos direitos plasmados no
ordenamento jurídico.
Em relação à jurisdição, o alcance do acesso à justiça
ultrapassa os limites da simples possibilidade de ingresso perante o
Poder Judiciário, abarcando a ideia de utilização plena dos
instrumentos processuais disponíveis, com igualdade de condições às
partes na participação da tomada de decisões judiciais legítimas,
eficazes e justas que lhes digam respeito. Essa compreensão do
conteúdo jurídico do direito de acesso à justiça se coaduna com os
princípios norteadores do regime democrático e, especificamente no
campo do direito processual, busca assegurar mecanismos e instituições
que materializem a fruição igualitária das garantias inerentes ao devido
processo constitucional.
Em vista dessa noção de acesso à justiça, questiona-se a
persistência do instituto do Jus postulandi da parte, especialmente na
Justiça do Trabalho, como meio de supostamente facilitar a obtenção da
tutela jurisdicional.

3 O JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A expressão Jus postulandi tem origem etimológica do latim, a


partir da junção das palavras Ius, que significa direito, e postulandi, que
se traduz como postular, pedir. (SANTOS, 2007, p. 370).
No sistema brasileiro, a regra é de que o direito de postular é
prerrogativa dos advogados regularmente inscritos na Ordem dos
Advogados do Brasil. Os advogados são os titulares por excelência do
direito de postular, pois somente eles poderão praticá-lo em sua
plenitude, o que faz com que exerçam uma função essencial à justiça.
Nesse sentido, o Art. 133 da Constituição Federal preceitua que: “[...] o
advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável
por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da
lei” (BRASIL, 1988).
Conquanto o direito de postular em juízo pertença ao
advogado, a capacidade postulatória se caracteriza como pressuposto
processual da parte, estando preenchido quando a parte se acha

393
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

representada por advogado no processo, através de instrumento de


mandato.
A essa regra geral, no entanto, apresentam-se algumas
exceções, em que a lei permite a dispensa do preenchimento da
capacidade postulatória pela parte, facultando-lhe a defesa de seus
interesses por si em juízo. É como se, em situações excepcionais, o Jus
postulandi pudesse ser exercido pela parte, ainda que esta não tenha o
necessário conhecimento técnico em Direito.
O exercício do Jus postulandi pela parte é legalmente aceitável
em determinados procedimentos ditos menos formais, como é o caso
dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Juizado Especial Federal, na
área penal através do Habeas corpus e da Revisão Criminal e também
na Justiça do Trabalho.
Na jurisdição trabalhista, essa faculdade conferida à parte
encontra sua definição legal na Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT, no artigo 791: “Os empregados e os empregadores poderão
reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as
suas reclamações até o final” (BRASIL, 1943).
O objetivo principal do instituto era fazer com que a falta de
recursos financeiros, sobretudo por parte do trabalhador
hipossuficiente, não representasse um entrave à obtenção da prestação
jurisdicional, pois, através do Jus postulandi, este poderia demandar em
juízo sem a necessidade de contratar um advogado.
Todavia, é preciso enfatizar que na época em que o Jus
postulandi da parte foi estabelecido, a Justiça do Trabalho era bem mais
informal e simples do que atualmente, o que facilitava a obtenção de
resultados positivos por aqueles que litigavam sem assistência
profissional, conforme explicitado abaixo:

Quando da instalação da Justiça do Trabalho em 1941,


ainda sob a esfera administrativa, deferiu-se às partes o
direito de, pessoalmente, reclamar, defender-se e
acompanhar a causa até o seu final. Essa prerrogativa
justificava-se por se tratar então de uma Justiça
administrativa, gratuita, regida por um processo oral,
concentrado, e a ela serem submetidos, quase
exclusivamente, casos triviais, tais como horas extras,
anotações de carteira, salário, férias, indenização por

394
despedida injusta (SUSSEKIND; BONFIM; PIRAINO,
2009, p. 52).

Com o aprimoramento das relações laborais, uma infinidade


de novas normas, procedimentos e competências foram surgindo e
incrementando a Justiça do Trabalho, que hoje é um dos órgãos do
Poder Judiciário com maiores contingências processuais. O
formalismo, os detalhes técnicos e os diversos meandros que permeiam
o Processo do Trabalho na atualidade dificultam sobremaneira a
postulação pessoal do leigo, que efetivamente não tem conhecimento
bastante para defender seus direitos de forma plena e satisfatória sem
estar assessorado por um advogado.
Tal fato, aliado a dispositivos constitucionais e legais que
trouxeram normas aparentemente conflitantes com o Jus postulandi,
veio a suscitar uma série de questionamentos acerca do uso do instituto.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi apontada
a inconstitucionalidade do Jus postulandi da parte, frente à previsão
normativa do Artigo 133 do texto constitucional, acima citado, que traz
a indispensabilidade do advogado.
O Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre
a constitucionalidade do artigo 791 da CLT, de forma incidental,
através do julgamento do Habeas Corpus nº 67.390-2, publicado no
Diário de Justiça da União em 06 de Abril de 1990.
A Suprema Corte, ao analisar a questão, decidiu pela
constitucionalidade do Jus postulandi da parte, haja vista que a
expressão “nos limites da lei”, presente na parte final do artigo 133 da
Carta Magna, permitiria exceções legais à indispensabilidade de
advogado.
Vale destacar a explanação do Ministro Celso de Mello, em
seu voto proferido no julgamento do processo em exame:

O princípio da essencialidade da Advocacia, embora de


extração constitucional, não configura valor absoluto em
si mesmo, tanto que condicionado, em seu alcance e
conteúdo, pelos limites da lei, consoante estabelecido
pela própria Constituição. A constitucionalização desse
princípio – como já observado – não alterou seu
conteúdo, não modificou a sua noção, não ampliou o seu

395
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

alcance, e nem tornou compulsória a intervenção do


Advogado em todos os processos. [...] Situações há,
revestidas de excepcionalidade, que legitimam a outorga,
por lei, do jus postulandi a qualquer pessoa. São os casos
pertinentes à ação de habeas corpus (CPP, art. 654,
caput), à revisão criminal (CPP, art. 623), aos dissídios
individuais (CLT, art. 791), às ações instauradas perante
os Juizados Especiais (Lei n. 7.244, de 7/11/84, art. 9º,
caput), dentre outras hipóteses especiais. (BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 67.390-PR,
Tribunal Pleno. Relator: Min. Moreira Alves. Brasília, 13
de dezembro de 1989. Diário de Justiça: 6 abr. 1990, p.
02626).

Por sua vez, a Lei no 8.906 de 04 de Julho de 1994 (Estatuto


da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB) levantou
nova polêmica sobre a vigência do Jus postulandi, ao dispor, na
redação original do seu artigo 1º, inciso I, que a postulação a qualquer
órgão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais seria atividade
privativa do advogado, levando a crer que o instituto estaria tacitamente
revogado.
No entanto, a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB
ingressou com a ADIn 1127-DF, apontando a inconstitucionalidade do
inciso I, do art. 1º. da Lei n. 8.906/1994. A ADIn 1127-DF foi julgada
procedente em parte pelo Supremo Tribunal Federal, que concluiu ser
prescindível a postulação por advogado nos Juizados Especiais e na
Justiça do Trabalho, sendo mantidas as situações legais de exercício do
Jus postulandi pela parte:

O Tribunal, examinando os dispositivos impugnados na


Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994: a) por unanimidade,
em relação ao inciso I do artigo 1º, julgou prejudicada a
alegação de inconstitucionalidade relativamente à
expressão "juizados especiais", e, por maioria, quanto à
expressão "qualquer", julgou procedente a ação direta,
vencidos os Senhores Ministros Relator e Carlos Britto;
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.127-DF, Tribunal Pleno.
Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 17 de maio
de 2006. Diário de Justiça: 11 jun. 2010).

396
A despeito do posicionamento do Supremo Tribunal Federal
acerca da constitucionalidade e validade do Jus postulandi, ainda são
sustentadas opiniões em sentido contrário, considerando que “[...]
qualquer ato jurisdicional sem a vinculação do advogado é ato ilegítimo
pela falta de suporte constitucional à sua validez, conforme estabelece
claramente o art. 133 da CR/88”. (LEAL, 2005, p. 47).
Por sua vez, em função de todas as dificuldades trazidas pelo
exercício do Jus postulandi na atualidade, o Tribunal Superior do
Trabalho veio a inadmitir o uso do instituto no seu âmbito de
competência, através da Súmula no 425:

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da


CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais
Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória,
a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de
competência do Tribunal Superior do Trabalho.
(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº
425 do TST. jus postulandi na Justiça do Trabalho.
alcance. Res. 165/2010, Diário Eletrônico de Justiça do
Trabalho: 30 abr. 2010).

Encontra-se em tramitação, no Senado Federal, o Projeto de


Lei da Câmara n. 33, de 20131 (PLC 33/2013), que propõe o fim do Jus
postulandi da parte na Justiça do Trabalho, alterando o artigo 791 da
CLT. O referido Projeto de Lei já foi aprovado na Câmara dos
Deputados e teve parecer favorável na Comissão de Assuntos Sociais
do Senado (CAS), estando em discussão na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado (CAE).
O PLC 33/2013 torna obrigatória a representação da parte, no
Processo do Trabalho, por advogado, pelo Ministério Público do
Trabalho ou pela Defensoria Pública da União, sendo dispensada tal
representação apenas quando a própria parte tiver habilitação legal para
postular em juízo. São também estabelecidos honorários advocatícios

1
Para maiores informações sobre a tramitação e o conteúdo integral do PLC 33/2013,
acessar o endereço eletrônico: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/112973.

397
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

sucumbenciais, que serão fixados pelo juiz entre 10% e 20% sobre o
valor da condenação, ou ainda por equidade, quando a causa não tiver
conteúdo econômico ou não houver condenação.
A justificativa apresentada para o PLC 33/2013 é a de que
sempre haverá prejuízo à parte que comparece à Justiça do Trabalho
sem advogado, pois o cidadão comum não tem condições de
compreender os intricados ritos processuais. Além disso, a inexistência
de honorários sucumbenciais nessa seara agrava ainda mais a situação
do trabalhador de baixa renda, não sindicalizado, que não consegue
contratar advogado para representá-lo.
De fato, observa-se que o Jus postulandi tem sido ineficaz
para garantir a efetividade do acesso à justiça ao hipossuficiente na
jurisdição trabalhista, sendo aplausível uma iniciativa que busque
soluções para o problema. Contudo, faz-se necessária uma discussão
mais democrática e aprofundada sobre o PLC 33/2013 antes de sua
aprovação, principalmente, com a participação das instituições
diretamente afetadas pelas suas previsões normativas, tais como
Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Ordem
dos Advogados do Brasil, magistrados e sindicatos, onde se estabeleça
a forma de operacionalização das previsões ali contidas.

4 A INEFICÁCIA DO JUS POSTULANDI PARA A GARANTIA


DO EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

A finalidade do Jus postulandi da parte, no âmbito da Justiça


do Trabalho, era fazer com que não houvesse obstáculos à postulação
pelo hipossuficiente que não dispõe de recursos financeiros para a
contratação de um advogado. Todavia, tal instituto tem se mostrado
deficitário quanto à efetivação do pleno acesso à justiça.
Em face da atual complexidade da justiça laboral, o leigo que
se utiliza do Jus postulandi não apresenta condições de vir a defender o
seu pleito de forma satisfatória e alcançar a tutela necessária de sua
pretensão.
Não são poucas as dificuldades enfrentadas pela parte que
arrisca se aventurar no processo trabalhista sem advogado, a começar
pelo extenso arcabouço normativo aplicável às questões laborais.

398
A CLT apresenta uma série de dispositivos que carecem de
uma interpretação sistemática entre si e com as normas que lhe são
correlatas. A legislação consolidada vem sendo alterada em várias
ocasiões, destacando-se a recente Reforma Trabalhista (Lei n.
13.467/2017), que trouxe inúmeras modificações substanciais, dando
nova configuração às relações laborais individuais, coletivas e
processuais. Somam-se a isso dezenas de leis extravagantes que
regulam as matérias trabalhistas, as Súmulas, as Orientações
Jurisprudenciais e os precedentes normativos do Tribunal Superior do
Trabalho, bem como as Portarias do Ministério do Trabalho. A correta
assimilação e aplicação de toda essa legislação já é uma tarefa árdua
para o advogado, quanto mais para a parte que não tem formação
específica na área, tornando impraticável ao leigo definir corretamente
o embasamento normativo da sua pretensão.

[...] saber sobre direitos trabalhistas, efetivamente, não é


tarefa para leigos. Juízes e advogados organizam e
participam de congressos, para tentar entender um pouco
mais a respeito desses temas e muitas vezes acabam
saindo com mais dúvidas. Imaginem, então, o
trabalhador. (SOUTO MAIOR, 2003, p. 153).

Seja pelo vocabulário jurídico, pela prática de atos


processuais específicos de manejo da causa, ou pela falta de
distanciamento emocional da lide, o leigo que não conta com o apoio
técnico do advogado encontra-se em desvantagem. O advogado é,
portanto, peça fundamental para o equilíbrio na justa composição do
litígio.

O Direito do Trabalho constitui hoje, seguramente, um dos


mais, senão o mais dinâmico ramo do direito e a presença do
advogado especializado já se faz necessária. Exigir-se de
leigos que penetrem nos meandros do processo, que
peticionem, que narrem fatos sem transformar a lide em
desabafo pessoal, que cumpram prazos, que recorram
corretamente, são exigências que não mais se afinam com a
complexidade processual, onde o próprio especialista, por
vezes, tem dúvidas quanto à medida cabível em determinados
momentos. (OLIVEIRA, 2005, p. 667).

399
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

É difícil conceber como a parte teria condições de atuar


suficientemente em juízo, ante tantos desafios atuais, como o Processo
Judicial Eletrônico, as diversas argumentações que residem em torno
do direito material, os requisitos da ação, os ritos e procedimentos, os
incidentes processuais, a produção de prova, sem contar com prazos,
impugnações, entre outras dificuldades próprias do processo.

Destarte, enganam-se aqueles que consideram ser uma


vantagem a favor do empregado a prerrogativa de exercer
pessoalmente o jus postulandi perante a Justiça dos
Necessitados. Ao contrário, o que ocorre na prática é o
obreiro ver o seu direito ameaçado devido à má
formulação dos pedidos ou a dificuldade em construir as
provas na fase instrutória, em função do seu alheamento
às normas e técnicas das quais se poderia utilizar no curso
do processo. Assim é que, em determinadas situações,
litígios em que o hipossuficiente teria todas as condições
de obter a prestação jurisdicional pleiteada terminam por
ser improvidos, devido à complexidade do caso concreto
e as filigranas processuais que ele não domina. Portanto,
a nosso ver, somente um especialista poderia garantir aos
contendores na querela judicial os mecanismos idôneos
para a defesa das suas pretensões. Por isso, a nosso ver,
dispensar o causídico não é favorecer a parte, mas
prejudicá-la. (SENTO-SÉ, 1995, p. 67).

Embora, na Justiça do Trabalho, geralmente exista um


servidor para realizar a atermação (redução a termo da postulação da
parte), não se exige que este funcionário seja pelo menos bacharel em
Direito. Quando há a atermação, a petição inicial se resume a um
parco requerimento, e não raras vezes, com pedido mal formulado e
sem todas as provas iniciais necessárias ao pleito. Depois de
produzido o termo, a parte que postula por si apresenta-se
completamente desamparada no processo, sendo deixada à sua própria
sorte.
Saliente-se que, normalmente, é o empregado que se utiliza do
Jus postulandi na Justiça do Trabalho, ao passo que o empregador
geralmente se encontra bem amparado juridicamente, por profissionais

400
especializados na área. Isso conduz a uma desigualdade extrema entre
os litigantes, contribuindo para aumentar o abismo entre eles. Em
grande parte dessas situações, o empregado sem advogado se vê
compelido a aceitar de plano qualquer proposta de conciliação, ainda
que esta não lhe seja tão favorável, por não ter condições de dar
prosseguimento ao feito. Nessas ocasiões, o juiz pouco pode fazer, sob
pena de ter questionada a sua imparcialidade.

A vida prática demonstrou, num incontável número de


ocasiões, que, quando um dos litigantes ia a juízo sem
advogado, mas outro, fazia-se acompanhar por
procurador judicial, o que se presenciava,
dramaticamente, não era uma porfia equilibrada, mas um
massacre contínuo. (TEIXEIRA FILHO, 1997, p. 186).

Em vista de tais argumentos, resta nítido que o Jus postulandi


não acompanhou o desenvolvimento e a especialização da Justiça do
Trabalho. O uso do instituto nos presentes dias acaba por comprometer
o contraditório, a ampla defesa e a isonomia entre as partes,
acarretando, assim, uma desigualdade técnica e material que impede
que o litigante obtenha o acesso à justiça em toda a sua amplitude.
Por essas razões, o patrocínio advocatício da causa é decisivo
para que se alcance uma ordem jurídica justa, fundada na dimensão
democrática, isonômica e efetiva do acesso à justiça. Confirmam essa
assertiva, as palavras de Cappelletti e Garth (1988, p. 32): “[...] o
auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar
leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários
para ajuizar uma causa”
Entretanto, não se mostra suficiente e muito menos cumpre o
papel social do Direito do Trabalho, o simples ato de extinguir o Jus
postulandi, sem que sejam criados mecanismos concretos, e não
meramente simbólicos, de assistência jurídica integral e gratuita ao
trabalhador carente, independentemente de haver filiação deste a um
sindicato.

401
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

5 MEIOS DE EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA AO


JURISDICIONADO TRABALHISTA HIPOSSUFICIENTE

A assistência jurídica gratuita é prevista no artigo 5º, inciso


LXXIV, da Constituição Federal como um dos direitos fundamentais a
ser realizado pelo Estado. A Lei n. 1060/50 veio a disciplinar o tema,
que teve regulamentação específica no âmbito da Justiça do Trabalho
através da Lei n. 5.584/70:

Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a


que se refere a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950,
será prestada pelo Sindicato profissional a que pertencer
o trabalhador.
§1º A assistência é devida a todo aquele que perceber
salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal,
ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de
maior salário, uma vez provado que sua situação
econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do
sustento próprio ou da família. (BRASIL, 1970).

Conforme estabelece a lei, a assistência judiciária do


trabalhador hipossuficiente é competência do sindicato representante de
sua categoria profissional. No entanto, muitas vezes, os sindicatos não
possuem estrutura nem recursos financeiros suficientes para acolher
todas as demandas, além de que não são todas as profissões que
possuem entidade sindical regulamentada.
Ressalte-se, ainda, que a Lei 5.584/70, ao estabelecer tal
atribuição ao sindicato, acabou por transferir a este uma obrigação que
seria, em tese, do Estado, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV, da
Carta Magna.
Portanto, é papel do Estado a prestação de assistência
judiciária gratuita aos que dela necessitam, caracterizando-se como um
direito fundamental que compõe a garantia mais básica de acesso à
justiça. Essa tarefa deverá ser desempenhada pelo Estado através da
Defensoria Pública da União, conforme dispõem os artigos 134 da
Carta Magna e 14 da Lei Complementar n° 80/1994, abaixo
colacionados respectivamente:

402
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (BRASIL,
1988).

Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará nos


Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto à
Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais
Superiores e instâncias administrativas da União
(BRASIL, 1994).

Apesar das determinações legais acima transcritas, observa-se


que a atuação da Defensoria Pública da União junto à Justiça do
Trabalho é incipiente, o que ficou devidamente constatado por meio do
IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil 2, realizado em 2014,
pelo Ministério da Justiça. Segundo dados desse estudo, em todo o
Brasil, considerando as áreas de atuação da Defensoria Pública da
União, apenas a porcentagem de 8,8% de toda a atuação dos defensores
é dedicada aos direitos trabalhistas.
Essa situação se deve, principalmente, à falta de investimento
do Estado em recursos materiais e humanos para a Defensoria Pública
da União, que acaba por dar prioridade às causas em que não se permite
o Jus postulandi da parte. Dada a aplicação do instituto na jurisdição
laboral, as causas trabalhistas acabam por ficar prejudicadas, não
sendo, em sua maioria, atendidas pelos defensores públicos.
Por esse motivo, muitos juristas3 defendem a criação da
Defensoria Pública Trabalhista, órgão que estaria ligado à Defensoria

2
A íntegra do IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil se encontra disponível
em: http://s.conjur.com.br/dl/iv-diagnostico-defensoria-publica-brasil.pdf. Acesso em:
31 maio 17.
3
Dentre os vários juristas que defendem a criação da Defensoria Pública Trabalhista,
podem ser apontados: SILVA, Thaís Borges da. A imprescindibilidade da instituição e
o fortalecimento da defensoria pública trabalhista para o alcance do acesso à justiça.
Labor et Justitia. Revista do Tribunal Regional do Trabalho de 17ª Região,
Vitória, n. 4, p. 221-230, jan./dez. 2007; COUTO, Alessandro Buarque. A Defensoria
Pública na Justiça do Trabalho. Revista do Direito Trabalhista, Brasília, v. 10, n. 2,
p. 27, fev./2004) e NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual
do Trabalho, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 192-193.

403
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Pública da União, mas que contaria com quadro próprio de pessoal e


defensores especializados na matéria trabalhista. Esta seria uma das
soluções para o problema do Jus postulandi na Justiça do Trabalho,
através da qual o Estado viabilizaria meios de realização efetiva do
acesso à justiça em toda a sua plenitude.

Sendo assim, a Defensoria Pública está


constitucionalmente incumbida de prestar assistência
judiciária gratuita aos trabalhadores que se enquadram na
situação exigida para que possam receber a referida
assistência. A atribuição é concorrente com a do
sindicato. É um dever do Estado. (NASCIMENTO, 2007,
p. 190).

O estabelecimento de honorários de sucumbência para todas as


causas laborais também se insere entre as medidas necessárias à
facilitação da representação do jurisdicionado trabalhista. Deverá ser
reformulado o entendimento de que, na Justiça do Trabalho, só há
condenação em honorários advocatícios quando o reclamante for
beneficiário da justiça gratuita e estiver assistido por seu sindicato
(Enunciados nº 219 e 329, do TST).
Vale ressaltar que a legislação trabalhista não contém qualquer
vedação expressa ao pagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais nas demandas laborais, conforme argumenta Souto
Maior (2003, p. 155):

[..] mesmo sob o prisma da interpretação literal, não se


justifica o entendimento dos Enunciados 219 e 329, do
TST. Os textos legais (arts. 14 e 16, da Lei n. 5.584/70 e
art. 791, da CLT) não desautorizam, expressamente, a
condenação em honorários quando o reclamante for
assistido por advogado particular. A ilação nesse sentido é
plenamente injustificável sob o prisma interpretativo,
pois que confere uma ampliação do texto legal sem o
menor fundamento.

Portanto, uma vez constatado ser indispensável a


representação da parte por advogado no Processo do Trabalho, como
forma de produção do pleno acesso à justiça, compete ao Estado

404
promover as ações políticas necessárias à materialização da assistência
jurídica integral e gratuita ao obreiro hipossuficiente, por meio da
Defensoria Pública Trabalhista; assim como estabelecer legalmente,
como regra, que sejam deferidos os honorários sucumbenciais em todas
as ações trabalhistas, sem, contudo, impor tal ônus ao trabalhador
economicamente carente, quando este for a parte vencida na lide.

6 CONCLUSÃO

O direito de acesso à justiça já não pode mais ser entendido


como mera possibilidade de postulação perante o Poder Judiciário, ou
como uma garantia usufruída apenas por aqueles que dispõem de
recursos financeiros para a contratação de um advogado.
Essa compreensão do acesso à justiça, que remonta à
concepção do Estado Liberal, não se coaduna com os princípios do
Estado Democrático de Direito, no qual se verifica a necessidade de
garantir a mais ampla tutela dos direitos existentes no ordenamento
jurídico, de forma isonômica.
Considerando o atual conteúdo jurídico do direito de acesso à
justiça, que, em termos judiciais, está ligado à ideia de utilização
eficiente dos instrumentos processuais, assegurando a igualdade de
condições às partes, observa-se que o uso Jus postulandi na Justiça do
Trabalho se tornou insuficiente e obsoleto.
Em virtude da complexidade normativa e procedimental da
justiça laboral nos presentes dias, a parte que age desassistida em juízo
não consegue defender seus direitos de forma satisfatória, acabando por
não obter a devida tutela jurisdicional, estando em nítida desvantagem
processual. Tal situação é ainda mais alarmante quando se constata que,
na maioria das vezes, é o trabalhador carente que se vale do Jus
postulandi, o que agrava as desigualdades sociais e jurídicas
decorrentes da relação laboral, ferindo o fundamento basilar do Direito
do Trabalho de proteção ao obreiro.
Diante disso, urge a adoção de medidas por parte do Estado
que materializem a assistência jurídica integral e gratuita ao trabalhador
necessitado, já sendo apontadas pela doutrina, como soluções possíveis,
a estruturação da Defensoria Pública Trabalhista e a aplicação de

405
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

honorários sucumbenciais em todas as demandas laborais, sem criar


gravames à deficiência econômica do obreiro carente vencido na lide.
Referidas ações estatais poderão suprir a ineficácia do Jus postulandi,
proporcionando a necessária representação da parte hipossuficiente por
advogado na jurisdição trabalhista, como forma de efetivação plena do
acesso à justiça.

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gratuita e a garantia do amplo acesso ao Poder Judiciário. 2004.
146 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do
Ceará – UFC, Fortaleza. 2004.

409
(RE)PENSANDO O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO
DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE PACIFICAÇÃO
DE CONFLITOS1

REPENSANDO EL ACCESO A LA JUSTICIA A TRAVÉS DE


LOS METODOS ALTERNATIVOS DE PACIFICACIÓN DE
CONFLICTOS

Marli M. Moraes da Costa


Rodrigo Cristiano Diehl

RESUMO: O objetivo com o presente estudo é (re)discutir os novos


mecanismos de pacificação aos conflitos na condição de concretização

1
Esse estudo é fruto dos debates e reflexões oportunizados pelo Grupo de Pesquisa
“Direito, Cidadania e Políticas Públicas” ligado ao Programa de Pós-Graduação em
Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul e financiado
com recursos da CAPES.

Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, com pós-
doutorado em Direito pela Universidad de Burgos - Espanha, com bolsa CAPES.
Professora da Graduação e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito
- Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.
Coordenadora do Grupo de Estudos Direito, Cidadania & Políticas Públicas na
mesma Universidade. Especialista em Direito Privado. Professora do Curso de Direito
da Fundação Educacional Machado de Assis - FEMA. Psicóloga com Especialização
em Terapia Familiar. Autora de livros e artigos em revistas especializadas. E-mail:
marlim@unisc.br.

Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e
Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul, com bolsa Prosup/Capes.
Especializando em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola
Paulista de Direito – EDP (2016). Graduado em Direito pela Universidade de Santa
Cruz do Sul - UNISC, com bolsa Probic/Fapergs (2015). Integrante dos grupos de
pesquisa: Direito, Cidadania & Políticas Públicas (Campus Santa Cruz do Sul - RS e
Campus Sodradinho - RS), coordenados pela Dra. Marli Marlene Moraes da Costa e
Direitos Humanos, coordenado pelo Dr. Clovis Gorczevski, ambos do Programa de
Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da UNISC e certificados pelo
CNPq. Advogado OAB/RS nº. 102.775. Autor de livros e artigos em revistas
especializadas. E-mail: rodrigocristianodiehl@live.com.

411
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

do acesso à justiça na contemporaneidade e na superação das crises do


Judiciário. Desse modo, questiona-se: a (re)discussão dos novos
mecanismos de pacificação adequado aos conflitos sociais no atual
cenário brasileiro enquadra-se enquanto mecanismo de efetivação do
acesso à justiça ao mesmo tempo em que promove a superação das
crises do Judiciário? Em sua construção, dividiu-se o artigo em dois
momentos, sendo que cada tópico corresponde respectivamente a um
objetivo especifico, onde inicialmente realiza-se uma análise das crises
do Judiciário versus o acesso à justiça na exata definição de um direito
humano e fundamental a ser concretizado. Cotejados esses aspectos, os
métodos alternativos de pacificação adequada aos conflitos
configuram-se como o tema central do segundo capítulo quando são
compreendidos como instrumentos promotores da concretização do
acesso à justiça e na superação das crises do Judiciário. E por fim,
utiliza-se como método de abordagem o dedutivo, tendo como método
de procedimento o funcionalista e a técnica de pesquisa a bibliográfica.

Palavras-chave: acesso à justiça. Conflitos sociais. Crises do


Judiciário. Mecanismos alternativos à jurisdição. Pacificação de
conflitos.

RESUMEN: El objetivo con el presente estudio es (re)discutir los


nuevos mecanismos de pacificación de conflictos en la condición de
concretización del acceso a la justicia en una sociedad contemporánea y
en la superación de las crisis del Judiciario. Por lo tanto, preguntase:
¿La (re)discusión de los nuevos mecanismos de pacificación adecuada
a los conflictos sociales en el escenario brasileño actual se ajusta como
instrumento eficaz de acceso a la justicia al mismo tiempo en que
promueve la superación de las crisis del judiciario? En su construcción,
dividió el artículo en dos momentos, cada capítulo corresponde
respectivamente a un objetivo específico, donde inicialmente realizase
un análisis de las crisis del Judiciario versus al acceso a la justicia en la
exacta definición de un derecho humano y fundamental a ser alcanzado.
Cotejados estos aspectos, los métodos alternos de pacificación
adecuada a los conflictos constituyen como el tema central del segundo
capítulo cuando se entiende como instrumentos promotores de la

412
implementación del acceso a la justicia y en la superación de la crisis
del Judiciario. Y, por último, utilizase como método de abordaje el
deductivo, y como método de procedimiento el funcionalista y la
técnica de búsqueda la bibliográfica.

Palabras clave: Acceso a la justicia. Conflictos sociales. Crisis del


judiciario. Mecanismos alternativos a la jurisdicción.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O processo de globalização tem contribuído para o quadro de


desigualdades e por consequência de exclusão, não fomentando
unicamente a sua perpetuação, mas inclusive sua ampliação. Esse
processo inclui o Judiciário enquanto entidade insuscetível de pacificar
de forma adequada os conflitos mais simples que nascem e se
desenvolvem na sociedade ao mesmo tempo em que se afasta, por
imposição de barreiras das mais diversas vertentes, de consolidar o
acesso à justiça.
É com base nessa conjuntura social e política que o presente
estudo pretende (re)discutir os novos mecanismos de pacificação
adequada aos conflitos sociais enquanto instrumento de concretização
do acesso à justiça e na superação das crises do Poder Judiciário. Esses
conflitos por sua vez aqui são compreendidos a partir de dois enfoques,
o caráter positivo de um conflito na exata oportunidade de aperfeiçoar
as relações sociais e a diferenciação entre conflito (possibilidade de
construção diante da controvérsia) e confronto (processo destrutivo).
Desse modo, questiona-se: a (re)discussão dos novos
mecanismos de pacificação adequada aos conflitos sociais no cenário
brasileiro (entre eles a mediação, a conciliação e as práticas
restaurativas) podem ser enquadradas enquanto instrumentos que visem
efetivar o acesso à justiça ao mesmo tempo em que promovem a
superação das crises do Poder Judiciário?
Em sua construção, divide-se o artigo em dois tópicos, sendo
que cada um corresponde respectivamente a um objetivo específico a
ser alcançado, sendo assim, com o primeiro preocupa-se em realizar um
estudo sobre as crises que assolam o Judiciário tendo como marco

413
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

temporal a Constituição da República de 1988 versus o acesso à justiça


enquanto um direito humano e fundamental a ser concretizado e aqui
entendido não exclusivamente como o acesso ao Judiciário, mas sim, a
todos os mecanismos alternativos que consigam responder de forma
efetiva, justa e célere aos conflitos.
Na sequência, o segundo ponto tem por finalidade primordial
analisar os novos mecanismos alternativos de pacificação adequada aos
conflitos na condição de mecanismos de concretização do acesso à
justiça e na superação das crises do Judiciário, e as consequências
desses métodos alternativos em uma sociedade complexa, multicultural
e diversa, notadamente marcada, na contemporaneidade, pelas
diferenças culturais, sociais e econômicas.
Para a correta construção do trabalho utiliza-se o método
dedutivo como método de abordagem, que se desenvolve sobre
proposições dos novos mecanismos à jurisdição que se acreditam serem
viáveis a concretização do acesso à justiça e na superação das crises do
Judiciário por intermédio do método de procedimento funcionalista. No
que concerne às técnicas, o aprofundamento do estudo realiza-se com
base em pesquisa bibliográfica, baseada em dados secundários, como
por exemplo, livro, artigos científicos, revistas e períodos qualificados
dentro da temática proposta.

2 CRISES DO JUDICIÁRIO VERSUS PROMOÇÃO DO


ACESSO À JUSTIÇA: um direito a ser concretizado

Ao Estado, sob a base do contrato social, incube o monopólio


da violência e por consequência a distribuição e aplicação da justiça,
sem se olvidar da parcela de responsabilidade que recai sobre a
sociedade civil tanto no que se refere a aplicação quanto no
monitoramento e aperfeiçoamento dessa justiça. A partir dessa
compreensão, se estabeleceu que a sociedade transmitiria ao Estado o
poder de formular o Direito, “[...] direito esse que corresponde a um
direcionamento como pressuposto de imposição, mas também de
consideração aos valores da sociedade” (BATISTA, 2010, p. 22) ao
mesmo tempo em que viabilizaria instrumentos de acesso e
concretização da justiça.

414
Entretanto, diante da atual conjuntura social e política dos
Estados contemporâneos, ou considerado por alguns doutrinadores
como pós-contemporâneos, há a necessidade de rever ou de
reestabelecer os papéis que incube a cada um dos atores sociais. Pois,
de acordo com Spengler (2010) os modelos estabelecidos e em
funcionamento não conseguem mais lograr êxito nas suas funções mais
primárias e por conta desse fato constata que o Estado vive uma crise
que põe em xeque inclusive a sua própria estrutura enquanto agente de
regulamentação social.
Interessante (re)pensar que essa crise vivida pelo Estado
contemporâneo acaba por disseminar os seus efeitos nos mais diversos
recantos dessa conjuntura organizacional. Uma das principais estruturas
que convive e presencia diariamente essas crises é a do Judiciário, no
momento em que não detêm mais condições de solucionar os conflitos
existentes na sociedade, até porque utiliza técnicas idênticas ou
semelhantes a de séculos atrás. De acordo com Amaral (2009, p. 39)
“há uma miríade de problemas enfrentados pelo Judiciário de vários
países e as soluções encontradas têm se mostrado insuficientes e
inadequadas”.
Essas crises em que o judiciário está inserido devem ser
analisadas a partir de duas vertentes principais conforme Spengler
(2010): a crise de eficiência da jurisdição e a crise de identidade, sendo
aquela compreendida como consequência de outros pontos de ruptura
interna do Judiciário como a dificuldade quanto à infraestrutura das
instalações e equipamentos, baixo número de agentes, linguagem
técnico-formal, rituais forenses, burocratização, entre outros. Essas
consequências acabam por fomentar a lentidão no andamento dos
processos e como resultado tem-se o acúmulo de demandas.
Já a geração da crise de identidade pode ter como processo
inicial outros grandes problemas que atormentam o Judiciário que,
mesmo em intensidade menor, acabam por influenciar e agravar
também a crise de eficiência, que podem ser resumidos em uma
verdadeira desconexão entre a realidade social, econômica e cultural
vivida por grande parte da sociedade brasileira e a realidade legal, que
mais do nunca, apresenta-se de forma obsoleta e ultrapassada para lidar

415
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

com os conflitos sociais, promovendo o esmagamento da justiça e a


descrença do cidadão comum.
Desse modo, a busca por instrumentos que viabilizem e
promovam de forma concreta a superação das crises (fala-se em crises,
no plural, diante das inúmeras concepções e construções envolvendo a
temática) do judiciário deve estar nos mais diversos setores da
sociedade civil, já que, somente com a implementação desses
mecanismos é que se conseguirá, de acordo com Morais e Spengler
(2012) dar continuidade ao paradigma da ideia de Estado de Direito e,
consequentemente a isso, a própria noção de Direito enquanto braço
privilegiado de atuação do Estado na busca por tratamento pacífico dos
conflitos e da transformação do Estado contemporâneo.

Assim, mais do que a superação da crise


jurisdicional, é necessário superar a crise do Direito, que
vem baseada num conflito de paradigmas com dupla face:
de um lado, o velho modelo de Direito liberal-
individualista-normativista teima em obstaculizar a
possibilidade do novo modelo representado pelo
paradigma do Estado Democrático de Direito. Por outro
lado, uma crise cunho hermenêutico, que mantem os
juristas imersos num imaginário metafísico-objetificante,
no qual ocorre a separação sujeito-objetivo, refratário à
viragem linguística ocorrida no século 20 (SPENGLER,
2010, p. 153).

É nesse exato instante que deve ser (re)pensado os


mecanismos atuais com o principal objetivo de avançar na construção
de um judiciário mais humano, que inicialmente (re)discuta as bases da
sociedade e a maneira tradicional de prestar justiça no que se refere a
pacificação adequada aos conflitos. Essa (re)discussão mostra-se
necessária diante do aumento visível da incidência de conflitos na
sociedade que, de acordo com Amaral (2009) tem por base dois
processos independentes, mas que ao mesmo tempo são interligados
pela globalização.

416
Onde de um lado encontra-se a liquidez das relações humanas,
com a criação de seres humanos individualistas, incapazes de dialogar
entre si, que aos poucos perdem os laços de solidariedade
comprometendo a sua compreensão enquanto indivíduo pertencente de
um todo maior. E de outro lado, há a presença de novos conflitos,
muitos derivados das transformações sociais, econômicas e políticas,
do surgimento e do aprimoramento de novas tecnologias, que acabam
por promover conflitos de alto grau de complexidade.
A promoção e concretização do acesso à justiça precisa ser
repensada, não somente (e não menos importante) enquanto concepção
de direito humano positivado na forma de direito fundamental, mas sim
como um elemento essencial ao exercício integral de cidadania a
qualquer indivíduo, já que, o acesso à justiça não se limita a simples
possibilidade de prestação jurisdicional, mas sim a existência de
oportunidades concretas que objetivam a pacificação adequada ao
conflito, onde o cidadão possa encontrar mecanismos próprios que
efetivem os seus direitos.
Nesse ambiente, a partir dos anos setenta surgem as
denominadas ondas de acesso à justiça, sistematizadas por Cappelletti e
Bryant (1988) e que dividem-se em três, a saber: a primeira onda
engloba o acesso à justiça dos hipossuficientes, por intermédio da
assistência judiciária gratuita; a segunda incorpora os interesses
coletivos e difusos e a terceira a representação em juízo, uma nova
concepção de acesso à justiça, mais ampla e com um novo enfoque
central.
A democratização da administração da justiça, para uma
melhor prestação jurisdicional, é fundamental à democratização da vida
social, econômica e política. Esse fenômeno passa a ser operado por
inúmeras vertentes, onde a principal ideia se refere a alteração da
constituição interna do processo, incluindo diversas orientações, tais
como “o maior envolvimento e participação dos cidadãos,
individualmente ou em grupos organizados, na administração da
justiça; o incentivo a conciliação das partes” (SANTOS, 2003, p. 177).
Até porque o cidadão, diante das crises vividas pelo Judiciário,
não crendo mais na Justiça, afasta-se por completo dos mecanismos
oficiais, e soma-se a inúmeras pessoas que não mais procuram esse

417
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

sistema, sem aqui adentrar a outro número incalculável de cidadãos


que, por descrença ou distância das organizações oficiais, procuram um
sistema totalmente informal, descomprometido com a busca pela justiça
e distante da realidade estatal.
Portanto, o ordenamento jurídico nacional necessita ser
(re)repensado essencialmente no que se refere a flexibilização de suas
normas, uma vez que, de acordo com Bezerra (2008) são pensadas e
construídas de maneira a beneficiar grupos, concretizando o acesso à
justiça somente àqueles mais privilegiados e para as camadas mais
pobres da população, o sonho de ver e ter a justiça apresenta-se cada
dia mais longínquo e inacessível. Onde o próprio ordenamento acaba
por encaminhar o jurisdicionado a via judicial enquanto único
mecanismo possível de solução de disputadas, afastando o verdadeiro
acesso à justiça pretendido.
Quando a lógica parte da concretização do preceito
constitucional que assegura o acesso à justiça a todos, tem-se como
princípio implícito nessa conjuntura o da adequação, conforme
preceitua Watanab (2003) ao afirmar que em busca de sua realização
não deve somente ser visado o acesso (aqui compreendido enquanto a
chegada as “portas da justiça”), mas também a necessidade de se obter
dele uma solução adequada ao tipo de conflito existente e que essa
resposta seja dada tempestivamente.
Nesse ambiente de (re)discussão do papel em que o Judiciário
desempenha na atualidade diante das inúmeras alterações ocorridas na
sociedade e os seus reflexos nos conflitos sociais é que os seus
mecanismos de abordagem e pacificação devem ser (re)pensados. Esse
processo deve ter por apoio lógico de que em uma disputa há dois polos
diferentes - cumplices e rivais - nos quais um depende do outro, mas
esses “[...] litigantes compartilham, por exemplo, justo aquilo que os
separa” (RESTA, 2014, p. 45).
De tal modo, a construção de métodos alternativos a atual
jurisdição (não trabalhando com a lógica da exclusão do Judiciário, mas
sim, de instrumentos que possam caminhar juntos) que vise a
aproximação dos conflitantes, pode representar uma contribuição
significativa para a promoção e concretização do acesso à justiça e

418
assim, contribuir na superação das crises do Judiciário. Assunto este
que será abordado na sequência.

3 OS MÉTODOS ALTERNATIVOS QUE VISAM CONTRIBUIR


NA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

A diversidade cultural existente nas sociedades


contemporâneas impede a conceituação e limitação do termo conflito
diante de seus inúmeros fatores propulsores, sejam eles decorrentes do
social, político, econômico, familiar, étnico, religioso ou entre outros
que acabam por contribuir em sua instituição. Interessante o exemplo
dessa diversidade nas palavras de Morais e Spengler (2012, p. 45)
quando afirmam que enquanto no Oriente “[...] explode uma bomba
matando dezenas de civis; naquela ou em qualquer outra sociedade, um
casal litiga judicialmente pela guarda do filho; não distante dali, pais e
filhos conflitam por ideias e valores, num exemplo típico de choque de
gerações”.
Nessa conjuntura, os conflitos não podem ser reduzidos a
interesses individuais ou intersubjetivos enquanto algo estritamente
cerrado entre duas pessoas. Sem dúvida, o conflito nasce e se
desenvolve dentro do indivíduo, mas acaba por transbordar do âmbito
privado, onde brota para as relações sociais e se amplia e se
desenvolve, uma vez que esse indivíduo que convive com o conflito, de
múltiplos e variados fatores, integra uma sociedade comunicativa
(BEZERRA, 2008).
De grande valia ressalta-se que esse estudo parte da lógica de
divisão entre os termos “conflito” e “confronto”, onde aquele é
determinado pela possibilidade de aperfeiçoamento das relações
humanas e algo inerente a convivência em sociedade e este enquanto
um instrumento de extermínio dos adversários na exata definição de
que não importa o problema/fato que originou essa disputa, mas sim, o
desejo maior de acabar com o rival, exemplo clássico são as guerras
mundo afora.
O conflito deve ser compreendido como a oportunidade de
aperfeiçoar as relações humanas, até porque o resultado desse processo
pode ser considerado positivo ou negativo, e esse dependerá quase que

419
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

exclusivamente do mecanismo utilizado na sua pacificação. Assim, de


forma breve, o resultado de um conflito depende do método utilizado
em sua pacificação.
Nesse ambiente, Warat (2004, p. 90) afirma que não é o
conflito em si que cria e desenvolve dificuldades na sociedade, mas sim
como os seres humanos lidam com ele, onde “[...] um conflito é um
catalisador que precipita uma ´serie de respostas e consequências
enlaçadas, que podem ser deliciosas emergências vitais ou explosivos
trajetos de desencontros e neuroses”. Enfim, as respostas a um conflito,
ainda conforme o autor, podem ser direcionadas a dois grandes grupos
de motivações: as auto-protetoras ou defensoras e as de aprendizagem.
Assim, cabe ao Judiciário reconhecer e aceitar as suas
limitações e promover reformas dentro de sua própria estrutura e essa
revolução da justiça envolve essencialmente a criação de mecanismos
alternativos a jurisdição com procedimentos mais simples e julgadores
mais informais, como preceitua Cappelletti e Garth (1988). Esses novos
instrumentos podem ser obrigatórios para determinadas demandas que
cheguem ao judiciário bem como disponíveis as partes caso requeiram.
Vale lembrar que a criação desses novos métodos deve ser pautada pelo
princípio democrático da participação.
Na seara da revolução democrática da justiça defendida por
Santos (2014) o sistema judiciário, dentro dos moldes atuais, terá de
buscar outro tipo de relacionamento com os movimentos sociais, como
por exemplo, as queixas levantadas pelo movimento negro, sem-terra,
indígena, migratório e outros, em relação ao tratamento recebido do
Judiciário são justificadas em grande parte pela resposta insensível
obtida diante de suas demandas. “E é, por isso, que nós não podemos
valorizar apenas a rapidez da justiça. A um magistrado treinado no
positivismo jurídico exigirá mais estudo e mais tempo uma decisão que
aceite uma concepção social de propriedade” (SANTOS, 2014, p. 123).
Por consequência, a finalidade básica do Direito e por
consequência da justiça é tratar os conflitos, pacificá-los e pacificar a
sociedade. Entretanto, a busca por esse objetivo deve ser pautada sob
dois aspectos: a pacificação do conflito já instalado e a prevenção de
novos. Dentro dessa concepção, interessante a contribuição de
Cappelletti e Garth (1988) ao assegurar a importância e a tendência

420
recente de criação de tribunais vicinais, que detém a principal
finalidade de tratar questões envolvendo pequenos danos ou delitos
leves, devolvendo as comunidades a oportunidade de tratar os seus
próprios conflitos, sem a necessidade da presença do Estado de forma
direta.
Acredita-se na naturalidade do poder societário de instituir
mecanismos alternativos de pacificação de conflitos baseados nos
princípios como informalidade, autenticidade, flexibilidade e
descentralização. Dessa maneira, “na medida em que o órgão de
jurisdição do modelo de legalidade estatal convencional torna-se
funcionalmente incapaz de acolher as demandas e de resolver os
conflitos inerentes às necessidades engendradas por novos atores
sociais [...] (WOLKMER, 1997, p. 309).
Essas novas conjunturas contribuem para que nos espaços
públicos de opressão existentes nas sociedades a crise volte a se
instalar, portanto, o importante é auxiliar antecipadamente,
preventivamente. “Em tal contexto percebe-se que mais heterogêneas
dimensões podem contribuir para a evolução positiva do conflito, enfim
tudo aquilo que contribui para uma reação autentica com o outro, num
processo de assunção de autonomia ou de autopoiese” (WARAT, 2004,
p. 204). Dessa maneira, estará se propiciando condições favoráveis para
as transformações das subjetividades de cada ser humano quando estas
forem submetidas a situações de conflitos.
Dessa feita, a adoção ou refutação de determinamos
instrumentos alternativos com a finalidade de pacificação dos conflitos
depende exclusivamente da auto-observação realizadas a partir do
sistema social e tendo por base os conflitos e os seus remédios e
resultados. Todavia, o que se pode afirmar até agora, de acordo com
Resta, (2014, p. 27) é que o sistema judiciário tal qual se conhece hoje
não é o único remédio na luta pela pacificação dos conflitos, “[...] mas
é o mecanismo que o sistema se deu como adequado por certo lapso de
tempo e em um segmento de sociedade vasto, mas não universal”.
Contudo, essa realidade aos poucos está se alterando, talvez
consequência direta do surgimento de movimentos sociais que
trouxeram a ideia de que a busca pela efetivação do direito ao acesso à
justiça é a ponta do iceberg. Santos (2014) realiza um questionamento

421
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

interessante, se a busca pela concretização desse direito por parte da


sociedade que a conhece e tenta a sua efetivação, o que seria da procura
suprimida do acesso à justiça? Daqueles cidadãos que se sentem
totalmente impotentes para reivindicar os seus direitos quando são
violados? “É essa procura que está, hoje, em discussão. E se ela for
considerada, vai levar a uma grande transformação do sistema
judiciário e do sistema jurídico no seu todo, tão grande que fará sentido
falar da revolução democrática da justiça” (SANTOS, 2014, p. 38).
Essa justiça que busca sua revolução perpassa pelo trabalho de
escuta e de diálogo com aqueles indivíduos considerados excluídos do
acesso à justiça com a finalidade de aproximá-los. Contudo, essa
construção de garantia de direitos deve também estar em consonância a
outras iniciativas, como por exemplo e conforme Warat (2004), onde
por um lado deve-se tratar a “deselitizaçãor” dos processos de ajuda e
por outro buscar melhorias nas condições de vida das comunidades em
que esses cidadãos estão inseridos para que assim consigam alcançar os
direitos mais básicos.
Talvez seja justamente esse ponto que deva ser trabalhado em
qualquer estudo que realize um diálogo entre o judiciário posto e os
novos mecanismos propostos. “Não se trata de pensar a guerra e a paz
como qualquer coisa que espera – soluções pessoais para um problema
global” (RESTA, 2014, p. 96). O problema global dos conflitos, e não
dos confrontos, deve ser encarado a partir de iniciativas locais, das
quais levem em consideração tanto a sua concepção quanto a sua
aplicação das peculiaridades locais para que assim se consiga
efetivamente assegurar o acesso à justiça a todos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As demandas sociais requerem intensas reflexões diante dos


fenômenos multiculturais e de diversidade cultural brasileira e, desse
modo, evitar o acirramento delas é tarefa e desafio de todos os setores
da sociedade do Estado envolvidos na construção e aperfeiçoamento
das relações sociais. Assim, as ações estruturadas dever ser focadas no
cidadão e no bem-estar da coletividade, por isso a participação social se
torna relevante na construção de uma sociedade mais justa para todos.

422
Entretanto, um dos principais desafios a serem enfrentados por
toda a sociedade brasileira é a (re)discussão da revolução democrática
da justiça, tendo em vista a impossibilidade de resposta célere e muitas
vezes justa por parte do Judiciário, decorrente das crises que o assolam,
a de identidade e a de eficiência. Portanto, todo o processo de
globalização deve ser voltado a possibilitar o acesso à justiça aos
excluídos e a ampliação da participação dos cidadãos nos principais
centros decisórios e de construção de uma sociedade que possa tratar os
seus conflitos.
Nesse contexto, o presente estudo teve como questionamento
central a (re)discussão dos novos mecanismos de pacificação adequada
aos conflitos sociais no cenário brasileiro (entre eles a mediação, a
conciliação e as práticas restaurativas) podem ser enquadrados como
instrumentos que visem efetivar o acesso à justiça ao mesmo tempo em
que promovem a superação das crises do Judiciário.
E em resposta a tal indagação, tentou-se demonstrar que esses
novos métodos de pacificação aos conflitos, e outros que poderão
surgir, emergem baseando-se em uma proposta de pacificar os conflitos
de forma adequada, com a principal finalidade de concretizar o acesso à
justiça e de realizar uma justiça efetivamente justa ao mesmo tempo em
que propiciam, dentro do Judiciário, o desenvolvimento de juízes
éticos, preocupados não somente com a diminuição do número de
processos, mas também com a diminuição, em termos qualitativos, dos
litígios na sociedade, corroborando na superação de suas crises.
Um importante avanço, perpassa pelo ingresso do novo
Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015) no ordenamento
jurídico brasileiro, que regulamentou a integração desses novos
métodos à jurisdição, sendo importante observar dois lados, em
primeiro lugar o louvável reconhecimento pelo Estado da necessidade
de instrumentos de solução consensual de conflitos e, por outro lado, o
risco da sua contaminação pelos símbolos, rito e mitos arraigados à
cultura judicial que poderiam contribuir para a perpetuação das crises
do Judiciário.

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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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426
EMPATIA: perspectivas de atuação e de possibilidades
na busca do sentimento de justiça

EMPATHY: perspectives of performance and possibilities in


the search for the felling of justice

Rejane Silva Barbosa

RESUMO: Este artigo aborda o acesso à Justiça, discutindoa empatia


como precursor subjetivo de humanização nas redes de proteção à
criança e ao adolescente, focada na efetivação de suas atividades
integradas, na promoção do processo colaborativo e de visibilidade
perante a sociedade. Uma breve leitura do Manual de Mediação
Judicial, elaborado em 2016, pelo Conselho Nacional de Justiça,
estimulandoa conscientização da atual situaçãodo sistema judiciário
brasileiro, levantou o interesse e o trabalho proposto, mantendocomo
foco de análise,o pensar no valor que transcende, no espírito da lei.
Com base teórica de alguns autores visa difundir reflexões filosóficas,
psicológicas e jurídicas, projetando a viabilidade de consolidar a
empatia, como elemento primordial de colaboração para se fazer
justiça, para além do arcabouço do sistema restaurativo. Uma nova
cultura precisa ser implementada, uma reestruturação nas ideias e na
aptidão de sentir a justiça, para que haja entendimento do que se busca
e qual tipo de sociedade e de relações que se tenta alcançar.

Palavras-chave: Empatia. Humanização. Justiça. Sistema restaurativo.

ABSTRACT: This paper approaches access to Justice, discussing


empathy as a subjective precursor of humanization in child and
adolescent protection networks, focused on the effectiveness of its
integrated activities, on the promotion of collaborative process and
visibility towards society. A brief reading of the Manual of Judicial
Mediation, prepared in 2016, by the National Justice Council,
stimulating awareness of the current situation of the Brazilian judicial


Advogada.

427
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

system, raised the interest and the proposed work, keeping as a focus of
analysis, the thought about the value that transcends, in the spirit of the
law. Counting on the theoretical basis of some authors, it aims to
disseminate philosophical, psychological and juridical reflections,
projecting the viability of consolidating empathy, as a primordial
element of collaboration to do justice, beyond the framework of the
restorative system. A new culture needs to be implemented, a
restructuring in the ideas and aptitude to feel the justice, so that there is
understanding of what is sought and what kind of society and
relationships are aimed to achieve.

Keywords: Empathy. Humanization. Justice. Sensitivity.

1 INTRODUÇÃO

Alguns aspectos surgem no imaginário das pessoas quando se


deparam com conflitos. Uma delas é a questão de linguagem, no qual o
termo justiça é percebida como sinônimo de Judiciário, sendo comum
ouvir - “vamos para a justiça resolver isso”. Ao se procurar a justiça, a
expectativa pode ser gerada por uma vontade aparente, escondendo a
verdade real, o que afasta a possibilidade de justiça, resultando uma
sensação de não ter sido alcançada, de resolução inacabada, onde
nenhuma das partes saem satisfeitos e muito menos há uma
transformação, uma renovação, uma reflexão de comportamentos e
seus efeitos perante os atores em questão, sejam eles a vítima, ofensor e
até mesmo os profissionais que formam a rede de proteção.
Segundo o relatório “Justiça em Números” do Conselho
Nacional de Justiça, a cada ano, para cada dez novas demandas
propostas no Poder Judiciário brasileiro, apenas três demandas antigas
são resolvidas. Some-se a este preocupante dado que se encontram
pendentes cerca de 93 milhões de feitos. Sem dúvida, vivemos sério
problema de déficit operacional. (CNJ, 2016). Soma-se ainda dados
referentes aos problemas centrais que afetam negativamente o
Judiciário: excessiva busca pela via judicial (figurando em grande parte
o poder público em um dos pólos da demanda; falta de acesso à justiça

428
das classes menos favorecidas; e a morosidade da justiça, que leva, em
média, até 10 anos para julgar os processos.
Resta evidente, portanto, a necessidade pela busca de
alternativas para desafogar o Judiciário e oferecer, em tempo razoável,
uma resposta à sociedade. Dessa necessidade surge a efetiva motivação
para se desenvolver mecanismos alternativos que resolvam as disputas
judiciais de forma rápida, objetiva e permanente; e/ou até mesmo
evitem o caminho dos tribunais para a resolução de conflitos.
Para fins do presente trabalho, e haja vista a vastidão de
possibilidades de formulação e aplicação de mecanismos paralelos de
resolução de conflitos, o foco passará a ser voltado a discutir sobre a
execução de práticas restaurativas, tendo como base a importância da
empatia, com caráter multidisciplinar, envolvendo aspectos
psicológicos, filosóficos e sociológicos.
Espera-se contribuir para maior reflexão sobre seu
aproveitamento para o sistema penal, civil e para a conquista dos fins
que norteiam a parceria dos órgãos e pessoas na rede de proteção
voltadas às crianças e adolescentes, na organização de um sistema de
justiça acessível e hábil na intervenção de forma mais efetiva na
prevenção e solução dos conflitos.
Vale também o presente trabalho como instrumento de
informação e de uma teia de argumentos, com base em pesquisas
bibliográficas, com metodologia qualitativa entrelaçada, nos campos
pertinentes à Psicologia Positiva, Filosofia e Direito, tendo em vista
que a empatia como objeto principal, com a ideia de ser elemento
primordial no sistema restaurativo, no sentido amplo, poucas doutrinas
foram encontradas, encorajando a concepção multidisciplinar, até
mesmo porque se concebe que a empatia seja um elo entre as
disciplinas dispostas.
A violência crescente, assim como também a descrença nas
instituições, faz pensar da necessidade de se investigar e de se pensar
sobre outro viés, mudar as lentes e se desvincular do mito da
impunidade, acrescido da visão imediatista que a sociedade exige para
solução da violência, entendendo que, assim, em nada contribui para a
efetividade e para o enfrentamento da mesma. Pelo contrário,
vitimização gera vitimização, violência gera violência.

429
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Assim, em prima, discorre-se refletindo a justiça restaurativa,


entendendo que a mesma deve ser perseguida como fórmula de
contingência do direito, seja externa, adequando a situação às leis, seja
interna, oferecendo consistência e segurança, gerando a sensação de
verdade fundamentada e eficaz à sociedade, seja no espaço do
Judiciário ou em outros órgãos da rede de proteção à criança e ao
adolescente, como a escola.
No segundo tópico, discorre a idéia da empatia no contexto de
colaboração do sistema restaurativo, como forma de confiança no
acesso à justiça, concebendo a justiça como sentimento, de forma mais
ampla.
No terceiro, tem como ponto de partida o caminho a ser
enfrentado do indivíduo participativo, entendendo sua história, so
contexto social no qual está inserido, suas crenças, enfim, onde a
empatia se faz como para aclcançar a justiça. Emoção e razão, dos
profissionais, dos mediadores, voltado à trabalhar as pessoas, nos
aspectos da capacidade de exercer o seu próprio poder de decisão de
mudanças e de reflexão; seguindo a premissa que o problema não são
as pessoas, mas as ideias imediatistas saturadas.
Não cabe mais no nosso contexto histórico e de
desenvolvimento um modelo de justiça que fomente a vingança, como
nos primórdios com a Lei do Talião. Deve-se questionar o que se busca,
qual tipo de sociedade que desejamos alcançar e qual tipo de relações
nesta sociedade devem e se deseja ser formadas.

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO DIREITO DE TER DIREITO


DE ACESSO À JUSTIÇA

Consta nos documentos da ONU, entre outros, a Resolução n.


46/152 de 1991, que preconiza a criação de um programa de justiça
criminal e efetiva prevenção de crimes, levando em consideração,
naquele momento, a alta nas taxas de criminalidade e seu alto custo
material e humano. O tema já vinha sendo abordado em outros
documentos. Empós, vieram as resoluções n. 33 de 1997, a n. 26, de
1999, intitulada Desenvolvimento e Implementação de Medidas de
Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal, onde o

430
Conselho Econômico e Social da ONU recomenda aos Países-membros
que considerem o uso de meios amigáveis e e.g. mediação, na
composição de casos de menor potencial ofensivo, preconizando a
aceitação da reparação civil, e.g.indenização ou compensação,
prevendo, inclusive, a possibilidade de se adotar medidas alternativas
ao recolhimento do agressor a casas de custódia, e.g. prestação de
serviços voluntários e, por fim, a de n. 12 de 2002, que define os
Princípios Básicos para Utilização de Programas de Justiça
Restaurativa em Matéria Criminal.1
A sociedade se impõe sobre o indivíduo, pois é um conjunto
de normas de ação, pensamento e sentimento que existem tanto no
interior como no exterior das consciências dos indivíduos. Nesse
pensamento, nasce a Justiça Restaurativa, que, no Brasil, é incentivada
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Protocolo de
Cooperação para difusão da mesma, firmado em agosto de 2014 com a
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Neste diapasão, em
2016, foi elaborado tanto o Manual de Mediação Judicial quanto as
diretrizes da Política Nacional de Justiça restaurativa, através da
Resolução n. 225, merecendo o alargamento das discussões e envolver
caminhos na ideia do sistema restaurativo no Poder Judiciário e na vida
das pessoas.
Mesmo com as normas criadas o sistema de restauração ainda
se apresenta equivocado, tendo em conta que coíbe o acometimento de
novas infrações por nossas crianças e por adolescentes, reproduzindo as
penas duras e de isolamento da infância de tempos mais remotos, pois
ainda na realidade padroniza o sistema de cárcere, de vigília e ratifica a
cultura da punição, contrária à máxima ordem legal vigente.
A internação, que deveria ser um período suficiente para
compreender a situação que o infrator se incluiu, não funciona como
medida socioeducativa, ao contrário, acaba atuando com caráter de
punição, reproduzindo e fortalecendo a violência, o abandono e a
rebeldia.
Assim, está sendo cada vez mais urgente, ações de grupos na
sociedade e de autoridades que incentivem meios e caminhos hábeis de
concretização da unidade, para que saia do papel, as execuções do
1
Disponível em inglês: <https://goo.gl/nu7f4a>.

431
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

melhor de cada um, tornando obsoleta a opinião que “os fins


justificam os meios”. O início, meio e fim constitui um processo
importante e básica de desenvolvimento, onde todas as etapas fazem
parte de um todo. Assim, constrói-se vínculos de confiança, tão
importantes para a construção e participação das rodas de conversa nos
atos e processos do Judiciário.
Um sistema retributivo dá a voz de comando para
ressarcimento, perda e dano, diferente da almejada Justiça restaurativa,
respaldada na visão diferenciada e direta do conceito de justiça, com
base na compreensão de todas as partes envolvidas, sem desculpas,
nem concordâncias, nem na tentativa de se retirar a culpa, tendo em
vista que a contravenção diz respeito não só ao agressor, mas a vítima,
familiares e comunidade também, todos são atores, imbuídos num
sentimento de justiça.
A Justiça restaurativa vem propor a sistematização de
princípios de uma sociedade e experimentá-la dentro de seu contexto
histórico e cultural, procurando sair da superficialidade, resgatando a
empatia pela humanização, trocando as lentes, modificando o olhar,
que, ao invés de tratar os problemas, foca nos interesses da
comunidade, com base no critério da colaboração e transformação do
ser social.

3 A EMPATIA NO PROCESSO DE COLABORAÇÃO NO


SISTEMA RESTAURATIVO

(1) todo o conhecimento é em si uma prática social, cujo


trabalho específico consiste em dar sentido a outras
práticas sociais e contribuir para a transformação destas;
(2) que uma sociedade complexa é uma configuração de
conhecimentos, constituída por várias formas de
conhecimento adequadas às várias práticas sociais; (3)
que a verdade de cada uma das formas de conhecimento
reside na sua adequação concreta à prática que visa
constituir; (4) que, assim sendo, a crítica de uma dada
forma de conhecimento implica sempre à crítica de
prática social a que eles e pretende adequar (SANTOS,
1980).2

2
SANTOS, Boaventura de Sousa. Metodologia e Hermenêutica I. In: ________.

432
A lei da SINASE (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo) foi marco que, em 2012, trouxe relevância para as
questões restaurativas, envolvendo discussões, alargando e
compreendendo as opiniões, no alcance do objetivo de efetivar o
consenso, buscando a inclusão e a pacificação social, ao que se refere à
criança e ao adolescente pela socioeducação.
Correlaciona as diretrizes pedagógicas no atendimento
socioeducativo, que ainda devem ser efetivadas nos centros
educacionais, de forma condutora de um processo social, transformador
e restabelecendo a vontade de ser e de fazer parte do contexto social,
estruturador da meta da proteção integral. Tem como foco de ação a
família, a criança e o adolescente e todos os programas que estão em
torno destes sujeitos, por meio de três eixos: a) de controle; b) da
promoção de defesa – onde reside o sistema de justiça, segurança,
acolhimento e a política socioeducativa; e c) de monitoria das políticas
públicas – sociedade civil.
No dizer de Inhering (1872): “Aquilo que existe deve ceder ao
novo, pois tudo que nasce há de perecer”. Consiste em um adendo ao
direito concreto, que insulta a ideia do direito que inova, pois esta
envolve a eterna renovação, o que se pretende deixar claro neste
trabalho. Nada é para sempre, tudo a todo o momento se transforma, o
ser humano, a sociedade, a lei, procurando solidez social.
A Justiça Restaurativa vem ao encontro da necessidade de
promover acesso à ordem jurídica justa com enfoque na melhor
qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, em busca da
pacificação social, estimulando, apoiando e difundindo as práticas
consensuais de resolução de conflitos, prezando pela construção da paz.
Nesse contexto, esse inovador sistema de justiça não se
restringe a um simples método de resolução de conflito e, tampouco, a
um mecanismo de extinção de demandas ou desafogamento do Poder
Judiciário. A abordagem remete à elaboração de um novo paradigma de
justiça que influa e altere decisivamente a maneira de pensar e agir em
relação ao conflito (Sica, 2008).

Introdução a uma Ciência Pós-moderna. São Paulo: Graal, 2010, p. 51-77.


Disponível em: <https://goo.gl/quhjEG>. Acesso em: 29 maio 2017.

433
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Essa nova tendência consiste em prática que pode ser aplicada


tanto para os conflitos judicializados quanto para os desjudicializados.
Nesse último contexto, a escola tem se tornado um local importante de
aplicação de práticas restaurativas (Zehr, 2012). Segundo Melo (2005),
esse ambiente é propício, uma vez que o fim social da escola
aproxima-se, sobremaneira, da Justiça Restaurativa, cujo objetivo é
restaurar relações feridas por atos de violência, utilizando-se de
métodos capazes de despertar nos indivíduos sentimentos de pertença,
respeito, compreensão e responsabilização.
Pioneiro na implantação do método no país, Asiel Henrique de
Sousa (2014), explica que:

É uma prática que está buscando um conceito. Em linhas


gerais poderíamos dizer que se trata de um processo
colaborativo voltado para resolução de um conflito
caracterizado como crime, que envolve a participação
maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na
cultura anglo-saxã. As primeiras experiências vieram do
Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância em
várias partes do mundo. Aqui no Brasil ainda estamos em
caráter experimental, mas já está em prática há dez anos.
Na prática existem algumas metodologias voltadas para
esse processo. A mediação vítima-ofensor consiste
basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente
guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo
de que se busque ali acordo que implique a resolução de
outras dimensões do problema que não apenas a punição,
como, por exemplo, a reparação de danos emocionais. 3

Os norte-americanos, muito dantes, mas especificamente,


depois dos atentados do ano de 2001, intensificaram e levantaram com
mais fervor as questões relacionadas à justiça. Como reagir às ofensas e

3
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que participou da feitura
das diretrizes da Justiça Restaurativa, em âmbito nacional.

434
quando acontece um crime ou uma injustiça o que precisa ser
realizado? Como mitigar os conflitos sem aprofundar as feridas e
transformar o processo judicial em contribuição para saneamento e
pacificação? (Zerh, 2012)
A lei não basta somente ser legítima, mas deve ser eficaz na
plena capacidade de gozo de garantias na sociedade onde atua. A
finalidade da lei não é paralisar a vida, mantendo-a mais clara, mas
permanecer em contato com ela, seguir sua evolução e se adaptar.

4 EMPATIA: na busca do sentimento de justiça, também além do


processo judicial

Platão (427-347 a. C), no mito da caverna, traz argumentos


para se pensar a relação do direito contemporâneo com os ideais de
justiça existentes, pois para o autor a mesma não pode ser definida
como temporizador da legalidade ou da ilegalidade, mas que seja
considerado justo a depender da realidade em que a pessoa está situada.
Nesse contexto, importante conceber que os moldes culturais e sociais
tolhem a liberdade de expressão, de enxergar o novo, de refletir, de
pensar nas possiblidades em cada caso concreto. (Vallandro, 2011)
Foucault posiciona-se afirmando que o interrogatório jurídico
é considerado como a busca por desvendar as "verdades" sobre quem se
é, humanizando, pois reafirma a identidade e a existências das pessoas
como “[...] almas internalizadas e não transparentes aos olhos, próprios
ou dos outros” (Muniz, 2015).
Segundo pesquisa de Muniz (2015), o termo empatia foi usado
pela primeira vez no século XX, pelo filósofo Lipps, "para indicar a
relação entre o artista e o expectador que projeta a si mesmo na obra de
arte.Na psicologia e nas neurociências contemporâneas a empatia é
uma "espécie de inteligência emocional".
Na Psicologia, Jaspers (1913), relatou-a pela primeira em sua
obra Psicopatologia Geral. A obra explica que o psiquiatra deveria
“apresentar de maneira viva, analisar em suas inter-relações, delimitar,

435
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

distinguir do modo mais preciso possível e designar com termos fixos


os estados psíquicos que os pacientes realmente vivenciam”. Michael
Foucault registra que “deve-se a Jaspers o mérito de ter mostrado que a
compreensão pode estender-se muito além das fronteiras do normal e
que a compreensão intersubjetiva pode atingir o mundo patológico na
sua essência”. (Muniz, 2015)
Entende-se ainda que o Direito, na sua concepção ampla e
multidisciplinar, ainda segue aliança com a Psicologia Positiva 4quando,
ao se deparar com o instituto da empatia, compreende, no contexto de
conexão da teoria com a prática, reconhecendoo jovem como fontes de
recursos e de forças internas, com nutrientes como família, escola e
comunidade conectados para o florescimento5, qual seja, a escuta na
promoção do desenvolvimento positivo, para desenvolvimento com
identificação de seus recursos pessoais e elaboração de programas
específicos de estimulação de talentos.
É digno de atenção aos fundamentos positivos e a forma como
apresenta os aspectos saudáveis, tratando de uma mudança de olhar
com relação ao ser humano. Na Psicologia também se estuda a
abordagem denominada de Bioecologia do Desenvolvimento Humano6
que junto com a Psicologia traz importantes teorias empíricas e práticas
que podem ser realizadas por diferentes profissionais, na crença de que
as forças pessoais orientam a capacidade para lidar com problemas.
(PALUDO; KOLLER, 2007)
Um caminho, que, através da empatia, como constructo
fortalecedor da busca do reconhecimentodo jovem como integralidade,

4
É um estudo voltado a oferecer nova abordagem às potencialidades e virtudes
humanas, estudando as condições e os processos que contribuem para a prosperidade
dos indivíduos e comunidades. Possui três pilares: a) a experiência subjetiva; b) as
características individuais – forças pessoais e virtudes; c) as instituições e
comunidades.
5
Fenômeno (flourishing) das pessoas, comunidades e instituição.
6
Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner, constando como modelo ecológico
revisado, com visão positiva do desenvolvimento do adolescente, identificando os
processos, a pessoa, o contexto e o tempo.

436
nos recursos e nas potencialidades normativas. Deve se tornar um
princípio básico de aproximação, de confiança, onde as pessoas
resgatem a satisfação social de oferecer compromisso, doando valores
sociais, efetivando seu próprio desenvolvimento e cultura de paz.
Vale indicar ainda as principais características de uma exitosa
implementação da justiça restaurativa no Brasil, em meio ao processo
de adequação, experimentação pelo Judiciário, por meio de técnicas de
facilitação do diálogo, ajudando na construção de uma melhor solução.
Assim, está se garantindo uma escuta ativa e melhor compreensão das
responsabilidades.
Por outro lado, na sua função de prevenir e evitar conflitos,
atende às necessidades da sociedade contemporânea que almeja
justamente esse embasamento de novos caminhos de convivência
pautados pelo bem-estar, pela paz, pela cultura da dignidade e dos
direitos humanos.
Dentre as várias técnicas, no Brasil, a mais utilizada, é a
desenvolvida por KayPranis (2010), norte-americana, instrutora de
Círculos de Construção de Paz. É uma das técnicas restaurativas que,
através de facilitador e de dinâmicas primam a empatia como um dos
elementos de desenvolvimento da capacidade de se colocar no lugar do
outro. Realizados no intuito de educação de valores inerentes a pessoa
em desenvolvimento, baseados na compreensão, destacando o
fenômeno de restauração.
Ao mencionar a empatia, então, deve-se levar em consideração
três outros elementos complementares: a escuta e o diálogo, para que se
consiga envolver participação ativa e de aproximação, em especial, ao
que se refere à criança e adolescente em estado de vulnerabilidade e
aquelas também que estão nas escolas públicas e privadas, pois todos
devem alcançar a habilidade de reconhecer o seu valor no mundo,
inclusive os mediadores, facilitadores, que podem atuar tanto no
sistema judiciário como fora dele, espalhando um novo olhar, com uma
visão 3D, atingindo reflexão, crítica, envolvendo nas relações sociais, a
compreensão de mundo, de comportamentos, gerando tanto resolução
de conflitos, como também uma satisfação social.

437
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

5 CONCLUSÃO

Um dos desafios enfrentados no mundo jurídico é a busca do


equilíbrio, bem como estabelecer a ordem e a paz, ante o convívio
social, pois o excesso de objetividadedo sistema das leis não alcançam
o favorecimento do bem comum, diante das situações vividas e
ocorridas em sociedade.Provoca assim um desassossego e novas
reflexões acabam repercutindo no contexto da interdisciplinariedade e
que devem ser pautadas de forma a contribuir para a segurança das
relações e a promoção de defesa de direitos fundamentais.
Entendendo que a justiça começa dentro de cada um da
sociedade, como um todo, urge a conscientização que as práticas
restaurativas com base na empatia, podem servir também como ponto
fundamental de conhecimento, de escuta e de diálogo e garantidora do
acesso à justiça, como um sentimento que deve ser aprendido e
trabalhado em prol do bem comum e da paz social. É uma tarefa árdua
de construção e de mudanças de cultura, no compromisso dos valores
sociais e de pertencimento.
Acredita-se na existência de duas formas de resolver conflitos:
pela ignorância e pela sabedoria. A política é a arte de aprender juntos,
e, enquanto houver divisão, nas esferas sociais, econômicas e políticas,
em grupos, em partes, preto e branco, rico e pobre, negro e branco,
duas camadas; traz em si distinção, sem avaliar o que tem para aprender
e para conviver. Desagua-se na ignorância, na pobreza e na fraqueza do
espírito de uma sociedade. Portanto, considerar o presente, passado e
futuro, esse é o caminho – entender a história e também agir conforme
ser social.
Lança-se então o desafio de refletir sobre o papel e formação
dos atributos da empatia, posto que requer um estudo mais aprofundado
no exercício da prática da alteridade, o que se alinha ao aprender a ter
empatia, para exercer o papel de mediador, de fiscal da lei, de
julgamento, de voluntariado ou de qualquer outro que faça parte da teia
de redes de proteção à criança e o adolescente.

438
A doutrina da garantia integral da criança deve ser finalmente
despertada de forma contextualizada na lei, mantendo-se eficaz, por
meio de políticas públicas sociais capazes de agir com capacidade
transformadora, diante do quadro de pobreza do país e de forma a
estabelecer o equilíbrio dos direitos e dos deveres, fazendo valer a
igualdade social, com dignidade e respeito à singularidade.
A legalidade da subjetividade, já não pode mais ser colocada
para escanteio quando se fala em prática e aplicação de normas. A
hermenêutica que estuda várias ciências acabou demonstrando, através
da psicanálise, que a objetividade dos fatos jurídicos está permeada de
uma subjetividade que o direito não pode mais desconsiderar.
O Direito capta o emblemático tema, e dentro da finalidade do
bem comum, pode conseguir efetivar o apaziguamento das contradições
e controvérsias inerentes à pessoa humana, no entendimento de suas
relações, concluindo na realidade formal da norma, em conjunto com
os profissionais da filosofia, sociologia, psicologia e assistência social.

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439
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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441
RETRATOS DO ACESSO À JUSTIÇA DAS
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA: epistemologia feminista do direito

Rosinere Marques de Moura

RESUMO: O presente trabalho propõe-se a alavancar o debate em


torno do acesso à justiça das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar, considerando acesso à justiça como uma categoria
de análise e enquanto direito fundamental, que se consolida a partir das
políticas públicas interinstitucionais que viabilizam as condições de
aplicação da Lei Maria da Penha. Neste sentido, considerando-se o
próprio texto da Lei, assim como as Diretrizes nacionais para o
Enfrentamento à violência contra as mulheres, pretende-se investigar o
desenho dessas políticas que são, por natureza, intersetoriais e
interinstitucionais, integrando órgãos da administração pública federal,
estadual e municipal, assim como os entes do Sistema de Justiça.
Entendendo este último como um conjunto articulado de atores que tem
por objetivo a concretização dos direitos fundamentais, superando a
visão de hegemonia do Poder Judiciário. No presente estudo, faz-se a
opção por uma epistemologia feminista que possibilite não só a
compreensão aprofundada dos lugares diferenciados ocupados por
mulheres e homens na sociedade, assim como uma aplicação do Gênero
enquanto uma categoria estruturante de análise. Desta forma,
evidencia-se perspectivas que invisibilizam as mulheres, trazendo à
tona conceitos como justiça de gênero e outros aportes teóricos
feministas.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Epistemologia feminista. Gênero

RESUMEM: El presente trabajo se propone aprovechar el debate en


torno al acceso a la justicia de las mujeres en situación de violencia
doméstica y familiar, considerando el acceso a la justicia como una
categoría de análisis y como derecho fundamental, que se consolida a


Advogada.

443
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

partir de las políticas públicas interinstitucionales que Que permiten la


aplicación de la Ley Maria da Penha. En este sentido, considerando el
propio texto de la Ley, así como las Directrices nacionales para el
Enfrentamiento a la violencia contra las mujeres, se pretende investigar
el diseño de esas políticas que son, por naturaleza, intersectoriales e
interinstitucionales, integrando órganos de la administración pública
federal , Estatal y municipal, así como los entes del Sistema de Justicia.
Entendiendo este último como un conjunto articulado de actores que
tiene por objetivo la concreción de los derechos fundamentales,
superando la visión de hegemonía del Poder Judicial. En el presente
estudio se hace la opción por una epistemología feminista que posibilite
no sólo la comprensión en profundidad de los lugares diferenciados
ocupados por mujeres y hombres en la sociedad, así como una
aplicación del Género como una categoría estructurante de análisis. De
esta forma, se evidencian perspectivas que invisibilizan a las mujeres,
trayendo a la luz conceptos como justicia de género y otros aportes
teóricos feministas.

Palabras clave: Acceso a la justicia. Epistemología feminista. Género

1 INTRODUÇÃO

É notório o distanciamento do direito na compreensão dos


fenômenos sociais e sua responsabilidade em oferecer respostas e
alternativas possíveis. Tal pensamento isola um ideal de justiça baseado
na aplicação cega de normas que muitas vezes não são coerentes com a
realidade dos indivíduos e da sociedade e, tampouco, verdadeiramente
justas. São permanentes as inquietações no tocante ao papel social do
direito e da justiça, assim como uma latente necessidade de
engajamento pela garantia de direitos. O presente estudo nasce então
nessa zona de conflito e inquietude que ocorre o encontro do direito
com as políticas públicas, sua compreensão e alcance como
instrumentos de viabilizar a própria justiça. Ademais, o debate em torno
do papel do Estado em relação aos direitos e garantias de grupos
socialmente vulneráveis é constantemente aprofundado na atuação
militante da advocacia popular em gênero, sobretudo através da Rede

444
Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP, um
importante movimento autônomo de assessoria aos movimentos sociais
e litigância estratégica na conquista de direitos coletivos.
Pensar o acesso à Justiça enquanto direito material é
desafiador, pois seu conteúdo não se esgota no acesso à Jurisdição. Na
verdade, aponta ao efetivo acesso a outros direitos humanos: direito à
saúde, direito à educação, direito ao trabalho, direito à dignidade,
direito à igualdade, direito a não discriminação, implicando em
consequências econômicas e também sociais. No Brasil, o acesso à
Justiça é direito fundamental garantido pelo texto constitucional,
devendo, para sua concretização, existir uma política judicial que
proporcione a universalização do acesso à justiça. Há ainda um
flagrante desnível de força entre os vários sujeitos pertinentes ao acesso
à Justiça. As instituições do Sistema de Justiça não possuem a mesma
consolidação e prestígio sócio-político, como é o caso, por exemplo, da
Magistratura em relação à Defensoria Pública, sendo por isso um tema
transversal que afeta toda a sociedade, assim como os Poderes
Judiciário, Legislativo e Executivo.
Ademais, pensar o acesso à justiça das mulheres exige ainda
mais contornos críticos para uma percepção do sistema articulado de
opressões a que estão inseridas enquanto sujeitos de direitos e
destinatárias das políticas públicas. Neste sentido, cabe uma reflexão a
partir da perspectiva de gênero, compreendendo a desigualdade
socialmente construída e materializada no lugar subalternizado ocupado
historicamente pelas mulheres. Assim, é inevitável pensar que gênero,
classe e raça serão fatores indispensáveis a qualquer análise dessa
natureza.
No que diz respeito à realidade das mulheres, segundo o Mapa
da Violência 2015 (da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
- Flacso), a taxa de homicídios contra mulheres no Ceará aumentou
140,8 %, no período de 2003 e 2013, apresentando hoje taxa de 6,2
feminicídios a cada 100 mil mulheres, bem acima da média nacional,
que é 4,8 feminicídios para cada 100 mil mulheres. Com estes índices,
o Estado do Ceará torna-se o quinto mais violento do Brasil para as
mulheres, sendo o terceiro da Região Nordeste. Uma das mais
importantes frentes deste enfrentamento, a segurança pública, conta

445
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

com Delegacias de Defesa da Mulher nos municípios de Fortaleza,


Crato, Caucaia, Maracanaú, Sobral, Juazeiro, Pacatuba, Quixadá e
Iguatu, totalizando 09 em todo o estado.
Malgrado se reconheça que os registros dos distintos
equipamentos institucionais de enfrentamento à violência contra a
mulher não representem de maneira global a realidade desse fenômeno,
revela-se demasiadamente oportuno trazer à baila estatísticas colhidas
junto a esses equipamentos, com o escopo de suscitar reflexões capazes
de engendrar a melhoria dos serviços prestados no estado do Ceará às
mulheres em situação de violência. Ressalte-se, no entanto, a
fragilidade que marca os registros nas instituições, assim como a falta
de sistematização e articulação desses registros.
Em números divulgados apenas por meio da Imprensa oficial,
em se tratando dos pedidos de medidas protetivas das Delegacias de
Defesa das Mulheres, entre 2006 e 2014, observa-se que Fortaleza foi o
município que mais medidas protetivas solicitou, perfazendo um total
de 29.761 pedidos de Medidas Protetivas de Urgência.
No que diz respeito ao Poder Judiciário, tramitam no Ceará
uma média de 34.544 processos envolvendo Lei Maria da Penha, em
todas as Comarcas do estado. Destas, um total de 13.122 são Medidas
Protetivas de Urgência, que chegaram ao Poder Judiciário normalmente
tendo a Delegacia como porta de entrada. O desenho institucional da
Política de Enfrentamento à violência é segmentado e fragilizado,
notoriamente em decorrência das assimetrias institucionais existentes
entre os diversos atores. Como exemplo, ao passo em que o papel de
porta de entrada se consolidou atribuído à Delegacia de Defesa da
Mulher, que acumula sozinha mais procedimentos abertos que a
maioria dos Distritos Policiais da capital, os equipamentos de atenção
psicossocial têm dificuldade em aumentar sua capilaridade e número de
atendimentos.
Desta forma, as mulheres em situação de violência encontram
uma rede de proteção fragmentada e não sistemática, tornando difícil a
intervenção qualificada do poder público nos casos de violência.
Diversos Programas e Projetos para enfrentar a violência foram criados
e muitos estão em andamento, mas a preocupação maior, trazida há dez
anos pela Lei Maria da Penha, que é oferecer condições concretas de

446
superação da situação de violência às mulheres, é obstaculizada por
problemas com as diferenças institucionais. É neste sentido que o
presente trabalho propõe-se a avaliar sistemicamente a rede de
atendimento às mulheres, identificar assimetrias e dissonâncias, sempre
na expectativa de propor soluções e possíveis adaptações à real
necessidade das mulheres.

2 PROBLEMATIZAÇÃO: acesso à justiça sob a análise feminista

A categoria acesso à justiça vem sendo debatida para muito


além de sua composição enquanto dispositivo jurídico. Desta forma, o
acesso à justiça aqui referido remonta a condições efetivas de reparação
e/ou garantia de direitos, dentro ou fora do sistema de justiça, incluindo
políticas públicas que possam garantir a fruição de direitos. Para o
presente trabalho, acesso à justiça é entendido como o mais básico dos
direitos humanos, requisito para um sistema jurídico moderno e
igualitário “[...] que deve ser igualmente acessível a todos e deve
produzir resultados que sejam justos tanto para os indivíduos quanto
para a sociedade” (CAPPELLETTI, 2002, p. 3).
Considerando ainda ‘acesso à justiça’ como um conceito
multidimensional com diferentes características e concepções, que
podem ser acionadas em sua aplicação (PASINATO, 2012, p. 49), ao
presente trabalho cabe problematizar o acesso à justiça na ótica de
gênero e sua interface com as diferenças sociais e raciais.
Mas o que significa falar em acesso à justiça e exercício de
direitos, quando se trata de experiências de mulheres que vivenciam
situações de violência e procuram a Rede de Atendimento para
denunciar? Essa pergunta orienta uma análise preliminar e importante,
de entender que neste trabalho pretende-se ter à luz uma abordagem
feminista sobre o tema, orientando-se pelas discussões de Gênero,
Poder e Direitos Humanos, reconhecendo mulheres enquanto sujeitos
políticos e sociais, tendo em conta, sobretudo, que o sistema de justiça
é reprodutor das desigualdades de gênero. Neste sentido, considerando
a crítica feminista e as inovações trazidas pela Lei 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha), acesso à justiça não se limita à justiça formal, mas a
um conjunto de políticas públicas que contribuam para o exercício de

447
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

direitos e autonomia das mulheres, como essenciais à superação da


situação de violência.
Neste sentido, orientam ainda este trabalho os
questionamentos a partir de como tem se configurado o acesso à justiça
das mulheres em situação de violência doméstica e familiar e quais os
principais desafios de aplicação da Lei Maria da Penha na cidade de
Fortaleza. E, da mesma forma, para que se tenha mais clareza, aspectos
gerais de como estão estruturadas as políticas públicas e institucionais
previstas na Lei Maria da Penha, assim como sua aplicação no Sistema
de Justiça.
Qualquer análise da violência contra a mulher tem que levar
em conta a histórica discriminação que a acompanha, enfrentando a
cerne dos sistemas de manutenção das desigualdades. A Convenção
contra todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) de
1979 e a Resolução 19 da ONU de 1992, salientam o caráter abrangente
do conceito de discriminação, entendida como qualquer distinção ou
exclusão que prejudique ou elimine o reconhecimento e o exercício,
pela mulher, dos direitos e liberdades fundamentais.
O fato é que a discriminação dificulta a participação das
mulheres em igualdade de condições com os homens, em todas as
esferas da vida. Constituindo-se um obstáculo ao desenvolvimento das
potencialidades da mulher e ao aumento do bem-estar da sociedade.
Neste contexto de desigualdade, as relações entre mulheres e homens se
estabelecem como um ambiente fértil da chamada violência de gênero,
que conforme Heleieth Saffiotti (2004, p.) trata-se de um
conceito/categoria mais geral, que admite diferentes vetores de
configuração, mas que em nossa realidade patriarcal, o vetor mais
difundido é o da violência de homens contra mulheres.
Reportando-se ainda à mesma autora, evidencia-se que a
violência doméstica tem gênero, e é o masculino, independente do sexo
biológico de quem a perpetra, inclusive. Partindo desse pressuposto, a
violência de gênero não pode ser interpretada somente como uma
ruptura de qualquer integridade – física, psíquica, moral -, mas
enquanto sinônimo de violação de direitos humanos.
Reconhecendo o caráter multidimensional deste tipo de
violência, as Nações Unidas propõem uma definição abrangente,

448
entendida como qualquer conduta baseada no gênero que cause morte,
dano ou sofrimento físico, emocional ou sexual, seja em ambiente
público ou privado. A Convenção da OEA para Prevenir, Erradicar e
Punir a Violência contra as Mulheres, também conhecida como de
Belém do Pará, de 1994, em que o Brasil e signatário, adota ainda
definição semelhante.
No Brasil, a violência de gênero traduzida em violência
doméstica e familiar contra a mulher, muito embora esta não seja a
única face da violência de gênero, alcança altos índices e impõe uma
atenção especial da sociedade. Apesar de constituir ainda um enorme
desafio em nosso pais, pode-se identificar muitos avanços importantes
na luta contra essa violência. A Constituição de 1988 trouxe uma
mudança paradigmática no que se refere a violência doméstica, pois
reconheceu que cabe ao Estado coibir a violência no âmbito
intrafamiliar (§8, artigo 226). Neste sentido rompeu com a tradição de
que a proteção aos direitos humanos se restringe a esfera da relação
entre indivíduos e estado, sem incluir aquelas que se desenrolam entre
indivíduos na esfera privada.
Neste sentido, a hipótese principal do presente estudo é que o
sistema de proteção à mulher apresenta inúmeras fragilidades no
atendimento especializado e adequado à mulher em situação de
violência doméstica, inviabilizando a dignidade do acesso à justiça,
tanto em relação ao cumprimento da Lei, como em processos
decorrentes da circunstância de violência. A execução das políticas
públicas e institucionais previstas na Lei Maria da Penha apresentam
obstáculos estruturantes no enfrentamento à violência de gênero,
ocasionando novas violações de direitos humanos. Da mesma forma,
que a leitura tradicional dos operadores do direito e dos órgãos de
justiça, quanto à compreensão da violência de gênero, inviabiliza a
aplicação adequada da Lei Maria da Penha.

3 EPISTEMOLOGIAS FEMINISTAS EM DEBATE

O entendimento do acesso à justiça a partir dos direitos


humanos é relativamente novo e deverasmente significativo no
universo jurídico. Antes, acesso à justiça limitava-se a uma

449
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

compreensão meramente formal, dogmática e indiferente às realidades


sociais, como se a possibilidade de ingressar com uma ação e pleitear
um direito ou a reparação deste, fosse, por si só, suficiente à garantia da
justiça. Desta forma, com a transformação do que se compreende por
direitos humanos e uma dimensão coletiva destes, impulsionou o
reconhecimento de direitos que demandavam uma prestação positiva do
Estado como necessária para assegurar a sua fruição plena. O acesso à
justiça passou a ser posto, então, como requisito mais elementar e
fundamental de um sistema jurídico que se proponha a ser democrático
e igualitário (CAPPELLETTI, 2002, p. 5), compreendendo o processo
jurídico como algo que serve às questões sociais, e não o contrário.
De acordo com uma análise de gênero e poder, um conceito de
acesso à justiça que se baseie unicamente na responsabilidade
individual não pode trazer justiça às mulheres em situação de violência.
Antes, deve reconhecer tanto as responsabilidades do Estado como os
direitos das mulheres. Um conceito que seja uma “mera declaração da
possibilidade de toda pessoa de acudir ao sistema previsto para a
resolução de conflitos de acordo com o ordenamento jurídico de cada
país” (FACIO, 2004, p. 6) não capta a situação que é enfrentada pelas
mulheres em suas casas, na sociedade e em relação ao Estado.
Um dos caminhos possíveis a construir um ideal a ser
perseguido neste sentido, é trazer à baila o conceito de Justicia de
género (GOETZ, 2007, p. 14), que se consubstancia em um projeto
emancipatório das mulheres, através, sobretudo, da mudança normativa
que concretize os direitos humanos das mulheres. Neste sentido,
fazendo a opção por este conceito, revela necessariamente uma opção
ideológica feminista, onde a superação das desigualdades perpassa
sobremaneira pelo empoderamento das mulheres e pela equidade de
gênero.
No que diz respeito ao que chamamos de Gênero, muitos são
os contornos atribuídos e concepções. Assim, como forma primária das
relações de poder, o gênero é um campo mediante o qual se articula o
poder, consubstanciando-se numa forma habitual de significação do
poder, pois se dissolve na conceituação e constituição do próprio poder
(SCOTT, 2003). Assim, o sistema sexo-gênero se coloca ainda como
uma variável fundamental da organização da vida social.

450
Da mesma forma, toda atividade social, incluída a produção
científica, tem como tração esse sistema (HARDING, 1996, p. 30-32).
Gênero é, então, a ferramenta analítica ou a categoria teórica da
epistemologia feminista, que permite compreender como a divisão da
experiência social tende a dar a homens e mulheres concepções
diferenciadas deles/as próprios/as, de suas atividades, crenças e do
mundo que os cerca (HARDING, 1996, p. 29).
Assim, o estudo da condição da mulher através da ótica de
gênero, representa a ruptura epistemológica mais importante das
últimas décadas, denudando estudos que invisibilizam a mulher e
tornam a perspectiva masculina como universal e como protótipo
humano em uma visão claramente androcêntrica (FACIO, 1995, p. 30).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERCURSOS METODOLÓGICOS

O estudo assume como ponto de partida o desenho


institucional da política de enfrentamento à violência contra as
mulheres, adotando para a pesquisa um conjunto de procedimentos
metodológicos que contempla um levantamento e revisão da
bibliografia nacional e atividades de pesquisa empírica, com vistas a
um dimensionamento dos impactos percebidos pelas mulheres e pelos
agentes públicos que executam diretamente a política. Orientam este
trabalho questionamentos a partir de como tem se configurado o acesso
à justiça das mulheres em situação de violência doméstica e familiar e
quais os principais desafios de aplicação da Lei Maria da Penha
Trata-se, no entanto, de um ensaio do debate urgente e
necessário a respeito da epistemologia feminista enquanto ferramenta
de análise e de compreensão das convergências entre gênero e direito.
Neste sentido, faz-se necessária uma pesquisa qualificada e direcionada
a partir da realidade das mulheres que acessam o sistema de justiça
buscando a reparação da violência sofrida, assim como o apoio do
Estado.

451
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

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453
ACESSO À JUSTIÇA, MEIOS ALTERNATIVOS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITO E O ADVOGADO NO
CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO

Thanderson Pereira de Sousa

RESUMO: Este estudo versa sobre a função do advogado no Estado


Democrático de Direito e as possibilidades de ampliação do acesso à
Justiça pelo advogado com a aplicação de meios alternativos de
resolução de conflitos. O objetivo é analisar a promoção dos meios
alternativos de resolução de conflito pelos advogados na
democratização do Direito e do acesso à Justiça no Brasil. A
metodologia utilizada na pesquisa é predominantemente qualitativa,
bibliográfica, e serve-se de alguns dados quantitativos disponibilizados
pelo CNJ e World Justice Planet. Conclui-se que os mecanismos
alternativos de solução de conflitos podem ser estimulados pelo
advogado, assim como pela OAB, tornando-se portal de acesso à
Justiça e conformação do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Meios Alternativos. Advogado.

RESUMEN: Este estudio se ocupa de la función del abogado en el


estado de derecho democrático y la ampliación de las posibilidades de
acceso a la Justicia por el abogado de la aplicación de medios
alternativos de resolución de conflictos. El objetivo es analizar la
promoción de medios alternativos de resolución de conflictos por los
abogados en la democratización de la ley y el acceso a la Justicia en
Brasil. La metodología utilizada en la investigación es
predominantemente cualitativa, la literatura, y sirve algunos datos
cuantitativos proporcionados por el CNJ y Word Justice Planet. Se
llega a la conclusión de que los mecanismos alternativos de resolución


Bacharel em Direito pelo Instituto Camillo Filho – ICF. Especialista em Direito e
Processo Eleitoral pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Mestrando em
Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC.

455
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

de conflictos pueden ser estimulados por el abogado, así como la OAB,


convirtiéndose en el acceso al portal a la Justicia y la conformación del
Estado de Derecho Democrático.

Palabras-clave: Acceso a la Justicia. Medios alternativos. Abogado.

1 INTRODUÇÃO

Este texto disserta sobre a função do advogado no Estado


Democrático de Direito e as possibilidades de conformação deste
modelo estatal a partir da promoção do acesso à Justiça por meio de
mecanismos alternativos de resolução de conflitos. Aborda a
indispensabilidade do advogado, os desafios do acesso à Justiça e as
possibilidades de alargamento dos canais de pacificação social no
Brasil, como os meios alternativos de resolução de conflito.
É de extrema importância dentro do Estado de Direito discutir
as possibilidades de acesso à Justiça, tendo em vista as dificuldades que
o Poder Judiciário e seus órgãos enfrentam no momento de proferirem
decisões justas e socialmente aceitas para aqueles que as demandam.
Tais possibilidades incluem com muita certeza o profissional da
advocacia, indispensável à Justiça e ao Estado.
A problemática que impulsiona esta discussão se centra nas
seguintes indagações: Qual o papel do advogado no Estado
Democrático de Direito? Quais as perspectivas de atuação do advogado
na promoção do acesso à Justiça? Há possibilidade de o advogado
promover e democratizar o acesso à Justiça por meio de mecanismos
alternativos de resolução de conflitos? É diante da inquietação que
estas perguntas descortinam que surge a necessidade de discutir a
relação entre acesso à Justiça, advogado e Estado Democrático de
Direito.
O escopo principal se traduz na análise da atuação do
advogado dentro do Estado brasileiro e as possibilidades que ele tem de
ampliar as formas de acesso à Justiça. A metodologia da pesquisa é
predominantemente qualitativa, cunho bibliográfico, contando com
livros, dissertações e teses de referência na área do acesso à Justiça,
além do apoio em contribuições de caráter quantitativo extraídas das

456
bases de dados do Conselho Nacional de Justiça e do World Justice
Planet.
O estudo contribui para a compreensão do papel do advogado
no Estado Democrático de Direito e a possibilidade de democratização
e promoção do acesso à Justiça por meio de mecanismos alternativos de
resolução de conflitos. A estruturação da presente análise aborda, (1) a
função do advogado no Estado, (2) as perspectivas de acesso à Justiça e
por fim (3) os desafios e possibilidades do advogado na promoção do
acesso à Justiça.

2 A FUNÇÃO DO ADVOGADO NO ESTADO DEMOCRÁTICO


DE DIREITO

O advogado exerce grande função social inerente a


organização do Estado intermediando a relação entre o Estado juiz e a
parte que busca determinado pleito. O causídico organiza a prestação
jurisdicional, sendo, portanto, indispensável à justiça, indispensável ao
Estado.
A Constituição Cidadã de 1988 reconhece em seu art. 133 a
fundamentalidade do advogado para a Justiça asseverando que “o
advogado é indispensável a administração da justiça, sendo inviolável
por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da
lei”.
Por sua vez a Lei 8.906 de 1994 - doravante Estatuto da
Advocacia e da OAB - reforça que o “advogado é indispensável a
administração da justiça” (art. 2º) e no seu mister “presta serviço
público e exerce função social” (art. 2º, §1).
O profissional da advocacia segundo Uadi L. Bullos (2012) é a
“antena supersensível da Justiça” (p. 656) desempenhando papel
provocador da atividade judicial e simultaneamente lutando pela defesa
de direitos. Diante disso a constitucionalização da indispensabilidade
do advogado pela Carta Constitucional de 1988 foi um grande passo na
democratização do acesso à Justiça.
Feitas estas breves considerações, é preciso discutir o papel do
advogado dentro do Estado Democrático de Direito. O Estado
Democrático “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa

457
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

pública, participação que não se exaure [...] na simples formação das


instituições representativas” (CROSA, 1946, p. 25), mas vai além,
inserindo o povo dentro de um processo que controle as decisões
políticas (SILVA, 2016) e permita o cidadão gozar de todos os direitos
disponíveis.
Paulo Bonavides (2015) assevera que são características do
Estado Democrático a soberania popular, o sufrágio, a separação dos
poderes, a igualdade diante da lei, a representatividade nas instituições
políticas, o Estado de Direito e a garantia de minorias políticas.
A ideia de Estado de Direito por sua vez tem origens liberais,
caracterizando-se essencialmente pela submissão do Império às leis,
separação dos poderes e a garantia de direitos individuais. O conceito
de Estado de Direito por muito tempo foi deformado em algumas
concepções, ou, foi concebido a partir da noção de Direito que era
adequada a determinada realidade temporal, o próprio termo “Direito”
admite vários significados (SCHMITT, 1971).
Existiram Estados de Direito feudal, natural, histórico,
racional e liberal, por exemplo (SILVA, 2016). A concepção que resta
importante para este estudo é a de Estado Social de Direito, construção
que abandona o individualismo e o abstencionismo clássico burguês e
passa a açodar a justiça social.
A Constituição de 1988 ao afirmar que a República Federativa
do Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito não apenas
une as concepções de Estado Democrático e Estado de Direito,
anteriormente colocadas.
O texto constitucional supera estes conceitos e cria um Estado
que é essencialmente democrático e os valores da Democracia se
espalham no Direito, criando uma relação indissociável entre aquilo
que é democrático e o que é de Direito (ZIPPELIUS, 1985). O Direito
nasce da lei que é um ato político por excelência - ato que concretiza a
vontade popular -, enquanto a soberania popular e seu exercício
dependem de uma disciplina legal.
O Estado brasileiro é constitucional, fundando-se em uma
Constituição rígida, suprema e vinculante; democrático, exprimindo a
vontade do povo em um contexto representativo, participativo e
pluralista (art. 1º, CF/88); garantidor de um sistema de “direitos

458
fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais” (SILVA, 2016,
p. 124); igualitário (art. 5º, caput, e I); legal (art. 5º, II); e também
perseguidor da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI a LXXIII). Todas
estas propriedades do Estado Democrático de Direito estão
intimamente ligadas entre si, não há o que se polemizar, é entendimento
pacífico.
Irrefutável neste contexto é a função do advogado enquanto
indispensável ao Estado e a administração da Justiça. É o advogado
profissional com aptidão técnica para atuar em prol da defesa dos
institutos do Estado Democrático de Direito, é aquele que além buscar
a observância do Direito posto, luta pela garantia dos princípios
democráticos – representatividade, participação e pluralidade refletidos
no ordenamento jurídico.
O advogado é a “antena supersensível da justiça” (BULLOS,
2012) na medida que pugna pela observância da Constituição, que é
suprema e vinculante a todos os Poderes e cidadãos, que busca a
garantia de direitos fundamentais provocando o Estado, preservando o
princípio da legalidade, da igualdade das partes perante a lei e
almejando o estabelecimento de segurança jurídica nas decisões do
Estado juiz. O causídico tem a função de defender os princípios
democráticos e o Direito, e esta defesa ocorre igualmente pela
promoção do acesso à justiça.
O acesso à Justiça constitui fundamento e uma das principais
características do Estado Democrático de Direito, é a viabilização de
acesso à uma justiça eficaz por quem dela necessitar, sem
discriminação. A Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV, garante
que não poderá ser excluído da apreciação do Poder Judiciário ameaça
ou lesão a direito.
A Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São
José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, também aponta neste
mesmo sentido em seu art. 8º, asseverando que toda pessoa humana
tem o direito de ser ouvida por um juiz ou tribunal independente e
imparcial, dentro de um prazo razoável e com a observância de

459
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

garantias individuais. Para além de um direito constitucional, o acesso à


Justiça é um direito humano. Destaca-se que acesso à Justiça não pode
ser tido limitadamente enquanto acesso ao Judiciário, como se verá
posteriormente.
O advogado deve buscar sempre o acesso a uma justiça efetiva
por quem dela necessite, independe de condição financeira, sexo, etnia
e cultura. Enquanto defensor de direitos, o advogado é aquele que por
ser indispensável – constitucionalmente - à Justiça tem a missão de
perseguir decisões efetivas e justas, consolidando o Estado
Democrático de Direito.
Promover o acesso à Justiça no contexto democrático de
direito não cabe somente a órgãos judiciais ou de fiscalização como
Conselho Nacional de Justiça – CNJ e Conselho Nacional do
Ministério Público – CNMP, tão pouco somente aos Poderes Executivo
e Legislativo, é também função do advogado juntamente com a Ordem
dos Advogados do Brasil. O problema é que pouco se discute sobre esta
possibilidade.
É de claridade solar que o advogado pode estimular o acesso à
Justiça dentro do Estado. Passa-se agora para uma análise das
perspectivas e desafios que a atuação do advogado encontra ao
caminhar no sentido do acesso à Justiça.

3 PERSPECTIVAS DO ACESSO À JUSTIÇA

José Afonso da Silva (2016) enfrenta o acesso à Justiça como


um princípio de proteção judiciária, uma garantia constitucional que
prevê o monopólio do controle jurisdicional permitindo que ameaças ou
lesões a direitos sejam apreciadas pelo Poder Judiciário – aquele apto a
solucionar litígios fundamentando-se no direito posto. Princípio este
que se desdobra em (1) direito de ação e de defesa, (2) direito ao devido
processo legal e (3) direito a uma duração razoável do processo.
Este entendimento, baseado em uma interpretação do art. 5º,
XXXV, é incontestável. O acesso à Justiça comporta a atuação do
Poder Judiciário, o direito de ação e defesa, devido processo legal e a
duração razoável do processo, porém não se limita a estes aspectos
(DUARTE, 2007).

460
Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) entendem que o
termo “acesso à Justiça”, enquanto um direito, é muito difícil de ser
definido de uma forma que não comporte críticas, está para além da
atuação exclusiva do Poder Judiciário, mas explicam que de toda sorte
o sistema jurídico – arena onde se reivindica direitos e soluciona-se
conflitos sob a égide do Estado – possui dois objetivos principais: estar
aberto e acessível a todos os cidadãos e produzir decisões individuais e
socialmente justas. Sem dúvidas a justiça social desejada pelo Estado
Democrático de Direito só será atingida pela acessibilidade efetiva a
decisões coerentes, justas.
O direito de acesso à Justiça se modificou ao longo do tempo.
Nos séculos XVIII e XIX este direito foi classificado como natural,
anterior ao Estado, não demandando uma atuação positiva estatal para
sua efetivação, mas tão somente o zelo contra qualquer tipo de
interferência prejudicial. Note-se a clara interpretação do acesso à
Justiça a partir de uma ideia símbolo do liberalismo econômico, o
laissez faire (CAPPELLETTI e GARTH, 1988).
Segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) “fatores
como diferença entre os litigantes em potencial acesso prático ao
sistema, ou, a disponibilidade de recursos para enfrentar o litígio, não
eram sequer percebidos como problema” (p. 10).
Com a mudança de paradigma no modelo estatal - indo do
laissez faire para o welfare state - e a consagração de direitos sociais,
nasce a preocupação com um acesso à Justiça efetivo, deixando este
direito de ter um conteúdo meramente formal como era sob a
abrangência do laissez faire.
O acesso à Justiça dentro de um estado de bem-estar social
passa a ser buscado concretamente, tendo repercussão material,
voltando-se para aqueles que sofriam da “pobreza legal”
(CAPPELLETI e GARTH, 1998, p. 9). Rompe-se o entendimento
liberal de que a justiça somente poderia ser alcançada por aqueles que
poderiam arcar com seus custos.
Este fenômeno – a busca pelo acesso efetivo a justiça –
segundo Mauro Cappelleti e Bryant Garth (1998) e Ronnie Preuss
Duarte (2007) passou a ser característica indispensável e essencial dos
sistemas jurídicos modernos e igualitários, não constituindo somente

461
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

uma disposição vazia de direitos, mas os garantindo por meio do acesso


à Justiça. A este ponto, uma das considerações feitas por Mauro
Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 12) merece destaque:

Os juristas precisam agora reconhecer [...] que as cortes


não são a única forma de solução de conflitos a ser
considerada e que qualquer regulamentação processual,
inclusive a criação ou encorajamento de alternativas ao
sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre
a forma como opera a lei substantiva – com que
frequência ela é executada, em benefício de quem e com
que impacto social.

O que os autores expõem é que o acesso à Justiça em um


sistema jurídico moderno não pode ocorrer tão somente pela via
judicial, outros mecanismos alternativos de resolução de conflitos
devem ser explorados e desenvolvidos a medida em que podem ampliar
o acesso de todos os que precisarem de uma decisão justa, uma resposta
individual e socialmente aceita. Garantir o acesso à Justiça é consolidar
a cidadania de um povo.
Não há afinidade com o posicionamento de José Afonso da
Silva (2016) quando reduz o acesso à Justiça ao princípio da proteção
judiciária. Inquestionavelmente o direito de ação, devido processo legal
e a duração razoável do procedimento são elementos constitutivos do
acesso à Justiça, mas não são os únicos.
Ronnie Preuss Duarte (2007) leciona que os elementos ora
citados constituem apenas uma parte do direito de acesso à Justiça, um
conjunto de garantias processuais, que não têm a capacidade de definir
exaustivamente o conteúdo essencial do direito então analisado.
Sendo, portanto, o acesso à justiça um direito fundamental de
conteúdo amplo, coexistem várias perspectivas de consolidá-lo, de
outro modo, descortinam-se amplas possibilidades de promover uma
justiça acessível, o que inclui mecanismos judiciais e também
alternativos como sugerem Cappelletti e Garth (1998).
Um país será mais democrático quando maior for sua
acessibilidade à Justiça, quanto mais efetivos forem os mecanismos de
resolução de conflito disponíveis a sociedade. A partir de agora se
tratará de duas perspectivas de acesso à Justiça e a respectiva

462
participação do advogado, sendo a primeira o acesso ao Judiciário e a
segunda os meios alternativos de resolução de conflitos.
O Poder Judiciário é atualmente no Brasil a principal forma de
acesso à Justiça, sem dúvidas. De acordo com o relatório “Justiça em
números 2016”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, o
número de litígios novos diminuiu 5,5%, os julgados detiveram um
aumento de 1%, porém os casos pendentes se maximizaram em 2,6%, o
que significa algo em torno de 73.936.309 processos parados (CNJ,
2016).
É evidente a desproporcionalidade entre os percentuais dos
processos julgados e pendentes, é sinal de que há ineficiência nos
serviços judiciais prestados à população brasileira, o que implica em
uma dificuldade de acesso à Justiça. Inclusive a diminuição na
quantidade de litígios novos pode ser sinal do descrédito do Judiciário
perante a sociedade, que já fora diagnosticado entre os anos de 2004 e
2009 conforme aponta o estudo “Panorama de Acesso à Justiça no
Brasil – 2011”.
Nesta perspectiva da demanda judicial o advogado exerce
grande papel na promoção do acesso à Justiça, vez que é o profissional
habilitado tecnicamente para - patrocinando uma causa - auxiliar o
magistrado na apuração e instrumentalização dos fatos e aplicação do
Direito. Todavia um processo célere e uma decisão justa não dependem
somente do esforço do advogado, mas de vários outros fatores inerentes
ao Estado juiz, como por exemplo o número de servidores do Poder
Judiciário, recursos de expediente administrativo e financeiro.
O World Justice Project faz a mensuração do grau de
conformação do Estado Democrático de Direito em nível mundial a
partir de um sistema de pesquisa intitulado Rule of Law Index (RLI). O
RLI apura vários fatores característicos do Estado Democrático Direito,
inclusive o funcionamento da Justiça civil e criminal de cada país, ou
seja, o nível de acessibilidade da Justiça. O RLI classifica ainda os
países em um intervalo de notas compreendido entre 0 e 1, quanto mais
próximo da nota 1 mais institucionalizado é o Estado Democrático de
Direito, portanto, o acesso à Justiça é mais efetivo.
Como não poderia ser diferente das estatísticas trazidas pelo
“Justiça em números 2016” e “Panorama de acesso à Justiça no Brasil –

463
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

2011”, o RLI 2016 classifica o Brasil com o escore 0.55, sendo que os
fatores Civil justice e Criminal justice foram avaliados com os escores
0.53 e 0.39, respectivamente (WORLD JUSTICE PROJECT, 2016). No
ranking global ocupa a quinquagésima segunda posição na
institucionalização do Estado Democrático de Direito.
Diante dos dados expostos é perceptível que o acesso à Justiça
por meio do Poder Judiciário no Brasil não é pleno. Apesar do grande
esforço técnico açodado pelo advogado no patrocínio das demandas,
existem fatores que obstaculizam o acesso à Justiça. Não há desejo em
demonizar o Poder Judiciário, tratá-lo como aquele Poder que impede o
acesso pleno à Justiça, mas sim em delatar a existência de limitações
financeiras, temporais e de pessoal que dificultam a persecução de
decisões justas e céleres, que não são amplificadoras do acesso à
Justiça.
A segunda perspectiva diz respeito as possibilidades
alternativas de resolução de conflitos como forma de facilitar o acesso à
Justiça. Diante de um sistema de justiça cada vez mais atarefado
(SOARES, 2015) a firmação de um Estado justo, eficiente, transparente
e acessível requer práticas de modernização do acesso à Justiça, que
contemplem políticas com o objetivo precípuo de aumentar a utilização
de recursos de autocomposição de conflitos, como a mediação e a
conciliação, bem como de expansão do procedimento de arbitragem.
Na conciliação um terceiro, distinto e alheio ao conflito,
procura um local comum onde as partes podem chegar a um consenso
que possa findar o conflito. Na mediação o terceiro deixa de ser neutro
e passa a recomendar as partes conflitantes uma proposta, sugerindo de
forma ativa uma solução para o conflito (FRADE, 2003). Já na
arbitragem diz-se haver um litigio de fato ou de direito, que é
submetido a um tribunal arbitral, formado por um ou mais indivíduos
capacitados, que proferem decisão vinculante com base no Direito ou
em juízos de igualdade (PEDROSO, 2001).
Neste cenário – da resolução alternativa de conflitos – o
advogado, de forma independente ou por intermédio da Ordem dos
Advogados do Brasil, pode desempenhar função essencial na
concretização do direito de acesso à Justiça, podendo em determinados

464
casos ser mais eficiente que o patrocínio de demandas judicias,
institucionalizando o Estado Democrático de Direito.
Não há que se desmerecer o mister principal do advogado
dentro da relação processual, mas a verdade é que diante de um
Judiciário deficiente e moroso (SOARES, 2015) a atuação do advogado
é de extrema importância, pois na qualidade de indispensável à Justiça
e ao Estado é também responsável pela consolidação do Estado
Democrático de Direito por meio da promoção do acesso à Justiça,
ainda que por meios inusuais, como a resolução alternativa de conflitos.

4 OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA PROMOÇÃO DO


ACESSO À JUSTIÇA PELO ADVOGADO

Mesmo com a reforma do sistema de Justiça promovida pela


Emenda Constitucional nº 45 de 2004 não houveram grandes avanços
no sentido de ampliar o acesso e dar celeridade à Justiça. Não existem
estudos que se debrucem diretamente sobre esta temática (RIBEIRO;
MACHADO, 2014), é preciso recorrer a dados como os fornecidos
pelo “Justiça em números 2016” e o “Rule of law index”.
Evidentes e atuais são os problemas identificados por Mauro
Cappelletti e Bryant Garth (1998) nos sistemas judiciários, inclusive no
brasileiro. Os desafios enfrentados durante a busca de um
posicionamento judicial e consequente acesso à Justiça esbarram nas
custas judiciais, que são onerosas e muitas vezes inviabilizam
principalmente as pequenas demandas, visto que o valor das custas
pode supera o valor da causa, tornando a ação infrutífera.
O tempo é outro problema que o acesso à Justiça por meio de
juízes e Tribunais traz. A morosidade pode ser tão excessiva que chegue
a acarretar um aumento considerável dos gastos com custas judiciais –
que por si já são um problema gravíssimo – obrigando a parte mais
vulnerável a abandonar o procedimento ou aceitar “qualquer acordo”
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Incoerente neste aspecto é o Novo Código de Processo Civil
que nasceu com o objetivo de dar celeridade aos feitos processuais,
mas, ao invés de determinar um prazo predominantemente curto para os
atos do processo – como o de cinco dias utilizado no Código de 1973 -,

465
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

determina prazos de quinze dias (úteis) para propor e responder


recursos, por exemplo, salvo algumas exceções.
Ademais, há a possibilidade de determinados cidadãos não
conhecerem seus direitos ou não os reconheça de forma instantânea,
estando em desvantagem em comparação ao judicante habitual, que em
muito sabe de suas possibilidades no processo (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988).
Infelizmente é necessário concordar com o entendimento de
Mauro Cappelletti e Garth (1988), e, concluir que o sistema processual
brasileiro afeta negativamente principalmente as pequenas causas, os
judicantes individuais e os mais pobres que os litigantes habituais e
com maior estrutura para suportar os ônus do processo.
Contudo algumas práticas podem ser encaradas como
possibilidades de contornar os problemas decorrentes do sistema
judiciário brasileiro e a atuação do advogado neste rumo pode ser
expressiva na conformação do Estado Democrático de Direito. Mauro
Cappelletti e Bryant Garth (1998) dissertam sobre determinadas
soluções de ordem prática, mas para um alinhamento do caminho
percorrido até aqui importa somente as formas alternativas de
resolução de conflitos.
A noção de meios alternativos para resolução de conflitos
nasceu nos EUA, a então chamada Alternative Dispute Resolution –
ADR. As opções alternativas, em suas formas mais conhecidas no
Brasil como a mediação, conciliação e arbitragem, são um conjunto de
possibilidade práticas1 para a pacificação social e decomposição de
conflitos de forma célere e justa, ou pelo menos aceita socialmente, o
que transmite um juízo de justiça (GARCEZ, 2003) e concretização do
Estado Democrático de Direito.
A utilização dos meios alternativos constitui verdadeira prática
que amplia e democratiza o acesso à Justiça. Não possuem altos custos
financeiros, demandam tempo relativamente curto em comparação a

1
Henry Brown e Arthur Marriot reconheceram mais de quinze formas alternativas de
solução de conflitos postas em prática na sociedade norte americana nos anos 90,
apesar de que algumas dessas medidas alternativas estivessem ainda em fase inicial a
tendência era de larga ampliação. BROWN, Henry J. MARRIOT, Arthur. L. ADR
Principles and pratices. London: Sweet & Maxwell, 1999.

466
duração de um processo judicial, além de permitir que o mediador ou
árbitro proponha/arbitre uma solução que faz cair por terra a
disparidade das partes, visto que uma não pode impor seus interesses de
maneira prejudicial a outra, e o conciliador leva os conciliantes a uma
plataforma comum de acordo, dissipando da mesma forma a
disparidade dos envolvidos.
Podem existir críticos em oposição a utilização de medidas
alternativas, mas a boa verdade é que essas medidas no contexto
brasileiro constituem um futuro promissor na promoção do acesso à
Justiça. Acesso à Justiça ou acesso ao Poder Judiciário? Esta pergunta é
bem respondida quando Ronnie Preuss Duarte (2007), Cappelletti e
Garth (1998) e João Pedroso (2002) esclarecem que acesso à Justiça
não se confunde com acesso ao Judiciário, pois o primeiro abrange
várias formas judiciais ou não de se reivindicar direitos e buscar
pacificação social fundamentando-se em juízos de justiça.
John Rawls (2016) admite que “[...] a justiça é a virtude
primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos
sistemas de pensamento” (p. 4), Rawls colabora para o entendimento de
que a justiça pode ser feita e acessada por meio do Poder Judiciário,
mas não somente por ele em razão da coexistência de outros atores e
instituições sociais, como o advogado e a Ordem dos Advogados do
Brasil, na consumação de medidas alternativas para resolução de
conflitos.
A promoção dos meios alternativos de solução de conflitos,
explica Frade (2003), não precisa necessariamente ser feita por
advogados ou instituição de classe como a OAB. Porém, pela
capacidade técnica que possui o advogado e o respectivo ente de classe
é aconselhável que, sendo um mecanismo alheio ao sistema judicial, as
medidas alternativas sejam promovidas por advogados. Esta
preocupação – da presença do advogado nos meios alternativos – se
justifica pela necessidade de se garantir internamente nestes
procedimentos alternativos as garantias previstas no texto
constitucional brasileiro, como a celeridade, igualdade, justiça e
segurança.
Há também outra forma alternativa de resolução de conflitos
que pode ser promovida no Brasil, apesar da necessidade de estudos

467
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

prévios, que são as chamadas “parcerias”, caracterizadas pela


consultoria jurídica gerenciada por entidades de classe profissional e
prestada pelos seus associados (PEDROSO, 2011).
Não é uma exclusividade da entidade de classe advocatícia,
mas segue a orientação anterior em relação a presença do advogado,
sendo que a OAB pode implementar políticas públicas de acesso à
Justiça a partir de consultorias jurídicas planejadas e direcionadas para
minimizar os efeitos negativos do sistema judiciário brasileiro – custas
e morosidade. Nesta experiência de parceiras a França foi brilhante
com as Boutiques du Droit; os Neighbourhood Centres britânicos
foram grupos de advogados que prestaram consultoria aos mais pobres;
e no Reino Unido a criação de parcerias é feita com base nos locais que
mais necessitam de estímulo para o acesso à Justiça (PEDROSO,
2011). Segundo John Flood (2009) os impactos das parcerias só não
foram sentidos efetivamente pela falta de planejamento anterior.
Face ao exposto, é contundente a função que o advogado e a
OAB exercem na institucionalização do Estado Democrático de Direito
a partir da promoção de meios de acesso à Justiça, a partir da
democratização do Direito.
O advogado é indispensável a Justiça e ao Estado por atuar
dentro da relação processual, preservando o princípio democrático e o
conjunto de direitos previstos na Constituição Federal de 1988, mas
também é, da mesma forma que o Poder Judiciário, responsável pela
efetivação do direito de acesso à Justiça, podendo atuar na promoção de
meios alternativos de resolução de conflitos capazes de contornar os
problemas decorrentes do sistema judiciário, dando aos mais pobres,
aos hipossuficientes, o acesso a decisões justas, céleres, isonômicas,
acima de tudo afeiçoar o Estado Democrático de Direito definido pelo
texto constitucional, conformando a dignidade humana.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se infere do exame teórico realizado neste estudo é que


o advogado tem significativa importância na institucionalização do
Estado Democrático de Direito em um país em desenvolvimento como
o Brasil. Não há possibilidades de negação ao advogado - e a Ordem

468
dos Advogados do Brasil, consequentemente - da sua função
indispensável ao Estado e à Justiça, o causídico é o profissional
tecnicamente capacitado para defender as instituições da Democracia e
buscar a preservação do Direito, inclusive por meio da promoção do
acesso à Justiça.
Quanto a este aspecto - promoção do acesso à Justiça – é
relevante destacá-lo como fator característico dos Estados
Democráticos de Direito, é na verdade um aspecto fundamental, que
deve ser buscado pelo Estado e por agentes responsáveis pela
realização social, entendimento que abrange os advogados e o
respectivo órgão de classe.
A Constituição Federal de 1988 caminha neste sentido
reconhecendo a indispensabilidade do advogado para a administração
da Justiça, e, por conseguinte, à organização estatal, oportunizando os
advogados uma atuação empreendendo a ampliação do acesso à Justiça
seja por vias judiciais, seja por vias alternativas.
O Poder Judiciário brasileiro atualmente, mesmo após uma
reforma emplacada pela Emenda Constitucional 45/2004, não consegue
dar respostas céleres e justas a todos que o procuram, as estatísticas
contidas no relatório “Justiça em números 2016” demonstram este fato,
e no sentido oposto é necessário crescer no acesso à Justiça para
estruturar cada vez mais o Estado Democrático de Direito. Não se trata
somente da falta de eficiência do Judiciário, mas também de outros
problemas de ordem processual como o exorbitante valor das custas, a
demora dos procedimentos e a distinção entre o judicante habitual e
eventual, por exemplo.
É diante destes problemas que obstaculizam o acesso decisões
justas e melhor institucionalização da Democracia e do Direito que o
advogado hoje é chamado a promover a ampliação no acesso à Justiça
por meios alternativos. Resta-se claro que “acesso à Justiça” não é
somente o “acesso ao Judiciário”, como fora revelado. Acessar a Justiça
é um fenômeno que pode ocorrer por várias vias, e as chamadas formas
alternativas de resolução de conflitos para o Brasil podem ser uma
forma de ampliar o acesso à Justiça.
A mediação, conciliação e arbitragem, dentre outras formas
potenciais em implementação, são mecanismos alternativos para dar

469
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

celeridade e respostas justas a sociedade, alcançando a pacificação


social, a cidadania, a dignidade humana. São meios promissores que
permitem aos mais pobres, demandantes individuais e menos instruídos
legalmente alcançarem dentro do Estado a reivindicação de direitos, a
realização de uma justiça material e não apenas formal.
São formas alternativas de resolução de conflitos que podem
ser amplamente promovidas pelos advogados e pela OAB na busca de
um alargamento no caminho do acesso à Justiça. Os advogados devem
buscar a capacitação em habilidades específicas de formas alternativas
de solução de conflitos, inclusive a própria OAB pode oferecer cursos
neste sentido, como já fazem algumas seccionais, como a do estado do
Piauí.
Portanto, o advogado é responsável pela consolidação do
Estado Democrático de Direito, incorrendo no dever de atuar na
promoção do acesso à Justiça por meio de ferramentas alternativas que
sejam capazes de tergiversar os problemas de acesso ao Judiciário,
como as custas e a morosidade, que não tornam democrática a Justiça.

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472
ONLINE DISPUTE RESOLUTION E ACESSO À
JUSTIÇA: qual é a contribuição dos serviços privados?

ONLINE DISPUTE RESOLUTION AND ACCESS TO


JUSTICE: what is the contribution of private services?

Wilson Sales Belchior

RESUMO: A pesquisa investigou de que maneira os serviços privados


de ODR contribuem com a ampliação do acesso à justiça através da
análise empírica de oito empresas selecionadas através de pesquisa
simples no Google com o termo “conciliação online” formando amostra
aleatória, sem interferência do pesquisador, para descrever a natureza
desses serviços, as aplicações tecnológicas utilizadas e as vantagens
anunciadas. Diante disso, realizou-se pesquisa bibliográfica nas bases
de dados Scielo e Jstor e análise documental nos sites dos
empreendimentos que compõem a amostra. O trabalho é dividido em
três etapas, renovação do conteúdo de acesso à justiça por meio da
internet, análise empírica e perspectivas futuras em relação às
inovações tecnológicas e institucionais. Verificou-se que os serviços
oferecidos são semelhantes, por isso as empresas podem ser agrupadas
em full service e especializadas, os recursos de segurança cibernética
não são divulgados, a tecnologia utilizada se resume a chat e
mensagens instantâneas, as vantagens anunciadas correspondem aos
princípios e as características dos processos alternativos de solução de
conflitos e a principal contribuição ao acesso à justiça se refere à
quantidade de cidadãos que podem ser atingidos por serviços de ODR,
ampliando a conscientização da sociedade sobre direitos que podem ser
exigidos juridicamente.


Advogado. Sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados. Mestrando em Direito e
Gestão de Conflitos pela Universidade de Fortaleza. Especialista em Direito
Processual Civil pela Universidade Estadual do Ceará. Conselheiro Federal da OAB
(2013-2015). Professor do UNIPÊ e da ESMA, em João Pessoa-PB. E-mail:
wilsonbelchior@rochamarinho.adv.br.

473
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Online Dispute Resolution. Serviços


Privados.

ABSTRACT: The research investigated how ODR private services


contribute to increased access to justice through the empirical analysis
of eight companies selected athwart a simple Google search with the
term "online conciliation" forming a random sample without
interference from the researcher to describe the nature of these services,
the technological applications used and the advantages announced.
Therefore, a bibliographic research was executed in the databases
Scielo and Jstor and documentary analysis in the sites of the enterprises
that compose the sample. The paper is divided into three stages, the
renewal of the content of access to justice through the Internet,
empirical analysis and future perspectives in relation to technological
and institutional innovations. It has been found that the services offered
are similar, so companies can be grouped into full service and
specialized, cyber security features are not disclosed, the technology
used boils down to chat and instant messaging, the advertised
advantages correspond to the principles and the characteristics of
alternative dispute resolution processes and the main contribution to
access to justice refers to the number of citizens that can be affected by
ODR services, increasing society's awareness of rights that may be
legally required.

Keywords: Access to Justice. Online Dispute Resolution. Private


Services.

1 INTRODUÇÃO

Não é admitido que a discussão jurídica reforçasse isolamento


que há muito é combatido, por isso a interdisciplinaridade no olhar do
jurista precisa ser ferramenta que estimule o empreendedorismo e as
inovações institucionais. Online Dispute Resolution (ODR) não é
apenas uma tendência inovadora no mercado de serviços jurídicos,
porém concretiza-se como ferramenta para ampliar a efetividade do
acesso à justiça.

474
Investigar a contribuição dos serviços privados de ODR para
essa garantia constitucional orientou a pesquisa na decisão de elaborar
esse debate a partir de material empírico recolhido dos sites dos
próprios empreendimentos que atuam nesse segmento, com a finalidade
de perceber (a) natureza dos serviços privados de ODR oferecidos; (b)
aplicação de inovações tecnológicas; (c) vantagens anunciadas.
Concordou-se que olhar para a realidade é o meio mais eficaz
para estimular a criatividade na organização de novas soluções, ainda
que o espaço tenha restringido a pesquisa mais a uma descrição do
mercado, com a finalidade de saber como esses serviços podem ampliar
o acesso à justiça.

2 ACESSO À JUSTIÇA AMPLIADO ATRAVÉS DA INTERNET

Considerando acesso à justiça como meio importante para


efetivar direitos fundamentais e concretizar a igualdade entre as pessoas
se torna urgente atualizar o seu conteúdo diante das transformações
sociais que marcam o século XXI, principalmente aquelas referentes à
aplicação de novas tecnologias, afinal é sensível o fato de que essas
alterações progressivas ressignificam o direito, inclusive com o
surgimento de novas relações jurídicas.
De que maneira os direitos garantidos por um ordenamento
jurídico se tornam efetivos? Este é o questionamento que fundamenta a
discussão sobre acesso à justiça, enquanto um direito humano que visa
promover igualdade concreta entre os cidadãos. A efetividade perfeita
se expressa na garantia de que a conclusão de um litígio depende
apenas dos méritos jurídicos relativos às partes antagônicas, excluindo
diferenças que sejam estranhas ao direito, as quais afetam a afirmação e
a reivindicação de direito. Esta descrição ideal precisa ser o norte da
discussão a respeito do combate aos obstáculos ao acesso efetivo à
justiça. Entre eles se elencam: custas judiciais e honorários
advocatícios elevados, morosidade processual, recursos financeiros
disponíveis às partes e aptidão para reconhecer um direito
juridicamente exigível e propor uma ação, os quais atingem de forma
mais acentuada as pequenas causas, os autores individuais e os pobres
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

475
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

No Brasil, as defensorias públicas e os juizados especiais


foram estruturados para combater essas barreiras, mas ainda é preciso ir
além para oferecer acesso à justiça de maneira efetiva em um país de
dimensões continentais, por isso as plataformas que organizam sistemas
de ODR podem contribuir com a efetividade do acesso à justiça, vez
que alcançam através da internet número progressivamente elevado de
cidadãos.
Esta não é uma afirmação ingênua nem simplista porquanto se
reconhece a necessidade de desenhar projeto de acesso à justiça pela
via do direito capaz de rearticular o universalismo da igualdade e o
particularismo das diferenças a partir da reabilitação do papel da
sociedade civil, do questionamento da neutralidade das instituições e da
atenção aos padrões de desigualdade presente em sociedades de
modernidade periférica, como o Brasil, com a finalidade de defender o
potencial emancipatório do direito (MARONA, 2013).
Em outras palavras, ODR não consiste prima facie um
instrumento para erradicar desigualdades socioeconômicas, mas como
manifestação da renovação do mercado de serviços jurídicos frente à
disponibilidade de novas tecnologias, o que pode contribuir com a
construção da efetividade do acesso à justiça ao tempo em que se
apresenta enquanto serviço de fácil e rápido acesso, com custo
acessível, considerando o número reduzido de pessoas que procuram os
juizados desacompanhados de advogados a despeito da permissão legal.
Pesquisa via survey que mensurou o acesso à justiça no Brasil,
com foco na vivência de conflitos potencialmente jurídicos, atentando para a
demanda por equipamentos de justiça e o uso destes, como gestão de
conflitos descreve o cenário que permitiu a multiplicação de
empreendimentos que oferecem por meio da internet soluções adequadas,
pois se constatou que os conflitos de consumo são os mais comuns, contudo
a solução mais buscada é a tentativa de negociação direta com as empresas,
os entrevistados alegaram morosidade, desconhecimento sobre direitos e
custo de acesso ao Judiciário como principais motivos para não
considerarem essa via a fim de solucionar o conflito, a maioria dessas
pessoas já procurou o Procon e obteve resolução do problema. Ou seja, a
capacidade de vivência e reivindicação desses direitos ainda é pouco
igualitária (OLIVEIRA; CUNHA, 2016).

476
Desse modo, o aparecimento de empresas que ofereçam ao
público plataformas de ODR conseguem ampliar o acesso à justiça
perante a dificuldade de o Judiciário alterar a sua estrutura,
principalmente em cidades de pequeno porte, nas quais os recursos para
reformas e adaptações são escassos. Basta ter em mente que esses
serviços, na maioria dos casos, têm atendimento 24 horas nos sete dias
da semana, exigindo apenas conexão com a internet por meio de um
computador ou dispositivo móvel.
Reconhece-se que este é um passo importante na ampliação do
acesso à justiça, porém será decisivo no momento em que as
instituições públicas o aplicarem em processos administrativos e nas
demandas recebidas pelos juizados especiais em conjunto com projeto
de educação continuada da sociedade sobre os seus direitos, afinal de
contas não é suficiente abrir portas, mas é essencial ensinar o caminho.

3 ANÁLISE EMPÍRICA DE SERVIÇOS PRIVADOS DE ODR

A análise foi estruturada a partir de três objetivos: (a) observar


a natureza dos serviços privados de ODR oferecidos; (b) perceber a
aplicação de inovações tecnológicas; (c) conhecer as vantagens
anunciadas, a fim de que se construísse arcabouço empírico para saber
de que maneira esses serviços podem ampliar o acesso à justiça.
A rápida implementação global de informações e as
tecnologias da comunicação afetaram dramaticamente as noções de
efetividade e eficiência dos modelos econômicos. Dessa maneira,
emergiu a economia digital enquanto um paradigma da sociedade
global da informação baseada no uso de plataformas tecnológicas na
internet e em dispositivos móveis, gerando conjunto de relações
financeiras e econômicas no sistema de produção, distribuição,
intercâmbio e consumo de bens e serviços em mercados globais
(TSYGANOV; APALKOVA, 2016).
A reação do mercado ao crescimento de transações comerciais
na internet significou a criação de empresas que oferecerem o serviço
de ODR por meio de plataformas online, as quais diversificam cada vez
o aporte tecnológico, no Brasil a previsão legal para o funcionamento
desses serviços está no Novo Código de Processo Civil no artigo 334, §

477
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

7º, in verbis “a audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-


se por meio eletrônico, nos termos da lei” (BRASIL, p. 1, 2015).
A seleção das empresas que compõem a amostra da pesquisa
foi realizada aleatoriamente através de pesquisa livre no Google com os
termos “conciliação online”, a fim de afastar qualquer possibilidade de
interferência do pesquisador e listaram-se aquelas que apareceram nas
três primeiras páginas dos resultados da pesquisa, conforme a
pertinência dos serviços oferecidos em relação ao objeto de estudo
deste trabalho.
O resultado da coleta de dados é apresentado, em primeiro
lugar, por intermédio de descrição sucinta das empresas seguida da
síntese das informações disponíveis nos respectivos sites, divididas em
dois quadros, nos quais se destacam as seguintes informações: nome do
empreendimento; unidade federativa onde se localiza a sede; público-
alvo; serviços oferecidos; prazo para concluir a solução adequada de
conflitos; preços; vantagens anunciadas.
Concilie é uma empresa que presta serviços de conciliação
online, nela o indivíduo envia o caso pelo site, ocorre o agendamento
após o contato com a outra parte para a conciliação que é realizada via
chat, com o auxílio de um conciliador e o termo é redigido. Também é
oferecida a possibilidade de parceria com pessoas jurídicas para que
elas enviem em quantidade os casos envolvendo seus clientes
(CONCILIE, 2017).
Solucionar aqui é um empreendimento que oferece ODR a
partir da negociação, em que são informados os dados de quem está
reclamando e da outra parte para que a empresa realize o convite para a
negociação direta. Não sendo suficiente são disponibilizados os
serviços de mediação e conciliação, com terceiro imparcial escolhido
pelas partes ou indicado pela empresa, os quais recebem honorários por
cada procedimento. Igualmente oferece-se às pessoas jurídicas o
serviço de SAC Online para gestão de relacionamento com clientes
(SOLUCIONAR AQUI, 2017).
No site de “Conciliador Online” as informações são escassas,
entre as quais é possível destacar a realização de conciliação via chat, o
público alvo formado por pessoas jurídicas e as vantagens que já estão
listadas no Quadro 02 (CONCILIADOR ONLINE, 2017).

478
Acordo Fechado é uma plataforma online voltada para pessoas
jurídicas, principalmente escritórios de advocacia para gestão de
contencioso de volume, com a possibilidade de realizar o contato com
as partes envolvidas, celebrar acordos, automatizar a rotina
organizacional e extrair relatórios (ACORDO FECHADO, 2017).
Adamsistemas é uma organização que desenvolve soluções
para pessoas jurídicas. Em seu site é possível encontrar com detalhes os
recursos disponíveis pelo sistema oferecido, tais como gerenciamento
de casos presenciais e virtuais; envio eletrônico de casos pelo site da
instituição; ambientes exclusivos para os envolvidos; troca de
mensagens entre os participantes; gestão eletrônica de documentos;
acompanhamentos em tempo real; recebimento de notificações por e-
mail; definição dos custos dos serviços; definição da logomarca e
nomenclaturas; criação de campos exclusivos da instituição;
possibilidade de gerenciamento de várias instituições; responsivo
(ADAMSISTEMAS, 2017).
A Abritrate propõe-se a solucionar conflitos online auxiliando
a comunicação entre as partes e o ingresso do procedimento,
oferecendo mediadores e conciliadores, anunciando a garantia de
confiabilidade e segurança em questões trabalhistas, condominiais,
cíveis e comerciais (ARBITRATE, 2017).
O empreendimento Vamos Conciliar abre o seu site de maneira
diversa dos demais apresentando vídeo explicativo que denota as
vantagens da solução adequada de conflitos e o procedimento
necessário para tanto, baseado em chat online com apoio do conciliador
ou mediador. O mix de serviços envolve métodos de prevenção,
avaliação e resolução de controvérsias com target abrangendo pessoas
físicas, jurídicas e advogados (VAMOS CONCILIAR, 2017).
Arbitranet é uma câmara de arbitragem online focada em
resolver conflitos oriundos de contratos comerciais, direcionado a
empresas ou pessoas físicas que pretendam solucionar uma
controvérsia a respeito de direitos patrimoniais disponíveis, oferecendo
também orientação acerca da cláusula arbitral. Em relação às
aplicações tecnológicas destacam-se o suporte dedicado por meio de

479
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

chat, assinatura eletrônica e audiência online (ARBITRANET, 2017).


Dessa maneira, apresentam-se a síntese de informações
disponibilizadas nos endereços eletrônicos dessas empresas:

Quadro 1: Serviços online para solução adequada de conflitos

PÚBLIC
PRAZ
EMPRESA UF O- SERVIÇOS PREÇOS
O
ALVO
Pessoas
físicas e
jurídicas Solução de
; Conflitos; 3a7
Não
Concilie RJ PROCO Gestão de dias
informado.
N; contencioso úteis.
Tribunai .
s de
Justiça.
Taxa de
Negociação ativação
gratuita; (200,00-
Pessoas Mediação 900,00);
Solucionar físicas e online; 15 Honorários
SP
aqui jurídicas SAC dias. por sessão
. online; (250,00);
Conciliação Taxa sobre
online. Acordo
(10%-6%).
Pessoas Não
Conciliador Conciliação Não
RJ/SP jurídicas inform
online online informado.
. ado.
Gestão de
contencioso
Pessoas Não
Acordo ; Mediação Não
RJ jurídicas inform
fechado e informado.
. ado.
Conciliação
online.

480
Gestão de
contencioso
Pessoas ; Mediação, Não
Não
Adamsistemas SC jurídicas conciliação inform
informado.
. e ado.
arbitragem
online.
Pessoas
Não
físicas e Solução de Não
Arbitrate MG inform
jurídicas Conflitos. informado.
ado.
.
Pessoas
Mediação, Não
Vamos físicas e Não
DF conciliação inform
conciliar jurídicas informado.
online. ado.
.
Processo
individual:
10, 15 ou 35
Pessoas Até
mil reais por
físicas e 100
Arbitranet SP Arbitragem. processo;
jurídicas dias
Mensalista:
. úteis.
500, 1000
ou 2500
reais.
Fonte: O autor.

Quadro 2: Vantagens anunciadas pelas empresas

EMPRESA VANTAGENS
Praticidade; economia de tempo; economia de dinheiro;
Concilie legalidade; segurança dos dados; rapidez; ser sempre a
melhor via.
Solucionar Redução de custos e tempo; prevenção no desgaste da
aqui imagem corporativa ou pessoal; confidencialidade.
Rapidez e efetividade de resultados; redução do desgaste
emocional e do custo financeiro; privacidade e sigilo;
Conciliador
facilitação da comunicação; promoção de ambientes
online
cooperativos; transformação das relações; melhoria dos
relacionamentos.

481
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

Diminuição no tempo de vida útil dos processos; gráficos


Acordo
dinâmicos; ambiente intuitivo; automação de rotina;
fechado
gerenciamento de casos; extração de relatórios.
Fácil acesso; redução de custos; rapidez; segurança; sistema
Adamsistemas
personalizável.
Rapidez; sigilo; previsão legal; eficácia; menor custo; sem
Arbitrate
desgaste emocional.
Vamos Rapidez; eficiência; redução de custos; especialização
conciliar técnica; segurança.
Custos acessíveis; árbitros especializados; confiabilidade;
Arbitranet
rapidez; facilidade.
Fonte: O autor.

Quanto à natureza dos serviços oferecidos notou-se


semelhança entre os empreendimentos examinados, sendo possível
classificá-los em dois grupos, full service que atendem pessoas físicas e
jurídicas, disponibilizando as principais técnicas de solução adequada
de conflitos (negociação, conciliação, mediação e arbitragem) e aqueles
especializados que atendem apenas pessoas jurídicas, ou somente
escritórios de advocacia e ainda oferecem apenas uma das técnicas
mencionadas anteriormente.
Percebeu-se que as empresas analisadas não detalham em seus
sites o potencial de inovação das aplicações tecnológicas utilizadas. Na
maioria dos casos a inclusão do serviço na área de ODR se resume ao
conceito de online pura e simplesmente, isto é, a utilização de um
aplicativo para videoconferência ou mensagens instantâneas em grupo,
que dispensam a presença física e garantem a flexibilidade de horário.
As vantagens anunciadas coincidem com as características
comuns dos processos alternativos de resolução de conflitos, tais como
eficiência, confidencialidade, competência e imparcialidade do terceiro
facilitador do diálogo, com viabilidade de utilização para um vasto
grupo de pessoas ou entidades, envolvendo principalmente conflitos de
ordem pessoal, familiar e empresarial (SALES; SOUSA, 2014).
Entre elas destaca-se a segurança dos dados envolvidos na
solução adequada de conflitos, porém as informações sobre esses
procedimentos são insuficientes, vez que não são informados os

482
protocolos de segurança cibernéticos usados tampouco garantias de que
o banco de dados está protegido.
O que é anunciado no site de todas as empresas analisadas e
constitui outra utilidade do ODR, de modo geral, não equivale a prover
acesso à justiça onde antes ele era praticamente nulo, mas também
fazê-lo 24 horas por dia, sete dias na semana através da internet não
sendo restringido pelo tempo ou outras condições físicas. Ele promove
rápida resolução dos conflitos ao eliminar as posturas e táticas que
usualmente prolongam negociações off-line (PALARDE, 2003).
Observou que algumas empresas têm o seu público-alvo
estruturado em torno de pessoas jurídicas, com dois propósitos: reduzir
o custo operacional com despesas legais e contribuir com a gestão de
escritórios de advocacia por intermédio da solução adequada de
conflitos na internet. Primeiramente estes empreendimentos não seriam
selecionados para amostra em uma pesquisa que utilizasse diferentes
procedimentos metodológicos, no entanto, respeitando o princípio de
não interferência do pesquisador, encontrou-se quadro mais completo
sobre a situação estudada, vez que o acesso à justiça efetivo envolve
todos os tipos de jurisdicionados, verificando, assim, diferentes
segmentos de serviços privados que envolvem ODR.
Logo, os serviços privados de ODR podem contribuir com o
acesso à justiça ao passo que atingem número expressivo de cidadãos
através da internet, difundindo seu conteúdo pelas redes sociais,
esclarecendo à sociedade a potencialidade e a exigibilidade de seus
direitos, principalmente em situações cotidianas, nas quais muitas
pessoas não reconhecem a possibilidade de reivindicar juridicamente o
cumprimento desses direitos.

4 INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E INSTITUCIONAIS


ATRAVÉS DE ODR

Depois de verificado o funcionamento dos serviços privados


que utilizam plataformas de ODR, a contribuição ao acesso à justiça
precisa ser dimensionada através das inovações tecnológicas e
institucionais, por isso são examinadas experiências nacionais e
estrangeiras em órgãos públicos, além de novos recursos que podem

483
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

aprimorar a experiência entregue por um serviço privado de ODR.


The Virtual Magistrate Project, iniciado em outubro de 1995,
como uma câmara arbitral online experimental designada
especificamente para solucionar conflitos na internet a respeito de
mensagens, postagens e arquivos alegando violação de direitos autorais
ou marcas registradas, apropriação de segredos industriais, difamação,
fraude, práticas comerciais enganosas, conteúdo inapropriado, invasão
de privacidade, envolvendo usuários de sistemas online, aqueles que
alegam ser prejudicados por mensagens injustas e operadores de
sistema à medida que as queixas ou pedidos de reparação sejam
dirigidos a eles tinha seus serviços disponíveis para qualquer
computador conectado à internet, com o prazo de três dias úteis para a
solução da controvérsia. Na época, o projeto enfrentou desafios, como
questionável segurança de e-mail, acesso à internet por partes externas
ao conflito, eliminação de reuniões presenciais e aceitação pela maioria
dos provedores de serviços online, o que reduziu os casos que
chegavam até a plataforma, nas primeiras seis semanas de operação,
por exemplo, apenas três conflitos foram recebidos (ALMAGUER;
BAGGOTT III, 1998).
Outro obstáculo na disseminação de ODR enquanto
ferramenta para aumentar a eficiência do processo judicial e o acesso à
justiça, relatado no início dos anos 2000, se referiu às restrições
financeiras e de infraestrutura nos países em desenvolvimento que
reduziam o acesso à internet e consequentemente às transações
comerciais online, em conjunto com morosidade na administração da
justiça e corrupção que contribuem para marginalização de segmentos
significativos da sociedade. Outras dificuldades apontadas naquele
momento, em perspectiva mais abrangente, faziam referência às
características de justiça, acessibilidade, independência, transparência,
economia e rapidez dos mecanismos de ODR, de tal maneira que sua
aceitação pelo público fosse ampliada (PALARDE, 2003).
Mas, como se percebeu na análise empírica no tópico anterior,
esses impedimentos foram ultrapassados e hoje as plataformas que
oferecem serviços jurídicos através de ODR estão cada vez mais
disseminadas, inclusive no Brasil. Nesse sentido, a discussão precisa
voltar-se para as inovações tecnológicas que podem aprimorar esses

484
serviços construindo contribuições significativas para a efetividade do
acesso à justiça.
O desaparecimento do mediador humano ainda não é iminente,
mas dispositivos e programas de inteligência artificial podem ser
integrados exponencialmente no cotidiano, por isso é irrealista acreditar
que o espaço da solução adequada de conflitos de alguma forma evite
essa transformação. Avatars e robôs humanoides são capazes de
envolver as partes e realizar uma introdução do caso concreto. Uma
apresentação dessa natureza pode ser disponibilizada na internet,
enviada para dispositivos móveis, ou por e-mail e visualizada
repetidamente. Diferentemente de exposições genéricas, uma
introdução feita por avatar pode ser editada para tratar de quaisquer
fatos ou preocupações e podem ser salvas para futuras mediações.
Dessa maneira, evitam-se omissões de informações importantes e
permite-se às partes por meio de um avatar com capacidades
interativas descobrir se elas têm novas questões que não foram
reconhecidas durante a primeira apresentação, as quais podem ser
abordadas pelo avatar antes de as partes se reunirem pessoalmente
(LARSON, 2010).
A holografia também é uma inovação tecnológica que pode ser
aplicada ao ODR, pois permite que existam as tradicionais qualidades
tridimensionais das reuniões presenciais, com a comunicação entre as
partes em toda extensão possível, ou seja, a palavra é ouvida, incluindo
inflexão de voz e entonação (EXON, 2011).
Os sistemas de apoio à decisão complementam as habilidades
de gerenciamento de conhecimento humano com meios baseados em
computador para gerenciar o conhecimento. Eles aceitam, armazenam,
usam, recebem e apresentam conhecimentos pertinentes às decisões
tomadas. Entre as ferramentas que automatizam os procedimentos de
ODR estão: (a) rule-based reasoning, em que o conhecimento de uma
área do direito é representado como uma coleção de regras na forma se
<condition(s)> então ação/conclusão; (b) case-based reasoning, que
usa experiências anteriores para analisar ou resolver um novo conflito,

485
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

explica por quais razões experiências anteriores são ou não semelhantes


a disputa atual e adapta soluções passadas para atender aos requisitos;
(c) machine learning, o sistema de inteligência artificial tenta aprender
novo conhecimento automaticamente; (d) neural networks, a rede
interna consiste em muitos elementos de processamento auto ajustados
que cooperam em uma rede densamente interconectada (LODDER;
ZELEZNIKOW, 2012).
Essas inovações tecnológicas precisam alcançar as instituições
promovendo transformações nos seus modelos de organização, por
isso, analisam-se experiências internacionais e as recomendações
normativas brasileiras que orientam a prática online das soluções
adequadas de conflitos, mas que na realidade não ocorre aplicação das
tecnologias expostas ao longo desta pesquisa.
A possibilidade de uma International Cybercourt Central
como tribunal internacional para resolver conflitos envolvendo partes
individuais e nações, derivados de atividades na internet, sobretudo
comunicações e transações, com registro e aceitação voluntários para
regulação, com órgão específico para resolução de conflitos da internet
totalmente online é uma inovação institucional a ser considerada,
porquanto o momento histórico atual presencia a diluição das
fronteiras, o compartilhamento transnacional do lawmaking e a
transformação global do direito (EXON, 2011).
O European Consumer Center (ECC-Net) também ilustra essa
potencialidade quanto ao pioneirismo na gestão das reclamações
apresentadas por consumidores em cada Estado por meio de centros de
coordenação, responsáveis pela recepção e envio das queixas ao ponto
de contato do estado-membro no qual o agente econômico mantém
estabelecimento empresarial, facilitando o encontro entre as partes para
a solução adequada do conflito, porém concretizava somente um canal
de comunicação entre consumidores e fornecedores, por isso
transformou-se na Plataforma de Online Dispute Resolution, na qual
consumidores e comerciantes da União Europeia podem resolver
eletronicamente os seus litígios por meio de procedimentos

486
extrajudiciais, com a apresentação das reclamações gratuitamente e na
língua materna, a partir de formulário eletrônico, que tem sua
admissibilidade analisada. Em caso positivo de acordo no prazo de 90
dias do recebimento do processo ele é encerrado, contudo após 30 dias
de negociações sem sucesso, a queixa é abandonada e o autor
informado sobre outras vias de recurso e da possibilidade de contatar
um conselheiro de resolução de conflitos eletronicamente (CEBOLA,
2016).
No Brasil, as instituições públicas já perceberam a necessidade
de aplicação de ODR, no entanto, na prática o que se enxerga apesar
das orientações normativas é um movimento bastante incipiente quando
se verifica a disponibilidade de novas tecnologias com utilização na
solução adequada de conflitos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por intermédio da
Resolução nº 125/2010 estabeleceu a criação de Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS) nos tribunais para
realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e
mediação que estejam sob a responsabilidade de conciliadores e
mediadores assim como pelo atendimento e orientação ao cidadão. É
uma iniciativa em conformidade com o momento vivenciado pelo
direito, entretanto, em relação à aplicação de ODR apenas arrola-se a
atribuição do CNJ para criar sistema de mediação e conciliação digital
ou à distância para atuação pré-processual e após a adesão do tribunal
abrangendo as demandas em curso, estabelecendo como prazo o início
da vigência da lei da mediação, isto é, 2015 (CNJ, 2010).
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, colocou
em funcionamento o Projeto de Solução Alternativa de Conflitos –
Conciliação Pré-Processual, no qual disponibiliza para os consumidores
um e-mail como canal virtual facilitador da comunicação, com o intuito
de oferecer solução acessível e rápida para os problemas decorrentes de
relações de consumo frustradas, formalizado como título executivo
extrajudicial (TJ-RJ, 2017).
No Tribunal de Justiça do Ceará, em maio de 2017, em caráter
experimental foi utilizada a plataforma e-Conciliar, com o objetivo de
solucionar adequadamente conflitos de natureza pecuniária, por meio
da técnica de lances às cegas, de maneira exclusivamente eletrônica. Os

487
ACESSO À JUSTIÇA: realidade e perspectivas

três processos que compuseram o teste supervisionado chegaram a


acordos (TJ-CE, 2017).
A experiência dos serviços privados de ODR e a consequente
expansão para instituições públicas envolve aprendizado
interdisciplinar, integrado e contínuo a fim de que as inovações
tecnológicas e institucionais possam aprimorar a qualidade da
experiência entregue aos consumidores e cidadãos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aparecimento de empresas com serviços privados em ODR


constituem contribuição ao acesso à justiça no Brasil, quando é
percebida a realidade das instituições públicas nesse aspecto,
principalmente os juizados especiais, os quais apesar da existência de
orientação normativa desde 2010 não conseguiram implantar inovações
tecnológicas suficientes nessa área.
A crítica de que empresas procuram lucro e por causa disso
não podem ser vislumbradas como agentes desinteressados de
transformação social é em vários aspectos preenchida por preconceitos
teóricos retirados do senso comum, porquanto oferecer atendimento à
população 24 horas por dia ao longo de toda a semana, através de um
computador ou dispositivo móvel conectado a internet consiste em
colaboração ao aperfeiçoamento da democracia.
A pesquisa demonstrou que os serviços oferecidos são
semelhantes e as empresas de acordo com a abrangência classificam-se
em full service ou especializadas, porém nos seus sites há carência de
informações a respeito das inovações tecnológicas aplicas, bem como
em relação às medidas de segurança cibernética adotadas. Em resumo,
a tecnologia aplicada ao ODR nos serviços privados analisados refere-
se ao chat e às mensagens instantâneas, além da facilidade do
acompanhamento e envio de documentos acontecerem via internet.
As vantagens anunciadas representam o maior espaço do site
dessas empresas destinado ao mesmo assunto. Elas coincidem com os
princípios e características que orientam os processos alternativos de
solução de conflitos. Ressalta-se como principal contribuição ao acesso
à justiça nesse sentido a capacidade de oferecer um serviço em tempo

488
real durante todos os dias, avançando aprioristicamente em relação às
principais dificuldades das instituições do judiciário, como custos,
morosidade e dificuldades no reconhecimento de direitos.
Os debates na intersecção entre jurisdição, advocacia, direito,
economia digital e inovações tecnológicas necessitam ser ampliados,
lançando mão em pesquisas futuras de material empírico mais
aprofundado e olhar específico sobre instituições do judiciário, com a
finalidade de propor inovações institucionais com aplicação das
tecnologias relativas ao ODR.
Esta é uma etapa importante na concretização do acesso à
justiça, porém o caminho a ser percorrido ainda é longo, no
concernente a adaptação das instituições públicas a essa nova realidade
e a conscientização da sociedade sobre os direitos que são
juridicamente exigíveis e passíveis de violação no cotidiano dessas
pessoas.

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