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Em homenagem ao Professor
Raimundo Cândido Júnior
Organizadores
Luis Cláudio da Silva Chaves
Egmar Sousa Ferraz
FICHA CATALOGRÁFICA
____________________________________________________________
P963
ISBN 978.85.7966.075.7
CDDir: 341.46
CDU: 347.91/.95
____________________________________________________________
Elaborada por: Lityz Ravel Hendrix Brasil Siqueira Mendes (CRB 1-3148)
Gestão 2016/2019
Diretoria
Claudio Lamachia Presidente
Luis Cláudio da Silva Chaves Vice-Presidente
Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral
Ibaneis Rocha Barros Junior Secretário-Geral Adjunto
Antonio Oneildo Ferreira Diretor-Tesoureiro
Conselheiros Federais
AC: Erick Venâncio Lima do Nascimento, João Paulo Setti Aguiar e Luiz Saraiva Correia; AL: Everaldo Bezerra
Patriota, Felipe Sarmento Cordeiro e Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim; AP: Alessandro de Jesus Uchôa de
Brito, Charlles Sales Bordalo e Helder José Freitas de Lima Ferreira; AM: Caupolican Padilha Junior, Daniel
Fábio Jacob Nogueira e José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral; BA: Fabrício de Castro Oliveira e Fernando
Santana Rocha; CE: Caio Cesar Vieira Rocha e Ricardo Bacelar Paiva; DF: Ibaneis Rocha Barros Junior, Marcelo
Lavocat Galvão e Severino Cajazeiras; ES: Flavia Brandão Maia Perez, Luciano Rodrigues Machado e Marcus
Felipe Botelho Pereira; GO: Leon Deniz Bueno da Cruz, Marcello Terto e Silva e Valentina Jugmann Cintra;
MA: José Agenor Dourado, Luis Augusto de Miranda Guterres Filho e Roberto Charles de Menezes Dias; MT:
Duilio Piato Júnior, Gabriela Novis Neves Pereira Lima e Joaquim Felipe Spadoni; MS: Alexandre Mantovani,
Ary Raghiant Neto e Luís Cláudio Alves Pereira; MG: Eliseu Marques de Oliveira, Luis Cláudio da Silva Chaves
e Vinícius Jose Marques Gontijo; PA: Jarbas Vasconcelos do Carmo, Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre
e Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Luiz Bruno Veloso
Lucena e Rogério Magnus Varela Gonçalves; PR: Cássio Lisandro Telles, José Lucio Glomb e Juliano José
Breda; PE: Adriana Rocha de Holanda Coutinho, Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves e Silvio Pessoa de
Carvalho Junior; PI: Celso Barros Coelho Neto, Cláudia Paranaguá de Carvalho Drumond e Eduarda Mourão
Eduardo Pereira de Miranda; RJ: Carlos Roberto de Siqueira Castro, Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara e
Sergio Eduardo Fisher; RN: Aurino Bernardo Giacomelli Carlos, Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira e Sérgio
Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa Carpi da Rocha, Marcelo Machado Bertoluci e Renato da Costa Figueira;
RO: Bruno Dias de Paula, Elton José Assis e Elton Sadi Fülber; RR: Alexandre César Dantas Soccorro, Antonio
Oneildo Ferreira e Bernardino Dias de Souza Cruz Neto; SC: João Paulo Tavares Bastos Gama, Sandra Krieger
Gonçalves e Tullo Cavallazzi Filho; SP: Guilherme Octávio Batochio, Luiz Flávio Borges D’Urso e Márcia
Machado Melaré; SE: Arnaldo de Aguiar Machado Júnior, Maurício Gentil Monteiro e Paulo Raimundo Lima
Ralin; TO: Andre Francelino de Moura, José Alves Maciel e Pedro Donizete Biazotto.
Ex-Presidentes
1.Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes (1944/1948)
4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo Valladão (1950/1952) 7.
AttílioViváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10.
Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti
(1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira (1965) 14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital
Duarte (1967/1969) 16. Laudo de Almeida Camargo (1969/1971) 17. Membro Honorário Vitalício José
Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira
(1975/1977) 20. Raymundo Faoro (1977/1979) 21. Membro Honorário Vitalício Eduardo Seabra Fagundes
(1979/1981) 22. Membro Honorário Vitalício J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Membro Honorário
Vitalício Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. Márcio Thomaz
Bastos (1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante (1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello
Lavenère Machado (1991/1993) 28. Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio (1993/1995) 29.
Membro Honorário Vitalício Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. Membro Honorário Vitalício Reginaldo
Oscar de Castro (1998/2001) 31. Rubens Approbato Machado (2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício
Roberto Antonio Busato (2004/2007) 33. Membro Honorário Vitalício Cezar Britto (2007/2010) 34. Membro
Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013) 35. Membro Honorário Vitalício Marcus Vinicius
Furtado Coêlho (2013/2016).
AGRADECIMENTO
Egmar Sousa Ferraz
Foi com grande alegria que recebi o convite do meu eterno presidente
Luis Cláudio Chaves, Vice Presidente do Conselho Federal da OAB, para con-
juntamente organizar esta obra em homenagem ao Professor Raimundo Cândido
Júnior, nosso querido “Raimundinho”.
Aceitei o convite Consciente do desafio e da responsabilidade, mas convic-
to de que o contexto era extremamente favorável. Primeiro quanto ao indubitável
manancial de processualistas que Minas Gerais concentra, desde a então Escola
de Processualistas do Triângulo Mineiro. Doutro norte, nosso homenageado é
personalidade ícone da advocacia mineira que inspira em todos o ardente desejo
de homenageá-lo como reconhecimento pelo seu trabalho em prol da advocacia
e da sociedade.
Assim sendo, o projeto foi desenvolvido para contemplar pensadores dos
quatro cantos de Minas Gerais, tonando-se, portanto, uma obra plúrima na
mesma proporção do reconhecimento da Advocacia para com o Raimundinho.
Aos Autores, meu obrigado por presentear o mundo jurídico com esta
obra, fruto do estudo de cada um.
Por fim, agradeço ao Egrégio Conselho Federal da OAB na pessoa do
nosso bâtonnier, Presidente Claudio Lamachia, que de pronto capitaneou a
homenagem, demonstrando que o Brasil também reconhece a importância do
Professor Raimundinho para a advocacia brasileira.
Com certeza, uma obra histórica.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO......................................................................................11
COOPERAÇÃO PROCESSUAL E CONTRADITÓRIO NO NOVO
CPC ............................................................................................................13
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
A CIDADANIA COMO LINHA MESTRA DO PROCEDIMENTO
NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .....................................................27
Fernando Gonzaga Jayme e Clara Ramos Jayme
JULGAMENTO VIRTUAL E A DENSIFICAÇÃO DA
PSEUCOLEGIALIDADE ..........................................................................45
Jéssica Galvão Chaves e Welignton Luzia Teixeira
COMO CONSTRUIR UMA INTERPRETAÇÃO GARANTISTA DO
PROCESSO JURISDICIONAL? ...............................................................59
Lúcio Delfino
A EFETIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DO PROCESSO EM
FOCO: análise dos dados estatísticos da Justiça Comum do Estado de
Minas Gerais, no período de 2003 a 2013, e o meio ambiente.....................77
Magno Federici Gomes e Wallace Douglas da Silva Pinto
NOVO DELINEAMENTO DA CONEXÃO ......................................... 111
Leonardo de Faria Beraldo
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E O NOVO CPC: valorização da
advocacia ................................................................................................... 131
Luis Cláudio da Silva Chaves
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL........................................................................................................ 145
Carlos Henrique Soares
AS NOVAS FIGURAS DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO
CPC/2015: incidente de desconsideração da personalidade jurídica e
amicus curiae.............................................................................................. 171
Érico Andrade e Leonardo Parentoni
AFINAL, OS MAGISTRADOS PODEM ARBITRARIAMENTE
DETERMINAR A REDUÇÃO DE PETIÇÕES?..................................... 201
Renata C. Vieira Maia
INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA WHATSAPP NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO ........................................................................................... 217
Guilherme Henrique Lage Faria
1 INTRODUÇÃO
13
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Em linhas gerais, pesquisa feita por Fredie Didier Jr. revela que, no di-
reito comparado, ao exame dos textos normativos das codificações processuais
da Alemanha, França e Portugal, é preponderante o considerado princípio da
cooperação processual, que despontou sob a cogitação de orientar o juiz a assumir
posição de agente público-colaborador do processo, a fim de torná-lo participante
Augusto Madruga; MOUZALAS, Rinaldo. Cooperação e vedação às decisões judiciais por emboscada
(“ambush decision”). In: DIDIER JR., Fredie. (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2016. v. 1, p. 509-510.
2
A respeito, ver Lei Complementar nº 95, de 26/2/1998, art. 11, inciso I, alínea a; e inciso II, alínea a, que
trata da elaboração, da sistematização, da redação e da consolidação das leis brasileiras, recomendando o
emprego de palavras com sentido técnico na elaboração dos textos normativos. Esta Lei Complementar
foi editada por recomendação do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal.
3
A propósito da teoria do processo como procedimento em contraditório, cunhada por Fazzalari, a seguinte e
esclarecedora observação de Ulisses Moura Dalle: “A constante preocupação de Elio Fazzalari com a estrutura
normativa do procedimento fez com que Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, perspicazmente, denominasse a
teoria do processualista italiano de ´teoria estruturalista do processo´. (BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias.
Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 91)”.
(DALLE, Ulisses Moura. Técnica processual e imparcialidade do juiz. In: BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias;
SOARES, Carlos Henrique (coord.). Técnica processual. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 79, nota nº 29).
14
ativo do contraditório, em substituição a sua tradicional postura de mero fiscal
do cumprimento das normas processuais. Assim, a obediência do magistrado
ao considerado princípio da cooperação impõe-lhe postura que o impede ou
dificulte declarar nulidades processuais e proferir decisões que exteriorizem juí-
zos de inadmissibilidade recursal por meros vícios formais dos recursos. Em tais
perspectivas, a cooperação processual gera os seguintes deveres ao juiz: (a) dever
de esclarecer; (b) dever de consultar; (c) dever de prevenir. Em síntese, o dever
de esclarecer impõe ao juiz a tentativa de sanar eventuais dúvidas geradas pelas
alegações, requerimentos e pedidos formulados pelas partes no processo, antes
de decidi-lo. O dever de consultar gera proibição ao juiz de decidir o processo
com base em fundamentos ou questões de fato ou de direito ali não alvitradas
ou debatidas pelas partes, ainda que cognoscíveis de ofício, sem que fossem
consultadas a respeito, instadas a se manifestar previamente sobre elas, possibili-
tando-lhes contraditório. Já o dever de prevenir traduz recomendação ao juiz de
apontar às partes deficiências ou vícios das suas postulações comprometedoras do
julgamento de mérito, permitindo-lhes corrigi-los, antes de decidir o processo.4
Em relação às partes, a cooperação processual lhes proíbe litigar de má-fé, ou
seja, incentiva-lhes a praticar atos processuais obedientes à boa-fé processual e
atentos aos deveres da lealdade e da probidade processuais.5
A literatura jurídica especializada, segundo relato de Renhard Greger,
informa que, na Alemanha, o sentido técnico de cooperação no processo não
guarda a mínima relação com a ideia de colaboração harmônica e recíproca
das partes na prática dos atos processuais que lhes cabem, vale dizer, não se
lhes obriga um “íntimo companheirismo processual”. Deve ser compreendida
a cooperação como a exigência de as partes adotarem comportamento tecnica-
mente adequado à discussão da solução das questões suscitadas no processo, em
regime de participação, juntamente com o juiz. Portanto, cooperação, no direito
processual alemão, não significa que esteja uma das partes obrigada a fornecer à
parte adversária matéria fática ou jurídica ou a praticar atos processuais que lhe
facilitem a vitória no processo. Lado outro, o sentido de cooperação também não
se coaduna com a imagem de um juiz “terapeuta social”, ou seja, um juiz que, no
curso do processo, exerça extremada atividade terapêutica ou medicinal, voltada
a curar todos os males ou vicissitudes processuais causados pelas partes, em suas
manifestações, as quais dificultem a solução de mérito.6
Nesse ponto, são valiosas as lições de Renato Beneduzi, decorrentes de
4
Cf. DIDIER JR., 2005, p. 76-77.
5
Cf. DIDIER JR., 2016, p. 128.
6
Cf. GREGER, op. cit., p. 303-304.
15
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
BENEDUZI, Renato. Introdução ao processo civil alemão. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 82-84.
7
16
3 CONTRADITÓRIO ENTRELAÇADO COM A FUNDAMEN-
TAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS
Cf. BRÊTAS et al. Estudo sistemático do NCPC, 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 51. FREITAS,
9
José Lebre de. Introdução ao processo civil. Lisboa: Coimbra, 1996, p. 96-97. GRECO, Leonardo.
Contraditório, o princípio do (verbete). In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia
do Direito. São Leopoldo ; Rio de Janeiro: Unisinos ; Renovar, 2009, p. 155. Nesse mesmo sentido,
considerações de Eduardo Augusto Madruga de Figueiredo Filho e Rinaldo Mouzalas: “A consolidação de um
Estado Democrático de Direito consubstancia [...] terreno ideal para a ampliação da noção de contrariedade
e para refutar a ideia de atos repentinos e inesperados por parte de um órgão público que aplica o direito.
Nessa conjuntura, surge a cooperação na sua faceta ‘dever de diálogo’, para atualizar e dinamizar o conceito
do contraditório [...], de modo a injetar a previsibilidade, a participação e a influência como elementos
essenciais desse novo rosto” (FIGUEIREDO FILHO, Eduardo Augusto Madruga; MOUZALAS, Rinaldo.
Cooperação e vedação às decisões judiciais por emboscada (“ambush decision”). In: DIDIER JR., Fredie.
(org.). Novo CPC: doutrina selecionada, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 1, p. 507-508).
17
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
10
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões jurisdicionais. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2002, p. 105.
11
Cf. BRÊTAS, 2015, p. 133, nota nº 71. BRÊTAS et al., 2016, p. 53 et seq.
18
dialógico, de modo que o juiz exerça a jurisdição com o
auxílio das partes. A decisão judicial não deve ser fruto
de um trabalho exclusivo do juiz, mas resultado de uma
atividade conjunta, em que há interações constantes entre
diversos sujeitos que atuam no processo. [...]. A sentença
e, de resto, as decisões judiciais passam a ser fruto de uma
atividade conjunta.12
12
CUNHA, 2016, p. 42-43.
13
Cf. GREGER, 2016, p. 302. Sustentando que cooperação processual não é princípio, com relevante e ampla
fundamentação, ver ALVES, Isabella Fonseca. A cooperação processual no novo Código de Processo
Civil. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016, f. 61 et seq.
14
Por todos, ver CUNHA, 2016, p. 41-43.
19
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
ser observado nos textos normativos.15 Cooperar, em sentido comum, não logra
tradição na ciência do direito processual estudada em terras brasileiras, como
afirmei, porque não guarda a mínima compatibilidade lógica com a estrutura
dialética do processo. Logo, destituída de sentido técnico. Na linguagem comum
ou ordinária, segundo apontam os léxicos, o conteúdo semântico da palavra
cooperar exprime o sentido de trabalhar em comum, colaborar, auxiliar, ajudar
e é com este significado que a expressão desponta nos enunciados normativos
dos arts. 26 e 27 do novo Código de Processo Civil, ao tratarem da cooperação
internacional.
Entretanto, cooperação processual não tem o anteriormente apontado sen-
tido da linguagem ordinária, quando o novo Código emprega a palavra cooperar
no enunciado normativo do seu art. 6º. Apresso-me em justificar o que afirmo
de há muito, com insistência.16 A rigor, o trabalho ou a atividade em comum dos
sujeitos do processo limita-se tão somente à obtenção de um pronunciamento
decisório no processo. Assim o é, porque o autor, sujeito parcial do processo, ao
exercer seu direito constitucional de ação, postula solução decisória que acolha
sua pretensão (lesão ou ameaça a direito) deduzida em juízo. O réu, outro sujeito
parcial, reage e opõe tenaz resistência à pretensão deduzida pelo autor, exercendo
em toda sua plenitude a garantia fundamental da ampla defesa, com todos os
meios que lhe são possíveis, almejando decisão jurisdicional que a rejeite. É por
isto que a principal defesa do réu, a contestação, pode ser tecnicamente chamada
de pretensão resistida. O juiz, sujeito imparcial do processo, que representa o
Estado no exercício da atividade jurisdicional, equidistante dos interesses das
partes, tem como objetivo dar-lhes resposta decisória que concretize ou realize as
normas componentes do ordenamento jurídico no caso em julgamento. A partir
desse tenso cenário dialético, parece-me muito difícil existir a possibilidade de que
os sujeitos do processo – juiz e partes – possam trabalhar em comum, plenamente
15
Atualmente, o assunto se insere na temática da chamada comunicação normativa, que, ao contrário
do desejável, não desperta muito a atenção dos estudiosos do direito. A respeito, as lições oportunas de
Emerson Garcia: “A linguagem jurídica, analisada sob a ótica dos signos linguísticos utilizados, costuma ser
caracterizada por um arquétipo básico, que se reflete no emprego de (1) termos técnicos, com significados
puramente técnicos; (2) termos técnicos com significados comuns; (3) termos ordinários com significados
comuns; (4) termos ordinários com significados incomuns ou técnicos; (5) termos de origem estrangeira,
especialmente latina; e (6) termos técnicos ou ordinários, vagos ou ambíguos, daí decorrendo uma polissemia
interna (significados distintos na própria linguagem jurídica) ou uma polissemia externa (um significado na
linguagem ordinária e outro na linguagem jurídica), o que aumenta o risco de interferências no processo de
comunicação. Não é por outra razão que, na atualidade, a linguagem estritamente jurídica, pelas barreiras
que cria, não tem se mostrado um meio totalmente eficaz à veiculação dos conteúdos jurídicos. Distanciar-se
do egocentrismo e aproximar-se do conhecimento mútuo é o grande desafio a ser enfrentado tanto pelas
autoridades responsáveis pela elaboração dos textos normativos, como pelo intérprete, aumentando, com
isso, as chances de sucesso no processo de comunicação normativa”. (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério
Pacheco. Improbidade administrativa, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 181-182).
16
Ver BRÊTAS, 2015, p. 233.
20
acordados, acertados, unidos, de mãos dadas, colaborando gentilmente uns com
os outros ou se auxiliando fraternal, carinhosa e mutuamente, em todos os atos
e fases processuais, rumo à decisão final de mérito. Enfim, como bem adverte
Renhard Greger, o dever de cooperação não obriga que os sujeitos processuais
“[...] devam resolver o [...] processo [...] em íntimo companheirismo”.17
No assunto, portanto, precisas são as lições de Leonardo Carneiro da
Cunha, em comentários ao enunciado normativo do art. 6º., do novo Código
de Processo Civil:
21
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
19
CUNHA, 2012, p. 153. Sobre o devido processo legal, pilar do processo constitucional, ver BRÊTAS et
al., 2016, p. 45-49.
20
DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 39-40.
21
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 1, p. 487.
22
dentro da concepção estrutural quadripartite do moderno contraditório que sus-
tento seja necessário existir, qual seja, informação-reação-diálogo-influência.22
Atualmente, a ideia de participação no processo é tão preponderante na
dinâmica do contraditório, que alguns autores chegam a propor a substituição
da expressão contraditório pela palavra participação, como integrante do enun-
ciado principiológico do devido processo legal, como já ocorre em ordenamentos
jurídicos estrangeiros.
Nesse sentido, as considerações de Edilson Vitorelli:
22
Ver BRÊTAS et al., 2016, p. 53-54.
23
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. São Paulo: RT, 2016. (O Novo Processo Civil),
p. 155-156.
24
Cf. BRÊTAS et al., 2016, p. 108-110.
23
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
24
a Carta de Tiradentes, em 10/2/2016, com trinta e um enunciados aprovados
em decorrência dos temas ali expostos e debatidos, apresentando o Enunciado
n. 7 o seguinte teor: “A cooperação constante do art. 6º. do novo CPC deve ser
entendida como coparticipação, que se liga ao contraditório, consistente nos
princípios informação, reação, diálogo e influência na construção da decisão.”
REFERÊNCIAS
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 17. ed. Salvador:
JusPodivm, 2015, v. 1.
25
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
26
A CIDADANIA COMO LINHA MESTRA DO PROCEDIMENTO
NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
* Advogado, Mestre e Doutor pela UFMG. Professor Associado de Direito Processual Civil e Diretor da
Faculdade de Direito da UFMG. Membro do CONEDH – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos. Associado ao Instituto os Advogados de Minas Gerais. Membro do Instituto de Direito Processual
– IDPRO. Membro do Conselho Técnico-Científico do Parque Tecnológico BHTEC. Conselheiro Seccional
da OAB/MG.
* Bacharel em Direito pela PUC Minas. Mediadora extrajudicial de conflitos.
27
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
28
Pode ser afirmado, como uma proposição geral, que o que
tende a prolongar ou demorar o processo é uma grande
vantagem para o litigante que tem a maior bolsa. O indiví-
duo que tem envolvido no litígio tudo o que possui é muito
prejudicado em uma luta judiciária com um contendor
apto, pelos seus recursos, a prolongar a lide e, portanto,
a manter, pelo maior espaço de tempo possível, o outro
litigante privado daquilo que realmente lhe pertence1.
BRASIL. Decreto-lei nº 1608/1939 (Exposição de Motivos do CPC/1939). Diário Oficial da União. Rio
1
de Janeiro, 24 jul. 1939. Disponível em: <https://goo.gl/puXU1X>. Acesso em: 1º maio 2017.
29
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
THEODORO JR. Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais,
2
Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Paulo, v. 2, n. 1, p. 64-71, jan. /jun. 2010. Disponível
em: <https://goo.gl/j7g2Na>. Acesso em: 1º mar. 2013.
30
Desta forma, evidencia-se que o processo legitima-se democraticamente
quando a decisão judicial é consequência da participação isonômica, dialética
e influente das partes. Assim, incumbe aos magistrados assegurar a produção
de alegações e de provas pelos interessados e que as informações pertinentes,
produzidas pelas partes sejam efetivamente examinadas.
Esse entendimento decorre da interpretação constitucional da garantia
do contraditório levada a termo pelo Supremo Tribunal Federal:
31
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.268, Tribunal Pleno. Relator: Min.
Gilmar Mendes. Brasília, 5 de fevereiro de 2004. Diário de Justiça: 17 set. 2004. Trechos do voto do
Ministro Gilmar Mendes, destaques no original.
4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 68530, Primeira Turma. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, 5 de março de 1991. Diário de Justiça: 12 abr. 1991.
32
O princípio do contraditório, sob a égide da legislação revogada, não era
um elemento essencial do devido processo legal. Era indiferente a observância de
um contraditório substancial, pois, o juiz cuja autoridade e poder sobrepairavam
na atmosfera social, “conhece o direito” e encarna a Justiça, razão pela qual a
participação das partes era indiferente.
Desta maneira, inegável reconhecer o avanço democratizador do
CPC/2015 ao conferir centralidade ao contraditório quando o identifica com
a “garantia de participação em simétrica paridade, das partes, daqueles a que
se destinam os efeitos da sentença”5. Nesta definição, liberdade e igualdade se
fazem explicitamente presentes.
O indivíduo tem a liberdade de participar, em igualdade de condições, na
construção do provimento que repercutirá no seu patrimônio jurídico. Todavia,
se por qualquer razão, optar por não participar do procedimento, sujeitar-se-á aos
ônus da sua inércia. Inegável, portanto, a indissociabilidade entre contraditório
e ordem jurídica democrática.6
Corolário do contraditório é a vedação de decisões surpresa, conforme
explicita o art. 9º do CPC: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem
que ela seja previamente ouvida”. Nesse aspecto, o contraditório limita o poder
jurisdicional, ao estabelecer a congruência decisória, exigindo em caráter de
imprescindibilidade, o debate prévio de todas as matérias a serem consideradas
no decisum7. A regra transcrita aplica-se inclusive às questões apreciáveis ex officio.
Isso quer dizer que o juiz não pode surpreender as partes, mesmo em face de
matéria de ordem pública cognoscível de ofício.
Há de se reconhecer, assim, que o contraditório e a motivação decisória
estabelecem um nexo entre o direito de ação e o dever de o Estado prestar a ju-
5
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo, 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2012, p. 103.
6
Segundo Ada Pellegrini Grinover, é “[...] comum a observação de que o princípio da igualdade é parte
essencial do processo [...]” ou de que “[...] defesa e contraditório são corolários do princípio da igualdade”.
Todavia, a igualdade, como essência do contraditório, não pode ser vista apenas como uma isonomia
formal que exprime a “[...] simples exigência de que os sujeitos possam agir em plano de paridade”;
diferentemente, a igualdade deve ser compreendida sob a ótica material, isto é, “[...] como contraposição
dialética paritária e forma organizada de cooperação no processo [...]”, da qual emerge o princípio de
par condicio (princípio de equilíbrio de situações ou igualdade de armas). Sendo assim, a “plenitudee a
efetividade do contraditório indicam a necessidade de se utilizarem todos os meios necessários para evitar
que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre seu êxito, condicionando-o a uma distribuição
desigual de forças” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo constitucional em marcha. São Paulo: Max
Limonad, 1985, p. 11-18, grifo no original).
7
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório
no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da
atividade processual. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 168, fev. 2009. p. 125.
33
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
risdição. Isso porque o direito de ação, como “direito subjetivo público dirigido
frente ao Estado a fim de que este preste a tutela jurisdicional sobre os direitos e
interesses em conflito”,8 outorga às partes a prerrogativa de que sejam devidamente
respondidas as questões por elas levantadas no processo. Paralelamente, a neces-
sidade de fundamentação racional das decisões judiciais (art. 93, IX, da CR/88)
impõe que o órgão julgador decida exclusivamente com base nos elementos
trazidos aos autos, como expressão do princípio da inafastabilidade da jurisdição
(art. 5º, XXXV, da CR/88). A interpretação constitucional corrobora a tese:
8
LLOBREGAT, José Garberí. El derecho a la tutela judicial efectiva en la jurisprudencia del Tribunal
Constitucional. Barcelona: Bosch, 2008, p. 18, tradução nossa.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 791.292-RG.
Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, 23 jun. 2010. Diário de Justiça, n. 149, 13 ago. 2010.
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74.073, Primeira Turma. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, 20 maio 1997. Diário de Justiça: 27 jun. 1997.
34
suas defesas, as suas alegações e as suas provas, no momento
da prolação da decisão11.
11
THEODORO JR., 2010.
12
BONAVIDES, Paulo. O Poder Judiciário e o parágrafo único do art. 1º da Constituição do Brasil. In:
CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (org.). Estudos de Direito Constitucional em
homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 69, 85-86.
13
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Relatório de Atividades de 2011. Disponível em: <https://goo.gl/
nGT3fE>. Acesso em: 27 maio 2017.
35
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
FARIA, Juliana Cordeiro de. Princípio da cooperação, efetividade e responsabilidade processual: balizas
14
do CPC/2015 para as empresas como sujeitos do processo. In: FERRUCI, Felipe Falcone, MAIA, Felipe
Fernandes Ribeiro, LEROY, Guilherme Costa (org.). Os impactos do novo CPC no Direito Empresarial.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p.15.
36
Obviamente, pelo fato de esse movimento encontrar-se ainda no alvorecer,
várias iniciativas devem ser implementadas para conferir eficiência e confiabili-
dade a esses métodos de solução dos conflitos. O sistema atual é merecedor de
muitas reprimendas, nesse sentido, pontua-se o critério de avaliação do trabalho
dos juízes, pautado, primordialmente, no aspecto quantitativo, contabilizando-
-se o número de acordos homologados. Ao quantificar as práticas consensuais,
desconsideram-se uma série de fatores benéficos delas resultantes, tais como o
diálogo como ferramenta para a reaproximação das pessoas, ainda que não se
realize o acordo. A efetividade e expansão dos métodos consensuais devem ser
considerados também sob o aspecto qualitativo, avaliando-se a vantajosidade que
propiciou a reaproximação das partes, de modo a garantir sua máxima efetivação
na busca da melhor solução.
Os métodos autônomos têm como sustentáculo a liberdade, por presti-
giarem a autonomia da vontade, o que acarreta, consequentemente, a vedação
de imposição por parte de um terceiro de qualquer decisão final. Solucionar o
conflito é atribuição privativa das partes.
Como ressalta Fernanda Tartuce, os métodos autônomos permitem
15
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis, 3. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 190.
16
MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação: Estratégias Práticas para a Resolução de Conflitos,
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 38.
17
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 9.
37
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
4 O DEVER DE COOPERAÇÃO
38
os interesses postulados em juízo, há para a advocacia, Defensoria Pública e
Ministério Público o compromisso com a realização do Direito.
A ideia de cooperação não é novidade. Os grandes jusprocessualistas da
primeira metade do século passado já trabalhavam a teoria do processo como
atividade colaborativa. Eis, a propósito, o ensinamento de Calamandrei:
CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2003. v. 1, p. 265.
18
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
19
1966. v. 1, p. 28.
39
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
20
STRECK, Lenio Luiz et al. Aposta na bondade: A cooperação processual do novo CPC é incompatível
com a Constituição. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 23 dez. 2014. Disponível em: <https://goo.
gl/eV33be>. Acesso em: 30 abr. 2017.
21
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270.
40
envolvidos, evitando abusos de direito e tornando mais leal e mais ética a busca
pelo resultado a ser obtido com o processo”22.
Fredie Didier Jr. compartilha o mesmo entendimento dizendo que “ao
integrar o sistema jurídico, o princípio da cooperação garante o meio (imputa-
ção de uma situação jurídica passiva) necessário à obtenção do fim almejado (o
processo cooperativo)”23.
A lição de Humberto Theodoro Jr. é importantíssima. A invocação do
direito português preenche lacuna na literatura jurídica brasileira. Além disso,
explicita os deveres de cooperação do magistrado com as partes de maneira didá-
tica revestida de pragmatismo. Ensina Humberto Theodoro que a cooperação se
realça no dever do juiz decidir conforme o direito para assegurar acesso à ordem
jurídica justa por meio de um provimento baseado em pleno conhecimento da
causa, com o exaurimento dos meios de informação disponíveis para subsidiar o
veredito. Ressalta, ainda, que o papel cooperativo do juiz não acarreta qualquer
comprometimento com o dever de imparcialidade, constituindo-se em:
22
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentário ao art. 6º. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle;
________. (org.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 42.
23
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 217.
24
THEODORO JR., op. cit., p. 84.
25
GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. Direito: razão e sensibilidade : as intuições na hermenêutica jurídica.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.133.
41
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
26
CALMON DE PASSOS, J.J. Direito, justiça, processo e poder. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 71-72.
27
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 37.587-SC, Quinta Turma. Relator:
Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, 16 de fevereiro de 2016. Diário de Justiça: 23 fev. 2016.
28
MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação Cível nº 1.0301.14.007535-1/003,
Nona Câmara Cível. Relator: Des. Marcio Idalmo dos Santos Miranda. Belo Horizonte: 23 de março de
2017. Diário de Justiça: 11 abr. 2017.
29
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça de Estado. Agravo de Instrumento nº 70072050180.
Décima Nona Câmara Cível. Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes. Porto Alegre, 24 abr. 2017. Diário de
Justiça: 25 abr. 2017.
42
deixa de informar ao juízo existência de patrimônio passível de responder pela
obrigação”30.
O dever de cooperação é um imperativo ético inerente ao contraditório.
Com efeito, o devido processo legal constitui instrumento legítimo de garantia
fundamental da dignidade humana e dos direitos a ela correlatos se e somente
se o procedimento desenvolver-se conforme a boa-fé e a lealdade.
Não se pode perder de vista, ainda, a estreita relação existente entre o
dever de cooperação e a duração razoável do processo, na medida em que coíbe
a prática de atos processuais inúteis por manejo abusivo das prerrogativas e fa-
culdades processuais pelas partes ou, pelo juiz, dilações indevidas.
5 CONCLUSÃO
Vigésima Quinta de Direito Privado. Relator: Des. Hugo Crepaldi. São Paulo, 30 de março de 2017. Diário
de Justiça: 31 mar. 2017. “Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ARBITRAMENTO
DE HONORÁRIOS – MULTA – ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – Art. 774,
Parágrafo único, do CPC – Compra de imóvel de alto padrão à vista no curso da execução, demonstrando
injustificada oposição ao cumprimento da obrigação, bem como patente omissão de informações perante
o Juízo – Dever de cooperação – Quebra do padrão de boa-fé processual que justifica a imposição de multa
fixada mediante prudente arbítrio – Negado provimento.”
43
JULGAMENTO VIRTUAL E A DENSIFICAÇÃO DA
PSEUCOLEGIALIDADE
1 INTRODUÇÃO
*
Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Especialista
em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho (2014) e em Direito Internacional pelo Centro
de Direito Internacional - CEDIN - (2012). Professora de Direito Processual Civil e Direito Processual
do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Escola Superior de Advocacia da
Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais. Trabalha na equipe de assessoria de Desembargador
do TJMG. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual.
*
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Ex-Conselheiro Federal e Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas
Gerais, Coordenador na Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas
Gerais.
1
Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais criado pela resolução do Tribunal Pleno nº
0003, de 26 de julho de 2012, disponível em: <https://goo.gl/cN741n>.
2
Resolução 549/2011, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
3
Resolução 049/2010, do Tribunal de Justiça de Rondônia.
45
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
46
juiz é atribuído um privilégio cognitivo, devendo o processo ser entendido como
um espaço procedimental discursivo, visto que todos os sujeitos processuais, de
forma igualitária, participação da formação do provimento final, tendo como
viga mestra o policentrismo e comparticipação processual (NUNES, 2009).
Assim, as garantias e os direitos fundamentais estabelecidos constitucio-
nalmente são as diretrizes basilares do processo no paradigma do Estado Demo-
crático de Direito, devendo ser incorporadas na prática processual, renovando
todo o seu formalismo4.
Explicita Nunes (2009):
mantença tão somente das técnicas processuais (instrumentalidade técnica) embasadas em fundamentos
constitucionalizados (NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre.Processo, jurisdição e processualismo
constitucional democrático na América Latina: alguns apontamentos. Revista Brasileira de Estudos
Políticos, Belo Horizonte, n. 101, p.61-96, jul./dez. 2010. Disponível em: <https://goo.gl/aedGmR>.
Acesso em: 6 nov. 2017).
47
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
48
po com rechaço das formalidades exacerbadas e das decisões
judiciais solitárias (solipsismo judicial), como alguns ainda
defendem com ares de novidade.
5
Registra-se que sob o prisma da organicidade e coesão objetivadas pela comissão de juristas que elaboram
o novo Código de Processo Civil a criação de uma parte geral no vigente código (SCHMITZ, Leonard
Ziesemer. A Teoria Geral do Processo e a Parte Geral do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR.
Fredie (coord.) Novo CPC doutrina selecionada: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 103).
6
Didier Jr. pontua: “O CPC, com clara inspiração no CPC português, dedicou o seu primeiro capítulo a
apresentar um pequeno elenco com as normas fundamentais do processo civil brasileiro – arts. 1º a 12
(DIDIER JR, Fredie. CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1).
7
Consta na exposição de motivos da comissão do anteprojeto: “poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão
se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1. Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia
fina com a constituição federal [...]. Esta Exposição de Motivos obedece à ordem dos objetivos acima listados.
1 a Necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da
República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na versão
processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais,
como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à
decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”. Está expressamente
formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa
a obediência ao princípio do contraditório”.
8
CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão Processual do Princípio do Devido processo Constitucional. In:
DIDIER JR. Fredie (coord.). Novo CPC doutrina selecionada: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2015.
v. 1, p. 246.
49
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
9
DIDIER JR.; CABRAL; CRAMER, op. cit., p. 2.
10
CÂMARA, op. cit., p. 248.
50
por ausência de algum dos requisitos de admissibilidade (art. 932, III, CPC),
somente é cabível o enfretamento do mérito recursal pelo relator, dando-lhe ou
negando-lhe provimento, em delegação de competência da respectiva turma jul-
gadora, nas hipóteses em que sua decisão representar uma verdadeira ratificação
ao entendimento já consolidado pelos tribunais superiores por meio de súmula,
acordão proferido em julgamento de recursos repetitivos e em entendimentos
firmados em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica
ou de assunção de competência (art. 932, IV e V, CPC), a pseudocolegialidade
mostra-se um grande problema a ser enfrentado, sendo, inclusive, densificado
com a adoção do julgamento virtual pelos tribunais brasileiros.
A pseudocolegialidade que nada mais é do que a falsa colegialidade evi-
denciada pelo mecânico “[...] de acordo com o relator [...]” não é uma questão
nova como já pontou Moreira (1997):
51
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
4 JULGAMENTO VIRTUAL
52
dias, apresentar memoriais ou discordância do julgamento
por meio eletrônico.
§ 3º A discordância não necessita de motivação, sendo apta
a determinar o julgamento em sessão presencial.
§ 4º Caso surja alguma divergência entre os integrantes do
órgão julgador durante o julgamento eletrônico, este ficará
imediatamente suspenso, devendo a causa ser apreciada
em sessão presencial.
53
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
54
Diante de tais considerações, nota-se que em virtude da adoção do jul-
gamento virtual pelos tribunais brasileiros temos a necessidade de criação de
mecanismos que objetivam a expurgação dos problemas atinentes à eliminação
da colegialidade e, por conseguinte, da densificação da pseudocolegialidade, bem
como da ausência de publicidade na formação da decisão pluripessoal.
5 CONCLUSÃO
55
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
REFERÊNCIAS
________. Teoria geral do processo: primeiros estudos, 11. ed. São Paulo:
Forense, 2012.
56
LIMA, Newton de Oliveira. Jurisdição constitucional e construção de
Direitos Fundamentais no Brasil e nos Estados Unidos. São Paulo: MP, 2009
57
COMO CONSTRUIR UMA INTERPRETAÇÃO GARANTISTA
DO PROCESSO JURISDICIONAL?
HOW TO BUILD A GUARANTEE-ORIENTED INTERPRETATION
OF THE JURISDICTIONAL PROCESS?
Lúcio Delfino*
59
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
60
Algo como tomar “pílula vermelha”, expandir a percepção a fim de enriquecer
horizontes em socorro ao conhecimento do processo tal como ele é. Não por
deleite teórico, vaidades ou coisas do gênero, mas porque só assim se dará o
giro paradigmático, passo absolutamente necessário para salvaguardar teoria e
prática processuais da baixa constitucionalidade na qual se encontram atoladas.
61
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
superada por uma liberdade positiva, isto é, pela ideia de que a liberdade também
pode ser ameaçada pelas desigualdades sociais e desvantagens intensas.3
O que isso, entretanto, importa ao direito processual? Ora, ideologias
políticas exercem sugestão indeclinável sobre a forma como se visualizam a or-
ganização administrativo-funcional do Estado-juiz, o modo de formularem-se as
decisões judiciais, a maneira de ocupação dos cargos judiciários e de apoio, e os
objetivos, as metas e as tarefas que cabem ao Estado no desempenho específico
da função jurisdicional.4 Tendo isso em consideração, um pequeno esforço é
suficiente para se concluir que influxos ideológicos também se mostram capazes
de fomentar ingerências sobre a apreensão e manejo da instituição (processo)
que legitima a atuação jurisdicional e o seu resultado.5 Indo direto ao ponto: o
substrato de inúmeras concepções e construções dogmático-processuais preten-
samente técnicas tem por fundamento reflexos oriundos da transposição de topoi
político-ideológicos imperantes em determinado tempo e espaço,6 cuja difusão
devotada, massiva e equivocada corroborou para calcificar camadas e camadas de
compreensão que obnubilam àquilo que o processo possui de mais distintivo.7
E tudo se complica em países onde o senso comum teórico assume pela
jurisdição especial afeição, tomando-a inclusive como centro gravitacional da
3
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Los critérios de la legitimación jurisdicional según los activismos
socialista, facista y gerencial. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21,
n. 82, p. 205-216, abr./jun. 2013. Vale a lembrança que esse trabalho serviu de base à palestra ganhadora
do Prêmio “Humberto Briseño Sierra”, proferida pelo autor, em 19 de outubro de 2012, na ocasião do
XII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista, na cidade de Azul, Argentina.
4
COSTA, Eduardo José Fonseca. Uma espectroscopia ideológica do debate entre garantismo e ativismo.
In: DIDIER JR., Fredie et al. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 171-186.
5
Juan Montero Aroca elucida que a origem das concepções assumidas pelos estudiosos acerca do processo
é de ordem política, embora muitas vezes ocultada sob o manto da técnica processual. Sobre o tema:
MONTERO AROCA, Juan. Sobre el mito autoritário de la buena fe procesal. In: ________. (coord.).
Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, 2. ed. Valencia: Tirant
lo Blanch, 2011, p. 292-352.
6
COSTA, 2015.
7
Nessa linha, leciona João Maurício Adeodato que “[...] toda dogmática jurídica é necessariamente ideológica,
daí a necessidade de compreender a relativa autonomia do direito dogmático em relação à moral. O conteúdo
ideológico atravessa toda a estrutura da dogmática por estar contido no próprio dogma e, como bem nota
Viehweg, não se deve preterir determinada teoria jurídica sob a pecha de ‘mera ideologia’, haja vista que
todo discurso dogmático segue uma linha ideológica, e não descritiva, buscando como efeito a crença, e
não o conhecimento neutral de seus postulados. Mesmo assente este fato, pode-se notar uma constante
preocupação de ‘desideologizar’ a ação social do pensamento dogmático, emprestando ao direito um
conteúdo eminentemente técnico e fazendo com que o sistema jurídico e suas normas, embora elaborados a
partir desta ou daquela ideologia, passem a funcionar o mais possivelmente desvinculados de seus pontos de
partida, reduzindo ao mínimo o inevitável pano de fundo ideológico. ‘Este mundo jurídico pode funcionar,
pois, sem reflexões ideológicas; naturalmente, não porque esteja livre de ideologias e sim porque a ideologia
trivial, que se pressupõe e não se discute, tenha sido dogmatizada de uma maneira tecnicamente perfeita’
(Viehweg).” (ADEODATO, João Maurício. Ética & Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica, 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 161).
62
Teoria do Processo.8 Não é à toa que a aludida transposição dos topoi políticos-
-ideológicos ganha ares sobranceiros no Brasil, fazendo com que técnicas legis-
lativas sejam elaboradas e interpretadas a partir de lentes desvirtuadas de uma
específica perspectiva histórico-cultural que lhes deveria servir de modelo. Entre
nós, processo e direito processual surgem amesquinhados por pré-conceitos
inautênticos que doutrina e prática forense gradualmente consolidaram.
Mas, o que afinal torna equivocado encarar o processo com os olhos da
jurisdição, qual o problema dessa cegueira epistemológica em relação ao ser pro-
cessual, e precisamente que mal habita esse tipo de (im) postura hermenêutica?
A resposta a essas questões demanda um trabalho de decomposição da coisa
em exame voltado a desobstruir estruturas teóricas prévias já encrostadas a fim
de, em última análise, demonstrar que o ativismo judicial, as correntes teóricas
que o subjazem e as suas consequências corrosivas estão longe de serem autoevi-
dentes ou sustentáveis a partir de um horizonte fundado constitucionalmente.
Conquanto diversos os caminhos segundo os quais a empreitada poder-se-
-ia alcançar seu desiderato, optou-se por duas vertentes: i) a histórico-ideológica,
tendo-se em vista uma investigação centrada nas origens do devido processo legal;
e ii) a filosófica, cuja base é um artigo de Eduardo José da Fonseca Costa, escrito
sob a influência da ontologia fenomenológica de Martin Heidegger.
Institutos Fundamentais seguindo a ordem jurisdição, ação e processo, o discurso da doutrina foi sempre
uniforme e legitimador do Poder estatal como o grande dirigente e protagonista da cena processual, e por
isso a jurisdição é trabalhada como o polo metodológico preponderante. A partir daí a doutrina passou a
valorizar a importância dos Institutos Fundamentais, porém sempre com o enaltecimento da jurisdição
(= Poder) por sobre o processo (= Garantia) e a própria ação (= Liberdade). Como já assinalado, isso se
verifica na forma como os livros de teoria geral do processo metodicamente organizam o assunto, de regra
principiando pela exaltação/explicação sobre a jurisdição, sendo a ação e o processo tratados sempre após
aquela.” (RAMOS, Glauco Gumerato. Proceso jurisdicional, Repúplica y los Institutos Fundamentales del
derecho procesal. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 22, n. 88,
p. 251-272, out./dez. 2014, grifo nosso).
63
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
sociedade. Seu papel segue para além disso, evidentemente. Opera também em
prol da concretização do projeto constitucional, promovendo por conseguinte
espécie de (re)engenharia social. O exemplo da Constituição brasileira é ideal,
pois analítica que é, abrange inúmeras questões pautadas por direitos funda-
mentais de distintas dimensões, tradicionalmente decididas com exclusividade
no âmbito político.
Parece não haver dúvida de que – parafraseando Lenio Luiz Streck – o
paradigma do Estado Democrático de Direito, com enfoque no Brasil onde o
coeficiente de promessas incumpridas da modernidade é muito elevado, liga-se
inexoravelmente à função transformadora que o Direito e a jurisdição consti-
tucional assumem na atualidade. A especificidade da Constituição brasileira, a
qual contém um leque de direitos fundamentais-sociais com altíssimo grau de
inefetividade, tornou a judicialização algo inescapável. Ou seja, frente à inércia
verificada na atuação do Executivo e Legislativo na concretização de direitos
fundamentais, não se pode abrir mão de certo grau de intervencionismo da
justiça constitucional.9
Mas considerar o valor da jurisdição nos tempos atuais não autoriza o
soterramento daquilo que o processo tem de imanente, tampouco a tratá-lo com
inferioridade, em desatenção às suas raízes histórico-positivas e à ideologia que
o sustenta.10 Muito pelo contrário, porquanto a valorização da atividade jurisdi-
cional, com a sua ingerência em uma diversidade de assuntos, implica rigorosas
cautelas no seu controle para impedir e debelar abusos11 – afinal, uma jurisdição
9
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão judicial. 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 113-
118. É bastante conhecida a distinção feita pelo autor entre judicialização da política e ativismo judicial,
a evidenciar sua preocupação com a atuação judicial desmedida, cujos resultados são discricionariedades e
decisionismos de toda sorte. Em seus textos verifica-se claramente o combate que trava contra o ativismo
judicial e as posições teóricas que encaram o Judiciário como o superego da sociedade. Sobre a distinção
entre ativismo judicial e judicialização da política, consultar também: TASSARINI, Clarissa. Jurisdição e
ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
10
Como demonstra Lenio Luiz Streck, “[...] o processo constitucional, adequadamente concebido, pode
representar um elemento de fundamental importância para evitar que a democracia se transforme numa
judiciariocracia... O elevado grau de autonomia assumido pelo direito nesse novo paradigma acarreta
responsabilidade política cada vez maior ao Poder Judiciário. Por isso, o necessário cuidado – no sentido
coloquial e hermenêutico da palavra (Sorge) – que a comunidade jurídica deve ter com o modo como
a jurisdição constitucional pode e deve ser desenvolvida. Afinal, tudo começa e termina no respeito ao
devido processo legal. Processo: eis a questão!” (STRECK, Lenio Luiz. À guisa de apresentação: o processo
constitucional no novo paradigma do estado democrático de direito.In: ARRUDA ALVIM, Eduardo;
THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT,
2014, p. 11-14).
11
Em interessante pesquisa, Ran Hirschl analisa a transferência de poder das instituições representativas para
o Judiciário, fenômeno por ele designado de juristocracia. Uma tendência crescente, que avança do Leste
Europeu para a América Latina, e atinge sistemas de tradição institucional fundada na soberania parlamentar.
É a crença na legitimidade de se garantir direitos pela via judicial, mesmo que em evidente contraposição
ao poder político parlamentar. Hirschl apresenta o outro lado da moeda mediante uma análise que envolve
a experiência concreta de quatro países que perpassaram pela “revolução constitucional” (Canadá, Nova
64
mais intervencionista traz consigo o risco de discricionariedades, ativismos e
decisionismos judiciais, que só fazem sedimentar intepretações afrontosas a prin-
cípios constitucionais fundantes, entre os quais a própria separação de poderes.12
Em poucas palavras: se é inegável o fato de que a Constituição de 1988 confiou
especial relevo à jurisdição no Estado Democrático de Direito, é igualmente no-
tório o destaque não menos relevante que também atribuiu ao processo devido.
Ou seja, pensar ontologicamente o processo implica um necessário recuo
na tradição em busca de suas origens. A chave está em investigar, em sua alvora-
da, o devido processo legal, previsto na Constituição de 1988 entre os direitos
e garantias individuais e coletivas, matriz fundante do processo em particular, e
da ciência processual de maneira geral.
A ideia mesma envolta no due process of law surgiu com a Magna Carta
Libertatum, outorgada em 1215 pelo João “Sem Terra”.13A expressão, porém,
só mais tarde veio a ser cunhada, utilizada primeiramente no ano 1354, na
Cláusula 3 do 28 Estatuto de Eduardo III, na qual se lia que “[…]no man of
what state or condition he be, shall be put out of his lands or tenements nor taken,
nor disinherited, nor put to death, without he be brought to answer by due process
of law”.14Mais: conquanto de origem anglo-saxã, seu aperfeiçoamento deu-se na
América do Norte, na emergência do fenômeno de constitucionalização dos
direitos humanos ali ocorrido, tendo sido inserido na Quinta (1791) e Décima
Quarta (1868) Emendas da Constituição dos Estados Unidos, cujas redações
serviram de modelo para a Constituição Federal de 1988.15
Zelândia, Israel e África do Sul). Segundo demonstra, hoje praticamente tudo pode ser judicializado, de
maneira que juízes não eleitos pelo povo, sem responsabilização política, assumem-se dia a dia no mundo
como o principal corpo decisório sobre questões importantes para a vida coletiva. (HIRSCHL, Ran.
Towards juristocracy: the origins and consequences of the new constitucionalismo. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 2007).
12
STRECK, 2013.
13
Como leciona Antônio Dória, “[...] a teoria política ocidental deve inegavelmente à Magna Carta a primeira
concepção de um poder político limitado.” (SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direito constitucional
tributário e due processo of law, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 16).
14
STRECK, Lênio Luiz. Conteúdo do princípio: a atuação da Suprema Corte norte-americana. In: ARRUDA
ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional.
São Paulo: RT, 2014, p. 25.
15
Sobre o tema há ampla literatura: ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger;
GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT, 2014; BARACHO, José Alfredo
de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos Contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006;
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito, 3. ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2015; CALMON DE PASSOS, J. J. Democracia, participação e processo. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.; WATANABE, Kazuo (coord.). Participação e
processo. São Paulo: RT, 1988; CATONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002; COSTA, Miguel do Nascimento. Das garantias constitucionais e o devido processo no Estado
Liberal aos direitos fundamentais e o processo justo no Estado Democrático de Direito. Revista AJURIS,
Porto Alegre, v. 42, n. 139, dez. 2015; DEL NEGRI, André. Teoria da Constituição e do Direito
Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009; COSTA, Eduardo José da Fonseca. O processo como
65
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Importa aqui o fato de que o due process ganhou força num contexto polí-
tico-ideológico inegavelmente liberal, pois compromissado quer com a limitação
das ações estatais, quer com o reforço da lei como ordem geral e abstrata. Vale
dizer, o motor ideológico tinha por matriz direitos fundamentais de resistência
(primeira dimensão), fruto das revoluções liberais francesa e norte-americana,
por meio das quais a burguesia reivindicava o respeito às liberdades individuais
e consequentes limitações aos poderes até então absolutos do Estado. Nessa fase
inaugural do constitucionalismo ocidental ansiava-se por pretensões de caráter
negativo, cujos titulares eram os indivíduos.
Na contemporaneidade sabidamente o due process é encarado não apenas
em sua perspectiva procedimental (procedural due processo of law), mas tam-
bém sob um viés substantivo (substantive due process fo law). Esse sentido foi
alavancado nos Estados Unidos em 1798, no caso Calder vs. Bull, firmando-se
o entendimento de que atos normativos, legislativos ou administrativos, que
ferissem direitos fundamentais, ofenderiam por conseguinte o devido processo
legal, a demonstrar que o princípio tem aplicabilidade também fora dos limites
processuais.16 De um lado, salvaguarda direitos fundamentais no âmbito do
procedimento (contraditório, ampla defesa, isonomia, fundamentação e publi-
cidade das decisões judiciais, entre outros), de outro, revela a segurança de que
os direitos fundamentais do indivíduo jamais serão violentados pelo ente estatal
ou por quem quer que seja.17
instituição de garantia. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 16 nov. 2016. Opinião. Disponível em:
<https://goo.gl/awSkCG>. Acesso em: 7 nov. 2017; NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na
Constituição Federal, 8. ed. São Paulo: RT, 2004; LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo
legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999; MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito
Processual Constitucional, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015; LOPES JR., Aury. Direito processual
penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; MATTOS, Sérgio Luíz Wetzel de. Devido processo legal e
proteção de direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009; PORTANOVA, Rui. Princípios do
processo civil, 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; RAMOS, Glauco Gumerato. Proceso
jurisdicional, Repúplica y los Institutos Fundamentales del derecho procesal. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014; DÓRIA, Antônio
Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e due processo of law, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1986; SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001; STRECK,
Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 3. ed. São Paulo: RT, 2013; STRECK, Lenio
Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto: as garantias processuais penais? Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012; TORRES, Artur. Fundamentos de um direito processual civil contemporâneo: Parte
I. Porto Alegre: Arana Editora, 2016; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo
constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
16
STRECK, 2014, p. 28.
17
Consoante lecionam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud, a origem do substantive due process teve lugar
justamente com o exame da questão dos limites do poder governamental, submetida à apreciação da
Suprema Corte norte-americana no final do século XVIII. Já em 1798, no caso Calder vs. Bull, firmou o
entendimento de que os atos normativos, quer legislativos, quer administrativos, que ferirem os direitos
fundamentais ofendem, ipso facto, o devido processo legal e, por tal razão, devem ser nulificados pelo
Judiciário (NERY JR. Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro: curso completo.
São Paulo: RT, 2017, p. 161).
66
Enfim, é preciso ter claro que o devido processo legal (ou como preferem
alguns, o processo legal devido) apresenta, em sua identidade essencial, o
papel garantístico de preservação da liberdade do cidadão; assim foi outrora e
permanece sendo ainda hoje, mesmo diante dos influxos evolutivos que recebeu
ao longo das quadras pelas quais perpassou a história.
67
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
19
Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr. aponta a necessidade de se pensar o processo penal (mas o mesmo
vale para o processo civil) a partir da Constituição. Ensina que somente “a partir da consciência de que a
Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode
compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através
da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se
legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.” Em outro
trecho de sua obra, ensina que o “processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço
do poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor
do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se
confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para
chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse
caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras
do devido processo legal.” LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 41-45).
20
Para uma apresentação do debate envolvendo ativismo vs garantismo: RAMOS, Glauco Gumerato. Activismo
vs. Garantismo en el processo civil: presentación del debate. SOARES, Carlos Hernique et al. (coord.).
Proceso Democrático y Garantismo Procesal. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015, p. 1-13.
21
Sem dúvida que o livro Direito e Razão, de Ferrajoli, encontra lugar certo em toda biblioteca de estudiosos
que seguem uma linha de pensamento garantista. Segundo o jurista italiano, são três as acepções possíveis
da expressão garantismo: i) designa um modelo normativo de direito (precisamente, no que diz respeito ao
direito penal, o modelo de estrita legalidade, próprio do Estado de Direito, que sob o plano epistemológico
se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como
uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como
um sistema de vínculos impostos a função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos); ii)
significa teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas não só entre si, mas também
pela existência ou vigor das normas (a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém
separados o ser e o dever ser no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos
ordenamentos complexos entre modelos normativos, tendencialmente garantistas, e práticas operacionais,
tendencialmente anti-garantistas, interpretando-a com antinomia que subsiste entre a validade dos primeiros
e a efetividade – e invalidade – das segundas; e iii) trata-se de uma filosofia política que requer do direito e
do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia
constituem a finalidade (o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre
validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou
mesmo entre o ser e o dever ser do direito). (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo
Penal, 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 785-788).
68
Na realidade, o que está a serviço da realização do direito material é a
jurisdição, não o processo: ao processo cabe apenas cuidar para que essa rea-
lização não deslize em abusividades. Ou seja, o exercício da jurisdição radica
no processo, é o último que legitima a primeira; não o contrário. Tanto assim
é que o processo é tratado no título da Constituição sobre direitos e garantias
fundamentais, não nos títulos sobre organização do Estado. Mais ainda: processo
é instituição de garantia de liberdade, pois regulado no Capítulo I do Título II,
que cuida sobretudo dos direitos fundamentais de primeira dimensão. Presta-se,
enfim, a resguardar a liberdade das partes em relação ao Estado-juiz.
Acontece que são muitas as correntes dogmáticas desencaminhadas, que
inconfessadamente desenraizam o processo da Constituição e o envolvem em
sobrecargas inconvenientes, esfumaçando-lhe seu ser constitucional e, por con-
sequência, sua institucionalidade garantística. São doutrinas de cunho ativista,
apegadas a uma perspectiva utensiliar, cuja dimensão historial representa exercício
renitente de esquecimento do ser constitucional do processo. O que fazem é
dissolver o processo (que é garantia) na jurisdição (que é poder), como se processo
fosse a própria jurisdição-funcionalmente-manifestada, fazendo-o perder a pró-
pria autonomia ôntica, dando o direito processual lugar a um disforme “direito
jurisdicional”. Derivam de uma processualística orgulhosa, que logrou isolar-se
ou alhear-se, que escapou ao englobamento constitucionalístico, ensimesmou-se
ou se prostituiu, adoecendo de si própria. Esquecem o ser constitucional do
processo por indiferença, e seguem rumo como se fosse legítimo ao processual
recuar para autofundar-se ou fundar-se em extrajuridicidades não constitucionais
(ideologias, interesses, alienações, repressões, teologias, versões de mundo, que
intrusivamente ocupam a suprema posição fundante que deveria caber à Cons-
tituição). A pior dessas doutrinas é a instrumentalidade do processo, fundada
num princípio epocal mântrico sem consistência positivo-constitucional, que
reduz o processo a mero “artefato para boas intenções”, e tem servido como fonte
de compreensão e racionalidade de qualquer manifestação no universo processual.
Somente quando a processualista “de-siste” de enclarusurar-se e “in-sis-
te” numa constitucionalística, ela “ek-siste” como ramo dogmático legitimante
autônomo. A partir dessa articulação instala-se novo ponto de apoio teórico-ar-
quitetônico para novas terminologias, novos pressupostos operacionais, novos
procedimentos metodológicos, novos modelos interpretativos. Na medida em
que ser garantia define o processo em suas estruturas elementares, significativas e
práticas, para além de uma analítica garantista, instalam-se também possibilidades
de uma hermenêutica garantista e de uma pragmática garantista.
Mais: um dos títulos pseudo-fundantes e enganadores da processualística
ativista é a categoria pragmática da técnica. Não por acaso que por meio de uma
69
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Por exemplo, em “conversas de esquina” não se ouvem assoberbamentos como: ... no julgamento do meu
22
caso o juiz foi ligeiro demais, afrontou meu direito a um processo devido; ... que coisa é essa de o juiz não
me permitir produzir prova pericial; cadê o devido processo legal?; ... essas justificativas nada dizem, não
enfrentaram as especificidades do meu problema; não dá para engolir esta decisão, afinal o devido processo
me assegura uma prestação jurisdicional fundamentada; ... estou revoltado: meu advogado me encaminhou
hoje o resultado do meu caso, e nada do que consta ali, na sentença, retrata o que eu e aquele desgraçado que
me causou prejuízo debatemos ao longo de dois anos; ... então eu disse para o juiz: não doutor, não admito
que meu advogado saia da audiência para que o senhor, eu e o réu tenhamos uma conversa “amigável” em
particular; sei perfeitamente que tenho direito a ampla defesa, e isso só vai acontecer, porque tudo aqui é
técnico demais, se meu advogado permanecer ao meu lado durante o desenrolar de todo o procedimento;
... meu Deus, fui chamado para uma audiência na condição de testemunha e tive que ouvir o juiz me
chamar de mentiroso; tive pena do réu, pois sua condenação estava estampada na testa daquele infeliz que
vai julgar o caso e que não tem a mínima intimidade com a ideia de imparcialidade.
70
O advogado que se vende como processualista corre o risco de passar
fome. Como é evidente, trata-se de palavra que não ingressou no vocabulário
vulgar. A própria mídia a confunde regularmente. Nem desconfia o jurisdi-
cionado que precisa ter ao seu lado um causídico suficientemente versado na
ciência processual, porquanto isso, no mínimo, assegurar-lhe-á tentativas mais
vigorosas para que seus direitos fundamentais processuais sejam cumpridos pelo
Estado-juiz ao longo da marcha procedimental. Doa a quem doer, mas na arena
processual, vez ou outra, o adversário da parte não é apenas a contraparte, mas
também o próprio julgador, que por olvidar seu papel de guardião da Consti-
tuição, arvora-se em posturas atentatórias ao devido processo legal: determina
a produção oficiosa de provas, ameaça testemunhas, admoesta advogados a fim
de impor sua autoridade, impede a produção probatória requerida por uma das
partes, cria embaraços à publicidade processual, vira as costas solenemente para o
contraditório substancial, nega aos litigantes o direito a decisões fundamentadas,
não leva à sério a cláusula do juiz natural e seu dever de imparcialidade,23 despreza
a presunção de inocência, autoriza buscas e apreensões coletivas, utiliza-se de
prisões preventivas como técnica para a obtenção de delações premiadas, etc.
Se teoricamente já abandonamos a velha dicotomia indivíduo versus Estado, o
mesmo não se deu por completo na lida nua e cura da praxe forense.
Mais grave, porém, é constatar que, entre profissionais do direito, o pro-
cesso é comumente encarado como mero instrumento a serviço da jurisdição.
Alguns juristas, versados em dadas especialidades do direito material, chegam a
desdenhá-lo sem pudor, inclusive em salas aulas, como se fosse nada mais que
mera técnica manejável para o desenrolar da atividade jurisdicional e a aplicação
do direito positivo.24
23
Acerca da imparcialidade, esclarece Carlos Adolfo Picado Vargas: “[…] vemos que la doctrina entiende que
un juez imparcial es aquel que aplica la ley sin tender a un fin determinado, sea propio o ajeno (acá juega
la independencia) y para esto tiene vedada la realización de actividades propias de las partes (acá juega
la impartialidad). La importancia de la imparcialidad judicial radica en la necesidad de su existencia para
tener por configurado un proceso como debido. Y esto se justifica en la legitimidad que ella otorga al juez
como tercero ajeno al litigio para resolverlo. Las partes sólo pueden concebir la resolución de un conflicto
intersubjetivo de intereses por un tercero si este actúa en base al respeto de los derechos de ambas, actor y
demandado, llevando a cabo un proceso según constitución. Consecuentemente, la afirmación de que el
terceo llamado a resolver el litigio ha de ser imparcial permitió que los particulares consientan someter el
conflicto a su conocimiento y permitió así que éstos se resuelvan de modo pacífico.” (PICADO VARGAS,
Carlos Adolfo. La independencia del juez. Memoria XXVII Congreso Panamericano de Derecho Procesal.
Colombia: Sigma Editores, 2016, p. 213-218).
24
O desrespeito ao processo como instituição de garantia colabora sobremaneira para o recrudescimento do
fenômeno da depreciação do Direito, verificado pela enxurrada de decisões ativistas que recheiam as páginas
dos jornais semanalmente, cuja pauta de comando assenta-se em especial no subjetivismo dos julgadores.
E o mais grave é que legisladores e doutrinadores, praticando espécie de haraquiri institucional, por vezes
alimentam o atual estado de coisas. A ordem vem dos altos escalões (leia-se: Conselho Nacional de Justiça),
e é cumprida quase bovinamente: julguem, julguem, julguem; e muito! Incentivam-se magistrados com
promoções por produtividade, e a cartilha é seguida à risca. Há um fetiche por números altos. A atividade
jurisdicional está se matematizando. Quer-se boas estatísticas, e para obtê-las o motor legislativo é aquecido
71
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
REFERÊNCIAS
para o fabrico de numerosas técnicas: julgamento parcial de mérito, antecipações liminares de tutela com
base na evidência, estabilização de tutelas provisórias, reforço dos poderes dos relatores, suplemento da
autocomposição. E o senso comum teórico não fica atrás; segue a maré de bom grado... Por exemplo, o
CPC-2015 reforçou nosso modelo de “precedentes”. Nele cabe tudo, até súmulas. Muitos veem nisso o
mecanismo do qual carecia a engrenagem judicial para que julgamentos surjam mecanizados, pré-moldados
e, portanto, facilitados. Enfim, o autoritarismo avançando a passos largos sobre o perfil democrático
e republicano traçado pela Carta Constitucional. O trem da celeridade rolando sobre os trilhos do
tempo em atropelo a coisas mais importantes, como a própria qualidade das decisões judiciais. Muito
melhor (e necessário) seria nutrir preocupação, como faz Georges Abboud, em viabilizar um modelo jurídico
que possa atingir uma resposta (jurisdicional) correta e, deste modo, combater o relativismo (a ideia de que
qualquer resultado é aceitável e sempre válido) e o ceticismo interpretativos, afastar a utilização estratégica
do direito para perseguir fins políticos e afrontar a confiança desenfreada em valores e convicções pessoais
dos magistrados. (ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo
e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014, p. 468).
25
Como bem ensina Alvarado Velloso, o garantismo processual pretende o irrestrito respeito à Constituição.
Os autores que encampam essa via de pensamento não buscam um juiz comprometido com pessoas ou coisas
distintas da Constituição, e sim uma autoridade judicial que esteja empenhada em respeitar, e fazer respeitar,
a qualquer preço as garantias constitucionais. E o processo é a máxima garantia que a Constituição confere
para a defesa dos direitos individuais, a começar pela própria liberdade. Afinal, “as garantais constitucionais
são como o sol, que nasce para todos, sobretudo para aqueles que delas mais necessitam.” (VELLOSO,
Adolfo Alvarado. El garantismo procesal.Rosario: Editorial Juris, 2010, p. 57-58).
72
ADEODATO, João Maurício. Ética & Retórica: Para uma teoria da dogmática
jurídica, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
73
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo legal. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1999.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
74
REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o conflito das
ideologias. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
75
A EFETIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DO PROCESSO
EM FOCO: análise dos dados estatísticos da Justiça
Comum do Estado de Minas Gerais, no período de 2003
a 2013, e o meio ambiente1
THE EFFECTIVENESS AND SUSTAINABILITY OF THE
PROCESS IN FOCUS: analysis of statistical data of the
Ordinary Courts of the State of Minas Gerais, in the
period 2003-2013, and the environment
77
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
ABSTRACT: This study compiled the data supplied by the National Council
of Justice (CNJ) in the period between 2003 and 2012, from de Minas Gerais
State, and through a graphical and numerical analysis, it was found that, despite
the attempt to justify the delay in the delivery of legal protection as a result of
excess bureaucracy and formalism of the judiciary, there are structural issues
that are not being addressed by, imply an increase in delivery time of tutelage.
We used the empirical method with analysis of data provided by the CNJ,
and later through tables and graphs to analyze the impact of demand growth
by Judiciary Power. The paper concludes that the length of the procedure, its
excessive formalism and the range of available resources are not the main factors
causing the slowness of justice, because the process that does not respect the
constitutional principles will be a process poorly educated and therefore will
take longer to be resolved. In fact, the increasingly brings the number of cases
submitted to the magistrates for trial, in contrast, has expanded investment
in the judiciary, which inevitably leads to an overload of work and stranding
processes. Such factors matter in violation of the symbolic principle of
sustainable development.
1 INTRODUÇÃO
78
ainda existe entre ele e o acesso à justiça e passando também pelas questões do
fator tempo no resultado efetivo do processo.
O Estado realiza diversas atividades recorrendo, para tanto, a uma divisão
de funções a partir da qual consegue organizar e agrupar os atos necessários à
produção do bem comum: os atos praticados com função de reger a atividade
do Estado cabem, como regra, ao Poder Executivo, enquanto o Poder Legislati-
vo exerce, predominantemente, a função de elaborar as normas que regulam as
atividades dos indivíduos, tão necessárias ao convívio em sociedade. Por último,
há a função jurisdicional, atividade típica exercida pelo Poder Judiciário, em
que o magistrado, investido no poder do Estado, atua na solução de conflitos,
a fim de manter ou restabelecer a paz social com respeito aos direitos e deveres
previstos e a preservação da liberdade e do ordenamento jurídico, como ensina
Gonçalves (1992, p. 50).
A função jurisdicional foi concebida com o fito de entregar uma “resposta”
aos cidadãos nas situações em que haja uma conduta contrária aos ordenamen-
tos jurídicos e, portanto, considerada ilícita ou desconforme ao direito. Nestes
casos, como afirma Gonçalves (1992, p. 53), o Estado faz uso de seu poder para
repreender essas ações. Nesse sentido:
79
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
80
A tutela jurisdicional do direito é prestada quando o di-
reito é tutelado e, dessa forma realizado, seja através da
sentença (quando ela é bastante para tanto), seja através
da execução. De modo que passa a importar, nessa pers-
pectiva, a maneira como a jurisdição deve se comportar
para realizar os direitos ou implementar a sua atividade
executiva. Ou melhor, o modo como a legislação e o juiz
devem se portar para que os direitos sejam efetivamente
tutelados (ou executados). Trata-se na verdade, de trilhar
dois caminhos que se cruzam: um primeiro que aponta a
necessidade de a técnica processual executiva ser estrutu-
rada pela lei conforme o direito material, e um segundo
que obriga o juiz a pensar a regra processual definidora
das técnicas processuais com base no direito fundamental
à tutela jurisdicional efetiva e segundo as necessidades de
direito material, particularizadas no caso concreto.
81
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
82
que por outro caminho não se poderiam obter. Seja por que
a lei veda a satisfação voluntária de dadas pretensões (v.g.,
anulação de casamento), seja porque a pessoa de quem se
poderia esperar a satisfação não satisfez (inadimplemento),
quem não vier a Juízo ou não puder fazê-lo, renunciará
àquilo que aspira. Em outras palavras, não terá acesso à
“ordem jurídica justa” nos casos em que, por fás ou por ne-
fas, sem o processo não possa sequer chegar até o processo.
83
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Isso quer dizer que o desenvolvimento sustentável deve ser ampliado, não
se restringindo mais à compatibilização entre o meio ambiente e as atividades
econômicas da sociedade2, para ser compreendido como desenvolvimento social-
mente includente, economicamente sustentado e ambientalmente sustentável,
ante as dimensões básicas e essenciais da sociedade. Nesse sentido:
Para analisar a ideia de desenvolvimento econômico em contraposição ao desenvolvimento sustentável e
2
84
Verifica-se que o projeto do desenvolvimento sustentável
verdadeiramente se presta a harmonizar os direitos funda-
mentais constitucionalizados do desenvolvimento econô-
mico, do meio ambiente sadio e, mais do que isso, resta
como princípio constitucional fundamental por conta da
perfeita congruência de seus contornos conceituais com
a ideologia constitucional do bem-estar social, cultural e
ético (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 45).
85
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
86
deficitário seu quadro de servidores e de juízes; inadequada
sua estrutura física e operacional; defasados e insuficientes
seus equipamentos de informática e tecnologia. Acrescen-
ta-se a essa realidade, a vertiginosa e crescente demanda
pela atividade jurisdicional no Brasil, notadamente após
a edição da Lei no 9.099/1995 (GOMES; DRUMOND,
2012, p. 36).
87
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
88
Ainda que seja indiscutível a produção de benefício social em razão dessas
medidas, a intenção do legislador de criar um canal de “livre acesso ao Poder
Judiciário” fez necessária a instituição de princípios informativos da oralidade, da
simplicidade, da economia processual e da celeridade, dispensando a participação
do advogado em alguns dos procedimentos regulamentados pelas referidas leis
federais, como afirmam Gomes e Drumond (2012, p. 44).
É clara a intenção do legislador, quando da criação da EC n° 45/2004,
de diminuir o tempo dos procedimentos por meio de aspectos instrumentais,
criando mecanismos de promoção ligados à maior produtividade dos magistrados.
O fato do juiz, na sua atividade jurisdicional, precisar também se ater a questões
de produtividade pode levar a decisões que não foram totalmente fundamentadas
nos princípios garantidores de uma tutela judicial justa.
Um dos possíveis problemas deste critério avaliativo da produtividade dos
magistrados, a partir do número de processos julgados, é a possibilidade de uma
escolha de qual processo o magistrado irá julgar primeiro. Uma demanda pode,
em função de sua complexidade, exigir muito mais tempo para ser concluída, já
que envolve a necessidade de ouvir testemunhas, produção de provas periciais e/
ou inspeção judicial. Neste caso, tendo o magistrado que responder com maior
produtividade nos julgamentos, é possível que ele priorize, dentro dos casos de
sua responsabilidade, aqueles de mais fácil solução, obtendo assim um ganho de
produtividade muito maior. Essa busca insensata por rapidez, provoca mudança
no comportamento dos juízes. Para Nunes (2008, p. 155), essa corrida cada vez
mais intensa em busca de rapidez procedimental é fruto de um modelo estatal
imposto durante os anos de 1990, o qual gerou:
Tudo isso leva a crer que a busca pela rapidez nos processos acaba por co-
locar em segundo plano os princípios constitucionais e processuais que garantem
que a tutela entregue tenha segurança jurídica. Ademais, há que se frisar que o
Poder Judiciário brasileiro não é ainda capaz de fornecer condições estruturais
de trabalho aos envolvidos na “produção” de uma tutela jurisdicional, o que
enseja a demora na sua entrega.
89
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
90
Tabela 01 - Número de magistrados
Variação
Ano Número de M agistrados 2003/2013
2003 775
2004 913
2005 915
2006 955
2007 979
2008 990
2009 998
2010 1064
2011 1355
2012 989
2013 1068 37,81%
Fonte: Elaborada pelos autores
1355
1400
600
400
200
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Os autores.
91
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
92
Tabela 02 – Pessoal efetivo da Justiça Estadual
Pessoal
Ano Variação % 2003/2013
Efetivo
2003 6212
2004 7833
2005 7082
2006 12555
2007 12975
2008 13443
2009 12471
2010 13601
2011 13848
2012 13785
2013 13911 123,94%
Fonte: Elaborada pelos autores
6000 6212
7082
4000
2000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Os autores.
93
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
(*) Quanto ao número de computadores, os relatórios datados de 2012 e 2013, apenas informaram que o
5
investimento em informática aumentou de 2011 para 2012, em 20,2%. De 2013 para 2014, houve redução
no investimento em 2,4%. Aplicados tais percentuais ao número de computadores, tem-se em 2012 o
patamar estimado de 0,98 por usuário, reduzindo no ano seguinte para 0,95, conforme apresentado no
gráfico supramencionado. Salienta-se que tais percentuais somente seriam precisos se não houvesse qualquer
alteração no número de magistrados e servidores e se não houvesse a necessidade de reparos e atualizações
no maquinário preexistente.
94
Gráfico 03 – Computadores por usuário
1 0,93 0,93 0,95
0,9 0,98
0,6 0,66
0,58
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 *2012 *2013
Fonte: Os autores
95
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Os autores.
96
365 dias no ano; restariam 5.227 demandas novas para serem julgadas diariamen-
te. Devido ao número médio de juízes existentes, ter-se-ia 4,9 processos novos
a serem julgados por dia, por magistrado, sem levar em consideração o estoque
de causas pendentes de julgamento6
Observa-se que chegam anualmente mais de mil processos novos para cada
magistrado, em média. Eles devem ser analisados e julgados, o que demanda
tempo, pois é necessário respeitar os procedimentos e garantias processuais, de
modo a entregar uma tutela jurisdicional cercada de um mínimo de segurança
jurídica. Abaixo estão expostos os dados anuais (Tabela 05 e Gráfico 05):
No relatório de 2013, a Justiça Estadual de Minas Gerais acusou como os seguintes números de demandas
6
pendentes de julgamento (estoque): 1º Grau: 3.183.445; 2º Grau: 225.993; Juizados Especiais: 357.579
e Turmas Recursais: 31.737. Os únicos Juízos que conseguiram decidir maior número de causas que as
recebidas, foram o 2º Grau e as Turmas recursais (1º Grau: 853.708; 2º Grau: 262.604 e Juizados Especiais:
410.743 e Turmas Recursais: 43.940).
97
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
4.500
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Os autores.
É claro que, com um número tão alto de novos processos ajuizados e to-
dos eles devendo ser julgados com respeito às etapas processuais, não é possível
chegar ao fim de um ano com todos eles resolvidos. Além disso, dentre as ações
há sempre aquelas que, em decorrência de sua complexidade, demandarão maior
tempo. A consequência disso é que haverá, ao longo do tempo, um acúmulo
de processos, pois os novos que são distribuídos juntar-se-ão aos casos que, por
diversos fatores, terão ficado pendentes de julgamento.
Esta junção de novos casos com aqueles que estão em trâmite por julga-
dores é tratada pelo CNJ como “carga de trabalho dos magistrados” e estes dados
estão agrupados na Tabela 06 e respectivo gráfico, abaixo:
98
Gráfico 06 – Carga de trabalho
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Carga Trabalho 1 grau Carga Trabalho 2 Grau Carga Trabalho Juizado Especial
Fonte: Os autores.
99
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Cabe salientar que nos relatórios de 2012 e 2013, publicados pelo CNJ, não foi divulgada a variável Taxa de
8
Recorribilidade, o que obsta uma análise sobre a satisfação dos jurisdicionados pela tutela jurisdicional entregue.
100
Gráfico 07 – Taxa de congestionamento
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Os autores
101
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Os autores.
102
Por outro lado, não há mais como aceitar as desculpas de
que, por exemplo, os juizados especiais não respondem à
expansão da litigiosidade ou ao aumento do número de
ações, ou mesmo de que determinado órgão judiciário
está impedido de prestar a tutela jurisdicional em razão
de acúmulo de serviço. Na verdade, a afirmação de que há
acúmulo de serviço, ou de que a estrutura da administra-
ção da justiça não viabiliza a adequada prestação da tutela
jurisdicional, constituem autênticas confissões de violação
ao direito fundamental à duração razoável do processo. O
acúmulo de serviço, assim como a falta de pessoal e instru-
mentos concretos, pode desculpar o juiz e eventualmente
o próprio Judiciário, mas nunca eximir o Estado do dever
de prestar a tutela jurisdicional de forma tempestiva.
103
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após todo o exposto até aqui, deve-se dar uma resposta ao questionamento
que motivou a construção deste trabalho: por que o sistema processual é tão
moroso? A questão é complexa e para respondê-la não se pode partir do redu-
cionismo de apenas dizer que esta lentidão é causada pelo excesso de formalidade
do sistema, dentre outras inúmeras afirmações que já caíram no gosto popular.
Entregar uma tutela jurisdicional que resolva uma demanda não é apenas
dizer a quem pertence o direito em questão, pois, ao dizer que uma das partes
é detentora de determinado direito, de outra forma também se está dizendo, ao
outro lado da lide, que este direito não lhe pertence, muitas vezes lhe impondo
uma sanção. Portanto, a tutela a ser entregue deve estar cercada de segurança
jurídica, de modo que tanto o réu quanto o autor, ao final, entendam que a de-
cisão foi dada com lisura, imparcialidade e acerto, em especial que o derrotado
compreenda que aquele direito realmente não lhe pertence. Isso só acontecerá
se a decisão for devidamente fundamentada, acolhendo e refutando todos os
argumentos das partes, de maneira dialógica e sem exceções.
Com isso, os atos processuais devem ocorrer mediante o respeito aos prin-
cípios da ampla defesa e do contraditório, de forma que todos os integrantes da
demanda possam participar de maneira crítica e tentar interferir no processo. É
claro que não há como passar por todas as fases de um procedimento de forma
104
rápida sem que isso gere, ao final, um processo com pouca segurança jurídica.
O mais importante com relação ao tempo do processo é que ele não seja curto
demais, de modo a fragilizar a tutela, nem longo demais, inviabilizando o seu
resultado efetivo. Ao contrário, ele deve durar o tempo suficiente para que seja
cercado de segurança jurídica, mas, ao ser entregue, é preciso que possa o detentor
da tutela se utilizar do benefício que lhe foi concedido.
Os dados empíricos aqui analisados mostram que, apesar de ter havido
aumento de investimentos no aparato da máquina judiciária, eles não foram
suficientes, porque ainda é possível perceber um “encalhe” gigantesco de pro-
cessos a serem julgados pelos magistrados. Caso as condições estruturais atuais
sejam mantidas, dificilmente ocorrerá, a curto e médio prazo, uma solução para
esses problemas - e os processos continuarão a tramitar com extrema lentidão.
O que se pode concluir, ao final, é que a morosidade do procedimento,
seu excesso de formalismo e a gama de recursos disponíveis não são os fatores
principais causadores da lentidão do sistema judiciário, já que, como exposto
acima, se uma decisão é proferida com debate e respeito ao processo constitu-
cional, diminui-se o número de recursos ou sua chance de êxito. Ao contrário
do que se pensa, reitera-se, o uso dos princípios constitucionais não gera retardo
procedimental, posto que um processo que não respeita esses princípios será
um processo mal instruído e consequentemente levará mais tempo para ser
solucionado.
O Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015), Lei nº 13.105/2015, foi
visto como um possível instrumento que poderia dar solução ao problema da
morosidade nas demandas, mas, em decorrência da complexidade que envolve
uma entrega mais célere da tutela jurisdicional, essa mudança legislativa certa-
mente não levará aos resultados desejados, já que não abarca questões de maior
impacto no tempo processual.
Medidas como a assunção de competência e o incidente de resolução de
demandas repetitivas foram tratadas no CPC/2015 de modo a dar rapidez aos
processos individuais, deixando os Tribunais com maiores poderes de decisão.
No entanto, para as demandas que não envolvem questões de direito, continua
o hiato de tempo gigantesco entre início e término do procedimento, no qual a
parte, ao receber o direito que foi pedido, não consegue usufruir dele.
Muito embora o CPC/2015 não tenha sido o foco deste trabalho, não há
como deixar de citá-lo, pois o legislador, por meio dele, evidenciou pelo menos
sua intenção de tentar resolver a situação discutida neste trabalho. Somente as
questões de edição e modernização das leis não serão suficientes para solucionar
105
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
9
Art. 93 da CR/88. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes princípios: XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será
proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população (BRASIL, 1988).
10
Fenômeno da pós-modernidade.
106
O tempo da demanda deveria ter sido otimizado, pela desnecessidade de
rotinas inexistentes no processo eletrônico. Entre elas, pode-se citar a juntadas
de petições e decisões, inclusive dos tribunais, formação de autos, recursais ou
não, e devolução dos feitos das demais instâncias para as Comarcas de origem.
Pode-se inserir no processo eletrônico funcionalidades capazes de agilizar os
trâmites e a apreciação de peças processuais, como a prioridade concedida aos
idosos, enfermos e as tutelas provisórias de urgência (cautelares e antecipatórias),
respectivamente. No entanto, não é isso que vem ocorrendo, pois, a falta de
condições laborais dos magistrados, número precário de juízes e a dificuldade
de leitura dos documentos eletrônicos demonstra a maior necessidade de capital
humano para lidar com os processos eletrônicos.
No entanto, o processo eletrônico provavelmente irá reduzir a necessidade
de servidores públicos, antes destinados ao atendimento de advogados, à conta-
gem de prazos processuais e à movimentação interna dos autos nas Secretarias
dos Juízos, mas isso não é suficiente para outorgar a celeridade procedimental
que a sociedade almeja.
No entanto, é inegável que a atividade judiciária virtual gera menor im-
pacto ao meio ambiente, de modo sustentável, em benefício do jurisdicionado,
das gerações atuais e futuras, acaso os envolvidos na tutela jurisdicional não
imprimam os documentos para facilitar a leitura.
Nesse interim, o processo eletrônico possibilita maior acesso ao Poder
Judiciário, demandando então a majoração de recursos humanos qualificados
(especialmente magistrados e escrivães, todos com conhecimento tecnológico
e sobre os procedimentos aplicáveis às ações), para garantir o cumprimento do
princípio da sustentabilidade e do direito fundamental à razoável duração dos
processos.
REFERÊNCIAS
107
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos, 11. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2012.
108
________. TEIXEIRA, Ludmila Ferreira. Acesso à justiça democrático.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
109
NOVO DELINEAMENTO DA CONEXÃO
1 INTRODUÇÃO
2 DA MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA
111
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
ficação de competência. Não esgota todas nessa parte, uma vez que o art. 65,
por exemplo, inserido na Seção seguinte, cuida da prorrogação por ausência de
preliminar de incompetência relativa.
A prorrogação da competência pode ser legal ou voluntária. Essa decorre
da vontade das partes, e, aquela, de imposição da própria lei. Em ambos os ca-
sos, ressalte-se, é preciso que a competência seja relativa. O juiz absolutamente
incompetente não poderá atuar no caso, por vedação expressa da lei. Assim
sendo, a flexibilização, em se tratando de competência, só pode atingir a relativa.1
As razões que justificam essa modificação são das mais variadas ordens: (i)
prestigiar a autonomia privada das partes; (ii) punir ou compreender o silêncio
do réu; (iii) evitar a possibilidade de existirem decisões conflitantes; e, até mesmo,
(iv) imprimir maior efetividade nos processos, evitando e impedindo a prática
de atos desnecessários.
2.1 CONEXÃO
2.2 CONTINÊNCIA
A doutrina traz uma exceção a essa regra geral: “As hipóteses de prorrogação de competência previstas pelo
1
Código de Processo Civil aplicam-se exclusivamente às regras de competência relativa, que, justamente
por serem de natureza dispositiva, admitem o afastamento de sua aplicação no caso concreto. A exceção
fica por conta da tutela coletiva, que permite a reunião de demandas conexas mesmo com a determinação
de competência absoluta do local do dano” (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual
civil,7. ed. São Paulo: Método, 2015, item 4.7.1. Vital Source Bookshelf Online).
112
continência entre ambas era possível, mas essa nova solução, de se extinguir uma
delas, sem dúvida é algo novo.
A ideia é boa, mas por certo gerará problemas, e, para tanto, vamos nos
valer de dois exemplos bem práticos. No primeiro, imaginemos que a ação que
será extinta é a primeira que foi proposta. Ora, tendo em vista que juros e correção
monetária têm, como termo inicial, muitas vezes, a data da propositura da ação
ou a data da citação, como será resolvida essa questão? No segundo, quem é que
arcará com as despesas processuais, tais como custas e honorários sucumbenciais,
na ação que será extinta com base no art. 57?
Por fim, cumpre lembrar que é possível a ocorrência de litispendência
parcial, e que ela não se confunde com a continência, devendo, pois, merecer o
tratamento próprio e correto para a sua resolução.2
2.3 PREVENÇÃO
Cf. VILHENA, Paulo Emílio de Andrade. Conexidade pela “causa excipiendi” e individuação da causa.
2
113
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Sobre o tema, confira-se: BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem: nos termos da Lei n.
3
114
assim, insistir em ir ao Judiciário, deverá o réu arguir, em sede de preliminar na
contestação, a existência da convenção arbitral, sob pena de preclusão. É o que
dispõe o § 6º do art. 337: “a ausência de alegação da existência de convenção
de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição
estatal e renúncia ao juízo arbitral”. Trata-se de positivação daquilo que já era
entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Não é simples trabalhar com conexão de forma isolada, tanto é que Cân-
dido Rangel Dinamarco assevera que “[...] a conexidade é uma categoria jurí-
dico-processual de tanta amplitude, que conceitualmente é capaz de abranger
em si todas as demais modalidades de relações entre demandas. No confronto
com ela, cada uma destas está em relação de especialidade: na figura genérica
da conexidade acomodar-se-iam todas as demais, não fossem as notas específicas
de cada uma e os tratamentos diferenciados que a lei lhes dá (prejudicialidade,
continência etc.)”.4
O art. 55 do novo CPC preceitua que “reputam-se conexas 2 (duas) ou
mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”.
Ao comentar o art. 103 do CPC/1973, cuja redação sobre conexão é
idêntica à atual, Celso Agrícola Barbi afirma que a lei não está errada, mas é
incompleta, na medida em que “[...] a falha da lei está em que a hipótese prevista
é aquela uma, entre as várias em que ocorre a conexão”.5 O doutrinador ainda
cita como outras hipóteses de conexão as seguintes situações: (i) quando entre as
causas há relação de acessório à principal; (ii) quando uma das partes denuncia
a lide a outrem; (iii) quando o réu age em reconvenção; e (iv) quando uma das
partes propõe a declaratória incidental.6
4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. v. 2, p. 149. Essas outras modalidades às quais o autor se refere são as seguintes: continência,
prejudicialidade, subsidiariedade, mera afinidade, principal e acessória, sucessividade.
5
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
v. 1, p. 284. Nesse sentido: OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT,
1994, p. 61; SILVA, Edward Carlyle. Conexão de causas. São Paulo: RT, 2006, p. 87-88.
6
Cf. BARBI, op. cit.,p. 284. Outros casos específicos de reunião de ações podem ser vislumbrados na seguinte
obra: LOPES, João Batista. A conexão e os arts. 103 e 105 do CPC. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.
707, set./1994, p. 37-39.
115
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
3.2 REQUISITOS
A lei apresenta dois requisitos alternativos para que possa ocorrer a cone-
xão, quais sejam, identidade de causa de pedir ou de objeto.
A causa de pedir pode ser dividida em remota ou próxima. A causa de
pedir remota refere-se aos fundamentos de fato; a causa de pedir próxima diz
respeito aos fundamentos de direito.
O objeto também comporta uma divisão, podendo ser imediato ou me-
diato. O objeto imediato é o pedido de tutela jurisdicional. No processo de
conhecimento, por exemplo, pode ser uma sentença declaratória, constitutiva
ou condenatória. O objeto mediato é o bem da vida que se pretende com a
sentença ou mesmo com a tutela antecipada antecedente estabilizada.
Desse modo, para que duas ou mais causas possam ser definidas como
conexas, basta que haja coincidência entre a causa de pedir ou o objeto. O ob-
jeto precisa ser o mediato, sem dúvida.9 Já em relação à causa de pedir, pode ser
tanto a próxima, quanto a remota, ou, até mesmo, as duas. Conforme se extrai
da doutrina de Athos Gusmão Carneiro,
7
Nesse sentido: OLIVEIRA NETO, op. cit., p. 82-107.
8
Nesse sentido: “No caso dos autos, o Tribunal a quo reconheceu a existência da conexão entre as ações,
tendo em vista que o resultado da ação de prestação de contas poderá produzir efeitos diretos na ação de
cobrança, ficando, pois, configurada a relação de prejudicialidade entre elas” (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 565.190-PR, Quarta Turma. Relator:
Min. Raul Araújo. Brasília, 23 de setembro de 2014. Diário de Justiça: 23 out. 2014).
9
Nesse sentido: BARBI, op. cit., p. 161.
116
-lo quando necessário para evitar decisões eventualmente
contraditórias (art. 105).10
10
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 103. Nesse
sentido: BARBI, op. cit., p. 160; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de
processo civil, 16. ed. São Paulo: RT, 2016. v. 1, p. 162. Em sentido contrário: DALL’AGNOL, Antônio.
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. v. 2, p. 39; BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 91.138-MG, Terceira Turma. Relator:
Min. Sidnei Beneti. Brasília, 22 de maio de 2012. Diário de Justiça: 31 maio 2012; BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 31.516-SP, Quarta Turma. Relator: Min. Jesus Costa Lima. Brasília,
7 de agosto de 1995. Diário de Justiça: 28 ago. 1995.
11
Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 753.638-
DF, Terceira Turma. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Brasília, 3 de dezembro de 2007. Diário
de Justiça: 12 dez. 2007, p. 415; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em
Recurso Especial nº 119.985-GO, Quarta Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, 14 de agosto
de 2012. Diário de Justiça: 22 ago. 2012; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência
nº 126.681-RJ, Segunda Seção. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 13 de agosto de 2014. Diário de
Justiça: 19 ago. 2014; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 780.509-MG, Quarta
Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Brasília: 25 de setembro de 2012. Diário de Justiça: 25 out. 2012;
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.226.016-RJ, Terceira Turma. Relator: Min.
Nancy Andrighi. Brasília, 15 de março de 2011. Diário de Justiça: 25 mar. 2011.
12
Sobre a intensidade da conexão, confira-se: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 235-238. Sobre o referido cuidado que
acabamos de mencionar, tome-se como exemplo o seguinte aresto, no qual foi decretada a existência de
litispendência mesmo sem que as partes fossem exatamente as mesmas: BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça REsp n. 1.120.000-SP, Primeira Turma. Relator: Min. Benedito Gonçalves. Brasília, 17 de agosto
de 2010. Diário de Justiça: 3 set. 2010. A decisão, no nosso sentir, está correta, pois observou-se o espírito
da norma, bem como quem é a verdadeira parte no mandamus.
117
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Se é certo que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título não inibe o direito do
credor de promover-lhe a execução (CPC, art. 585, § 1º), o inverso também é verdadeiro: o ajuizamento da
ação executiva não impede que o devedor exerça o direito constitucional de ação para ver declarada a nulidade
do título ou a inexistência da obrigação, seja por meio de embargos (CPC, art. 736), seja por outra ação
declaratória ou desconstitutiva. Nada impede, outrossim, que o devedor se antecipe à execução e promova,
em caráter preventivo, pedido de nulidade do título ou a declaração de inexistência da relação obrigacional.2.
Ações dessa espécie têm natureza idêntica à dos embargos do devedor, e quando os antecedem, podem
até substituir tais embargos, já que repetir seus fundamentos e causa de pedir importaria litispendência.3.
Assim como os embargos, a ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo representa forma de
oposição do devedor aos atos de execução, razão pela qual quebraria a lógica do sistema dar-lhes curso
perante juízos diferentes, comprometendo a unidade natural que existe entre pedido e defesa. 4. É certo,
portanto, que entre ação de execução e outra ação que se oponha ou possa comprometer os atos executivos,
há evidente laço de conexão (CPC, art. 103), a determinar, em nome da segurança jurídica e da economia
processual, a reunião dos processos, prorrogando-se a competência do juiz que despachou em primeiro lugar
(CPC, art. 106). Cumpre a ele, se for o caso, dar à ação declaratória ou anulatória anterior o tratamento
que daria à ação de embargos com idêntica causa de pedir e pedido, inclusive, se garantido o juízo, com a
suspensão da execução” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 38.045-MA,
Primeira Seção. Relator. Min. Teori Albino Zavascki. Brasília: 12 de novembro de 2003. Diário de Justiça:
9 dez. 2003, p. 202). Existia entendimento em sentido contrário, porém, era minoritário. Apenas a título
exemplificativo, confira-se: “- Não há que se falar em conexão entre processo de conhecimento e processo
de execução. Aquele depende de conhecimento de mérito, este não. - Apesar das ações serem fundadas em
um mesmo contrato celebrado entre as partes, não existe risco de decisões conflitantes. - Enuncia o artigo
585, §1°, do CPC: ‘a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não
inibe o credor de promover-lhe a execução’” (MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado.
Agravo de Instrumento nº 1.0210.11.004862-1/002, Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Des. Batista
de Abreu. Belo Horizonte, 13 de novembro de 2014. Diário de Justiça: 24 nov. 2014).
118
Existem, destarte, duas situações distintas e objetivas de conexão. Na
primeira, basta que exista uma execução de título executivo extrajudicial e uma
ação de conhecimento visando invalidar, modificar ou desconstituir o referido
título.14 Na segunda, é preciso que haja mais de um procedimento executivo
fundado no mesmo título executivo, v.g., sendo um para pagamento de quantia
certo e o outro para obrigação de fazer.15
Observe-se, no entanto, que o legislador afirmou que, nos dois casos do §
2º do art. 55, há conexão. Em outras palavras, não foi dito, pelo novo CPC, que
nas hipóteses do referido § 2º deveria sempre ocorrer o apensamento das ações.
Conforme já explanado anteriormente, a reunião de ações conexas é um efeito
da conexão, contudo, que só deve ocorrer se existir o risco, por menor que seja,
de serem proferidas decisões contraditórias. Desse modo, podemos concluir que
o disposto no § 2º do art. 55 está sujeito ao crivo do regramento previsto no §
3º do art. 55, ou seja, somente diante da ameaça de serem prolatados pronun-
ciamentos judiciais conflitantes é que se justificará a reunião das ações conexas.16
14
Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC nº 38.045-MA.
15
Nesse sentido: MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº
1.0687.14.000222-5/001, Sétima Câmara Cível. Rel. Des. Peixoto Henriques. Belo Horizonte, 26 de
maio de 2015. Diário de Justiça: 1º jun. 2015.
16
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 232-233.
17
Apenas por curiosidade, recentemente o STJ foi provocado, por meio de Petição, a atribuir efeito suspensivo
a recurso especial interposto e já admitido, mas que ainda não tinha chegado a essa Corte. A base legal foi o
art. 1.029, § 5º, I, do novo CPC. O objeto do recurso especial é, justamente, a existência de duas decisões
judiciais contraditórias. Seguem os dados da decisão monocrática: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Pet. nº 11.399-SP, Quarta Turma. Relator: Min. Marco Buzzi. Brasília, 14 de abril de 2016. Diário de
Justiça: 19 abr. 2016.
119
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
por danos morais oriundas do mesmo atraso de voo. A causa de pedir é, sem
dúvida, a mesma, no entanto, pouco importa, para o Direito, se João terá êxito
na sua lide, e Maria, por outro lado, não, por entender o juiz que o dito atraso
não é ato ilícito, mas, sim, mero aborrecimento. É claro que é desagradável tal
situação, especialmente se as partes se conhecem, contudo, essa diferença de
resultados nos dois processos, um com resultado de procedência e o outro com
decisão de improcedência, com lastro na mesma causa de pedir, não pode ser
vista, para os fins almejados e pensados para o § 3º do art. 55 do novo CPC,
como decisões logicamente conflitantes. As decisões logicamente contraditórias
são aquelas inconvivíveis dentro do mesmo ordenamento.
Sabendo dessa particularidade, disse o legislador no § 3º do art. 55 do
novo CPC que: “[...] serão reunidos para julgamento conjunto os processos que
possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso
decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
Conforme bem ponderou Guilherme Rizzo Amaral,
18
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 113.
19
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 53.
20
DINAMARCO, op. cit., p. 151.
120
3.3.4 REUNIÃO DE AÇÕES EM QUE NÃO HÁ CONEXÃO
121
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
21
É possível sustentar o contrário, especialmente no primeiro exemplo.
22
BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 115.
23
Isso, nada mais é, daquilo que a doutrina costumava denominar de afinidade. Nesse sentido, confira-se: “[...]
a afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito é uma relação tênue de semelhança
entre duas ou mais demandas. É uma conexidade degradada, de intensidade menor, caracterizada por uma
causa petendi parcialmente igual, mas que não chega ao ponto de ser a mesma. Basta que lhes seja comum
o fundamento na mesma disposição de lei ou a alegação de um fato-base do qual hajam decorrido crédito
ou prejuízos para mais de uma pessoa. Exemplo típico é o caráter lesivo de um medicamento, que pode
ser alegado por um grande número de consumidores...” (DINAMARCO, op. cit., p. 151). No entanto,
quando escreveu sobre isso à luz do CPC/1973, o mesmo autor disse que “[...] a mera afinidade não é
fator de prorrogação da competência, nem de admissibilidade da reconvenção, nem da reunião de causas
propostas separadamente” (Ibid., p. 152).
24
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil.
São Paulo: RT, 2015, p. 340. Apenas para elucidar o leitor, no denominado coment. 2 referido na citação,
os dois doutrinadores estão discorrendo sobre os requisitos da conexão, quais seja, causa de pedir ou objeto.
Nesse mesmo sentido, entendendo ser, de certa forma, desnecessária essa expressão final do § 3º do art. 55.
122
3.3.5 OBRIGATORIEDADE DO JUIZ?
Disse o autor: “a pergunta é: por que será que existe risco de sobrevirem decisões incompatíveis entre duas
ou mais demandas não afins, idênticas ou relacionadas por continência? A resposta, simples, é a existência
de algum tipo de conexidade (por identidade ou por oposição) entre elas. A circunstância de esses tipos de
vínculos lógico-conectivos não virem ‘batizados’ pelo Código altera em nada a realidade das coisas, não,
ao menos, no altiplano dos conceitos lógico-jurídicos” (OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Comentários ao
art. 55 do CPC/2015. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 224-225).
25
Nesse sentido: “2. Segundo a jurisprudência desta Corte, a reunião dos processos por conexão configura
faculdade atribuída ao julgador, sendo que o art. 105 do Código de Processo Civil concede ao magistrado
certa margem de discricionariedade para avaliar a intensidade da conexão e o grau de risco da ocorrência
de decisões contraditórias. 3. Justamente por traduzir faculdade do julgador, a decisão que reconhece a
conexão não impõe ao magistrado a obrigatoriedade de julgamento conjunto. 4. A avaliação da conveniência
do julgamento simultâneo será feita caso a caso, à luz da matéria controvertida nas ações conexas, sempre
em atenção aos objetivos almejados pela norma de regência (evitar decisões conflitantes e privilegiar a
economia processual). 5. Assim, ainda que visualizada, em um primeiro momento, hipótese de conexão
entre as ações com a reunião dos feitos para decisão conjunta, sua posterior apreciação em separado não
induz, automaticamente, à ocorrência de nulidade da decisão” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça,
Recurso Especial nº 1.255.498-CE, Terceira Turma. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 19
de junho de 2012. Diário de Justiça: 29 ago. 2012). Confiram-se, ainda: RTJ 104/700, RT 569/216, RT
493/137, RT 499/222 e RT 600/194.
26
Cf. “Apesar de toda a ênfase que o Código de 2015 confere à conveniência de uniformidade nas decisões
judiciais e à sua coerência, o que se exterioriza nos diversos mecanismos que prestigia ou institui para a
consolidação da jurisprudência, é inevitável que a decisão sobre a reunião de ações conexas fique sempre
submetida a um preponderante juízo de utilidade, ou seja, de conveniência e oportunidade, com caráter
preponderantemente discricionário. Por outro lado, nenhuma sinalização suficientemente enfática dessa
suposta obrigatoriedade se encontra no Código de 2015 quando trata dos pressupostos de validade do
123
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
processo ou do tema das invalidades processuais. Isso significa que, mesmo em hipóteses em que o legislador
é expresso, como as do § 2º do artigo 55, em recomendar a reunião de ações no mesmo processo, há um
largo espaço para deixar de aplicar tal recomendação, tendo em vista inúmeros fatores, como o estágio
em que se encontre um ou outro processo, a maior necessidade ou utilidade de associar a solução de um
a do outro, a excessiva morosidade ou onerosidade que poderão decorrer dessa reunião. Não se pode
esquecer, ademais, que a reunião de ações conexas implicará cumulação de ações no mesmo processo, cujos
pressupostos, de que trataremos mais adiante no item 8.7, poderão impedir, sob pena de nulidade, essa
reunião” (GRECO, op. cit., item 7.3).
27
Cf. BERALDO, op. cit., p. 395-397.
124
o juízo prevento. Esse dispositivo, entretanto, não foi repetido pelo novo CPC.
Apesar dessa supressão legislativa, consideramos que o seu espírito permanece
vivo dentro do Código. Nesse caso, nos casos de conexão, continência e nas
ações que tenham risco de ter decisões conflitantes, dever-se-á reuni-las, se for
o caso, perante o juízo prevento, ex vi do disposto no art. 58 do novo CPC.28
A conexão tem natureza de matéria de ordem pública, logo, pode ser ar-
guida a qualquer tempo e grau de jurisdição,29 por todos os sujeitos do processo,
inclusive ex officio pelo magistrado. No entanto, o momento mais oportuno para
se apresentar essa defesa processual dilatória é em preliminar na contestação (art.
337, VIII, do novo CPC).
Como no novo CPC a apresentação da contestação ficou postergada,
como regra geral, para depois da audiência de conciliação ou de mediação do
art. 334, nada impede que a parte interessada em imprimir maior celeridade às
ações conexas peticione, tão logo tenha conhecimento do fato, e peça ao juiz
que apense as ações conexas (se estiverem no mesmo juízo) ou, então, decline de
sua competência para o juízo prevento onde já tramita uma das ações conexas
(se estiverem em varas distintas).
É oportuno registrar que o pedido de reunião de ações que não sejam
conexas entre si, mas que contenham o risco de produzir decisões contraditórias,
conforme disposição do § 3º do art. 55 do novo CPC, pode se dar a qualquer
momento. É verdade que o novo CPC não trouxe qualquer tipo de regra sobre
isso, porém, defendemos essa tese aplicando-se, analogicamente, as disposições
sobre conexão.
A base legal para o conhecimento da alegação de reunião de feitos em razão
da não observância do § 3º do art. 55, a qualquer tempo e grau de jurisdição,
O entendimento quase unânime é no sentido de que não se pode arguir tais vícios, em sede de recursos
29
especial ou extraordinário, se não tiver havido o devido prequestionamento. Isso porque, tanto o STJ quanto
o STF, não podem ser vistos como tribunais de terceira instância. A função de ambos, em linhas gerais,
é zelar pela correta aplicação da lei federal e da CF/88. Desse modo, não se pode alegar algum vício no
processo sem que a matéria tenha sido previamente debatida. Em suma, o efeito translativo não se aplica
às cortes superiores, salvo se o respectivo recurso tiver sido admitido pelo tribunal superior em questão.
Nessa hipótese, o efeito devolutivo engloba as questões de ordem pública. Nesse sentido: BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 869.534-SP, Primeira Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki.
Brasília, 27 de novembro de 2007. Diário de Justiça: 10 dez. 2007, p. 306; BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial nº 789.062/MG, Segunda Turma. Relator: Min. Castro Meira. Brasília, 28
de novembro de 2006. Diário de Justiça: 11 dez. 2006, p. 343.
125
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
está no § 3º do art. 485 do novo CPC.30 No nosso sentir, esse assunto deve ser
enquadrado dentro do inciso IV do art. 485, isto é: “[...] verificar a ausência de
pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”.
Assim, sempre que o § 3º do art. 55 for violado ou estiver correndo algum risco
iminente de assim o ser, é porque há algum problema de competência do juízo,
devendo, pois, ser corrigido.31
Com efeito, também faz-se mister salientar que o não apensamento de
ações, conexas ou não, e que apresentem risco iminente de produzir decisões
conflitantes, por si só, não pode gerar invalidades no processo. Como diz o jargão
jurídico, “não há nulidade sem prejuízo”. Por conseguinte, a parte interessada
em arguir o erro ao não se deferir o pedido de reunião de ações, bem como pelo
não apensamento por omissão das partes ou do juiz (sem pedido expresso), com
esteio no § 3º do art. 55, deverá demonstrar o seu efetivo ou iminente prejuízo,
sob pena de não lograr êxito nesse pleito.
O STJ, aliás, já teve a oportunidade de julgar o tema e assim decidiu:
“assim, ainda que visualizada, em um primeiro momento, hipótese de conexão
entre as ações com a reunião dos feitos para decisão conjunta, sua posterior
apreciação em separado não induz, automaticamente, à ocorrência de nulidade
da decisão. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima pas de
nullité sans grief, segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo, aplicável
inclusive aos casos em que processos conexos são julgados separadamente”.32
4 RECURSO CABÍVEL
30
Cf. § 3º do art. 485. “O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em
qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”.
31
Nesse sentido: NEVES, op. cit., item 4.7.2.1.4.
32
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.366.921-PR, Terceira Turma. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 24 de fevereiro de 2015. Diário de Justiça: 13 mar. 2015.
126
omissão, obscuridade, contradição ou erro material; (ii) apresentar pedido de
reconsideração, se os aclaratórios não forem cabíveis; (iii) impetrar mandado de
segurança, caso a decisão seja ilegal e exista direito líquido e certo;33 e, (iv) ques-
tionar a validade ou o mérito da dita decisão, na apelação ou nas contrarrazões,
se não existir urgência e for possível esperar a sentença.
Em relação ao rol exaustivo do art. 1.015, é uma pena que ali não conste,
como hipótese de cabimento de agravo de instrumento, as decisões do juiz de
primeira instância que versarem sobre competência. Além de ser mais eficaz
para o processo a imediata resolução de questões desse jaez, certamente não im-
pactariam, de forma negativa, o volume do número de processos nos tribunais.
Antes de adentrarmos na parte recursal, cumpre salientar que, nos termos
do § 3º do art. 64 do novo CPC, “caso a alegação de incompetência seja acolhida,
os autos serão remetidos ao juízo competente”. E, segundo o parágrafo único do
art. 66 do novo CPC, “o juiz que não acolher a competência declinada deverá
suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo”. Apesar de não ser recurso,
as decisões judiciais em matéria de competência podem, em alguns casos, serem
objeto de conflito de competência, que é um procedimento, já do conhecimento
de todos os que trabalham com o direito processual civil, e que será julgado pelo
tribunal competente. Suas hipóteses de cabimento estão previstas no art. 66 e
o seu procedimento está regulamentado pelos arts. 951 a 959 do novo CPC.
Assim, não caberá agravo de instrumento contra as decisões interlocu-
tórias que acolherem ou rejeitarem pedidos de reunião de feitos por conexão,
continência e prevenção. Também não será viável tal recurso se o juiz rejeitar
preliminar na contestação de incompetência absoluta ou relativa.
Sobre a preliminar de existência de convenção de arbitragem, se for rejei-
tada caberá o agravo de instrumento (art. 1.015, III); se for acolhida, o processo
será extinto por sentença (art. 485, VII), logo, desafiará apelação. É possível,
todavia, que o juiz rejeite em parte a preliminar de convenção de arbitragem,
caso, por exemplo, entenda que apenas parte da lide judicial esteja acobertada pela
convenção arbitral.34 Nessa hipótese, entendemos ser admissível a interposição
de agravo de instrumento com fulcro no inciso III do art. 1.015.
33
Nesse sentido: “A irrecorribilidade, in casu, traz como consequência a possibilidade do mandado de segurança
se a parte se sentir violada pela decisão do relator, sempre que se puder nela divisar ilegalidade ou abuso
de poder” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p. 84).
34
Isso decorre de as partes poderem estabelecer, por meio de cláusula compromissória ou de compromisso
arbitral, que apenas parte do contrato (indicando qual é) está sujeito à resolução por meio de arbitragem.
127
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
REFERÊNCIAS
LOPES, João Batista. A conexão e os arts. 103 e 105 do CPC. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 707, set./1994.
128
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT,
1994.
________. Curso de direito processual civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. 1.
129
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E O NOVO CPC:
valorização da advocacia
1 INTRODUÇÃO
Muito se tem dito que o novo Código de Processo Civil – CPC (Lei n.
13.105, de 16 de março de 2015) é um marco histórico das conquistas da ad-
vocacia brasileira. Primeiro diploma civil-processual sancionado em um regime
democrático no País, traz uma concepção democratizante acerca dos processos
judiciais, das partes e dos sujeitos que atuam no processo, através de princípios
que buscam reduzir a litigiosidade, efetivar a celeridade processual, desburo-
cratizar os procedimentos, e, sobretudo, garantir os direitos fundamentais de
todos os cidadãos envolvidos na prestação jurisdicional. Quanto à advocacia,
em seu favor revertem valiosas aquisições. Dentre as mais relevantes, podemos
destacar as disposições normativas sobre os honorários sucumbenciais, inovação
paradigmática do novo Código.
Essa matéria era tratada, pelo Código de 1973, de maneira escassa, flagran-
temente insuficiente. Agora, a novel legislação cuidou de dispensar-lhe tratamento
minucioso e exaustivo, ao resolver várias controvérsias que afloraram nas mais
de quatro décadas de vigência do CPC/73, muitas sequer solucionadas pelos
tribunais. É reconhecida uma clara intenção do legislador de tutelar a dignidade
dos honorários, proscrevendo seu aviltamento – intenção que cumula, afinal, na
tutela da dignidade dos próprios advogados e do sistema de Justiça, haja vista
a indispensabilidade da advocacia para o Estado democrático de direito, nos
termos do art. 133 da Constituição.
*
Advogado. Vice-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor da Escola
Superior Dom Helder Câmara. Mestre em Direito. Doutorando em Direito na Universidade Autônoma
de Lisboa.
131
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Art. 22, § 3º do EAOAB: “Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do
1
132
ii) Os honorários sucumbenciais são praticáveis pela imposição de que,
em um processo, a parte vencida deva pegar um valor ao advogado da parte
vencedora. São fixados pelo juiz que presidiu o processo e, apesar de não serem
tabelados, devem variar entre 10% e 20% sobre o valor da condenação (art. 85,
§ 2º do novo CPC e art. 20, § 3º do antigo CPC). Conforme art. 85, § 1º do
novo CPC, “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumpri-
mento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos
recursos interpostos, cumulativamente”.
iii) Os honorários arbitrados judicialmente são praticados quando o ad-
vogado e o cliente não combinam previamente os honorários contratuais ou
discordam após uma combinação verbal. Nessa situação, um juiz analisa o caso
e fixa um valor que entende como correto, tendo em vista o valor do trabalho, o
valor econômico da questão e os limites da tabela de honorários da OAB. Deve o
advogado renunciar previamente ao mandato que recebera do cliente em débito,
fazendo-se representar por um colega (art. 43 do CED).
No que respeita aos honorários sucumbenciais – que são, precisamente, o
escopo desta explanação – note-se que são independentes daqueles convencionais,
de maneira que o profissional poderá receber ambos. Esse tipo de honorário tem
como norte a aplicação associada dos equilaterais princípios da sucumbência e da
causalidade. O princípio da sucumbência determina que “quem perdeu, paga”.
Normalmente, constata-se que o sucumbente foi o responsável pela propositura
da ação, foi quem criou um problema sem o qual a ação não teria existido, e,
por essa razão, deve ser condenado a pagar os honorários do advogado da parte
oposta, na proporção mesma em que deu causa à litigância. Aqui aparece o prin-
cípio complementar da causalidade, segundo o qual a verba honorária deverá ser
paga por aquele que causou os motivos de propositura da ação.
No entanto, é possível, em contrário à regra, que a parte responsável pela
existência da causa seja a parte vencedora, a qual, apesar de ter triunfado na
demanda, motivou por atitude própria que o problema tenha surgido. Como
exemplo, temos o caso de “perda de objeto processual”, em que o interesse pro-
cessual da parte se perde por ato praticado pela outra (ver art. 85, § 10: “Nos
casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao
processo”). Nesses casos, será o vencedor (e não o sucumbente) quem pagará
os honorários advocatícios, hipótese em que os princípios da sucumbência e
da causalidade se dissociam, este prevalecendo sobre aquele. A esse respeito, a
Corte Especial do STJ editou a Súmula 303: “em embargos de terceiro, quem
deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”. A
lição é desenvolvida em arestos do mesmo tribunal:
133
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
134
de ação autônoma nos casos em que a sentença tenha sido omissa quanto à
condenação (art. 85, § 18).2
No que concerne às questões trazidas a lume pelo novo CPC, em maté-
ria de honorários sucumbenciais, há aquelas que positivaram entendimentos já
cristalizados pelos tribunais à luz do CPC/73 e aquelas que de fato alteraram
os entendimentos emanados pelo CPC/73 e por sua jurisprudência. Exemplos
da primeira categoria são a repetição da regra da causalidade (art. 85, § 10) e a
positivação da cobrança pela sociedade de advogados à qual pertence o patrono
credor (art. 85, § 15), na linha do que já fora entendido pelo STJ (v.g. no AgRg
no REsp 1002817/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
16/12/2008). Aqueles que consideramos os mais relevantes exemplos da segunda
categoria serão expostos logo adiante.
Ficou explicitamente revogada a Súmula n. 453 do STJ, que preconizava: “Os honorários sucumbenciais,
2
quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação
própria”.
135
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
136
aspectos devem ser levados em conta para o ajuste: complexidade do caso, es-
timativa da duração do processo, dedicação ao cliente (se é exclusiva ou não),
tipo de cliente, relevância e valor da causa. Ou, nos termos dos incisos do § 2º
do art. 85 do novo CPC (repetição do art. 20, § 3º do CPC/73): o grau de zelo
do profissional (inc. I), o lugar de prestação do serviço (inc. II), a natureza e a
importância da causa (inc. III), e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço (inc. IV). O CED, ao estipular que os honorários
sejam fixados com moderação, requer o atendimento dos seguintes elementos
(art. 49 e incisos):
conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito”.
137
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
/73: “Nas ações de valor inestimável ou pequeno, bem como naquelas em que
for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciação
equitativa do juiz (...)”. Esse parágrafo autorizava o juiz a fixar verba honorária
sem levar em conta os parâmetros indicados pelo §3º do mesmo artigo. O novo
Código diminuiu drasticamente o espaço de discricionariedade – e, por vezes,
arbitrariedade – do magistrado para fixar o quantum remuneratório devido ao
advogado, circunstância comum quando a Fazenda Pública era parte vencida.
Sob a vigência do antigo estatuto processual, eram comuns iniquidades, como
a fixação de valores completamente irrisórios para o advogado.
Duas foram as alterações notáveis nesta matéria: primeiramente, a adoção
de um critério único de cálculo para todas as causas em que a Fazenda Pública
for parte, aplicada indistintamente a ela e à parte contrária; e, em segundo lugar,
o abandono do critério de equidade através da adoção de percentuais objetivos
sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte ven-
cedora (THEODORO JR., 2015, p.478).
No § 3º do art. 85 há o estabelecimento de critérios objetivos que desacon-
selham, a um só tempo, o aviltamento e o arbitramento em patamares astronô-
micos dos honorários, buscando trazer equilíbrio e justeza ao cálculo. In litteris:
138
Na mesma linha, o §4º do art. 85 dispõe que, em qualquer das hipóteses
do §3º, os percentuais previstos devem ser aplicados desde logo quando for lí-
quida a sentença(inc. I); não sendo líquida a sentença, a definição do percentual
somente ocorrerá quando liquidado o julgado (inc. II); não havendo condena-
ção principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a
condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa ( inc. III);
e será considerado o salário mínimo vigente quando prolatada sentença líquida
ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação (inc. IV).
Outra inovação interessante foi a inserção de uma regra de cumulatividade
de critérios. Conforme o §5º do art. 85:
139
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
140
f ) Passa a ser vedada expressamente a prática da compensação de hono-
rários na sucumbência recíproca, a qual era ordenada pelo art. 21 do CPC/73
e reconhecida jurisprudencialmente (ver Súmula n. 306 do STJ).4 Na época
de edição daquele Código, entendia-se (equivocadamente) que os honorários
deveriam reverter-se em favor da parte, compreensão que ficou de vez obsoleta
com a promulgação do art. 23 do EAOAB, não obstante a negligência do STJ
em levá-lo devidamente em consideração. Revoga-se essa interpretação com o
fundamento de que os valores constituem direito autônomo do advogado, e não
da parte, e não podem ser dispostos ou negociados por esta. Na dicção do art. 85,
§ 14, parte final, é “[...] vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
A sucumbência parcial refere-se à hipótese em que ambas as partes são,
concomitantemente, derrotadas e vencedoras, cada qual tendo seu pedido apenas
parcialmente julgado procedente. Não mais se considera lícito que o crédito dos
honorários de sucumbência possa ser utilizado para arcar com a dívida da parte
com o advogado da outra parte, já que, para haver compensação, “é preciso haver
dívidas recíprocas, o que não ocorre entre os advogados que patrocinam causas
em que cada litigante é em parte vencedor e em parte vencido” (LAMACHIA,
2015, p. 50).
Afinal, ao proceder à compensação à luz do EAOAB, o magistrado estava
dispondo de direito alheio às partes processuais. Em conformidade com o art. 368
do Código Civil, para haver compensação, é necessário que sejam concorrentes na
mesma pessoa as figuras de credor e devedor: “Se duas pessoas forem ao mesmo
tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde
se compensarem”. Não é esse o caso na sucumbência recíproca, pois o devedor é
a parte e o credor é o advogado. Entendimento contrário afronta o art. 380 do
Código Civil: “Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro”.
g) Outra controvérsia resolvida pelo novo CPC de maneira inconteste foi
a discussão sobre a quem pertenceriam os honorários sucumbenciais da Fazenda
Pública: se à Entidade ou ao advogado público que atuou na causa. O art. 85, §
19 fixa que “[...] os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência,
nos termos da lei [...]”, reconhecendo aí a igualdade de direito entre advogados
públicos e privados, isto é, a unidade da profissão, em sintonia com o art. 3º, §
1º do EAOAB.5 Ambas as categorias são regidas, afinal, pelo Estatuto da Ad-
4
Súmula n. 306, STJ: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência
recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da
própria parte”.
5
Art. 3º, § 1º do EAOAB: “Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do
regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da
Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”.
141
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
142
Debate importante diz respeito à aplicabilidade do parágrafo aos processos
coletivos, haja vista o teor da Súmula n. 345 do STJ, segundo a qual “são devi-
dos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de
sentença proferida em ações coletivas, ainda não embargadas”. Assim, quando
se tratar de ações coletivas, são devidos honorários no cumprimento de sentença
contra a Fazenda Pública, uma vez que as mudanças na lei processual civil devem
ser interpretadas restritivamente no que se refere à sua aplicação aos processos
coletivos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
143
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
144
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL1
ABSTRACT: This paper deals with the abuse of the Brazilian procedural law
and the technique of repression as a tool to guarantee democracy and the
constitutional process.
1 INTRODUÇÃO
1
Este texto foi adaptado de: SOARES, Carlos Henrique. Abuso del Derecho Procesal Brasileño. In: ________
et al. (coord.). Processo Democrático y Garantismo Procesal. Belo Horizonte: Arraes ; Astrea, 2015, p.
134-151. (cap. 8).
*
Doutor e Mestre em Direito Processual (PUCMinas), Professor da PUCMinas de Direito Processual
Civil, Coordenador de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do IEC/PUCMinas, Professor de Pós-
Graduação em Direito Processual Civil, Escritor, Palestrante. Advogado e Sócio da Pena, Dylan, Soares e
Carsalade - Sociedade de Advogados. E-mail: carlos@pdsc.com.br.
2
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992,
p. 45.
145
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
mediante uma técnica processual, que possibilite uma qualidade nas decisões e
uma repressão ao abuso processual, mesmo não estando diante de um juiz que
concentre os melhores dotes intelectuais.
A expressão abuso de direito é atualmente considerada pelos juristas como
sendo o mau uso ou uso excessivo ou extraordinário do direito. Isso significa que
a expressão abuso do direito nos remete a ideia de que alguém está exercendo
um ato ilícito, em razão de um excesso. Assim, a expressão, de forma isolada,
quer informar ao intérprete que o justo é exercer o direito, nem mais (abuso),
nem menos (aquém).
Etimologicamente, a expressão em latim abusos e abuti não possuíam a
ideia de mau uso, mas significava um uso intenso, um aproveitamento completo
da coisa ou do direito3. Falar em abuso de direito, etimologicamente, significa o
uso completo do direito, em todas as suas formas e modalidades. Ou seja, o uso
intenso do direito. Isso não sofria punição e nem era considerado ilegal.
Em termos atuais, a expressão abuso do direito obteve nova conotação,
significando o excesso dos limites do poder da faculdade (facultas agendi) que o
direito objetivo (normas agendi) confere ao indivíduo, na qualidade de sujeito
de direito (sui iuris)4.
Segundo sustenta Helena Najjar Abdo:
146
2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ABUSO DO
DIREITO
Ibid., p. 37.
6
VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa-fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 163.
7
147
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
ser praticado pelo titular do direito subjetivo; c) que tenha sido excedido
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes e d) que tenha sido o ato ilícito abusivo manifesto.
Assim, verificando a ocorrência desses elementos acima indicados, o agente
(titular do direito subjetivo) causador ficará com a obrigação de indenizar, nos
termos do art. 1878 e 9279 do Código Civil, lembrando que tal indenização,
deve ser medida pela extensão do dano, nos termos do art. 944 do Código Civil10.
8
Brasil. Código Civil, art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
9
Brasil. Código Civil, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
10
Brasil. Código Civil, art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
11
GONÇALVES, op. cit., p. 58.
12
CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso do Direito no Processo Civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1960, p. 88.
13
No direito estrangeiro, verificamos que os países tratam de forma diferenciada a questão do abuso de
148
O Código de Processo Civil de 1973 aboliu a expressão abuso do direito
processual e utilizou a expressão litigância de má-fé e responsabilidade pro-
cessual. Assim, passou a disciplinar do mesmo modo do CPC anterior (1939), o
caráter reprovável dos sujeitos processuais que abusam dos direitos processuais14.
É importante lembrar que violar uma regra de direito processual não é
abusivo per se. Isso significa que a violação de uma norma processual não sig-
nifica o mau uso do direito processual e muito menos pode ser caracterizado
como um ato abusivo. Ou seja, se o recorrente interpõe um recurso ao invés de
outro, isso, por si só não é um ato abusivo, mas somente um ato equivocado, um
erro grosseiro, que não causa prejuízo a parte contrária e nem impede o regular
andamento do processo. No entanto, um ato processual passa a ser abusivo
quando o mesmo recurso, é interposto, não com o fim específico de alterar a
decisão jurisdicional, mas, simplesmente, para retardar ou impedir a execução
ou cumprimento da sentença, com manifesto propósito protelatório.
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, entende que o abuso do direito pro-
cessual possui semelhanças com a fraude processual, mas com ela não se con-
funde. O abuso do direito distingue-se da fraude à lei, embora, se comparadas,
certos traços semelhantes sejam percebidos. Há fraude com a realização, por
meios lícitos, de fins que a lei não permite sejam atingidos diretamente porque
contrários ao seu preceito. No abuso de direito sobressai apenas irregularidade
no seu exercício resultando dano ou constrangimento para terceiro. Enquanto a
sanção, na hipótese de fraude, necessariamente será a nulidade do ato, no abuso
do direito consistirá principalmente, na obrigação de indenizar o prejuízo15.
Pedro de Albuquerque sustenta que o abuso do direito e a litigância de
má-fé não se confundem. Segundo ele, as principais diferenças estariam no fato
de que o abuso do direito possui natureza objetiva e pressupõe a existência de
dano, enquanto para a verificação da má-fé é imprescindível o elemento sub-
direito processual. Na França, por exemplo, existem regras claras e gerais concernentes ao abuso de direito
processual e investindo a corte com o poder de sancionar abusos. Na extremidade oposta, há sistemas
jurídicos internacionais nos quais o direito não fala abertamente do abuso de direito processual, mas
algumas disposições gerais falam de lealdade e honestidade como padrões para a conduta processual das
partes (ver, e.g., art. 88 do Código de Processo Civil italiano). TARUFFO, Michele. Abuso de direitos
processuais: padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral). Revista de Processo, São Paulo.
Ano 34, n. 177, nov. 2009, p. 155.
14
Conforme esclarece Patrícia de Deus Lima, o novo Código de Processo (1973) demonstra a preocupação do
legislador em conferir eticidade ao processo, para ela: “[...] as regras processuais éticas delineariam esboço
muito nítido do princípio da probidade processual, cujos desdobramentos, no processo, fariam de todos
os sujeitos processuais (isto é, juiz, partes, terceiros, auxiliares da justiça, ministério público) seus legítimos
destinatários.” (LIMA, Patrícia Carla de Deus. Abuso do direito e tutela ética do processo. 2006. 231 f.
Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Social) Pontifícia Universidade Católica, Curitiba, 2006,
p. 180).
15
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 34.
149
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
jetivo e a aferição de dano não é essencial16. Isso significa dizer, que no caso de
litigância de má-fé, o importante é a verificação de uma conduta reprovável do
ponto de vista processual e da lealdade processual e da boa-fé, mas se houver
ainda danos ou prejuízos, devem ser indenizados. A litigância de má-fé permite a
punição pelo Judiciário através de multa processual, mas em casos excepcionais,
também a condenação em indenização por danos morais e materiais, nos termos
do Código Civil (art. 927 do CC).
Abusa do direito processual, o sujeito que aparentemente, exerce o con-
traditório e a ampla defesa, mas busca com isso simplesmente, causar prejuízos
a dignidade da prestação jurisdicional e aos interesses da parte contrária no
cumprimento das decisões jurisdicionais e das normas processuais, em flagrante
deslealdade processual.
O dever de lealdade processual não deve ser levado em consideração ape-
nas entre as partes litigantes, mas, sobretudo, por todos os sujeitos processuais,
incluindo os Juízes, membros do Ministério Público e terceiros.Isso pode ser
lido pelo artigo 4º do CPC/2015.
Cândido Rangel Dinamarco afirma que:
16
ALBUQUERQUE, Pedro de. Responsabilidade Processual por Litigância de Má-fé, Abuso de Direito
e Responsabilidade Civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 92.
17
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56. (grifo
nosso).
150
nados padrões de conduta que independem da concepção
particular do sujeito. Isto quer dizer que ninguém é honesto
somente porque acredita sê-lo. É preciso que tal concepção
se projete na visão social e, diante dela, sejam observados
os elementos existentes para o preenchimento do modelo
padrão de honestidade/lealdade. Logo, a boa-fé subjetiva
não pode ser confundida com a noção de lealdade, pois, se
há importância para o estudo da primeira e sua conotação
jurídica, a lealdade vista do ângulo exclusivo do sujeito para
o qual é atrelada não tem qualquer relevância18.
18
IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006, p. 45.
TARUFFO, op. cit., p. 166.
19
151
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
20
Cf. explica D’Plácido e Silva, “[...] a expressão derivada do baixo latim malefacius [que tem mau destino
ou má sorte], empregada na terminologia jurídica para exprimir tudo que se faz com entendimento da
maldade ou do mali que nele se contém. A má-fé, pois, decorre do conhecimento do mal, que se encerra
no ato executado, ou do vício contido na coisa, que ser quer mostrar como perfeita, sabendo-se que não
o é [...] A má-fé opõe-se à boa-fé, indicativa dos atos que se praticam sem maldade ou contravenção aos
preceitos legais. Ao contrário, o que se faz contra a lei, sem justa causa, sem fundamento legal, com ciência
disso, é feito de má-fé.” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 131).
21
CORDOPATRI, Francesco. L´abuso del processo. Pádua: Cedam, 2000. v. 2, p. 487-488.
152
O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia
discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais conside-
rados de má-fé, e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de reparação.
Assim, segundo verificamos no art. 17 do CPC, reputa-se litigante de má-fé,
aquele que: a) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso; b) alterar a verdade dos fatos; c) usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; d) opuser resistência injustificada ao andamento do
processo; e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do
processo; f ) provocar incidentes manifestamente infundados; g) interpuser
recurso com intuito manifestamente protelatório22.
Verificamos que o art. 17 do CPC (1973) foi repetido no Novo Código
de Processo Civil de 2015, nos artigos 79 e 8023.
O art. 80 do Código de Processo Civil brasileiro de 2015 estabelece di-
versos comportamentos processuais reprováveis e que se verificarmos a presença
do elemento dolo, devemos punir o agente, do ponto de vista processual, como
também do ponto de vista de direito material, com a reparação dos prejuízos,
nos termos do art. 927 do Código Civil.
É bom ressaltar, que as condutas processuais previstas no art. 80 do Código
de Processo Civil de 2015 podem simplesmente, gerar uma sanção pecuniária
com a aplicação apenas de multa como também, se verificado o dano, aplicar
a teoria da responsabilidade civil e determinar o ressarcimento pelos prejuízos
materiais e morais causados à parte contrária. Assim, um ato processual pode
ser apenas um ilícito processual e gerar a aplicação de multa, mas não causar
prejuízos à parte contrária, o que, portanto, não justificaria a condenação em
indenização por danos morais e materiais. É o que está previsto no art. 81 do
Código de Processo Civil Brasileiro.
22
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. LITIGÂNCIA
DE MÁ-FÉ NÃO VERIFICADA. MULTA AFASTADA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
PROVIDO.1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que não se presume
a litigância má-fé quando a parte se utiliza dos recursos previstos em lei, sendo necessária, em tais
hipóteses, a comprovação da intenção do recorrente de obstruir o trâmite regular do processo, nos
termos do art. 17, VI, do CPC.2. Incabível a condenação por litigância de má-fé quando a parte,
na primeira oportunidade que lhe é conferida, interpõe agravo de instrumento contra decisão que
fixou honorários advocatícios em execução não embargada. 3. Recurso especial conhecido e provido
para afastar a condenação da recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 749.629-PR, Quinta Turma. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima.
Brasília, 16 de maio de 2006. Diário de Justiça: 19 jun. 2006, p. 193, grifo nosso).
23
CPC/2015 - Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou
interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra
texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder
de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente
infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
153
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Deve se tratar, pois, que as condutas tipificadas como de má-fé podem ser
realizadas de modo ativo ou passivo (omissivo, portanto). Optou, nosso legislador
por numerar de forma taxativa as hipóteses de litigância de má-fé diferentemente
do que ocorre no Código de Processo Civil alemão (artigo 138) e do Código de
Processo Civil italiano (art. 88).
O art. 80, inciso I do CPC/2015, traz a indicação de vedação das partes
de deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incon-
troverso. Isso significa que as partes têm, constitucionalmente, o direito de ação
e de defesa para movimentar a jurisdição e a aplicação do direito material. No
entanto, não é permitido buscar tal direito de ação ou de defesa quando a lei,
sabidamente, não acoberta ou protege tal pretensão ou quando o fato que se
opõe é um fato cujo o qual não existe contradição pelas partes. Assim, litiga de
má-fé o sujeito que busca a declaração ou condenação de outrem ou reconheci-
mento de algum direito em juízo, com texto de lei claramente se posicionando
ao contrário do pretendido. Um exemplo simples sobre tal hipótese de litigân-
cia de má-fé, seria o ajuizamento de ação para buscar receber dívidas de jogo
que são, pelo ordenamento jurídico brasileiro, impossíveis de serem exigidas.
Lado outro, há uma linha bastante tênue entre a caracterização da litigância de
má-fé por dedução ou apresentação de defesa contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso e a questão de interpretação de lei diversa do que entende a
maioria dos Tribunais. Isso significa que a dedução de ação ou a apresentação
de defesa que busque uma interpretação diferente para determinado artigo de
lei não pode ser considerado um ato processual abusivo. Apenas estamos diante
do livre exercício do direito de ação.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 3. ed. São Paulo: Malheiros,
24
2009. v. 3, p. 265.
154
O art. 80, inciso II do CPC, indica que reputa litigante de má-fé aquele
que no processo alterar a verdade dos fatos. Nesse ponto, precisamos em pri-
meiro lugar indicar que estamos diante de uma cláusula de litigância de má-fé
geral e muito aberta do ponto de vista hermenêutico. A verdade que se refere
o presente inciso do artigo 80 é a verdade processual, que significa a dedução
de pretensão ou defesa com a devida demonstração dos mesmos com provas.
Quanto às partes, no momento de dedução de pretensão ou de defesa, alteram
a verdade dos fatos, significando dizer que estão buscando provar algo que não
existiu ou que não ocorreu efetivamente e que as provas foram feitas mediante
fraude, emulação, erro ou vício. Altera a verdade dos fatos, por exemplo, quem
instrui as testemunhas para que informe fatos que nunca ocorreram, num claro
objetivo de buscar o reconhecimento dos argumentos deduzidos na pretensão
na defesa. Cândido Rangel Dinamarco afirma que: “[...] O inc. II do art. 80
sanciona transgressão intencional do dever de veracidade quanto aos fatos. As
inveracidades só são contrárias à ética quando acompanhadas da intenção de
falsear os fatos, caracterizando-se assim como mentiras25”.
O art. 80, inciso III do CPC estabelece que atua em litigância de má-fé
as partes que usam o processo para conseguir objetivo ilegal. Verifica-se, nesse
inciso, a preocupação do legislador com o desvio de finalidade da norma. Assim,
este inciso busca reprimir aqueles que se utilizam do processo com o objetivo de
obter direito ou vantagem que a norma proíbe.
O art. 80, inciso IV do CPC determina que litiga de má-fé a parte que
opuser resistência injustificada ao andamento do processo. Trata-se de um
dispositivo normativo processual que reprime a conduta comissiva e omissiva
das partes que impedem a duração razoável do processo, conforme estabelece o
art. 6º do CPC/2015 e art. 5º inciso LXXVIII da Constituição da República do
Brasil. Opor resistência injustificada ao andamento do processo significa colocar
obstáculos ao regular curso do processo. Isso significa que manifestações imperti-
nentes e fora do prazo são exemplos e formas de se opor ao regular andamento do
processo e atentam contra a celeridade processual e contra a dignidade da justiça.
O art. 80, inciso V do CPC determina que a parte responde por litigância
de má-fé quando proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato
do processo. Temerário é o ato imprudente, que não observa as normas proces-
suais e legais. Age de forma temerária quem provoca um incidente processual
apenas para paralisar o processo ou para impedir os efeitos da preclusão. Age de
forma temerária, quem pratica ato processual irresponsável, apenas para causar
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, 5. ed. São Paulo: Malheiros,
25
2002, p. 268.
155
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
2008, p. 43-44.
156
Assim, quando nos referirmos à técnica de repressão ao abuso de direito
processual estamos querendo indicar o conjunto de procedimentos pelos quais
o direito transforma em regras claras e práticas as diretivas da política jurídica
de repressão à litigância de má-fé.
Nesse sentido, para que possamos responder a indagação sobre a melhor
técnica para a repressão do abuso de direito processual precisamos antes de mais
nada estabelecer os seguintes pressupostos para nossas reflexões.
Primeiro, que o processo um instrumento de garantias processuais fun-
damentais, isso significa dizer que ele se constitui de um espaço de discussão
e debate, do qual o contraditório e ampla defesa são princípios estruturantes e
não podem ser suprimidos.
Segundo, que o princípio do contraditório é elemento indispensável para
a existência do processo e, portanto, não é possível a ocorrência do exercício da
jurisdição e da repressão do abuso de direito processual sem a sua observância.
Conforme ensina Fazzalari, o processo é um procedimento com a garan-
tia de participação das partes para a obtenção do ato final, em contraditório,
devendo os participantes do processo se entenderem como autores da decisão
judicial (provimento)27.
É bom ressaltar, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves que:
FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, 6. ed. Padova: CEDAM, 1992, p. 82-83.
27
157
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
29
GONÇALVES, op. cit., p. 127.
30
FAZZALARI, op. cit., p. 82.
31
GALUPPO, Marcelo Campos. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo. In:
CADERNOS da pós-graduação. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, 1995, p. 7-28.
158
argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso,
a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental
perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e
simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se
a participação com a possibilidade, conferida à parte, de
influenciar no conteúdo da decisão.32
32
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 45.
33
FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do código revisto.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 103.
159
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
160
A aplicação de ofício, em face de condutas ilícitas praticadas pelas partes
no processo, de forma isolada, previstas no art. 80 do CPC/2015, torna muito
difícil a efetiva aplicação do artigo 81 do CPC/2015. Portanto, não se consegue
outra coisa, sem o contraditório, além da aplicação da multa. Indenização danos
morais e materiais são impossíveis de serem fixados sem a devida discussão e
produção de prova, pois como determina o art. 944 do Código Civil, o dano se
mede pela sua extensão.
Estamos defendendo o contraditório e ampla defesa em nome do processo
democrático. Sem o devido contraditório fica praticamente impossível que tal
condenação em indenização se realize, bem como a quantificação dos prejuízos
causados pela parte infratora ou litigante de má-fé.
No Código de Processo Civil de 1973 e nos Tribunais brasileiros não
verificamos a preocupação para evitar a decisão surpresa resguardar a garantia
do contraditório e da ampla defesa. Pelo contrário, o que notamos, na prática
cotidiana forense brasileira é que em nome da celeridade, decisões surpresas são
proferidas a todo momento sem o devido contraditório, o que entendemos estar
violando diretamente a Constituição. Apenas para demonstrar o que informamos,
citamos algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça que aplicam, de forma
automática e autoritariamente, o art. 17 do CPC/1973, correspondente ao art.
80 do CPC/2015, se entender sobre a necessidade de oportunizar as partes, o
necessário contraditório, com base apenas na convicção pessoal do julgador.
Vejamos:
161
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
162
má-fé. Entendemos que mesmo nos casos em que os autos já se encontrarem em
sede recursal, o cumprimento ao contraditório deve ser observado. Isso significa
que neste aspecto, não poderia o relator ter aplicado a pena prevista no art. 18
do CPC, com similar correspondência no art. 81 do CPC/2015, apenas com
base em entendimento formado e consolidado pelo anteriores votos e convicções
formadas em seu trabalho junto ao Tribunal. Deveria, mesmo em sede recursal,
instaurar, um micro procedimento de discussão e de demonstração de ocorrência
ou não da litigância de má-fé. Do contrário e da forma como foi feita, mesmo
informando a evidência de que houve a interposição de recurso manifestamente
protelatório, entendemos que estamos diante de uma decisão arbitrária e incons-
titucional, em bases democráticas.
Portanto, dentro da constitucionalidade democrática e pelo novo Código
de Processo Civil de 2015, especialmente os artigos 6º e 10º, e para o respeito ao
contraditório e da ampla defesa, é preciso que o debate sobre o abuso do direito
processual seja efetivamente discutido. Além, devemos permitir a amplitude de
produção de prova e as discussões sobre a prática de atos de má-fé e de dolo pelas
partes, bem como os prejuízos causados para fins de indenização. Do contrário,
qualquer condenação em litigância de má-fé é um ato de autoritarismo e antide-
mocrático, o que desrespeita frontalmente a Constituição da República do Brasil.
Os Tribunais brasileiros terão que mudar sua postura solipsista e con-
servadora, não podendo aplicar o art. 81 do CPC/2015 ex ofício sob pena de
violação ao contraditório, à ampla defesa, ao Estado Democrático, à cooperação
judicial e a vedação de decisão surpresa, o que em nosso entendimento, impede
a decisão sobre a responsabilidade processual sem o devido debate e produção de
prova necessários para tal. Ou se garante o art. 10 do CPC/2015 e o aplica em
conjunto com o art. 81 do CPC/2015, ou teremos o desvirtuamento do novo
Código de Processo Civil que irá repetir práticas antigas e antidemocráticas, o que
não se espera com esse novo instrumento normativo processual e pela vigência
incondicional do art. 1º. da CR/88.
6 CONCLUSÃO
163
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
164
abuso do direito processual. O abuso é gênero e a litigância é espécie. O dever
de lealdade processual não deve ser levado em consideração, apenas entre as
partes litigantes, mas sobretudo, por todos os sujeitos processuais, incluindo os
juízes, membros do Ministério Público e terceiros.
f ) O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia
discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais
considerados de má-fé e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de
reparação. É a mesma adotada pelo Código de Processo Civil de 2015.
g) A melhor técnica para a repressão do abuso de direito processual e
consequentemente a litigância de má-fé, não seria a aplicação de ofício pelo
julgador, pois assim, estaria vedando o contraditório como garantia de vedação
a uma decisão surpresa. Em nome da garantia do contraditório, verificando o
juiz que aconteceu algumas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015,
deve abrir, ainda que incidentalmente, nos próprios autos do procedimento,
uma discussão paralela entre as partes sobre a ocorrência ou não da litigância
de má-fé e seus eventuais danos. Isso significa dizer que se o julgador tomar
a decisão pela aplicação de algumas punições por litigância de má-fé sem
que haja o devido respeito ao contraditório, essa decisão estaria vedando a
participação e seria, do ponto de vista democrático, uma decisão passível de
anulação por absoluta falta de garantia do contraditório e da ampla defesa.
É claro que não basta apenas que o julgador, no momento da verificação da
litigância de má-fé, abra vista dos autos às partes para que possam sobre ela se
pronunciar, há a necessidade também, atendendo ao disposto no art. 5º, inciso
LV da Constituição da República, a ampla defesa, com a garantia de produção
de todas as provas necessárias para demonstrar ou não a ocorrência de umas
das hipóteses previstas no art. 80 do CPC. Não vislumbramos a necessidade
de abertura de um incidente processual para a caracterização e verificação da
ocorrência da litigância de má-fé, no entanto, se isso for necessário para evitar
prejuízo às partes e às argumentações, verificamos que não existe nada no
ordenamento jurídico brasileiro que desaconselhe tal prática. Se a discussão
será feita nos próprios autos ou em incidente processual, isso revela uma
preocupação com a economia processual. No entanto, o que não pode faltar,
é o devido respeito ao contraditório e ampla defesa, bem como, é vedado ao
julgador, de ofício, aplicar penas processuais, pelas hipóteses verificadas no art.
80 do CPC, sem a oportunizar a devida manifestação e provas pelas partes
interessadas no resultado do julgamento.
h) Quando temos a verificação de um ato processual abusivo, com intuito
de atrasar o processo e ferir a dignidade da justiça e sua prestação jurisdicional,
estamos diante de uma violação de um direito fundamental, e a violação de um
165
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
BIBLIOGRAFIA
166
________. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de
Processo Civil de 1973. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <https://goo.gl/
Rssz6R>. Acesso em: 3 nov. 2017.
167
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
168
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo
de Instrumento nº 70017272626, Oitava Câmara Civil. Rel. Des. Claudir
Fidelis Faccenda. Porto Alegre, 6 nov. 2006. Diário de Justiça: 22 nov. 2006.
Disponível em: <https://goo.gl/unEDtv>. Acesso em: 3 nov. 2017.
SOARES, Carlos Henrique. Abuso del Derecho Procesal Brasileño. p. 134-151. In:
SOARES, Carlos Henrique (coord.) (et al.). Proceso Democrático y Garantismo
Procesal, Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015.
VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa-fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas,
2003.
169
AS NOVAS FIGURAS DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
NO CPC/2015: incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e amicus curiae
Érico Andrade*
Leonardo Parentoni*
1 INTRODUÇÃO
*
Professor Adjunto de Direito Processual Civil da UFMG; Doutor em Direito Processual pela UFMG/
Università degli Studi di Milano (Itália); Mestre em Direito Administrativo pela UFMG; Procurador do
Estado de Minas Gerais – AGE/MG; Advogado.
*
Professor Adjunto de Direito Empresarial da UFMG e do IBMEC/MG; Doutor em Direito Comercial
pela USP; Mestre em Direito Empresarial pela UFMG; Especialista em Direito Processual Civil pela UnB;
Procurador Federal – AGU.
171
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
1
Destaque-se, com a doutrina francesa, que vem ganhando corpo as perspectivas designadas como
“democracia procedimental” que, ao lado do crescimento do poder do juiz, insere destaque especial às
garantias processuais: “La procéduralisation du droit traduit le mouvement vers une démocratie procédurale,
même si ce mouvement est parfois contesté (ce qui est parfaitement légitime) ou, pire, ignoré (ce qui l’est moins...).
Le développement croissant et inéluctable du droit di origine jurisprudentielle, notammente europeenne, accroît
l’importance de la procédure dans l’élaboration de ce droit. Il accroît ainsi le rôle du juge, acteur de la régulation
des conflits et non plus seulement « bouche de la loi », mais aussi ce « changeur » entre l’hermétistme de la loi
et le justiciable, changeur qui traduit en termes clairs ce qui est compliqué. Et, à l’inverse, l’accroissement des
pouvoirs du juge dans l’élaboration de la norme, accroît le besoin de garanties procédurales : la procédure est le
contre-pouvoir aux pouvoirs accrus du juge et au povoir de la justice» (GUINCHARD, Serge; FERRAND,
Frédérique; CHAINAIS, Cécile. Procédure civile, 29. ed. Paris: Dalloz, 2008, p. 92).
2
Aquilo que Max Weber convencionou chamar de direito calculável, enquanto Natalino Irti rotulou
de ordem jurídica do mercado (WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Editôra
Mestre Jou, 1968., p. 251). “Direito racional, isto é, direito calculável. Para que a exploração econômica
capitalista proceda racionalmente precisa confiar em que a justiça e a administração seguirão determinadas
pautas.”;“Nessuno dubita che il mercato sia un ordine: taluni lo dichiarano esplicitamente, altri lo pressuppongono
o lo lasciano argomentare. Oridne, nel senso di regolarità e prevedibilità dell’agire: chi entra nel mercato
– nel mercato di un dato bene – sa che l’agire, proprio e altrui, è governato da regole [...].” (IRTI, Natalino.
L’Ordine Giuridico del Mercato. Roma: Laterza, 2001. p. 5, grifo nosso).
172
jurídica3 e a confiança4 do investidor, estimulando os investimentos. Afinal,
poucos se arriscariam a investir se, em caso de fracasso, perdessem não apenas o
montante aplicado no empreendimento, mas todo o seu patrimônio.
Por essas razões, assegurar previsibilidade e segurança jurídica aos in-
vestidores é algo importante não apenas para o bom fluxo das relações privadas,
mas também para o Estado, no âmbito macroeconômico5. Esses são os vetores
axiológicos que devem guiar as discussões acerca da desconsideração da perso-
nalidade jurídica.
Se, por um lado, o Direito deve assegurar previsibilidade e segurança jurídi-
ca aos investidores, com regras claras acerca da limitação de sua responsabilidade,
por outro lado, esta limitação não pode ser absoluta. Afinal, nenhum direito é
absoluto. Igualmente importante, então, é fixar limites, os quais, se transpostos,
configuram abuso do direito6. Existem inúmeros instrumentos jurídicos para
a prevenção e repressão ao abuso. No contexto específico do abuso do direito
à limitação de responsabilidade do investidor, esse instrumento denomina-se
desconsideração da personalidade jurídica7.
Diversos autores escreveram a respeito, com muita profundidade8. Nos
3
FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 2009. p. 75. “Os
contratos empresariais somente podem existir em um ambiente que privilegie a segurança e a previsibilidade
jurídicas. Quanto maior o grau de segurança e de previsibilidade jurídicas proporcionadas pelo sistema,
mais azeitado o fluxo de relações econômicas.”
4
COSTA REGO, Anna Lygia. Aspectos Jurídicos da Confiança do Investidor Estrangeiro no Brasil.
2010. 351 f. Tese (Doutorado em Direito Econômico e Financeiro)–Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010, f. 1. “[...] na sabedoria popular o segredo talvez seja a alma do negócio, mas a confiança é, sem
dúvida, a espinha dorsal das transações econômicas.”
5
PARENTONI, Leonardo. Desconsideração Contemporânea da Personalidade Jurídica: Dogmática e
análise científica da jurisprudência brasileira (Jurimetria/Empirical Legal Studies). São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 44. Importante deixar claro que além de sua contribuição histórica, a limitação de responsabilidade
– quer nas sociedades limitada e anônima, quer na empresa individual de responsabilidade limitada –
desempenha também importante função macroeconômica, na medida em que permite ao empresário
delimitar o risco decorrente de sua atividade, estimulando investimentos e favorecendo o progresso social.”
6
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (BRASIL. Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Art. 187. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002). Por abuso de direito entende-se o
exercício inadmissível de posições jurídicas, segundo conhecida definição de Cordeiro: CORDEIRO,
António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2011, p. 879.
Igualmente: LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do direito e suas limitações: Abuso do direito. Revista dos
Tribunais. São Paulo, n. 885, jul. 2009, p. 55.
7
PARENTONI, op. cit., p. 49-50. “A desconsideração da personalidade jurídica pode ser considerada
derivação dessa ideia maior de abuso do direito, por ser técnica aplicável especificamente a fim de coibir
abusos da limitação de responsabilidade cometidos por meio de centros autônomos de imputação de
direitos e deveres, quando tal limitação for utilizada contra as razões históricas, econômicas e sociais que
a condicionam.”
8
No exterior, por exemplo: BAINBRIDGE, Stephen M. Abolishing LLC Veil Piercing. Law & Economics
Research Paper Series, Los Angeles, n. 1, p. 77-106, 2001; EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL,
Daniel R. Limited Liability and the Corporation. University of Chicago Law Review, Chicago, n. 52.
173
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
174
Prosseguindo, vale destacar que o próprio nome do instituto induz a erro.
Com efeito, a nomenclatura usual associa “desconsideração” à prévia existência
de “personalidade jurídica”. Isto, porém, não é correto. A existência de perso-
nalidade jurídica é, tão somente, indício de que os membros da pessoa jurídica
possuam limitação de responsabilidade. Basta observar que existem sociedades
personificadas, regularmente constituídas e registradas, que não conferem essa
proteção aos sócios12. O inverso também é verdadeiro: existem entes desperso-
nificados com limitação de responsabilidade patrimonial13.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ter como causa inúmeras
situações de fato. Para maior precisão científica, a literatura jurídica cuidou de
reunir essas situações em dois grandes grupos, denominados de causas subjetivas
e objetivas.
As causas subjetivas compreendem todos os casos em que a limitação de
responsabilidade patrimonial é conscientemente utilizada de maneira abusiva.
Por exemplo, na hipótese de transferências patrimoniais fraudulentas entre sócio
e sociedade. É neste sentido que o art. 50 do Código Civil se refere a “abuso
da personalidade jurídica”14. Este conceito é propositadamente amplo, a fim de
coibir a fraude em suas mais diversas formas de manifestação15:
suspende a eficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica, para fins de responsabilizar direta
e pessoalmente aquele que perpetrou um uso fraudulento ou abusivo de sua autonomia patrimonial [...].”
12
A sociedade em nome coletivo, por exemplo, bem como as sociedades simples que não adotam tipo
empresarial, tal como os escritórios de advocacia.
13
Caso do trust, no Direito norte-americano, ou os patrimônios de afetação, no Brasil.
14
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, Art. 50. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002).
15
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 115-116. “Não se sentindo o legislador atual capacitado a normatizar detalhadamente e com plena
eficácia os direitos conquistados pela sociedade contemporânea, viu-se obrigado a lançar mão de outra
técnica legislativa, cuja especificidade está no prestígio dos critérios hermenêuticos. Com esse propósito,
incrementaram-se as normas descritivas ou narrativas, cuja tônica não é preceptiva, mas axiológica. Por
meio delas, definem-se modelos de conduta à luz de princípios que irão orientar o intérprete, tanto nas
situações já tipificadas como nas atípicas (i.e., as não previstas no ordenamento).”
175
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Diferentemente, nas causas objetivas o infrator pode até não ter a intenção
de se comportar de modo ilícito, porém a sua conduta, por si só, extrapola os limi-
tes juridicamente autorizados para a limitação de responsabilidade16. Isto ocorre,
por exemplo, na subcapitalização societária17, que significa constituir sociedade
com capital manifestamente insuficiente para exercer as suas atividades. Neste
caso, a insuficiência dos recursos aportados pelos sócios provavelmente conduzirá
ao insucesso do empreendimento e à existência de dívidas inadimplidas. Ainda
que os sócios não tenham agido de má-fé (porque consideravam que o capital
por eles aportado seria suficiente), poderão ter seu patrimônio pessoal atingido
para pagamento das dívidas contraídas pela sociedade. Outra causa objetiva de
desconsideração da personalidade jurídica é a confusão patrimonial18, também
mencionada no art. 50 do Código Civil.
Em suma, enquanto nas causas subjetivas a ilicitude decorre da intenção
do agente – que abusa conscientemente da limitação de responsabilidade – nas
causas objetivas a ilicitude decorre da própria conduta em dissintonia com os
padrões de mercado, mesmo se ausente a intenção de fraudar. Em qualquer caso,
será cabível a desconsideração, desde que presentes também os seus pressupostos.
Esta breve introdução é suficiente para contextualizar o tema, nos estrei-
tos limites deste estudo. Evidentemente, há várias questões de direito material
importantes para a compreensão da matéria, como os pressupostos e limites da
desconsideração da personalidade jurídica. Não é o caso, porém, de discuti-las
aqui, até porque o Código de Processo Civil de 2015 (art. 133, § 1º) não se
refere a elas, remetendo o trato do tema à legislação específica19. Passa-se, então,
ao exame do CPC/2015.
16
O primeiro a tratar dessas causas no país foi: COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na
sociedade anônima, 2. ed. São Paulo: RT, 1977.
17
Vale destacar que o Direito brasileiro não fixa, como regra, capital mínimo para a constituição de sociedades.
Sendo assim, apenas a subcapitalização evidente – tecnicamente denominada de subcapitalização qualificada
– autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. A escolha de capital ligeiramente inferior aos padrões
de mercado, por sua vez, não permite aplicar a desconsideração.
A este respeito, vide: SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 221; DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização Societária: Financiamento e Responsabilidade.
Belo Horizonte: Fórum, 2012.
18
SCALZILLI, João Pedro. Confusão Patrimonial no Direito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2015,
p. 93. “Em direito societário, confusão patrimonial consiste no estado de promiscuidade verificado entre os
patrimônios de duas ou mais pessoas, consequência da apropriação, por parte dos sócios, administradores,
terceiros ou outras sociedades componentes de um grupo econômico, dos meios de produção de uma
determinada sociedade.”
19
Para aprofundamento, recomenda-se: PARENTONI, op. cit., p. 62-72; 190-199.
176
3 PREVISÃO LEGAL NO CPC/2015
20
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.180.191-RJ, Quarta Turma. Relator: Min.
Luís Felipe Salomão. Brasília, 5 de abril de 2011. Diário de Justiça: 9 jun. 2011. Trecho da Ementa: “A
superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente
[...].”
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 331.478/RJ, j. 24.10.2006, Rel. Ministro Jorge
Scartezzini; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 1.071.643/DF, j. 02.04.2009, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 1.180.191/RJ, j.
05.04.2011, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n.
1.096.604/DF, j. 02.08.2012, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
3ª Turma, REsp. n. 1.326.201/RJ, j. 07.05.2013, Rel. Ministra Nancy Andrighi;
177
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
22
Vide, por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica da Mendes Júnior Trading e Engenharia
S/A, aplicada para a satisfação de créditos da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, trecho do
voto do Relator. “Sobre a necessidade de citação das empresas antes da determinação da desconsideração da
personalidade jurídica, tenho que também não merece acolhimento. Pois há a possibilidade do contraditório
diferido quando a oitiva da parte possa prejudicar a medida decretada, sendo prescindível a citação dos sócios
da decisão que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade”(MINAS GERAIS (Estado). Tribunal
de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 1.0024.07.746341-2/009, Quarta Câmara Cível. Relator:
Des. Dárcio Lopardi Mendes. Belo Horizonte, 29 de outubro de 2015. Diário de Justiça: 3 nov. 2015).
Igualmente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.459.784-
MS, Segunda Seção. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 4 de agosto de 2015. Diário de Justiça:
14 ago. 2015.
23
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0007569-57.2017.8.19.0000,
Décima Primeira Câmara Cível. Relator: Des. Otávio Rodrigues. Rio de Janeiro, 19 abr. 2017. Diário
de Justiça, n. 2686607, 20 abr. 2017. Trecho da Ementa: “Com o advento do novo diploma processual,
é necessária a formação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na forma dos artigos
133 e seguintes [...].”
No mesmo sentido: MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº
1.0702.16.038355-1/001, Sétima Câmara Cível.Relator: Des. Oliveira Firmo. Belo Horizonte, 25 abr.
2017. Diário de Justiça: 5 maio 2017.
24
MARINONI, Luiz Guilherme; SILVA, Ricardo Alexandre. Incidente de Desconsideração da Personalidade
Jurídica no Código de Processo Civil de 2015. In: YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti
J. (coord.). Processo Societário II: Adaptado ao Novo CPC : Lei n. 13.105/2015. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p.464. “Grassa na jurisprudência incômoda controvérsia sobre a necessidade de manifestação
dos sócios previamente à desconsideração. O dispositivo [CPC/2015 art. 135] pretende encerrar o dissídio,
inviabilizando a desconsideração da personalidade jurídica sem que seja facultado ao sócio controlador o
contraditório prévio.”
25
Algo já proposto em: PARENTONI, op. cit., p. 168-169.
178
de honorários advocatícios de 10%26, conforme art. 523, § 1º do CPC/2015
(equivalente ao art. 475-J do Código revogado). Caso a desconsideração da
personalidade jurídica fosse determinada após esse prazo, o sujeito atingido
receberia a dívida em montante superior ao cobrado do devedor originário, por
força da multa e dos honorários, sem que tenha dado causa a qualquer atraso.
Com a observância do incidente prévio, isto não deve mais acontecer.
A instauração deste incidente pode ser requerida por simples petição
nos autos27, a qual deve individualizar quem se pretende atingir através da
desconsideração, indicando qual seria a sua causa – subjetiva ou objetiva – bem
como demonstrando a presença de seus pressupostos (arts. 133, §1º, e 134, §4º,
CPC/2015). Pedidos genéricos de desconsideração devem ser evitados, como
é o caso daqueles dirigidos indistintamente a “todos os sócios”. Neste ponto o
CPC/2015 consagrou requisito de há muito reclamado pela literatura jurídica.
Por exemplo, em 2008 já havia sido discutido – e infelizmente arquivado – pro-
jeto de lei na mesma linha28.
Questão interessante é saber se seria admissível tutela provisória (de ur-
gência ou de evidência – art. 294) para atingir o patrimônio de terceiro, sem
observar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Como a
grande novidade trazida por este incidente é a garantia de contraditório prévio,
em substituição à prática habitual de contraditório diferido, essa questão deve ser
analisada com bastante cautela, sob pena de comprometer o potencial inovador
do CPC/2015.
É preciso, então, diferenciar a tutela de urgência daquela baseada em
evidência. Ambas têm em comum o objetivo de evitar os malefícios que a pas-
sagem do tempo, decorrente da duração do processo, possa ocasionar à efetiva
26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 517. “São devidos honorários advocatícios no cumprimento
de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia
após a intimação do advogado da parte executada.”
27
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2233003-69.2016.8.26.0000,
Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado. Relator: Desembargador Walter Barone.São Paulo, 23 de
fevereiro de 2017. Diário de Justiça: 23 fev. 2017. Trecho da Ementa: “Erro no procedimento. Inocorrência.
Simples petição formulando pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, cabendo ao Juízo admitir ou não o seu processamento. No presente caso, foi determinado o
processamento e preenchidos os requisitos formais do incidente, tais como, citação dos sócios da empresa
executada, comunicação ao distribuidor e suspensão do processo.”
28
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.426. Autor: Deputado Ricardo Fiúza. Brasília: 05
nov. 2003. “Art. 4°. É vedada a extensão dos efeitos de obrigações da pessoa jurídica aos bens particulares
de sócio e ou de administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade, mediante desvio de
finalidade ou confusão patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou em proveito próprio.”
Igualmente: CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.I Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2002.
Disponível em: <https://goo.gl/BLgwqa>. Acesso em 24 fev. 2011. “7 – Art. 50: Só se aplica a desconsideração
da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores
ou sócios que nela hajam incorrido.”
179
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
29
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Tutela provisória no NCPC. Interesse Público, Belo Horizonte, ano
18, n. 97, p. 15-61, mai./jun. 2016. p. 33. “Ambas têm como tronco ontológico único a função de evitar
que o tempo do processo seja um fator de injustiça na prestação da tutela jurisdicional. Por isso, ambas
pretendem corrigir o problema do “fator tempo” neutralizando o processo contra as situações de urgência
que tanto podem afetar o próprio processo quanto o direito material nele contido (tutela de urgência
cautelar ou antecipada) ou então redistribuindo o ônus do tempo de duração do processo segundo critérios
de evidência do direito pleiteado em juízo (tutela da evidência).”
30
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil: Os Fundamentos e as
Instituições Fundamentais, 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. v. 1, p. 75-76. “Como facilmente se
compreende, ordinariamente o juiz primeiro estabelece contato com a causa e seus fundamentos, entre os
quais os de fato e a prova, para depois julgar. Assim é a linha geral dos processos de conhecimento (que
devem terminar com uma sentença de mérito), com óbvias razões para que o conhecimento seja o natural
apoio do julgamento. [...].
Mas há situações urgentes em que, a esperar pela realização de todo o conhecimento judicial, com a
efetividade do contraditório, defesa, prova e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação
de situações indesejáveis, a dano de algum dos sujeitos. O tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu
decurso pode lesá-los de modo irreparável ou ao menos comprometê-los insuportavelmente (Carnelutti).
[...]
Para remediar tais situações aflitivas, a técnica processual excogitou certas medidas de urgência, caracterizadoras
da tutela jurisdicional antecipada e da chamada tutela cautelar. Trata-se de técnicas teoricamente diferentes,
180
devedor. Apenas restringe sua faculdade de dispor dos bens, por meio de blo-
queio/indisponibilidade31. Valendo reiterar que as tutelas de urgência devem ser
analisadas com muita cautela, quando aplicadas em detrimento do contraditório
prévio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo dupla-
mente importante verificar a “probabilidade do direito e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo”, como determina o art. 300, combinado com
o art. 301, do CPC/2015.32 A banalização no deferimento deste tipo de medida
seria altamente prejudicial aos objetivos da nova lei, tornando regra aquilo que
foi concebido como exceção.
Prosseguindo, a tutela de evidência deve ter alcance ainda mais restrito
do que a de urgência, quando confrontada com o incidente de desconsi-
endereçadas a situações diferentes, mas todas têm o comum objetivo de neutralizar os efeitos maléficos do
decurso do tempo sobre os direitos.
Existe uma diferença conceitual entre (a) as medidas que oferecem ao sujeito, desde logo, a fruição integral
ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga e (b) as medidas destinadas a proteger o processo em
sua eficácia ou na qualidade de seu produto final. As primeiras, oferecendo situações favoráveis às pessoas
na vida comum em relação com outras pessoas ou com os bens, integram o conceito de tutela jurisdicional
antecipada. As segundas, qualificadas como medidas cautelares, resolvem-se em medidas de apoio ao
processo – para que ele possa produzir resultados úteis e justos – e só indiretamente virão a favorecer o
sujeito de direitos.”
A tutela cautelar “garante para satisfazer” enquanto a tutela antecipada “satisfaz para garantir”.
Conforme: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. 12, p. 14-15.
31
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2257761-
15.2016.8.26.0000, Décima Segunda Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Jacob Valente. São Paulo,
17 mar. 2017. Diário de Justiça: 17 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Cumprimento de sentença. Incidente
de desconsideração da personalidade jurídica. Arresto de bens dos sócios da devedora Perfil Tecnologia
Ltda., antes da citação. Descabimento do inconformismo da agravante. Medida adequada para garantir
o resultado útil do processo, em razão do poder geral de cautela do magistrado, instituídos pelos arts.
297 e 301, do CPC, cuja efetivação observará as normas ao cumprimento provisório de sentença, nos
termos do parágrafo único, do art. 297, ainda que requerida como incidente processual, como autoriza o
parágrafo único, do art. 294, do CPC, antes mesmo da citação dos réus no incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do CPC. Observação de que o julgamento do
presente recurso ficou limitado ao pronunciamento judicial recorrido, que deliberou sobre a medida de
arresto em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com instauração deferida, e não sobre
a decisão do mérito do incidente a que se refere p art. 136, do CPC, sob pena de supressão de instância.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2095503-58.2016.8.26.0000,
Décima Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Carlos Alberto Garbi. São Paulo: 9 ago. 2016. Diário
de Justiça: 10 ago. 2016.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Regras Processuais no Código Civil, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 14.
“Seja pelo litisconsórcio eventual, seja pela instauração de um incidente cognitivo no processo de execução, o
que importa é dar oportunidade ao debate, não sendo lícita a aplicação da sanção sem o prévio contraditório.
Nada impede, porém, que o credor solicite a tomada de providência cautelar, como o arresto, que pode
ser concedida liminarmente, desde que preenchidos os respectivos pressupostos, como forma de preservar
a utilidade/efetividade da prestação jurisdicional.”
32
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense;
GEN, 2015, v. 1, p. 401, destaca a possibilidade de busca da tutela provisória cautelar no incidente
de desconsideração da personalidade jurídica: “Há, não obstante, mecanismos de proteção cautelar que
preservam o credor dos riscos de desvio de bens e de insolvência do devedor que podem ser utilizados, em
qualquer caso, antes mesmo da citação executiva (arts. 300 e 301)”.
181
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 8. ed. Salvador: JusPodivm,
33
2016, p. 653-654. “[a] tutela de evidência independe da demonstração de perigo da demora da prestação
da tutela jurisdicional, em diferenciação clara e indiscutível com a tutela de urgência. [...] Da forma como
ficou redigido o art. 311, I, do Novo CPC, restou como requisito para a concessão da tutela da evidência
somente o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, o que parece contrariar
até mesmo o espírito dessa espécie de tutela. Difícil acreditar que o autor tenha direito a uma tutela, ainda
que provisória, somente porque o réu se comporta indevidamente no processo, sem que o juiz tenha qualquer
grau de convencimento da existência do direito do autor. Parece-me extremamente temerário, como simples
forma de sanção processual, conceder a tutela da evidência sem que haja probabilidade de o autor ter o
direito que alega. Entendo que nesse caso a probabilidade de o direito existir é necessária, mas não está
tipificada na lei, como ocorre com as outras três hipóteses de cabimento da tutela da evidência previstas
no art. 311 do Novo CPC. Significa dizer que nessa hipótese de cabimento da tutela da evidência o juiz
deve se valer, por analogia, do art. 300, caput, do Novo CPC, concedendo tal espécie de tutela apenas se
houver nos autos elementos que evidenciem a probabilidade do direito e serem preenchidos os requisitos
previstos em lei.”
182
inciso III, por sua vez, trata “[...] de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito”.
O raciocínio construído anteriormente diz respeito à aplicação de tutelas
provisórias ou diferenciadas contra o terceiro ao qual se pretende estender a
responsabilidade, via incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Em
relação às partes originárias do processo, tais tutelas podem ser normalmente
deferidas, sem maiores problemas, bastando observar os respectivos requisitos. O
mesmo se diga em relação às tutelas deferidas após o julgamento do incidente,
quando então o sujeito atingido já terá se tornado parte do processo, para todos
os fins.
Vale destacar, ainda, que as tutelas provisórias podem ser deferidas tanto
em primeiro grau de jurisdição quanto em sede de recurso e nas causas de com-
petência originária dos tribunais (CPC/2015 art. 299, parágrafo único).
Com relação ao momento de instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, o CPC/2015 simplesmente afirma ser ele cabível “[...]
em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença
e na execução fundada em título executivo extrajudicial”. Apesar da aparente
simplicidade, essa disposição requer exame mais acurado. Quanto ao prazo, por
exemplo, o STJ já decidiu que por se tratar de direito protestativo de atingir o
patrimônio alheio, atuando no plano da eficácia (recorde-se que a incidência da
desconsideração acarreta a ineficácia parcial e temporária da separação patrimo-
nial), a instauração do incidente pode ser requerida a qualquer tempo34. O que
não significa que toda pretensão nele veiculada se torne imprescritível. A dívida
é a mesma, quer seja cobrada do devedor principal quer de terceiro, a quem
foi estendida a responsabilidade, via desconsideração da personalidade jurídica.
Portanto, cada pretensão se sujeita ao respectivo prazo prescricional. Desta
forma, é possível que o incidente de desconsideração seja validamente instaura-
do, mas verifique-se que a dívida nele cobrada está prescrita. Neste caso, a rigor,
sequer deveria ter havido cobrança contra o devedor principal.
Há tribunais que aplicam, por exemplo, o prazo prescricional de 05 anos,
previsto no art. 206, § 5º, I do Código Civil, em caso de dissolução irregular
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.180.191-RJ, Quarta Turma. Rel. Ministro Luis
34
Felipe Salomão. Brasília, 5 abr. 2011. Diário de Justiça: 9 jun. 2011. Trecho da Ementa: “Relativamente
aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece
a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo
não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando
preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.”
Igualmente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.312.591-RS, Quarta Turma,
Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Brasília, 11 de junho de 2013. Diário de Justiça: 1 jul. 2013.
183
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
de sociedade35. Outro aspecto relevante diz respeito à previsão dos artigos 1.003,
parágrafo único, e 1.032 do Código Civil, que tratam, respectivamente, da
cessão de cotas e da exclusão ou morte de sócio. Ambos impõem responsabi-
lidade solidária, pelo prazo de 02 anos, ao sócio que se desliga da sociedade,
com relação às dívidas existentes ao tempo de sua saída. Ora, em se tratando de
solidariedade passiva é desnecessário utilizar a desconsideração da personalidade
jurídica. Consequentemente, esta não se aplica no citado interregno de 02 anos.
Após tal prazo, há jurisprudência considerando que o sócio não poderá mais
ser responsabilizado, nem mesmo através da desconsideração36. Este não parece
ser o melhor entendimento porque, durante os 02 anos, sequer seria cabível a
medida, visto haver responsabilidade pessoal e direta dos sócios, em relação às
dívidas existentes até o momento de sua retirada, o que torna a desconsidera-
ção desnecessária. Ou seja, desconsiderar a personalidade jurídica se torna uma
alternativa somente após exaurido esse prazo. Com a diferença de que durante
os 02 anos o sócio responde pessoal e diretamente, como qualquer outro deve-
dor solidário. Após este prazo, no entanto, somente pode ser responsabilizado
mediante prova dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica,
observando-se o incidente disciplinado no CPC/2015, até que esteja prescrita a
obrigação. Importante destacar, ainda, que o prazo de 02 anos dos artigos 1.003,
parágrafo único, e 1.032 do Código Civil flui a partir do registro público da
respectiva alteração contratual. Na circunstância em que o credor somente toma
ciência do ilícito praticado pelo ex-sócio após transcorridos esses 02 anos, o ins-
trumento jurídico para responsabilizá-lo seria justamente a desconsideração da
personalidade jurídica. Pensar diversamente seria admitir a impunidade, além de
conflitar com o entendimento jurisprudencial de que a desconsideração, por se
tratar de direito potestativo que atua no plano da eficácia, poderia ser requerida
a qualquer tempo.
35
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação Cível nº 70043652130,
Quinta Câmara Cível. Relator: Des. Romeu Marques Ribeiro Filho. Porto Alegre, 24 de agosto de 2011.
Diário de Justiça: 1 set. 2011.
36
O TJSP já se posicionou desta forma: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação nº
0018497-05.2013.8.26.0003, Décima Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Jairo Oliveira
Junior. São Paulo, 8 de junho de 2016. Diário de Justiça: 8 jun. 2016. Trecho da Ementa: “Embargos à
Execução. Desconsideração da personalidade jurídica. Inclusão de ex-sócia no polo passivo. Inadmissibilidade.
Responsabilidade do ex-sócio extingue-se dois anos após a retirada. Artigos 1.003, parágrafo único, e
1.032 do Código Civil. Decurso do prazo antes da desconsideração da personalidade jurídica. Inclusão da
embargante no polo passivo afastada.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2226895-24.2016.8.26.0000,
Vigésima Segunda Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Alberto Gosson. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 9 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Sócios que se retiraram da sociedade há mais de dois anos da data da averbação de sua saída perante
a JUCESP. Impossibilidade de incluí-los no polo passivo em incidente de desconsideração da personalidade
jurídica sob a égide do Novo CPC. Incidência do disposto no art. 1.032 do CC.”
184
O próprio STJ impõe ainda outros limites. Por exemplo, o incidente de
desconsideração não se aplica aos graus extraordinários (como nos recursos
especial e extraordinário). Ao menos por duas razões, primeiro, porque nestes não
se admite a produção de provas37. Em segundo lugar, porque o assunto esbarrará
na falta de prequestionamento, quando a matéria não tiver sido suscitada nas
instâncias ordinárias, ao menos via embargos de declaração (CPC/2015 art.
1.025). O STJ considera inviável até mesmo o exame de questões de ordem
pública se ausente o prequestionamento38.
Mesmo para recursos em segundo grau de jurisdição sua utilização
tende a ser diminuta, visto que a apelação deve abranger somente as questões
já discutidas em primeira instância, ainda que não decididas, sob pena de con-
figurar supressão de instância39. Exceto em circunstâncias excepcionais, muito
específicas. Por exemplo, se se tratar de fato superveniente, aspecto que pode até
ser conhecido pelo magistrado, de ofício, mas que deve ser provado no recurso,
pela parte a quem aproveita (CPC/2015 art. 493). Ou, ainda, se a questão não
houver sido suscitada no primeiro grau de jurisdição “[...] por motivo de força
maior [...]” (CPC/2015 art. 1.014). Sendo que a força maior deve ser demons-
trada, evitando-se manobras processuais em que o interessado se utilize dessa
regra apenas para alegar fato que, injustificadamente, deixou de mencionar no
momento correto.
37
Vide, por todos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.098.712-RS, Quarta Turma.
Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Brasília, 17 de junho de 2010. Diário de Justiça: 4 ago. 2010.
Trecho da Ementa: “Nos termos do Código Civil, para haver a desconsideração da personalidade jurídica,
as instâncias ordinárias devem, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade
ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se
incabível.”
38
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 250.544-SP, Terceira Turma. Relator: Min.
Humberto Gomes de Barros. Brasília, 15 de fevereiro de 2005. Diário de Justiça: 14 mar. 2005. Trecho
da Ementa: “Mesmo em temas de ordem pública, o prequestionamento é necessário ao conhecimento do
Recurso Especial.”
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.545.840-SC Terceira Turma. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 27 de outubro de 2017. Diário de Justiça: 3 nov. 2015. Trecho
da Ementa: “As questões de ordem pública, embora passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias
ordinárias, necessitam observar o requisito do prequestionamento na via do recurso especial. Inovação de
tese recursal suscitada apenas em embargos de declaração, incompatível com a preclusão.”
39
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça doEstado. Agravo de Instrumento nº 2221393-07.2016.8.26.0000,
Décimo Oitava Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Hélio Faria. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 9 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Decisão que indeferiu a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa ré. Insurgência. Admissibilidade em parte. Indícios de encerramento
irregular das atividades da empresa agravada. Necessidade de instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica. Artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015. Imperiosa a citação
dos sócios da executada, visando assegurar o contraditório e a ampla defesa. Impossibilidade, neste grau de
jurisdição, de apreciar, desde logo, o mérito do pedido, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2114364-92.2016.8.26.0000,
Décima Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Coelho Mendes. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 3 nov. 2015.
185
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
40
Regimento interno do STJ, vigente em junho de 2017: “Art. 288-D. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo, e é cabível em todas as fases da ação de competência originária.”
41
Vide, por exemplo: PARENTONI, op. cit., p. 81-87.
42
Por exemplo, na área tributária, propôs-se alteração do CTN para proibir a desconsideração levada a efeito
186
Contudo, o entendimento prevalecente nos tribunais superiores admite
que o instituto seja aplicado tanto em decisões judiciais quanto administrati-
vas43 e também na arbitragem44. A própria Lei Anticorrupção permite que au-
toridades administrativas apliquem esta medida (art. 14 da Lei n. 12.846/2013).
Tal entendimento tende a ser mantido na vigência do CPC/2015.
Questão diversa consiste em saber quem tem poderes para pleitear a
medida. Ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, era comum
que os próprios magistrados decidissem aplicá-la, mesmo quando ausente pedido
expresso da parte interessada. Admitia-se, portanto, a desconsideração ex officio45.
Isto era frequente na Justiça do Trabalho46. Tal postura tende a mudar.
Com efeito, o art. 133, caput, do CPC/2015 – reiterando o que já constava
do art. 50 do Código Civil – dispõe que “[...] o incidente de desconsideração
da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério
Público”. Não pode, portanto, ser instaurado de ofício, por iniciativa do
próprio magistrado47.
pelas autoridades fiscais: BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar nº 88. Autor:
Deputado Carlos Bezerra. Brasília: 16 ago. 2011.
43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática, MS (MC). n.º 32.494/DF, j. 11.11.2013,
Rel. Ministro Celso de Mello; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma, RMS. n.º 15.166/BA,
j. 07.08.2013, Rel. Ministro Castro Meira; BRASIL. Tribunal de Contas da União. 2ª Câmara, Acórdão
n.º 3.858/2009, j. 14.07.2009, Rel. Ministro Marcos Bemquerer Costa; BRASIL. Tribunal de Contas da
União. 1ª Câmara, Acórdão n.º 2.218/2011, j. 12.04.2011, Rel. Ministro José Múcio Monteiro; e BRASIL.
Tribunal de Contas da União. Plenário, Acórdão n.º 1.831/2014, j. 09.07.2014, Rel. Ministro José Múcio
Monteiro.
44
O leading case internacional a esse respeito é: Dow Chemical: ICC. International Court of Arbitration.
Sentença Parcial nº 4131. j. 23.09.1982. Dow Chemical versus Isover Saint Gobain.
45
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.068-GO, Terceira Turma. Relator: Min.
Nancy Andrighi. Brasília, 16 de dezembro de 2003. Diário de Justiça: 14 mar. 2005.
46
PARENTONI, op. cit., p. 159. “Na prática, a pesquisa empírica revelou que existem vários casos de
desconsideração ex officio, correspondentes a 12% do total de julgados. Tal postura é marcante na Justiça
do Trabalho, de onde partiram mais de 91% das decisões desse tipo”
Ilustrando esse tipo de decisão: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento com Recurso
de Revista nº 42040-79.1997.5.06.0011, Quinta Turma, Relator: Min. Emmanoel Pereira. Brasília, 16 de
dezembro de 2009. Diário Eletrônico de Justiça do Trabalho: 5 fev. 2010. Trecho do voto do Relator:
“A parte recorrente, alegando infringência aos princípios da imparcialidade, do devido processo legal, da
legalidade, da publicidade, dá propriedade/do contraditório e da ampla defesa, sustenta que houve violação
do que determina a Corregedoria Geral do Colendo TST, no que tange ao instituto da desconsideração
da personalidade jurídica da executada e impugna o ato do Juízo a quo que, sem nenhum requerimento
da parte exequente, determinou a penhora de bem. [...] resta irrelevante o fato de o exeqüente, mediante
a petição de fls. 424/425, ter solicitado a constrição de bem imóvel diverso do que foi penhorado, eis que
a execução, nesta Justiça especializada, pode ser promovida de ofício pelo julgador, na forma do art. 878,
caput, da CLT.”
47
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 8. ed. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 397. “Como toda petição postulatória, a petição que veicula o pedido para a instauração do
incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica deve conter fundamentação (pressupostos
legais para a desconsideração) e pedido (desconsideração e penhora sobre o bem dos sócios).”
187
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
48
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Instrução Normativa n. 39. Brasília: 10 mar. 2016. “Art. 6°
Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no
Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de
execução (CLT, art. 878).” Concordando com este posicionamento do TST: CLAUS, Ben-Hur Silveira.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC/2015 e o Direito Processual
Trabalho. Revista Fórum Trabalhista, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 35-68, jan./mar. 2016; e TARTUCE,
Flávio. O novo CPC e o Direito Civil: Impactos, diálogos e interações. São Paulo: Método, 2015. p. 85.
49
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n.º 744.107/SP, j. 20.05.2008, Rel. Ministro
Fernando Gonçalves; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp. n.º 1.141.447/SP, j.
08.02.2011, Rel. Ministro Sidnei Beneti; e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, AgRg. no
AREsp. n.º 159.889/SP, j. 15.10.2013, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão.
50
GRECO, Leonardo. Instituição de Direito Processual Civil, 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense ; Gen,
2015, v. 1, p. 505, indica a origem do instituto no direito norte-americano. No mesmo sentido: ALVES,
Tatiana Machado. Primeiras questões sobre o amicus curiae no novo Código de Processo Civil. Revista de
Processo, São Paulo, v. 256, p. 91-92, jun./2016. PAIVA, Anderson Rocha. Amicus curiae: da legislação
esparsa ao regramento genérico do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 261,
nov./2016, p. 24, destaca alguma divergência no ponto, já que alguns pretendem apontar o direito romano
como origem do instituto, mas indica que a maioria da doutrina aponta o direito inglês como sua origem.
188
lizada por parte da doutrina e jurisprudência,51 como definiu recentemente o
Supremo Tribunal Federal,
51
PAIVA, op. cit., p. 25, entretanto, aponta que as traduções da expressão amicus curiae como “amigo da
corte” ou “amigo da cúria” seriam inadequadas, e manifesta entendimento no sentido de que o legislador
andou bem no CPC/2015 ao não traduzir a expressão amicus curiae.
52
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 3460-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília, 12 de fevereiro de 2015. Diário de
Justiça: 12 mar. 2015.
53
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 1, p. 529,
destaca também duas outras hipóteses de amicus curiae prevista na legislação brasileira antes do advento do
CPC/2015: Lei 6.385/76 prevê intervenção da CVM em processos que discutam matéria da sua competência,
e Lei 12.529/11 intervenção do CADE em processos relacionados com direito da concorrência. GRECO, op.
cit., p. 507, acrescenta outro caso específico, previsto na Lei 9.279/96, que prevê a intervenção do INPI nas
ações em que se discute patente. PAIVA, op. cit., p. 27, aponta, ainda, que a Lei 9.469/97, “[...] disciplina
a intervenção das pessoas jurídicas de direito público federais, independentemente da demonstração de
interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais
reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer [...]”.
189
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
54
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2, p. 98, aponta que o CPC/2015 “[...] resolveu acertadamente tornar atípica
a possibilidade de intervenção a título de amicus curiae no processo civil brasileiro” e indicam que “[...]
trata-se de evidente concretização da vertente democrática que alicerça nosso Estado Constitucional (art. 1º,
caput, da CF)”. No mesmo sentido ALVES, op. cit., p. 89, 91. Esta última, também indica como um dos
fundamentos da participação do amicus curiae o princípio da cooperação/colaboração. PAIVA, op. cit., p.
30, destaca, por sua vez, que a “admissibilidade de intervenção do amicus curiae em processos em geral abre,
pois, uma porta, no direito processual civil, para múltiplas possibilidades de homenagem e observância a
teorias, regras e princípios desenvolvidos a partir da ordem constitucional inaugurada pela Carta de 1988”.
A admissão do amicus curiae genericamente no CPC/2015 vai também, diante da sua aplicação subsidiária
aos procedimentos especiais (art. 1046, §2º), dentre estes os procedimentos coletivos, permitir a utilização
do instituto nestes últimos, como já defendiam CAMBI, Eduardo; DAMASCENO, Kleber Ricardo. Amicus
curiae e o processo coletivo: uma proposta democrática. Revista de Processo, São Paulo, v. 192, fev. 2011,
p. 27: “Assim, já reconhecido, expressamente, no direito brasileiro a possibilidade do terceiro intervir nos
processos de controle abstrato de constitucionalidade (art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999 e art. 7.º, § 2.º,
da Lei 9.868/1999), na uniformização da interpretação da Lei (art. 14, § 7.º, da Lei 10.259/2001) e na
definição da repercussão geral (art. 543-A do CPC/1973), o instituto democrático do amicus curiae deve ser
estendido, pelas mesmas razões conceituais e principiológicas que ensejou o seu acolhimento nas referidas
matérias, também no processo coletivo, onde a máxima efetivação de direitos fundamentais sociais reclama
a maior participação da sociedade”.
55
Aqui, como destaca o mesmo DIDIER JR., op. cit., p. 531, o CPC/2015 tomou partido em discussão
doutrinária e enquadrou expressamente a figura do amicus curiae no âmbito da intervenção de terceiros.
Também THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense; Gen, 2015, v. 1, p. 404-405, noticia as divergências na doutrina quanto à natureza jurídica do
instituto e indica que o seu enquadramento como intervenção de terceiros no CPC/2015 “atende à maioria
da doutrina”. Sobre a discussão das várias espécies de intervenção, cf. CAMBI; DAMASCENO, op. cit., p.
15-17, fevereiro/2011. Cf. ainda ALVES, op. cit., p. 91; e PAIVA, op. cit., p. 25-26. Detecta-se divergência
na doutrina em relação à posição do amicus curiae no processo: a) DIDIER, op. cit., p. 531, indica que
uma vez admitida a intervenção, o amicus curiae, a partir do CPC/2015, se torna parte no processo não
se aplicando a ele as regras de impedimento/suspeição; no mesmo sentido de não exigir imparcialidade do
amicus curiae, cf. ALVES, op. cit., p. 98-99; b) já GRECO, op. cit., entende que o amicus curiae se coloca
como sujeito imparcial para colaborar com a justiça e pode sofrer arguição de impedimento/suspeição.
56
GRECO, op. cit., p. 507, indica que a generalização do amicus curiae no CPC/2015 seguiu a linha do
instituto traçada nas Leis 9.868/99, 9.882/99 e 11.417/06.
190
Mantém, também, o CPC/2015 a previsão de cabimento do instituto
especificamente no âmbito dos recursos especial e extraordinário (art. 1038, I,
REsp e RE de matéria repetitiva; art. 1035, §4º, RE com repercussão geral);
do incidente de arguição de inconstitucionalidade em tribunal (art. 950, §§1º
a 3º); do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 983 e §1º); além
de manter as hipóteses vigentes de amicus curiae na legislação processual fora do
Código, por força do disposto no art. 1046, §2º.57
O CPC/2015, além da ampliação “objetiva” do cabimento do amicus
curiae, com a edição de norma generalizando o cabimento do instituto, antes
restrito a alguns processos específicos, também alargou subjetivamente a possibi-
lidade de intervenção, ao permitir expressamente a intervenção de pessoa natural,
conforme notícia a doutrina.58 O Supremo Tribunal Federal, em julgamento
realizado já na vigência do CPC/2015, assim destacou a compreensão da figura
do amicus curiae prevista no art. 138:
57
Nesse sentido, GRECO, op. cit., 507, indicando, inclusive, para estas hipóteses especiais de amicus curiae,
a aplicabilidade da norma genérica do art. 138 do CPC/2015. Registre-se que o STJ vinha destacando,
na vigência do CPC/1973, que só se admitiria o cabimento do amicus curiae no caso de recurso especial
representativo de controvérsia, não cabendo em outros casos perante o tribunal superior: “Não se trata
de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC), não se mostrando admissível a figura do
amicus curiae em processo singular afetado à Corte Especial por decisão de Turma. E ainda que assim não
fosse, não se admitiria a interposição de recurso nos casos em que há intervenção anômala de entidades
representativas em julgamento de recurso repetitivo. Precedentes do STJ e do STF” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.187.404-MT, Corte Especial.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, 1 de outubro de 2014. Diário de Justiça: 13 out. 2014). Agora,
todavia, com a disposição geral do art. 138 do CPC/2015, mesmo mantendo-se a hipótese específica de
amicus curiae no REsp de matéria repetitiva (art. 1035, §4º), em tese pode-se sustentar o cabimento do
amicus curiae em outros casos em curso perante o STJ, desde que preenchidos os requisitos do art. 138 do
CPC/2015.
58
THEODORO JR., op. cit., p. 406: “O novo Código adotou, portanto, entendimento mais amplo do que
aquele que vinha esposando o STF par a intervenção do amicus curiae nas ações de controle concentrado
de constitucionalidade, na medida em que permite tal intervenção, nas ações em geral, não só de órgãos
ou entidades (Lei 9.868/1999, art. 7º, §2º), mas, também, de pessoa física com evidente conhecimento e
autoridade a respeito da matéria em discussão”. PAIVA, ob. cit., p. 32, aponta, entretanto, precedente do
STF (MS 32.033), de 2013, em que se teria admitido pessoa natural como amicus curiae.
191
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
59
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 705.423-SE, Tribunal
Pleno. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 15 de dezembro de 2016. Diário de Justiça: 8 fev. 2017.
60
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos
Países de Civil Law e Common Law: Uma Análise de Direito Comparado. São Paulo: RT, 2008, p. 250.
“Raros são os países que adotam o pré-requisito da representatividade adequada a ser aferida, caso a caso,
pelo juiz, como acontece nas class actions norte-americanas. Todavia, muitos países de civil law atribuem
à lei a fixação de pré-requisitos sem os quais vem a faltar a legitimação. De nada mais se trata senão da
representatividade adequada, embora sem a utilização dessa denominação.”
61
“Não é cabível a intervenção de entidade como amicus curiae em recurso representativo da controvérsia
quando sua finalidade estatutária não tem pertinência temática com as teses a serem enfrentadas no recurso.
Isso porque a representatividade das pessoas, órgãos ou entidades deve relacionar-se diretamente à identidade
funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifique, de modo a atender
ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento da causa, não sendo suficiente
o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes. A intervenção formal no processo
repetitivo deve dar-se por entidade cujas atribuições sejam pertinentes ao tema em debate, sob pena de
prejuízo ao regular e célere andamento desse importante instrumento processual” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.391.198-RS, Segunda Seção. Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Brasília, 13 de agosto de 2014. Diário de Justiça: 2 set. 2014). Nesse sentido, o STJ vinha negando
pertinência temática em alegações genéricas de interesse da entidade na causa, exigindo a demonstração
de relação direta entre a finalidade institucional e o objeto da causa em curso: a) “A mera afirmação da
Defensoria Pública da União - DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no
recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de
amicus curiae. Precedente: REsp. 1.333.977/MT, Segunda Seção, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em
26.02.2014” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.371.128-RS, Primeira Seção.
Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Brasília, 10 de setembro de 2014. Diário de Justiça: 17 set. 2014);
b) “O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) opôs Agravo Regimental contra
decisão que não o admitiu como “amicus curiae”. O CFOAB possui, no caso, interesse jurídico abstrato, e
a pretensão de defesa da segurança jurídica não se coaduna com o instituto do “amicus curiae”, que exige
a representatividade de uma das partes interessadas ou a relação direta entre a finalidade institucional e o
objeto jurídico controvertido. Precedentes do STJ” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial
nº 1.309.529-PR, Primeira Seção. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 28 de novembro de 2012.
Diário de Justiça: 4 jun. 2013).
62
Nesse sentido, conferir THEODORO JR., op. cit., p. 407, ao destacar que a “pertinência temática” tem
sido o critério prático que a jurisprudência utiliza para admitir ou não o amicus curiae em determinado
feito. DIDIER JR., ob. cit., p. 530, cita enunciado do Fórum Permanente de Processualistas (Enunciado
127) no qual se destaca que “[...] a representatividade adequada exigida do amicus curiae não pressupõe
a concordância unânime daqueles a quem representa”. Paiva, op. cit., p. 32-33, também aponta que tal
“representatividade” não traduz representação em sentido jurídico, tal como ocorre para os incapazes ou
no mandato: “Fala-se, neste aspecto, em interesse institucional, relacionado à defesa de uma agenda que
se refira à própria razão de existir do candidato à interferência, em cuja atuação confie numeroso grupo”.
192
Não obstante o CPC/2015 não ter indicado o momento processual em
que se admite a intervenção, a doutrina63 e a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal têm entendido ser possível a demanda de intervenção até a data em que
o relator liberar o processo para a pauta.64
No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se discutia a
respeito da possibilidade ou não do amicus curiae recorrer da decisão que indefere
seu pedido de intervenção,65 pendendo a orientação em precedente mais recente
para o não cabimento de recurso até mesmo contra decisão de indeferimento
da intervenção66 e, ainda, não se admitindo, de forma alguma, recurso contra a
decisão final da causa que eventualmente não tenha atendido as expectativas do
63
PAIVA, op. cit., p. 32: “A lei não fixa um prazo para a intervenção, sendo esta limitada, porém, ao momento
em que não mais seja possível o alcance da finalidade a que ela se dirige. Ou seja, é da essência do amigo
da corte a participação no processo para auxiliar o magistrado com o fornecimento de informações, a
exposição de opiniões, a apresentação de documentos, entre outros subsídios, fáticos ou jurídicos. Presente
fase processual em que inviabilizados tais misteres, é de não se admitir o ingresso do amicus”.
64
“A jurisprudência da Suprema Corte está sedimentada no sentido de que o amicus curiae somente pode
demandar sua intervenção até a data em que o Relator liberar o processo para pauta (ADI nº 4.071-AgR).
A rigidez desse entendimento é mitigada pelo STF apenas de forma excepcional. Alegações da agravante
insuficientes para tal fim. Não configuração, in casu, de hipótese excepcional a justificar a reforma da
decisão agravada” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. na Ação Cível Originária nº
779, Tribunal Pleno. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 30 de novembro de 2016. Diário de Justiça: 9
mar. 2017).
65
“Há dois entendimentos possíveis sobre o cabimento de recurso contra decisão que aprecia pedido de ingresso
como amicus curiae: i) o primeiro, no sentido da irrecorribilidade de tal decisão, em razão do teor literal
do art. 7º, §2º, da Lei 9.868/1999 e do art. 21, XVIII, do RI/STF; ii) o segundo, na linha capitaneada
pelo Ministro Celso de Mello, admitindo a interposição de recurso contra a decisão que indefere o ingresso
como o amicus curiae, pelo próprio requerente que teve o pedido rejeitado (cf. RE 597.165 AgR, rel. Min.
Celso de Mello)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº
590.415, Tribunal Pleno. Relator: Min. Roberto Barroso. Diário de Justiça Eletrônico, n. 101, 29 maio
2015).
66
“A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal
possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória,
a ser deferida segundo juízo do Relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não
compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência
ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega
legitimidade recursal ao preterido” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3460-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília,
12 de fevereiro de 2015. Diário de Justiça: 12 mar. 2015). Confira-se do voto do Relator, Min. TEORI
ZAVASCKI, em que se anuncia a controvérsia sobre o tema no próprio STF: “Entretanto, persiste
controvérsia sobre a sua legitimidade recursal para impugnar decisões que tenham denegado o pedido de
ingresso no processo. Há precedentes que admitem essa faculdade em seu favor (ADI 3105 ED, Red. p/
acórdão, Min. Cezar Peluso, DJ de 23/2/07; ADI 3615 ED, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 25/4/08)
e outros que a negam (ADI 2591 ED, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 14/12/06; ADI 3934 ED - segundos
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 31/3/11; e RE 598099 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe de 18/12/12). O dissídio está sendo especificamente debatido no julgamento, ora suspenso, do agravo
regimental na ADI 3396 AgR, Rel. Min. Celso de Mello”. Registre-se que até a data da entrega deste artigo
para publicação o STF ainda não havia concluído o julgamento do agravo regimental na ADI 3396.
193
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
67
“Segundo jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, colaboradores admitidos em processos
objetivos e causas com repercussão geral na condição de amicus curiae não detém legitimidade para recorrer
de decisões de mérito, ainda que tenham participado do julgamento mediante a oferta de elementos de
informação. 2. Embargos de declaração não conhecidos” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundos
Embargos de Declaração na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 77-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília, 16 de abril de 2015. Diário de Justiça
Eletrônico, n. 85, 8 maio 2015).
68
“O amicus curiae não possui legitimidade para a oposição de embargos de declaração em sede de ações de
controle concentrado de constitucionalidade. Precedente” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos
de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 6-PR, Tribunal Pleno. Relator:
Min. Edson Fachin. Brasília, 1 de julho de 2016. Diário de Justiça: 5 set. 2016.). Na mesma linha o
entendimento do STJ: “Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firma que o instituto do
amicus curiae não é servível para os fins de intervenção no feito com a oposição de embargos de declaração,
uma vez que tal atuação é permitida somente para dotar a controvérsia jurídica com mais fundamentos e
não para a representação ou defesa de interesses. Precedente: EDcl no REsp 1.418.593/MS, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 18/6/2014” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo
Regimental no Agravo de Instrumento na Petição no Recurso em Mandado de Segurança nº 45.505-PE,
Segunda Turma. Relator: Min. Humberto Martins. Brasília, 10 de março de 2015. Diário de Justiça: 13
mar. 2015).
69
MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, op. cit., p. 99, defendem o cabimento de recurso contra a
decisão que inadmite a intervenção a título de amicus curiae: “É certo, porém, que o legislador desde logo
deferiu ao amicus curiae o poder de recorrer da decisão que inadmite sua participação no processo, o de
opor embargos declaratórios e de recorrer da decisão do incidente de resolução de demandas repetitivas”.
GRECO, op. cit., p. 508-509, também aponta a inviabilidade de tornar irrecorrível a decisão de inadmissão
do amicus curiae e indica a perspectiva de inconstitucionalidade de tal irrecorribilidade estampada no art.
138 do CPC/2015: “A ser reconhecida a inconstitucionalidade da decisão de admissão, o que não vislumbro
num horizonte próximo, pois o STF a tem aplicado, parece-me que o amicus curiae teria interesse em
recorrer da decisão de inadmissão”. Também ALVES, op. cit., p. 99-100, destaca a discussão em torno
do ponto na doutrina e jurisprudência anterior ao CPC/2015, entendendo que o art. 138 teria deixado a
questão em aberto, pois parece indicar a irrecorribilidade apenas da decisão que admite o amicus curiae,
com o que se admitiria o recurso no caso de indeferimento do pedido de intervenção. DIDIER JR., op.
cit., p. 531, também defende o não cabimento de recurso quanto à decisão que admite a participação do
amicus curiae e o seu cabimento contra a decisão que a indefere.
70
Nesse sentido DIDIER JR., op. cit., p. 533, citando dois enunciados do Fórum Permanente de Processualistas
Civis 128 (“no processo em que há intervenção do amicus curiae, a decisão deve enfrentar as alegações por
ele apresentadas, nos termos do inciso IV do §1º do art. 489”; e 394 (“As partes podem opor embargos de
declaração para corrigir vício da decisão relativo aos argumentos trazidos pelo amicus curiae”).
194
O CPC/2015 também indica, no art. 138, §2º, que “[...] caberá ao juiz
ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os pode-
res do amicus curiae[...]”, autorizando, por exemplo, a produção de provas ou a
sustentação oral de suas razões.71
Outro ponto importante a destacar é que a admissão da intervenção do
amicus curiae não altera as regras de competência (art. 138, §1º, CPC/2015), de
modo que se, por exemplo, uma autarquia federal, vê deferida uma intervenção
como amicus curiae em processo em curso perante a Justiça Estadual, não haverá
deslocamento da competência para a Justiça Federal, prevista no art. 109, I, CF.
A nova previsão legal se funda no entendimento de que o amicus curiae não se
torna parte no processo em que ocorre a intervenção, vez que não atua, como
definiu o STF, para defender interesse próprio, mas para colaborar com a Justiça,
razão pela qual sua presença não pode mesmo alterar as regras de competência.72
7 CONCLUSÃO
71
Cf. DIDIER JR., op. cit., p. 532.
72
Nesse sentido, cf. DIDIER JR., op. cit., p. 531-532, e THEODORO JR., op. cit., p. 409.
73
CADIET, Loic, Les nouvelles tendances de la procédure civile en France.In:________. Novos Rumos da
Justiça Cível. Braga : CEJUR, 2008, p. 48: Nous sommes vraiment entrés dans l’ère du management judiciaire,
conçu non pas comme l’expression de la toute puissance du juge, mais comme la coopération efficiente de tous les
acteurs du procès, seule compatible avec une société démocratique dont les exigences imposent d’ailleurs de relever
d’autres défis [...].
74
Ibid., p. 50-51.
195
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
A doutrina italiana tem indicado que o destaque da jurisdição, como função essencial do Estado para atuar
75
a vontade da lei, tem sido deixada de lado para dar maior enfoque à justiça como serviço público, ou seja,
o serviço-justiça voltado à efetivação dos direitos subjetivos dos usuários, destacando-se o cenário da justiça
como serviço público tendo em vista a utilidade que rende ao usuário, sem deixar, claro, de ser poder. Trata-se
de agregar nova perspectiva para a justiça, de modo que esta não pode ser concebida só como função/poder
estatal, mas também como serviço público voltado para a composição de conflitos. Conferir CAPONI, op.
cit., p. 391-392: Dire che lo scopo del processo civile è la giusta compozione della controversia entro un termine
ragionevole non significa “indossare un vestito buono per tutte le stagioni”, ma implica di compiere una scelta
piuttosto determinata. Essa entra in tensione critica con la concezione che vede nell’amministrazione della giustizia
una funzione essenziale propria dello Stato moderno al servizio della attuazione della “volontà della legge”, con
le caratteristiche della relativa incontestabilità sul piano del diritto sostanziale e nel corso dei futuri processi.
Questa seconda concezione si rende interprete di una tradizione alta e ricca di prestigio, ma relega piuttosto sullo
sfondo l’utilità che gli individui, in quanto parti del processo, ricavano dall’esercizio della giurisdizione. Lo
scopo del processo tende ad essere colto attualmente, piuttosto, nell’attuazione dei diritti soggettivi dei privati. Se
questo è vero, in primo piano si profila l’utilità che gli individui si ripromettono di conseguire nel momento in
cui intraprendono (o si difendono in) un processo. Di conseguenza, la giurisdizione non è da concepire solo come
una funzione dello Stato moderno diretta all’attuazione del diritto nel caso concreto, ma anche – in primo luogo
196
Tal engajamento de juízes, promotores, advogados, serventuários e do
próprio Poder Público, ao lado do fornecimento de recursos financeiros e ma-
teriais, é imprescindível para a evolução do quadro da justiça brasileira, pois
como destaca Giannini, a administração pública em sentido amplo é um carro
pesado tracionado por seis rodas, que lhe asseguram o movimento: as regras,
o procedimento, a formação de pessoal, a organização, a dotação material e os
recursos financeiros. As regras e os procedimentos são os primeiros instrumentos
de trabalho, mas sem as demais “rodas”, o “carro-administração” não anda76. Não
basta, pois, atualizar legislativamente as regras e o procedimento para modernizar
a justiça.
Nesse sentido, do ponto de vista normativo ou procedimental, tem-se
que o Brasil, com a edição do CPC/2015, certamente vai se inserir entre os
países ocidentais com um dos mais atuais Códigos de Processo Civil, e espera-se
que a administração pública, aqui incluída a advocacia pública, os tribunais, a
doutrina jurídica e todos os partícipes do processo façam sua parte e busquem
a implementação de uma nova era para a Justiça brasileira.
REFERÊNCIAS
– come servizio pubblico diretto alla composizione delle controversie secondo giustizia (cioè con l’applicazione
di criteri di giudizo oggettivi e predeterminati). Dominante in questa prospettiva è proprio l’utilità aspirata da
chi agisce (o si difende) in giudizio).
76
AMOROSINO, Sandro. Achille e la tartaruga: semplificazione amministrativa e competitività del “sistema
Italia”. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2006, p. 5-6.
197
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 18. ed. Salvador:
Editora JusPodivm, 2016, v. 1.
198
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO,
Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2.
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 56. ed. Rio
de Janeiro: Forense ; Gen, 2015. v. I.
199
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Editora Mestre Jou,
1968.
200
AFINAL, OS MAGISTRADOS PODEM ARBITRARIAMENTE
DETERMINAR A REDUÇÃO DE PETIÇÕES? 1
1 INTRODUÇÃO
1
Artigo escrito em homenagem ao meu querido professor, colega e amigo, Raimundinho. A você,
Raimundinho, que me ensinou as primeiras linhas do processo civil, dedico esta singela homenagem em
forma de artigo, demonstrando a minha eterna gratidão pelos ensinamentos passados, presente e futuro.
*
Professora Adjunta de Processo Civil da Universidade Federal de Minas Gerais; Ex-professora adjunta de
Processo Civil da Universidade Federal de Ouro Preto, do qual foi coordenadora do Centro de Mediação
e Cidadania – CMC-UFOP. Doutora em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG e Mestra em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Conselheira-Geral do
IDPro - Instituto de Direito Processual.
2
Ver: <https://goo.gl/zGwLUw>; <https://goo.gl/YCZLDs>; <https://goo.gl/i5wEvA> e <https://goo.
gl/AcYcsU>; todas estas reportagens acessadas entre os dias 16 a 19 de agosto de 2017. O curioso é que
esta decisão não é a primeira. No ano de 2014 o juiz Valdir Flávio Lobo Maia, da Vara Única de Patu,
no Rio Grande Norte, determinou que o advogado refizesse a petição inicial “reduzindo-a a uma versão
objetiva com a extensão estritamente necessária”, sob pena de ser indeferida. Vide: BEZERRA, Elton. Juiz
do RN manda petição do “tamanho de livro” ser refeita. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 6 abr.
2014. Abuso de Direito. Disponível em: <https://goo.gl/hGLro8>. Acesso em: 23 ago. 2017.
3
Decisão proferida pela MMa. Juíza Federal do Trabalho ELISANGELA SMOLARECK, nos autos do
processo da Reclamação Trabalhista nº 000325-63.2017.5.10.0005
4
ADVOGADOS do Banco do Brasil criticam limitação imposta por juíza para petição. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 18 ago. 2017. Caso complexo. Disponível em: <https://goo.gl/qL6RC2>. Acesso em:
28 ago. 2017.
201
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
5
Autos do processo de número - MS 0000478-14.2017.5.10.0000.
6
É assim que o homenageado gosta de ser chamado, e não o contrariarei neste pequeno ensaio em sua
homenagem.
7
Piero Calamandrei, grande defensor da confiança que deveria existir entre os magistrados e os advogados,
reconhecia que os advogados têm “el deber importantísimo de constituirse en leales colaboradores del juzgador,
no retardando el curso de la justicia, por razones de táctica. Por lo que resulta ocioso que, sobre el papel, los
Códigos restrinjan los términos, prohíban los aplazamientos o impongan la concentración si jueces y abogados se
unen en una alianza en la que impere la cómoda costumbre de la pereza.” (CALAMANDREI, Piero. Proceso
y Democracia. Lima: Ara Editores, 2006, p. 141 e CALAMANDREI, Piero. De las Buenas Relaciones
entre Jueces y los Abogados en el Nuevo Proceso Civil. Lima: Ara Editores, 2006).
8
Para Cappelletti: “[...] assai maggiore fidúcia [...] nel contato direto del giudice coi difensori.” Ou como observado
por CALAMANDREI que “[...] per chi ritenga quel bisogno di umanità può sodisfarsi unicamente mediante
un ritorno del processo alla semplicità ed alla naturalezza, onde ridotti al minimo gli schermi del formalismo,
si mira a rimmettere in direto contto, in modo che possano rapidamente e lealmente intendersi, gli uomini che
prendon parte al dramma giudiziario, il giudice e i giudicabili, il magistrato e i difensori” (CAPPELLETTI,
Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità: contributo alla teoria della utilizzazione
probatoria del sapere delle parti nel processo civile. Milão: Ed. Giuffrè, 1962. v. 1, p. 45).
202
impressões necessárias para o julgamento da causa. Ao se permitir um processo
escrito, reduzido na prática a uma série de intercâmbio de escritos entre os ma-
gistrados e os advogados,9 cada vez mais ficariam os jurisdicionados longe do
contato com o magistrado e destes com os advogados, fazendo dos operadores
do processo reles e meros burocratas, o que só prejuízo causa ao processo:
9
CALAMANDREI, op. cit., p. 40.
10
CALAMANDREI, op. cit., p. 69
11
E este é sentido do CPC/15 quando adota a vinculação dos julgados proferidos em julgamento pela
técnica de julgamento repetitivo, como é o caso do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, e
dos julgamentos dos Recursos Especiais ou Extraordinários repetitivos.
203
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
12
CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil: segun el nuevo Codigo. Buenos Aires:
EJEA, 1962, p. 394
13
AROCA, Juan Montero. Los principios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil. Valencia:
Marcial Pons, 2001, p. 586. Tradução livre do original: “[...] es un drama entre tres personas, que sólo se inicia
por una de las partes, de modo que ninguna persona puede ser obligada a demandar.”
204
para serem ouvidas, solicitar esclarecimentos, como também, de ofício, solicitar
outras provas que não aquelas por elas requeridas.14
Embora se possa parecer que o princípio da demanda seja o mesmo que
o princípio dispositivo, não há fazer tal confusão15 posto que:
205
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
pelo princípio da inércia da jurisdição, iniciar o processo sem demanda (ne judex
ultra petita partium, como ainda de se manter restrito a causa petendi judex judicet
secundum allegata partium), sem que seja provocado pelas partes. E o princípio
dispositivo é aquele que se liga à iniciativa probatória, aos meios de prova que irão
conduzir o juízo ao convencimento, uma vez que, em regra, cabe ao autor fazer
prova do fato constitutivo e ao réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito do autor.
Quando as partes não conseguirem se eximir da incumbência de provar
os fatos alegados, não há como permitir que o juiz simplesmente ‘lave as mãos’
e julgue de acordo com provas que nada provaram. Não se admite uma sentença
non liquere18, sendo vedado ao juiz de se eximir de julgar a demanda ainda que
os fatos não tenham sido provados e ainda que não se tenha convencido das
alegações das partes. Entende-se que mal maior19 ocorre quando o juiz julga sem
ter se convencido dos fatos alegados e postos sob sua apreciação.
Portanto, deve existir um meio termo para a suposta incongruência entre
o princípio dispositivo e o impulso oficial. Se o processo, pelas mãos de Klein,
se torna mais social por permitir uma participação mais ativa do juiz, há que se
verificar quanto à existência ou não da contrariedade entre o princípio dispositivo
e o impulso oficial. Uma vez que, de acordo com o próprio precursor do processo
social, não é possível dar poderes ilimitados ao juiz, sob pena do processo assu-
mir um caráter inquisitório. Por esta razão é que no Código de Processo Civil
austríaco20, o princípio dispositivo foi reduzido apenas quanto ao seu âmbito
substancial, qual seja, a possibilidade de influenciar as partes no desenvolvimento
interno do processo de um lado e, de outro lado, a solução encontrada se deu no
sentido de dar ao juiz, ainda que de ofício, “[...] a direção do desenvolvimento
da atividade processual [...]”21, dotando-o, assim, de poderes instrutórios.
A solução encontrada pelo ordenamento processual brasileiro é o mesmo
encontrado no ordenamento austríaco22 e alemão que foi o de mitigar o rigor
do princípio dispositivo, para permitir ao juiz, ainda que de ofício, determine o
18
Princípio do iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sumeste que existia no direito romano
do qual o juiz podia eximir-se de julgar a demanda, caso em que não tivesse se convencido das alegações
das partes.
19
E neste sentido já reconheceu Mauro Cappelletti que “il male maggiore sarebbe dato invece o addirittura
dalla impossibilità di giudicare (il non liquet del giudice romano), oppure da una decisione ‘allo stato degli atti’,
che lasci sostanzialmente impregiudicata la controversia” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della
parte nel sistema dell’oralità: contributo alla teoria della utilizzazione probatoria del sapere delle parti
nel processo civile, Milano: Giuffrè, 1962. v. 1, p. 394-395).
20
PICARDI, Nicola. Le riforme processuali e sociali di Franz Klein. Rivista di storia giuridica dell’età
medievale e moderna, Roma, 2012, p. 15-16.
21
PICARDI, op. cit., p. 13-15.
22
Tal faculdade do Juiz também é encontrada no Codice di Procedura Civile (art. 117 c/c art. 118), como na
ZPO austríaca (§ 183).
206
comparecimento das partes e de seus advogados, para esclarecimento da demanda.
Que está intimamente ligado ao princípio da cooperação, tal como previsto no
artigo 6º do CPC.
A imparcialidade do juiz, que significa a sua independência e seu desin-
teresse social, psicológico ou econômico diante das partes da relação litigiosa
deduzida em juízo, não implica, por seu turno o completo desinteresse pelo me-
lhor desfecho da demanda. Tão mais grave que esse desinteresse é a indiferença23,
sobretudo, quando não convencido acerca da matéria deduzida pelas partes ou
mesmo quando não tenha condições de ler enormes arrazoados, deixa de pedir
a necessária e efetiva colaboração do advogado.
Pois, pior será o juiz, que acobertado pelo manto da imparcialidade, profira
qualquer sentença, mesmo não estando convencido da matéria fática alegada e
que sequer teve condições de demonstrar as deficiências dos arrazoados trazidos
pelas partes.
Vale relembrar mais uma vez Piero Calamandrei24 para quem há de existir
“fixação de uma nova ordem de limites e de relações entre a iniciativa das partes e
a iniciativa do juiz; não que seja a negação de liberdade, senão nova regulação de
liberdade das partes.” Isso porque ao lado da função pública, devem ser estabele-
cidos e concedidos ao juiz poderes indispensáveis para que ele possa administrar
o processo de forma ativa, rápida e segura, nem mesmo nas causas que envolvam
direito privado e disponível não se poderia o juiz ser mais ativo, uma vez que o
processo é público, não podendo ser considerado um negócio privado para ser
administrado apenas pelas partes, enquanto o juiz assistiria impassível os mandos
e desmandos dos particulares.
Em qualquer processo, oral (como é tipicamente o processo trabalhista
no Brasil) ou escrito, o juiz deve ser ativo, participativo, sob pena de agir mal
quando, sabendo que as questões colocadas sob sua apreciação carecem de outras
provas, acareação e esclarecimentos e, mesmo assim, queda-se inerte. Quando
o juiz toma uma atitude mais ativa no processo, pedindo a colaboração e par-
ticipação dos interessados: seja quando chama as partes para serem ouvidas e
prestarem esclarecimentos; seja quando convoca novas testemunhas; seja quando
pede esclarecimentos ou peça auxílio para que as alegações sejam reduzidas a um
tamanho razoável, com a concisão e objetividade que os atos merecem, ele não tem
condições de saber qual das partes será privilegiada com o que fora determinado.
23
Neste sentido: THEODORO JR., Humberto. O Processo Justo: O Juiz e seus Poderes Instrutórios na
Busca da Verdade Real. HTJ, Belo Horizonte, 15 set. 2009, p. 16. Disponível em: <https://goo.gl/i9KiCf>.
Acesso em: 5 abr. 2014.
24
CALAMANDREI, op. cit., p. 394.
207
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
25
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Garantia do Contraditório, p. 3-4; OLIVEIRA, Carlos Alberto
Álvaro de. “Poderes do juiz e visão cooperativa do processo”, p. 2-3.
26
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual: Inquisitivo, Dispositivo e Cooperativo,
p. 220; DIDIER JÚNIOR, Fredie. O Princípio da Cooperação: Uma Apresentação, p. 75 e DIDIER
JÚNIOR, Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português.
Coimbra: Wolters Klumer ; Coimbra Editora, 2010, p. 18
27
THEODORO JR., Humberto. NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer
ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de
aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 34, n. 168, fev. 2009, p. 109.
28
REDENTI, Enrico. L’Umanità nel Nuovo Processo Civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. 18,
n. 1, jan. 1941, p. 33.
208
participativo em comparticipação com os interessados, mas jamais autoritário e
impassível. E, decisões como a proferida pela magistrada do trabalho que deter-
minou, sem qualquer fundamento ou justificativa, a redução da peça de defesa
pelo advogado, não podem ser toleradas.
No processo cooperativo, o juiz pode e deve convidar as partes e seus
advogados para, em audiência, pedir esclarecimentos, mostrar os pontos fracos
e deficientes de sua defesa, mas jamais exigir redução de peças só por entender
ser ela extensa, mas sem ao menos tê-la lida.
No processo civil alemão, que há muito adota o princípio da colaboração,
mostra-se imprescindível que as partes compareçam pessoalmente às audiências
para dialogarem entre si e o juiz, serem ouvidas e explicarem pontos que ainda
não tenham sido esclarecidos, oportunidade em que o juiz também pode alertá-las
sobre as deficiências na defesa e alegações de cada uma. O papel do advogado
na audiência é posto numa posição menos relevante para que as partes possam
manifestar-se, uma vez que são elas que falam e devem ser ouvidas. A elas é dado,
em primeiro lugar, o direito de falar. Na audiência, o debate ou diálogo começa
com o juiz convidando as partes a falarem sobre a situação fática de acordo com
o seu ponto de vista e, portanto, há que se reconhecer que a função do advogado
limita-se a esclarecer ou indicar a parte um ponto ou outro para ser devidamente
esclarecido. No processo alemão, embora representadas por seus procuradores,
as partes falam por si em audiência.
Engana-se quem pensa que os advogados alemães sentiam-se despresti-
giados29 pelo fato de exercerem um papel menor em audiência. Os advogados
alemães tiveram a oportunidade de observar, no decorrer das últimas reformas,
que a realização dos concentrados em uma única audiência é mais vantajosa,
seja pelo tempo empregado que é menor, seja pela pouca resistência das partes
pela decisão que é construída por elas. O papel exercido pelas partes é de suma
importância no processo alemão, uma vez que têm o dever de, juntamente com
o juiz, colaborar30 para o esclarecimento da controvérsia (§139, ZPO).
O juiz no processo alemão exerce um papel mais ativo, devendo sempre
se pautar pelo diálogo. E ainda que as partes tenham o direito de dispor sobre
29
GRUNSKY, Wolfang.. Il cosiddetto ‘Modelo di Stoccarda’ e l’acelazarione del Processo Civile Tedesco.
Rivista di Diritto Processuale Civile, Padova, v. 26, n. 3, jul. 1971, p. 367-368.
30
Isto por que no § 139 ZPO o juiz é obrigado a, em colaboração com as partes, esclarecer a controvérisa
para pode bem decidi-la. Reconhecendo Pérez Ragone que este “[...] deber, que pesa en cabeza del juez, es
necesario en tanto y en cuanto las partes y con las partes puedan discutirse las cuestiones de hecho y de derecho.
Los límites de la litis fijan el ámbito de ejercicio de este deber, así el Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE)
se pronunció claramente en favor de la tutela del derecho a ser oído y del derecho de defensa sobre la base de esta
disposición precisamente en su aplicación extralimitada” (PÉREZ-RAGONE, Álvaro J. Oralidad y prueba
en Alemania, informe nacional, p. 356).
209
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
meios de provas para o convencimento do juiz, tem ele o poder para, de ofício,
ordenar sejam realizadas outras que não só as solicitadas pelas partes como ainda
o de chama-las, a qualquer momento, sempre que possível (§136, ZPO) para
ouvi-las, como forma de evitar surpresa nas decisões, advertindo-as31 sobre pontos
que não estão suficientemente esclarecidos, solicitando adequação e elucidação
dos pontos obscuros de suas alegações.
O juiz tem deveres e faculdades que devem ser plenamente observados
quando da instrução do processo, deve ser ativo, participativo (§§ 279 e 139,
ZPO), com plenos poderes para designar até mesmo nova audiência, se necessário.
Até porque, o juiz alemão, a todo o momento, pode e deve dar prioridade a solu-
ção amigável ao conflito, assim como já é exigido no processo civil brasileiro (art.
3º, §3º c/c os arts. 334 e 359, do CPC). E ainda quando as partes renunciarem
à realização da audiência conciliatória prévia (§ 278, ZPO) o juiz tem o dever
de designar uma audiência antes de proferir a sentença. E assim como se dá no
processo civil brasileiro, no processo civil alemão, tanto o juiz como as partes
têm deveres e poderes de colaborar na sempre eficiente tramitação do processo.32
Na Ley de Enjuiciamento Civil de 2000 – LAC espanhola, embora o juiz
não tenha os mesmos poderes e deveres do juiz do processo alemão, que tem
um viés mais social, há que se reconhecer, no entanto, que o mesmo tem ampla
liberdade de, na instrução do processo, buscar a verdade dentro das provas que
foram propostas pelas partes ou, quando a lei previamente estabelecer, quais
provas devem ser realizadas como pedir esclarecimentos e apontar as deficiências
das alegações das partes.
Nesse sentido, o artigo 282 da LEC, que trata da iniciativa da prova pelo
juiz espanhol, prevê que ele pode, de ofício, exigir que se pratiquem determinadas
provas ou que sejam apresentados certos documentos ou outros meios e instru-
mentos quando assim estabelecer a lei. Montero Aroca33, ferrenho combatente
31
Para Adolfo Wach este poder do juiz, não pode e nem deve ser visto como inquisitivo, por se tratar de um
meio de informação, em que o “[...] derecho de preguntas comprende el derecho no sólo de hacer preguntas a
la parte, sino de hablar con ella en general. Es un recurso para reconocer como tales las afirmaciones enredosas,
frívolas, mentirosas, para aclarar la manifestación torpe y confusa de la voluntad de la parte, o para instigar
a la sustanciación de peticiones no sustanciadas y al ofrecimiento de pruebas, respeto de afirmaciones no proba
das que necesitan prueba. Ello no significa violación de la máxima dispositiva, sin ejercicio del deber de juez;
significa que se expone la situación jurídica y se advierte a la parte sobre la importancia jurídica de su alegato.
El juez debe sentenciar a base de los alegatos de las partes. Pero entonces debe permitírsele decir a la parte: tu
alegato es incompleto, incomprensible en ese o aquel punto, no está probado; si quieres vencer, complétalo, acláralo,
pruébalo” (WACH, Adolfo. Conferencias sobre la Ordenanza procesal Civil Alemana.Valencia: Marcial
Pons, 2017, p. 87).
32
PÉREZ-RAGONE, Álvaro J.; PRADILLO, Juan Carlos Ortiz. Código Procesal Civil alemán [ZPO].
Berlin: Konrad Adenauer Stiftung (KAS), 2006, p. 12.
33
Texto base de la conferencia pronunciada en las XVII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal,
celebradas en San José, Costa Rica, los días 18 a 20 de octubre de 2000 (AROCA, Juan Montero. Los
210
contra o ativismo judicial, reconhece, no entanto, que, embora o juiz do processo
espanhol não seja um juiz ativo como no processo social, tem poderes-deveres na
condução do processo, que o permite ir quanto possível em busca da verdade,
indicando a insuficiência das provas trazidas pelas partes, pedindo esclarecimentos
dos fatos e até mesmo de mérito e ainda o direito de ouvir as partes, quantas
vezes forem necessárias para o seu devido convencimento.
O mesmo ocorre no processo civil português que também adota o prin-
cípio cooperativo. E como observa Humberto Theodoro Júnior34, este princípio
de acordo com o que fora adotado no código de processo civil português, pode
ser sintetizado, como dever entre as partes e o tribunal, e do tribunal com as
partes, da seguinte forma:
principios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil: Los poderes del juez ela oralidad. Valencia:
Ed. Tirant Lo Blanc, 2001, p. 603).
34
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 83.
211
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
212
necessário para análise meticulosa dos autos, caber-lhe-ia apenas resignar-se em
ser mero subscritor de decisões redigidas pelos assessores. Confira-se:
37
Relatório para a IX Jornadas do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, realizado em Madri, em
junho de 1985. Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. In:
________. Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 141;
38
MOREIRA, op. cit., p. 66.
39
Pois de acordo com Moreira, “[...] claro está que semelhante vantagem se reduz bastante quando à audiência
comparecem unicamente advogados, não as próprias partes, e se extingue de todo, se o juiz que a preside
não se mantem na direção do processo até o julgamento” (MOREIRA, op. cit., p. 136-137).
40
Este também é o entendimento de Daniel Mitidiero, porque “[...] em um processo de estrutura cooperativa,
213
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
o ideal é que toda essa atividade seja realizada em audiência, propiciando-se um amplo contato e debate
oral entre aqueles que participam do contraditório” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo
Civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 132).
41
MOREIRA, 1989, loc. cit.
42
GARÇON, Maurice. Sull’Oratoria Forense. Milão: Giuffrè, 1957, p. 65.
43
MOREIRA, op. cit., p. 66.
44
MOREIRA, 1989, loc. cit.
45
CANDIDO JR, op. cit., p. 39-42, a quem remetemos a leitura.
46
Ibid., p. 42.
214
peças extensas acabam prejudicando, ao invés de beneficiar. Pois, “[...] certamente
que a concisão é elogiável e mais eficaz, sobretudo em se tratando de realização
da justiça. Uma peça por demais extensa pode obnubilar o direito da parte e
acabar por prejudica-la” 1.
5 CONCLUSÃO
Para Raimundinho, “[...] o poder de síntese é tido como atributo de inteligência, sendo conhecida a
1
máxima latina: esto brevis placebis – sê breve e agradarás. Ou o ditado popular: ‘quem fala demais dá bom
dia a cavalo’” (Ibid., p. 41).
215
INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA WHATSAPP NO PROCESSO
CIVIL BRASILEIRO
1 INTRODUÇÃO
217
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
218
também tem sido utilizada no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
do Rio Grande do Norte (Portaria Conjunta 19/2016-TJ, de 29 de novem-
bro de 2016), dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região
(Resolução 10, de 6 de dezembro de 2016), no âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis e da Fazenda Pública da Justiça do Distrito Federal (Portaria Conjunta
54 de 13 de julho de 2016), nos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do
Sul e da 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo (Portaria 012/2015), dentre
outros casos isolados.
Ocorre que, em face da ausência de previsão legal (inclusive em descon-
formidade com a Lei 11.419/06, que exige “preferencialmente, programas com
código aberto”), seu uso imperativo não parece encontrar respaldo em nosso
sistema normativo, em que pese ser apoiado pela advocacia, em especial do
Distrito Federal, que após debate na sede da seccional local no dia 07/07/2016,
os argumentos a favor do uso do aplicativo se mostraram em maior número.8
No entanto, embora haja argumentos contrários, ganha fôlego seu uso
mediante negociação processual após a já aludida decisão do CNJ que, por
unanimidade, permitiu que o aplicativo seja utilizado como ferramenta para
intimações nos juizados.9
Com efeito, mostra-se necessário compreender melhor quais
os requisitos para formação do referido negócio processual, bem
como seus limites à luz do Modelo Constitucional de Processo, em
especial por se tratar de medida excepcional às regras de intimação
previstas na legislação processual.
ou qualquer outro de caráter sigiloso, limitando-se o procedimento para a realização de atos de intimação;
V - foi cientificado de que as dúvidas referentes à intimação deverão ser tratadas, exclusivamente, no cartório
da serventia que expediu o ato, e que, na hipótese de intimação para comparecimento, deverá dirigir-se às
dependências do fórum localizado na respectiva circunscrição judiciária.”
8
CONSULTOR JURÍDICO. Advocacia apoia intimação por WhatsApp, mas ainda há dúvidas quanto à
segurança. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 11 jul. 2016. Judiciário Tecnológico. Disponível em:
<https://goo.gl/rmTAHG>. Acesso em: 26 ago. 2017.
9
EDITORIA DE POLÍTICA.WhatsApp pode ser usado para intimações judiciais, define CNJ. Jornal Do
Commercio, Recife, 27 jun. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/WpsTT2>. Acesso em: 26 ago. 2017.
10
KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. Gesammelte Beiträge zum
ZivilprozeB. Berlin: Scientia Verlag Aalen, 1894.
219
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Desde então o tema passou a ser enfrentado pela doutrina Alemã. Contu-
do, os contratos e convenções processuais não tiveram destaque na jurisprudência
alemã do Séc. XIX, muito em razão do Movimento de Socialização Processual
e da teoria de Oskar Bülow.13
O processo, antes de adquirir autonomia científica, era considerado um
apêndice do direito privado. Foi com os estudos de Bülow sobre as exceções
processuais e os pressupostos processuais que se fundou a escola publicista do
processo, libertando o processo dos domínios do direito material.14
Bülow estruturou a autonomia do estudo do Direito Processual mediante
o delineamento de uma relação jurídico-processual lastreada primordialmente na
figura do juiz, uma vez que as partes se apresentavam como meros colaboradores
deste na formação dos provimentos decisórios, o qual era emanado de seu “senso
inato de justiça”, em verdadeiro culto ao protagonismo judicial.15
Com fulcro neste pensamento, Bülow sustentou que os acordos processuais
seriam inadmissíveis porque, ante a publicidade da relação jurídica processual, era
vedado às partes convencionar sobre poderes de outrem (Estado-juiz). Para ele,
“[...] seria impossível imaginar que houvesse um ato de vontade de um sujeito
privado que mudasse regras processuais ou suspendesse a eficácia de normas co-
gentes”. Nestes termos, os acordos processuais, fora do que fosse expressamente
definido em lei, representariam grave ofensa ao ordenamento jurídico.16
Com efeito, eram tidos por inválidos e ineficazes os negócios processuais
eventualmente celebrados pelas partes.
11
CABRAL, Antônio do Passo. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 90.
12
Ibid., p. 90.
13
CABRAL, 2015, loc. cit.
14
CABRAL, op. cit., p. 92.
15
NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Curitiba: Juruá, 2008, p. 100.
16
CABRAL, op. cit., p. 92-93.
220
A popularidade da tese de Bülow e a grande adesão que a concepção publi-
cista do processo ganhou na Alemanha e na Europa, em especial em decorrência
dos estudos de Anton Menger e Franz Klein17, forjaram uma premissa de proi-
bição do “processo convencional”. “Privilegiava-se o caráter público decorrente
da presença da autoridade estatal, e dele se extraía a ausência de espaço para os
acordos processuais”.18
Desse modo, sempre que os efeitos de atos jurídicos dependessem de uma
atuação das partes no processo, esses efeitos seriam produzidos por força da lei
e não da vontade privada.
Na Itália, sobre forte influência do pensamento de Bülow, Chiovenda
admitia os acordos, mas opunha diversas restrições, dentre as quais se encontra
a necessidade de expressa previsão legal. Ou seja, só seriam cabíveis convenções
processuais previstas na lei (típicas).19
Antônio Cabral ressalta que, dentre os italianos, Salvatore Satta foi quem
mais ecoou as premissas do publicismo, tendo sido “[...] um dos maiores oposito-
res dos contratos processuais”, negando a convencionalidade como característica
do processo. Afirmava o autor italiano, na mesma linha de Bülow, que “[...] a
relação jurídica processual é pública, e esta qualidade impediria qualquer con-
venção porque no processo estariam em jogo interesses públicos, pertencentes
a toda a sociedade”.20
Satta (1931) negava veementemente a possibilidade de o contrato ser um
instituto próprio do direito público21, fazendo com que a vontade das partes
não pudesse determinar efeitos jurídicos no processo, criando ou modificando
situações jurídicas processuais.
Neste espeque, Cabral ressalta que:
221
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Entretanto, vale salientar que, em que pese ser um dos maiores críticos
à convencionalidade do processo, com o passar do tempo, Chiovenda (1998)
adotou posição similar à de Satta (1931), admitindo que os negócios processuais
poderiam ser celebrados nos casos previstos expressamente em lei.23
Enrico Tulio Liebman, um dos autores italianos de maior influência no
Brasil, era manifestamente contrário aos negócios processuais, ainda que, em algu-
mas passagens, tenha admitido a existência de acordos com eficácia no processo.24
Por conseguinte, forjou-se, assim, a tradição de que somos herdeiros e em
cujas premissas fomos “ensinados”: “[...] processo é direito público, infenso aos
espaços de liberdade autorizadores da disposição em razão da vontade privada.”25
Como pode se observar, o tema dos negócios processuais coloca-se no
centro do debate entre o publicismo e o privatismo, refletindo a tensão entre o
processo e a vontade privada dos indivíduos envolvidos.26
Destarte, não nos parece exagerado afirmar que os debates sobre a divisão
de trabalho27 entre o juiz e as partes é um tema que reivindica a compreensão da
mudança de concepção do direito processual28, haja vista que tal fato encontra-se
umbilicalmente vinculado à concepção paradigmática do direito, alterando-se
de maneira vertiginosa nos paradigmas liberal e social.29
Aos poucos o publicismo foi se espalhando por todos os institutos proces-
suais, dele sendo extraídas conclusões e consequências normativas que reforçavam
as premissas em que baseado, dentre as quais o Antônio Cabral elenca:
23
SATTA, Salvatore. Accordo (diritto processuale civile).In: ________. Enciclopedia del Diritto. Milano:
Giuffré, 1958, v. 1, p. 300-301.
24
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil I, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
25
CABRAL, op. cit., p. 98. Daniel Mitidiero salienta que “[...] o processo civil nasce no final do século XIX,
na Alemanha, profundamente influenciado pela pandectística. Isto irremediavelmente marca o direito
processual civil com uma característica cientificista, que acaba por determinar sua neutralidade em relação
à cultura. O programa alemão para ciência do processo é encampado pela doutrina italiana da primeira
metade do século XX, daí aportando para o direito brasileiro.” (MITIDIERO, Daniel. O processualismo
e a formação do Código Buzaid. Revista de Processo, São Paulo, n. 183, maio2010, p. 190).
26
GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 164,
out., 2008, p. 31.
27
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O problema da “divisão do trabalho” entre juiz e partes: aspectos
terminológicos. São Paulo: Saraiva, 1989. (Temas de Direito Processual ; 4)
28
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. Revista da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, v. 44, n. 1/2, p. 179-212, 2003. Disponível em: <https://
goo.gl/cph9n9>. Acesso em: 17 ago. 2014.
29
LAGE, Guilherme Henrique Faria. Negócios Processuais no Modelo Constitucional de Processo.
Salvador: JusPodvm, 2016, p. 22.
222
partes e que levariam à aplicação imperativa da regra legis-
lada, considerada a lei a única fonte da norma processual;
(b) a concepção de que as normas processuais seriam todas
de ordem pública, e, portanto, cogentes, estabelecidas no
interesse público e inderrogáveis pela vontade das partes; a
vontade dos litigantes não poderia interferir decisivamente
no trâmite do procedimento de maneira diversa daquela
prevista na norma legal.
(c) rejeição do processo como “coisa das partes” e a inflação
dos poderes oficiosos do juiz, inclusive e sobretudo na
condução do procedimento; o Estado-juiz passou a ser o
personagem central da relação jurídica processual.30
30
CABRAL, op. cit., p. 100.
31
GUIMARÃES, Luiz Machado. Processo autoritário e regime liberal. In: ________. Estudos de Direito
Processual Civil. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1969, p. 128.
32
GODINHO, Robson Renault. Convenções sobre ônus da prova: estudo sobre a divisão de trabalho entre
as partes e os juízes no processo civil brasileiro. 2013. 259 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013, f. 3-4.
33
Ibid., p. 1.
34
André Del Negri esclarece que: “No Brasil, com a Constituição de outubro de 1988, um novo marco teórico
foi instituído e a partir daí o denominado Estado de Direito Democrático (art. 1º, CB/88), apresentou um
projeto de democracia estruturado por princípios de direitos fundamentais, com aplicação imediata (art.
223
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
5º, 1º, da CB/88), e uma operacionalidade posta à disposição do cidadão (eixo desse projeto), entendido
como construtor e reconstrutor do seu próprio ordenamento jurídico, por intermédios de procedimentos de
participação popular e ações processuais constitucional”. (DEL NEGRI. André. Teoria da Constituição e do
Direito Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2009, p.101). Como afirma Marcelo Campos Galuppo,
baseando-se na obra de Lênio Streck: “A Constituição de 1988 é o marco mais importante em nossa história
recente (STRECK, 2007, p. 310-311) de um projeto que transcende ao próprio momento de promulgação
do texto da Constituição e que lhe dá sentido normativo, de um projeto que é muito anterior, que vem se
desenvolvendo, ainda que sujeito a tropeços, a atropelos, há muito tempo.” (GALUPPO, Marcelo Campos
(coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.246).
35
LAGE, op. cit., p. 24.
36
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A legitimidade democrática da Constituição da República
Federativa do Brasil: uma reflexão sobre o projeto constituinte do Estado Democrático de Direito no marco
da teoria do discurso de Jürgen Habermas. In: GALUPPO, Marcelo Campos (coord.). Constituição e
democracia: fundamentos. Belo Horizonte, Fórum, 2009, p. 242-243.
37
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 123.
224
tanto, de se confundir representante e substituto é o de se
entender erroneamente que a representação, ao contrário
de mediar, viabilizar institucionalmente a participação do
representado no processo deliberativo, exclui essa parti-
cipação, com consequências obviamente desastrosas do
ponto de vista democrático.38
38
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A súmula Vinculante n. 4 do STF e o “Desvio” Hermenêutico
do TST: notas programáticas sobre a chamada “nova configuração” da jurisdição constitucional brasileira
nos vinte anos da Constituição da República. In: ________. MACHADO, Felipe Daniel Amorim (coord.).
Constituição e Processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte.
Del Rey, 2009, p. 49.
39
GODINHO, op. cit., p. 2.
40
Para melhor compreensão da influência da cooperação intersubjetiva na recepção da técnica de negociação
processual no Brasil: LAGE, 2016.
41
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.
225
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
42
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos Jurídicos Processuais, 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 59.
43
GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual: Primeiras Reflexões. Revista Eletrônica de Direito
Processual, Rio de Janeiro, v. 1, n.1, out./dez. 2007, p. 8. Disponível em: <https://goo.gl/zujd6c>. Acesso
em: 6 nov. 2017.
44
BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano da Existência.
Revista de Processo, São Paulo, n. 148, jun. 2007, p.312.
45
CABRAL, op. cit., p. 57.
226
ônus, poderes, faculdades e deveres, visando adaptar o processo às peculiaridades
do caso concreto.
Em suma, haverá negócio processual quando os atos de disposição de
vontade das partes ocasionarem modificações no processo (presente ou futuro).
Frisa-se que a influência direta da vontade das partes no regramento do
processo é o que diferencia os negócios processuais do chamado “[...] ato proces-
sual conjunto [...]”, estudado no direito estrangeiro, e que se configura por uma
declaração consensual de ambas as partes direcionada ao juiz em um processo
judicial.46
De acordo com Barbosa Moreira, os atos processuais conjuntos (que
normalmente são requerimentos), “[...] diferem-se frontalmente das convenções
processuais porque são atos estimulantes47 (postulativos ou indutivos), que não
atingem por si só uma situação processual e que têm seus efeitos produzidos
somente após decisão judicial”48.
Antônio Cabral salienta que nestes requerimentos conjuntos, “[...] não
há vínculo contratual ou convencional, mas apenas exercício de situações pro-
cessuais unilaterais”49.
Chiovenda aduz que as decisões judiciais nestes casos têm como pressu-
posto as declarações concordantes das partes, vale dizer, o ato obtém judicial é
subordinado por um consenso prévio.50 O efeito pretendido não se obtém pela
declaração consensual em si, mas pela decisão judicial. Não há, portanto, liber-
dade das partes para modificar o procedimento ou construir e alterar situações
processuais. Tratam-se de atos estimulantes e não de atos determinantes51 como
são os negócios processuais.52
Importante frisar, portanto, que os negócios processuais, quando válidos,
produzem efeito no processo independentemente da intermediação de outros
sujeitos.
46
CABRAL, op. cit., p. 68.
47
Antônio Cabral, com esteio na doutrina de Goldschmidt, aduz que os atos estimulantes “[...] seriam aqueles
em que a atividade do sujeito não atinge diretamente e por si só os efeitos pretendidos. Estes atos não são
suficientes para satisfazer os interesses do sujeito que os pratica, necessitando da intermediação de outros
sujeitos (sobretudo o juiz, pelo deferimento ou autorização)” (CABRAL, op. cit., p. 64).
48
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das Partes Sobre Matéria Processual. Revista de Processo,
São Paulo, ano 9, v. 33, jan./mar. 1984, p. 89-90.
49
CABRAL, op. cit., p. 69.
50
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di Diritto Processuale Civile. Napoli: Nicola Jovene, 1913, p. 739.
51
“As convenções processuais, tão logo sejam celebradas, atingem os efeitos pretendidos pelas partes. É o
que dispõe o art. 158 do CPC/73 e o art. 200 do CPC/2015. E essa eficácia independe da manifestação,
aprovação ou intermediação de nenhum outro sujeito. Por esses motivos, os acordos processuais podem
ser enquadrados no conceito de atos processuais determinantes”. (CABRAL, op. cit., p. 63-64)
52
CABRAL, op. cit., p. 69 .
227
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
53
DIDIER JR.; NOGUEIRA, op. cit., p. 64.
54
Para Fredie Didier e Pedro Nogueira, “[...] o conceito de negócio jurídico não preconiza a ligação direta e
unívoca de todos os efeitos decorrentes do ato à vontade manifestada pela parte, como se para ter configurado
o negócio o figurante precisasse estipular livremente o conteúdo de todos os efeitos”. (DIDIER JR..;
NOGUEIRA, op. cit., p. 64-65). Corroborando com tal entendimento, ressaltamos que quando alguém
saca uma nota promissória (negócio jurídico unilateral de direito cambiário), não exige a lei que o emitente
configure todos os efeitos decorrentes de seu ato. Além disso, há vários efeitos que operam mesmo que o
emitente não os queira. Assim, ao emitir uma nota promissória agrega-se-lhe inapelavelmente o caráter
de título executivo. São, conforme se vê, efeitos previstos na lei, contra os quais a vontade do estipulante
nada pode, mas, nem por isso, cogita-se de afastar o caráter negocial daquele ato.
55
Vai ainda mais além Paula Costa e Silva, ao aproximar o acto postulativo do ato negocial. A autora defende
que é ato que delimita o objeto do processo e traduz o que a parte “quer” do tribunal. Traduz manifestação
de vontade, com escolha dos efeitos desejados, sendo que o tribunal fica adstrito ao que lhe foi pedido.
(SILVA, Paula Costa e. Acto e Processo: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios
do acto postulativo. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 318 et seq.)
56
Enunciado nº. 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “[...] o art. 190 autoriza que as partes tanto
estipulem mudanças no procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais”. (Grupo: Negócios Processuais); Enunciado nº. 258 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que
essa convenção não importe ajustes à especificidade da causa”. (Grupo: Negócios Processuais)
228
4.1 NEGÓCIOS ATÍPICOS: A Cláusula Geral de Negociação Pro-
cessual
57
MOREIRA, op. cit., p. 122.
58
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no Processo Civil Brasileiro. In: CABRAL,
Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais.Salvador: JusPodvm,
2015, p. 56.
59
PROTO PISANI, Andrea. Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro. In: ________.
Studi di Diritto Processuale del Lavoro. Milano: Giuffrè, 1977, p. 65 et seq.
60
CUNHA, op. cit., p. 56.
61
De acordo com Bruno Redondo: “O princípio da adequação que decorre das garantias constitucionais
do devido processo de direito (art. 5º, LIV), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e da tempestividade da
tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, CRFB) – impõe a exigência de que os procedimentos sejam os mais
adequados possíveis (às peculiaridades da causa, às necessidades do direito material, às pessoas dos litigantes,
etc.) para que, mediante uma prestação jurisdicional eficiente, a tutela jurisdicional possa ser realmente
efetiva. Para que o procedimento possa ser efetivamente adequado, forçoso reconhecer que tanto o juiz,
quanto as partes, são dotados de poderes para promover adaptações no procedimento.” (REDONDO,
Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do CPC/1973
para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA,
Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 272)
62
CUNHA, op. cit., p. 57.
229
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
63
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
64
YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era? In: CABRAL,
Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 91.
65
Ibid., p. 91-92.
66
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual de acordo com as recentes reformas do CPC. São Paulo: Atlas, 2008.
p. 215.
67
REDONDO, op. cit., p. 273.
230
antes de tudo, eliminar impasses processuais, mas, frisa-se, sem jamais limitar
ou reduzir garantias constitucionalmente estabelecidas.68
É oportuno explicar que a flexibilização procedimental voluntária também
possibilita às partes convencionarem sobre suas posições, faculdades, poderes
e deveres no processo, independentemente da adaptação do procedimento ao
caso concreto.
Com efeito, além de poderem ajustar o procedimento às peculiaridades da
causa, “[...] as partes podem negociar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo”69.
O negócio processual atípico, desse modo, tem por objeto as situações
jurídicas processuais – ônus, faculdades, deveres e poderes (poderes neste caso, de
acordo com Didier, significa “[...] qualquer situação jurídica ativa, o que inclui di-
reitos subjetivos, direitos potestativos e poderes propriamente ditos”)70. O negócio
processual atípico também pode ter por objeto o ato processual, incorrendo na
redefinição de sua forma ou da ordem de encadeamento dos atos, por exemplo.71
Segundo Cunha, daí já se poderia construir o Princípio da Atipicidade dos
Negócios Processuais, concluindo ser possível qualquer modalidade de negócio
entre as partes ou entre elas e o juiz para modificação do procedimento, tais
como a intimação via WhatsApp.72
Do mesmo modo, reproduzindo o disposto no art. 158 do CPC de 1973,
o art. 200 do CPC/2015 assevera que “[...] os atos das partes consistentes em
declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a cons-
tituição, modificação ou extinção de direitos processuais”. Em suma, as partes
podem, a evidencia dos preceitos dos arts. 190 e 200 CPC73, negociar regras
processuais.
68
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Reflexos das convenções em matéria processual nos atos judiciais. In:
CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador:
JusPodvm, 2015, p. 238.
69
CUNHA, op. cit., p. 57-58.
70
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 380.
71
Enunciado nº 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “[...] o art. 190 autoriza que as
partes tanto estipulem mudanças no procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes,
faculdades e deveres processuais”. (Grupo: Negócios Processuais); Enunciado nº 258 do Fórum Permanente
de Processualistas Civis: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes à especificidade da causa” (Grupo: Negócios
Processuais).
72
CUNHA, op. cit., p. 56.
73
Frisa-se que, de acordo com o Enunciado nº. 261 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “[...] o
art. 200 aplica-se tanto aos negócios unilaterais quanto aos bilaterais, incluindo as convenções processuais
do art. 190” (Grupo: Negócios Processuais).
231
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
232
obrigação ou cláusula de paz; (iii) a eleição convencional
do foro; (iv) a autorização de juízos de equidade; (v) a es-
colha da lei aplicável ao caso; (vi) a disposição a respeito da
revelação de fato jurígeno; (vii) a redistribuição contratual
do ônus da prova; (viii) a dispensa de assistente técnico
pelas partes; (ix) a dispensa de prova de determinado fato;
(x) a eleição de perito único pelas partes; (xi) a opção por
memoriais escritos em vez das alegações finais orais, em
audiência; (xii) a possibilidade de substituição do réu na
nomeação à autoria; (xiii) a substituição do alienante ou
cedente pelo adquirente ou cessionário; (xiv) a suspensão
do processo por convenção das partes; (xvi) o requerimento
conjunto de preferência no julgamento perante tribunais;
(xvii) as convenções sobre prazos; (xviii) as convenções
sobre alegações finais orais de litisconsortes; (xix) a liqui-
dação por arbitramento por convenção das partes; (xx) a
escolha do juízo da execução; (xxi) o acordo sobre a forma
de administração na penhora de estabelecimento; (xxii) a
dispensa da avaliação se o exequente aceitar a estimativa
do executado; (xxiii) a nomeação do administrador no
usufruto; (xxiv) a escolha do rito da execução de alimentos;
(xxv) a escolha de depositário de bens seqüestrados; (xxvi)
a alienação de bens em depósito judicial; (xxvii) a fixação
do calendário para o procedimento; (xxviii) a previsão
contratual da mediação incidental obrigatória); (xxix) a
disposição sobre regras de sucumbência e de reembolso
de despesas; (xxx) a convenção de reunião obrigatória de
ações; (xxxi) a convenção de assistência obrigatória; (xxxii)
do dever de garantir a aplicação do Direito, como decorrência do Estado de Direito. Aliás, essa ideia não
poderia deixar de ter como pressuposto que o objecto de disposição do pactum de non petendo é o direito
de acesso à jurisdição, ou o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, o que, como já houve oportunidade
para dizer, não é o caso”. Ademais, “[...] o afastamento do direito de exigir o cumprimento do dever de
prestar não implica logicamente a exclusão do direito a exigir o pagamento de uma indemnização, seja
pela mora, seja pelo incumprimento definitivo. Da mesma forma, o não cumprimento da obrigação pelo
devedor permitirá ao credor invocar a excepção de não cumprimento da prestação (art. 428 do Código Civil),
pois, continuando o devedor adstrito ao cumprimento da sua obrigação, o respectivo não cumprimento
não poderá deixar de ser considerado ilícito”. (SILVA, Paula Costa e. Pactum denon petendo: Exclusão
convencional do direito de acção e execução convencional da pretensão material. In: CABRAL, Antônio
do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p.
303–319). Por conseguinte, verifica-se que o pensamento da autora encontra-se respaldado no fato de que
o reconhecimento da liberdade da parte em não deduzir pretensão em juízo implica no reconhecimento
da admissibilidade de assunção negocial de não exercício do mesmo direito. Em determinadas situações, as
partes poderiam constituir uma obrigação dotada de menor grau de coercibilidade como a contrapartida
para a aquisição de outra vantagem negocial (como o aumento dos juros de mora, a elevação da multa, etc.).
233
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
78
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. As convenções processuais na experiência
francesa e no Novo CPC. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro
Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 262-263.
234
5 REQUISITOS DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL
235
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
5.1 VONTADE
236
Não por outra razão, conforme ressaltado na nota de rodapé nº. 8 de que
as disposições do art. 3º da Portaria Conjunta nº 19/2016-TJ, de 29 de novem-
bro de 2016 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte de que é necessária
a adesão voluntária da parte, mediante preenchimento de formulário próprio
para ocorrência da intimação via WhatsApp, se repetem em todas as portarias
e resoluções voltadas para a utilização da ferramenta como meio de intimação.
Aqui, faz-se inexorável relembrar a equivocada decisão proferida pelo
juiz da Vara do Trabalho de Três Corações/MG nos autos do Processo de nº.
0010627-79.2015.5.03.0147, no qual foi acolhido o pleito (formulado pelo
reclamante) de intimação das reclamadas pelo WhatsApp, sem qualquer ma-
nifestação de vontade prévia destas, resultando em manifesta situação de ato
processual nulo, nos termos dos arts. 274 e 276 do CPC.
Assim, além de nulo, uma vez imposto por qualquer dos sujeitos proces-
suais (atitude claramente não com participativa) o negócio processual pode ser
anulado caso constatadas as hipóteses de vícios da vontade elencadas no Código
Civil91. Para Didier, convenção processual celebrada mediante coação ou em erro
pode ser anulada, por exemplo, nos termos do art. 177 do Código Civil, sendo,
para tanto, necessária a provocação do interessado para a anulação do negócio.92
É importante ressaltar que, dado a curial importância da vontade para a
interpretação dos negócios jurídico-processuais, nos termos do Enunciado nº. 404
do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “[...] nos negócios processuais,
atender-se-á mais à intenção consubstanciada na manifestação de vontade do
que ao sentido literal da linguagem”.
Por conseguinte, mostra-se inválida qualquer convenção celebrada contra
a vontade dos sujeitos que a ela se submeterão, não podendo, desse modo, ser o
negócio processual imposto pelo juiz no intento de “melhor organizar” a gestão
cartorária.
Negócios processuais, conforme já dito à exaustão, são legitimados pelo
modelo comparticipativo de processo, atrelado às premissas da democracia, não
podendo jamais resultar de ato de imposição de qualquer dos sujeitos processuais.
91
Neste sentido, Enunciado nº. 132 do Fórum Nacional de Processualistas Civis: “Além dos defeitos
processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos
atípicos do art. 190” (Grupo: Negócios Processuais).
92
DIDIER JR., op. cit., p. 390.
237
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
238
judiciais, haja vista se tratar de modificação das regras (estabelecidas pelo CPC)
destinadas a regulamentar o referido ato processual.
A referida compreensão perpassa pelo conhecimento da maneira correta
de implementação e da percepção da amplitude do instituto, em especial no
que tange a seus limites, haja vista que, no Modelo Constitucional de Processo,
jamais poderia ser considerada válida a utilização coercitiva da referida tecnologia
para fins de intimação das partes.
Com efeito, qualquer tentativa de imposição pelo juiz da referida ferra-
menta, sob o pretexto de “melhor organizar” a gestão cartorária, resultaria em
ato eivado de nulidade.
Conforme já dito, negócios processuais são legitimados pelo modelo com-
participativo de processo, atrelado às premissas da democracia, não podendo
jamais resultar de ato de imposição de qualquer dos sujeitos processuais.
REFERÊNCIAS
BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico
Processual: Plano da Existência. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, jun.
2007.
239
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos
Jurídicos Processuais, 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
240
GALUPPO, Marcelo Campos (Coord). Constituição e democracia:
fundamentos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil I,3. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
241
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
242
SATTA, Salvatore. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Milano: Vita e
Pensiero, 1931.
243
EXECUÇÃO APÓS 01 ANO DE VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Gustavo Chalfun*
Secretário-Geral da OAB/MG.
245
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
rados, todavia, só será aceita pelo juiz essa indicação se justificá-la na menor
onerosidade e na ausência de prejuízo ao exequente.
É indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens
têm estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca
sem limites da satisfação do exequente.
O artigo 833 do NCPC prevê o rol dos bens absolutamente impenhoráveis
e em seu inciso IV prescreve que:
246
pelo juiz no caso concreto, devendo ser devidamente justificada, e baseada nos
princípios da menor onerosidade do executado e a maior efetividade da execução.
Dito isso, o legislador buscou facilitar com a ordem de penhora maneiras
mais fáceis e simples para a satisfação do crédito exequente, podendo ser feita fora
da ordem, porém sempre respeitando os interesses e concordância do exequente.
Outrossim, há novidade no §2º do artigo 836 do Novo CPC indicando
que o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório
dos bens, até ulterior determinação do juiz.
Destarte, a lei nomeia como depositário dos bens encontrados, o executado
e apesar de não se tratar de ato de penhora, a nomeação legal de depositário tem o
efeito de destacar os bens encontrados do patrimônio do executado, para futuras
deliberações do juiz, que permitirá ou não a penhora total ou parcial destes bens.
Outra inovação foi no §1º do artigo 840, no sentido de que não havendo
depositário judicial no juízo, os bens que restarem em seu poder serão depositados
em poder do exequente, salvo se o juiz entender necessária, para a segurança do
bem e da efetividade da execução, a indicação de um terceiro como depositário
ou a hipótese do inciso III que aborda sobre os imóveis rurais.
Além disso, o artigo 841 do Novo CPC, positivou uma inovação na
intimação do executado, onde o legislador considerou que se o executado for
intimado pessoalmente e mudar de endereço sem prévia comunicação ao juízo
(artigo 274), será considerado intimado.
Ademais, outra novidade, foi o §7º do artigo 916 que vedou expressamente
o parcelamento da execução quando se tratar de cumprimento de sentença, uma
vez que deveria equilibrar o direito do credor de receber o crédito e do devedor
de quitar de acordo com suas condições.
Portanto, ao analisarmos as inovações da execução no NCPC, verifica-se
que positivaram entendimentos jurisprudenciais importantes, bem como torna-
ram o processo executivo mais célere, trazendo maior previsibilidade de atuação
dos juízes, resultando em maior segurança jurídica às partes.
247
PROCESSO DE EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
NO CPC/2015: inovações e alterações
1 OBSERVAÇÕES INTRODUTÓRIAS
249
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
(o processo, uma vez instaurado, desenvolve-se por impulso oficial); o art. 9º, que
assenta o princípio do contraditório, embora este não tenha, na execução, uma
aplicação tão vigorosa quanto nos processos de conhecimento, já que a execução
pressupõe a existência de obrigação já reconhecida em título executivo, judicial
ou extrajudicial; e o art. 6º, que impõe a “[...] todos os sujeitos do processo” o
dever de cooperação.
O novo diploma processual civil, especialmente no que diz respeito às
execuções, positivou entendimentos jurisprudenciais consolidados, promoveu
melhor sistematização do cumprimento de sentença e estabeleceu novas regras
gerais e específicas, buscando tornar efetiva a satisfação do direito reconhecido
nos títulos executivos e a maior celeridade da execução, em consonância com o
princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º inc. LXXVIII).
O processo de execução, que é autônomo e o cumprimento de sen-
tença, que é uma fase do processo precedida pela fase de conhecimento, têm
procedimentos específicos, mas, ao primeiro (processo de execução), aplicam-se
subsidiariamente, no que couber, as disposições do segundo (art. 771) e a este
(cumprimento de sentença), se aplicam disposições do primeiro (parte final do
art. 513).
Nas execuções coloca-se em relevo o interesse do credor, já que o executado
fica em estado de sujeição, atuando o Estado-Juiz com medidas coercitivas lícitas,
realizadas em benefício do credor (CPC, art. 797) visando assegurar o efetivo
cumprimento das obrigações exequendas, diversamente da fase de conhecimento,
onde há isonomia de tratamento das partes. Todavia, os procedimentos devem
se sujeitar aos ditames da lei, não podendo a execução ser meio de obtenção,
pelo credor, de algo superior àquilo que o título executivo lhe confere, tampou-
co instrumento de vindita ou capaz de levar o devedor a situações degradantes,
incompatíveis com o princípio da dignidade humana a todos assegurado pela
Constituição Federal como garantia fundamental.
Destaca-se ainda o princípio da tipicidade, realizando-se a execução por
meios executivos típicos, recaindo, em regra, sobre o patrimônio (CPC, art.
789) e não sobre a pessoa do devedor, sendo expressamente vedada a prisão
por dívida, salvo a excepcionalidade da prisão por inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia (CF, art. 5º inc. LXVII). Os meios atípicos
constituem exceção e, como tal, só podem ser realizados em caráter subsidiário
e não devem ser confundidos com sanções, sua aplicação é restrita e deve ser
claramente demonstrado o seu cabimento, razoabilidade e utilidade, com fiel
observância dos princípios fundamentais constitucionalmente assegurados.
250
As medidas previstas no art. 139, inc. IV não são aplicáveis ilimitadamente;
ao contrário, subordinam-se aos princípios e normas que regem a execução, in-
clusive o contraditório (art. 9º). O devedor que não paga porque não tem suporte
patrimonial capaz de garantir o pagamento não pode ser punido em razão do seu
estado de pobreza ou insolvência, devendo, neste caso, ocorrer a suspensão da
execução (art. 921). Por mais que o credor e o juiz não gostem dessa situação, não
pode ser tolerado nenhum ato criativo à margem da lei com o intuito de coagir
o devedor ao pagamento, sendo inúteis medidas como confisco de passaporte e
de carteira de motorista, restrições a direitos pessoais do devedor e outras que se
caracterizam apenas como sanções impróprias e ilegais.
2.1 PRAZOS
Humberto Gomes de Barros. Brasília, 14 de fevereiro de 2008. Diário de Justiça: 16 jun. 2009; BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 291.608-RS. Relator: Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva. Brasília, 26 de agosto de 2013. Diário de Justiça: 30 ago. 2013.
251
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
252
[...] os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de aposentadorias, as pensões,
os pecúlios e os montepios, bem como as quantias rece-
bidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento
do devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador
autônomo e os honorários de profissional liberal,
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial
2
nº 1.229.705-PR, Terceira Turma. Relator: Min. Sidnei Beneti. Brasília, 19 de abril de 2012. Diário de
Justiça: 7 maio 2012.
253
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
254
sendo devidos apenas os fixados na sentença, com observância dos critérios pre-
vistos nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 85 e eventualmente majorados (§ 11).
Também não haverá incidência de honorários em caso de rejeição da
impugnação ao cumprimento de sentença (Súmula 519 do STJ)3, já que não se
trata de ação, como os embargos do devedor, mas de simples incidente, todavia,
acolhida a impugnação, haverá incidência de honorários a serem suportados pelo
exequente (art. 85 § 1º), fixados nos mesmos parâmetros adotados para fixação
dos honorários que seriam devidos ao advogado do exequente (art. 523 § 1º),
salvo se o acolhimento da impugnação for apenas parcial, caso em que serão
consideradas as disposições do § 2º do art. 85.
Havendo recursos, os honorários fixados na primeira instância deverão ser
majorados pelo Tribunal competente (art. 85 § 11), independente de “[...] multas
e outras sanções processuais [...]”, que “[...] são cumuláveis [...]” (art. 85 § 12).
Na execução de título extrajudicial, os honorários advocatícios a serem
pagos pelo executado deverão ser inicialmente fixados pelo juiz em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da execução (art. 827), mas: a) serão reduzidos
pela metade em caso de pagamento integral da dívida pelo executado “[...] no
prazo de 3 (três) dias [...]” (art. 827 § 1º), “[...] contado da citação [...]” (art.
829); b) poderão ser majorados até o limite de 20% (vinte por cento), em duas
hipóteses: quando rejeitados os embargos opostos pelo executado ou, mesmo
não havendo embargos, “[...] ao final do procedimento executivo, levando-se em
conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente” (art. 827 § 2°).
No caso de parcelamento do débito (art. 916), a parcela de honorários
será integralmente devida e deverá ser depositada, juntamente com as custas
processuais, no mesmo prazo para depósito da parcela inicial de 30% do valor da
execução, não havendo a sua redução à metade (art. 827 § 1º), o que só poderá
ocorrer em caso de pagamento integral, no prazo legal de 03 (três) dias.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 519, Corte Especial. Na hipótese de rejeição da impugnação
3
ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios. Brasília, 26 de fevereiro de 2015.
Diário de Justiça: 2 mar. 2015.
255
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
processual da parte pelo espólio ou pelos herdeiros e do novo devedor que assumir
a dívida com o consentimento do credor (art. 779 incs. II e III).
Em caso de sentença penal condenatória, cabível a sua execução somente
contra quem foi imposta a condenação, eventuais outros responsáveis civilmente
terão que ser demandados em processo regular (conhecimento), com respeito às
garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
O advogado, sendo o titular dos honorários de sucumbência (Lei
8.906/1994, art. 23), deverá figurar no polo ativo do cumprimento de sentença,
com a discriminação da parcela correspondente, já que ninguém poderá pleitear,
em nome próprio, direito alheio (art. 18), embora a execução dessa parcela possa
ser conjunta com a condenação em favor da parte.
256
2.11 COMPETÊNCIA (ARTS. 516 E SEG., 528 § 9º E 781)
Não houve alteração significativa no que era previsto pelo art. 475-P do
CPC/1973, sendo apenas acrescentado, na competência do juízo cível (art. 516,
inc. III), o “[...] acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo [...]”, o que, entre-
tanto, não prevalece, já que foi vetado o inc. X do art. 515, que incluía entre os
títulos judiciais o acórdão de Tribunal Marítimo.
Como exceção ao princípio da perpetuação da jurisdição (art. 43), foi man-
tida a possibilidade de alteração da competência, como uma faculdade (opção)
do credor, mediante simples requerimento ao “juízo de origem”, com a remessa
dos autos (e não de cópias deste) para realização do cumprimento da sentença
em outro juízo, a critério do credor, que poderá ser: domicílio atual do devedor,
onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou onde deva ser executada a
obrigação de fazer ou de não fazer (art. 516, parágrafo único).
Na execução de alimentos, o credor tem mais uma opção: o seu domicílio
(art. 528 § 9º).
Quanto à competência para processamento da execução de títulos extra-
judiciais, o novo CPC (art. 781) apresenta disposições mais claras do que era
previsto no art. 576 do CPC/1973, que por sua vez remetia aos arts. 91 a 124
do código revogado.
Embora não prevista expressamente a possibilidade de continuação da
execução em juízo diverso daquele onde foi proposta a ação de execução, enten-
de-se, à semelhança do cumprimento de sentença em juízo diverso daquele onde
foi proferida a sentença (art. 516), como perfeitamente possível a medida, seja
pela aplicação subsidiária prevista no parágrafo único do art. 771, seja porque
isso atende ao princípio da maior efetividade da execução, não fere direito do
executado e não há razão que possa justificar a impossibilidade de alteração da
competência. Portanto, além da faculdade que tem o credor de ajuizar a ação em
um ou outro foro conforme prevê o art. 781, após o ajuizamento da ação poderá
ser pleiteada a remessa dos autos para outro juízo, onde prosseguirão as medidas
executivas que deverão ser cumpridas (art. 516, parágrafo único), evitando-se a
expedição de cartas precatórias para a prática de determinados atos, o que seria
mais oneroso e injustificável.
2.12 PROCEDIMENTOS
257
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
258
[...]” (arts. 919 § 1º e 525 § 6º). Não obstante, ainda que concedido o efeito
suspensivo na impugnação, a execução poderá prosseguir, a requerimento do
credor e mediante caução “[...] suficiente e idônea [...]” arbitrada pelo Juiz, nos
próprios autos (art. 525 § 10). Não há previsão legal para o prosseguimento da
execução nos casos de concessão de efeito suspensivo aos embargos, o que implica
em suspensão da execução (art. 921 inc. II).
A lei exige, para embasar a execução, um título formal, escrito, que pre-
encha os requisitos legais que evidencie a existência de “[...] obrigação certa,
líquida e exigível [...]” (art. 783). Logo, simples boletos bancários comumen-
te utilizados em várias transações comerciais, não são títulos executivos, assim
como obrigações assumidas verbalmente, ainda que possam ser comprovadas,
não ensejam execução.
Foram acrescentados no rol dos títulos extrajudiciais (art. 784):
259
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
260
do credor, que será necessariamente ouvido para manifestar-se apenas sobre o
preenchimento dos pressupostos estabelecidos pela lei (§ 2º), o que não era
expressamente previsto no CPC/1973; todavia, o reconhecimento expresso da
obrigação, que é uma das condições exigidas, é irretratável e implica em renúncia
ao direito do executado de opor embargos (§ 6º), mesmo que o benefício venha
a ser indeferido pelo juiz, caso em que a execução prosseguirá, com a manuten-
ção do depósito, que será convertido em penhora e a realização de ampliação de
penhora, até o limite necessário para garantia da execução (§ 4º).
O CPC/1973 era omisso, mas o novo diploma legal é expresso no sentido
de que o benefício do parcelamento da dívida não se aplica ao cumprimento de
sentença (§ 7º). A restrição se justifica porque, ao contrário da execução de título
extrajudicial, onde a defesa do devedor é a mais ampla (através de embargos), no
cumprimento de sentença não há mais o que discutir, a obrigação foi reconhecida
judicialmente por decisão transitada em julgado.
261
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Turma. Relator: Min. Massami Uyeda. Brasília, 1º de dezembro de 2011. Diário de Justiça: 12 mar. 2012.
262
Manteve o vigente diploma legal a possibilidade de execução direta, me-
diante desconto em folha de pagamento ou retenção dos respectivos valores
em poder de quem tem obrigação de pagar quantias ou rendas ao devedor dos
alimentos (art. 529).
As execuções de alimentos receberam, no CPC/2015, tratamento homo-
gêneo, independentemente da origem da obrigação (arts. 531 e 533), visto que a
nova lei não delimitou o âmbito de sua aplicação. Assim, a princípio, parece que
todas as obrigações alimentícias terão o mesmo tratamento no que diz respeito à
execução, especificamente quanto à possibilidade de prisão do devedor; todavia,
a questão não é tão simples, especialmente quanto aos alimentos decorrentes de
ato ilícito, bem como em relação aos honorários advocatícios, que têm natureza
alimentar (art. 85 § 14), daí a existência de fundada controvérsia.
No projeto do atual CPC aprovado pela Câmara dos Deputados havia
a previsão de que a prisão só se aplicava aos alimentos “legítimos”, que são os
previstos no direito de família, o que foi suprimido na redação final (art. 531).
Com o dispositivo legal sem a restrição, significativa parte da doutrina passou a
admitir a prisão nas execuções de alimentos, qualquer que seja a origem destes,
em contraposição ao entendimento pacificado pela jurisprudência do STJ na
vigência do CPC/19735.
Apesar dos respeitáveis entendimentos em contrário, há situações que
devem ser ponderadas e que parecem justificar a impossibilidade de prisão do de-
vedor por inadimplemento de prestação alimentícia de origem diversa do direito
de família. Os alimentos chamados legítimos decorrem de processo regular em
que, existindo a obrigação de prestar alimentos, estes são fixados com específica
apuração das necessidades de quem pleiteia e a capacidade econômica de quem
deve pagar os alimentos, o que leva à presunção de fixação da obrigação de forma
proporcional e equilibrada, enquanto os alimentos decorrentes de ato ilícito não
são fixados com o mesmo rigor proporcional. Os honorários advocatícios são es-
tabelecidos pelas partes levando-se em consideração principalmente a natureza e a
importância do trabalho (honorários contratuais) e os honorários de sucumbência
são arbitrados, ora em parâmetros já estabelecidos pela lei, como nas execuções
por quantia certa (art. 523 § 2º e 827) ou de acordo com o valor da condenação
ou o proveito econômico obtido pela parte (art. 85 § 2º), sem criteriosa avaliação
das possibilidades do devedor de suportar o encargo. Tais circunstâncias não
guardam a necessária proporcionalidade e razoabilidade nestes casos, podendo
ensejar a drástica medida de prisão de modo injusto e desproporcional, o que se
263
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
traduziria em prisão por pobreza, não tolerada pela Constituição Federal (art. 5º
inc. LXVII), que admite a medida extrema apenas em caráter excepcionalíssimo
e a norma de exceção deve ser interpretada restritivamente.
264
OS PRECEDENTES JUDICIAIS NO NOVO CPC
*
Professor Emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Titular da Medalha Rui Barbosa, tem assento no
Conselho Federal da OAB, órgão que integrou, como representante de Minas Gerais, por sete mandatos.
1
NABUCO, José Thomaz. Um Exame de Peculiaridades da Justiça Inglesa. In: ________. O Arresto do
Windhuk: Memórias, ensaios e crônicas. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2003, p. 167.
2
Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: RT,
1999, p. 25 et seq.
265
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
cípio expresso no brocardo stare decisis et non quieta movere3 -- firme-se no que
foi decidido e não mexa com o que está quieto.
O direito inglês é, fundamentalmente, um direito costumeiro e a carac-
terística deste está em que as leis não emanam necessariamente do Poder Legis-
lativo. “Elas brotam, espontaneamente, dos usos e costumes, que são colhidos
pela jurisprudência e transformados em preceitos normativos”.4 O costume é,
assim, revelado pelo juiz e consolidado no precedente, assumindo contornos de
um direito tipicamente pretoriano. Daí a importância dos precedentes que se
vão formando na vida judiciária.
Os países da civil law, nos quais, diversamente do modelo inglês, as nor-
mas jurídicas traduzem-se, geralmente, em leis aprovadas pelas Casas Legisla-
tivas, acabaram influenciados pelo sistema da common law, não tanto pelo seu
caráter de direito pretoriano, mas pela virtude que ele apresenta como fator de
uniformização das decisões judiciais referentes a matérias da mesma natureza.
Naturalmente por isso, há muito, o direito português adotou mecanismo aná-
logo com o escopo de atribuir eficácia normativa a decisões de tribunais. Foi
o mecanismo dos assentos, cuja origem remonta às Ordenações Manuelinas,
do século XVI. Em Portugal, competia, originariamente, à Casa de Suplicação
tomar assentos, isto é, emitir “[...] disposições interpretativas do sentido e do
conteúdo das leis com caráter genérico” e eficácia vinculativa5.
Os assentos do direito português tornaram-se, assim, de certa forma, a
versão lusitana do stare decisis, estabelecendo um ponto de intercessão entre o
sistema da civil law e o sistema da common law. Eles constituem o gérmen de
paradigmas judiciais que o novo Código de Processo Civil brasileiro procura
estabelecer especialmente por meio de institutos e práticas que compõem o que
já se tem chamado de microssistema de litigiosidade repetitiva6.
Integram o referido microssistema de litigiosidade repetitiva:
266
c) o procedimento de assunção de competência, em casos
com grande repercussão social nos quais a repetição não
haja sido constatada, mas deva ser prevenida, mediante
decisão de órgão colegiado mais amplo do tribunal a que
competir o julgamento, de modo que se firme, desde logo,
um precedente uniformizador do entendimento (CPC,
art. 947);
d) a técnica de julgamento, em primeiro grau, de causas
cujo deslinde já haja sido equacionado pelos tribunais,
nos procedimentos acima referidos ou em súmulas da ju-
risprudência predominante, em razão do que o juiz fica
autorizado a julgar liminarmente improcedente o pedido
(CPC, art. 332).
267
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
sujeita ao quórum especial de dois terços dos Ministros que o compõem, mas,
sobretudo, pelo seu caráter normativo, em matéria constitucional, relativamente
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
As referidas súmulas vinculam, isto é, obrigam os seus destinatários, cujo
elenco é, como se observa, bastante restrito. Entre os órgãos a que se dirige a eficá-
cia cogente da súmula não se inclui o Congresso Nacional, cujo poder normativo
originário pode exercer-se, obviamente, nos limites da Constituição, em sentido
contrário ao entendimento sumulado. Não tem, portanto, o caráter normativo
das súmulas vinculantes a mesma extensão daquele que é próprio das leis. Por
isso, não alcançam tais súmulas, com força vinculativa, a celebração dos negócios
jurídicos ou a disciplina da vida dos cidadãos, com relação aos quais não têm
senão valor interpretativo ou de uma segura orientação. Noutras palavras, atuam,
nessa esfera, com eficácia meramente persuasiva, como as súmulas comuns7.
É importante notar que os simples precedentes, ainda que não traduzi-
dos em súmulas, ganharam força com o Código de Processo Civil de 1973, à
medida que este foi passando por sucessivas reformas, que tinham o escopo de
simplificá-lo, especialmente, no que dizia respeito ao julgamento dos recursos.
Isso se deu mediante a atribuição de poderes ao relator, nos tribunais de segun-
do grau, para, mediante decisão monocrática, abreviar a tramitação do recurso,
negando-lhe seguimento, entre outras hipóteses, quando em confronto com
súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Su-
premo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Assim dispôs a redação
superveniente do art. 557 daquele Código, que resultou da Lei n. 9.756/1998.
Os regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça já atribuíam, então, ampla competência ao relator, nos recursos inter-
postos para aquelas Cortes, para decidir, monocraticamente, com fundamento
em súmulas daqueles Tribunais Superiores8.
Outra inovação no texto do antigo Código de Processo Civil possibi-
litou ao juiz de primeiro grau proferir sentença de improcedência liminar do
pedido, trancando o processo, por assim dizer, antes da citação do réu, quando
a matéria controvertida fosse unicamente de direito e no juízo já houvesse
7
Cf. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional, 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense ; GEN, 2012, p. 270.
8
Cabe lembrar que o anteprojeto Buzaid pretendeu ressuscitar o instituto dos assentos. O art. 519 do
respectivo texto assim dispunha: “O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará
um assento. Quarenta e cinco (45) dias depois de oficialmente publicado, o assento terá força de lei em
todo o território nacional”. O referido artigo dizia respeito à uniformização da jurisprudência pelo Supremo
Tribunal Federal, mediante pronunciamento prévio da Corte, por solicitação de qualquer ministro, em
processo de sua competência.
268
sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos.
Esse desmedido poder atribuído ao magistrado de primeiro grau, com base,
simplesmente, em julgamento anterior do mesmo juízo, resultou do art. 285-A
do Código de 1973, introduzido no respectivo texto pela Lei n. 11.277/2006.
Era uma simplificação, à outrance, do sistema de precedentes, que permitia ao
juiz julgar com base em sentença prolatada sobre a mesma questão jurídica, cujo
teor ele trazia para os autos, à guisa de motivação, tout court9.
269
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
270
seguros com base nos quais o juiz poderá julgar liminarmente improcedente o
pedido, nas causas que dispensem a fase instrutória. Não concedeu ao juiz
o poder de transformar em precedentes, como num passe de mágica, uma ou
mais sentenças já proferidas em torno da mesma questão jurídica, no âmbito
restrito e reservado do juízo, mas tomou, sim, como precedentes reais súmulas
e acórdãos de tribunais.
Segundo o disposto no art. 332 do novo estatuto processual civil, a im-
procedência liminar do pedido fundar-se-á:
a) em súmulas do Supremo Tribunal Federal ou do Supe-
rior Tribunal de Justiça;
b) em acórdãos proferidos pelos referidos tribunais no jul-
gamento de recursos repetitivos;
c) em entendimento firmado em incidente de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
d) em súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
271
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
dente o pedido), o juiz esteja compelido a proferir tal julgamento, nas hipóteses
previstas no citado art. 332. Trata-se de uma faculdade atribuída ao magistra-
do17, tanto mais porque essa faculdade poderá ser exercida com fundamento em
súmulas persuasivas, que, a entender-se de outro modo, ficariam equiparadas às
súmulas vinculantes.
Os mesmos precedentes que autorizam o juiz a julgar liminarmente im-
procedente o pedido, ao despachar a petição inicial, permitem ao relator do
recurso interposto contra a sentença (seja a sentença liminar, seja a sentença
final) dar-lhe provimento, em decisão monocrática, como veremos, a seguir.
Isso indica que, tanto na improcedência liminar quanto no julgamento final da
causa, o juiz deve estar atento aos precedentes referidos.
A observância dos precedentes judiciais passa a ser, pois, para o magistrado
uma regra de conduta. Pode o juiz adotar, conforme o caso, orientação contrária
a súmula de caráter meramente persuasivo. Mas, ao fazê-lo, há de firmar-se em
sólidas razões e consciente de que sua sentença estará fadada, provavelmente, a
ser reformada pelo tribunal ou pelo próprio relator do recurso. Só isso basta para
que se perceba a dimensão e a força dos precedentes na sistemática do Código
de Processo Civil em vigor.
Nesse sentido: CÂMARA JÚNIOR, José Maria. Seção III: Do indeferimento da petição inicial. In: ALVIM,
17
Angélica Arruda et al. (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 452.
272
recurso se a decisão recorrida for contrária aos mesmos paradigmas. Nesta última
hipótese, só poderá fazê-lo depois de facultada a apresentação de contrarrazões.
Visa tal providência a assegurar a observância do princípio do contraditório.
A explicitação dos paradigmas que permitem o julgamento monocrático
do recurso, tanto para negar-lhe provimento quanto para dar-lhe provimento, é
um aspecto da disciplina da matéria, no novo Código, que revela maior apuro
técnico do que o encontrado no Código anterior. Este adotava, no particular,
uma expressão aberta ao referir-se, genericamente, à jurisprudência dominante18.
Como já se observou, desde a introdução das súmulas da jurisprudência
predominante do Supremo Tribunal Federal, no nosso direito, os poderes do
relator ampliaram-se consideravelmente, no julgamento dos recursos, de modo
que as decisões monocráticas assim proferidas poupam os tribunais de maior
trabalho e simplificam o desfecho das causas.
Disposição nova que o Código de 2015 apresenta, em harmonia com o
sistema de precedentes adotado, é a que se estampa no parágrafo único, inciso I,
do art. 1.022. Nesse dispositivo, tratando dos embargos de declaração, o Código
preceitua que se considera omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre
tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção
de competência aplicável ao caso sob julgamento. Tem-se em vista, com essa
disposição, realçar a “[...] necessidade de que os precedentes sejam respeitados,
sob pena de reclamação”, como bem observa Teresa Arruda Alvim Wambier19.
Teria sido desejável que da mesma forma omissa se considerasse a decisão
que, aplicando o precedente ou a tese jurídica adotada nos incidentes referidos,
deixasse de examinar eventual particularidade do caso em espécie. É certo que,
mesmo na falta de norma desse teor, caberiam embargos de declaração, na hipó-
tese, até porque a sentença não estaria, aí, plenamente fundamentada, ao menos
segundo o art. 489, § 1º, IV, do Código. De resto, ter-se-ia como caracterizada,
na hipótese, omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar
o juiz de ofício ou a requerimento (CPC, art. 1.022, II). Mas, como quer que
seja, seria importante que assim se dispusesse, de forma expressa, no art. 1.022,
parágrafo único, em atenção à igualdade de tratamento que deriva do princípio
do contraditório e para realçar a circunstância de que o sistema de precedentes
não pode ignorar as particularidades do caso concreto. É digna de nota a pon-
deração de Alexandre Freitas Câmara:
18
Nesse sentido, a apreciação de CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: STRECK, Lênio; NUNES, Dierle;
CUNHA, Leonardo Carneiro da. (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva,
2016, p. 1216.
19
TUCCI, José Rogério Cruz e et al. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: G Z Editora,
2016, p. 1401.
273
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
274
juiz, aplicando a tese do acórdão paradigma, o fizesse sem manifestar-se sobre
o ponto referido, restaria omissa a decisão pertinente – e contra essa omissão
poderiam ser opostos embargos de declaração.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
275
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
23
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. A uniformização da jurisprudência no contexto da reforma do CPC.
In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 581-589.
24
DWORKIN, Ronald. O império do direito, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 271-272. Tradução
do original Law’s Empire por Jefferson Luiz Camargo. O professor da New York University e da University
College, de Londres, ilustra, sugestivamente, sua doutrina comparando o desfecho de um processo a um
romance em cadeia, em que “[...] um grupo de romancistas escreve um romance em série [...]”, criando
“[...] em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível”
(DWORKIN, op. cit., p. 275-276).
25
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Prefácio. In: _________. Direito das Cousas. Rio de Janeiro: Tip. Baptista
de Souza, 1922, p. IX.
276
pode ser causa da fossilização do direito ou – pior ainda – será capaz de gerar
iniquidades, na medida em que o direito perca sintonia com as exigências dos
novos tempos ou deixe ao desamparo situações peculiares de um caso concre-
to que a pressa no julgar, mediante decisões padronizadas, acabe por ignorar.
Cumpre ter em vista que a observância do precedente deve servir à justiça, como
um instrumento da sua realização, sem jamais ensejar novas versões da odiosa
jurisprudência defensiva, pela qual, até bem pouco, alguns tribunais, entre nós,
habitualmente fugiam ao dever de julgar, a pretexto de exigir o cumprimento de
formalidades bizantinas na interposição dos recursos.
277
O CPC/2015 E A VALORIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
COMO FONTE DE DIREITO
*
Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG.
Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto
de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-
Americano de Direito Processual, da International Association of Procedural Law e da Association Henri
Capitant des Amis de la Culture Juridique Française. Doutor em Direito. Advogado.
279
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
2 RESISTÊNCIA À INOVAÇÃO
280
O Ministro Teori Zavascki, votando no STF3 teve oportunidade de re-
gistrar essa modelação especial – que não é apenas do Brasil, mas de diversos
países – nos seguintes termos:
nem civil law nem common law, mas, sim, o brazilian law (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes
desenvolvidos pelo CPC/2015. Uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção
inconsistente (inconsistent distinguishing). Revista de Processo, São Paulo, v. 248, out. 2015, p. 332.
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.335-AC, Tribunal Pleno. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Brasília, 20 de março de 2014. Diário de Justiça: 22 out. 2014.
4
(Sobre o tema, o Ministro Zavascki arrola as seguintes obras: SOTELO, José Luiz Vasquez. A jurisprudência
vinculante na common law e na civil law. In: CALMON FILHO, Petrônio; BELTRAME, Adriana. (org.).
Temas atuais de direito processual ibero-americano. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 374; FERNANDEZ
SEGADO, Francisco. La obsolescência de labi polaridad modelo americano-modelo europeokelseniano
como critério analítico del control de constitucionalidad y labús queda de una nueva tipología explicativa.
Parlamento y Constitución: Anuario, Castilla, n. 6, p. 9-73, 2002; AZAMBUJA, Carmen Luiza Dias
de. Controle judicial e difuso de constitucionalidade no direito brasileiro e comparado: efeito erga
omnes de seu julgamento. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008; LEAL, Roger Stiefelmann.
A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade. RDCI, São Paulo, p. 57-62, out./dez.
2006).
281
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Ibid., 2014. Ricardo Alexandre da Silva demonstra com proficiência que, mesmo antes do CPC/2015,
6
o modelo de Corte Suprema, como o do STF e do STJ, “[...] recusa a concepção cognitivista do direito,
enfatizando seu caráter lógico-interpretativo. Nesse modelo, as Cortes atribuem sentidos aos textos
normativos mediante interpretação, da qual resultam precedentes vinculantes [...]”, tornando obrigatória
sua observância pelos outros tribunais, “[...] a fim de que os jurisdicionados sejam tratados igualmente
[...]” (SILVA, Ricardo Alexandre da. O STJ como Corte Suprema em matéria infraconstitucional: defesa
dos precedentes vinculantes. In: MENDES, Aluísio de Castro et al. Direito jurisprudencial. São Paulo:
RT, 2014. v. 2, p. 1075). No mesmo sentido: as Cortes Supremas cumprem uma função de reconstrução e
outorga de sentido a textos normativos, cujo “[...] escopo consiste em dar unidade ao Direito mediante a
282
O levantamento histórico do precedente no direito brasileiro, elaborado
pelo Ministro Zavascki, limitou-se aos tempos recentes, retratando apenas o
ocorrido nos séculos XX e XXI. Na verdade, porém, a presença do direito juris-
prudencial, entre nós, já se fazia marcante desde os tempos coloniais (séculos XVI
a XVII), bem como nos primórdios da independência monárquica e republicana,
ocorrida no século XIX, como informam e documentam os juristas enfronhados
na historiografia jurídica nacional7.
283
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
Destaca Bustamante que atualmente tanto os magistrados do common law quanto os do civil law se
10
preocupam com os precedentes jurisprudenciais. No entanto, a atitude de uns e outros varia. Enquanto
juízes do common law buscam estabelecer uma comparação entre o precedente e o caso a julgar a partir
dos chamados “fatos materiais”, os do civil law buscam extrair dos julgados anteriores um pronunciamento
em forma de regra, tratando-o de forma abstrata, como norma (cf. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de.
Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses,
2012).
284
há como negar a preocupação dos países de civil law de se aproximarem, na me-
dida do possível, da técnica e experiência dos anglo-saxônicos no que toca aos
precedentes. E na matéria é de se ter em conta que, na tradição do common law,
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2004, p. 12.
11
“Com[o] se pode perceber, há sério comprometimento do sistema de jurisprudência adotado no Brasil [antes
12
285
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
13
A integralidade reclama do julgador que atente não só para as regras relacionadas diretamente com o caso,
mas que tenha sempre uma visão da inteireza dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico (FREIRE,
Alexandre; FREIRE, Alonso. Elementos normativos para a compreensão do sistema de precedentes judiciais
no processo civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 950, p. 219-220, dez/2014). Ou seja, essa
exigência explica “por que os juízes devem conceber o corpo do direito que administram como um todo,
e não como uma série de decisões distintas que eles são livres para tomar ou emendar uma por uma, como
nada além de um interesse estratégico pelo restante” (DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge,
MA: Harvard University Press, 1986, p. 167). A jurisprudência, enfim, deve ser construída como um todo
sistemático.
14
“A coerência pressupõe que o juiz ou tribunal julgue conforme a orientação adotada em julgamentos
anteriores envolvendo causas iguais ou semelhantes em seu conteúdo e teses. Traz, com isso, estabilidade e
segurança jurídica, portanto” (THEODORO NETO, Humberto. A relevância da jurisprudência no novo
CPC. In:THEODORO JÚNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester
Camila Gomes Norato (coord.). Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 2015, p. 678).
15
CPC/1973, sem correspondência.
16
Para implantar racionalmente a sistemática do CPC/2015, o STJ criou a Comissão Temporária Gestora de
Precedentes, à qual foi atribuída, entre outras, competência para: “I – supervisionar os trabalhos do Núcleo
de Gerenciamento de Precedentes – Nugep, em especial os relacionados à gestão dos casos repetitivos e dos
incidentes de assunção de competência; II – controlar e acompanhar os processos sobrestados no Tribunal
em virtude da aplicação da sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral; [...]; VI – acompanhar,
inclusive antes da distribuição, os processos que possuam matéria com potencial de repetitividade ou com
relevante questão de direito, de grande repercussão social, a fim de propor ao Presidente do Tribunal medidas
para a racionalização dos julgamentos por meio de definições de teses jurídicas em recursos repetitivos ou
em assunção de competência; [...]” (Portaria STJ/GP N. 475 de 11 de novembro de 2016, art. 3º).
17
“Não é exigível identidade absoluta entre casos para a aplicação de um precedente, seja ele vinculante ou
não, bastando que ambos possam compartilhar os mesmos fundamentos determinantes” (CEJ/ I Jorn. Dir.
Proc. Civ., Enunciado nº 59).
286
É importante, pois, que ao editar enunciados de súmula, o tribunal procure
ater-se às “circunstâncias fáticas” em que os casos paradigma foram resolvidos
(art. 926, § 2º).18 Em outras palavras, a súmula, em regra, identificará a ratio
decidendi, que serviu de fundamento dos diversos casos que justificaram o
enunciado representativo da jurisprudência sumulada. Como a causa de decidir
envolve necessariamente questões de direito e de fato, também as súmulas haverão
de retratar esses dois aspectos nos seus enunciados.19
É preciso considerar que dentro de um julgado se desenvolvem vários tipos
de raciocínio e argumento. Todavia, não são todos eles que se revestem da quali-
dade de precedente jurisprudencial passível de figurar em enunciado de súmula
ou de assumir a categoria de jurisprudência dominante. Apenas a tese nuclear
que conduziu à conclusão do decisório de acolhimento ou rejeição da pretensão
deduzida em juízo, é que merece o tratamento de fundamento da decisão judicial.
Os argumentos laterais que esclarecem e ilustram o raciocínio do julgador não
se inserem no terreno da ratio decidendi. Configuram apenas obiter dicta, e,
nessa categoria, não merecem o tratamento de fundamento jurídico do julgado.
Figuram apenas como motivo e não como causa de decisão. É nesse sentido que
a lei dispõe não fazerem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para
determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” (art. 504, I).20
A propósito da necessidade de distinguir entre ratio decidendi e obiter
dictum, não há diversidade substancial entre o precedente do common law e o
direito jurisprudencial concebido por nosso CPC/2015. Aqui, também, se exige
a extração, dos casos paradigma, de uma tese de direito e de fato (súmula), que
tenha sido o fundamento determinante dos julgamentos anteriores e que possa
ser adotada na resolução das causas iguais posteriores (art. 926, §§ 1º e 2º).21
18
CPC/1973, sem correspondência.
19
O art. 926 do CPC/2015 é a chave de leitura do direito jurisprudencial brasileiro e visa estabelecer
premissas mínimas para a aplicação dos precedentes em nosso direito. “Louvável ressaltar o § 2º do art.
926 do CPC/2015 que determina que qualquer enunciado jurisprudencial, precedente ou súmula somente
poderá ser aplicado e interpretado levando-se em consideração os julgados que o formaram” (COTA,
Samuel Paiva; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes. Modelo constitucional de processo e
suas benesses: a reconstrução da teoria dos precedentes no direito brasileiro vs. a compreensão equivocada
do seu uso no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, v. 260, out. 2016, p. 29, grifo nosso).
20
CPC/1973, art. 469, I.
21
“A técnica da análise comparativa de casos possui laços diretos com a determinação da ratio decidendi do
precedente e do obiter dictum, a fim de possibilitar a aplicação apenas dos fundamentos determinantes
da decisão do passado no momento de se interpretar o caso concreto, se excluindo linhas argumentativas
secundárias e sem relevância à lide” (COTA; BAHIA, op. cit., p. 38).
287
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
288
da circunscrição territorial de cada tribunal, nas hipóteses
das duas últimas alíneas.
Também Strätz, na mesma linha, entende que “embora o nosso Direito continue tendo como fonte formal
por excelência, o direito aplicado pelos tribunais, sobretudo os de superposição, passa agora a ocupar um
papel de proeminência na interpretação jurídica, já que esta, a partir do Novo Código, deverá debruçar-se
também sobre os textos produzidos pelos Tribunais Superiores. Se assim não for, de que adiantará a lei ser
a mesma para todos? Sê-lo-á apenas no papel, se os juízes puderem, cada um à sua moda, aplicarem-na
do modo que quiserem e sem respeito ao sentido interpretativo fixado pelas Cortes de vértice” (STRÄTZ,
Murilo. Aportes à desmistificação do art. 927 do Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo,
São Paulo, v. 269, p. 459).
289
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 655.265-DF, Tribunal Pleno. Relator:
24
Min. Edson Fachin. Brasília, 13 de abril de 2016. Diário de Justiça: 5 ago. 2016. (grifo nosso).
290
8 IMPORTÂNCIA DA TÉCNICA DE JULGAMENTO SEGUN-
DO PRECEDENTE
291
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
pelo tribunal superior. É o que ocorre, por exemplo, quando lei posterior dispo-
nha sobre a matéria do precedente de maneira contrária à norma neste contida,
ou ainda, quando o tribunal passe a decidir de maneira diversa, afastando-se
tacitamente de seu precedente. Em ambos os casos teria acontecido revogação
implícita do precedente, como se passa com qualquer norma legal, no plano de
direito intertemporal (Lei de Introdução, art. 2º, § 1º).
Em resumo, diante das características próprias do direito jurisprudencial
brasileiro, o mais importante, no momento, para a efetiva implantação do sis-
tema de precedentes regulado pelo CPC/2015, é principalmente a absorção das
técnicas construídas pelo common law em torno das noções de ratio decidendi,
obiter dictum, distinção e superação.
5 CONCLUSÕES
292
Naturalmente, o inovador sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015
não pode ser tratado como uma panaceia capaz de resolver todos os problemas
da reconhecida ineficiência com que a tutela jurisdicional é prestada no País.
Nada obstante, justo é o registro doutrinário de que “o stare decisis” bra-
sileiro merece ser construído por configurar um excelente instrumento para
aperfeiçoar a aplicação dos princípios constitucionais e dar racionalidade à prática
jurídica no paradigma neoconstitucional”31.
Ibid., p. 260. O neoconstitucionalismo, como destaca o autor, supera o positivismo e resgata, entre outras
31
coisas, a hermenêutica e a retórica no Direito, revelando a natureza normativa dos princípios jurídicos. Esse
novo direito, compromissado com a ética e os valores morais e sociológicos, tem adotado, largamente, normas
fundadas em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados, gerando grandes incertezas na sociedade e
exigindo do juiz “criatividade” na respectiva aplicação. Daí que, inevitavelmente, se impõe “o reconhecimento
dos precedentes judiciais como fonte do direito”, por força de “uma exigência para a coerência e racionalidade
do sistema” (MACÊDO, op. cit., p. 258). No mesmo sentido: CHIASSONI, Pierluigi. La giurisprudenza
civile: metodi d’interpretazione e tecniche argomentative. Milano: Giuffrè, 1999, p. 10.
293
A TENDÊNCIA DE UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA
DO IRDR POR LITIGANTES HABITUAIS E A
NECESSIDADE DOS TRIBUNAIS REFLETIREM
SOBRE SUA COOPTAÇÃO: a proibição do incidente
preventivo e o caso Samarco1
Dierle Nunes*
Ana Luiza Pinto Coelho Marques*
Isadora Tofani Gonçalves Machado Werneck*
Laura Freitas*
1
Foi com grande honra que recebemos o convite para escrever em homenagem ao advogado mais emblemático
das Minas Gerais, nosso querido Raimundinho. Esta é uma singela homenagem àquele que tanto fez pela
advocacia das Gerais.
*
Doutor em direito processual (PUCMINAS/Universitàdegli Studi di Roma “La Sapienza”). Mestre em
direito processual (PUCMINAS). Professor permanente do PPGD da PUCMINAS. Professor adjunto
na PUCMINAS e na UFMG. Secretário Adjunto do Instituo Brasileiro de Direito Processual. Membro
fundador do ABDPC. Membro da International Association of Procedural Law, Instituto Panamericano de
Derecho Procesal e Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO). Diretor executivo do Instituto
de Direito Processual – IDPro. Membro da Comissão de Juristas que assessorou no Novo Código de
Processo Civil na Câmara dos Deputados. Membro da Banca examinadora do LV Concurso para Ingresso
na Carreira do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Advogado. E-mail: dierle@cron.adv.br.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
*
Advogada.
295
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
296
Por um lado, parcela da advocacia se lança ao manejo estratégico do IRDR,
seja com o intuito de se obter a suspensão de uma multiplicidade de processos
nos quais se tenha interesse direto2, seja em busca de um padrão decisório hábil a
ser aplicado de modo uníssono e benéfico aos seus constituintes ou mesmo para
alcançar um padrão decisório fundado em discussões ainda embrionárias. Nesse
sentido, a prática começa a preocupar a doutrina e os Tribunais, especialmente
quando se percebe a potencial cooptação do instituto por litigantes habituais.3
Noutro giro, passa-se à observação de magistrados de primeiro grau que
almejam transferir (sem qualquer dissenso prévio) o julgamento de causas repe-
titivas para o Tribunal ao qual esteja vinculado, reduzindo seu passivo de causas
a serem examinadas.
Ocorre que, a se manter este modo de aplicação, o adequado uso da
ferramenta de litigiosidade repetitiva pode ser comprometido, induzindo-se à
prematura rejeição dos Tribunais quanto à instauração do IRDR, em face do
risco de formação de um precedente ilegítimo.
Veja-se, como o próprio nome sugere, que o incidente de resolução de
demandas repetitivas é uma técnica introduzida com a finalidade de auxiliar no
dimensionamento da litigiosidade repetitiva mediante cisão da cognição4 por
meio de “procedimento-modelo” ou “procedimento-padrão”. Noutro dizer,
o IRDR é um incidente por meio do qual “são apreciadas somente questões
comuns a todos os casos similares, deixando a decisão de cada caso concreto
2
Por exemplo, para gerar o adiamento do adimplemento de obrigações.
3
As demandas repetitivas também devem apresentar envolvidos repetitivos e ocasionais, ou seja, as partes
litigantes devem apresentar um padrão de comportamento perante o judiciário. Essas partes devem
ser litigantes habituais, aqueles que são capazes de atingir um grande número de pessoas ou que estão
relacionados a um objeto incindível que atinge de forma uniforme a sociedade, sejam entes públicos
ou privados. E litigantes ocasionais, aquelas pessoas que têm seus direitos lesados e ingressam de forma
individualizada no judiciário. (ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. Meios consensuais de resolução de
disputas repetitivas: a conciliação, a mediação e os grandes litigantes do judiciário. 2014. 193 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Processual) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014).
4
NUNES, Dierle; PATRUS, Rafael Dilly. Uma breve notícia sobre o procedimento-modelo alemão e sobre
as tendências brasileiras de padronização decisória: um contributo para o estudo do incidente de resolução
de demandas repetitivas brasileiro. In: FREIRE, Alexandre et al. (Org.). Novas tendências do Proces-
so Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. Disponível em: <http://migre.me/oGJ0y>. Nesses termos, a parte
“comum” será dimensionada pelo tribunal de segundo grau mediante ampla cognição (art. 983, caput),
audiência pública para obtenção de subsídios argumentativos (art. 983, § 1.º) e análise panorâmica “de
todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”
(art. 984, § 2.º). Uma vez dimensionados no acórdão os fundamentos determinantes padronizáveis das
causas repetitivas, caberá ao juízo de primeiro grau aplicá-los dialogicamente. Apesar de algum dissenso
interpretativo que possa resultar do novo instituto, há que se lembrar que, pela natureza de incidente, não
se vislumbra a perspectiva de ser o IRDR uma técnica de causa-piloto (como os recursos extraordinários),
sem cisão cognitiva, mas sim, igualmente ao sistema alemão, de procedimento-modelo.
297
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
5
CABRAL, Antônio do Passo. A escolha das causa-piloto no incidente de resolução demandas repetitivas.
Revista de Processo, São Paulo, v. 231, p. 203, maio 2014.
6
NUNES; PATRUS, 2013.
7
Além das divergências doutrinárias, há também divergência jurisprudencial sobre a natureza do incidente. A
título de exemplo, o TJMG julgou os IRDR’s n° 0378378-98.2016.8.13.0000 e 0328324-31.2016.8.13.0000,
como “procedimento-modelo” (MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 0378378-98.2016.8.13.0000, Segunda Seção Cível. Relator: Des.
Juliana Campos Horta. Belo Horizonte, 3 de julho de 2017. Diário de Justiça: 11 ago. 2017; e MINAS
GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
0328324-31.2016.8.13.0000, Primeira Seção Cível. Relator: Des. Alberto Vilas Boas. Belo Horizonte,
4 de abril de 2017, Diário de Justiça: 7 abr. 2017). Também o TJDF e TJRS adotaram tal técnica nos
incidentes de n° 0051570-97.2016.8.07.0000 (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do DF e
Territórios. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0051570-97.2016.8.07.0000, Câmara
de Uniformização. Relator: Des. Carmelita Brasil. Brasília, 26 de junho de 2017. Diário de Justiça: 18
jul. 2017) e 0154697-13.2016.8.21.7000 (RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do
Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0154697-13.2016.8.21.7000, Tribunal Pleno.
Relator: Des. Ivan Leomar Bruxel, Porto Alegre, 8 de maio de 2017. Diário de Justiça: 25.05.2017). Por
outro lado, o TJRJ adotou a técnica de “causa-piloto” ao julgar os IRDR’s n° 0023484-83.2016.8.19.0000
e 0018608-85.2016.8.19.0000 (RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023484-83.2016.8.19.0000, Seção Cível Comum. Relator: Des.
Guaraci de Campos Vianna. Rio de Janeiro, 8 de junho de 2017. Diário de Justiça: 9 jun. 2017; e RIO
DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
nº 0018608-85.2016.8.19.0000, Seção Cível Comum. Relator: Des. Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 2016. Diário de Justiça: 24 jun. 2016). No mesmo sentido, foi decidido o
IRDR 2121567-08.2016.8.26.0000. (SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 2121567-08.2016.8.26.0000, Turma Especial - Privado 2. Relator:
Des. Lígia Araújo Bisogni. São Paulo, 9 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 17 ago. 2016).
298
Ademais, a atribuição de competência originária para julgamento integral
em incidente (como causa-piloto e desprovido da cisão cognitiva), sem previsão
constitucional, poderia gerar impugnações decorrentes da avocação pelo Tribunal
de processos, sem olvidar da inconstitucionalidade e do problema da suspensão
de processos em primeiro grau em fase de cognição incipiente.
O que se passa a demonstrar é que, em que pese o fato de que parágrafo
único do art. 978 do CPC/158 possa aludir à ideia de julgamento em causa-pi-
loto, o que a norma dimensiona é uma regra de competência e de prevenção
para julgamento de todos os casos afetados.
2 CABIMENTO DO INCIDENTE
8
“Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles
responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal. Parágrafo único. O órgão colegiado
incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária
ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente”.
9
No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o procedimento para julgamento do incidente
encontra-se previsto nos arts. 368-A a 368-N, do Regimento Interno do Tribunal. São competentes o
julgamento do IRDR, no Tribunal, a Primeira e a Segunda Seções Cíveis, sendo aquela composta por oito
desembargadores, representantes da Primeira à Oitava Câmara Cíveis (Câmaras de Direito Público), e esta
por dez desembargadores, representantes da Nona à Décima Oitava Câmara Cíveis (Câmaras de Direito
Privado), nos termos do art. 9º, inciso IV, do RITJMG.
10
Enunciado n. 344 do FPPC: “A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no
respectivo Tribunal”. Acatando este entendimento doutrinário: RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal
de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº0228061-18.2016.8.21.7000,
Primeira Turma. Relator: Des. José Aquino Flores de Camargo. Porto Alegre, 5 de agosto de 2016. Diário
de Justiça: 8 ago. 2016; SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº0000560-25.2016.0.03.0000, Tribunal Pleno. Relator: Juiz Convocado Luciano
Assis. São Paulo, 31 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 1 set. 2016.
299
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
300
Frise-se, ainda, que o IRDR pressupõe a ausência de julgamento da questão
jurídica (as matérias mais recorrentes foram: a. tributária14; b. previdenciárias15;
e c. administrativas16) no procedimento afetado, sob pena de viabilizar sua uti-
lização como recurso ou sucedâneo recursal. Com efeito, trata-se de utilização
vedada, por se desviar do caráter teleológico objetivado pelo legislador17.
3 LEGITIMIDADE
haveria na espécie em análise matéria devolvida em recurso interposto perante Tribunal Superior (SÃO
PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
2063941-31.2016.8.26.0000, Turma Especial – Público. Relator:Des. Luciana Bresciani, São Paulo, 26
de agosto de 2016. Diário de Justiça: 31 ago. 2016). Apesar de se tratar de mero obter há de se afastar
este argumento pela expressa determinação do CPC.
14
“Natureza jurídica do encargo de 10% do valor do crédito inscrito em dívida ativa”, com aproximadamente
11200 execuções fiscais sobre a temática. Decisão de admissão: DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça
do DF e Territórios, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 20160020134714. Relator: Des.
José Divino. Brasília, 6 jun. 2016. Diário de Justiça: 23 jun. 2016.
15
Decisão de admissão: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº 0038758-92.2016.8.26.0000, Turma Especial – Público. Relator: Des. Coimbra
Schmidt. São Paulo, 26 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 27 ago. 2016.
16
Ações (1215) em que policiais militares postulam o percebimento de gratificação de habilitação policial militar,
vantagem que recebiam mensalmente até ser suprimida pela Administração (BAHIA (Estado). Tribunal de
Justiça do Estado, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0006411-88.2016.8.05.0000, Seção
Cível de Direito Público. Relator: Des. Marcia Borges Faria. Salvador, 29 de junho de 2016. Diário de
Justiça: 3 jul. 2017). 810 demandas com pretensão de concessão de auxílio transporte a policiais militares.
(BAHIA (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
0007725-69.2016.8.05.0000, Seção Cível de Direito Público. Relator: Des. Telma Laura Silva Britto.
Salvador, 16 de junho de 2016. Diário de Justiça: 18 jun. 2016).
17
Impedindo o uso do incidente como sucedâneo. No caso se buscava, pós julgamento do mérito, a utilização
dos embargos declaratórios como causa piloto a viabilizar o IRDR e a revisão de julgado: “O IRDR […]
não possui natureza recursal, não podendo servir como instrumento de insurgência da parte contra as
decisões judiciais que lhe são desfavoráveis”. (RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça
do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0228061-18.2016.8.21.7000, Primeira
Turma Cível. Relator: Des. José Aquino Flores de Camargo. Porto Alegre, 5 de agosto de 2016. Diário de
Justiça: 16 ago. 2016; SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº 2095249-85.2016.8.26.0000, Turma especial. Rel. Des. Rubens Rihl, São Paulo,
26 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 1 set. 2016; RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do
Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0025701-02.2016.8.19.0000, Seção Cível/
Consumidor. Relator: Des. Leila Albuquerque, Rio de Janeiro, 14 de julho de 2016. Diário de Justiça, n.
2501613, 18 jul. 2016).
18 Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou
relator, por ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública,
por petição. Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à
demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.
301
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
dente do Tribunal local. O julgamento deverá ser realizado pelo órgão colegiado
indicado no Regimento Interno19.
Vale salientar que o CPC/2015, apesar de tratar dos diversos legitimados
à propositura do incidente, não abordou a problemática em relação à possibili-
dade de pluralidade de pedidos ou ofícios relativos à mesma questão repetitiva,
perante o mesmo Tribunal.20 Ante tal questão, parte da doutrina tem defendido
o apensamento e processamento conjunto dos pedidos e/ou ofício, conforme se
depreende do enunciado nº 89 do Fórum Permanente de Processualistas Civis21.
Por sua vez, Normas Regimentais de alguns Tribunais adotaram alternativas
diversas, como a escolha de pedidos ou ofícios representativos da controvérsia22,
aplicando-se por analogia a sistemática dos recursos repetitivos, prevista no art.
1.036, do CPC/201523.
Após a escolha dos ofícios/pedidos mais representativos ou o apensamento
dos mesmos, o relator do incidente deverá ser designado mediante distribuição
por sorteio. Ressalte-se que, na hipótese em que a iniciativa de instauração parta
de relator que seja também julgador do órgão responsável pela apreciação do
incidente, este será distribuído por prevenção.24
A distribuição também ocorrerá por prevenção se houverem pedidos ou
ofícios para a instauração do incidente sobre questão conexa à de IRDR já ad-
19
Vide nota 13 supra. Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno
dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
20
CAZZARO, Kleber. Estudos de Direito Processual à luz da Constituição Federal. Erechim: Deviant,
2017, p. 81.
21
Enunciado n. 89 do FPPC: “Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de
resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados
conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados,
cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas.”
22
Tal entendimento foi incorporado ao TJBA, no art. 219, §2º, de seu Regimento Interno: “Art. 219, §2º
Se houver mais de um pedido de instauração de incidente, tendo por objeto a mesma questão de direito, o
Presidente do Tribunal escolherá o caso que mais bem represente a controvérsia, observado o disposto no
§ 6º do art. 1.036 do Código de Processo Civil, e determinará que os demais pedidos integrem a autuação
a fim de que o Relator conheça dos argumentos levantados; os requerentes dos pedidos não escolhidos
serão informados do número do incidente instaurado e as partes dos respectivos casos poderão participar
do processo como intervenientes”.
23
Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em
idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção,
observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de
Justiça.
§ 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2
(dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal
ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
24
DIDIER JR., Fredie; TEMER, Sofia. A decisão de organização do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas: Importância, conteúdo, e o papel do regimento interno do Tribunal. Revista de Processo,
São Paulo, v. 258, p. 257-278.
302
mitido, possibilitando que os incidentes tramitem conjuntamente e possam ser
julgados em uma única sessão25.
4 COMPETÊNCIA DE ADMISSÃO
25
Ibid., p. 257-278.
26
Art. 981. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo
de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
27
CAZZARO, op. cit., p. 82.
28
RITJMG, Art. 368-C. Distribuído o incidente, o relator poderá: II - indeferir liminarmente o incidente
quando formulado por parte ilegítima.
29
Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase
de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos
jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos
que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente
ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso
sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência
ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.
30
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, 2. ed., Salvador: JusPODIVM, 2017,
p. 124.
31
Ibid., p. 125-126.
303
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
32
Sobre o distinguishing: “A estruturação pela doutrina e jurisprudência pátrias de técnicas de distinção
(distinguishing) a partir do CPC/2015 impõe-se como decorrência lógica da concretização do modelo
constitucional de processo no marco da convergência de tradições jurídicas (que deve ser lida sob a luz
da Constituição e das normas fundamentais da nova legislação) e da utilização do direito jurisprudencial
como fonte normativa e instrumento para a manutenção de um ordenamento jurídico coerente e uniforme,
atributos que remontam, em última análise, à integridade do Estado como garantidor de um sistema jurídico
único, pois apenas assim será possível conciliar a dimensão subjetiva de cada caso com a dimensão objetiva
do direito que se pretende aplicar”. NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. A aplicação de precedentes
e distinguishing no CPC/2015: uma breve introdução. In: CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO,
Lucas Buril de; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de (org.). Precedentes judiciais no NCPC: Coleção
Novo CPC e novos temas. Salvador: Juspodivm, 2015
33
“A decisão de organização do incidente corresponde à formalização do que foi decidido pelo órgão colegiado
no que diz respeito à admissibilidade e aos limites objetivos do incidente, notadamente quanto à definição
da questão jurídica e à identificação das circunstâncias fáticas que ensejaram a controvérsia e para as quais
a tese será aplicável”(DIDIER JR.; TEMER, op. cit., p. 257-278).
304
o trâmite normal, salvo decisão fundamentada do relator (art. 980, parágrafo
único, CPC/15).
Após a oitiva das partes, dos demais interessados (pessoas, órgãos e entida-
des com interesse na controvérsia) e do Ministério Público, bem como realizadas
as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida
(art. 983, CPC/15), o incidente será julgado pelo Tribunal.
Do referido julgamento, forma-se uma tese jurídica a ser aplicada “a
todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão
de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive
àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou região” (art.
985, I, CPC/15) e “aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e
que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão
na forma do art. 983” (art. 985, II, CPC/15).
Destaque-se que a diferença entre o julgamento do IRDR e o julgamento
de recursos extraordinários e especiais repetitivos é o fato de o primeiro tramitar
perante o tribunal local (Tribunal de Justiça ou Regional Federal), ao passo que
o RE e o REsp repetitivos são julgados nos próprios Tribunais Superiores. Até
por isso, e levando-se em consideração a posição hierárquica do STF e do STJ,
que o julgamento de recursos por amostragem tem preferência sobre o IRDR, de
modo que este é incabível “quando um dos tribunais superiores, no âmbito de
sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre
questão de direito material ou processual repetitiva” (art. 976, § 4º, CPC/15).
No que diz respeito à limitação territorial de eficácia, a tese formada em
IRDR, a princípio, está circunscrita ao âmbito da competência territorial do
tribunal local, pois como visto alhures o julgamento do incidente se dá perante
os Tribunais de segunda instância. Todavia, o diploma processual prevê uma
hipótese de extensão dos efeitos da decisão-padrão.
Com efeito, da decisão do incidente caberá recurso extraordinário ou
recurso especial, nos termos do art. 987, do CPC/201534 e, uma vez julgado
o recurso interposto, o acórdão proferido será aplicável em todo o território
nacional e não apenas no âmbito da competência territorial do tribunal onde
originalmente instaurado o incidente.
Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o
34
caso. §1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional
eventualmente discutida. §2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos
individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.
305
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
306
Essa realidade é perfeitamente factível no campo prático – e até mes-
mo imprescindível – especialmente a partir desse novel microssistema para a
litigiosidade repetitiva, extraindo-se daí a importância de uma fundamentação
racional, analítica e dialógica por parte do julgador à luz de uma interpretação
baseada na ratio decidendi38.
O que se pretende dizer é que a ratio decidendi, ou seja, a parte do prece-
dente que efetivamente vincula (fundamentos determinantes), exige do intérprete
um exercício de reconstrução do raciocínio expresso e implícito aplicado a priori,
contextualizado aos fatos do paradigma a posteriori. Nesse sentido, atua como
um instrumento de limitação ou extensão da vinculação do precedente.
Lado outro, é preciso se atentar à prática do distinguishing39, considerada
importante ferramenta na aplicação da teoria do precedente. Isto porque a extra-
ção, distinção e consequente aplicação (ou afastamento) exigem do aplicador da
norma jurídica a verificação casuística do seu enquadramento como precedente
vinculante, postulando, assim, reprodução decisória equivalente, ou, ao contrário,
julgamento de maneira distinta, se for o caso.
O que se intui é que se dedicar à aplicação dos precedentes constitui, em
apertada síntese, um processo de individualização do Direito, na medida em
que o intérprete deve agir em constante atenção à dimensão subjetiva do caso
concreto (suas especificidades), com adoção de um padrão decisório de modo
a viabilizar a máxima observância ao texto constitucional no que se refere ao
dever de fundamentação dos julgados (art. 93, IX, CF/88), sem que se olvide
do caráter dialógico inerente a ele.
o precedente à norma consiste em excluir os elementos do julgado que lhe dão nota de identidade na própria
ordem jurídica, e que o torna relevante para o Direito ao lado das normas legislativas e constitucionais.”
(LOPES FILHO, 2015, p. 155).
38
É trabalho do aplicador do Direito extrair a ratio decidendi – o elemento vinculante – do caso a ser utilizado
como paradigma. Mas a noção de ratio decidendi e os critérios para sua determinação constituem algo
ainda fortemente controvertido. Talvez este seja o ponto mais polêmico da teoria e de toda a teoria jurídica
produzida no common Law. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a
justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 259.)
39
Sobre a questão da distinção entre os casos: A complexa atividade lógica de interpretação do precedente
judicial vale-se, outrossim, do método de confronto, denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica
se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma (SCHAUER, 2015, p. 78).
307
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
legislativa. Este trabalho se dedica, especialmente, à Emenda nº18, eis que des-
tinada à modificação da natureza do IRDR, para que o mesmo atuasse apenas
com caráter repressivo e não preventivo, como previsto originalmente na proposta
do Senado Federal.
Valendo-se de entendimentos da doutrina nesse mesmo sentido, o De-
putado Bruno Araújo40, autor da emenda mencionada supra, argumentou que
havia uma finalidade maior a ser obtida, qual seja, o estabelecimento da melhor
tese a ser seguida nos diversos casos repetitivos, e, para esse desiderato, o
mais relevante seria não ter o incidente um escopo preventivo, de modo a
exigir que já houvesse decisões aplicando teses contrárias anteriormente à
sua instauração, sob pena de não se obter a melhor solução ao caso.
Veja-se que a lei brasileira não estipula um número mínimo de processos
repetitivos para autorizar41 o uso do incidente; isso não permite extrair, no en-
tanto, que um número irrisório42 de casos permita a sua instauração.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais está em fase de testes de uma
importante LawTech43que se valerá, concomitantemente, de redes neurais (in-
teligência artificial) e softwares que intentarão promover a leitura eletrônica dos
autos na sua inteireza e a rápida verificação do conteúdo, mediante indexação de
demandas com potencialidade repetitiva. As mesmas serão objeto de vigilância
ativa e, quando do dissenso, viabilizarão a instauração do IRDRs, dispondo,
desde já, da indicação dos argumentos dissidentes.
O que aqui se defende é a premissa do uso fraco das LawTech proposta
40
BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Especial de revisão do Projeto de Lei 8.046/2010. Emenda 181.
Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 19 out. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/2H6KUW>.
Acesso em: 16 ago. 2017.
41
No direito estrangeiro fala-se de um mínimo de dez casos, número que no direito brasileiro seria irrisório
em face de nossas atuais cifras de repetição. No sistema inglês cf. LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente
de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil – exame à luz
da Group Litigation Order britânica. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 36, n. 196, jun. 2011, p.
187. No sistema alemão: CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (must erver fahren)
alemão. cit. p. 134.
42
Discutível nesses termos o conteúdo do Enunciado n.º 87 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande
quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da
isonomia e de ofensa à segurança jurídica” (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas), sob pena de negativa de vigência ao teor do art. 973, I, que exige a efetiva
repetição de processos. Salvo se sua interpretação for no sentido de verificação do efetivo dissenso
interpretativo.
43
O uso de redes neurais vem obtendo várias aplicações no Direito, pois apesar das mesmas não possuírem
ainda o potencial de resolver todos os problemas presentes para computar o conhecimento jurídico, seu
uso oferece excelentes benefícios para recuperação, catalogação de informações e auxílio na determinação
da semelhança entre os casos. AIKENHEAD, Michael. The uses and abuses of neural networks in Law.
Computer & High Technology Law Journal,Santa Clara, v. 12, 1996. p. 70.
308
por Sunstein44, no sentido de que tais tecnologias sejam capazes de reunir uma
série de casos relevantes, sugerir semelhanças e diferenças e esboçar argumentos
e contra-argumentos. No entanto, sublinhe-se que tais ferramentas não podem
substituir a atividade do julgador, frente à inviabilidade de alcance do raciocínio
jurídico.
Ademais, sempre será necessária a demonstração do efetivo dissenso in-
terpretativo e não um dissenso potencial, sob pena de se instaurar a possibi-
lidade da vedada padronização preventiva (IRDR Preventivo), que violaria a
cláusula de acesso à justiça democrática e do devido processo constitucional.
Decerto, não se busca apenas gerenciar processos repetitivos, mas,
prioritariamente, criar um precedente normativo capaz de encampar uma
fundamentação consistente e hábil a fornecer um julgado panorâmico, le-
vando-se em consideração todos os argumentos em discussão para a deli-
beração e análise dos casos repetitivos. Esta diretriz, aliás, é corroborada pela
necessidade de enfrentamento “de todos os fundamentos suscitados concernentes
à tese jurídica discutida” (art. 984, §2º, CPC/15).
Perceba-se que a prolação de uma decisão superficial, que não enfrente
todos os argumentos, dificilmente terá o condão de estabilizar o entendimento,
induzir ao arrefecimento do retrabalho nos Tribunais e reduzir a litigiosidade
em massa.
Em situações em que se profira um julgamento superficial e que não se
delineie, com precisão, o objeto de julgamento corre-se o risco de que os funda-
mentos não tematizados sejam utilizados pelos advogados para tentar impedir a
aplicação do padrão decisório ou fugir de sua força gravitacional.
Ora, o IRDR somente pode ser legitimamente aceito e aplicado como
instrumento repressivo, porquanto para a formação e fixação do padrão decisório
mostra-se necessária a avaliação da questão sob todos os ângulos, considerando,
sobretudo, o maior número possível de argumentos. Afinal, firmar um prece-
dente sem o amadurecimento da matéria posta em discussão “acarreta o risco de
haver novos dissensos, com a possibilidade de surgirem, posteriormente, novos
argumentos que não foram debatidos ou imaginados naquele momento inicial”45.
Igualmente, a admissão do IRDR preventivo, que permitiria a padroni-
zação decisória de casos antes mesmo do dissenso interpretativo, implicaria em
44
SUNSTEIN, Cass. Of Artifical Intelligence and Legal Reasoning. Public Law & Legal Theory Working
Papers, New York, n. 18, 2001.
45
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas
previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 193, mar. 2011,
p. 193.
309
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
310
suscitado em recurso, remessa necessária ou em processo
de competência originária do Tribunal. Ocorre que, se-
gundo penso, não faz sentido restringir o seu cabimento
a feitos em trâmite no Tribunal, pois seria um estímulo à
desnecessária proliferação de ações marcadas pela mesma
controvérsia. No entanto, a meu pensar, naquele parágrafo
único estão expressos os casos em que o próprio colegia-
do competente para decidir o incidente julgará a questão
constitutiva do mérito dos processos originários, o que não
acarretará supressão de instância, nem significa dizer que o
incidente não seja cabível se suscitado em caso como este.
Aliás, o art. 977, I, prevê expressamente a legitimidade do
juiz para provocar instauração do incidente ao Presidente
do Tribunal e, neste caso, a todas as luzes, feito o pedido
por Juíza de Direito em ação de obrigação de fazer em fase
de citação, sem que tenha sido nela interposto qualquer
recurso, é de se afirmar, desde já, que não poderá ocorrer
a avocação) do parágrafo único do art. 978 do Código de
Processo Civil, porque o incidente se originou de processo
que tramita em primeira instância, a qual não pode ser
suprimida e, por isso, excluída fica a competência para
julgar o feito originário. Então, segundo penso, já que
o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de juiz
pedir a instauração do incidente, é desnecessária a existên-
cia prévia de recurso ou ação originária no tribunal, que,
neste caso, julgará apenas o incidente, fixando a tese jurí-
dica. Em outros termos, dar-se-á aqui uma cisão cognitiva,
pois compete a este Órgão julgar apenas o incidente e ao
primeiro grau julgar a causa contida no feito originário.48
Repetitivas nº 0023205-97.2016.8.19.0000, Órgão Especial. Relator: Des. Nildson Araújo da Cruz. Rio
de Janeiro, 16 de maio de 2016. Diário de Justiça, n. 2451564, 20 maio 2016.
311
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
“§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja
49
312
advindos da falha na prestação de serviços por ela prestados,
que resultou no rompimento de barragens de rejeitos de
Fundão em Minas Gerais.50
50
ESPÍRITO SANTO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas nº 0017173-74.2015.8.08.0014, Terceiro Juizado Especial Cível. Relator: Juiz Marcelo Pimentel.
Vitória, 29 de setembro de 2016. Diário de Justiça: 30 set. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/9nrtbq>.
Acesso em: 20 ago. 2017.
51
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil,
13. ed., Salvador: JusPODIVM, 2016. v. 3, p. 629.
52
TEMER; MENDES, op. cit., p. 283-331.
313
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
53
O juízo de admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, realizado pelo Órgão
Colegiado competente, não é recorrível, admita ou não o incidente, por não haver “causa decidida”,
pressuposto para os recursos extraordinários. A propósito, DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo
José Carneiro da. Recursos contra decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas
que apenas fixa a tese jurídica. In: ________. ________. (org). Julgamento de casos repetitivos: Coleção
grandes temas do novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 7.
54
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado,
observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
55
Recentíssima decisão proferida pelo Conselheiro Henrique Ávila, do CNJ, caminhou no mesmo sentido
defendido neste texto. Segundo o Conselheiro: “embora não haja uma vedação direta e expressa à criação
de órgãos de julgamento dos institutos nos Juizados Especiais, todos os dispositivos que tratam do tema
determinam que o julgamento se dê, sempre, no âmbito dos tribunais, do qual não fazem parte, como
se sabe, as turmas recursais e as turmas de uniformização de jurisprudência dos Juizados”. (FARIELLO,
Luiza. Liminar suspende recursos repetitivos nos Juizados especiais, CNJ, Brasília, abr. 2010. Notícias.
Disponível em: <https://goo.gl/M94Zzs>. Acesso em: 9 ago. 2011).
56
TEMER, op. cit, p. 121-122.
57
“Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
314
acabaria por tornar a decisão de mérito do IRDR impermeável à revisão pelos
Tribunais Superiores, salvo se houver violação às normas constitucionais.
Ainda importa mencionar que, admitindo-se o julgamento do incidente no
âmbito dos juizados, incorrer-se-ia na possibilidade de jurisprudência dissonante
no âmbito de um mesmo Estado ou Região, sem qualquer mecanismo para sanar
tal divergência. Ora, a competência dos Tribunais muitas vezes se confunde com
a dos juizados e decisões conflitantes, proferidas por órgãos distintos, no campo
dos precedentes, ofenderiam à isonomia e segurança jurídica, em contradição
com o objetivo do incidente.
Há de se questionar, igualmente, a admissão do IRDR sem a efetiva veri-
ficação de multiplicidade de processos e de dissenso interpretativo em segunda
instância. Nos termos da decisão de admissibilidade, o incidente foi suscitado
após constatadas “[...] divergências nas decisões das inúmeras ações protocolizadas
junto aos Juizados Especiais Cíveis” (ESPÍRITO SANTO, 2016).
Buscou-se, assim, ofertar uma resposta para os litígios repetitivos, priori-
zando a função quantitativa do incidente em detrimento da qualidade da decisão,
tendo em vista que, ante a ausência de discussão ampla sobre o tema, os argumen-
tos submetidos à apreciação do Judiciário serão escassos e, consequentemente,
haverá o empobrecimento do discurso jurídico.
Esse modo de utilização dos precedentes como padrões decisórios pre-
ventivos (e superficiais) e de função eminentemente gerencial é especialmente
problemática ao se considerar a suspensão de inúmeros processos que versem
sobre a questão, obstando que diversas pessoas tenham suas pretensões e argu-
mentos apreciados, sem que sequer haja um debate efetivo sobre a tese jurídica
controvertida.
O processo constitucional e democrático é uma garantia Constitucional
e os precedentes não podem perder de vista tal pressuposto. Tratando-se de uma
decisão que busca a implementação “idônea e panorâmica” da temática discutida,
deve visar uniformizar e não prevenir o debate.58
Por fim, têm-se os problemas de fundamentação da decisão de admissi-
bilidade. Percebe-se que o magistrado limitou-se a apontar, sucintamente, que
os requisitos estavam preenchidos, in verbis:
NUNES. Dierle. Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico. Revista Consultor Jurídico,
58
São Paulo, 6 ago. 2012. Disponível em: <https://goo.gl/4Mqz2v>. Acesso em: 9 ago. 2011.
315
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
316
dissonantes, o que decorre do próprio caráter preventivo do caso apreciado e da
consequente baixa maturidade da discussão jurídica sobre o tema.
Ora, é imprescindível que a decisão de admissibilidade, enquanto fase
essencial para a preparação do julgamento do incidente, trate adequadamente
dos pontos de divergência, delimitando o âmbito da discussão. A exposição dos
fundamentos determinantes proporciona que todos os julgadores analisem o
caso sobre o mesmo enfoque e veda, ou ao menos dificulta, que ocorra a fixação
de tese sobre questão distinta, o que, na sistemática dos precedentes, é extrema-
mente relevante.
Conforme se passa a expor, os vícios procedimentais apontados no caso em
tela interferiram concretamente na qualidade do padrão decisório formado, sendo
que a ausência de efetivo dissenso interpretativo e de colegialidade nas decisões,
tomadas por órgão incompetente para tanto, bem como a parca delimitação do
tema objeto do incidente, influenciaram negativamente no resultado alcançado.
Assim, ultrapassada a questão da admissibilidade, impende-se a análise do
resultado do julgado. A Turma julgadora concluiu pela responsabilidade objetiva
da Samarco Mineração pelos danos causados, nos termos seguintes:
61
ESPÍRITO SANTO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas nº 0017173-74.2015.8.08.0014, Terceiro Juizado Especial Cível. Relator: Juiz Marcelo Pimentel.
Vitória, 29 de setembro de 2016. Diário de Justiça: 30 set. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/9nrtbq>.
Acesso em: 20 ago. 2017.
62
Sendo essa uma questão puramente de direito, como se extrai dos artigos 225, § 2º da CF/88 e 19 da Lei nº
7.805/89 que estabelece que “[...] o titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de
concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente”
317
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
318
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
319
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
REFERÊNCIAS
320
CAZZARO, Kleber. Estudos de Direito Processual à luz da Constituição
Federal. Erechim: Deviant, 2017.
321
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
322
A ADVERTÊNCIA E A MULTA COMO MEIOS INDIRETOS E
DESPROPORCIONAIS DE COIBIR O DIREITO AO RECURSO
1 INTRODUÇÃO
*
Mestre em Direito Processual pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC/Minas, Especialista em
Direito Processual Civil pelo CAD- Centro de Atualização de direito, Professora Universitária, Advogada,
integrante da Comissão do Advogado Professor da OAB/MG.
1
Adotaremos a expressão acima destacada para designar o BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF, 17 mar. 2015.Disponível em: <https://goo.gl/2U1Dv9>. Acesso em: 7 nov. 2017.
2
THEDORO JÚNIOR, Humberto. Normas fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 20.
323
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
ou desformalização de procedimentos”.3
Neste sentido, o artigo 10 do NCPC é expresso:
3
O art. 4º do Novo CPC dá curso ao que já consta na Constituição Federal quando no art. 5º, LXXVIII,
acrescentado pela EC nº45/2004, dispõe sobre a duração razoável do processo. Na nova lei a questão
é colocada nos seguintes termos: “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa” (complementado pelos arts. 6º e 139, II, que dão ao juiz e aos
demais sujeitos do processo o dever de zelar pela celeridade) (THEODORO JÚNIOR, Humberto et al.
Novo CPC: Fundamentos e sistematização, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 163-164).
4
Em primeiro lugar, o contraditório deve ser compreendido como a garantia que têm as partes de que
participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem. Em outras palavras, o resultado
do processo deve ser fruto de intenso debate e da efetiva participação dos interessados, não podendo ser
produzido de forma solitária pelo juiz (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro,
3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 11).
5
Recurso é o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo a reforma, a invalidação,
o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna (MOREIRA, José Carlos Barbosa.
Comentários ao Código de Processo Civil, 7. ed. Rido de Janeiro: Forense, 1998. v. 5, p. 231).
6
Os recursos, enquanto uma fase do procedimento, contribuem para alongar o tempo de duração do processo,
todavia, são importante ferramenta para a correta aplicação do direito aos casos concretos (JAYME, Fernando
Gonzaga et al. (coord.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços, desafios e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2017).
324
2 A SISTEMÁTICA RECURSAL COMO MEIO DE ASSEGURAR
ÀS PARTES O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
SUBSTANCIAL, SOB O ENFOQUE DO NCPC
325
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
de todos os meios possíveis para não conhecer de recursos, como se essa fosse a
melhor maneira de amenizar a sobrecarga do Judiciário.
Exemplificativamente, apontamos como meios de aproveitamento de
atos, a possibilidade de pagamento em dobro quando da ausência de compro-
vação do preparo recursal no ato da sua interposição, conforme previsto no art.
1007, §4º do NCPC.11
Da mesma forma, destacamos a possibilidade de sanar vício gerado pela
ausência de juntada de cópia obrigatória, em processo físico, que antes compro-
meteria o conhecimento do recurso de agravo de instrumento, nos termos do
art. 932, parágrafo único e 1017, §3º do NCPC.
No que tange ao recurso de apelação, propriamente dito, o art. 1009 do
NCPC, continua prevendo a hipótese de seu cabimento em face de sentença,
destacando-se a novidade de que a parte também pode se valer do referido recurso
para atacar, de maneira deferida, todas as questões decididas ao longo do trâmite
procedimental que não puderem ser atacadas via agravo de instrumento (com
previsão expressa no rol taxativo do art. 1015 do Novo CPC), não ficando, pois,
referidas questões preclusas, nos termos do art. 1009, §1° do NCPC.12
Neste peculiar, cumpre ainda alertar que não será mais possível a utilização
de agravo retido, repita-se, extinto pelo Novo CPC, que eliminou esse foco
de recorribilidade para atacar questões incidentais, cabendo agora ao recurso de
apelação um escopo mais abrangente. No mesmo sentido, se referidas questões
forem suscitadas em contrarrazões de apelação, o recorrente deverá ser intimado,
para em 15 dias, manifestar-se a respeito das mesmas, em estrita observância aos
princípios do contraditório e da não surpresa.
Outra alteração considerável trazida pelo NCPC, também no intuito de
agilizar o processo, evitando a interposição de recursos desnecessários, foi
em relação a eliminação do duplo juízo de admissibilidade, visualizado na
sistemática anterior, em relação ao referido recurso de apelação.
No NCPC a admissibilidade não é exercida mais pelo juízo de primeiro
grau, para quem a apelação é dirigida. Na nova sistemática recursal, ao juiz a
quo não caberá mais a análise desses pressupostos, mas tão somente oportunizar
à parte adversa a apresentação de contrarrazões, para posteriormente remeter ao
11
De acordo com o art. 1017, §3° do NCPC: Na falta de cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro
vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no
art. 932, parágrafo único.
12
De acordo com o art. 1009, §1º do NCPC: As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a
seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas
em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
326
juízo ad quem, que continuará responsável pelo juízo de admissibilidade, agora
sozinho, nos moldes do art. 1010 e 1011 do NCPC.
O NCPC, com esta substancial modificação, pretendeu, portanto, eli-
minar mais um foco de recorribilidade, extinguindo a possibilidade de in-
terposição do agravo de instrumento em face daquela decisão de primeiro
grau, pois agora a decisão sobre a admissibilidade será proferida pelo próprio
tribunal julgador.
O relator da apelação, portanto, é que irá exercer a admissibilidade recursal,
podendo decidir a apelação a fim de não a conhecer, desde que seja caso do art.
932 do NCPC, ou na hipótese do parágrafo único, possibilite a correção do
vício e desde que não seja possível conhecê-la no mérito a fim de beneficiar a
parte a que o defeito formal aproveitaria, nos termos do art. 488 do NCPC.
O recurso de apelação, portanto, se apresenta como uma nova roupa-
gem, sobretudo, no que tange a apreciação de questões incidentes e em relação
ao juízo de admissibilidade único, buscando se adequar a um novo modelo
recursal, que procura eliminar etapas desnecessárias e protelatórias.
Nos embargos de declaração, por sua vez, restou superada a chamada
“intempestividade por prematuridade”, como salienta Alexandre Freitas Câ-
mara13, que consiste em praticar o ato processual antes do início do prazo para
a sua realização, de acordo com o artigo 218, §4º do NCPC, considerando-se
admissível o recurso apresentado precocemente, independentemente de qualquer
ato de ratificação, nos termos do art. 1024, §5º do NCPC.
O embargante, portanto, não precisar mais realizar a ratificação, mas
no caso de acolhimento de embargos com efeito modificativo, o mesmo têm o
direito de complementar ou alterar suas razões recursais, como prevê o art.
1024, §4º do NCPC.
Em relação aos embargos declaratórios, alertamos ainda para o art. 1025
do NCPC que admite o pré-questionamento implícito ou virtual, no sentido
de se considerar incluídos no acórdão recorrido, os elementos que o embargante
pleiteou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração
sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade.
No intuito de coibir abusos, o art. 1026 do NCPC apresenta majoração
de multa, partindo o legislador do pressuposto que, muitas vezes, referido recurso
é utilizado com simples caráter protelatório pela parte.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 540.
13
327
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
14
CÂMARA, op. cit., p. 542.
15
CÂMARA, 2017, loc. cit.
16
Enunciado 361 do FPPC: "Na hipótese do art. 1.026, §4º, não cabem embargos de declaração e, caso
opostos, não produzirão qualquer efeito".
328
mazia da decisão de mérito, determina que o julgador conceda prazo legal
para que o recorrente faça a adequação da peça para atender à finalidade e
às formalidades do recurso adequado, evitando a inadmissibilidade do re-
curso por falta de preenchimento de questões formais passíveis de supera-
ção.
Todavia, na última hipótese acima destacada, do art. 1033 do NCPC,
evidenciada a dos princípios da finalidade e do aproveitamento dos atos
processuais, uma vez que a peça do recurso extraordinário é aproveitada para
sua conversão em recurso especial, sendo desnecessária a abertura de prazo para
fazer a adequação formal.
É de se destacar que o Enunciado 104 do Fórum Permanente de Proces-
sualistas Civis prevê que “[...] o princípio da fungibilidade recursal é compatível
com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício”, motivo pelo
qual é assegurado ao recorrente o aproveitamento de recursos sempre que possível
em estrita obediência ao devido processo constitucional.
No que tange ao agravo de instrumento, cuidou o legislador de estabelecer
hipóteses específicas para a sua utilização, também com intuito de evitar recursos
desnecessários que atrapalhem o curso do procedimento, como acima destacado.
Sendo assim, todas a questões resolvidas por decisões interlocutórias que
não estejam previstas no rol taxativo do artigo 1015 do NCPC, poderão ser
alegadas em apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1009,
§1º do NCPC, com já dito anteriormente.
Ainda, no esteio da primazia do julgamento de mérito, conforme também
apontado acima, apresenta-se o artigo 1017, §3º do NCPC, em estrita obedi-
ência ao art. 932, parágrafo único do NCPC, para assegurar ao agravante a
possibilidade de convalidação de atos para a admissão do seu recurso, em
observância ao dever de colaboração judicial.
Por derradeiro, em última análise sobre as modificações mais importantes
visualizadas em sede recursal, encontramos o agravo interno, cujo prazo para
interposição foi consideravelmente aumentado, nos termos do art. 1003, §5º do
NCPC, sendo o mesmo cabível contra decisão monocrática de relator, de acordo
com o art.1021 do NCPC, com a finalidade de promover a harmonização de
decisões judiciais.
Da mesma forma o NCPC cuidou de destacar que na petição de agravo
interno o recorrente deve impugnar especificadamente os fundamentos da
decisão agravada, sendo vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fun-
damentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno,
329
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
nos moldes do art. 1021, §1º e §3º do NCPC17, que Fredie Didier destacou
como sendo “[...] ônus da dialeticidade”.18
Nesta seara, encontramos ainda a importância da adequada interpo-
sição recursal, bem como da devida fundamentação das decisões, uma vez
que de acordo com o §4º do art. 1021 do NCPC, quando o agravo interno for
declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime,
o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao
agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa,
ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito prévio
do valor da referida multa, nos termos do §5º do referido artigo.
Sendo assim, de acordo com algumas modificações importantes destacadas
acima, é de se notar facilmente que a sistemática recursal deve ser visualizada
no esteio das novas diretrizes trazidas pelo NCPC, sempre tendo em vista a
garantia do devido processo legal, observada a ampla defesa, com a finalidade
precípua de possibilitar à parte o julgamento do mérito recursal.
17
O artigo 1021 do NCPC dispõe em seu §1º: Na petição inicial de agravo interno, o recorrente impugnará
especificadamente os fundamentos da decisão agravada e no §3º do NCPC que: É vedado ao relator
limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.
18
NUNES, Dierle; VIANA, Antônio Aurélio de Souza. Ônus da dialeticidade: nova “jurisprudência defensiva”
no STJ? Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 15 maio 2017. Opinião. Disponível em: <https://goo.
gl/4JHuLP>. Acesso em: 7 nov. 2017.
330
constitucional, ou seja, por meio de processo instaurado e
desenvolvido em forma obediente aos princípios e regras
constitucionais,19 dentre os quais se destacam o juízo na-
tural, a ampla defesa, o contraditório e a fundamentação
dos pronunciamentos jurisdicionais.
19
BRÊTAS, Ronaldo Carvalho Dias. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional, Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 84.
20
Ibid., p. 86; COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma,
1985, p 40-44; FIX-ZAMUDIO, Héctor. Latinoamérica constitución, proceso y derechos humanos.
México: Porrua, 1988, p. 227; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 337, jan./mar. 1997, p. 107; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual
e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 50.
21
BRÊTAS, 2004; COUTURE, 1985; FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, 6. ed. Padova:
CEDAM, 1992, p. 118-119; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 107; GONÇALVES, op. cit., p. 115.
22
Nesse novo modelo cooperativo, em que o juiz deve ser paritário no diálogo, mas volta a haver a assimetria
no momento da decisão (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil, 3. ed. São Paulo: RT,
2015, p. 64-65).
331
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
332
Ora, se o princípio do “acesso à justiça” representa a ideia de que o
Judiciário se encontra aberto à apreciação de quaisquer situações de “ameaças
ou lesões a direito”, o princípio do devido processo legal, por sua vez, indica as
condições mínimas para que se desenvolva o processo, isto é, o método de
atuação do Estado-Juiz para lidar com a afirmação de uma situação de ameaça ou
lesão a direito, em adequação aos valores impostos pela própria Constituição
Federal de 1988.26
O processo constitucional é, pois, meio através do qual o Estado faz
atuar a jurisdição, fazendo valer as normas jurídicas constitucionais, quando e
se chamado a fazê-lo por meio dos jurisdicionados.
A função jurisdicional do Estado Democrático de Direito não é ativida-
de beneficente, de caridade, mas poder-dever do Estado, sendo, pois, direito
fundamental de qualquer um do povo e também dos próprios órgãos estatais de
forma eficiente e adequada, pela garantia do devido processo constitucional.”27
É através do processo constitucional que o povo assegura o seu direito à
jurisdição, com respeito aos institutos consagrados no diploma constitucional,
não se podendo, em nome de uma suposta celeridade, acatar restrições ina-
dequadas que tragam prejuízo às garantias constitucionais. Ao contrário, o
legislador deve sempre ter em mente a necessidade de uma análise profunda dos
instrumentos do processo constitucional, porque só através do seu aprimo-
ramento e eficiência é que se podem tornar eficazes os direitos fundamentais28,
que reclamam por interpretações modernas e soluções urgentes.
Neste sentido, cumpre destacar a importância de observância dos parâ-
metros trazidos pelo NCPC por meio do art. 489, §1º, que destaca a garantia
constitucional à fundamentação, assegurada pelo art. 93, IX da Constituição
Federal de 1988, sendo dever dos magistrados e direito das partes a visuali-
zação da estabilidade, coerência e integridade na formação decisória.
26
Trazemos aqui breve noção do princípio do devido processo legal de Cásssio Scarpinella Bueno. (BUENO,
Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil,
p. 104).
27
BRÊTAS, op. cit., p. 93.
28
Aqui se destacam considerações - de Virgílio Afonso da Silva sobre o assunto: “Como se sabe, ainda que
com relativizações, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem
na relação entre o Estado e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se
percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos
particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico.
Por diversos motivos, no entanto, é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de
aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particulares-particulares,
especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fundamentais,
enquanto que, no segundo caso, ambas são”(SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 18).
333
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
334
ao processo constitucional.
É indispensável para a verificação de uma legitimidade decisória, a constru-
ção do provimento pela ampla participação das partes, com poder de influência,
em detrimento de voluntarismos de juízes, que utilizam o seu livre convenci-
mento, independentemente do diálogo processual estabelecido.
O jurisdicionado busca incessantemente por respostas que possuam
motivação suficiente e exauriente em relação as questões postas, observadas as
peculiaridades do caso concreto. Neste sentido, os julgadores devem sempre
procurar conceder à parte a tutela jurisdicional pleiteada.
335
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
29
FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Advertência. Migalhas, São Paulo, 19 jun. 2017. Disponível em: <https://
goo.gl/MszZuJ>. Acesso em: 7 nov. 2017.
30
PROCOPIO, Alciles Adolpho Castellari. Advertência. Migalhas, São Paulo, 19 jun. 2017. Disponível
em: <https://goo.gl/MszZuJ>. Acesso em: 7 nov. 2017.
31
O CPC exige, concretizando o princípio constitucional, uma fundamentação substancial das decisões. Não
336
A parte tem direito constitucional de saber o motivo da aplicação
da multa, os critérios para a sua utilização, até mesmo porque sem a fun-
damentação adequada não terá como exercitar o seu contraditório com
poder de influência e a ampla defesa, inerentes ao processo constitucional
visualizado em um Estado de Direito Democrático.
No entanto, não é o que se vem observando na prática forense, com deci-
sões reiteradas aplicando advertências e multas infundadas, partindo da premissa
que todos são culpados até que se prove o contrário em flagrante desrespeito ao
processo constitucional.32
Ao fundamento do prestígio à celeridade da tramitação processual, a rei-
terada aplicação de medidas punitivas pode conduzir à inibição de manifesta-
ções legítimas que, ocasionalmente, cairão na vala comum, desrespeitando-se a
casuística inerente ao processo.
Conforme bem destaca o autor Lenio Streck:
337
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
nº 1.120.356–RS, Segunda Seção. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 24 de agosto de 2016.
Diário de Justiça: 29 ago. 2016.
338
no artigo 926 do NCPC, certamente é um meio de se resguardar a segurança
jurídica, que não será definitivamente alcançada pela forma abrupta com que
pretende alguns julgadores, com a devida vênia!
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
339
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
REFERÊNCIAS
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil, 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.
340
Aires: Depalma, 1985.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed.
Rio de Janeiro: Fórum, 2016.
341
Janeiro: Forense, 2015.
O ART. 1.025 DO CPC/15 E A SÚMULA 211 DO STJ:
– a exigibilidade do recurso especial com “fundamento
específico” como instrumento técnico para otimizar sua
admissibilidade mesmo na vigência do CPC/15
Bernardo Câmara*
1 A APRESENTAÇÃO DO “PROBLEMA”
343
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
344
cuja consequência em “jurisprudência defensiva” era o não-conhecimento
do Recurso Especial, no caso do STJ1.
Neste ponto, aqui reside a “polêmica” objeto de discussão neste
artigo: a nova regra processual do art. 1.025 do CPC/15, por si só, afasta
a necessidade de interposição do recurso extremo com “fundamento espe-
cífico” nos casos em que a apresentação recursal é precedida de julgamento
de embargos de declaração prequestionatórios julgados inadmitidos ou re-
jeitados? Ou, mesmo a despeito do referido dispositivo normativo, cabe ao
advogado, ainda, valer-se do “fundamento específico” como instrumento
técnico capaz de viabilizar a formação da “causa decidida” e preenchimento
deste requisito específico de admissibilidade dos recursos extremos?
Pedindo redobrada vênia àqueles que externaram entendimento no
sentido de que a novel redação do art. 1.025 do CPC/15 afasta a exegese
da Súmula 211 do STJ e, em consequência, também afasta a necessidade
de que eventual recurso extremo também com o acréscimo da discussão
jurídica do denominado “fundamento específico” conforme supra expli-
cado, tenho entendimento contrário que passo a aqui externar.
345
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
346
o significado de prequestionamento.
Até porque, na verdade, não há a alegada divergência entre os Tribunais
Superiores, o que há é uma apresentação equivocada dos institutos e da termi-
nologia que se utiliza7.
Portanto, conceitos precisam ser esclarecidos (em outras palavras: mitos
precisam ser derrubados). É o que também se pretende fazer neste estudo.
juízo de valor a respeito da tese defendida no especial. Assim, aqui é imprescindível a demonstração de que
aquele tribunal apreciou a tese à luz da legislação federal enumerada no especial, quanto mais se opostos
embargos de declaração. Daí que, se o tribunal a quo rejeita os embargos sem apreciar a tese, o respectivo
especial deve necessariamente indicar como violado o art. 535 do CPC, com a especificação objetiva do
que é omisso, contraditório ou obscuro sob pena de aplicação da Súm. n. 211-STJ. Com a reiteração desse
entendimento, a Turma não conheceu do REsp, apesar de o advogado, da tribuna, trazer a alegação de
que, no caso, há matéria de ordem pública (a inexistência de citação) não sujeita à preclusão, de acordo
com recente precedente da Corte Especial. Anote-se que o Min. Mauro Campbell Marques acompanhou
a Turma com a ressalva de seu entendimento. Precedentes citados do STF: RE 219.934-SP, DJ 16/2/2001;
do STJ: EREsp 978.782- RS, DJe 15/6/2009; REsp 1.095.793-SP, DJe 9/2/2009, e REsp 866.482-RJ,
DJ 2/9/2008. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especialnº 866.299-SC. Relator: Min. Eliana
Calmon. Brasília: 23 de junho de 2009. Informativo STF, Brasília, n. 400, 22-26 jun. 2009).”
7
Neste particular, já se chama a atenção de que a redação do art. 1.025 do CPC/15 (“Art. 1.025. Consideram-
se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que
os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o Tribunal Superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade”), não corrige e ou elucida o tecnicismo do referido instituto
jurídico.
8
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 749.
347
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
9
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral. São Paulo: RT, 2009, p. 128.
10
KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antônio Adonias. Manual de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2011. p. 833.
11
MEDINA, op. cit., p. 204.
348
tes, perante a instância local, contudo, não se encontra
expressa na Constituição Federal. Para nós, o que exige
a Constituição Federal é que a questão federal ou cons-
titucional esteja presente na decisão recorrida, o que não
equivale ao prequestionamento realizado pelas partes, que
deve ocorrer necessariamente antes da decisão recorrida.
OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Prequestionamento. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda
12
Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São
Paulo: RT, 1999, p. 248-249.
349
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
13
DANTAS, Bruno. Repercussão Geral, 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 174. (coleção Recursos no Processo
Civil ; 18)
14
Conforme desenvolvido neste artigo nos itens anteriores. Causa Decidida e Prequestionamento são
institutos jurídicos distintos. Entrementes, doutrina e jurisprudência, no cotidiano da prática forense,
acaba tratando os referidos institutos como se uma coisa só fosse no que diz respeito à nomenclatura.
350
tionou a matéria e, a despeito do não exame, reiterou sua
provocação pela via dos Embargos de Declaração. Sendo
assim, presume-se (daí a natureza ficta) de que o preques-
tionamento foi feito. Mas, por um error in procedendo,
a instância ordinária deixa de examinar expressamente a
questão que deveria enfrentar inviabilizando ao advogado
o acesso à via estreita dos recursos extremos.
351
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
352
que o acórdão deveria ser anulado com retorno do processo para a instância de
origem visando o exame da matéria alegada.
15
Todos sabemos que o prequestionamento constitui pressuposto específico de admissibilidade do recurso
extraordinário. A essa exigência indeclinável, não se subtraem quaisquer alegações, mesmo as concernentes
a temas constitucionais (RTF 98/754 – 116/451). A configuração jurídica do prequestionamento decorre
de sua oportuna formulação, em momento procedimentalmente adequado. Assim, já decidiu esta Corte
que ‘não configura prequestionamento, para os efeitos da Súmula 356, questão nova proposta nos embargos
de declaração, sem que tivesse sido presente ao juízo de apelação mediante a sua dedução nas razões do
recurso’ (ag. 101.689-2 – AgRg – SP, Relator Ministro Rafael Mayer,). A tardia alegação de ofensa à
norma constitucional – apenas deduzida em sede de embargos declaratórios – caracteriza omissão da parte
recorrente, que se absteve de prequestionar o tema constitucional, assim descumprindo um típico ônus
processual que lhe pertinia” (RTJ 131/1.386).
353
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil, 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p.
16
1503.
354
de Origem entender que a decisão devia ser integrada. É
como se o acórdão contivesse o julgamento da questão que
se pretende impugnar. Não há necessidade de um recurso
para compelir a decidir o ponto omisso.
17
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado, 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 937. (esquematizado)
18
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, 4. ed. São Paulo: RT, 2016,
p. 1527.
355
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
356
STJ de que ocorreu erro, omissão, contradição ou obscuridade. Ou seja,
o STJ precisa pronunciar-se sobre a rejeição ou inadmissão dos embargos
de declaração para decidir sobre o acerto ou não da decisão e, para tanto,
obrigatoriamente, por força do efeito devolutivo19, ele deverá ser provo-
cado, pois não lhe é lícito examinar destas questões de ofício.
Em outras palavras, a novidade do CPC/15 é estabelecer uma regra
procedimental de que a presunção ficta de formação da causa decidida
passe obrigatoriamente pelo reconhecimento, a ser feito pelo Tribunal
Superior de que existiu “[...] erro, omissão, contradição ou obscuridade
[...]” no julgamento anterior o que, em outras palavras, faz reconhecer
que o advogado fez o que poderia ter feito e, o julgamento expresso só
não se deu por força de um error in procedendo do órgão julgador a quo
que deixou de se manifestar sobre a questão apresentada.
Neste contexto, o Tribunal Superior já pode se manifestar sobre a
questão, pois presumido o exame pela instância anterior conforme a nova
redação do art. 1.025.
Não se pode afastar que a “causa decidida”, verdadeiro requisito de
admissibilidade dos recursos extremos, pressupõe enfrentamento prévio da
questão de Direito a ser discutida pelas instâncias ordinárias cuja presunção
de ocorrência (novidade do art. 1.025) é fictamente aceita por ocorrida
nas instâncias superiores quando identificado que o exame não foi feito
por força de “erro, omissão, contradição ou obscuridade” no julgamento
dos embargos de declaração.
Enfim, se cabe ao Tribunal Superior manifestar sobre o “erro, omis-
são, contradição ou obscuridade”, por óbvio, e em respeito ao efeito de-
volutivo inerente a qualquer recurso do sistema processual civil brasileiro,
deve o respectivo Tribunal Superior ser expressamente provocado a proferir
tal juízo de valor.
Provocação esta que se faz exatamente pelo “fundamento específico”
a ser deduzido na peça recursal20.
19
Conforme nos ensina Jorge (2015) “O efeito devolutivo se apresenta como uma decorrência natural da
incidência do princípio dispositivo dos recursos. A aplicação desse princípio no nosso sistema recursal,
como se demonstrou, faz com que se atribua ao recorrente o direito de fixar o âmbito da devolução da
matéria ao Judiciário. Somente será devolvida à apreciação do tribunal, e, portanto, objeto de novo
exame e julgamento, aquela matéria expressamente impugnada no recurso”. (JORGE, Flávio Cheim.
Teoria Geral dos Recursos Cíveis, 7. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 347, grifo nosso).
20
Vale dizer, e para a atenção da advocacia, que o STJ, em alguns julgados já na vigência do CPC/15, vem
externando seu entendimento neste sentido. Vejamos:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. - LIQUIDAÇÃO PARCIAL
DE SOCIEDADE LIMITADA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS PROPORCIONAIS ÀS COTAS
357
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
6 CONCLUSÃO
358
embargos de declaração e o Tribunal de origem rejeitou ou inadmitiu o recurso.
O que o art. 1.025 criou, no meu entendimento, foi a permissão do
“prequestionamento ficto” e, em verdade, a positivação da técnica processual
em que o advogado precisa suscitar o vício para que o STJ, examinando-o e
convencido da sua ocorrência, possa presumir a formação da causa decidida e
adentrar ao julgamento do mérito da questão de direito que está sendo discutida
no recurso extremo.
Assim, a existência de um recurso especial com fundamento específico
é uma consequência lógica da própria redação do art. 1.025, da exigência de
provocação para exame da questão recursal (efeito devolutivo) e da função
do requisito de admissibilidade (causa decidida presumida) alcançada pelo
prequestionamento ficto positivado no referido dispositivo legal.
Entenda-se por “fundamento específico” um fundamento jurídico a ser
apresentado nas razões do recurso extremo (ofensa ao art. 489, §1º, e art. 1.022
do CPC/15 – nos casos de Recurso Especial; ou contrariedade ao art. 5º, XXXV,
afastar a prestação jurisdicional, e art. 93 IX, ausência de fundamentação da
decisão judicial, da Constituição da República, nos casos do Recurso Extraordi-
nário), em que o advogado, em técnica processual, em caráter de prejudicialidade
(normalmente arguida em preliminar do recurso), provoca o Tribunal Superior
a manifestar sobre a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade
(respeitando o efeito devolutivo inerente a qualquer recurso), nos casos em que
os embargos de declaração apresentados para prequestionar foram rejeitados ou
inadmitidos, reconhecendo o prequestionamento ficto e presumindo a formação
da causa decidida pela regra processual que considera “[...] incluídos no acórdão
os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda
que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados” (novidade do
art. 1.025 do CPC/15).
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos, 3.ed. São Paulo: RT, 2011.
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O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
DANTAS, Bruno. Repercussão Geral, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2009. (Coleção Recursos no Processo Civil ; 18)
360
JORGE, Flávio Chein. Teoria Geral dos Recursos Cíveis, 7.ed. São Paulo:
RT, 2015.
________. Novo Código de Processo Civil Comentado, 4. ed. RT: São Paulo,
2016.
361
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior
SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 1963.
________. Curso de Direito Processual Civil, 49. ed. Forense: Rio de Janeiro,
2016. v. 3.
362