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O PROCESSO CIVIL MODERNO

Em homenagem ao Professor
Raimundo Cândido Júnior
Organizadores
Luis Cláudio da Silva Chaves
Egmar Sousa Ferraz

O PROCESSO CIVIL MODERNO


Em homenagem ao Professor
Raimundo Cândido Júnior

Brasília – DF, 2017


© Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal, 2017
Setor de Autarquias Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M
Brasília - DF
CEP: 70070-939

Distribuição: Gerência de Relações Externas - GRE


Fones: (61) 2193-9606
E-mail: oabeditora@oab.org.br

FICHA CATALOGRÁFICA
____________________________________________________________
P963

Processo civil moderno: em homenagem ao professor Raimundo


Cândido / organizador: Luis Cláudio da Silva Chaves, Egmar
Sousa Ferraz – Brasília: OAB, Conselho Federal, 2017.
364 p.

ISBN 978.85.7966.075.7

1. Processo Civil - Brasil. 2. Intimação (processo civil). 3. Processo


de execução. I. Cândido, Raimundo. II. Chaves, Luis Cláudio da
Silva. III. Ferraz, Egmar Sousa. IV. Brasil. Código de Processo Civil
(2015). V. Título.

CDDir: 341.46
CDU: 347.91/.95
____________________________________________________________
Elaborada por: Lityz Ravel Hendrix Brasil Siqueira Mendes (CRB 1-3148)
Gestão 2016/2019

Diretoria
Claudio Lamachia Presidente
Luis Cláudio da Silva Chaves Vice-Presidente
Felipe Sarmento Cordeiro Secretário-Geral
Ibaneis Rocha Barros Junior Secretário-Geral Adjunto
Antonio Oneildo Ferreira Diretor-Tesoureiro

Conselheiros Federais
AC: Erick Venâncio Lima do Nascimento, João Paulo Setti Aguiar e Luiz Saraiva Correia; AL: Everaldo Bezerra
Patriota, Felipe Sarmento Cordeiro e Thiago Rodrigues de Pontes Bomfim; AP: Alessandro de Jesus Uchôa de
Brito, Charlles Sales Bordalo e Helder José Freitas de Lima Ferreira; AM: Caupolican Padilha Junior, Daniel
Fábio Jacob Nogueira e José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral; BA: Fabrício de Castro Oliveira e Fernando
Santana Rocha; CE: Caio Cesar Vieira Rocha e Ricardo Bacelar Paiva; DF: Ibaneis Rocha Barros Junior, Marcelo
Lavocat Galvão e Severino Cajazeiras; ES: Flavia Brandão Maia Perez, Luciano Rodrigues Machado e Marcus
Felipe Botelho Pereira; GO: Leon Deniz Bueno da Cruz, Marcello Terto e Silva e Valentina Jugmann Cintra;
MA: José Agenor Dourado, Luis Augusto de Miranda Guterres Filho e Roberto Charles de Menezes Dias; MT:
Duilio Piato Júnior, Gabriela Novis Neves Pereira Lima e Joaquim Felipe Spadoni; MS: Alexandre Mantovani,
Ary Raghiant Neto e Luís Cláudio Alves Pereira; MG: Eliseu Marques de Oliveira, Luis Cláudio da Silva Chaves
e Vinícius Jose Marques Gontijo; PA: Jarbas Vasconcelos do Carmo, Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre
e Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Luiz Bruno Veloso
Lucena e Rogério Magnus Varela Gonçalves; PR: Cássio Lisandro Telles, José Lucio Glomb e Juliano José
Breda; PE: Adriana Rocha de Holanda Coutinho, Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves e Silvio Pessoa de
Carvalho Junior; PI: Celso Barros Coelho Neto, Cláudia Paranaguá de Carvalho Drumond e Eduarda Mourão
Eduardo Pereira de Miranda; RJ: Carlos Roberto de Siqueira Castro, Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara e
Sergio Eduardo Fisher; RN: Aurino Bernardo Giacomelli Carlos, Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira e Sérgio
Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa Carpi da Rocha, Marcelo Machado Bertoluci e Renato da Costa Figueira;
RO: Bruno Dias de Paula, Elton José Assis e Elton Sadi Fülber; RR: Alexandre César Dantas Soccorro, Antonio
Oneildo Ferreira e Bernardino Dias de Souza Cruz Neto; SC: João Paulo Tavares Bastos Gama, Sandra Krieger
Gonçalves e Tullo Cavallazzi Filho; SP: Guilherme Octávio Batochio, Luiz Flávio Borges D’Urso e Márcia
Machado Melaré; SE: Arnaldo de Aguiar Machado Júnior, Maurício Gentil Monteiro e Paulo Raimundo Lima
Ralin; TO: Andre Francelino de Moura, José Alves Maciel e Pedro Donizete Biazotto.

Conselheiros Federais Suplentes


AC: Odilardo José de Brito Marques, Sérgio Baptista Quintanilha e Wanderley Cesário Rosa; AL: Adrualdo de
Lima Catão, Marié Alves Miranda Pereira e Raimundo Antonio Palmeira de Araujo; AP: Lucivaldo da Silva
Costa e Maurício Silva Pereira; AM: Alberto Bezerra de Melo, Bartolomeu Ferreira de Azevedo Júnior e Diego
D’Avila Cavalcante; BA: Antonio Adonias Aguiar Bastos, Ilana Kátia Vieira Campos e José Maurício Vasconcelos
Coqueiro; CE: Francilene Gomes de Brito e Vicente Bandeira de Aquino Neto; DF: Carolina Louzada Petrarca,
Felix Angelo Palazzo e Manuel de Medeiros Dantas; ES: Cláudio de Oliveira Santos Colnago, Dalton Santos
Morais e Henrique da Cunha Tavares; GO: Dalmo Jacob do Amaral Júnior, Fernando de Paula Gomes Ferreira
e Marisvaldo Cortez Amado; MA: Antonio José Bittencourt de Albuquerque Junior, Alex Oliveira Murad e
Rosana Galvão Cabral; MT: Josemar Carmelino dos Santos, Liliana Agatha Hadad Simioni e Oswaldo Pereira
Cardoso Filho; MS: Gustavo Gottardi e Marilena Freitas Silvestre; MG: Bruno Reis de Figueiredo, Luciana
Diniz Nepomuceno e Mauricio de Oliveira Campos Júnior; PA: Antonio Cândido Barra Monteiro de Britto,
Jeferson Antonio Fernandes Bacelar e Osvaldo Jesus Serão de Aquino; PB: Alfredo Rangel Ribeiro, Edward
Johnson Gonçalves de Abrantes e Marina Motta Benevides Gadelha; PR: Edni de Andrade Arruda, Flavio
Pansieri e Renato Cardoso de Almeida Andrade; PE: Carlos Antonio Harten Filho, Erik Limongi Sial e Gustavo
Ramiro Costa Neto; PI: Chico Couto de Noronha Pessoa, Eduardo Faustino Lima Sá e Robertonio Santos
Pessoa; RJ: Flávio Diz Zveiter, José Roberto de Albuquerque Sampaio e Marcelo Fontes Cesar de Oliveira; RN:
Aldo Fernandes de Sousa Neto, André Luiz Pinheiro Saraiva e Eduardo Serrano da Rocha; RS: Luiz Henrique
Cabanellos Schuh; RO: Fabrício Grisi Médici Jurado, Raul Ribeiro da Fonseca Filho e Veralice Gonçalves de
Souza Veris; RR: Emerson Luis Delgado Gomes; SC: Cesar D’Avila Winckler, Luiz Antônio Palaoro e Reti
Jane Popelier; SP:Aloísio Lacerda Medeiros, Arnoldo Wald Filho e Carlos José Santos da Silva; SE: Clodoaldo
Andrade Junior, Glícia Thais Salmeron de Miranda e Kleber Renisson Nascimento dos Santos; TO: Adilar
Daltoé, Nilson Antônio Araújo dos Santos e Solano Donato Carnot Damacena.

Ex-Presidentes
1.Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes (1944/1948)
4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo Valladão (1950/1952) 7.
AttílioViváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10.
Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti
(1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira (1965) 14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital
Duarte (1967/1969) 16. Laudo de Almeida Camargo (1969/1971) 17. Membro Honorário Vitalício José
Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira
(1975/1977) 20. Raymundo Faoro (1977/1979) 21. Membro Honorário Vitalício Eduardo Seabra Fagundes
(1979/1981) 22. Membro Honorário Vitalício J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Membro Honorário
Vitalício Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. Márcio Thomaz
Bastos (1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante (1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello
Lavenère Machado (1991/1993) 28. Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio (1993/1995) 29.
Membro Honorário Vitalício Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. Membro Honorário Vitalício Reginaldo
Oscar de Castro (1998/2001) 31. Rubens Approbato Machado (2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício
Roberto Antonio Busato (2004/2007) 33. Membro Honorário Vitalício Cezar Britto (2007/2010) 34. Membro
Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013) 35. Membro Honorário Vitalício Marcus Vinicius
Furtado Coêlho (2013/2016).
AGRADECIMENTO
Egmar Sousa Ferraz

Foi com grande alegria que recebi o convite do meu eterno presidente
Luis Cláudio Chaves, Vice Presidente do Conselho Federal da OAB, para con-
juntamente organizar esta obra em homenagem ao Professor Raimundo Cândido
Júnior, nosso querido “Raimundinho”.
Aceitei o convite Consciente do desafio e da responsabilidade, mas convic-
to de que o contexto era extremamente favorável. Primeiro quanto ao indubitável
manancial de processualistas que Minas Gerais concentra, desde a então Escola
de Processualistas do Triângulo Mineiro. Doutro norte, nosso homenageado é
personalidade ícone da advocacia mineira que inspira em todos o ardente desejo
de homenageá-lo como reconhecimento pelo seu trabalho em prol da advocacia
e da sociedade.
Assim sendo, o projeto foi desenvolvido para contemplar pensadores dos
quatro cantos de Minas Gerais, tonando-se, portanto, uma obra plúrima na
mesma proporção do reconhecimento da Advocacia para com o Raimundinho.
Aos Autores, meu obrigado por presentear o mundo jurídico com esta
obra, fruto do estudo de cada um.
Por fim, agradeço ao Egrégio Conselho Federal da OAB na pessoa do
nosso bâtonnier, Presidente Claudio Lamachia, que de pronto capitaneou a
homenagem, demonstrando que o Brasil também reconhece a importância do
Professor Raimundinho para a advocacia brasileira.
Com certeza, uma obra histórica.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO......................................................................................11
COOPERAÇÃO PROCESSUAL E CONTRADITÓRIO NO NOVO
CPC ............................................................................................................13
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
A CIDADANIA COMO LINHA MESTRA DO PROCEDIMENTO
NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .....................................................27
Fernando Gonzaga Jayme e Clara Ramos Jayme
JULGAMENTO VIRTUAL E A DENSIFICAÇÃO DA
PSEUCOLEGIALIDADE ..........................................................................45
Jéssica Galvão Chaves e Welignton Luzia Teixeira
COMO CONSTRUIR UMA INTERPRETAÇÃO GARANTISTA DO
PROCESSO JURISDICIONAL? ...............................................................59
Lúcio Delfino
A EFETIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DO PROCESSO EM
FOCO: análise dos dados estatísticos da Justiça Comum do Estado de
Minas Gerais, no período de 2003 a 2013, e o meio ambiente.....................77
Magno Federici Gomes e Wallace Douglas da Silva Pinto
NOVO DELINEAMENTO DA CONEXÃO ......................................... 111
Leonardo de Faria Beraldo
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E O NOVO CPC: valorização da
advocacia ................................................................................................... 131
Luis Cláudio da Silva Chaves
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL........................................................................................................ 145
Carlos Henrique Soares
AS NOVAS FIGURAS DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO
CPC/2015: incidente de desconsideração da personalidade jurídica e
amicus curiae.............................................................................................. 171
Érico Andrade e Leonardo Parentoni
AFINAL, OS MAGISTRADOS PODEM ARBITRARIAMENTE
DETERMINAR A REDUÇÃO DE PETIÇÕES?..................................... 201
Renata C. Vieira Maia
INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA WHATSAPP NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO ........................................................................................... 217
Guilherme Henrique Lage Faria

EXECUÇÃO APÓS 01 ANO DE VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO


DE PROCESSO CIVIL ............................................................................ 245
Gustavo Chalfun

PROCESSO DE EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA


NO CPC/2015: inovações e alterações ...................................................... 249
Sebastião José Vieira Filho e Bárbara Angeli Vieira

OS PRECEDENTES JUDICIAIS NO NOVO CPC ............................... 265


Paulo Roberto de Gouvêa Medina

O CPC/2015 E A VALORIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA COMO


FONTE DE DIREITO............................................................................. 279
Humberto Theodoro Júnior

A TENDÊNCIA DE UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA DO IRDR POR


LITIGANTES HABITUAIS E A NECESSIDADE DOS TRIBUNAIS
REFLETIREM SOBRE SUA COOPTAÇÃO: a proibição do incidente
preventivo e o caso SAMARCO................................................................. 295
Dierle Nunes, Ana Luiza Pinto Coelho Marques, Isadora Tofani Gonçalves
Machado Werneck e Laura Freitas

A ADVERTÊNCIA E A MULTA COMO MEIOS INDIRETOS E


DESPROPORCIONAIS DE COIBIR O DIREITO AO RECURSO...... 323
Carolina Fagundes Cândido Oliveira

O ART. 1.025 DO CPC/15 E A SÚMULA 211 DO STJ: a exigibilidade


do recurso especial com “fundamento específico” como instrumento técnico
para otimizar sua admissibilidade mesmo na vigência do CPC/15............... 343
Bernardo Câmara

* Os artigos estão organizados conforme a estrutura do CPC.


APRESENTAÇÃO
Claudio Lamachia*

O processo civil representa, indubitavelmente, um dos temas mais relevan-


tes da literatura jurídica, devido à sua influência determinante na concretização
de direitos. Por conseguinte, são absolutamente louváveis os esforços no sentido
de instigar reflexões acerca do assunto, como propõe esta obra.
Nos últimos anos, a matéria adquiriu ainda maior proeminência no Brasil,
em decorrência da elaboração e da promulgação da Lei n. 13.105/2015 (Código
de Processo Civil), que entrou em vigor em 2016, alterando substancialmente a
legislação adjetiva pátria. Logo, é imprescindível examinar as inovações, a apli-
cação e as limitações do novo CPC, a fim de instruir os operadores do direito,
garantir o pleno respeito à lei e promover novos avanços normativos.
Por essas razões, é particularmente oportuna a edição deste livro, o qual,
ao abordar o processo civil moderno, presta, simultaneamente, justa homenagem
a um dos mais destacados conhecedores do assunto no País: Raimundo Cândido
Júnior. Liderança consagrada da advocacia mineira, esse insigne jurista tornou-se
também, em virtude de suas numerosas qualidades profissionais e humanas,
referência nacional incontestável.
Seja como Presidente do Conselho Seccional da OAB/Minas Gerais (Ges-
tões 1993/1995, 1995/1997, 2004/2006 e 2007/2009), seja como Conselhei-
ro Federal (Gestões 1998/2001 e 2010/2013), seja como Procurador Regional
da República, seja como Professor, seja como Advogado militante, Raimundo
Cândido sempre se notabilizou pela devoção à ética e pelo empenho decido em
prol da justiça, da cidadania e da advocacia – causas não apenas complementares
mas indissociáveis.
Em vista de tudo isso, cumpre exaltar enfaticamente a iniciativa de ho-
menageá-lo por intermédio desta obra organizada por meu colega e amigo Luis
Cláudio da Silva Chaves, Vice-Presidente do Conselho Federal da OAB, com
quem tenho o privilégio e a honra de compartilhar a responsabilidade de defender
e representar a advocacia nacional na Gestão 2016/2019.
Mediante esta publicação, a Ordem dos Advogados do Brasil rende tributo
a uma das mais admiráveis personalidades jurídicas nacionais, ao tempo em que
reafirma o seu compromisso institucional com o aperfeiçoamento da cultura

* Advogado e Presidente Nacional da OAB


jurídica no País, em observância ao disposto no art. 44 da Lei n. 8.906/1994
(Estatuto da Advocacia e da OAB). Dessa forma, a Instituição reitera a certeza
de que o debate qualificado e plural é o mais eficaz instrumento para assegurar a
promoção do interesse coletivo – cuja garantia constitui a verdadeira finalidade
do ordenamento jurídico pátrio.
Boa leitura.
COOPERAÇÃO PROCESSUAL E CONTRADITÓRIO NO NOVO CPC

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A cooperação processual no direito comparado.


3 Contraditório entrelaçado com a fundamentação das decisões jurisdicionais.
4 Cooperação processual e contraditório. 5 Considerações conclusivas.

1 INTRODUÇÃO

Como novidade, o Código de Processo Civil de 2015 emprega em seu


texto as expressões cooperar (art. 6º.) e cooperação (arts. 26, 27 e 357, § 3º.),
as quais não possuem tradição no estudo do direito processual no Brasil, pois
nunca foram utilizadas nas disposições normativas dos Códigos processuais an-
teriormente vigentes, os de 1939 e de 1973.
Exame da doutrina brasileira revela que a considerada cooperação pro-
cessual mereceu estudo e menção codificada ou legislativa no direito processual
alemão, francês, português e inglês: é ver, na Alemanha, a ZPO, § 139 (reforma
feita pela Lei de 27/7/2001); na França, o Código de Processo Civil, art. 16; em
Portugal, o novo Código de Processo Civil, art. 7º.; e, na Inglaterra, o texto do
Civil Procedure Rules – Part 1 (1998).1
*
Advogado. Doutor em Direito Constitucional e Mestre em Direito Civil pela UFMG. Professor Permanente
dos Cursos de Mestrado e Doutorado da PUC Minas Gerais. Professor Convidado do Curso de Especialização
em Processo Civil da Universidade Federal do Piauí. Membro Honorário da Associação Brasileira de Direito
Processual. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Membro Aderente do Instituto
Panamericano de Derecho Procesal. Membro do Instituto do Direito de Língua Portuguesa. Ex-Advogado
Chefe Adjunto da Assessoria Jurídica Regional do Banco do Brasil, S. A., no Estado de Minas Gerais. Ex-
Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB Minas Gerais. Ex-Diretor Secretário Geral-Adjunto
da OAB Minas Gerais.
1 Ver DIDIER JR., Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. Revista de Processo, São Paulo,
v. 127, p. 75-79, set. 2005; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 17. ed. Salvador:
JusPodivm, 2015, v. 1, p. 126-128; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO,
Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 1, p. 487. GREGER, Renhard. Cooperação
como princípio processual. In: DIDIER JR., Fredie; NUNES, Dierle; FREIRE, Alexandre. Normas
fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2016. (Grandes Temas do Novo CPC; 8); CUNHA, Leonardo
Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDpro, Belo Horizonte, v. 79, p. 147-159, abr. 2012.CUNHA, Leonardo Carneiro da.
Comentários ao art. 6º. do CPC. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro
da (org.). Comentários do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 41-44; KOCHEN,
Ronaldo. Introdução às raízes históricas do princípio da cooperação (Koooperationsmaxime). In: DIDIER
JR., Fredie; NUNES, Dierle; FREIRE, Alexandre. Normas fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2016.
(Grandes Temas do Novo CPC ; 8),p. 311-314;ZUFELATO, Camilo. Análise comparativa da cooperação
e colaboração entre os sujeitos processuais nos projetos de novo CPC. In: FREIRE, Alexandre et al. Novas
tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 101-123. FIGUEIREDO FILHO, Eduardo

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O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Em relação ao tema, é preciso ressaltar que o texto normativo do novo


Código de Processo Civil, ao tratar do assunto, deveria ter sido redigido com
melhor clareza e precisão, em linguagem que possibilitasse exata compreensão
do seu objetivo, ao se referir à cooperação processual, preferindo o emprego
de nomenclatura jurídica adequada, ao invés da linguagem comum ou ordinária
ali utilizada, já que as normas processuais, em grande maioria, versam temas e
assuntos técnicos.2
Assim, o presente trabalho tentará demonstrar que, no novo Código de
Processo Civil, o emprego das expressões cooperar, no art. 6º., e cooperação,
no art. 357, § 3º., desatendeu a tais ponderações, pois, em seu lugar, melhor
andaria o Código se empregasse as palavras comparticipar e comparticipação,
com sentido técnico mais preciso, correlacionadas à garantia fundamental do
contraditório e adequadas à natureza dialética do processo, que é procedimento
em contraditório, na concepção de Fazzalari, quando concebeu a teoria estru-
turalista do processo.3
Lado outro, o presente texto estará sustentando que o termo coopera-
ção, empregado nos arts. 26 e 27 do novo Código de Processo Civil, diferente
e acertadamente, o foi com o sentido da linguagem comum ou ordinária, qual
seja, colaboração, auxílio ou ajuda.

2 A COOPERAÇÃO PROCESSUAL NO DIREITO COMPARADO

Em linhas gerais, pesquisa feita por Fredie Didier Jr. revela que, no di-
reito comparado, ao exame dos textos normativos das codificações processuais
da Alemanha, França e Portugal, é preponderante o considerado princípio da
cooperação processual, que despontou sob a cogitação de orientar o juiz a assumir
posição de agente público-colaborador do processo, a fim de torná-lo participante

Augusto Madruga; MOUZALAS, Rinaldo. Cooperação e vedação às decisões judiciais por emboscada
(“ambush decision”). In: DIDIER JR., Fredie. (org.). Novo CPC: doutrina selecionada, 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2016. v. 1, p. 509-510.
2
A respeito, ver Lei Complementar nº 95, de 26/2/1998, art. 11, inciso I, alínea a; e inciso II, alínea a, que
trata da elaboração, da sistematização, da redação e da consolidação das leis brasileiras, recomendando o
emprego de palavras com sentido técnico na elaboração dos textos normativos. Esta Lei Complementar
foi editada por recomendação do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal.
3
A propósito da teoria do processo como procedimento em contraditório, cunhada por Fazzalari, a seguinte e
esclarecedora observação de Ulisses Moura Dalle: “A constante preocupação de Elio Fazzalari com a estrutura
normativa do procedimento fez com que Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, perspicazmente, denominasse a
teoria do processualista italiano de ´teoria estruturalista do processo´. (BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias.
Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 91)”.
(DALLE, Ulisses Moura. Técnica processual e imparcialidade do juiz. In: BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias;
SOARES, Carlos Henrique (coord.). Técnica processual. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 79, nota nº 29).

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ativo do contraditório, em substituição a sua tradicional postura de mero fiscal
do cumprimento das normas processuais. Assim, a obediência do magistrado
ao considerado princípio da cooperação impõe-lhe postura que o impede ou
dificulte declarar nulidades processuais e proferir decisões que exteriorizem juí-
zos de inadmissibilidade recursal por meros vícios formais dos recursos. Em tais
perspectivas, a cooperação processual gera os seguintes deveres ao juiz: (a) dever
de esclarecer; (b) dever de consultar; (c) dever de prevenir. Em síntese, o dever
de esclarecer impõe ao juiz a tentativa de sanar eventuais dúvidas geradas pelas
alegações, requerimentos e pedidos formulados pelas partes no processo, antes
de decidi-lo. O dever de consultar gera proibição ao juiz de decidir o processo
com base em fundamentos ou questões de fato ou de direito ali não alvitradas
ou debatidas pelas partes, ainda que cognoscíveis de ofício, sem que fossem
consultadas a respeito, instadas a se manifestar previamente sobre elas, possibili-
tando-lhes contraditório. Já o dever de prevenir traduz recomendação ao juiz de
apontar às partes deficiências ou vícios das suas postulações comprometedoras do
julgamento de mérito, permitindo-lhes corrigi-los, antes de decidir o processo.4
Em relação às partes, a cooperação processual lhes proíbe litigar de má-fé, ou
seja, incentiva-lhes a praticar atos processuais obedientes à boa-fé processual e
atentos aos deveres da lealdade e da probidade processuais.5
A literatura jurídica especializada, segundo relato de Renhard Greger,
informa que, na Alemanha, o sentido técnico de cooperação no processo não
guarda a mínima relação com a ideia de colaboração harmônica e recíproca
das partes na prática dos atos processuais que lhes cabem, vale dizer, não se
lhes obriga um “íntimo companheirismo processual”. Deve ser compreendida
a cooperação como a exigência de as partes adotarem comportamento tecnica-
mente adequado à discussão da solução das questões suscitadas no processo, em
regime de participação, juntamente com o juiz. Portanto, cooperação, no direito
processual alemão, não significa que esteja uma das partes obrigada a fornecer à
parte adversária matéria fática ou jurídica ou a praticar atos processuais que lhe
facilitem a vitória no processo. Lado outro, o sentido de cooperação também não
se coaduna com a imagem de um juiz “terapeuta social”, ou seja, um juiz que, no
curso do processo, exerça extremada atividade terapêutica ou medicinal, voltada
a curar todos os males ou vicissitudes processuais causados pelas partes, em suas
manifestações, as quais dificultem a solução de mérito.6
Nesse ponto, são valiosas as lições de Renato Beneduzi, decorrentes de

4
Cf. DIDIER JR., 2005, p. 76-77.
5
Cf. DIDIER JR., 2016, p. 128.
6
Cf. GREGER, op. cit., p. 303-304.

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O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

proveitoso trabalho de pesquisa que realizou no direito processual civil alemão,


acentuando que, na Alemanha, o dever de cooperar é imposição normativa di-
rigida ao juiz, de certa forma decorrente de um princípio processual ali levado
a sério, a pretensão a ser ouvido em juízo (Anspruch auf rechtliches Gehör):

[...] o juízo tem também o dever, e talvez consista o pará-


grafo 139 ZPO, especialmente na sua redação atual (desde
2002), em fonte de inspiração para o processo brasileiro, de
cooperar com as partes. Embora controversos na doutrina
o conceito e mesmo a utilidade de uma Kooperationsma-
xime, parece inegável que o parágrafo 139 ZPO consagra
um verdadeiro dever de cooperar, por exemplo, quando
a narrativa dos fatos apresentada por uma das partes for
incompleta, contraditória, pouco clara ou equívoca, ou
quando forem também equívocos ou confusos os pedi-
dos formulados pelo autor. Deste dever decorre ainda o
de evitar surpresa. O parágrafo 139 (3) ZPO exige do
tribunal, por exemplo, que alerte as partes sobre pontos
cognoscíveis de ofício sobre os quais elas não tenham ainda
falado, dando-lhes oportunidade de se manifestarem em
tempo. Mas este dever não deve ser confundido com um
“dever de conversar” (Pflicht zum Rechtsgesprüch); ao
tribunal não se exige, com efeito, que revele às partes an-
tecipadamente suas impressões e convicções sobre a causa,
dando-lhe oportunidade de manifestarem-se sobre como
ele pretende julgar.7

Até na Inglaterra, vinculada ao common law, sistema jurídico no qual o juiz


aparece tradicionalmente “[...] entronado acima das partes rivais [...]” - na enfa-
ticamente correta expressão de Renhard Greger - há recomendações normativas
explícitas para que o magistrado e as partes colaborem entre si, visando a alcançar
o objetivo comum de um processo justo, correto e econômico. A tal desiderato,
ainda segundo Greger, é recomendado ao juiz inglês, nos processos considerados
mais importantes, a tarefa “active case management conference”, pelo que se lhe
impõe discutir e acertar com as partes o curso do processo e as questões de fato
e de direito que nele serão decididas (Civil Procedure Rules – Part 1, de 1998).8

BENEDUZI, Renato. Introdução ao processo civil alemão. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 82-84.
7

GREGER, op. cit., p. 304.


8

16
3 CONTRADITÓRIO ENTRELAÇADO COM A FUNDAMEN-
TAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS

Na atualidade, o contraditório não significa somente ciência bilateral


e contrariedade dos atos e termos do processo e simples ou mera possibilidade
de as partes contrariá-los, dentro do esquema simplista de antanho, um mero
dizer-contradizer pelas partes. Técnica e cientificamente, em concepção atual, o
contraditório deve ser compreendido como garantia constitucional de partici-
pação efetiva das partes no desenvolvimento do processo em suas fases lógicas
e atos, a fim de que, em igualdade de condições, possam influenciar o juiz no
julgamento das questões de fato e de direito que surjam discutidas ao longo de
todo o itinerário procedimental, relevantes à solução decisória almejada. Portanto,
nessa perspectiva, no Estado Democrático de Direito, o contraditório se mostra
de extrema relevância, pois vem a ser, no processo, a concretização do princípio
político de participação democrática das partes na solução de quaisquer questões
e problemas que lhes afligem e interessam, perante o Estado.9
Sem dúvida, no processo, o juiz não é um contraditor, não existindo
livro ou doutrina que diga o contrário. Todavia, deve o juiz observar e fazer
observar a garantia constitucional (fundamental) do contraditório, pela qual é
assegurada a concretização do princípio político da participação das partes no
processo, propiciando-lhes todas as possibilidades de eficazmente influenciarem
na construção do pronunciamento decisório que ali será proferido.
Nessa linha argumentativa, como percebeu atiladamente André Cordeiro
Leal, em obra pioneira sobre o assunto, o contraditório se apresenta correlaciona-
do com a fundamentação das decisões jurisdicionais, ao se tornar fonte geradora
das bases argumentativas acerca das questões de fato e de direito debatidas no
processo, que deverão ser apreciadas séria e detidamente na decisão que será

Cf. BRÊTAS et al. Estudo sistemático do NCPC, 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 51. FREITAS,
9

José Lebre de. Introdução ao processo civil. Lisboa: Coimbra, 1996, p. 96-97. GRECO, Leonardo.
Contraditório, o princípio do (verbete). In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia
do Direito. São Leopoldo ; Rio de Janeiro: Unisinos ; Renovar, 2009, p. 155. Nesse mesmo sentido,
considerações de Eduardo Augusto Madruga de Figueiredo Filho e Rinaldo Mouzalas: “A consolidação de um
Estado Democrático de Direito consubstancia [...] terreno ideal para a ampliação da noção de contrariedade
e para refutar a ideia de atos repentinos e inesperados por parte de um órgão público que aplica o direito.
Nessa conjuntura, surge a cooperação na sua faceta ‘dever de diálogo’, para atualizar e dinamizar o conceito
do contraditório [...], de modo a injetar a previsibilidade, a participação e a influência como elementos
essenciais desse novo rosto” (FIGUEIREDO FILHO, Eduardo Augusto Madruga; MOUZALAS, Rinaldo.
Cooperação e vedação às decisões judiciais por emboscada (“ambush decision”). In: DIDIER JR., Fredie.
(org.). Novo CPC: doutrina selecionada, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 1, p. 507-508).

17
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

proferida pelo juiz, agente público ao qual o Estado delegou o exercício da


função jurisdicional.10
Em face dessas considerações, como sustentei em anteriores publica-
ções doutrinárias, instaura-se na dinâmica do procedimento o que qualifico de
quadrinômio estrutural do contraditório, qual seja, informação-reação-di-
álogo-influência, como resultado lógico-formal da correlação do princípio do
contraditório com o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais,
ambos elevados à categoria de garantias constitucionais ou garantias fundamentais
do processo. Mencionado quadrinômio estrutural do procedimento significa
que o efetivo contraditório (Código de Processo Civil, art. 7º.) garante regular
informação às partes dos atos processuais e a oportunidade a cada uma delas de
reação aos atos da parte adversa. Para que tal objetivo seja atingido, é necessário
permanente diálogo do juiz com as partes, a fim de lhes permitir a oportunidade
de ampla manifestação sobre o desenvolvimento do processo e assim exercerem
influência no seu resultado decisório.11
Considero oportuno consignar que desenvolvi essas ideias sobre o qua-
drinômio estrutural do contraditório no Congresso da Magistratura e do
Ministério Público de Minas Gerais sobre o novo Código de Processo Civil,
realizado na cidade de Tiradentes, Minas Gerais, no período de 25 a 27 de no-
vembro de 2015, ao expor o tema “Normas fundamentais do processo”. Como
resultado do evento, suas entidades organizadoras, em 10/3/2016, elaboraram
a Carta de Tiradentes, na qual relacionados trinta e um enunciados aprovados,
como sínteses conclusivas dos temas expostos e debatidos. Dentre eles, para
meu gáudio, o Enunciado n. 7, do seguinte teor: “A cooperação constante do
art. 6º. do Novo CPC deve ser entendida como coparticipação, que se liga ao
contraditório, consistente nos princípios informação, reação, diálogo e influência
na construção da decisão.”
Nessa linha de pensamento, as considerações de Leonardo Carneiro da
Cunha:

[...] a participação propiciada pelo contraditório serve não


apenas para que cada litigante possa influenciar a decisão,
mas também para viabilizar a colaboração das partes com o
exercício da atividade jurisdicional. Em razão do contradi-
tório, a atividade jurisdicional deve pautar-se num esquema

10
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões jurisdicionais. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2002, p. 105.
11
Cf. BRÊTAS, 2015, p. 133, nota nº 71. BRÊTAS et al., 2016, p. 53 et seq.

18
dialógico, de modo que o juiz exerça a jurisdição com o
auxílio das partes. A decisão judicial não deve ser fruto
de um trabalho exclusivo do juiz, mas resultado de uma
atividade conjunta, em que há interações constantes entre
diversos sujeitos que atuam no processo. [...]. A sentença
e, de resto, as decisões judiciais passam a ser fruto de uma
atividade conjunta.12

4 COOPERAÇÃO PROCESSUAL E CONTRADITÓRIO

O enunciado normativo do art. 6º. do vigente Código de Processo Civil


prescreve o dever de cooperação aos sujeitos do processo: “Todos os sujeitos
do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva”.
Essa norma se encontra no Capítulo I, Título Único, Livro I, da Parte
Geral do vigente Código de Processo Civil, que trata das normas fundamentais
do processo civil, o que sinaliza estar a cooperação processual relacionada ao
processo constitucional ou modelo constitucional do processo.
De propósito, utilizei a expressão dever de cooperação, por divergir do
entendimento majoritário, quiçá unânime, da doutrina brasileira, no sentido
de que cooperação seja princípio. Aliás, no direito alemão, a literatura jurídica
especializada assinala que a ideia de cooperação como princípio ali não tem
aceitação unânime.13 Observa-se, ademais, nos textos publicados por eminentes
processualistas brasileiros, que a cooperação processual ora é referida como
princípio, ora é considerada dever, mesmo por aqueles que a consideram prin-
cípio, sem rigorosa padronização terminológica.14
Na linha do raciocínio anteriormente esboçado neste trabalho (ver Intro-
dução), por primeiro, observo que semântica é ramo da linguística que estuda
o significado das palavras. Assim, o significado ou sentido da palavra pode ser
o comum, usualmente empregado na linguagem cotidiana, ordinária ou colo-
quial. Mas pode ser o técnico, utilizado restritamente nas chamadas linguagens
especiais, próprias do vocabulário de determinado ramo da ciência, e que deve

12
CUNHA, 2016, p. 42-43.
13
Cf. GREGER, 2016, p. 302. Sustentando que cooperação processual não é princípio, com relevante e ampla
fundamentação, ver ALVES, Isabella Fonseca. A cooperação processual no novo Código de Processo
Civil. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016, f. 61 et seq.
14
Por todos, ver CUNHA, 2016, p. 41-43.

19
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ser observado nos textos normativos.15 Cooperar, em sentido comum, não logra
tradição na ciência do direito processual estudada em terras brasileiras, como
afirmei, porque não guarda a mínima compatibilidade lógica com a estrutura
dialética do processo. Logo, destituída de sentido técnico. Na linguagem comum
ou ordinária, segundo apontam os léxicos, o conteúdo semântico da palavra
cooperar exprime o sentido de trabalhar em comum, colaborar, auxiliar, ajudar
e é com este significado que a expressão desponta nos enunciados normativos
dos arts. 26 e 27 do novo Código de Processo Civil, ao tratarem da cooperação
internacional.
Entretanto, cooperação processual não tem o anteriormente apontado sen-
tido da linguagem ordinária, quando o novo Código emprega a palavra cooperar
no enunciado normativo do seu art. 6º. Apresso-me em justificar o que afirmo
de há muito, com insistência.16 A rigor, o trabalho ou a atividade em comum dos
sujeitos do processo limita-se tão somente à obtenção de um pronunciamento
decisório no processo. Assim o é, porque o autor, sujeito parcial do processo, ao
exercer seu direito constitucional de ação, postula solução decisória que acolha
sua pretensão (lesão ou ameaça a direito) deduzida em juízo. O réu, outro sujeito
parcial, reage e opõe tenaz resistência à pretensão deduzida pelo autor, exercendo
em toda sua plenitude a garantia fundamental da ampla defesa, com todos os
meios que lhe são possíveis, almejando decisão jurisdicional que a rejeite. É por
isto que a principal defesa do réu, a contestação, pode ser tecnicamente chamada
de pretensão resistida. O juiz, sujeito imparcial do processo, que representa o
Estado no exercício da atividade jurisdicional, equidistante dos interesses das
partes, tem como objetivo dar-lhes resposta decisória que concretize ou realize as
normas componentes do ordenamento jurídico no caso em julgamento. A partir
desse tenso cenário dialético, parece-me muito difícil existir a possibilidade de que
os sujeitos do processo – juiz e partes – possam trabalhar em comum, plenamente

15
Atualmente, o assunto se insere na temática da chamada comunicação normativa, que, ao contrário
do desejável, não desperta muito a atenção dos estudiosos do direito. A respeito, as lições oportunas de
Emerson Garcia: “A linguagem jurídica, analisada sob a ótica dos signos linguísticos utilizados, costuma ser
caracterizada por um arquétipo básico, que se reflete no emprego de (1) termos técnicos, com significados
puramente técnicos; (2) termos técnicos com significados comuns; (3) termos ordinários com significados
comuns; (4) termos ordinários com significados incomuns ou técnicos; (5) termos de origem estrangeira,
especialmente latina; e (6) termos técnicos ou ordinários, vagos ou ambíguos, daí decorrendo uma polissemia
interna (significados distintos na própria linguagem jurídica) ou uma polissemia externa (um significado na
linguagem ordinária e outro na linguagem jurídica), o que aumenta o risco de interferências no processo de
comunicação. Não é por outra razão que, na atualidade, a linguagem estritamente jurídica, pelas barreiras
que cria, não tem se mostrado um meio totalmente eficaz à veiculação dos conteúdos jurídicos. Distanciar-se
do egocentrismo e aproximar-se do conhecimento mútuo é o grande desafio a ser enfrentado tanto pelas
autoridades responsáveis pela elaboração dos textos normativos, como pelo intérprete, aumentando, com
isso, as chances de sucesso no processo de comunicação normativa”. (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério
Pacheco. Improbidade administrativa, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 181-182).
16
Ver BRÊTAS, 2015, p. 233.

20
acordados, acertados, unidos, de mãos dadas, colaborando gentilmente uns com
os outros ou se auxiliando fraternal, carinhosa e mutuamente, em todos os atos
e fases processuais, rumo à decisão final de mérito. Enfim, como bem adverte
Renhard Greger, o dever de cooperação não obriga que os sujeitos processuais
“[...] devam resolver o [...] processo [...] em íntimo companheirismo”.17
No assunto, portanto, precisas são as lições de Leonardo Carneiro da
Cunha, em comentários ao enunciado normativo do art. 6º., do novo Código
de Processo Civil:

Cooperar entre si não é unir-se à parte contrária, ajudá-la,


mostrar-lhe simpatia, contribuir para sua atuação. Não se
está diante de um compadrio ou de uma reunião de ami-
gos. O termo cooperar pode causar essa falsa impressão. É
por isso que há quem critique a cooperação no processo,
afirmando ser uma utopia, um surrealismo ou uma inge-
nuidade”, pois não se deve pensar, imaginar ou supor “que
o processo é um alegre passeio de jardim que as partes dão
de mãos dadas, na companhia do juiz.18

A partir dessas considerações, o normatizado dever de cooperação, como


prescreve o enunciado do art. 6º. do Código de Processo Civil, deve ser tecni-
camente entendido e seguido no processo como comparticipação dos sujeitos
processuais. Em outras palavras, os sujeitos do processo devem praticar os atos
processuais que lhes tocam em regime de comparticipação, concretizada pelo
efetivo contraditório (art. 7º.), seu elemento normativo estruturador, na medida
em que o contraditório se entrelaça com a fundamentação da decisão jurisdicio-
nal. É justamente este amálgama técnico-procedimental que permite às partes
exercer influência junto ao juiz, em atividade processual compartilhada, a fim de
que o pronunciamento decisório final desponte construído em conjunto pelos
sujeitos do processo.
Por consequência, no Estado Democrático de Direito brasileiro, é essa
forma de estruturação procedimental que legitima o conteúdo das decisões juris-
dicionais proferidas no processo, como resultado da comparticipação (sentido
técnico de cooperação) dos sujeitos processuais – juiz (agente público julgador
que exerce a jurisdição, por delegação do Estado) e partes contraditoras (autor e
réu) – cada uma delas buscando subordinar o interesse da parte contrária ao seu

GREGER, 2016, p. 303.


17

CUNHA, 2016, p. 42.


18

21
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

próprio e assim fiquem implementados os direitos e garantias fundamentais (cons-


titucionais) assegurados aos destinatários da decisão jurisdicional a ser proferida.
Daí considerar Leonardo Carneiro da Cunha que o

[...] princípio da cooperação tem base constitucional, sendo


extraído da cláusula geral do devido processo legal, bem
como do princípio do contraditório”. E conclui referido
autor: “Se o contraditório exige participação e, mais espe-
cificamente, uma soma de esforços para melhor solução
da disputa judicial, o processo realiza-se mediante uma
atividade de sujeitos em cooperação.19

Não discrepa desse entendimento Lúcio Delfino, quando afirma:

[...] na seara processual, é dever do juiz – dever de consulta


– proveniente do princípio da colaboração – assegurar às
partes a participação delas (=contraditório), de maneira
ativa e direta, na criação da norma jurídica pacificadora –
expressão do poder estatal – a qual instala a jurisdição.20

O processo deve desenvolver-se em forma tal que propicie adequada e
efetiva participação dos seus sujeitos (juiz e partes) em todos os seus atos e fases.
Daí acentuarem Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

[...] um procedimento que não permite a efetiva participa-


ção das partes não tem qualquer condição de legitimar o
exercício da jurisdição e a realização de seus fins”, pois isto
significa, “um procedimento incapaz de atender ao direito
de participação daqueles que são atingidos pelos efeitos
da decisão, [...] longe de espelhar a ideia de democracia,
pressuposto indispensável a legitimidade do poder.21

Portanto, cooperação processual traduz a ideia básica de promover e in-
centivar a participação das partes em todos os atos e fases do procedimento e o
adequado diálogo que o juiz (agente público decisor) deverá manter com elas,

19
CUNHA, 2012, p. 153. Sobre o devido processo legal, pilar do processo constitucional, ver BRÊTAS et
al., 2016, p. 45-49.
20
DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 39-40.
21
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 1, p. 487.

22
dentro da concepção estrutural quadripartite do moderno contraditório que sus-
tento seja necessário existir, qual seja, informação-reação-diálogo-influência.22
Atualmente, a ideia de participação no processo é tão preponderante na
dinâmica do contraditório, que alguns autores chegam a propor a substituição
da expressão contraditório pela palavra participação, como integrante do enun-
ciado principiológico do devido processo legal, como já ocorre em ordenamentos
jurídicos estrangeiros.
Nesse sentido, as considerações de Edilson Vitorelli:

A literalidade da palavra ‘contraditório’ se tornou pequena


para abarcar o que a garantia hoje a representa. O conteúdo
do princípio, tal como atualmente delimitado, pouco se
relaciona com o sentido linguístico da palavra. Os autores,
no intuito de conservar uma locução tradicional, perverte-
ram seu significado. Aludir ao contraditório como garantia
máxima do processo não sinaliza a compreensão que se
pretende estabelecer, uma vez que, mais importante que
contradizer é a oportunidade de participar da construção
de uma decisão justa, em conjunto com os demais atores
processuais. Por essa razão, em vez de pretender estender
a expressão ´contraditório´ para abarcar toda a realidade
do processo, melhor seria, como nos Estados Unidos, se
referir, em caráter geral, ao devido processo legal, como
garantia matriz do processo, cujo cerne é o direito de par-
ticipação significativa, inclusive, mas não necessariamente,
em contraditório. Isso daria às expressões um sentido mais
aderente à linguagem corrente. Participação, portanto, e
não contraditório, é o cerne do devido processo legal.23

De forma coerente, no texto normativo do novo Código de Processo Civil


(art. 357), há recomendação expressa para que o juiz, conjuntamente com as
partes, em decisão de saneamento e organização do processo, resolva questões
processuais pendentes, delimite questões de fato e de direito e defina a distribuição
do ônus da prova, e assim deverá fazê-lo sob designação de audiência com tal
objetivo, se as questões de fato e de direito (=questões de mérito) discutidas no
caso concreto se mostrarem complexas.24

22
Ver BRÊTAS et al., 2016, p. 53-54.
23
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. São Paulo: RT, 2016. (O Novo Processo Civil),
p. 155-156.
24
Cf. BRÊTAS et al., 2016, p. 108-110.

23
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Ora, em face de todas as considerações até agora expendidas, em confor-


midade com o devido processo constitucional,25 levando-se em conta o apontado
quadrinômio estrutural do contraditório que se instala na estrutura dinâmica
do procedimento – informação, reação, diálogo, influência- percebe-se que o
juiz não poderá proferir a decisão de saneamento e de organização do processo
de forma solipsista, ou seja, sem a participação das partes, menosprezando o
efetivo contraditório que lhes deve ser assegurado.
Muito pelo contrário, seguindo as normas fundamentais processuais dos
arts. 6º. e 7º. do vigente Código de Processo Civil, para sanear e organizar o pro-
cesso, deverá o juiz ouvir as partes, em contraditório, com elas dialogando, assim
preservando e concretizando o cogitado regime de cooperação (=comparticipa-
ção), que deve ser observado entre os sujeitos do processo, no desenvolvimento,
na organização e no resultado decisório do processo, tal como recomendado nas
normas do art. 357, § 3º., do mesmo Código.

5 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Do exposto, como resultado das pesquisas realizadas, posso concluí-las,


em síntese, com as afirmativas que se seguem:
1ª.) - A cooperação recomendada aos sujeitos do processo, no enunciado
do art. 6º., do Código de Processo Civil, significa comparticipação, pois rela-
cionada está com a observância do efetivo contraditório imposta no art. 7º.,
do mesmo Código, princípio-garantia integrante da norma fundamental do
processo explicitada no enunciado do devido processo legal, viga-mestra do
processo constitucional.
2ª.) - A cooperação dos sujeitos processuais entre si, como enunciado no
Código de Processo Civil (art. 6º.), não significa companheirismo entre os sujeitos
do processo.
3ª.) - Tecnicamente, cooperação processual deve ser entendida como possi-
bilidade concreta de as partes exercerem influência junto ao juiz na construção
do pronunciamento decisório de mérito almejado no processo, pelo que o juiz,
em contrapartida, deverá ter postura receptiva a tanto, mantendo permanente
diálogo com as partes, em todas as fases lógicas do procedimento, a fim de lhes
assegurar a garantia fundamental do contraditório.
4ª.) - Como relatório do Congresso da Magistratura e do Ministério Pú-
blico de Minas Gerais sobre o novo Código de Processo Civil, realizado de 25 a
27 de novembro de 2015, na cidade de Tiradentes, Minas Gerais, foi elaborada

Cf. Ibid., p. 43-45.


25

24
a Carta de Tiradentes, em 10/2/2016, com trinta e um enunciados aprovados
em decorrência dos temas ali expostos e debatidos, apresentando o Enunciado
n. 7 o seguinte teor: “A cooperação constante do art. 6º. do novo CPC deve ser
entendida como coparticipação, que se liga ao contraditório, consistente nos
princípios informação, reação, diálogo e influência na construção da decisão.”

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25
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ZUFELATO, Camilo. Análise comparativa da cooperação e colaboração entre


os sujeitos processuais nos projetos de novo CPC. In: FREIRE, Alexandre et al.
Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013.

26
A CIDADANIA COMO LINHA MESTRA DO PROCEDIMENTO
NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Fernando Gonzaga Jayme*


Clara Ramos Jayme*

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

É necessário, em primeiro lugar, salientar a imensa honra que é participar


desta obra em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior, baluarte e
líder da advocacia, mestre de gerações de juristas cujas lições capacitaram-nos
ao exercício profissional pautado na ética e na alteridade. Justa e merecida ho-
menagem.
O Estado Democrático de Direito convive com o conflito, mas não tolera
o ilícito, de modo que o devido processo legal propicia ao Estado, por intermédio
da jurisdição, reparar a lesão ou fazer cessar a ameaça a direito. O exercício da
função jurisdicional é, assim, um dos meios pelos quais se concretiza o princípio
da segurança jurídica, basilar à democracia.
O conteúdo do provimento jurisdicional dependerá, entretanto, da obser-
vância do devido processo legal, ou seja, do atendimento das normas de direito
processual que possibilitam a instauração e desenvolvimento de um processo
válido.
Somente se o processo estiver imaculado é que o juiz poderá prover sobre
o mérito da situação jurídica controvertida, cujo teor dependerá da demonstração
dos fatos constitutivos do direito alegado e da inexistência de prova de quaisquer
fatos desconstitutivos, extintivos ou modificativos desse direito.
A proteção dos direitos outorgados pelo ordenamento jurídico, portanto,
pode ser compreendida como a teleologia da democracia. O devido processo
legal, a seu turno, é o meio legítimo para proteger os indivíduos contra incursões
ilícitas no seu patrimônio jurídico. Com efeito, democracia e processo entrela-
çam-se umbilicalmente: aprimorar o devido processo legal é contribuir para o
aperfeiçoamento do regime democrático.

* Advogado, Mestre e Doutor pela UFMG. Professor Associado de Direito Processual Civil e Diretor da
Faculdade de Direito da UFMG. Membro do CONEDH – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos. Associado ao Instituto os Advogados de Minas Gerais. Membro do Instituto de Direito Processual
– IDPRO. Membro do Conselho Técnico-Científico do Parque Tecnológico BHTEC. Conselheiro Seccional
da OAB/MG.
* Bacharel em Direito pela PUC Minas. Mediadora extrajudicial de conflitos.

27
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O Código de Processo Civil de 2015, ao modernizar a técnica proces-


sual harmonizando-a com os princípios e valores constitucionais democráticos,
transformou o processo em poderoso instrumento para possibilitar a promoção
da justiça social e da dignidade humana, nos exatos termos preconizados no
preâmbulo da Constituição da República, ou seja, um Estado “destinado a as-
segurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida [...] com a solução pacífica das controvérsias”. 
A democratização do processo civil tem como consequência positiva a
transferência do protagonismo do juiz para as partes. Com efeito, essa mudança
do epicentro da resolução do conflito, transferindo-o para a cidadania, reconhece
a aptidão e valoriza a autonomia dos indivíduos para solucioná-lo, realçando,
com isso, nossa dignidade.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao explicitar que nossa
humanidade decorre do fato de sermos dotados de razão e consciência, permite
inferir que os seres humanos são livres e responsáveis. Com efeito, o reconheci-
mento da liberdade e responsabilidade implica, também, no reconhecimento da
presença dos atributos imprescindíveis para a construção autônoma e dialógica
da solução adequada dos conflitos. Seres humanos iguais, livres, racionais e
autônomos assumem o controle de suas vidas, constituindo-se uma sociedade
de cidadãos emancipados.
Nesse aspecto, o devido processo legal se projeta como garantia funda-
mental, na medida em que possibilita ao cidadão repousar tranquilo, seguro
quanto à garantia de seus direitos.
O CPC/2015 concede a oportunidade para se promover profunda ruptura
com a ordem jurídica processual pretérita. As mudanças trazidas com o Código de
Processo Civil não se resumem à formalidade procedimental, mas transformam
o âmago da filosofia do processo.
O procedimento disciplinado no CPC/2015 pauta-se na lógica da solução
do conflito. A flexibilização da forma do procedimento, passível de adaptação
às exigências do caso concreto em conformidade com o direito material reivin-
dicado em juízo, bem como a valorização do contraditório e o estímulo à busca
da solução consensual demonstram o comprometimento do processo civil com
a construção da melhor solução possível.
Inolvidável a garantia de duração razoável do processo como meta inerente
a qualquer sistema jurídico, haja vista que há mais de um século, o presidente
dos EUA, Howard Taft assentou:

28
Pode ser afirmado, como uma proposição geral, que o que
tende a prolongar ou demorar o processo é uma grande
vantagem para o litigante que tem a maior bolsa. O indiví-
duo que tem envolvido no litígio tudo o que possui é muito
prejudicado em uma luta judiciária com um contendor
apto, pelos seus recursos, a prolongar a lide e, portanto,
a manter, pelo maior espaço de tempo possível, o outro
litigante privado daquilo que realmente lhe pertence1.

Há, portanto, uma profunda ruptura com o paradigma anterior, que se


pautava em um procedimento intensificador da litigiosidade endoprocessual,
na medida em que os espaços dialógicos eram reduzidos, a participação das
partes relegada a plano secundário e os poderes do juiz eram exacerbados, em
um ambiente de pouco ou nenhum compromisso das partes com a efetividade
do processo. A necessidade de reconhecimento da autonomia teórica do direi-
to processual civil exagerou e chegou a tal ponto que, no Código revogado, o
processo representava fim em si mesmo. Não raras vezes, a realização do direito
material cedeu espaço para questões processuais prejudiciais do mérito, frustrando
a solução da controvérsia.
Nada há a celebrar, portanto, em relação à herança recebida dos poucos
mais de 42 anos de vigência do malsinado Código de 1973. A judicialização
cresceu exponencialmente e, na mesma proporção a incapacidade de a jurisdi-
ção resolver os conflitos em tempo hábil. A crise do Poder Judiciário, portan-
to, tornou-se inevitável, muitas demandas para poucos juízes e um normativo
processual inspirado em uma teoria que enaltecia o formalismo e o tecnicismo,
em um ambiente de restrição das liberdades. A depreciação da autonomia dos
cidadãos impeliu-nos a sempre buscar na sentença judicial a resposta para os
nossos conflitos. A consequência é o número extraordinário e abismante de
processos perante o Poder Judiciário, mais de 100 milhões, e a infraestrutura
existente, carente de recursos humanos e materiais para administrar essa massa
de demandas, evidenciam encontrar-se o sistema de justiça às raias do colapso.
O CPC/2015 pode ser um alento para contornar a grave situação atual,
desde que a comunidade jurídica e a sociedade assimilem os valores democráti-
cos que o inspiraram e comprometam-se com as mudanças culturais propostas,
tendentes à construção da cidadania, democratização, desjudicialização e à solução
autônoma dos conflitos.

BRASIL. Decreto-lei nº 1608/1939 (Exposição de Motivos do CPC/1939). Diário Oficial da União. Rio
1

de Janeiro, 24 jul. 1939. Disponível em: <https://goo.gl/puXU1X>. Acesso em: 1º maio 2017.

29
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O Código de Processo Civil de 2015, ao estabelecer o princípio da pri-


mazia do mérito como um dos fundamentos do processo, restaura a concepção
de processo como instrumento de salvaguarda dos direitos materiais. Integrado
pela Resolução nº 125/2010 do CNJ, que instituiu uma política pública de
tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, é
possível acreditar em um futuro melhor.
Nesse sentido, o ordenamento jurídico preconiza uma nova forma de
conceber o processo mediante o reconhecimento de que a cultura da litigiosidade
há de ceder espaço para a da solução pacífica do conflito.
Em sintonia com essa alvissareira possibilidade de se promover uma mu-
dança cultural, o tema, procedimento, será abordado sob o fundamento da
cidadania participativa em três aspectos considerados primordiais para a imple-
mentação dessa nova cultura na prática processual: a coparticipação na construção
dos provimentos judiciais, a autonomia das partes na resolução dos conflitos e
a eticidade.

2 O CONTRADITÓRIO: fundamento de legitimidade do devido


processo legal

O processo tem por propósito conferir efetividade às normas de direito


material e às garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito. A rea-
lização desses objetivos pressupõe a legitimidade democrática do procedimento, o
que só se alcança por meio do contraditório, disciplinado no CPC/2015 com uma
abrangência inédita, na medida em que o regulamenta em suas três dimensões.
É o contraditório fundamento de legitimidade da atuação do Poder Ju-
diciário na medida em que assegura o diálogo e o poder de influência das partes
posicionando-se no debate processual em simétricas posições e em igualdade
de oportunidades, com efetivo poder de influenciar o conteúdo da sentença,
coparticipativamente construída com o juiz.2
Nessa ordem de ideias, o direito de participação das partes em simétrica
paridade corresponde ao dever de o Estado-juiz proferir uma resposta congruente
com o objeto do diálogo estabelecido entre as partes e adequada à resolução do
conflito. Com efeito, do direito de participação emerge o dever de o juiz proferir
uma decisão fundamentada de forma congruente e adequada ao caso sub judice.

THEODORO JR. Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais,
2

Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Paulo, v. 2, n. 1, p. 64-71, jan. /jun. 2010. Disponível
em: <https://goo.gl/j7g2Na>. Acesso em: 1º mar. 2013.

30
Desta forma, evidencia-se que o processo legitima-se democraticamente
quando a decisão judicial é consequência da participação isonômica, dialética
e influente das partes. Assim, incumbe aos magistrados assegurar a produção
de alegações e de provas pelos interessados e que as informações pertinentes,
produzidas pelas partes sejam efetivamente examinadas.
Esse entendimento decorre da interpretação constitucional da garantia
do contraditório levada a termo pelo Supremo Tribunal Federal:

Há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que


o direito de defesa não se resume a um simples direito de
manifestação no processo. Efetivamente, o que o consti-
tuinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de
Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários
à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, 1969. T. V,
p. 234). [...]. Não é outra a avaliação do tema no direito
constitucional comparado. Apreciando o chamado Ans-
pruch auf rechtliches Gehör (pretensão à tutela jurídica)
no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que
essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e
o direito de informação sobre o objeto do processo, mas
também o direito do indivíduo de ver os seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar [...]. Daí
afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídi-
ca, que corresponde exatamente à garantia consagrada no
art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:
1-direito de informação (Recht auf Information), que obriga
o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos pra-
ticados no processo e sobre os elementos dele constantes;
2- direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que asse-
gura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oral-
mente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos
constantes do processo;
3- direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berü-
cksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão
e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahme-
bereitschaft) para contemplar as razões apresentadas [...].
Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados
pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que
corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Ad-
ministração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht),

31
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar


conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o
de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas
(Erwägungspflicht) (Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUN-
Z-DÜRIGi. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, nº
97). É da obrigação de considerar as razões apresentadas
que deriva o dever de fundamentar as decisões (Decisão
da Corte Constitucional – BverfGE 11, 218 (218); Cf.
DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIG. Grundge-
setz-Kommentar. Art. 103, v. 4, n. 97).”3

Com efeito, reconhece a jurisprudência do STF que

O ordenamento jurídico brasileiro, ao tornar a exigência


de fundamentação das decisões judiciais um elemento
imprescindível e essencial à válida configuração dos atos
sentenciais, refletiu, em favor dos indivíduos, uma po-
derosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz,
e impôs, como natural derivação desse dever, um fator
de clara limitação dos poderes deferidos a magistrados e
Tribunais. [...] Não há, em tema de liberdade individual,
a possibilidade de se reconhecer a existência de arbítrio
judicial. Os juízes e tribunais estão, ainda que se cuide do
exercício de mera faculdade processual, sujeitos, expressa-
mente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status
libertatis que pratiquem no desempenho de seu oficio. - A
conservação de um homem na prisão requer mais do que
um simples pronunciamento jurisdicional. A restrição ao
estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente
fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos4.

Pois bem, tratando-se de interpretação da Constituição, promulgada em


1988, pode-se, a princípio, acreditar que o CPC/2015 não trouxe inovação al-
guma, haja vista que o que foi dito emerge diretamente da norma constitucional.
Entretanto, a experiência não autoriza esse entendimento.

3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.268, Tribunal Pleno. Relator: Min.
Gilmar Mendes. Brasília, 5 de fevereiro de 2004. Diário de Justiça: 17 set. 2004. Trechos do voto do
Ministro Gilmar Mendes, destaques no original.
4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 68530, Primeira Turma. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, 5 de março de 1991. Diário de Justiça: 12 abr. 1991.

32
O princípio do contraditório, sob a égide da legislação revogada, não era
um elemento essencial do devido processo legal. Era indiferente a observância de
um contraditório substancial, pois, o juiz cuja autoridade e poder sobrepairavam
na atmosfera social, “conhece o direito” e encarna a Justiça, razão pela qual a
participação das partes era indiferente.
Desta maneira, inegável reconhecer o avanço democratizador do
CPC/2015 ao conferir centralidade ao contraditório quando o identifica com
a “garantia de participação em simétrica paridade, das partes, daqueles a que
se destinam os efeitos da sentença”5. Nesta definição, liberdade e igualdade se
fazem explicitamente presentes.
O indivíduo tem a liberdade de participar, em igualdade de condições, na
construção do provimento que repercutirá no seu patrimônio jurídico. Todavia,
se por qualquer razão, optar por não participar do procedimento, sujeitar-se-á aos
ônus da sua inércia. Inegável, portanto, a indissociabilidade entre contraditório
e ordem jurídica democrática.6
Corolário do contraditório é a vedação de decisões surpresa, conforme
explicita o art. 9º do CPC: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem
que ela seja previamente ouvida”. Nesse aspecto, o contraditório limita o poder
jurisdicional, ao estabelecer a congruência decisória, exigindo em caráter de
imprescindibilidade, o debate prévio de todas as matérias a serem consideradas
no decisum7. A regra transcrita aplica-se inclusive às questões apreciáveis ex officio.
Isso quer dizer que o juiz não pode surpreender as partes, mesmo em face de
matéria de ordem pública cognoscível de ofício.
Há de se reconhecer, assim, que o contraditório e a motivação decisória
estabelecem um nexo entre o direito de ação e o dever de o Estado prestar a ju-

5
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo, 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2012, p. 103.
6
Segundo Ada Pellegrini Grinover, é “[...] comum a observação de que o princípio da igualdade é parte
essencial do processo [...]” ou de que “[...] defesa e contraditório são corolários do princípio da igualdade”.
Todavia, a igualdade, como essência do contraditório, não pode ser vista apenas como uma isonomia
formal que exprime a “[...] simples exigência de que os sujeitos possam agir em plano de paridade”;
diferentemente, a igualdade deve ser compreendida sob a ótica material, isto é, “[...] como contraposição
dialética paritária e forma organizada de cooperação no processo [...]”, da qual emerge o princípio de
par condicio (princípio de equilíbrio de situações ou igualdade de armas). Sendo assim, a “plenitudee a
efetividade do contraditório indicam a necessidade de se utilizarem todos os meios necessários para evitar
que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre seu êxito, condicionando-o a uma distribuição
desigual de forças” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo constitucional em marcha. São Paulo: Max
Limonad, 1985, p. 11-18, grifo no original).
7
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório
no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da
atividade processual. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 168, fev. 2009. p. 125.

33
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

risdição. Isso porque o direito de ação, como “direito subjetivo público dirigido
frente ao Estado a fim de que este preste a tutela jurisdicional sobre os direitos e
interesses em conflito”,8 outorga às partes a prerrogativa de que sejam devidamente
respondidas as questões por elas levantadas no processo. Paralelamente, a neces-
sidade de fundamentação racional das decisões judiciais (art. 93, IX, da CR/88)
impõe que o órgão julgador decida exclusivamente com base nos elementos
trazidos aos autos, como expressão do princípio da inafastabilidade da jurisdição
(art. 5º, XXXV, da CR/88). A interpretação constitucional corrobora a tese:

O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão


ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente,
sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada
uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os
fundamentos da decisão9.
Reveste-se de nulidade o ato decisório, que, descumprindo
o mandamento constitucional que impõe a qualquer Juiz
ou Tribunal o dever de motivar a sentença ou o acórdão,
deixa de examinar, com sensível prejuízo para o réu, fun-
damento relevante em que se apoia a defesa técnica do
acusado10.

Em harmonia com o entendimento do STF, vem em boa hora a lição de


Comoglio:

[...] graças a uma tríplice ordem de situações subjetivas


processuais, na qual a qualquer parte vêm reconhecidos: (I)
o direito de receber adequadas e tempestivas informações,
sobre o desencadear do juízo e as atividades realizadas, as
iniciativas empreendidas e os atos de impulso realizados
pela contraparte e pelo juiz, durante o inteiro curso de
processo; (II) o direito de defender-se ativamente, posi-
cionando-se sobre cada questão, de fato ou de direito, que
seja relevante para a decisão da controvérsia; (III) o direito
de pretender que o juiz, a sua vez, leve em consideração as

8
LLOBREGAT, José Garberí. El derecho a la tutela judicial efectiva en la jurisprudencia del Tribunal
Constitucional. Barcelona: Bosch, 2008, p. 18, tradução nossa.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 791.292-RG.
Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, 23 jun. 2010. Diário de Justiça, n. 149, 13 ago. 2010.
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74.073, Primeira Turma. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, 20 maio 1997. Diário de Justiça: 27 jun. 1997.

34
suas defesas, as suas alegações e as suas provas, no momento
da prolação da decisão11.

Enfim, a disciplina do contraditório contida no CPC/2015 representa


garantia democrática e cívica do jurisdicionado, exteriorizadora do princípio
constitucional da soberania popular12 mediante a qualificação do processo como
legítimo instrumento para a realização da democracia, da cidadania e da sobe-
rania popular.

3 OS MÉTODOS AUTÔNOMOS DE RESOLUÇÃO DE


CONFLITOS

O Ministro Cezar Peluso, em 2011, vaticinou:

[...] encontra-se em curso mudança paradigmática subs-


tancial, resultante do desenvolvimento de nova cultura de
pacificação, que evidenciará às pessoas que os conflitos não
precisam ser resolvidos apenas com recurso à velha solução
adjudicada, que se dá mediante produção de sentenças
e, em cujo seio, sob influxo de uma arraigada cultura de
dilação, proliferam os recursos inúteis e as execuções mo-
rosas e, não raro, ineficazes. Essa salutar transformação só
atingirá sua plena potencialidade com a adoção de uma
política pública menos ortodoxa em relação ao tratamento
dos conflitos de interesses. [...] Serão elevados os sensos de
cidadania, justiça efetiva e paz social13.

A partir da Resolução nº 125/2010 do CNJ, instituindo uma política


pública de tratamento adequado dos conflitos, o CPC/2015, no § 2º do art. 3º,
reforça o prestígio à resolução consensual dos conflitos, contribuindo, essas nor-
mas, sobremaneira para a construção da cidadania. Na medida em se reconhece
que nem sempre a adjudicação é a melhor solução para o conflito de interesses,
o ordenamento passa a admitir que as partes, de forma autônoma e dialógica,

11
THEODORO JR., 2010.
12
BONAVIDES, Paulo. O Poder Judiciário e o parágrafo único do art. 1º da Constituição do Brasil. In:
CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (org.). Estudos de Direito Constitucional em
homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 69, 85-86.
13
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Relatório de Atividades de 2011. Disponível em: <https://goo.gl/
nGT3fE>. Acesso em: 27 maio 2017.

35
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

assumam a responsabilidade pela solução do conflito que as aflige. Com efeito, há


possibilidade de utilização de diversos métodos de resolução de litígios conforme
a particularidade de cada caso. Mas, em qualquer situação em que se busca uma
forma consensual de solucionar o conflito, há uma prática emancipatória, na
medida em que as partes deixam de carecer da tutela jurisdicional.
A coexistência de outros métodos, além da adjudicação, é uma forma de
o Direito Processual implementar uma promessa até então descumprida, a de
que o processo judicial seria instrumento de restauração da paz social. Teleolo-
gicamente, o processo visa a encerrar o conflito mediante a imposição de um
provimento imperativo, vinculante e definitivo em decorrência da autoridade de
coisa julgada. Todavia, restabelecer os vínculos subjetivos afetados pelo conflito
não é preocupação do órgão judicante.
A processualística contemporânea, portanto, evoluiu na direção do reco-
nhecimento da possibilidade de utilização de diversos métodos de resolução de
litígios, conforme a particularidade de cada caso, “citem-se, como exemplos, a
arbitragem, a mediação, a conciliação, a negociação direta, os comitês, ouvidoria,
o coaching” 14.
Os métodos autônomos têm o objetivo de propiciar às partes resolverem
o conflito de forma dialógica, sem a necessidade de uma sentença proferida
por um terceiro imparcial. Por meio do diálogo oportuniza-se a construção da
melhor solução possível para o caso, respeitadas a autonomia da vontade e a
voluntariedade.
A possibilidade de desjudicialização dos conflitos decorrente da adoção dos
métodos autônomos de resolução dos conflitos deve ser um compromisso de toda
a sociedade. É imprescindível contribuir para a diminuição do abarrotamento
de processos no Judiciário, que atualmente, tem de administrar a tramitação de
mais de cem milhões de processos.
Há um notável esforço de o Poder Judiciário contribuir para a difusão de
uma nova cultura na resolução dos conflitos. A partir da instalação dos Centros
Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania (CEJUSC), se tem trabalhado
para construir uma cultura de consensualidade por meio da capacitação de me-
diadores, promoção palestras, debates, dentre outras ações, visando a possibilitar
que os contendores sintam-se suficientemente empoderados e responsáveis pela
solução dos seus conflitos.

FARIA, Juliana Cordeiro de. Princípio da cooperação, efetividade e responsabilidade processual: balizas
14

do CPC/2015 para as empresas como sujeitos do processo. In: FERRUCI, Felipe Falcone, MAIA, Felipe
Fernandes Ribeiro, LEROY, Guilherme Costa (org.). Os impactos do novo CPC no Direito Empresarial.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p.15.

36
Obviamente, pelo fato de esse movimento encontrar-se ainda no alvorecer,
várias iniciativas devem ser implementadas para conferir eficiência e confiabili-
dade a esses métodos de solução dos conflitos. O sistema atual é merecedor de
muitas reprimendas, nesse sentido, pontua-se o critério de avaliação do trabalho
dos juízes, pautado, primordialmente, no aspecto quantitativo, contabilizando-
-se o número de acordos homologados. Ao quantificar as práticas consensuais,
desconsideram-se uma série de fatores benéficos delas resultantes, tais como o
diálogo como ferramenta para a reaproximação das pessoas, ainda que não se
realize o acordo. A efetividade e expansão dos métodos consensuais devem ser
considerados também sob o aspecto qualitativo, avaliando-se a vantajosidade que
propiciou a reaproximação das partes, de modo a garantir sua máxima efetivação
na busca da melhor solução.
Os métodos autônomos têm como sustentáculo a liberdade, por presti-
giarem a autonomia da vontade, o que acarreta, consequentemente, a vedação
de imposição por parte de um terceiro de qualquer decisão final. Solucionar o
conflito é atribuição privativa das partes.
Como ressalta Fernanda Tartuce, os métodos autônomos permitem

[...] que o indivíduo decida os rumos da controvérsia e


protagonize uma saída consensual para o conflito: ao in-
cluir o sujeito como importante ator na abordagem da
crise, valoriza-se sua percepção e considera-se seu senso
de justiça. Como facilmente se percebe, a autonomia da
vontade está ligada à dignidade e à liberdade.15

Christopher Moore corrobora esse entendimento ao dizer:

Voluntário refere-se a uma participação por livre escolha


e a um acordo realizado livremente. Os litigantes não são
obrigados a negociar, mediar ou fazer acordo influenciados
por nenhuma parte interna ou externa à disputa.16

Humberto Theodoro Júnior17 destaca o papel que tem o CPC/2015 na


maturação de uma mudança de mentalidade, fazendo emergir uma cultura de
solução de conflitos de forma autônoma, cooperativa e consensual:

15
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis, 3. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 190.
16
MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação: Estratégias Práticas para a Resolução de Conflitos,
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 38.
17
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 9.

37
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A valorização do papel da mediação e da conciliação dentro


da atividade jurisdicional se faz presente de maneira mais
expressiva no Novo Código de Processo Civil [...] Aos
poucos vai-se encaminhando para processos e procedimen-
tos em que o objetivo maior é a solução justa e adequada
dos conflitos jurídicos, e que, de fato, possam reduzir as
tensões sociais, valorizando a pacificação e a harmonização
dos litigantes, em lugar de propiciar a guerra judicial em
que só uma das partes tem os louros da vitória e à outra
somente resta o amargor da sucumbência.

Resta evidente, portanto, que o CPC/2015 garante efetividade aos mé-


todos autônomos de resolução de conflitos e demonstra os avanços da prática
jurisdicional na busca da “pacificação social”.
Sendo assim, a cidadania resta não só garantida, mas estimulada pela
protagonização das partes na solução do litígio, propiciando uma mudança da
cultura de litigiosidade para uma cultura de paz e, ainda, resguardados os prin-
cípios da liberdade, autonomia da vontade e porque não, celeridade, tão caros
à solução dos conflitos, adjudicada ou autônoma.

4 O DEVER DE COOPERAÇÃO

O contraditório enquanto fundamento da legitimidade democrática do


processo e elemento de construção da cidadania, deve assegurar acesso à ordem
jurídica justa, mediante limites à atuação das partes. O processo é um método
democrático de resolução de conflitos com o objetivo de reparar lesão ou fazer
cessar ameaça a direitos. Portanto, o resultado do processo, a decisão judicial há
de coincidir com a ordem jurídica, no sentido de dar a cada um o que efetiva-
mente tem direito.
Por essa razão, no processo inadmite-se o emprego de artifícios ou ardis
tendentes a frustrar a correta aplicação do Direito. Não é sem razão que o acesso
à justiça pressupõe o jus postulandi, ou seja, a capacidade de postular em juízo,
atributo privativo da advocacia, Defensoria Pública e Ministério Público. A
presença dessas instituições perante a jurisdição, nos termos da Constituição
da República, é indispensável e essencial por serem esses profissionais capazes
de decodificar o conflito de interesses intersubjetivo em linguagem jurídica,
possibilitando, assim, ao Poder Judiciário proferir uma decisão que assegure
a integridade do ordenamento jurídico, mantendo a estabilidade do Estado
Democrático de Direito. Portanto, concomitantemente ao munus de defender

38
os interesses postulados em juízo, há para a advocacia, Defensoria Pública e
Ministério Público o compromisso com a realização do Direito.
A ideia de cooperação não é novidade. Os grandes jusprocessualistas da
primeira metade do século passado já trabalhavam a teoria do processo como
atividade colaborativa. Eis, a propósito, o ensinamento de Calamandrei:

Quem se detenha a observar o modo como se desenvolve


um processo judicial, civil ou penal, vê efetivamente que o
mesmo consiste em uma série de atividades, realizadas pelos
indivíduos, que colaboram para a consecução do objeto
comum, o qual, por sua vez, consiste no pronunciamento
de uma sentença ou em por em prática medida executiva.
Esta colaboração não é simultânea, mas sucessiva, de modo
que as várias atividades que devem ser realizadas pelas dife-
rentes pessoas que fazem parte do processo distribuem-se
no tempo e no espaço seguindo uma certa ordem lógica,
quase como em um drama teatral, em que as intervenções
dos atores se sucedem não por casualidade, mas seguindo
o fio da ação, de modo que a frase seguinte seja justificada
pela precedente e, por sua vez, dê motivo à que vem depois,
a ordem em que se desenvolve o discurso dos interlocutores
não poderia alterar-se sem destruir o sentido18.

Há mais de meio século Frederico Marques, invocando o magistério de


Carnelutti, desenvolveu o conceito de processo a partir da cooperação. Para o
autor, o processo define-se como “um conjunto de atos destinados à formação
de imperativos jurídicos, que se caracterizam pela cooperação ou colaboração,
para este fim, de pessoas interessadas com uma ou mais pessoas desinteressadas”19.
Entretanto, a ideia de colaboração se esvaiu na vigência do Código re-
vogado, que como mencionado, exaltava a litigiosidade, repelia os métodos
consensuais e a coparticipação.
A cooperação no ordenamento jurídico brasileiro veio a ser ressuscitada
no CPC/2015. Entretanto, há deturpações em seu sentido e dimensão, creio,
fruto da cultura herdada da legislação revogada plasmada na litigiosidade, ou da
incompreensão do princípio em virtude da inovação cultural que a cooperação
significa. A propósito desse mal vezo:

CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2003. v. 1, p. 265.
18

MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
19

1966. v. 1, p. 28.

39
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Numa palavra final: se o “dever de as partes cooperarem”


não for fulminado (ou mitigado mediante interpretação
conforme a Constituição) pelo STF, poderemos estar re-
pristinando um protagonismo de mais de 100 anos atrás.
Já dá para imaginar o juiz, como presidente dos trabalhos
(sim, paradoxalmente, quer-se a democracia e o regime
processual, neste caso, continua “presidencialista”), dizen-
do: vocês têm de cooperar para que eu possa decidir com
justiça. Consequentemente... e aí começa o drama das
partes. Vai sobrar para os advogados. Ah, vai!20

A convicção neste trabalho é de que o dever de cooperação, explicitado


no art. 6º do CPC/2015, é muito bem-vindo e de fundamental relevância para
o bom funcionamento da função jurisdicional. O Código, ao estabelecer o com-
promisso com a colaboração, reveste de eticidade a atuação das partes em juízo,
pautando suas condutas pelos princípios da boa-fé e da lealdade processuais. Na
dicção de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, o dever de cooperação é essencial
“quando se atenta em que o processo deve servir para a produção de decisões
conforme a lei, corretas a esse ângulo visual, mas, além disso, dentro do marco
dessa correção, presta-se essencialmente para a produção de decisões justas”21.
A cooperação exige que as partes observem os deveres que lhes são exigi-
dos no curso do contraditório, dentre eles, conforme o art. 77 do CPC/2015,
os de expor os fatos em juízo conforme a verdade, não formular pretensão ou
de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento, não
produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à
defesa do direito, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza
provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação, informar o endereço
onde receberão intimações e não praticar inovação ilegal no estado de fato de
bem ou direito litigioso.
Para Leonardo Carneiro da Cunha, o dever de cooperação compreende
os deveres de esclarecimento, de prevenção e de auxílio a fim de que o processo
represente efetiva garantia de proteção judicial.
O autor, com propriedade, esclarece que cooperar não significa, em hi-
pótese alguma, submissão do interesse próprio ao da parte contrária. Os deveres
de cooperação “[...] destinam-se a regular melhor o comportamento dos sujeitos

20
STRECK, Lenio Luiz et al. Aposta na bondade: A cooperação processual do novo CPC é incompatível
com a Constituição. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 23 dez. 2014. Disponível em: <https://goo.
gl/eV33be>. Acesso em: 30 abr. 2017.
21
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270.

40
envolvidos, evitando abusos de direito e tornando mais leal e mais ética a busca
pelo resultado a ser obtido com o processo”22.
Fredie Didier Jr. compartilha o mesmo entendimento dizendo que “ao
integrar o sistema jurídico, o princípio da cooperação garante o meio (imputa-
ção de uma situação jurídica passiva) necessário à obtenção do fim almejado (o
processo cooperativo)”23.
A lição de Humberto Theodoro Jr. é importantíssima. A invocação do
direito português preenche lacuna na literatura jurídica brasileira. Além disso,
explicita os deveres de cooperação do magistrado com as partes de maneira didá-
tica revestida de pragmatismo. Ensina Humberto Theodoro que a cooperação se
realça no dever do juiz decidir conforme o direito para assegurar acesso à ordem
jurídica justa por meio de um provimento baseado em pleno conhecimento da
causa, com o exaurimento dos meios de informação disponíveis para subsidiar o
veredito. Ressalta, ainda, que o papel cooperativo do juiz não acarreta qualquer
comprometimento com o dever de imparcialidade, constituindo-se em:

a) consagração de um poder-dever de o juiz promover o


suprimento de insuficiência ou imprecisões na exposição
da matéria de fato alegada por qualquer das partes;
b) consagração de um poder-dever de suprimir obstáculos
procedimentais à prolação da decisão de mérito;
c) consagração de um poder-dever de auxiliar qualquer das
partes na remoção de obstáculos que as impeçam de atuar
com eficiência no processo;
d) consagração, em combinação com o princípio do
contraditório, da obrigatória discussão prévia com as
partes da solução do pleito, evitando a prolação de
decisões surpresa, sem que as partes tenham oportunidade
de influenciar as decisões judiciais24.

A atuação colaborativa destina-se a “[...] fazer com que os homens se falem,


que desenvolvam uma relação intersubjetiva sem violência, com que os desejos
e as paixões, incrustados nos sótãos do humano se exteriorizem”25.

22
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentário ao art. 6º. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle;
________. (org.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 42.
23
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 217.
24
THEODORO JR., op. cit., p. 84.
25
GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. Direito: razão e sensibilidade : as intuições na hermenêutica jurídica.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.133.

41
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A democracia é mais que discurso, é compromisso, é per-


manente autodisciplina e exigência de respeito à dignidade
própria e à dignidade do outro, principalmente do outro,
porque no cuidar de nós mesmos, somos todos por demais
diligentes.26

A jurisprudência, gradativamente, vem assimilando o dever de cooperação.


O Superior Tribunal de Justiça reconhece que:

O nosso sistema processual é informado pelo princípio da


cooperação, sendo pois, o processo, um produto da ativida-
de cooperativa triangular entre o juiz e as partes, onde todos
devem buscar a justa aplicação do ordenamento jurídico
no caso concreto, não podendo o Magistrado se limitar a
ser mero fiscal de regras, devendo, ao contrário, quando
constatar deficiências postulatórias das partes, indicá-las,
precisamente, a fim de evitar delongas desnecessárias e a
extinção do processo sem julgamento do mérito27.

O TJMG decidiu que o dever de cooperação cujo objetivo é possibilitar


uma decisão justa e efetiva de mérito, estende-se a todos os sujeitos processuais,
inclusive ao juiz, incumbindo-lhes “colaborarem entre si, sem protagonismo
dos envolvidos na relação jurídico-processual, sem a criação de embaraços e
armadilhas processuais”28.
O TJRS reconhece violação ao dever de cooperação quando, a parte se
vale de artifícios que obstaculizam o contraditório substancial, deixando admitir
recurso eletrônico, cuja instrução é deficiente pelo fato de o recorrente deixar de
individualizar os documentos necessários ao conhecimento do pleito29.
Por sua vez, para o TJSP, com fundamento no art. 774, inc. V, decidiu que
“viola-se a cooperação no processo de execução quando o executado, intimado,

26
CALMON DE PASSOS, J.J. Direito, justiça, processo e poder. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 71-72.
27
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 37.587-SC, Quinta Turma. Relator:
Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, 16 de fevereiro de 2016. Diário de Justiça: 23 fev. 2016.
28
MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação Cível nº 1.0301.14.007535-1/003,
Nona Câmara Cível. Relator: Des. Marcio Idalmo dos Santos Miranda. Belo Horizonte: 23 de março de
2017. Diário de Justiça: 11 abr. 2017.
29
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça de Estado. Agravo de Instrumento nº 70072050180.
Décima Nona Câmara Cível. Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes. Porto Alegre, 24 abr. 2017. Diário de
Justiça: 25 abr. 2017.

42
deixa de informar ao juízo existência de patrimônio passível de responder pela
obrigação”30.
O dever de cooperação é um imperativo ético inerente ao contraditório.
Com efeito, o devido processo legal constitui instrumento legítimo de garantia
fundamental da dignidade humana e dos direitos a ela correlatos se e somente
se o procedimento desenvolver-se conforme a boa-fé e a lealdade.
Não se pode perder de vista, ainda, a estreita relação existente entre o
dever de cooperação e a duração razoável do processo, na medida em que coíbe
a prática de atos processuais inúteis por manejo abusivo das prerrogativas e fa-
culdades processuais pelas partes ou, pelo juiz, dilações indevidas.

5 CONCLUSÃO

A previsão do contraditório enquanto princípio essencial ao processo


coloca em evidência a necessidade de coparticipação dos envolvidos no confli-
to. Ressalta-se, neste ponto, a importância dos dispositivos do CPC/2015 na
efetivação deste princípio, na medida em que, embora desde 1988 fosse cons-
titucionalmente previsto, teve sua imprescindibilidade destacada pela nova lei.
No que tange à efetivação de direitos e solução de controvérsias por meio
de métodos autônomos, o que se observa no Código de Processo Civil é não
só o resguardo aos princípios da celeridade, autonomia da vontade e liberdade,
como a possibilidade de decisões mais satisfatórias às partes, uma vez que por
elas determinadas e que propiciam, ainda que não haja acordo, a difusão de uma
cultura de paz em detrimento de uma cultura de litígio.
O CPC/2015 teve extrema importância também ao colocar em evidência
o princípio da cooperação em um contexto de mudanças culturais que passaram
a preterir a litigiosidade.
Observa-se, portanto, a concatenação do contraditório com a solução au-
tônoma de conflitos e o princípio da cooperação, na medida em que representam
o ideal na relação processual, envolvendo os litigantes de forma a solucionarem o
conflito em igualdade de condições e visando à melhor solução possível a ambos.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2237890-96.2016.8.26.0000,


30

Vigésima Quinta de Direito Privado. Relator: Des. Hugo Crepaldi. São Paulo, 30 de março de 2017. Diário
de Justiça: 31 mar. 2017. “Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ARBITRAMENTO
DE HONORÁRIOS – MULTA – ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – Art. 774,
Parágrafo único, do CPC – Compra de imóvel de alto padrão à vista no curso da execução, demonstrando
injustificada oposição ao cumprimento da obrigação, bem como patente omissão de informações perante
o Juízo – Dever de cooperação – Quebra do padrão de boa-fé processual que justifica a imposição de multa
fixada mediante prudente arbítrio – Negado provimento.”

43
JULGAMENTO VIRTUAL E A DENSIFICAÇÃO DA
PSEUCOLEGIALIDADE

Jéssica Galvão Chaves*


Welignton Luzia Teixeira*

1 INTRODUÇÃO

A decisão colegiada virtual constitui uma forma de julgamento atualmente


adotada em alguns Tribunais do Estado Brasileiro como, por exemplo, o Tribunal
de Minas Gerais1, Tribunal de Justiça de Rondônia2, Tribunal de Justiça de São
Paulo3, consubstanciada no julgamento de recursos pelo meio eletrônico, desde
que a sustentação oral não seja permitida, bem como inexista oposição das partes.
Uma vez adotada tal forma de julgamento caberá ao relator do recurso
enviar no ambiente virtual seu voto para os demais componentes da turma jul-
gadora que, igualmente, por meio eletrônico emitirão seu voto, isoladamente,
nos respectivos gabinetes, com a dispensabilidade da inclusão do recurso em
sessão de julgamento.
Depreende-se que no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Su-
premo Tribunal Federal o julgamento virtual, também denominado de plenário
virtual, é prática usual para o julgamento do recurso de embargos de declaração
e do agravo interno e especificadamente no Supremo Tribunal Federal o plenário
virtual é utilizado para a apreciação da existência ou não de repercussão geral
(art. 184-A, RISTJ e arts. 317, 323 e 324, RISTF).

*
Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Especialista
em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho (2014) e em Direito Internacional pelo Centro
de Direito Internacional - CEDIN - (2012). Professora de Direito Processual Civil e Direito Processual
do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Escola Superior de Advocacia da
Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais. Trabalha na equipe de assessoria de Desembargador
do TJMG. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual.
*
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Ex-Conselheiro Federal e Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas
Gerais, Coordenador na Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas
Gerais.
1
Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais criado pela resolução do Tribunal Pleno nº
0003, de 26 de julho de 2012, disponível em: <https://goo.gl/cN741n>.
2
Resolução 549/2011, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
3
Resolução 049/2010, do Tribunal de Justiça de Rondônia.

45
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A partir de tais premissas, o presente ensaio objetivo demonstrar que a


adoção do julgamento virtual, nos moldes utilizados pelos tribunais brasileiros,
enseja na densificação da pseudocolegialidade, em virtude da promoção da des-
naturalização do órgão colegiado, tendo em vista a eliminação do diálogo entre
os membros da turma julgadora.
Evidencia-se, ainda, que tal forma de julgamento expurga a publicidade
da deliberação, visto que cada julgador irá proferir seu voto de forma isolada
dos demais, nos respectivos gabinetes, impossibilitando a fiscalização de toda
a sociedade ao exercício da função jurisdicional, notadamente pelo fato de que
somente as partes podem efetuar oposição ao julgamento virtual.
O presente texto visa demonstrar que a mudança paradigmática empre-
endida pelo Código de Processo Civil 2015 ao disciplinar no Livro I as normas
fundamentais pretendem delimitar a atuação dos sujeitos processuais para a for-
mação comparticipada e policentrica da decisão jurídica. Assim, será apresentado
o julgamento virtual e a densificação da pseudocolegialidade (falsa colegialidade),
visto que a adoção do plenário virtual, sem qualquer racionalidade processual
constitucional de uso, estabelece o esvaziamento completo do diálogo.
O objetivo deste trabalho é demostrar que a adoção do julgamento vir-
tual, nos moldes como tem sido empregada pelos tribunais brasileiros agrava a
ausência de deliberação nos tribunais, sendo a decisão pluripessoal fruto de uma
atuação teatral e solitária do julgador relator.

2 A MUDANÇA PARADIGMÁTICA EMPREENDIDA PELO


NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/2015)

Com a constante e inacabada construção do Estado Democrático de Di-


reito tornou-se fundamental atribuir outra roupagem à decisão jurídica, diante
da necessidade de se garantir a efetiva participação dos destinatários na formação
comparticipada do provimento final.
A atuação do juiz no Estado Democrático de Direito é de zelador das
garantias processuais aos jurisdicionados. Assim, a literatura jurídica tem desem-
penhado relevante tarefa de revisitar os institutos jurídicos com o compromisso de
ressignificar-los, bem como de perquirir a compatibilidade de eventuais práticas
adotadas pelos tribunais com processo jurisdicional democrático.
Com maior intensidade busca-se desconstruir as bases alicerçadas pu-
ramente no instrumentalismo processual, bem como expurgar as práticas que
não coadunam com o processo jurisdicional democrático. Nesses termos, restou
latente a necessidade de se retirar por completo a concepção no sentido de que ao

46
juiz é atribuído um privilégio cognitivo, devendo o processo ser entendido como
um espaço procedimental discursivo, visto que todos os sujeitos processuais, de
forma igualitária, participação da formação do provimento final, tendo como
viga mestra o policentrismo e comparticipação processual (NUNES, 2009).
Assim, as garantias e os direitos fundamentais estabelecidos constitucio-
nalmente são as diretrizes basilares do processo no paradigma do Estado Demo-
crático de Direito, devendo ser incorporadas na prática processual, renovando
todo o seu formalismo4.
Explicita Nunes (2009):

Deve-se vislumbrar que o processo estruturado em perspec-


tiva comparticipativa e policêntrica, não mais embasado no
protagonismo de qualquer sujeito processual (juiz, partes,
advogados), mas, na sua atuação responsável, competente
(Handlungskompetenz) e interdependente, ancorado nos
princípios processuais constitucionais, impõe um espaço
público no qual se apresentam as condições comunicativas
para que todos os envolvidos, assumindo seu respectivo
papel, participem na formação de provimentos legítimos
que permitirá a clarificação discursiva das questões fáticas
e jurídicas.
Garante-se, desse modo, a cada afetado a exposição de
razões relevantes para determinação do tema a ser debati-
do e julgado endoprocessualmente, dentro de uma linha
temporal, de uma fixação adequada do objeto de discussão
e de uma distribuição dos papéis a serem desenvolvidos44,
em um espaço público processual moldado pelos princípios
do modelo constitucional de processo, notadamente o con-
traditório como garantia de influência e de não-surpresa.
O processo, em perspectiva comparticipativa, embasado
nos princípios processuais constitucionais, fixa os limites
de atuação e constitui condição de possibilidade para que
todos os sujeitos processuais discutam argumentos nor-
mativos para formação da decisão mais adequada a cada
caso em análise.

As garantias processual-constitucionais forjam um renovado formalismo constitucional, que induz a


4

mantença tão somente das técnicas processuais (instrumentalidade técnica) embasadas em fundamentos
constitucionalizados (NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre.Processo, jurisdição e processualismo
constitucional democrático na América Latina: alguns apontamentos. Revista Brasileira de Estudos
Políticos, Belo Horizonte, n. 101, p.61-96, jul./dez. 2010. Disponível em: <https://goo.gl/aedGmR>.
Acesso em: 6 nov. 2017).

47
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A partir de tais premissas, evidencia-se que a mudança inaugurada pelo


Novo Código de Processo Civil objetiva promover um ambiente processual de
igualdade entre todos os sujeitos processuais, acabando com toda atuação privi-
legiada seja do juiz ou das partes. Theodoro Júnior et al. (2015, p. 70) leciona:

Uma das bases da perspectiva democrática, trazida no Novo


CPC, reside na manutenção da tensão entre perspectivas
liberais e sociais, impondo que a comunidade de trabalho
deva ser revista em perspectiva policêntrica e comparticipa-
tiva, afastando qualquer protagonismo e se estruturando a
partir do modelo constitucional de processo, induzindo a
convivência de poderes diretivos e gerenciais do juiz com
uma renovada autonomia privada das partes e dos advoga-
dos (como v.g., na cláusula de negociação processual – art.
189), mediante as balizas do contraditório como garantia
de influência (art. 10) e na fundamentação estruturada
(art. 486) que fomentarão o melhor debate de formação
decisória, que permitirá a diminuição das taxas de recursos
e, ainda, imporá a diminuição do retrabalho processual na
medida em que todos deverão exercer na primeira vez sua
atividade com alta responsabilidade. Diversamente de hoje,
em que as atividades processuais exercidas com superficiali-
dade induzem a prática do mesmo ato processual (decisões,
por exemplo) inúmeras vezes no mesmo procedimento em
devido processo.

Denota-se, por conseguinte, que não é possível sustentar na atualidade a
compreensão do processo por meio da ótica da teoria relação jurídica, visto que
o processo não é um instrumento para a realização da jurisdição, assim como
por inexistir qualquer privilégio cognitivo ao julgador.
Pontuam Bahia e Nunes (2010, p. 84-85):

Em assim sendo promove uma análise do sistema proces-


sual que suplanta a mera interpretação técnica e dogmática
ao verificar as grandes características e questões latentes no
direito processual brasileiro, que padecem de peculiarida-
des no contexto de sua aplicação.
Nesses moldes, tornar-se-ia necessário o aumento da im-
portância do processo constitucional, mas ao mesmo tem-

48
po com rechaço das formalidades exacerbadas e das decisões
judiciais solitárias (solipsismo judicial), como alguns ainda
defendem com ares de novidade.

Nesses termos, promovendo uma mudança paradigmática o Novo Código


de Processo Civil brasileiro (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) disciplina na
parte geral5, livro I, capítulo I, as normas fundamentais do Processo Civil, que
disciplina expressamente a constitucionalização das normas processuais civis6.
Trata-se de positivar no bojo do Código de Processo Civil as garantias
processuais constitucionais, de modo a evidenciar a imprescindibilidade consubs-
tanciada no sentido de que todas as normas infraconstitucionais devem guardar
estrita observância aos ditames constitucionais, devendo ser esse o pressuposto
de atuação de todos os sujeitos processuais, para a formação do provimento final.
A constitucionalização contida nos dispositivos normativos do “Capítulo
I – Das normas fundamentais do Processo Civil” foi um dos objetivos da comissão
na elaboração do novo Código de Processo Civil, nos termos da exposição de
motivos da comissão do anteprojeto7, advindo do movimento de constitucio-
nalização do Direito, iniciado no início do século XX8.
Nesse sentido, os 12 (doze) primeiros artigos do novo Código de Processo
Civil, abrangendo regras e princípios e não sendo um rol taxativo, inauguram
a positivação da constitucionalização das normas processuais civis e, por conse-
guinte, do devido processo constitucional.

5
Registra-se que sob o prisma da organicidade e coesão objetivadas pela comissão de juristas que elaboram
o novo Código de Processo Civil a criação de uma parte geral no vigente código (SCHMITZ, Leonard
Ziesemer. A Teoria Geral do Processo e a Parte Geral do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR.
Fredie (coord.) Novo CPC doutrina selecionada: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 103).
6
Didier Jr. pontua: “O CPC, com clara inspiração no CPC português, dedicou o seu primeiro capítulo a
apresentar um pequeno elenco com as normas fundamentais do processo civil brasileiro – arts. 1º a 12
(DIDIER JR, Fredie. CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários ao novo
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1).
7
Consta na exposição de motivos da comissão do anteprojeto: “poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão
se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1. Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia
fina com a constituição federal [...]. Esta Exposição de Motivos obedece à ordem dos objetivos acima listados.
1 a Necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da
República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na versão
processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais,
como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à
decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”. Está expressamente
formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa
a obediência ao princípio do contraditório”.
8
CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão Processual do Princípio do Devido processo Constitucional. In:
DIDIER JR. Fredie (coord.). Novo CPC doutrina selecionada: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2015.
v. 1, p. 246.

49
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Em tais artigos vemos a posição infraconstitucional da garantia processual


da duração razoável do processo (art. 4º), boa-fé processual (art. 5º), cooperação
e a primazia do julgamento do mérito (art. 6º), igualdade processual (art. 7º),
vedação de decisão surpresa (art. 10), publicidade e fundamentação das decisões
(art. 11).
Nota-se que alguns dispositivos são a reprodução das normas constitucio-
nais, tornando mais evidente à assertiva de que toda a aplicação e interpretação
das disposições normativas processuais civis devem estar em consonância com
o texto magno da Constituição Federal/889.
O Novo Código de Processo efetivou a construção de um arcabouço
normativo que visa implementar a concepção de que toda a atuação dos sujeitos
processuais deve se dar por meio da boa-fé processual, de forma cooperativa, com
estrito respeito ao contraditório dinâmico entendido como garantia de influência
e não surpresa, para a construção do provimento final.
Nesses termos, o processo jurisdicional democrático deve ser “[...] isonô-
mico, que se desenvolve em contraditório, perante o juízo natural, que proferirá
decisões fundamentadas, alcançando-se seu resultado final em tempo razoável”10.
A partir da compreensão do processo jurisdicional democrático a decisão
colegiada deve ser o resultado da participação de todos os sujeitos processuais,
em simétrica paridade, com a estrita observância a boa-fé, cooperação, igualdade,
devendo o julgador zelar pelo efetivo contraditório dinâmico, não proferindo
decisão surpresa, padecendo, por conseguinte, o julgador relator de qualquer
privilégio cognitivo sobre o julgamento da demanda que lhe é posta.

3 A VELHA PROBLEMATICA DA PSEUDOCOLEGIALIDADE

A colegialidade das decisões entendida como o somatório dos votos profe-


ridos pelos membros da turma julgadora enseja na efetiva deliberação interna do
órgão colegiado e deste com as partes, em um verdadeiro contraditório dinâmico,
com o enfrentamento da identidade do arcabouço argumentativo ofertado, por
meio da irresignação recursal.
Assim, partindo-se do horizonte que a baliza estruturante dos tribunais é o
julgamento empreendido pelo colégio decisor, especialmente pelo fato de que em
nosso sistema processual civil, superada as hipóteses de inadmissibilidade recursal,


9
DIDIER JR.; CABRAL; CRAMER, op. cit., p. 2.
10
CÂMARA, op. cit., p. 248.

50
por ausência de algum dos requisitos de admissibilidade (art. 932, III, CPC),
somente é cabível o enfretamento do mérito recursal pelo relator, dando-lhe ou
negando-lhe provimento, em delegação de competência da respectiva turma jul-
gadora, nas hipóteses em que sua decisão representar uma verdadeira ratificação
ao entendimento já consolidado pelos tribunais superiores por meio de súmula,
acordão proferido em julgamento de recursos repetitivos e em entendimentos
firmados em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica
ou de assunção de competência (art. 932, IV e V, CPC), a pseudocolegialidade
mostra-se um grande problema a ser enfrentado, sendo, inclusive, densificado
com a adoção do julgamento virtual pelos tribunais brasileiros.
A pseudocolegialidade que nada mais é do que a falsa colegialidade evi-
denciada pelo mecânico “[...] de acordo com o relator [...]” não é uma questão
nova como já pontou Moreira (1997):

Aumenta de modo considerável a probabilidade de votos


pouco meditados. Recorre-se com maior frequência, de
ordinário, à saída cômoda do puro e simples “de acordo
com o relator”. A suscitação de preliminares ou questões
de ordem e o próprio exercício, pelo (s) advogado (s),
do direito de sustentar oralmente suas razões costumam
provocar reações mal disfarçadas de impaciência, quando
não de irritação. A pressa de chegar ao termo da jorna-
da pode impor aos julgamentos ritmo por demais célere,
quiçá tumultuá-los, com consequências que facilmente se
adivinham.

Nesses termos, é o apontamento de Theodoro Junior et al. (2015, p. 148,


400):

Ademais, o “tradicional” modo de julgamento promovido


pelos Ministros (e desembargadores), que, de modo uni-
pessoal, com suas assessorias e sem diálogo e contraditório
pleno entre eles e com os advogados, proferem seus votos
partindo de premissas próprias e construindo fundamen-
tações completamente díspares, não atende a esse novo
momento que o Brasil passa a vivenciar.
[...]
Esse movimento merece muita atenção e cuidado quando
se percebe que esse uso de precedentes ainda desafia vá-

51
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

rias intempéries, como a da aqui nominada “pseudocole-


gialidade”: tal fenômeno, que vem sendo justificado pela
quantidade de processos nos tribunais, ocorre quando as
decisões, que deveriam ser efetivamente colegiadas, são
proferidas monocraticamente pelo relator, sem que haja
real pacificação de entendimentos sobre o caso julgado, ou
mesmo, de modo mais perverso, quando a decisão fruto
de uma turma, é, de fato, a decisão monocrática do relator
no qual os demais julgadores do colegiado simplesmente
chancelam com um superficial “de acordo”, que põe muitas
vezes significar “não olhei, mas acho que concordo com
o relator.

A densificação da pseudocolegialidade pela adoção do julgamento virtual


consubstancia-se na total ausência de diálogo (deliberação) entre os membros do
órgão colegiado, ainda que por vídeoconferência, estabelecendo uma desnatu-
ralização dos julgamentos pluripessoais em razão da eliminação do debate entre
os membros da turma julgadora.
Constata-se, ainda, que o plenário virtual na remota hipótese da existência
de diálogo entre os julgadores, elimina a publicidade da deliberação, notada-
mente, pelo fato de cada julgador proferirá seu voto de forma individualizada no
seu gabinete, impedindo a fiscalização do procedimento de tomada da decisão
pela sociedade.

4 JULGAMENTO VIRTUAL

O Novo Código de Processo Civil disciplina um sistema misto para a


realização dos atos processuais ora em autos físicos, ora em autos eletrônicos,
conforme se depreende dos arts. 193 a 199, 213, do § 2º, do art. 229, 246, 270 e
513. Disciplinava o CPC/15 antes da alteração dada pela Lei nº 13.105 a prática
do julgamento virtual no art. 945, possuindo a seguinte redação:

A critério do órgão julgador, o julgamento dos recursos e


dos processos de competência originária que não admitem
sustentação oral poderá realizar-se por meio eletrônico.
§ 1º O relator cientificará as partes, pelo Diário da Justiça,
de que o julgamento se fará por meio eletrônico.
§ 2º Qualquer das partes poderá, no prazo de 5 (cinco)

52
dias, apresentar memoriais ou discordância do julgamento
por meio eletrônico.
§ 3º A discordância não necessita de motivação, sendo apta
a determinar o julgamento em sessão presencial.
§ 4º Caso surja alguma divergência entre os integrantes do
órgão julgador durante o julgamento eletrônico, este ficará
imediatamente suspenso, devendo a causa ser apreciada
em sessão presencial.

Em tal forma de julgamento o relator incluirá o feito a ser julgado em


uma sessão virtual, sendo que os demais componentes da turma julgadora irão
proferir seu voto no ambiente virtual, nos respectivos gabinetes com a dispen-
sabilidade da sessão presencial.
Na dicção do revogado § 4º, do art. 945, CPC/15 em caso de diver-
gência, o julgamento do feito deveria ser suspenso, passando a ser julgado em
sessão presencial, notadamente em virtude da possível aplicabilidade da técnica
de ampliação da colegialidade estabelecida, no art. 942, do diploma processual
citado. Pontue-se que embora o art. 945, CPC/15 tenha sido revogado pela Lei
nº 13.256/2016, a prática do julgamento virtual continua a ser efetivada pelos
tribunais brasileiros, sendo disciplinada nos regimentos internos dos tribunais.
Já nos julgamentos empreendidos pelo plenário virtual perante o Supe-
rior Tribunal de Justiça há a figura do ora denominado “[...] de acordo com o
relator automático [...]”, visto que a não manifestação dos integrantes da turma
julgadora, no prazo de 7 (sete) dias, gera a aquiescência do ministro que deixou
de manifestar as razões da sua decisão ao voto proferido pelo relator do recurso.

Art. 184-F. A não manifestação do Ministro no prazo de


sete dias corridos previstos no art. 184-E acarretará a adesão
integral ao voto do relator.
§ 1º O disposto no caput não se aplica ao Ministro que
deixar de votar por motivo de impedimento ou suspeição
ou por licença ou afastamento que perdurem os cinco úl-
timos dias de votação.
§ 2º O processo será excluído da pauta de julgamento
virtual nas hipóteses em que, no prazo do parágrafo único
do art. 184-D, qualquer integrante do Órgão Julgador
expresse não concordância com o julgamento virtual, se
acolhida a oposição feita por qualquer das partes, pelo
defensor público ou pelo Ministério Público ou se houver
o deferimento de sustentação oral.

53
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

§ 3º Aplicam-se ao julgamento virtual, no que couber, as


disposições dos arts. 55 e 103, §§ 6º e 8º.
Art. 184-G. Findo o prazo de sete dias corridos de que
trata o art. 184- E, o sistema contará os votos e lançará, de
forma automatizada, na plataforma eletrônica, o resultado
do julgamento.

Outra peculiaridade advinda da adoção do plenário virtual, perante o


Supremo Tribunal Federal, reside no fato do ministro que deixar de manifestar
poderá ser sorteado na redistribuição, se vencido o relator, para redigir o acordão,
nos termos do art. 324, § 3º, do RISTF, in verbis:

Art.  324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os


demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio
eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifes-
tação sobre a questão da repercussão geral.)
[...]
§ 3º No julgamento realizado por meio eletrônico, se ven-
cido o Relator, redigirá o acórdão o Ministro sorteado na
redistribuição, dentre aqueles que divergiram ou não se
manifestaram, a quem competirá a relatoria do recurso
para exame do mérito e de incidentes processuais.

Nesse esteio, evidencia-se que a adoção da forma de julgamento virtual,


nos moldes como tem sido empregada pelos tribunais brasileiros, sem uma ra-
cionalização processual democrática de uso, enseja na desnaturalização do órgão
colegiado, visto que elimina o diálogo entre os membros do colégio julgador.
De igual maneira, o julgamento virtual expurga a publicidade da decisão,
diminuindo, por conseguinte, a possibilidade de fiscalização de toda a sociedade
do exercício da função jurisdicional, especificamente pelo fato de que somente
as partes podem efetuar a oposição ao julgamento virtual.
Todavia, evidencia-se que tal forma de julgamento pode contribuir para
a promoção da razoável duração do processo, visto que por meio da ferramenta
digital o julgamento do pedido na instância revisora pode ser de maneira mais
ágil, viabilizando, por conseguinte, a diminuição do aparelho estatal.
Depreende-se, por conseguinte, que é indispensável, para a correta ado-
ção dos julgamentos virtuais, o desenvolvimento de recursos tecnológicos que
permitem a promoção das garantias processuais, não que agravando mais os
problemas processuais já existentes no nosso sistema processual.

54
Diante de tais considerações, nota-se que em virtude da adoção do jul-
gamento virtual pelos tribunais brasileiros temos a necessidade de criação de
mecanismos que objetivam a expurgação dos problemas atinentes à eliminação
da colegialidade e, por conseguinte, da densificação da pseudocolegialidade, bem
como da ausência de publicidade na formação da decisão pluripessoal.

5 CONCLUSÃO

A necessidade de uma construção efetivamente participada do mérito,


garantindo-se o efetivo contraditório dinâmico, o devido processo legal, deve
nortear a atuação de todos os sujeitos processuais.
O Novo Código de Processo Civil ao estabelecer as normas fundamen-
tais que irão embasar a atuação das partes durante toda a marcha processual
representou uma efetiva mudança paradigmática, visto que todos os sujeitos
processuais devem desempenhar a sua função endoprocessualmente de maneira
comparticipada e policentrica para a formação da decisão final.
Nesses termos, a formação da decisão colegiada deve ser o fruto do con-
traditório dinâmico entre todos os sujeitos processuais. Ou seja, os julgadores
do órgão colegiado devem dialogar entre si e com as partes.
Assim, o presente ensaio objetivou explicitar que a adoção do julgamento
virtual (plenário virtual), nos moldes como tem sido empregado pelos tribunais
brasileiros, promove um total esvaziamento da colegialidade, enraizando a velha
problemática acerca da pseudocolegialidade no âmbito dos tribunais brasileiros.
Além de fortalecer a velha prática do “de acordo com o relator” cria a
figura da aquiescência automática ao voto do relator e permite, ainda, que, se
vencido o relator, o julgador silente, que deixou de votar no plenário virtual,
possa ser o relator do acordão.
No julgamento virtual torna mais latente a constatação que o voto do
relator em nosso sistema processual representa um convite à adesão, não um
convite à deliberação. Assim, o julgamento virtual, nos moldes como tem sido
empregado pelos tribunais brasileiros agrava a ausência de deliberação, sendo a
decisão pluripessoal fruto de uma atuação solitária do julgador relator.
Nesse sentido, a formação da decisão colegiada se dá de forma teatral,
em virtude de ser o resultado da atuação singular do julgador relator, em razão
da ausência de diálogo com os demais membros integrantes do órgão colegiado.

55
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

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Sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

57
COMO CONSTRUIR UMA INTERPRETAÇÃO GARANTISTA
DO PROCESSO JURISDICIONAL?
HOW TO BUILD A GUARANTEE-ORIENTED INTERPRETATION
OF THE JURISDICTIONAL PROCESS?

Lúcio Delfino*

RESUMO: O artigo aponta possibilidades para uma interpretação garantista


do processo jurisdicional, em atenção ao seu ser constitucional, bem assim
ao papel fundamental que desempenha (ou que deveria desempenhar) em
compromisso com a preservação da liberdade das partes na arena processual.

Palavras-chaves: Garantismo processual. Devido processo legal. Liberalismo.


Ciência processual. Jurisdição.

ABSTRACT: the article presents possibilities towards a guarantee-oriented


interpretation of the jurisdictional process, considering its constitutional being,
as well as the base role such process plays (our should play) in commitment
with the preservation of the liberty of the parties in the process field.

Keywords: Guarantee oriented procedural. Due law process. Liberalism.


Procedural science. Jurisdiction.

SUMÁRIO:1 A metáfora Matrix e a depredação do processo por lentes


estatólatras de compreensão. A baixa constitucionalidade e o desdém ao devido
processo legal. 2 O social-liberalismo encampado pela Carta Constitucional de
1988. Ideologia política, jurisdição e processo. Os percursos escolhidos para
esta breve jornada. 3 O papel da jurisdição no Estado Democrático de Direito.
O amesquinhamento do processo por uma compreensão enviesada decorrente
da transposição de topoi político-ideológicos estranhos à sua gênese. O devido
processo legal como garantia fundamental compromissada com a preservação
da liberdade. 4 O artigo escrito por Eduardo José da Fonseca Costa em prol
do desvelamento da gênese do processo. A pergunta pelo ser constitucional
*
Pós-doutor em Direito (UNISINOS). Doutor em Direito (PUC-SP). Diretor da Associação Brasileira de
Direito Processual (ABDPro). Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro do Instituto
dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro).
Advogado.

59
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

do processo como condição apriórica de possibilidade da ciência processual. O


desencaminhamento promovido por correntes dogmáticas que desenraizaram o
processo da Constituição. O processo em sua institucionalidade garantística e seu
papel de contenção de abusos e desvios no exercício da atividade jurisdicional.
5. Considerações finais. Acepções inautênticas e generalizadas sobre o processo.
O processo encarado a partir de uma leitura forte do devido processo legal.

1 A METÁFORA MATRIX E A DEPREDAÇÃO DO PROCESSO


POR LENTES ESTATÓLATRAS DE COMPREENSÃO. A BAI-
XA CONSTITUCIONALIDADE E O DESDÉM AO DEVIDO
PROCESSO LEGAL

Há um gravíssimo vezo no domínio do direito processual notabilizado


por uma espécie de miscelânea retórico-argumentativa cada vez mais comum
hodiernamente. É que a construção teórica e legislativa segue sendo forjada
segundo miradas cujo compromisso capital está sobretudo no apoderamento
judicial, em desprezo à gênese que caracteriza mais de perto a instituição que é
o processo. O estrago causado por esse tipo de postura tem se pronunciado dia a
dia na praxe forense e ajuda a desvelar por qual razão o Direito é cotidianamente
depredado por arbitrariedades de toda sorte.
Não que seja uma obviedade facilmente percebível, pois desponta tão so-
mente a partir de um doloroso empenho de des-vivicação da própria experiência
de mundo na qual todos estamos mergulhados. Por aqui há tempos o paroquia-
lismo doutrinário fez soberano o ensino do direito processual encimado em bases
publicistas (ou hiperpublicistas), cujas elaborações teórico-conceituais privilegiam
exatamente uma compreensão que prima a jurisdição pela superioridade.
A diluição do processual pelo jurisdicional é um fenômeno deveras real,
uma promiscuidade oriunda de pré-juízos que se enraizaram na tradição jurídica
pela labuta impactante e serial da dogmática durante longo trajeto histórico, a
ponto de fazer com que antevejamos o processo por uma via de pensamento
profundamente aferrada à perspectiva da atividade jurisdicional e dos seus (de-
nominados) escopos sociais, políticos e jurídicos. Grosso modo, ecoa de ponta
a ponta no País o mantra: o processo é de somenos importância, ancilar e
subserviente, mero instrumento a serviço da jurisdição.
Já é hora, pois, de desvelar e destruir algumas compreensões alcançadas
no interior da tradição e que foram se sedimentando até constituírem o com-
portamento assumido de modo geral pelos profissionais do direito na atualidade.

60
Algo como tomar “pílula vermelha”, expandir a percepção a fim de enriquecer
horizontes em socorro ao conhecimento do processo tal como ele é. Não por
deleite teórico, vaidades ou coisas do gênero, mas porque só assim se dará o
giro paradigmático, passo absolutamente necessário para salvaguardar teoria e
prática processuais da baixa constitucionalidade na qual se encontram atoladas.

2 O SOCIAL-LIBERALISMO ENCAMPADO PELA CARTA


CONSTITUCIONAL DE 1988. IDEOLOGIA POLÍTICA, JU-
RISDIÇÃO E PROCESSO. OS PERCURSOS ESCOLHIDOS
PARA ESTA BREVE JORNADA

Tenha-se em mente que o social-liberalismo é a base político-ideológica


subjacente à Carta Constitucional em vigor, que ilumina o curso da ordem
econômica, financeira, jurídica, educacional e assistencial. Se outrora estavam
os brasileiros suspensos entre liberalismo e estatismo, hoje, porém a opção
manifesta é por uma convergência de ideologias.1
Não se tem, por isso, um liberalismo infenso à justiça social, e sim uma
proposta político-normatizada cujo mote é o continuado balanceamento de va-
lores liberais e sociais entremeados em diversas conjunturas: embora dotado de
muitas atribuições, o Estado não é (não deve ser) exclusivista, não é seu mister
monopolizar a exploração econômica, mas tão-somente regular a economia para
reprimir abusos, não lhe sendo lícito operar em conflito com a livre iniciativa,
salvo em hipóteses expressamente previstas na Constituição.2
De maneira pontual, os principais traços característicos do social-libe-
ralismo são: i) o individualismo egoísta do liberalismo clássico cedeu espaço
ao individualismo altruísta e progressista, que enxerga uma conexão entre os
homens por laços de simpatia e atenção; ii) diante do fracasso do livre comércio
e da inviabilidade da empresa privada sem restrições, o capitalismo se submeteu
a uma regulação destinada a promover prosperidade, harmonia na sociedade
civil e a redução das desigualdades de pontos de partida; iii) o Estado mínimo
dos liberais radicais (incapaz de corrigir as injustiças e desigualdades) e o Estado
máximo dos socialistas marxistas (pesado, ineficaz e opressivo) cedem lugar a
um Estado fiscal e ágil, a um “liberalismo de Estado” que ajuda as pessoas a se
ajudarem, intervindo na economia e promovendo serviços de bem-estar social
(saúde, segurança e educação); iv) a liberdade negativa dos liberais clássicos foi
1
REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o conflito das ideologias. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 43-51.
2
REALE, 2010, loc. cit.

61
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

superada por uma liberdade positiva, isto é, pela ideia de que a liberdade também
pode ser ameaçada pelas desigualdades sociais e desvantagens intensas.3
O que isso, entretanto, importa ao direito processual? Ora, ideologias
políticas exercem sugestão indeclinável sobre a forma como se visualizam a or-
ganização administrativo-funcional do Estado-juiz, o modo de formularem-se as
decisões judiciais, a maneira de ocupação dos cargos judiciários e de apoio, e os
objetivos, as metas e as tarefas que cabem ao Estado no desempenho específico
da função jurisdicional.4 Tendo isso em consideração, um pequeno esforço é
suficiente para se concluir que influxos ideológicos também se mostram capazes
de fomentar ingerências sobre a apreensão e manejo da instituição (processo)
que legitima a atuação jurisdicional e o seu resultado.5 Indo direto ao ponto: o
substrato de inúmeras concepções e construções dogmático-processuais preten-
samente técnicas tem por fundamento reflexos oriundos da transposição de topoi
político-ideológicos imperantes em determinado tempo e espaço,6 cuja difusão
devotada, massiva e equivocada corroborou para calcificar camadas e camadas de
compreensão que obnubilam àquilo que o processo possui de mais distintivo.7
E tudo se complica em países onde o senso comum teórico assume pela
jurisdição especial afeição, tomando-a inclusive como centro gravitacional da

3
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Los critérios de la legitimación jurisdicional según los activismos
socialista, facista y gerencial. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21,
n. 82, p. 205-216, abr./jun. 2013. Vale a lembrança que esse trabalho serviu de base à palestra ganhadora
do Prêmio “Humberto Briseño Sierra”, proferida pelo autor, em 19 de outubro de 2012, na ocasião do
XII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista, na cidade de Azul, Argentina.
4
COSTA, Eduardo José Fonseca. Uma espectroscopia ideológica do debate entre garantismo e ativismo.
In: DIDIER JR., Fredie et al. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 171-186.
5
Juan Montero Aroca elucida que a origem das concepções assumidas pelos estudiosos acerca do processo
é de ordem política, embora muitas vezes ocultada sob o manto da técnica processual. Sobre o tema:
MONTERO AROCA, Juan. Sobre el mito autoritário de la buena fe procesal. In: ________. (coord.).
Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, 2. ed. Valencia: Tirant
lo Blanch, 2011, p. 292-352.
6
COSTA, 2015.
7
Nessa linha, leciona João Maurício Adeodato que “[...] toda dogmática jurídica é necessariamente ideológica,
daí a necessidade de compreender a relativa autonomia do direito dogmático em relação à moral. O conteúdo
ideológico atravessa toda a estrutura da dogmática por estar contido no próprio dogma e, como bem nota
Viehweg, não se deve preterir determinada teoria jurídica sob a pecha de ‘mera ideologia’, haja vista que
todo discurso dogmático segue uma linha ideológica, e não descritiva, buscando como efeito a crença, e
não o conhecimento neutral de seus postulados. Mesmo assente este fato, pode-se notar uma constante
preocupação de ‘desideologizar’ a ação social do pensamento dogmático, emprestando ao direito um
conteúdo eminentemente técnico e fazendo com que o sistema jurídico e suas normas, embora elaborados a
partir desta ou daquela ideologia, passem a funcionar o mais possivelmente desvinculados de seus pontos de
partida, reduzindo ao mínimo o inevitável pano de fundo ideológico. ‘Este mundo jurídico pode funcionar,
pois, sem reflexões ideológicas; naturalmente, não porque esteja livre de ideologias e sim porque a ideologia
trivial, que se pressupõe e não se discute, tenha sido dogmatizada de uma maneira tecnicamente perfeita’
(Viehweg).” (ADEODATO, João Maurício. Ética & Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica, 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 161).

62
Teoria do Processo.8 Não é à toa que a aludida transposição dos topoi políticos-
-ideológicos ganha ares sobranceiros no Brasil, fazendo com que técnicas legis-
lativas sejam elaboradas e interpretadas a partir de lentes desvirtuadas de uma
específica perspectiva histórico-cultural que lhes deveria servir de modelo. Entre
nós, processo e direito processual surgem amesquinhados por pré-conceitos
inautênticos que doutrina e prática forense gradualmente consolidaram.
Mas, o que afinal torna equivocado encarar o processo com os olhos da
jurisdição, qual o problema dessa cegueira epistemológica em relação ao ser pro-
cessual, e precisamente que mal habita esse tipo de (im) postura hermenêutica?
A resposta a essas questões demanda um trabalho de decomposição da coisa
em exame voltado a desobstruir estruturas teóricas prévias já encrostadas a fim
de, em última análise, demonstrar que o ativismo judicial, as correntes teóricas
que o subjazem e as suas consequências corrosivas estão longe de serem autoevi-
dentes ou sustentáveis a partir de um horizonte fundado constitucionalmente.
Conquanto diversos os caminhos segundo os quais a empreitada poder-se-
-ia alcançar seu desiderato, optou-se por duas vertentes: i) a histórico-ideológica,
tendo-se em vista uma investigação centrada nas origens do devido processo legal;
e ii) a filosófica, cuja base é um artigo de Eduardo José da Fonseca Costa, escrito
sob a influência da ontologia fenomenológica de Martin Heidegger.

3 O PAPEL DA JURISDIÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO


DE DIREITO. O AMESQUINHAMENTO DO PROCESSO
POR UMA COMPREENSÃO ENVIESADA DECORRENTE
DA TRANSPOSIÇÃO DE TOPOI POLÍTICO-IDEOLÓGI-
COS ESTRANHOS À SUA GÊNESE. O DEVIDO PROCESSO
LEGAL COMO GARANTIA FUNDAMENTAL COMPROMIS-
SADA COM A PRESERVAÇÃO DA LIBERADE

Ninguém ancorado à realidade atribuiria à jurisdição hoje, pós Consti-


tuição de 1988, função restrita a ordenar e resolver os conflitos que pululam na
Nas palavras de Gumerato Ramos (tradução livre): “[d]entro desse panorama de propor a organização dos
8

Institutos Fundamentais seguindo a ordem jurisdição, ação e processo, o discurso da doutrina foi sempre
uniforme e legitimador do Poder estatal como o grande dirigente e protagonista da cena processual, e por
isso a jurisdição é trabalhada como o polo metodológico preponderante. A partir daí a doutrina passou a
valorizar a importância dos Institutos Fundamentais, porém sempre com o enaltecimento da jurisdição
(= Poder) por sobre o processo (= Garantia) e a própria ação (= Liberdade). Como já assinalado, isso se
verifica na forma como os livros de teoria geral do processo metodicamente organizam o assunto, de regra
principiando pela exaltação/explicação sobre a jurisdição, sendo a ação e o processo tratados sempre após
aquela.” (RAMOS, Glauco Gumerato. Proceso jurisdicional, Repúplica y los Institutos Fundamentales del
derecho procesal. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 22, n. 88,
p. 251-272, out./dez. 2014, grifo nosso).

63
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

sociedade. Seu papel segue para além disso, evidentemente. Opera também em
prol da concretização do projeto constitucional, promovendo por conseguinte
espécie de (re)engenharia social. O exemplo da Constituição brasileira é ideal,
pois analítica que é, abrange inúmeras questões pautadas por direitos funda-
mentais de distintas dimensões, tradicionalmente decididas com exclusividade
no âmbito político.
Parece não haver dúvida de que – parafraseando Lenio Luiz Streck – o
paradigma do Estado Democrático de Direito, com enfoque no Brasil onde o
coeficiente de promessas incumpridas da modernidade é muito elevado, liga-se
inexoravelmente à função transformadora que o Direito e a jurisdição consti-
tucional assumem na atualidade. A especificidade da Constituição brasileira, a
qual contém um leque de direitos fundamentais-sociais com altíssimo grau de
inefetividade, tornou a judicialização algo inescapável. Ou seja, frente à inércia
verificada na atuação do Executivo e Legislativo na concretização de direitos
fundamentais, não se pode abrir mão de certo grau de intervencionismo da
justiça constitucional.9
Mas considerar o valor da jurisdição nos tempos atuais não autoriza o
soterramento daquilo que o processo tem de imanente, tampouco a tratá-lo com
inferioridade, em desatenção às suas raízes histórico-positivas e à ideologia que
o sustenta.10 Muito pelo contrário, porquanto a valorização da atividade jurisdi-
cional, com a sua ingerência em uma diversidade de assuntos, implica rigorosas
cautelas no seu controle para impedir e debelar abusos11 – afinal, uma jurisdição
9
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão judicial. 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 113-
118. É bastante conhecida a distinção feita pelo autor entre judicialização da política e ativismo judicial,
a evidenciar sua preocupação com a atuação judicial desmedida, cujos resultados são discricionariedades e
decisionismos de toda sorte. Em seus textos verifica-se claramente o combate que trava contra o ativismo
judicial e as posições teóricas que encaram o Judiciário como o superego da sociedade. Sobre a distinção
entre ativismo judicial e judicialização da política, consultar também: TASSARINI, Clarissa. Jurisdição e
ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
10
Como demonstra Lenio Luiz Streck, “[...] o processo constitucional, adequadamente concebido, pode
representar um elemento de fundamental importância para evitar que a democracia se transforme numa
judiciariocracia... O elevado grau de autonomia assumido pelo direito nesse novo paradigma acarreta
responsabilidade política cada vez maior ao Poder Judiciário. Por isso, o necessário cuidado – no sentido
coloquial e hermenêutico da palavra (Sorge) – que a comunidade jurídica deve ter com o modo como
a jurisdição constitucional pode e deve ser desenvolvida. Afinal, tudo começa e termina no respeito ao
devido processo legal. Processo: eis a questão!” (STRECK, Lenio Luiz. À guisa de apresentação: o processo
constitucional no novo paradigma do estado democrático de direito.In: ARRUDA ALVIM, Eduardo;
THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT,
2014, p. 11-14).
11
Em interessante pesquisa, Ran Hirschl analisa a transferência de poder das instituições representativas para
o Judiciário, fenômeno por ele designado de juristocracia. Uma tendência crescente, que avança do Leste
Europeu para a América Latina, e atinge sistemas de tradição institucional fundada na soberania parlamentar.
É a crença na legitimidade de se garantir direitos pela via judicial, mesmo que em evidente contraposição
ao poder político parlamentar. Hirschl apresenta o outro lado da moeda mediante uma análise que envolve
a experiência concreta de quatro países que perpassaram pela “revolução constitucional” (Canadá, Nova

64
mais intervencionista traz consigo o risco de discricionariedades, ativismos e
decisionismos judiciais, que só fazem sedimentar intepretações afrontosas a prin-
cípios constitucionais fundantes, entre os quais a própria separação de poderes.12
Em poucas palavras: se é inegável o fato de que a Constituição de 1988 confiou
especial relevo à jurisdição no Estado Democrático de Direito, é igualmente no-
tório o destaque não menos relevante que também atribuiu ao processo devido.
Ou seja, pensar ontologicamente o processo implica um necessário recuo
na tradição em busca de suas origens. A chave está em investigar, em sua alvora-
da, o devido processo legal, previsto na Constituição de 1988 entre os direitos
e garantias individuais e coletivas, matriz fundante do processo em particular, e
da ciência processual de maneira geral.
A ideia mesma envolta no due process of law surgiu com a Magna Carta
Libertatum, outorgada em 1215 pelo João “Sem Terra”.13A expressão, porém,
só mais tarde veio a ser cunhada, utilizada primeiramente no ano 1354, na
Cláusula 3 do 28 Estatuto de Eduardo III, na qual se lia que “[…]no man of
what state or condition he be, shall be put out of his lands or tenements nor taken,
nor disinherited, nor put to death, without he be brought to answer by due process
of law”.14Mais: conquanto de origem anglo-saxã, seu aperfeiçoamento deu-se na
América do Norte, na emergência do fenômeno de constitucionalização dos
direitos humanos ali ocorrido, tendo sido inserido na Quinta (1791) e Décima
Quarta (1868) Emendas da Constituição dos Estados Unidos, cujas redações
serviram de modelo para a Constituição Federal de 1988.15
Zelândia, Israel e África do Sul). Segundo demonstra, hoje praticamente tudo pode ser judicializado, de
maneira que juízes não eleitos pelo povo, sem responsabilização política, assumem-se dia a dia no mundo
como o principal corpo decisório sobre questões importantes para a vida coletiva. (HIRSCHL, Ran.
Towards juristocracy: the origins and consequences of the new constitucionalismo. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 2007).
12
STRECK, 2013.
13
Como leciona Antônio Dória, “[...] a teoria política ocidental deve inegavelmente à Magna Carta a primeira
concepção de um poder político limitado.” (SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direito constitucional
tributário e due processo of law, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 16).
14
STRECK, Lênio Luiz. Conteúdo do princípio: a atuação da Suprema Corte norte-americana. In: ARRUDA
ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional.
São Paulo: RT, 2014, p. 25.
15
Sobre o tema há ampla literatura: ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger;
GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT, 2014; BARACHO, José Alfredo
de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos Contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006;
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito, 3. ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2015; CALMON DE PASSOS, J. J. Democracia, participação e processo. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.; WATANABE, Kazuo (coord.). Participação e
processo. São Paulo: RT, 1988; CATONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002; COSTA, Miguel do Nascimento. Das garantias constitucionais e o devido processo no Estado
Liberal aos direitos fundamentais e o processo justo no Estado Democrático de Direito. Revista AJURIS,
Porto Alegre, v. 42, n. 139, dez. 2015; DEL NEGRI, André. Teoria da Constituição e do Direito
Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009; COSTA, Eduardo José da Fonseca. O processo como

65
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Importa aqui o fato de que o due process ganhou força num contexto polí-
tico-ideológico inegavelmente liberal, pois compromissado quer com a limitação
das ações estatais, quer com o reforço da lei como ordem geral e abstrata. Vale
dizer, o motor ideológico tinha por matriz direitos fundamentais de resistência
(primeira dimensão), fruto das revoluções liberais francesa e norte-americana,
por meio das quais a burguesia reivindicava o respeito às liberdades individuais
e consequentes limitações aos poderes até então absolutos do Estado. Nessa fase
inaugural do constitucionalismo ocidental ansiava-se por pretensões de caráter
negativo, cujos titulares eram os indivíduos.
Na contemporaneidade sabidamente o due process é encarado não apenas
em sua perspectiva procedimental (procedural due processo of law), mas tam-
bém sob um viés substantivo (substantive due process fo law). Esse sentido foi
alavancado nos Estados Unidos em 1798, no caso Calder vs. Bull, firmando-se
o entendimento de que atos normativos, legislativos ou administrativos, que
ferissem direitos fundamentais, ofenderiam por conseguinte o devido processo
legal, a demonstrar que o princípio tem aplicabilidade também fora dos limites
processuais.16 De um lado, salvaguarda direitos fundamentais no âmbito do
procedimento (contraditório, ampla defesa, isonomia, fundamentação e publi-
cidade das decisões judiciais, entre outros), de outro, revela a segurança de que
os direitos fundamentais do indivíduo jamais serão violentados pelo ente estatal
ou por quem quer que seja.17
instituição de garantia. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 16 nov. 2016. Opinião. Disponível em:
<https://goo.gl/awSkCG>. Acesso em: 7 nov. 2017; NERY JR, Nelson. Princípios do processo civil na
Constituição Federal, 8. ed. São Paulo: RT, 2004; LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo
legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999; MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito
Processual Constitucional, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015; LOPES JR., Aury. Direito processual
penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; MATTOS, Sérgio Luíz Wetzel de. Devido processo legal e
proteção de direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009; PORTANOVA, Rui. Princípios do
processo civil, 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; RAMOS, Glauco Gumerato. Proceso
jurisdicional, Repúplica y los Institutos Fundamentales del derecho procesal. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014; DÓRIA, Antônio
Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e due processo of law, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1986; SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001; STRECK,
Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 3. ed. São Paulo: RT, 2013; STRECK, Lenio
Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto: as garantias processuais penais? Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012; TORRES, Artur. Fundamentos de um direito processual civil contemporâneo: Parte
I. Porto Alegre: Arana Editora, 2016; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo
constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
16
STRECK, 2014, p. 28.
17
Consoante lecionam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud, a origem do substantive due process teve lugar
justamente com o exame da questão dos limites do poder governamental, submetida à apreciação da
Suprema Corte norte-americana no final do século XVIII. Já em 1798, no caso Calder vs. Bull, firmou o
entendimento de que os atos normativos, quer legislativos, quer administrativos, que ferirem os direitos
fundamentais ofendem, ipso facto, o devido processo legal e, por tal razão, devem ser nulificados pelo
Judiciário (NERY JR. Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro: curso completo.
São Paulo: RT, 2017, p. 161).

66
Enfim, é preciso ter claro que o devido processo legal (ou como preferem
alguns, o processo legal devido) apresenta, em sua identidade essencial, o
papel garantístico de preservação da liberdade do cidadão; assim foi outrora e
permanece sendo ainda hoje, mesmo diante dos influxos evolutivos que recebeu
ao longo das quadras pelas quais perpassou a história.

4 O ARTIGO ESCRITO POR EDUARDO JOSÉ DA FONSE-


CA COSTA EM PROL DO DESVELAMENTO DA GÊNESE
DO PROCESSO. A PERGUNTA PELO SER CONSTITU-
CIONAL DO PROCESSO COMO CONDIÇÃO APRIÓRICA
DE POSSIBILIDADE DA CIÊNCIA PROCESSUAL. O DE-
SENCAMINHAMENTO PROMOVIDO POR CORRENTES
DOGMÁTICAS QUE DESENRAIZARAM O PROCESSO DA
CONSTITUIÇÃO. O PROCESSO EM SUA INSTITUCIONA-
LIDADE GARANTÍSTICA E SEU PAPEL DE CONTENÇÃO
DE ABUSOS E DESVIOS NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
JURISDICIONAL

O caminho que se segue na sequência tem por alvo o desvelamento do


processo a partir de uma atitude filosófica que assumidamente pretenda o retorno
às coisas mesmas. Ao fim e ao cabo, o objetivo permanece idêntico àquele até
então almejado: alijar a encrosta teórica que, desde há muito, oculta a gênese do
ser processual. É, pois, um embate contra o senso comum teórico.
Embora difícil a empreitada, ela já teve início pelas mãos de alguns juris-
tas, os quais ainda que apegados em bases teóricas diversas, adotam como pauta
comum justamente a peleja na construção do projeto sempre inconcluso do
Estado Democrático de Direito. Entre eles a escolha recaiu sobre Eduardo José
da Fonseca Costa, especificamente porque recentemente elaborou, radicado à
ontologia fenomenológica de Heidegger, texto teórico revelador de riquíssimo
conteúdo e de proveito inconteste para esse trabalho de explicitação dogmática
daquilo que realmente é o processo.18
O ponto de partida é ter em mente que a processualística não é um
livre projeto ou artifício intelectual: ainda que disponha de um sistema de
categorias fortemente estruturado, é cega se antes não esclarece suficientemen-
te o ser constitucional do processo e se não compreende esse esclarecimento
como tarefa fundamental. Afinal de contas, é a Constituição que traça as linhas
mestras estruturais do processo, vale dizer, é a sua plataforma de lançamento
Esse tópico basicamente é um resumo do artigo aludido: COSTA, 2016.
18

67
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

institucional, de maneira que não se pode conceber uma processualística que


não se anteceda de uma constitucionalistica do processo. Implicado em todo
pensamento processual há de estar um pensamento constitucional. A pergunta
pelo ser constitucional do processo é a condição apriórica de possibilidade de
uma ciência processual.19
E uma exploração, mesmo que superficial da Constituição de 1988, é
mais que suficiente para identificar a institucionalidade garantística como o ser
constitucional do processo.20 Processo é instituição de garantia, estando a serviço
dos jurisdicionados, não é instrumento do poder jurisdicional. Enquanto a função
da jurisdição é aplicar imparcialmente o direito, a do processo é garantir que
essa aplicação se faça sem desvios e excessos.21 Lembre-se: na jurislação, o direito
é criado; na jurisdição, o direito é aplicado por terceiro imparcial; na admi-
nistração, o direito é aplicado pela própria parte ou por terceiro não imparcial.

19
Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr. aponta a necessidade de se pensar o processo penal (mas o mesmo
vale para o processo civil) a partir da Constituição. Ensina que somente “a partir da consciência de que a
Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode
compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através
da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se
legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.” Em outro
trecho de sua obra, ensina que o “processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço
do poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor
do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se
confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para
chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse
caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras
do devido processo legal.” LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 41-45).
20
Para uma apresentação do debate envolvendo ativismo vs garantismo: RAMOS, Glauco Gumerato. Activismo
vs. Garantismo en el processo civil: presentación del debate. SOARES, Carlos Hernique et al. (coord.).
Proceso Democrático y Garantismo Procesal. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015, p. 1-13.
21
Sem dúvida que o livro Direito e Razão, de Ferrajoli, encontra lugar certo em toda biblioteca de estudiosos
que seguem uma linha de pensamento garantista. Segundo o jurista italiano, são três as acepções possíveis
da expressão garantismo: i) designa um modelo normativo de direito (precisamente, no que diz respeito ao
direito penal, o modelo de estrita legalidade, próprio do Estado de Direito, que sob o plano epistemológico
se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como
uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como
um sistema de vínculos impostos a função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos); ii)
significa teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas não só entre si, mas também
pela existência ou vigor das normas (a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém
separados o ser e o dever ser no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos
ordenamentos complexos entre modelos normativos, tendencialmente garantistas, e práticas operacionais,
tendencialmente anti-garantistas, interpretando-a com antinomia que subsiste entre a validade dos primeiros
e a efetividade – e invalidade – das segundas; e iii) trata-se de uma filosofia política que requer do direito e
do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia
constituem a finalidade (o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre
validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou
mesmo entre o ser e o dever ser do direito). (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo
Penal, 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 785-788).

68
Na realidade, o que está a serviço da realização do direito material é a
jurisdição, não o processo: ao processo cabe apenas cuidar para que essa rea-
lização não deslize em abusividades. Ou seja, o exercício da jurisdição radica
no processo, é o último que legitima a primeira; não o contrário. Tanto assim
é que o processo é tratado no título da Constituição sobre direitos e garantias
fundamentais, não nos títulos sobre organização do Estado. Mais ainda: processo
é instituição de garantia de liberdade, pois regulado no Capítulo I do Título II,
que cuida sobretudo dos direitos fundamentais de primeira dimensão. Presta-se,
enfim, a resguardar a liberdade das partes em relação ao Estado-juiz.
Acontece que são muitas as correntes dogmáticas desencaminhadas, que
inconfessadamente desenraizam o processo da Constituição e o envolvem em
sobrecargas inconvenientes, esfumaçando-lhe seu ser constitucional e, por con-
sequência, sua institucionalidade garantística. São doutrinas de cunho ativista,
apegadas a uma perspectiva utensiliar, cuja dimensão historial representa exercício
renitente de esquecimento do ser constitucional do processo. O que fazem é
dissolver o processo (que é garantia) na jurisdição (que é poder), como se processo
fosse a própria jurisdição-funcionalmente-manifestada, fazendo-o perder a pró-
pria autonomia ôntica, dando o direito processual lugar a um disforme “direito
jurisdicional”. Derivam de uma processualística orgulhosa, que logrou isolar-se
ou alhear-se, que escapou ao englobamento constitucionalístico, ensimesmou-se
ou se prostituiu, adoecendo de si própria. Esquecem o ser constitucional do
processo por indiferença, e seguem rumo como se fosse legítimo ao processual
recuar para autofundar-se ou fundar-se em extrajuridicidades não constitucionais
(ideologias, interesses, alienações, repressões, teologias, versões de mundo, que
intrusivamente ocupam a suprema posição fundante que deveria caber à Cons-
tituição). A pior dessas doutrinas é a instrumentalidade do processo, fundada
num princípio epocal mântrico sem consistência positivo-constitucional, que
reduz o processo a mero “artefato para boas intenções”, e tem servido como fonte
de compreensão e racionalidade de qualquer manifestação no universo processual.
Somente quando a processualista “de-siste” de enclarusurar-se e “in-sis-
te” numa constitucionalística, ela “ek-siste” como ramo dogmático legitimante
autônomo. A partir dessa articulação instala-se novo ponto de apoio teórico-ar-
quitetônico para novas terminologias, novos pressupostos operacionais, novos
procedimentos metodológicos, novos modelos interpretativos. Na medida em
que ser garantia define o processo em suas estruturas elementares, significativas e
práticas, para além de uma analítica garantista, instalam-se também possibilidades
de uma hermenêutica garantista e de uma pragmática garantista.
Mais: um dos títulos pseudo-fundantes e enganadores da processualística
ativista é a categoria pragmática da técnica. Não por acaso que por meio de uma

69
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

técnica constitucionalmente desertificada, o ativista faz de tudo para eficiente-


mente – mediante cálculo de meios e fins (utilitarismo) – mobilizar energias e
transformar realidades. A técnica processual não representa um mal em si, mas é
preciso religá-la ao seu chão próprio, à sua terra natal, à sua pátria original, que
é a sua esquecida moldura garantístico-constitucional. Para ser direto: é hora de
uma montagem técnico-processual criativa a serviço da garantia, o que é tarefa
ainda irrealizada no Brasil, onde a empolgação concentra-se numa engenharia
processual a serviço do autor, compromissada com a efetividade jurisdicional.
Por fim, décadas de cegamento ativista fizeram com que a maioria veja
aquilo que é óbvio como estranho e o insuspeito como familiar. O que era para
ser escancaramento tornou-se iniciação a uma obviedade despercebida. É o ga-
rantista um constitucionalista do devido processo legal cujo papel é reconduzir
os olhares para o ser constitucional do processo. Ou seja, a empresa garantista
sempre antepõe à sua processualística uma constitucionalística especializada,
navegando pelas duas numa zona de fronteira epistemológica, o que torna o
garantismo uma interdogmática e o garantista um interjurista.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. ACEPÇÕES INAUTÊNTICAS


E GENERALIZADAS SOBRE O PROCESSO. O PROCESSO
ENCARADO A PARTIR DE UMA LEITURA FORTE DO DE-
VIDO PROCESSO LEGAL

É curioso (e sintomático) observar que, no meio popular, processo sig-


nifica nada menos que autos de processo, ou ainda é encarado (o que é ainda
pior) como a própria atividade jurisdicional em exercício. Meu processo não
anda ... Ou julgaram meu processo ... O processo do fulano não teve o êxito
esperado ... Quase ninguém em absoluto o enxerga como instituição de ga-
rantia! Afinal, ler a Constituição é um hábito ainda a ser difundido no Brasil.22

Por exemplo, em “conversas de esquina” não se ouvem assoberbamentos como: ... no julgamento do meu
22

caso o juiz foi ligeiro demais, afrontou meu direito a um processo devido; ... que coisa é essa de o juiz não
me permitir produzir prova pericial; cadê o devido processo legal?; ... essas justificativas nada dizem, não
enfrentaram as especificidades do meu problema; não dá para engolir esta decisão, afinal o devido processo
me assegura uma prestação jurisdicional fundamentada; ... estou revoltado: meu advogado me encaminhou
hoje o resultado do meu caso, e nada do que consta ali, na sentença, retrata o que eu e aquele desgraçado que
me causou prejuízo debatemos ao longo de dois anos; ... então eu disse para o juiz: não doutor, não admito
que meu advogado saia da audiência para que o senhor, eu e o réu tenhamos uma conversa “amigável” em
particular; sei perfeitamente que tenho direito a ampla defesa, e isso só vai acontecer, porque tudo aqui é
técnico demais, se meu advogado permanecer ao meu lado durante o desenrolar de todo o procedimento;
... meu Deus, fui chamado para uma audiência na condição de testemunha e tive que ouvir o juiz me
chamar de mentiroso; tive pena do réu, pois sua condenação estava estampada na testa daquele infeliz que
vai julgar o caso e que não tem a mínima intimidade com a ideia de imparcialidade.

70
O advogado que se vende como processualista corre o risco de passar
fome. Como é evidente, trata-se de palavra que não ingressou no vocabulário
vulgar. A própria mídia a confunde regularmente. Nem desconfia o jurisdi-
cionado que precisa ter ao seu lado um causídico suficientemente versado na
ciência processual, porquanto isso, no mínimo, assegurar-lhe-á tentativas mais
vigorosas para que seus direitos fundamentais processuais sejam cumpridos pelo
Estado-juiz ao longo da marcha procedimental. Doa a quem doer, mas na arena
processual, vez ou outra, o adversário da parte não é apenas a contraparte, mas
também o próprio julgador, que por olvidar seu papel de guardião da Consti-
tuição, arvora-se em posturas atentatórias ao devido processo legal: determina
a produção oficiosa de provas, ameaça testemunhas, admoesta advogados a fim
de impor sua autoridade, impede a produção probatória requerida por uma das
partes, cria embaraços à publicidade processual, vira as costas solenemente para o
contraditório substancial, nega aos litigantes o direito a decisões fundamentadas,
não leva à sério a cláusula do juiz natural e seu dever de imparcialidade,23 despreza
a presunção de inocência, autoriza buscas e apreensões coletivas, utiliza-se de
prisões preventivas como técnica para a obtenção de delações premiadas, etc.
Se teoricamente já abandonamos a velha dicotomia indivíduo versus Estado, o
mesmo não se deu por completo na lida nua e cura da praxe forense.
Mais grave, porém, é constatar que, entre profissionais do direito, o pro-
cesso é comumente encarado como mero instrumento a serviço da jurisdição.
Alguns juristas, versados em dadas especialidades do direito material, chegam a
desdenhá-lo sem pudor, inclusive em salas aulas, como se fosse nada mais que
mera técnica manejável para o desenrolar da atividade jurisdicional e a aplicação
do direito positivo.24
23
Acerca da imparcialidade, esclarece Carlos Adolfo Picado Vargas: “[…] vemos que la doctrina entiende que
un juez imparcial es aquel que aplica la ley sin tender a un fin determinado, sea propio o ajeno (acá juega
la independencia) y para esto tiene vedada la realización de actividades propias de las partes (acá juega
la impartialidad). La importancia de la imparcialidad judicial radica en la necesidad de su existencia para
tener por configurado un proceso como debido. Y esto se justifica en la legitimidad que ella otorga al juez
como tercero ajeno al litigio para resolverlo. Las partes sólo pueden concebir la resolución de un conflicto
intersubjetivo de intereses por un tercero si este actúa en base al respeto de los derechos de ambas, actor y
demandado, llevando a cabo un proceso según constitución. Consecuentemente, la afirmación de que el
terceo llamado a resolver el litigio ha de ser imparcial permitió que los particulares consientan someter el
conflicto a su conocimiento y permitió así que éstos se resuelvan de modo pacífico.” (PICADO VARGAS,
Carlos Adolfo. La independencia del juez. Memoria XXVII Congreso Panamericano de Derecho Procesal.
Colombia: Sigma Editores, 2016, p. 213-218).
24
O desrespeito ao processo como instituição de garantia colabora sobremaneira para o recrudescimento do
fenômeno da depreciação do Direito, verificado pela enxurrada de decisões ativistas que recheiam as páginas
dos jornais semanalmente, cuja pauta de comando assenta-se em especial no subjetivismo dos julgadores.
E o mais grave é que legisladores e doutrinadores, praticando espécie de haraquiri institucional, por vezes
alimentam o atual estado de coisas. A ordem vem dos altos escalões (leia-se: Conselho Nacional de Justiça),
e é cumprida quase bovinamente: julguem, julguem, julguem; e muito! Incentivam-se magistrados com
promoções por produtividade, e a cartilha é seguida à risca. Há um fetiche por números altos. A atividade
jurisdicional está se matematizando. Quer-se boas estatísticas, e para obtê-las o motor legislativo é aquecido

71
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Noutros termos, a versão difundida, em meios populares e especializados,


refere-se a algo que, com o devido respeito, em nada se relaciona ao ser consti-
tucional do processo. Nem mesmo se pode falar em vulgata. Mais adequado é
afirmar que entre nós vigora uma percepção delirante de processo. Sua função
de garantia a serviço da liberdade das partes encontra-se eclipsada, vale dizer,
perdeu densidade e respeito a sua feição de blindagem contra desmandos e ar-
bitrariedades praticados pela autoridade judicial.
Há, portanto, muito a ser feito para se construir uma interpretação ga-
rantista do processo jurisdicional. É um trabalho de base, cujos esforços recaem
notadamente sobre as costas dos estudiosos, que precisam refletir sobre conceitos
postos e sedimentados, reformulá-los se necessário, pensar sobre a legitimidade
de algumas técnicas processuais hoje festejadas, seguir rumo a construção de uma
ciência processual que não se ancore em particularismos e retóricas subjetivistas
de tal ou qual doutrinador, e sim esteja compromissada fielmente com a Cons-
tituição. Sobretudo, é preciso compreender e interpretar o processo sempre a
partir de uma leitura forte do devido processo legal25 – “Ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/88, art. 5o, LIV).

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: O ato


administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014.

para o fabrico de numerosas técnicas: julgamento parcial de mérito, antecipações liminares de tutela com
base na evidência, estabilização de tutelas provisórias, reforço dos poderes dos relatores, suplemento da
autocomposição. E o senso comum teórico não fica atrás; segue a maré de bom grado... Por exemplo, o
CPC-2015 reforçou nosso modelo de “precedentes”. Nele cabe tudo, até súmulas. Muitos veem nisso o
mecanismo do qual carecia a engrenagem judicial para que julgamentos surjam mecanizados, pré-moldados
e, portanto, facilitados. Enfim, o autoritarismo avançando a passos largos sobre o perfil democrático
e republicano traçado pela Carta Constitucional. O trem da celeridade rolando sobre os trilhos do
tempo em atropelo a coisas mais importantes, como a própria qualidade das decisões judiciais. Muito
melhor (e necessário) seria nutrir preocupação, como faz Georges Abboud, em viabilizar um modelo jurídico
que possa atingir uma resposta (jurisdicional) correta e, deste modo, combater o relativismo (a ideia de que
qualquer resultado é aceitável e sempre válido) e o ceticismo interpretativos, afastar a utilização estratégica
do direito para perseguir fins políticos e afrontar a confiança desenfreada em valores e convicções pessoais
dos magistrados. (ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo
e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014, p. 468).
25
Como bem ensina Alvarado Velloso, o garantismo processual pretende o irrestrito respeito à Constituição.
Os autores que encampam essa via de pensamento não buscam um juiz comprometido com pessoas ou coisas
distintas da Constituição, e sim uma autoridade judicial que esteja empenhada em respeitar, e fazer respeitar,
a qualquer preço as garantias constitucionais. E o processo é a máxima garantia que a Constituição confere
para a defesa dos direitos individuais, a começar pela própria liberdade. Afinal, “as garantais constitucionais
são como o sol, que nasce para todos, sobretudo para aqueles que delas mais necessitam.” (VELLOSO,
Adolfo Alvarado. El garantismo procesal.Rosario: Editorial Juris, 2010, p. 57-58).

72
ADEODATO, João Maurício. Ética & Retórica: Para uma teoria da dogmática
jurídica, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO,


Daniel Willian. Processo constitucional.São Paulo: RT, 2014.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional:


aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

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Democrático de Direito, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

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GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.; WATANABE,
Kazuo (coord.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988.

CATONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,


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COSTA, Eduardo José da Fonseca. Los critérios de la legitimación jurisdicional


según los activismos socialista, facista y gerencial. Revista Brasileira de Direito
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________. O processo como instituição de garantia. Revista Consultor


Jurídico, São Paulo, 16 nov. 2016. Opinião. Disponível em: <https://goo.gl/
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ativismo. In: DIDIER JR., Fredie et al. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo
Processual. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 171-186.

COSTA, Miguel do Nascimento. Das garantias constitucionais e o devido


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DEL NEGRI, André. Teoria da Constituição e do Direito Constitucional.


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processo of law, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

73
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FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal, 2. ed. São


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new constitucionalismo. Cambridge, MA; Harvard University Press, 2007.

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75
A EFETIVIDADE E SUSTENTABILIDADE DO PROCESSO
EM FOCO: análise dos dados estatísticos da Justiça
Comum do Estado de Minas Gerais, no período de 2003
a 2013, e o meio ambiente1
THE EFFECTIVENESS AND SUSTAINABILITY OF THE
PROCESS IN FOCUS: analysis of statistical data of the
Ordinary Courts of the State of Minas Gerais, in the
period 2003-2013, and the environment

Magno Federici Gomes*


Wallace Douglas da Silva Pinto*

RESUMO: Este trabalho compilou os dados fornecidos pelo Conselho


Nacional de Justiça (CNJ) do período entre 2003 a 2012, relativos ao Estado
de Minas Gerais, e, por meio de uma análise gráfica e numérica, verificou que
apesar da tentativa de justificar a demora na entrega da tutela jurisdicional
como resultado do excesso de burocracia e formalismo do sistema judiciário,
existem questões estruturais que, por não estarem sendo contempladas,
implicam em um aumento no tempo de duração do processo. Para o estudo,
utilizou-se o método empírico com análise das informações fornecidas pelo
CNJ, para, posteriormente, analisar o impacto do crescimento pela procura do
Poder Judiciário, em geral. Concluiu-se que a morosidade do procedimento,
1
Trabalho financiado pelo Edital nº 05/2016 (Projeto nº FIP 2016/11173-S2) do FIP/PUC, resultante dos
Grupos de Pesquisas (CNPQ): REGA, NEGESP e CEDIS (FCT-PT).
*
Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em
Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de
Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito
Ambiental e Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas
e Professor Titular licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório
Moraes & Federici Advocacia Associada. Integrante dos grupos de pesquisa: Regulação Ambiental da
Atividade Econômica Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA, Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre
Direito e Sociedade (CEDIS)/FCT-PT e Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP)/
CNPQ-BRA. ORCID: <http://orcid.org/0000-0002-4711-5310>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.
br/1638327245727283>. Endereço eletrônico: federici@pucminas.br
*
Mestrando em Direito Ambiental e Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-Graduado
em Finanças e Controladoria pelo IEC – Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Graduado
em Direito e em Ciências Econômicas pela PUC Minas. Advogado Sócio do Escritório Souza & Pinto
Advogados Associados. Integrante do grupo de pesquisa: Regulação Ambiental da Atividade Econômica
Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA. Endereço eletrônico: wallace@souzaepinto.com.br.

77
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

seu excesso de formalismo e a gama de recursos disponíveis não são os fatores


exclusivos da causa da lentidão da justiça. O desrespeito judicial a certos
princípios constitucionais aumenta a litigiosidade entre as partes e os meios
impugnativos por elas utilizados. Ademais, a majoração de demandas não é
acompanhada pelo correlato investimento em infraestrutura e tecnologia pelo
Poder Judiciário, aumentando a sobrecarga de trabalho, o encalhe de processos
a serem decididos e os impactos ao meio ambiente. Tais fatores importam em
violação ao princípio simbólico do desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Tutela jurisdicional. Sustentabilidade. Demandas judiciais.


Meio Ambiente. Investimento em infraestrutura e tecnologia.

ABSTRACT: This study compiled the data supplied by the National Council
of Justice (CNJ) in the period between 2003 and 2012, from de Minas Gerais
State, and through a graphical and numerical analysis, it was found that, despite
the attempt to justify the delay in the delivery of legal protection as a result of
excess bureaucracy and formalism of the judiciary, there are structural issues
that are not being addressed by, imply an increase in delivery time of tutelage.
We used the empirical method with analysis of data provided by the CNJ,
and later through tables and graphs to analyze the impact of demand growth
by Judiciary Power. The paper concludes that the length of the procedure, its
excessive formalism and the range of available resources are not the main factors
causing the slowness of justice, because the process that does not respect the
constitutional principles will be a process poorly educated and therefore will
take longer to be resolved. In fact, the increasingly brings the number of cases
submitted to the magistrates for trial, in contrast, has expanded investment
in the judiciary, which inevitably leads to an overload of work and stranding
processes. Such factors matter in violation of the symbolic principle of
sustainable development.

Keywords:Jurisdictional tutelage. Sustainability. Judicial Demands.


Environment. Investment in technology and infrastructure.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Análise da questão da celeridade procedimental.


3 Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

Pretende-se discutir a atividade e o exercício jurisdicional abordando a


função do Estado na solução dos conflitos e também a do juiz no exercício da
jurisdição, tratando também do acesso à jurisdição, explanando a confusão que

78
ainda existe entre ele e o acesso à justiça e passando também pelas questões do
fator tempo no resultado efetivo do processo.
O Estado realiza diversas atividades recorrendo, para tanto, a uma divisão
de funções a partir da qual consegue organizar e agrupar os atos necessários à
produção do bem comum: os atos praticados com função de reger a atividade
do Estado cabem, como regra, ao Poder Executivo, enquanto o Poder Legislati-
vo exerce, predominantemente, a função de elaborar as normas que regulam as
atividades dos indivíduos, tão necessárias ao convívio em sociedade. Por último,
há a função jurisdicional, atividade típica exercida pelo Poder Judiciário, em
que o magistrado, investido no poder do Estado, atua na solução de conflitos,
a fim de manter ou restabelecer a paz social com respeito aos direitos e deveres
previstos e a preservação da liberdade e do ordenamento jurídico, como ensina
Gonçalves (1992, p. 50).
A função jurisdicional foi concebida com o fito de entregar uma “resposta”
aos cidadãos nas situações em que haja uma conduta contrária aos ordenamen-
tos jurídicos e, portanto, considerada ilícita ou desconforme ao direito. Nestes
casos, como afirma Gonçalves (1992, p. 53), o Estado faz uso de seu poder para
repreender essas ações. Nesse sentido:

Dentre as flutuações históricas da racionalidade e da ir-


racionalidade, de que fala Weber, o Estado organizou sua
função jurisdicional dirigida a dar respostas à sociedade
sobre as condutas valoradas negativamente, que seriam
qualificadas de ilícitos, e, em consequência, assumiu a
tutela dos direitos da sociedade. “Direitos da sociedade”
é expressão internacionalmente escolhida, para que nela
se introduzam os direitos individuais e coletivos, em suas
várias classificações: sociais, culturais, econômicos e polí-
ticos, cujo reconhecimento e ampliação se observa como
uma tendência comum nas sociedades contemporâneas.

Em conformidade com Gonçalves (1992, p. 55), a jurisdição tem, por-


tanto, a função de proteger do ilícito que consiste no desrespeito a uma con-
duta valorada como correta pela norma, os direitos e liberdades garantidos na
ordem jurídica. Assim, o Estado transfere ao juiz o poder e o dever de exercer
a atividade jurisdicional, que, investido deste poder, julga e decide os diversos
problemas relativos às demandas judiciais. Esta não é uma tarefa simples, em
função da complexidade que permeia a ação de julgar, como explicam Nunes e
Teixeira (2013, p. 84):

79
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O juiz, órgão atuante do direito, não pode ser uma pura


máquina, uma figura dos processos, só agindo por provo-
cação, requerimento ou insistência das partes [...]. O juiz é
o Estado administrando a justiça; não é um registro passivo
e mecânico dos fatos, em relação aos quais não anima
nenhum interesse de natureza vital. Este é o interesse da
comunidade, do povo, do Estado e é no juiz que um tal
interesse se representa e personifica.

Em sua atividade jurisdicional, o magistrado não é apenas um julgador,


pois cabe a ele, antes de realizar a prévia análise da lei, compreender o caso
concreto, sem se afastar da realidade em que vive e, portanto, da percepção de
novas situações, como o avanço cultural e tecnológico.
Como afirma Marinoni (2013, p. 114-115), mesmo depois que o juiz
compreende o caso concreto e busca apoio nos direitos constitucionais, estando
já convencido de sua decisão e concluindo que o demandante tem um direito
que deve receber tutela jurisdicional, a jurisdição deve ainda dar tutela a estes
direitos, não sendo suficiente apenas dizer quem é merecedor deles na hipótese
concreta. Ou seja, segundo esse autor, a função jurisdicional não se exaure com
a simples sentença. Assim:

Frise-se que o direito de ação – visto como contrapartida


da proibição da auto-tutela e da reserva do poder de diri-
mir os conflitos ao Estado – foi concebido, já há bastante
tempo, como direito a uma sentença de mérito. Acontece
que a sentença que reconhece a existência de um direito,
não é mais suficiente para satisfazê-lo, não é capaz de
expressar uma prestação jurisdicional efetiva, uma vez que
não tutela o direito e, por isso mesmo, não representa uma
resposta que permita ao juiz se desincumbir do seu dever
perante a sociedade e os direitos (grifo nosso).

Não restam dúvidas, portanto, de que, ao contrário do que era antes


pensado, a atividade jurisdicional não pode e nem deve se prender à ideia de
que sua única função é a de “dizer o direito”. Segundo Marinoni (2013, p.
115), “[...] mais do que direito à sentença, o direito à sentença hoje, tem como
corolário o direito ao meio executivo adequado” (MARINONI, 2013, p. 115).
Mais especificamente:

80
A tutela jurisdicional do direito é prestada quando o di-
reito é tutelado e, dessa forma realizado, seja através da
sentença (quando ela é bastante para tanto), seja através
da execução. De modo que passa a importar, nessa pers-
pectiva, a maneira como a jurisdição deve se comportar
para realizar os direitos ou implementar a sua atividade
executiva. Ou melhor, o modo como a legislação e o juiz
devem se portar para que os direitos sejam efetivamente
tutelados (ou executados). Trata-se na verdade, de trilhar
dois caminhos que se cruzam: um primeiro que aponta a
necessidade de a técnica processual executiva ser estrutu-
rada pela lei conforme o direito material, e um segundo
que obriga o juiz a pensar a regra processual definidora
das técnicas processuais com base no direito fundamental
à tutela jurisdicional efetiva e segundo as necessidades de
direito material, particularizadas no caso concreto.

Ainda segundo Marinoni (2013, p. 93), a evolução processual levou, com


o passar do tempo, a que se exigisse que o juiz interpretasse o caso concreto de
modo a dar sentido a ele. Essa nova concepção fez com que os fatos sociais se
tornassem imprescindíveis para a compreensão do direito, embora não se possa
afastar da prévia análise da lei, pois, após entendido o caso, o juiz irá decidi-lo
com base nela. Esta atual conformação dá ao magistrado um papel, além de
muito mais importante, muito mais complexo porque exige um trabalho maior
para julgar os casos que chegam a ele. Não se pode, portanto, simplificar a ati-
vidade do juiz, confundindo rapidez com efetividade: esta confusão gera graves
implicações no resultado do processo, pois afeta a segurança jurídica da tutela a
ser entregue – o que será discutido mais detalhadamente a seguir.
Ao se falar de acesso à jurisdição, é preciso antes diferenciar expressões que
são equivocadamente entendidas como sinônimas: “acesso à justiça” e “acesso
à jurisdição”. São expressões que não devem ser confundidas. Para Marinoni
(2013, p. 314):

[...] a questão do acesso à justiça se originou da necessidade


de integrar as liberdades clássicas, inclusive as de natureza
processual, com os direitos sociais. O direito de acesso à
jurisdição – visto como direito do autor e do réu – é um
direito à utilização de uma prestação estatal imprescindível
para a efetiva participação do cidadão na vida social, e assim

81
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

não pode ser visto como um direito formal e abstrato aos


obstáculos sociais que possam inviabilizar o seu efetivo
exercício. A questão do acesso à justiça, portanto, propõe a
problematização do direito de ir a Juízo – seja para pedir a
tutela do direito, seja para se defender – a partir da ideia de
que obstáculos econômicos e sociais não podem impedir o
acesso à jurisdição, já que isso negaria o direito de usufruir
de uma prestação social indispensável para o cidadão viver
harmonicamente na sociedade.

Também não se pode confundir a expressão “acesso à justiça” com “justiça”


já que, como afirma Leal (2012, p. 54), o acesso à justiça não significa acesso aos
direitos fundamentais. Dessa forma:

É certo que o cognominado “acesso à justiça” nada tem a


ver com o acesso aos direitos fundamentais do homem,
porque simploriamente definido como “algo posto à dis-
posição das pessoas como vistas a fazê-las mais felizes (ou
menos felizes), mediante a eliminação dos conflitos que
as envolvem, com decisões justas.” Também a expressão
“acesso à justiça” não é a síntese de todos os princípios e
garantias constitucionais do processo, porque atualmente
o modelo constitucional do processo democrático é que,
por incorporar o princípio da ampla defesa pelo direito de
ação, é que gera o livre acesso à jurisdição, como direito
irrestrito de provocar a tutela legal.

O Estado vem criando “portas de entrada” na justiça de modo a propor-


cionar a um número grande de pessoas, através da isenção de várias despesas no
decurso do processo, a oportunidade de buscar seus direitos, muitos dos quais
elas sequer imaginavam possuir. Diante desse quadro, o mais importante, como
afirma Silva (1999, p. 09-24), não é dar o acesso à justiça, mas, além disso, a
garantia, por meio do Poder Judiciário, dos direitos subjetivos públicos ou indivi-
duais com imposição do respeito a todas as garantias de uma tutela jurisdicional
justa. Ao encontro deste pensamento, Dinamarco (2003, p. 283) defende que
mais importante que o acesso à justiça através do Poder Judiciário é o acesso
efetivo à jurisdição. Assim:
O acesso à justiça é, mais do que o ingresso no processo e
aos meios que ele oferece, modo de buscar eficientemente,
na medida da razão de cada um, situações e bens da vida

82
que por outro caminho não se poderiam obter. Seja por que
a lei veda a satisfação voluntária de dadas pretensões (v.g.,
anulação de casamento), seja porque a pessoa de quem se
poderia esperar a satisfação não satisfez (inadimplemento),
quem não vier a Juízo ou não puder fazê-lo, renunciará
àquilo que aspira. Em outras palavras, não terá acesso à
“ordem jurídica justa” nos casos em que, por fás ou por ne-
fas, sem o processo não possa sequer chegar até o processo.

O processo, entendido como um instrumento, deve respeitar os princípios


da economia e da instrumentalidade das formas que levam ao entendimento da
efetividade processual (GOMES; DRUMOND, 2012, p. 27-28), como o alcance
da finalidade do processo de forma a garantir a pacificação social e justiça por
meio de decisões jurídicas e legítimas – o que importa em um procedimento
célere, seguro e eficaz para a obtenção de uma tutela jurisdicional adequada.
Cercado de muitos questionamentos por parte da sociedade em geral, den-
tre eles o motivo das demandas judiciais serem tão morosas, o sistema processual
vem, ao longo dos anos, sofrendo mudanças, muitas delas com foco apenas em
rapidez procedimental, sem haver a preocupação de que talvez essa busca pela
urgencialidade esteja tirando do foco os princípios processuais que garantem a
entrega de uma tutela jurisdicional justa.
Maior problema existe quando há a intenção de aliar rapidez com efe-
tividade, uma vez que um processo veloz não é necessariamente um processo
efetivo. Segundo Gomes e Drumond (2012, p. 32), o conceito de efetividade
engloba um instrumento capaz de satisfazer ou alcançar os efeitos desejados,
onde o acesso à jurisdição se confunde com o desejo de efetividade da tutela
jurisdicional. Ainda segundo os autores (2012, p. 32), não há sentido em dar
garantias formais ao acesso à jurisdição se não for possível alcançar um resultado
eficaz no mais curto período de tempo.
É claro que o tempo, nesse contexto, é fator determinante na oportunidade
ou não de garantir à parte vencedora a possibilidade de usufruir de forma prática
dessa decisão, direito esse previsto pelo inciso XXXV, do art. 5o da Constituição
da República de 1988 (CR/88). O fator tempo, antes considerado desimportan-
te, é agora, ao contrário, crucial para o processo, posto que pode influenciar na
efetividade do direito de ação. Como explica Marinoni (2013, p. 234):

O direito à duração razoável exige um esforço dogmático


capaz de atribuir significado ao tempo processual. A de-

83
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

mora para a obtenção da tutela jurisdicional obviamente


repercute sobre a efetividade da ação. Isso significa que a
ação não pode se desligar da dimensão temporal do proces-
so ou do problema da demora para a obtenção daquilo que
através dela se almeja. A efetividade da ação não depende
apenas de técnicas processuais (técnica antecipatória) ca-
pazes de impedir que o dano interino ao processo possa
causar prejuízo ao direito material. O direito de ação exige
que o tempo para a concessão da tutela jurisdicional seja
razoável, mesmo que não exista qualquer perigo de dano.

O processo judicial, apontado como excessivamente formal na solução


dos conflitos, é envolto em uma série de procedimentos que têm a finalidade
de garantir que, ao final, seja cumprida a função de entregar uma tutela justa.
Cumpre salientar que a efetividade da tutela jurisdicional e a razoável du-
ração do processo, hoje erigidos a direito fundamental do cidadão (art. 5º, inciso
LXXVIII, da CR/88), têm íntima relação com o princípio, atualmente simbóli-
co, do desenvolvimento sustentável, não aplicável apenas ao direito ambiental.
Afirma-se isso com base em Almeida e Araújo (2013, p. 46) que concluíram:

[...] que é possível admitir o desenvolvimento sustentável


como instituto de direito constitucional, classificando-o
como princípio fundamental de força normativa superior,
aplicável para a obtenção de conclusões jurídicas vinculan-
tes de todas as práticas do Estado e da sociedade, sempre
guardando a ideia do poder-dever do primeiro para com
a efetividade das propostas jurídicas e concretização fina-
lística da ideologia social adotada pela carta constitucional
vigente. O ordenamento jurídico brasileiro tem acompa-
nhado e observado muitas dessas propostas, prevendo,
ainda que implicitamente, o desenvolvimento sustentável
como um princípio de natureza fundamental.

Isso quer dizer que o desenvolvimento sustentável deve ser ampliado, não
se restringindo mais à compatibilização entre o meio ambiente e as atividades
econômicas da sociedade2, para ser compreendido como desenvolvimento social-
mente includente, economicamente sustentado e ambientalmente sustentável,
ante as dimensões básicas e essenciais da sociedade. Nesse sentido:
Para analisar a ideia de desenvolvimento econômico em contraposição ao desenvolvimento sustentável e
2

estudar um caso concreto, ver: BIZAWU; GOMES, 2016, p. 18-21.

84
Verifica-se que o projeto do desenvolvimento sustentável
verdadeiramente se presta a harmonizar os direitos funda-
mentais constitucionalizados do desenvolvimento econô-
mico, do meio ambiente sadio e, mais do que isso, resta
como princípio constitucional fundamental por conta da
perfeita congruência de seus contornos conceituais com
a ideologia constitucional do bem-estar social, cultural e
ético (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 45).

Portanto, o desenvolvimento sustentável deve ser interpretado ampliati-


vamente, como modo de garantir os direitos fundamentais e sociais3, incluído
neles o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da
CR/88), a fim de se assegurar a plena satisfação das pretensões trazidas ao Poder
Judiciário e, por conseguinte, entregar o bem da vida almejado pelos jurisdi-
cionados dentro de um Estado de bem-estar social4. Isso garantirá a dignidade
da pessoa humana, isto é, dos jurisdicionados que buscam suas pretensões no
referido Poder estatal constituído.
Neste ponto, faz-se necessária a distinção entre processo e procedimento,
entendendo-se, deste modo, que, apesar dos procedimentos serem etapas do
processo, na verdade eles representam muito mais que isso. Tem-se que:

[...] o processo foi visto a partir do seu fim de atuação na


lei. Já o procedimento foi encarado como algo eminen-
temente formal ou como uma mera sequência de atos.
3
Em sentido equivalente, “[...] a aplicação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável não encontra
efetivação na forma como o Judiciário faz a sua aplicação, na medida em que os possíveis significados do
princípio, encontrados tanto na Constituição brasileira quanto na legislação infraconstitucional, pressupõem
uma sustentação mais ampla, disposta a efetivar não só a dimensão ambiental, mas também os direitos
fundamentais e sociais” (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 15).
4
A previsão constitucional do princípio do desenvolvimento sustentável foi assim indicada: “As questões
econômicas e ambientais englobam o conjunto de direitos humanos e por isso são tidas como de cunho
social na atual Constituição, não podendo tais dimensões ficar excluídas do conjunto de valores a serem
considerados na contemplação do Direito Constitucional. Nessa perspectiva, ao se estudar o objeto de
tutela ambiental, preconizado pelo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o qual anuncia o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode-se afirmar que o direito protegido nesta seara deve
ser a síntese havida entre a qualidade do meio ambiente em função da apropriação dos recursos naturais
como meio de sobrevivência do homem, representado pela expressão constitucional “desenvolvimento
sustentável”, e portanto a Carta da República de 1988 e toda a legislação infraconstitucional passaram a
ser informadas por esses objetos acolhidos, como forma de garantir sua observância, a fim de elevar tais
elementos à categoria de valores, dentro de um sistema integrado. Observa-se ainda que tal compatibilização
deve acontecer tendo em vista a matriz econômica liberal acolhida pelo nosso Estado de Direito, uma vez
que dentro os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil está a livre iniciativa, preconizada
no artigo 1º, inciso IV e reafirmada nos artigos 5º, incisos XIII, XXII e XXIII, 170, incisos I a IX da Carta
Constitucional” (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 19-20).

85
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Ao procedimento não foi atribuído qualquer fim. Mas,


como procedimento e processo seriam duas faces de uma
única realidade, é possível dizer que o procedimento seria
a forma de algo que somente adquiriria relevância quando
considerado a partir do seu objetivo (MARINONI, 2013,
p. 398-399).

Já na visão de Gonçalves (1992, p. 65), processo e procedimento são


assim diferenciados:

A doutrina pátria, em sua expressão mais jovem e brilhan-


te, aprofundou o conceito do procedimento como “meio
extrínseco” de desenvolvimento do processo, “meio pelo
qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do
processo”, até reduzi-lo a manifestação exterior do proces-
so, “sua realidade fenomelógica perceptível”.
Em contraposição, ao processo é atribuída natureza tele-
ológica, “nele se caracteriza sua finalidade de exercício do
poder” como “instrumento através do qual a jurisdição
opera (instrumento para a positivação do poder).”

Etapa importante em um processo são os recursos, que na atualidade são


vistos como um dos elementos responsáveis pela demora do trâmite procedi-
mental, mas que, se estiverem em um processo instruído de forma correta, não
causará morosidade.
Um processo que tramita de forma rápida por simples necessidade de
urgência corre o risco de ser (e muito provavelmente será) malconduzido, além
da possibilidade de não atender ao fim a que foi proposto, qual seja, o de chegar
a uma decisão com respeito aos princípios constitucionais e com garantias do
contraditório e ampla defesa que, nas palavras de Nunes e Teixeira (2013, p.
454), não impedem a obtenção de celeridade procedimental. Justifica-se tal afir-
mativa porque o não respeito a esses princípios basilares do processo pode, sim,
gerar um enorme número de recursos – dentre eles os embargos de declaração,
na maioria das vezes, inúteis e sem implicar na alteração do resultado decisório.
De todo modo, não há como fazer uma discussão nesse sentido sem pensar
em outras questões estruturais do sistema judiciário, assim levantadas:

Por derradeiro, não se deve olvidar das condições estrutu-


rais, físicas e humanas que o Poder Judiciário dispõe, sendo

86
deficitário seu quadro de servidores e de juízes; inadequada
sua estrutura física e operacional; defasados e insuficientes
seus equipamentos de informática e tecnologia. Acrescen-
ta-se a essa realidade, a vertiginosa e crescente demanda
pela atividade jurisdicional no Brasil, notadamente após
a edição da Lei no 9.099/1995 (GOMES; DRUMOND,
2012, p. 36).

É impossível negar que o processo é muito formal e que é necessário o


cumprimento de uma série de etapas para se chegar ao final de uma lide. Por
outro lado, não é possível deixar de lado os aspectos estruturais, principalmente
por constituírem questão relevante, com poder de determinar ou mesmo obstar
ou retardar, o trâmite do procedimento.
Dessa forma, torna-se importante tentar determinar a influência das con-
dições estruturais sobre a morosidade ou a rapidez dos procedimentos, mantendo,
no entanto, todas as suas garantias e princípios, o que será feito a seguir.
Adotou-se, para cumprir tal intento, o marco teórico Marinoni (2013) e
o método empírico, com análise dos dados estatísticos fornecidos pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) sobre o Poder Judiciário Estadual de Minas Gerais,
compilando informações do período compreendido entre 2003 até 2013 (10
anos), através da utilização das seguintes variáveis: número de magistrados, nú-
mero de computadores por usuário, carga de trabalho dos juízes, quantidade
de processos judiciais distribuídos anualmente, pessoal efetivo no quadro de
servidores, demandas judiciais novas por magistrado, taxa de congestionamento
e taxa de recorribilidade. Na pesquisa, foi limitado o período e foi excluída da
análise os dados das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado para não
ampliar em demasia a investigação.

2 ANÁLISE DA QUESTÃO DA CELERIDADE PROCEDI-


MENTAL

Esta parte da pesquisa deseja analisar o sistema processual, sua impor-


tância e influência no que diz respeito à celeridade procedimental, bem como
se dedicar à parcela instrumental do trabalho. Nela são expostas e trabalhadas
questões como a demora na entrega da tutela jurisdicional e a possibilidade de
que ela esteja sendo, de algum modo, influenciada por questões estruturais como
número insuficiente de juízes, funcionários públicos efetivos e a falta de recursos
financeiros para aparelhar a máquina judiciária.

87
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O desejo cada vez maior da sociedade de ter uma tutela jurisdicional


rápida faz com que o sistema processual seja alvo de inúmeras críticas devidas,
principalmente, a sua demora, sua ineficiência e seu excesso de formalismo. Como
explicam Gomes e Drumond (2012, p. 38), o processo não deveria ser visto sob
o prisma de um instrumento de resolução de conflitos através do Poder Judiciá-
rio, mas, ao contrário, como um instrumento garantidor da implementação dos
direitos fundamentais do cidadão, assegurando o desenvolvimento sustentável.
No Brasil, em especial, é nítida a ideia de que o processo só é demorado por
força da lei, o que levou o legislador a criar a Emenda Constitucional (EC) nº
45, de 30 de dezembro de 2004, que teve a seguinte intenção:

A ideia de que o processo seja moroso em virtude da lei e


de que não propicia, no tempo (cronológico) devido, uma
eficaz fruição do bem da vida pretendido pelos litigantes
em Juízo, levou o legislador reformista a aprovar a Emenda
Constitucional nº 45/04 e diversas leis infraconstitucionais,
visando constitucionalizar a necessidade de razoabilidade
na duração do processo com celeridade em sua tramitação.
A fórmula mítica encontrada para maquiar a solução desse
problema foi dotar o representando do Estado - “Poder
Judiciário” (o magistrado) de poderes na aplicação do di-
reito. Desse modo, o seu livre convencimento motivado é
suficiente para fundamentar e legitimar as suas decisões à
margem dos destinatários normativos, que simplesmente
com elas aquiescem, sem que lhes seja ofertada a oportu-
nidade de influir de forma dialógica, isonômica e irrestrita
na sua construção, ou seja, de forma compartilhada com o
primeiro (GOMES; DRUMOND, 2012, p. 38).

Esta e outras medidas, como as Leis no 9.099, de 26 de setembro de


1995, e n° 10.259, de 12 de julho de 2001, que criaram os Juizados Especiais
estaduais e federais, mostram a intenção predominante do legislador que, mesmo
respeitando os princípios constitucionais garantidores do devido processo legal,
ainda coloca o tempo como fator de grande importância na solução de conflitos.
Não se pode negar a louvável intenção do legislador, demonstrada por
meio das citadas leis, de dar às classes menos favorecidas economicamente, que
são, em sua maioria, desprovidas de orientação e escolaridade, a chance de ter o
direito ao acesso e busca da tutela jurisdicional.

88
Ainda que seja indiscutível a produção de benefício social em razão dessas
medidas, a intenção do legislador de criar um canal de “livre acesso ao Poder
Judiciário” fez necessária a instituição de princípios informativos da oralidade, da
simplicidade, da economia processual e da celeridade, dispensando a participação
do advogado em alguns dos procedimentos regulamentados pelas referidas leis
federais, como afirmam Gomes e Drumond (2012, p. 44).
É clara a intenção do legislador, quando da criação da EC n° 45/2004,
de diminuir o tempo dos procedimentos por meio de aspectos instrumentais,
criando mecanismos de promoção ligados à maior produtividade dos magistrados.
O fato do juiz, na sua atividade jurisdicional, precisar também se ater a questões
de produtividade pode levar a decisões que não foram totalmente fundamentadas
nos princípios garantidores de uma tutela judicial justa.
Um dos possíveis problemas deste critério avaliativo da produtividade dos
magistrados, a partir do número de processos julgados, é a possibilidade de uma
escolha de qual processo o magistrado irá julgar primeiro. Uma demanda pode,
em função de sua complexidade, exigir muito mais tempo para ser concluída, já
que envolve a necessidade de ouvir testemunhas, produção de provas periciais e/
ou inspeção judicial. Neste caso, tendo o magistrado que responder com maior
produtividade nos julgamentos, é possível que ele priorize, dentro dos casos de
sua responsabilidade, aqueles de mais fácil solução, obtendo assim um ganho de
produtividade muito maior. Essa busca insensata por rapidez, provoca mudança
no comportamento dos juízes. Para Nunes (2008, p. 155), essa corrida cada vez
mais intensa em busca de rapidez procedimental é fruto de um modelo estatal
imposto durante os anos de 1990, o qual gerou:

[...] um discurso processual peculiar, no qual a aludida


rapidez permitiu a defesa sub-reptícia de supressão de di-
reitos fundamentais, mediante sua leitura formal, além da
criação de um ideal de julgamento de ações em larga escala,
massificante, de modo a atender as tendências do mercado e
a defesa da propriedade (conforme documento apresentado
pelo Banco Mundial) (NUNES, 2008, p. 155).

Tudo isso leva a crer que a busca pela rapidez nos processos acaba por co-
locar em segundo plano os princípios constitucionais e processuais que garantem
que a tutela entregue tenha segurança jurídica. Ademais, há que se frisar que o
Poder Judiciário brasileiro não é ainda capaz de fornecer condições estruturais
de trabalho aos envolvidos na “produção” de uma tutela jurisdicional, o que
enseja a demora na sua entrega.

89
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A partir das considerações feitas e da revisão da literatura antes empreen-


dida, faz-se um estudo do impacto do aumento da demanda pelo Poder Judici-
ário do Estado de Minas Gerais e da sua estrutura disponível para atender a tal
demanda, a título de exemplo para os demais órgãos jurisdicionais.
Assim, a demora na entrega da tutela jurisdicional e a morosidade do
sistema judiciário são invariavelmente vistas como efeito do número de recursos
existentes na legislação brasileira. Por parte da população leiga, em sua maioria
desconhecedora das técnicas processuais, estas questões de tempo são também
interpretadas como consequência de um velho jargão da cultura brasileira: “fun-
cionário público não trabalha”.
É claro que não se pode desconsiderar que há sim, no funcionalismo pú-
blico, assim como em instituições privadas, aqueles que não cumprem com suas
obrigações e não zelam pela qualidade dos serviços prestados, mas, como também
na iniciativa privada, para se prestar um bom serviço é necessário ter condições
mínimas de trabalho. Para que uma sociedade empresária seja bem-sucedida e
entregue um produto ou serviço nas condições esperadas pelos consumidores,
é necessário fazer investimentos em tecnologia, mão de obra e treinamento, ou
seja, deve-se ter uma gama de insumos e fatores de produção mínimos, a fim de
que se obtenha um produto ou um serviço com qualidade e eficiência, capaz de
satisfazer o consumidor final. Não há como falar em entrega de bem ou serviço
sem imaginar que, para se chegar a um produto final, é necessário passar por
diversas etapas, que estão cercadas de uma série de procedimentos que podem
ser melhores ou não, dependendo da qualidade dos investimentos feitos para a
sua produção.
O sistema judiciário não consegue produzir sem insumos (fatores de pro-
dução e mão de obra), ou seja, não há como movimentar a “máquina judiciária”
sem esses requisitos. Com relação à mão de obra, o Poder Judiciário é basicamente
composto por julgadores e servidores de cunho administrativo, com a função do
manuseio operacional dos processos. Ao se fazer a primeira análise, com base na
Tabela 01 e no Gráfico 01, abaixo, percebe-se que houve um aumento expressivo
no número de cargos de magistrados ocupados entre 2003 e 2011, já que em
2003 havia 775 magistrados trabalhando, contra 1355 em 2011 – ou seja, um
aumento de 74,16%:

90
Tabela 01 - Número de magistrados
Variação
Ano Número de M agistrados 2003/2013
2003 775
2004 913
2005 915
2006 955
2007 979
2008 990
2009 998
2010 1064
2011 1355
2012 989
2013 1068 37,81%
Fonte: Elaborada pelos autores

Gráfico 01 – Número de magistrados


1600

1355
1400

1200 1064 1068


955 990
1000 913
979 998 989
800 775 915

600

400

200

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: Os autores.

Os números mostram que, apesar do ligeiro aumento de 2003 para 2004,


a partir daí não houve, em média, nenhuma variação no quadro de magistrados
ao longo do período em análise, com o número variando substancialmente

91
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

apenas no ano de 2011. Os relatórios divulgados não explicam o real motivo


desse crescimento pontual, tampouco da grande redução do ano 2011 para 2013
(em 26,87%). No período de dez anos, a majoração foi de 37,81%. É necessário
salientar que os números mostrados acima representam a quantidade de cargos
ocupados por magistrados, uma vez que o número de vagas é maior, mas elas
não são totalmente preenchidas, seja porque os exames para a entrada de novos
juízes são excessivamente exigentes ou porque os candidatos não se preparam o
suficiente e, portanto, não estão aptos a ocupar a função.
Também como consequência da produtividade dos magistrados, atual-
mente é possível encontrar cada vez menos juízes voltados a uma formação
humanística adequada. Ao contrário, o que se tem são magistrados ainda mais
adeptos de uma lógica neoliberal da produtividade. Assim, afirma Nunes (2008,
p. 167) que:

A análise do perfil atual dos juízes em exercício no nosso


país e dos mecanismos de avaliação dos candidatos ao in-
gresso na magistratura pelos concursos públicos revela que
não se busca um magistrado com uma formação humanís-
tica adequada, mas, sim, um especialista na dogmática.
Juízes com adequada formação humanística representam
uma pequena parcela, e mesmo esses são consumidos pela
lógica neoliberal da produtividade, uma vez que, caso de-
sejem fazer uma análise adequada de todos os casos, cer-
tamente não cumprirão o requisito objetivo de promoção
por merecimento (produtividade) (art. 93, inc. II, alínea
“c”, CFRB/88).

É claro que o aumento do número de julgadores traz uma melhora na


situação do acúmulo processual, embora não se possa deixar de levar em conta
as questões de formação desses magistrados, como acima exposto.
Ao prosseguir na análise dos dados acerca da estrutura do Poder Judiciário
mineiro, pode-se constatar que houve também crescimento expressivo do quadro
de funcionários efetivos no período em estudo, como demonstram a Tabela 02
e seu respectivo Gráfico 02, a seguir:

92
Tabela 02 – Pessoal efetivo da Justiça Estadual
Pessoal
Ano Variação % 2003/2013
Efetivo

2003 6212
2004 7833
2005 7082
2006 12555
2007 12975
2008 13443
2009 12471
2010 13601
2011 13848
2012 13785
2013 13911 123,94%
Fonte: Elaborada pelos autores

Gráfico 02 – Pessoal efetivo da Justiça Estadual


16000
13601 13785
14000 13443
12555
13848 13911
12000 12975
12471
10000
7833
8000

6000 6212
7082

4000

2000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: Os autores.

No ano de 2003 havia 6.212 funcionários efetivos, contra 13.911 no ano


de 2013, o que indica um crescimento de 123,94% no período; isto é, em dez
anos o número de servidores efetivos mais que dobrou nos diversos níveis dentro

93
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

do sistema judiciário mineiro. Os dados apresentados indicam que houve um


esforço de investimento em mão de obra, fator de produção de suma impor-
tância para a movimentação da máquina judiciária. Como é natural, havendo
aumento em capital humano, espera-se ter havido também investimento nos
níveis de tecnologia, de modo a fornecer as devidas condições de trabalho. No
entanto, os números mostram que, apesar de ter havido um aumento de 63,79%
no volume de computadores entre 2003 e 2013, ele não chega a ser suficiente
para atender as necessidades dos usuários, uma vez que em dito ano o número
de computadores por usuário ainda foi menor que um. Assim, os funcionários
não teriam condições de trabalhar todos ao mesmo tempo por falta de máquinas
para uso. Quanto a isto, apresentam-se os números na Tabela 03 e no Gráfico
03, nos seguintes termos:

Tabela 03 – Computadores por usuário


Pessoal Variação %
Ano
Efetivo 2003/2013
2003 0,58
2004 0,66
2005 0,72
2006 0,78
2007 0,93
2008 0,83
2009 0,93
2010 0,86
2011 0,82
*2012 0,98
*2013 0,95 63,79%
Fonte: Elaborada pelos autores 5

(*) Quanto ao número de computadores, os relatórios datados de 2012 e 2013, apenas informaram que o
5

investimento em informática aumentou de 2011 para 2012, em 20,2%. De 2013 para 2014, houve redução
no investimento em 2,4%. Aplicados tais percentuais ao número de computadores, tem-se em 2012 o
patamar estimado de 0,98 por usuário, reduzindo no ano seguinte para 0,95, conforme apresentado no
gráfico supramencionado. Salienta-se que tais percentuais somente seriam precisos se não houvesse qualquer
alteração no número de magistrados e servidores e se não houvesse a necessidade de reparos e atualizações
no maquinário preexistente.

94
Gráfico 03 – Computadores por usuário
1 0,93 0,93 0,95
0,9 0,98

0,8 0,86 0,82


0,72 0,83
0,7 0,78

0,6 0,66
0,58
0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 *2012 *2013

Fonte: Os autores

Ao que parece, quando se observa a linha de evolução dos dados de nú-


mero de computadores ano a ano, apesar de ser possível perceber que houve um
investimento financeiro muito grande na aquisição deste maquinário entre 2003
e 2007, em 2008 a quantidade caiu de forma marcante. Além do aumento no
número de servidores públicos em tal ano, suspeita-se que, como esse insumo
é essencialmente dependente de evolução tecnológica, o investimento em com-
pras deve ter sido impactado por gastos com reposição e manutenção, dentre
outros - o que explicaria esta queda após cinco anos. Com relação ao número
de computadores por usuário no ano de 2012 e 2013, os relatórios publicados
não contemplaram esta variável, mas foi feita uma estimativa aproximada para
fins deste estudo.
Analogamente a uma demanda de mercado, conforme exposto na Tabela
04 e em seu respectivo gráfico, ambos abaixo, há também as novas ações que
são distribuídas ao Poder Judiciário anualmente. Esses números são extrema-
mente elevados e se mantêm constantes ao longo do período de 2003 até 2013,
impactando enormemente na quantidade de processos a serem decididos pelos
magistrados, com tendência de alta durante todo o período. Nos anos de 2011 a
2013 houve um aumento substancial de demandas ajuizadas na Justiça Comum
Estadual de Minas Gerais, ao redor de 34,33%. Em 2013, houve uma majoração
de 8,89% de causas ajuizadas em relação à 2012 que, por sua vez, teve aumento
de 27,92%, em comparação ao ano anterior (2011).

95
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Tabela 04 – Total de novas demandas por ano


Ano 1 Grau 2 Grau Juizado Especial Total Casos
2003 842.529 122.517 514.002 1.479.048
2004 1.014.026 144.797 559.807 1.718.630
2005 727.579 160.597 480.639 1.368.815
2006 847.097 169.697 575.815 1.592.609
2007 924.202 192.655 554.142 1.670.999
2008 985.361 211.301 570.768 1.767.430
2009 690.112 162.072 332.007 1.184.191
2010 685.654 189.612 308.689 1.183.955
2011 752.483 192.201 308.371 1.253.055
2012 1.089.716 223.440 425.159 1.738.315
2013 1.235.224 235.653 437.094 1.907.971
Media 890.362 182.231 460.590 1.533.183
Fonte: Elaborada pelos autores

Gráfico 04 – Total de novas demandas por ano


2.500.000

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

1 Grau 2 Grau Juizado Especial Total Casos

Fonte: Os autores.

Numa situação hipotética, em que não houvesse no Brasil tantos feriados


(os quais, além de sobrestarem o funcionamento do Poder Judiciário, ainda
influenciam na contagem dos prazos das partes), e fossem desconsiderados os
recessos forenses, isto é, supondo o funcionamento ininterrupto do sistema por

96
365 dias no ano; restariam 5.227 demandas novas para serem julgadas diariamen-
te. Devido ao número médio de juízes existentes, ter-se-ia 4,9 processos novos
a serem julgados por dia, por magistrado, sem levar em consideração o estoque
de causas pendentes de julgamento6
Observa-se que chegam anualmente mais de mil processos novos para cada
magistrado, em média. Eles devem ser analisados e julgados, o que demanda
tempo, pois é necessário respeitar os procedimentos e garantias processuais, de
modo a entregar uma tutela jurisdicional cercada de um mínimo de segurança
jurídica. Abaixo estão expostos os dados anuais (Tabela 05 e Gráfico 05):

Tabela 05 - Demandas novas por magistrados


Ano 1 Grau 2 Grau Juizado Especial
2003 1.531 1.113 4.469
2004 1.520 1.238 4.340
2005 1.101 1.373 3.508
2006 1.217 1.414 4.143
2007 1.275 1.605 4.135
2008 1.344 1.776 4.136
2009 1.155 1.158 2.808
2010 1.058 1.567 2.085
2011 887 1.478 881
2012 1.449 1.759 1.085
2013 1.363 1.846 898
M édia 1.264 1.484 2.953
Fonte: Elaborada pelos autores

No relatório de 2013, a Justiça Estadual de Minas Gerais acusou como os seguintes números de demandas
6

pendentes de julgamento (estoque): 1º Grau: 3.183.445; 2º Grau: 225.993; Juizados Especiais: 357.579
e Turmas Recursais: 31.737. Os únicos Juízos que conseguiram decidir maior número de causas que as
recebidas, foram o 2º Grau e as Turmas recursais (1º Grau: 853.708; 2º Grau: 262.604 e Juizados Especiais:
410.743 e Turmas Recursais: 43.940).

97
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Gráfico 05 – Demandas novas por magistrado


5.000

4.500

4.000
3.500
3.000
2.500

2.000

1.500
1.000
500

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

1 Grau 2 grau Juizado Especial

Fonte: Os autores.

É claro que, com um número tão alto de novos processos ajuizados e to-
dos eles devendo ser julgados com respeito às etapas processuais, não é possível
chegar ao fim de um ano com todos eles resolvidos. Além disso, dentre as ações
há sempre aquelas que, em decorrência de sua complexidade, demandarão maior
tempo. A consequência disso é que haverá, ao longo do tempo, um acúmulo
de processos, pois os novos que são distribuídos juntar-se-ão aos casos que, por
diversos fatores, terão ficado pendentes de julgamento.
Esta junção de novos casos com aqueles que estão em trâmite por julga-
dores é tratada pelo CNJ como “carga de trabalho dos magistrados” e estes dados
estão agrupados na Tabela 06 e respectivo gráfico, abaixo:

Tabela 06 - Carga de trabalho


Carga de Trabalho Carga de Carga de Trabalho
Ano
1 Grau Trabalho 2 Grau Juizado Especial

2003 3812 1783 7138


2004 4281 1554 7189
2005 4079 1714 5877
2006 3960 2187 6514
2007 3998 2425 6565
2008 4230 2627 6593
2009 3088 2489 3912
2010 4588 3277 4227
2011 3818 3214 1870
2012 5837 3758 2045
2013 5800 4042 1858
Fonte: Elaborada pelos autores

98
Gráfico 06 – Carga de trabalho
8000

7000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Carga Trabalho 1 grau Carga Trabalho 2 Grau Carga Trabalho Juizado Especial

Fonte: Os autores.

Os dados mostram que, assim como foi exposto, o número de proces-


sos que chegam ao Poder Judiciário anualmente não diminui - pelo contrário,
mantém uma média estável e bastante alta (Tabela 05 acima), com tendência
de majoração. O grande problema é que os magistrados, mesmo julgando a
maior quantidade possível de litígios, ainda podem se deparar com muitos que
demandarão mais tempo. Além disso, há aqueles que, por absoluta falta de tempo,
não serão julgados, juntando-se às novas demandas que chegam para aumentar
a carga de trabalho a níveis de execução humanamente impossíveis.
Julgar esse número de processos de forma a dar uma tutela jurisdicional
cercada de todas as garantias do devido processo legal não é tarefa fácil, devido
aos diversos procedimentos intrínsecos aos processos, o que leva a uma situação
em que é impossível responder às demandas da sociedade sem que haja, por parte
do Estado, um esforço grande para dar solução a esse problema.
Algumas das medidas com o intuito de se modificar essa situação, como
a EC n° 45, de 2004, aparentemente não surtiram o efeito desejado, fato que
pode ser percebido ao se verificar que, após o ano de 2004 e com a EC n° 45 já
em vigor, não houve queda significativa nos números de carga de trabalho dos
magistrados.
Com relação às Leis no 9.099, de 1995, e n° 10.529, de 2001, o que
houve foi apenas a criação de um canal de acesso para os economicamente des-
favorecidos, não havendo, a priori, nenhuma redução significativa de trabalho
dos magistrados, o que é percebido de forma muito clara através dos dados
aqui analisados. Ademais, nos anos de 2012 e 2013, nota-se que o número de

99
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ações propostas nos Juizados Especiais permanece quase inalterado, enquanto


as demandas de primeira instância aumentaram sobremaneira7, indicando uma
opção da população, em geral, pela não utilização dos procedimentos das Leis
no 9.099/1995 e n° 12.153/2009 (Juizados Especiais de Fazenda Pública).
Como mencionado anteriormente, não se pode confundir rapidez com
efetividade do processo. Para se discutir efetividade processual é necessário pas-
sar por tudo o que envolve e garante que os procedimentos de um feito sejam
cercados de fatores que, ao final, permitam a entrega de uma tutela jurisdicional
justa e com segurança jurídica, ou seja, envolta pelos princípios constitucionais
do processo, notadamente ampla defesa, contraditório e devido processo legal.
Não é possível considerar uma celeridade procedimental que não esteja
cercada pelos princípios que garantam um devido processo legal, pois, repita-se,
um processo mal instruído gera grande quantidade de recursos e possibilidade de
cassação de decisões, o que invariavelmente implica em demora em seu trâmite
e retrabalho judicial.
Os números fornecidos pelo CNJ não deixam dúvidas de que há um
acúmulo de trabalho gerado pela quantidade de processos que chegam e se jun-
tam a outros que ainda não foram julgados, mas mostram também, por outro
lado, que o maior problema não está nos recursos, indicados por muitos como
responsáveis por essa demora8.
Nas tabelas e gráficos abaixo, as variáveis Taxa de Congestionamento e
Taxa de Recorribilidade dão uma ideia clara do panorama atual do Poder Judi-
ciário mineiro:

Tabela 07 - Taxa de congestionamento


Ano 1 Grau 2 Grau Juizado Especial
2003 58,74% 50,74% 36,90%
2004 78,90% 49,70% 65,60%
2005 78,00% 47,20% 32,90%
2006 76,60% 52,00% 43,80%
2007 71,30% 48,50% 43,80%
2008 69,60% 41,70% 41,60%
2009 65,40% 51,80% 40,00%
2010 69,00% 50,80% 34,00%
2011 76,00% 54,00% 49,00%
2012 76,90% 53,00% 48,30%
2013 77,60% 55,40% 47,80%
Fonte: Elaborada pelos autores

Segundo Tabela 04 antes apresentada.


7

Cabe salientar que nos relatórios de 2012 e 2013, publicados pelo CNJ, não foi divulgada a variável Taxa de
8

Recorribilidade, o que obsta uma análise sobre a satisfação dos jurisdicionados pela tutela jurisdicional entregue.

100
Gráfico 07 – Taxa de congestionamento
90,00%

80,00%

70,00%

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

1 Grau 2 Grau 3 Grau

Fonte: Os autores

Tabela 08 - Taxa de recorribilidade


Interna Externa Juizado Especial
Ano 1 Grau 2 Grau 1 Grau 2 Grau Interna Externa
2003 Indisponível 12,99% 16,38% 12,82% 2,11% 2,11%
2004 0,90% 16,60% 6,20% 25,50% 0,30% 1,50%
2005 1,50% 17,10% 13,10% 22,90% 0,60% 3,30%
2006 1,50% 17,40% 13,30% 23,30% 0,60% 3,30%
2007 1,50% 16,00% 12,70% 23,90% 0,70% 4,70%
2008 1,50% 15,70% 13,70% 31,00% 0,80% 4,50%
2009 3,00% 18,50% 11,20% 34,00% 5,50% 4,50%
2010 5,90% 17,60% 7,40% 29,50% 8,70% 2,60%
2011 23,80% 16,60% 11,30% 27,20% 36,10% 0,10%
2012 Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível
2013 Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível Indisponível
Fonte: Elaborada pelos autores

101
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Gráfico 08 – Taxa de recorribilidade


40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Tx Interna 1 Grau Tx Interna 2 Grau Tx Externa 1 Grau


Tx Externa 2 Grau Tx Interna JE'S Tx Externa JE'S

Fonte: Os autores.

Contrariamente à taxa de recorribilidade, a taxa de congestionamento tem


números muito elevados, o que demonstra que o acúmulo de serviço é fator de
maior impacto na tutela jurisdicional do que o é a quantidade de recursos impe-
trados. Medidas criadas no intuito de garantir a duração razoável dos processos,
como a EC nº 45, de 2004, além da criação dos Juizados Especiais, de certo
não podem se estagnar e necessitam de aprimoramento para que cumpram sua
função de dar celeridade ao procedimento - sem, no entanto, ocasionar a perda
das garantias constitucionais inerentes a ele.
O fato das condições de trabalho no sistema judiciário estarem muito
aquém do que se espera, principalmente em virtude da falta de tecnologia e
da carência de mão de obra, além do crescimento vertiginoso de demandas
propostas ao Poder Judiciário, é comentado por Marinoni (2013, p. 233) com
o seguinte argumento:

Um procedimento destituído de técnica processual capaz


de possibilitar a antecipação da tutela em caso de “fundado
receio de dano” e “abuso de direito de defesa” certamente
seria incompatível com o direito à duração razoável. Hoje,
o procedimento ordinário clássico expressaria evidente in-
constitucionalidade.

102
Por outro lado, não há mais como aceitar as desculpas de
que, por exemplo, os juizados especiais não respondem à
expansão da litigiosidade ou ao aumento do número de
ações, ou mesmo de que determinado órgão judiciário
está impedido de prestar a tutela jurisdicional em razão
de acúmulo de serviço. Na verdade, a afirmação de que há
acúmulo de serviço, ou de que a estrutura da administra-
ção da justiça não viabiliza a adequada prestação da tutela
jurisdicional, constituem autênticas confissões de violação
ao direito fundamental à duração razoável do processo. O
acúmulo de serviço, assim como a falta de pessoal e instru-
mentos concretos, pode desculpar o juiz e eventualmente
o próprio Judiciário, mas nunca eximir o Estado do dever
de prestar a tutela jurisdicional de forma tempestiva.

Desse modo, não é possível desobrigar o Estado da responsabilidade pela


duração razoável do processo e pela efetividade do princípio do desenvolvimento
sustentável. Durante o seu trâmite normal, há diversas técnicas que podem ser
utilizadas de forma a protelar uma decisão judicial (ou pelo menos o seu cum-
primento) e desta maneira dar à parte derrotada na lide um ganho de tempo.
Esta possibilidade pode gerar prejuízo à parte vencedora em alguns casos e, em
muitos, é possível que ela não consiga sequer usufruir da tutela jurisdicional que
lhe foi dada. É claro que situações de tutela antecipada, desde que presentes suas
condicionantes, podem minorar o problema, mas quando não há essa possibili-
dade e o juiz percebe que uma das partes está apenas protelando o feito, deve o
Estado dar ao seu representante condições de inibir esta prática.
O direito à razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, inciso
LXXVIII, da CR/88, incide tanto sobre o Poder Executivo quanto sobre o Poder
Legislativo e o Poder Judiciário, e ele, segundo Marinoni (2013, p. 201), tem a
obrigação de organizar a distribuição da justiça, equipar os órgãos judiciários e
adotar técnicas para permitir a tempestividade processual e impedir práticas que
possam retardar o trâmite do processo ou a entrega da tutela jurisdicional efetiva.
As situações propostas para a celeridade procedimental e, como consequ-
ência, a tempestividade, são todas ligadas ao trâmite do feito, ou seja, já depois de
estar o processo sob a responsabilidade do magistrado. Mas, não se pode esquecer
que antes que as ações estejam prontas para o julgamento é necessário que elas
passem por algumas etapas primárias, as quais envolvem pessoas para recebê-las
nas secretarias e organizá-las, além de equipamentos capazes de agilizar todos os
procedimentos necessários até o momento de serem analisadas.

103
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Neste ponto, percebe-se que o Estado, além de sua responsabilidade téc-


nica de dar condições à tempestividade da tutela jurisdicional, tem a obrigação
de fornecer uma estrutura condizente com as necessidades do Poder Judiciário
e com o investimento de cotas maiores para a aplicação em tecnologia, capital
humano e estrutura física, dando condições para que não exista o acúmulo de
serviço e para que seja possível acompanhar o aumento do acesso à jurisdição,
tendo, com isso, uma estrutura capaz de responder aos anseios da sociedade de
modo sustentável.
Como exposto por Marinoni (2013, p. 233), esses problemas estruturais
servem como desculpa para o magistrado e para o Poder Judiciário, que com isso
justificam as longas demandas e os atrasos que são praxe atualmente no sistema
judiciário brasileiro. Independentemente de quem seja, nesse contexto, o culpado
pela situação vivida hoje no Poder Judiciário, ao final, o maior prejudicado é
sem dúvida o cidadão, que busca o Estado para a solução de um conflito e tem
invariavelmente seus direitos violados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todo o exposto até aqui, deve-se dar uma resposta ao questionamento
que motivou a construção deste trabalho: por que o sistema processual é tão
moroso? A questão é complexa e para respondê-la não se pode partir do redu-
cionismo de apenas dizer que esta lentidão é causada pelo excesso de formalidade
do sistema, dentre outras inúmeras afirmações que já caíram no gosto popular.
Entregar uma tutela jurisdicional que resolva uma demanda não é apenas
dizer a quem pertence o direito em questão, pois, ao dizer que uma das partes
é detentora de determinado direito, de outra forma também se está dizendo, ao
outro lado da lide, que este direito não lhe pertence, muitas vezes lhe impondo
uma sanção. Portanto, a tutela a ser entregue deve estar cercada de segurança
jurídica, de modo que tanto o réu quanto o autor, ao final, entendam que a de-
cisão foi dada com lisura, imparcialidade e acerto, em especial que o derrotado
compreenda que aquele direito realmente não lhe pertence. Isso só acontecerá
se a decisão for devidamente fundamentada, acolhendo e refutando todos os
argumentos das partes, de maneira dialógica e sem exceções.
Com isso, os atos processuais devem ocorrer mediante o respeito aos prin-
cípios da ampla defesa e do contraditório, de forma que todos os integrantes da
demanda possam participar de maneira crítica e tentar interferir no processo. É
claro que não há como passar por todas as fases de um procedimento de forma

104
rápida sem que isso gere, ao final, um processo com pouca segurança jurídica.
O mais importante com relação ao tempo do processo é que ele não seja curto
demais, de modo a fragilizar a tutela, nem longo demais, inviabilizando o seu
resultado efetivo. Ao contrário, ele deve durar o tempo suficiente para que seja
cercado de segurança jurídica, mas, ao ser entregue, é preciso que possa o detentor
da tutela se utilizar do benefício que lhe foi concedido.
Os dados empíricos aqui analisados mostram que, apesar de ter havido
aumento de investimentos no aparato da máquina judiciária, eles não foram
suficientes, porque ainda é possível perceber um “encalhe” gigantesco de pro-
cessos a serem julgados pelos magistrados. Caso as condições estruturais atuais
sejam mantidas, dificilmente ocorrerá, a curto e médio prazo, uma solução para
esses problemas - e os processos continuarão a tramitar com extrema lentidão.
O que se pode concluir, ao final, é que a morosidade do procedimento,
seu excesso de formalismo e a gama de recursos disponíveis não são os fatores
principais causadores da lentidão do sistema judiciário, já que, como exposto
acima, se uma decisão é proferida com debate e respeito ao processo constitu-
cional, diminui-se o número de recursos ou sua chance de êxito. Ao contrário
do que se pensa, reitera-se, o uso dos princípios constitucionais não gera retardo
procedimental, posto que um processo que não respeita esses princípios será
um processo mal instruído e consequentemente levará mais tempo para ser
solucionado.
O Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015), Lei nº 13.105/2015, foi
visto como um possível instrumento que poderia dar solução ao problema da
morosidade nas demandas, mas, em decorrência da complexidade que envolve
uma entrega mais célere da tutela jurisdicional, essa mudança legislativa certa-
mente não levará aos resultados desejados, já que não abarca questões de maior
impacto no tempo processual.
Medidas como a assunção de competência e o incidente de resolução de
demandas repetitivas foram tratadas no CPC/2015 de modo a dar rapidez aos
processos individuais, deixando os Tribunais com maiores poderes de decisão.
No entanto, para as demandas que não envolvem questões de direito, continua
o hiato de tempo gigantesco entre início e término do procedimento, no qual a
parte, ao receber o direito que foi pedido, não consegue usufruir dele.
Muito embora o CPC/2015 não tenha sido o foco deste trabalho, não há
como deixar de citá-lo, pois o legislador, por meio dele, evidenciou pelo menos
sua intenção de tentar resolver a situação discutida neste trabalho. Somente as
questões de edição e modernização das leis não serão suficientes para solucionar

105
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

o dilema, inclusive porque há questões de cunho estrutural que geram outros


problemas. Para que as leis atendam aos fins a que se propõem, é necessário
que haja quem as movimente e, para isso, é de suma importância que existam
condições de trabalho, capital humano e investimento em estrutura física do
Poder Judiciário.
Portanto, é necessário pensar em criar condições de trabalho para juízes
e servidores públicos, bem como estruturar a máquina judiciária de maneira a
gerar estrutura para que a tutela jurisdicional seja o mais célere possível, sem,
contudo, deixar de respeitar todas as garantias constitucionais, especialmente as
do contraditório e da ampla defesa.
Assim, o princípio do desenvolvimento sustentável em matéria processual,
com a efetividade da tutela jurisdicional em ações com duração razoável, deve,
além da reforma legislativa, estar acompanhada da questão estrutural e de uma
proporção entre recursos humanos e demandas em trâmite, como foi previsto na
EC nº 45/2004, no atual art. 93, inciso XIII, da CR/889. Sem embargo, os dados
do CNJ não demonstram isso. A título de exemplo, o número de magistrados
permaneceu quase inalterado de 2004 até 2013, enquanto o de servidores efetivos
pouco variou de 2008 até 2013. Contrariamente, a população e o número de
demandas aumentam a cada ano que passa. O primeiro fato, por si só, já com-
prova o descumprimento do mandamento constitucional vigente desde 2004.
É certo que o número de demandas pode derivar de uma majoração de
advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, da ampliação de acesso
à jurisdição, do acréscimo de informações pessoais dos jurisdicionados e da busca
incessante pelos seus direitos10. Sabe-se que, a partir do aumento do número de
advogados, também haverá influência nos demais fatores supracitados. Todavia,
não foi possível analisar o reflexo deste elemento com os demais dados.
Finalmente, o processo eletrônico, que se materializa virtualmente em
bancos de dados, certamente ensejará a diminuição do uso de materiais como
papel, etiquetas, pastas, envelopes, malotes, mobiliário e espaço físico para aco-
modação dos autos, sejam eles ativos ou arquivados. Reduzirá também as despesas
de recursos públicos (com materiais, transporte de feitos e edifícios) e particulares,
porque os advogados terão menor necessidade de deslocamento pelas cidades
e foros para diligenciarem o cumprimento dos prazos processuais, produzindo
economia de combustível e água.

9
Art. 93 da CR/88. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes princípios: XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será
proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população (BRASIL, 1988).
10
Fenômeno da pós-modernidade.

106
O tempo da demanda deveria ter sido otimizado, pela desnecessidade de
rotinas inexistentes no processo eletrônico. Entre elas, pode-se citar a juntadas
de petições e decisões, inclusive dos tribunais, formação de autos, recursais ou
não, e devolução dos feitos das demais instâncias para as Comarcas de origem.
Pode-se inserir no processo eletrônico funcionalidades capazes de agilizar os
trâmites e a apreciação de peças processuais, como a prioridade concedida aos
idosos, enfermos e as tutelas provisórias de urgência (cautelares e antecipatórias),
respectivamente. No entanto, não é isso que vem ocorrendo, pois, a falta de
condições laborais dos magistrados, número precário de juízes e a dificuldade
de leitura dos documentos eletrônicos demonstra a maior necessidade de capital
humano para lidar com os processos eletrônicos.
No entanto, o processo eletrônico provavelmente irá reduzir a necessidade
de servidores públicos, antes destinados ao atendimento de advogados, à conta-
gem de prazos processuais e à movimentação interna dos autos nas Secretarias
dos Juízos, mas isso não é suficiente para outorgar a celeridade procedimental
que a sociedade almeja.
No entanto, é inegável que a atividade judiciária virtual gera menor im-
pacto ao meio ambiente, de modo sustentável, em benefício do jurisdicionado,
das gerações atuais e futuras, acaso os envolvidos na tutela jurisdicional não
imprimam os documentos para facilitar a leitura.
Nesse interim, o processo eletrônico possibilita maior acesso ao Poder
Judiciário, demandando então a majoração de recursos humanos qualificados
(especialmente magistrados e escrivães, todos com conhecimento tecnológico
e sobre os procedimentos aplicáveis às ações), para garantir o cumprimento do
princípio da sustentabilidade e do direito fundamental à razoável duração dos
processos.

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In: REZENDE, Élcio Nacur; CARVALHO, Valdênia Geralda de (orgs.).
Direito ambiental e desenvolvimento sustentável: edição comemorativa dos
dez anos da Escola Superior Dom Helder Câmara. Belo Horizonte: Escola
Superior Dom Helder Câmara ESDHC, 2013, p. 11-51.

BIZAWU, Kiwonghi; GOMES, Magno Federici. Oil exploitation at Virunga


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O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

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________. ________. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Justiça em


números 2013: ano-base 2012. Brasília: CNJ, 2013. Disponível em: <https://
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números 2014: ano-base 2013. Brasília: CNJ, 2014. Disponível em: <https://
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<https://goo.gl/ftJBPP>. Acesso em: 15 jan. 2015.

________. Constituição (1988). Diário Oficial [da] República Federativa


do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: < https://
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DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 11. ed.


São Paulo: Malheiros, 2003.

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do processo civil e modificações normativas anteriores à Emenda Constitucional
nº 45/2004, 2. ed. Belo Horizonte: PUC Minas Virtual, 2012. v. 1.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio


de Janeiro: Aide, 1992.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos, 11. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito processual civil: teoria geral


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NUNES, Dierle José C. Processo jurisdicional democrático: uma análise


crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008. v. 1.

108
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Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

SILVA, José Afonso da. Acesso à justiça e cidadania. Revista de Direito


Administrativo, Rio de Janeiro, n. 216, p. 09-24, abr./jun. 1999.

109
NOVO DELINEAMENTO DA CONEXÃO

Leonardo de Faria Beraldo*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Da modificação de competência. 2.1 Conexão.


2.2 Continência. 2.3 Prevenção. 2.4 Ausência de oposição em se tratando de
incompetência relativa. 2.5 Foro de eleição. 2.6 Inexistência de preliminar
de convenção de arbitragem. 3A disciplina da conexão no novo CPC. 3.1
Considerações iniciais. 3.2 Requisitos. 3.3 Efeito. 3.3.1Regra geral. 3.3.2
Processo de execução. 3.3.3 Risco de decisões contraditórias. 3.3.4 Reunião
de ações em que não há conexão. 3.3.5 Obrigatoriedade do juiz? 3.3.6 Juízo
responsável pela reunião dos processos. 3.4 Momento oportuno para se requerer
a reunião de ações e suas consequências. 4 Recurso cabível.

1 INTRODUÇÃO

A nossa intenção, com o presente estudo, é mostrar como ficou a figura


da conexão no novo Código de Processo Civil (CPC), bem como os seus pos-
síveis efeitos. Para tanto, passaremos, antes, pelas hipóteses de modificação de
competência, situação jurídica na qual a conexão está inserida, juntamente com
a continência e a cláusula de eleição de foro, apenas para citar alguns exemplos.
O texto será curto e objetivo, com doutrina antiga e atual e, claro, com a
jurisprudência construída durante a vigência do CPC/1973.
Antes de iniciarmos o texto propriamente dito, é preciso recordar quais são
os três elementos da ação: partes, causa de pedir e pedido. A existência simultânea
dos três é necessária para a configuração da coisa julgada, da litispendência ou da
perempção. Já para a percepção da conexão, da continência e da prejudicialidade
basta a coexistência de causa de pedir (total ou parcial) ou objeto mediato.

2 DA MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA

O novo CPC cuida, na Seção II, do Capítulo I, do Título III, do Livro


II, da Parte Geral, mais precisamente nos arts. 54 a 63, as hipóteses de modi-
*
Advogado. Mestre em Direito pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil. Professor em cursos de
graduação e pós-graduação de Processo Civil, Arbitragem, Direito Civil e Societário. Ex-Diretor da Escola
Superior de Advocacia da OAB/MG. Ex-Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Presidente
da Comissão Especial da OAB/MG encarregada do estudo do projeto de lei de novo CPC. Ex-Diretor e
Membro do Conselho Deliberativo da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (CAMARB).

111
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ficação de competência. Não esgota todas nessa parte, uma vez que o art. 65,
por exemplo, inserido na Seção seguinte, cuida da prorrogação por ausência de
preliminar de incompetência relativa.
A prorrogação da competência pode ser legal ou voluntária. Essa decorre
da vontade das partes, e, aquela, de imposição da própria lei. Em ambos os ca-
sos, ressalte-se, é preciso que a competência seja relativa. O juiz absolutamente
incompetente não poderá atuar no caso, por vedação expressa da lei. Assim
sendo, a flexibilização, em se tratando de competência, só pode atingir a relativa.1
As razões que justificam essa modificação são das mais variadas ordens: (i)
prestigiar a autonomia privada das partes; (ii) punir ou compreender o silêncio
do réu; (iii) evitar a possibilidade de existirem decisões conflitantes; e, até mesmo,
(iv) imprimir maior efetividade nos processos, evitando e impedindo a prática
de atos desnecessários.

2.1 CONEXÃO

Discorreremos sobre a conexão no item 3 do presente trabalho, contudo,


é possível adiantar que a sua disciplina ficou por conta do art. 55 do novo CPC.

2.2 CONTINÊNCIA

A continência está regulamentada pelo art. 56 do novo CPC, que assim


dispõe: “[...] dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver
identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser
mais amplo, abrange o das demais”. Como se vê, continua com a mesma defi-
nição do CPC/1973.
A novidade está por conta do art. 57 do novo CPC, que diz que “[...]
quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormen-
te, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de
mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas”. O CPC/1973
não possuía dispositivo como esse. É claro que a reunião de ações nas quais existia

A doutrina traz uma exceção a essa regra geral: “As hipóteses de prorrogação de competência previstas pelo
1

Código de Processo Civil aplicam-se exclusivamente às regras de competência relativa, que, justamente
por serem de natureza dispositiva, admitem o afastamento de sua aplicação no caso concreto. A exceção
fica por conta da tutela coletiva, que permite a reunião de demandas conexas mesmo com a determinação
de competência absoluta do local do dano” (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual
civil,7. ed. São Paulo: Método, 2015, item 4.7.1. Vital Source Bookshelf Online).

112
continência entre ambas era possível, mas essa nova solução, de se extinguir uma
delas, sem dúvida é algo novo.
A ideia é boa, mas por certo gerará problemas, e, para tanto, vamos nos
valer de dois exemplos bem práticos. No primeiro, imaginemos que a ação que
será extinta é a primeira que foi proposta. Ora, tendo em vista que juros e correção
monetária têm, como termo inicial, muitas vezes, a data da propositura da ação
ou a data da citação, como será resolvida essa questão? No segundo, quem é que
arcará com as despesas processuais, tais como custas e honorários sucumbenciais,
na ação que será extinta com base no art. 57?
Por fim, cumpre lembrar que é possível a ocorrência de litispendência
parcial, e que ela não se confunde com a continência, devendo, pois, merecer o
tratamento próprio e correto para a sua resolução.2

2.3 PREVENÇÃO

No CPC/1973, existiam duas regras distintas para a determinação da


prevenção (arts. 106 e 219). No novo CPC só há uma regra e ela encontra-se
no seu art. 59: “o registro ou distribuição da petição inicial torna prevento o
juízo”. Como se pode ver, não interessa mais em qual juízo houve a primeira
citação válida ou qual deles despachou em primeiro lugar. Sem dúvida alguma,
essa inovação facilita a praxe forense.
Assim como ocorria no CPC/1973, “a reunião das ações propostas em
separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente” (art.
58 do novo CPC). Essa regra vale até mesmo para a continência, salvo se for
aplicável, no caso concreto, o disposto no art. 57 do novo CPC.

2.4 AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO EM SE TRATANDO DE INCOM-


PETÊNCIA RELATIVA

Tanto a incompetência absoluta como a relativa devem ser arguidas da


mesma maneira no novo CPC, qual seja, por meio de preliminar na contes-
tação. Segundo o art. 64, “a incompetência, absoluta ou relativa, será alegada
como questão preliminar de contestação”. Acabou, desse modo, a exceção de
incompetência.

Cf. VILHENA, Paulo Emílio de Andrade. Conexidade pela “causa excipiendi” e individuação da causa.
2

Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 395, set./1968, p. 30.

113
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A incompetência absoluta continua podendo ser alegada em qualquer


tempo e grau de jurisdição, devendo ser declarada ex officio pelo juiz.

2.5 FORO DE ELEIÇÃO

As partes podem eleger, por livre e espontânea vontade, o foro compe-


tente para o julgamento de eventuais litígios decorrentes do contrato por elas
celebrado. Isso se dá por meio da chamada cláusula de eleição de foro. O novo
CPC continua permitindo seja inserida em contratos a chamada cláusula de
eleição de foro (§ 1º do art. 63).
Merece destaque o § 3º do art. 63, que estatui que, “antes da citação, a
cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo
juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu”.
Antigamente, no CPC/1973, o juiz somente tinha esse poder se a referida cláusula
estivesse inserida em contrato de adesão.
Também deve ser destacado o teor do § 4º do mesmo art. 63: “[...] citado,
incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação,
sob pena de preclusão”.
Concluímos que, se ocorrer a citação do réu, é porque o juiz entende que
a cláusula de eleição de foro é válida e eficaz, não podendo arguir essa matéria
ex officio posteriormente. Nada impede, todavia, que a parte ré possa arguir a
dita invalidade da cláusula em preliminar na contestação, como se fosse incom-
petência relativa.
Também deve ser salientado que, havendo cláusula de eleição de foro, ela
deverá ser observada pelo proponente da ação judicial. A não observância gera
para o réu o direito de alegar, em preliminar na contestação, a incompetência
relativa do juízo. Haverá preclusão se o réu, regularmente citado, não se mani-
festar sobre esse ponto no prazo e na forma da lei.

2.6 INEXISTÊNCIA DE PRELIMINAR DE CONVENÇÃO DE


ARBITRAGEM

Convenção de arbitragem é gênero do qual são espécies a cláusula com-


promissória e o compromisso arbitral.3 Existindo um deles, e o autor, mesmo

Sobre o tema, confira-se: BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem: nos termos da Lei n.
3

9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, p. 157-169.

114
assim, insistir em ir ao Judiciário, deverá o réu arguir, em sede de preliminar na
contestação, a existência da convenção arbitral, sob pena de preclusão. É o que
dispõe o § 6º do art. 337: “a ausência de alegação da existência de convenção
de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição
estatal e renúncia ao juízo arbitral”. Trata-se de positivação daquilo que já era
entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência.

3. A DISCIPLINA DA CONEXÃO NO NOVO CPC

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Não é simples trabalhar com conexão de forma isolada, tanto é que Cân-
dido Rangel Dinamarco assevera que “[...] a conexidade é uma categoria jurí-
dico-processual de tanta amplitude, que conceitualmente é capaz de abranger
em si todas as demais modalidades de relações entre demandas. No confronto
com ela, cada uma destas está em relação de especialidade: na figura genérica
da conexidade acomodar-se-iam todas as demais, não fossem as notas específicas
de cada uma e os tratamentos diferenciados que a lei lhes dá (prejudicialidade,
continência etc.)”.4
O art. 55 do novo CPC preceitua que “reputam-se conexas 2 (duas) ou
mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”.
Ao comentar o art. 103 do CPC/1973, cuja redação sobre conexão é
idêntica à atual, Celso Agrícola Barbi afirma que a lei não está errada, mas é
incompleta, na medida em que “[...] a falha da lei está em que a hipótese prevista
é aquela uma, entre as várias em que ocorre a conexão”.5 O doutrinador ainda
cita como outras hipóteses de conexão as seguintes situações: (i) quando entre as
causas há relação de acessório à principal; (ii) quando uma das partes denuncia
a lide a outrem; (iii) quando o réu age em reconvenção; e (iv) quando uma das
partes propõe a declaratória incidental.6

4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. v. 2, p. 149. Essas outras modalidades às quais o autor se refere são as seguintes: continência,
prejudicialidade, subsidiariedade, mera afinidade, principal e acessória, sucessividade.
5
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
v. 1, p. 284. Nesse sentido: OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT,
1994, p. 61; SILVA, Edward Carlyle. Conexão de causas. São Paulo: RT, 2006, p. 87-88.
6
Cf. BARBI, op. cit.,p. 284. Outros casos específicos de reunião de ações podem ser vislumbrados na seguinte
obra: LOPES, João Batista. A conexão e os arts. 103 e 105 do CPC. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.
707, set./1994, p. 37-39.

115
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Em princípio, quando pensamos em conexão dentro do contexto da rela-


ção entre demandas, costumamos dizer que a conexidade decorre da afinidade
entre duas ou mais ações. No entanto, tanto a doutrina7 como a jurisprudência8
consideram possível a existência de conexão entre duas demandas não só pela afi-
nidade, mas, também, em razão da prejudicialidade de uma em relação à outra.

3.2 REQUISITOS

A lei apresenta dois requisitos alternativos para que possa ocorrer a cone-
xão, quais sejam, identidade de causa de pedir ou de objeto.
A causa de pedir pode ser dividida em remota ou próxima. A causa de
pedir remota refere-se aos fundamentos de fato; a causa de pedir próxima diz
respeito aos fundamentos de direito.
O objeto também comporta uma divisão, podendo ser imediato ou me-
diato. O objeto imediato é o pedido de tutela jurisdicional. No processo de
conhecimento, por exemplo, pode ser uma sentença declaratória, constitutiva
ou condenatória. O objeto mediato é o bem da vida que se pretende com a
sentença ou mesmo com a tutela antecipada antecedente estabilizada.
Desse modo, para que duas ou mais causas possam ser definidas como
conexas, basta que haja coincidência entre a causa de pedir ou o objeto. O ob-
jeto precisa ser o mediato, sem dúvida.9 Já em relação à causa de pedir, pode ser
tanto a próxima, quanto a remota, ou, até mesmo, as duas. Conforme se extrai
da doutrina de Athos Gusmão Carneiro,

[...] supõem-se estejam tramitando perante diferentes


juízos, juízos A e B, duas (ou mais) ações conexas, i.e,
ligadas pela identidade de objeto (eadem petitum) ou pela
identidade, total ou parcial, de causa de pedir (eadem causa
petendi), ou pela identidade de ambos os elementos (CPC,
art. 103). As causas podem ser reunidas, e até devem sê-

7
Nesse sentido: OLIVEIRA NETO, op. cit., p. 82-107.
8
Nesse sentido: “No caso dos autos, o Tribunal a quo reconheceu a existência da conexão entre as ações,
tendo em vista que o resultado da ação de prestação de contas poderá produzir efeitos diretos na ação de
cobrança, ficando, pois, configurada a relação de prejudicialidade entre elas” (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 565.190-PR, Quarta Turma. Relator:
Min. Raul Araújo. Brasília, 23 de setembro de 2014. Diário de Justiça: 23 out. 2014).
9
Nesse sentido: BARBI, op. cit., p. 161.

116
-lo quando necessário para evitar decisões eventualmente
contraditórias (art. 105).10

A jurisprudência quase unânime do STJ entende que não se pode exigir


perfeita identidade entre esses elementos caracterizadores da conexão, e que um
liame que possibilite a decisão unificada já seria o suficiente.11

3.3 EFEITO

A doutrina é contundente em afirmar que não se pode confundir o con-


ceito de conexão com o seu efeito primordial, que é a reunião de processos.
Conexão é um fato processual que pode ter, como consequência, a reunião de
duas ou mais ações conexas entre si. Nos próximos tópicos discorreremos mais
detalhadamente sobre isso.
Em suma, para se verificar se será necessária ou não a reunião das ações
conexas será preciso analisar, com cautela, a intensidade da conexão,12 pois, às
vezes, apesar da aparente obviedade, pode ser que não exista o risco de existirem
pronunciamentos judiciais logicamente conflitantes, o que levaria à desnecessi-
dade de se apensar os feitos.

10
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 103. Nesse
sentido: BARBI, op. cit., p. 160; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de
processo civil, 16. ed. São Paulo: RT, 2016. v. 1, p. 162. Em sentido contrário: DALL’AGNOL, Antônio.
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. v. 2, p. 39; BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 91.138-MG, Terceira Turma. Relator:
Min. Sidnei Beneti. Brasília, 22 de maio de 2012. Diário de Justiça: 31 maio 2012; BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 31.516-SP, Quarta Turma. Relator: Min. Jesus Costa Lima. Brasília,
7 de agosto de 1995. Diário de Justiça: 28 ago. 1995.
11
Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 753.638-
DF, Terceira Turma. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Brasília, 3 de dezembro de 2007. Diário
de Justiça: 12 dez. 2007, p. 415; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em
Recurso Especial nº 119.985-GO, Quarta Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, 14 de agosto
de 2012. Diário de Justiça: 22 ago. 2012; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência
nº 126.681-RJ, Segunda Seção. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 13 de agosto de 2014. Diário de
Justiça: 19 ago. 2014; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 780.509-MG, Quarta
Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Brasília: 25 de setembro de 2012. Diário de Justiça: 25 out. 2012;
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.226.016-RJ, Terceira Turma. Relator: Min.
Nancy Andrighi. Brasília, 15 de março de 2011. Diário de Justiça: 25 mar. 2011.
12
Sobre a intensidade da conexão, confira-se: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 235-238. Sobre o referido cuidado que
acabamos de mencionar, tome-se como exemplo o seguinte aresto, no qual foi decretada a existência de
litispendência mesmo sem que as partes fossem exatamente as mesmas: BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça REsp n. 1.120.000-SP, Primeira Turma. Relator: Min. Benedito Gonçalves. Brasília, 17 de agosto
de 2010. Diário de Justiça: 3 set. 2010. A decisão, no nosso sentir, está correta, pois observou-se o espírito
da norma, bem como quem é a verdadeira parte no mandamus.

117
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

3.3.1 REGRA GERAL

A regra geral sobre o efeito da conexão está contida no § 1º do art. 55


do novo CPC: “[...] os processos de ações conexas serão reunidos para decisão
conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado”.
A única exceção, posta de forma clara e expressa, para justificar a im-
possibilidade de reunião de processos, é se um deles já tiver sido sentenciado.
Trata-se de posicionamento antigo da jurisprudência, como se pode constatar
do enunciado de Súmula n. 235 do STJ.
No entanto, conforme veremos no item 3.3.3, a simples existência de
conexão, por si só, não justifica a reunião de processos.

3.3.2 PROCESSO DE EXECUÇÃO

O § 2º do art. 55 do novo CPC reza o seguinte: “aplica-se o disposto no


caput: I - à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa
ao mesmo ato jurídico; II - às execuções fundadas no mesmo título executivo”.
O novo CPC positivou o entendimento já existente na jurisprudência,
construído durante a vigência do CPC/1973.13
Cf. “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DO DÉBITO. CONEXÃO.1.
13

Se é certo que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título não inibe o direito do
credor de promover-lhe a execução (CPC, art. 585, § 1º), o inverso também é verdadeiro: o ajuizamento da
ação executiva não impede que o devedor exerça o direito constitucional de ação para ver declarada a nulidade
do título ou a inexistência da obrigação, seja por meio de embargos (CPC, art. 736), seja por outra ação
declaratória ou desconstitutiva. Nada impede, outrossim, que o devedor se antecipe à execução e promova,
em caráter preventivo, pedido de nulidade do título ou a declaração de inexistência da relação obrigacional.2.
Ações dessa espécie têm natureza idêntica à dos embargos do devedor, e quando os antecedem, podem
até substituir tais embargos, já que repetir seus fundamentos e causa de pedir importaria litispendência.3.
Assim como os embargos, a ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo representa forma de
oposição do devedor aos atos de execução, razão pela qual quebraria a lógica do sistema dar-lhes curso
perante juízos diferentes, comprometendo a unidade natural que existe entre pedido e defesa. 4. É certo,
portanto, que entre ação de execução e outra ação que se oponha ou possa comprometer os atos executivos,
há evidente laço de conexão (CPC, art. 103), a determinar, em nome da segurança jurídica e da economia
processual, a reunião dos processos, prorrogando-se a competência do juiz que despachou em primeiro lugar
(CPC, art. 106). Cumpre a ele, se for o caso, dar à ação declaratória ou anulatória anterior o tratamento
que daria à ação de embargos com idêntica causa de pedir e pedido, inclusive, se garantido o juízo, com a
suspensão da execução” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 38.045-MA,
Primeira Seção. Relator. Min. Teori Albino Zavascki. Brasília: 12 de novembro de 2003. Diário de Justiça:
9 dez. 2003, p. 202). Existia entendimento em sentido contrário, porém, era minoritário. Apenas a título
exemplificativo, confira-se: “- Não há que se falar em conexão entre processo de conhecimento e processo
de execução. Aquele depende de conhecimento de mérito, este não. - Apesar das ações serem fundadas em
um mesmo contrato celebrado entre as partes, não existe risco de decisões conflitantes. - Enuncia o artigo
585, §1°, do CPC: ‘a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não
inibe o credor de promover-lhe a execução’” (MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado.
Agravo de Instrumento nº 1.0210.11.004862-1/002, Décima Sexta Câmara Cível. Relator: Des. Batista
de Abreu. Belo Horizonte, 13 de novembro de 2014. Diário de Justiça: 24 nov. 2014).

118
Existem, destarte, duas situações distintas e objetivas de conexão. Na
primeira, basta que exista uma execução de título executivo extrajudicial e uma
ação de conhecimento visando invalidar, modificar ou desconstituir o referido
título.14 Na segunda, é preciso que haja mais de um procedimento executivo
fundado no mesmo título executivo, v.g., sendo um para pagamento de quantia
certo e o outro para obrigação de fazer.15
Observe-se, no entanto, que o legislador afirmou que, nos dois casos do §
2º do art. 55, há conexão. Em outras palavras, não foi dito, pelo novo CPC, que
nas hipóteses do referido § 2º deveria sempre ocorrer o apensamento das ações.
Conforme já explanado anteriormente, a reunião de ações conexas é um efeito
da conexão, contudo, que só deve ocorrer se existir o risco, por menor que seja,
de serem proferidas decisões contraditórias. Desse modo, podemos concluir que
o disposto no § 2º do art. 55 está sujeito ao crivo do regramento previsto no §
3º do art. 55, ou seja, somente diante da ameaça de serem prolatados pronun-
ciamentos judiciais conflitantes é que se justificará a reunião das ações conexas.16

3.3.3 RISCO DE DECISÕES CONTRADITÓRIAS

A grande justificativa para se apensar ações conexas é a de se evitar a


ocorrência de decisões contraditórias. A contradição que interessa nesse ponto é
aquela que impossibilita a efetivação de uma das decisões judiciais.17 Pense-se, por
exemplo, em uma ação de invalidação de deliberação tomada em uma assembleia
de uma sociedade anônima, sociedade limitada ou mesmo de um condomínio
edilício. Se existirem duas ações contra a mesma parte, com a mesma causa de
pedir ou objeto, e uma for acolhida e a outra não, certamente instaurar-se-á
um verdadeiro caos, uma vez que, para um juízo, a deliberação será inválida,
enquanto que, para o outro, será válida.
Apenas para trazer um exemplo que denota a inexistência de decisões
contraditórias, não nos parece que seria preciso reunir ações de compensação

14
Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC nº 38.045-MA.
15
Nesse sentido: MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº
1.0687.14.000222-5/001, Sétima Câmara Cível. Rel. Des. Peixoto Henriques. Belo Horizonte, 26 de
maio de 2015. Diário de Justiça: 1º jun. 2015.
16
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 232-233.
17
Apenas por curiosidade, recentemente o STJ foi provocado, por meio de Petição, a atribuir efeito suspensivo
a recurso especial interposto e já admitido, mas que ainda não tinha chegado a essa Corte. A base legal foi o
art. 1.029, § 5º, I, do novo CPC. O objeto do recurso especial é, justamente, a existência de duas decisões
judiciais contraditórias. Seguem os dados da decisão monocrática: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Pet. nº 11.399-SP, Quarta Turma. Relator: Min. Marco Buzzi. Brasília, 14 de abril de 2016. Diário de
Justiça: 19 abr. 2016.

119
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

por danos morais oriundas do mesmo atraso de voo. A causa de pedir é, sem
dúvida, a mesma, no entanto, pouco importa, para o Direito, se João terá êxito
na sua lide, e Maria, por outro lado, não, por entender o juiz que o dito atraso
não é ato ilícito, mas, sim, mero aborrecimento. É claro que é desagradável tal
situação, especialmente se as partes se conhecem, contudo, essa diferença de
resultados nos dois processos, um com resultado de procedência e o outro com
decisão de improcedência, com lastro na mesma causa de pedir, não pode ser
vista, para os fins almejados e pensados para o § 3º do art. 55 do novo CPC,
como decisões logicamente conflitantes. As decisões logicamente contraditórias
são aquelas inconvivíveis dentro do mesmo ordenamento.
Sabendo dessa particularidade, disse o legislador no § 3º do art. 55 do
novo CPC que: “[...] serão reunidos para julgamento conjunto os processos que
possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso
decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
Conforme bem ponderou Guilherme Rizzo Amaral,

[...] é fundamental ressaltar que tal conflito ou contradi-


ção não diz respeito a conflito de tese. É dizer: demandas
com o mesmo fundamento, propostas em juízos distintos,
poderão ter decisões discrepantes. O que interessa, aqui,
é que as decisões sejam contraditórias entre si com rela-
ção ao mesmo objeto, tornando-se inviável a efetivação
(cumprimento ou execução) de ambas simultaneamente.18

Alexandre Freitas Câmara reforça esse posicionamento no sentido de que,


para haver o apensamento de ações conexas, é preciso que haja a identidade
quanto ao objeto, e, não, em relação à causa de pedir.19
Nessa mesma esteira é o escólio de Cândido Rangel Dinamarco: “[...] essa
utilidade está presente sempre que as providências a tomar sejam aptas a pro-
porcionar a harmonia de julgados ou a convicção única do julgador em relação
a duas ou mais demandas”.20
Portanto, sempre que existir o risco de existirem pronunciamentos ju-
diciais logicamente contraditórios, será necessária a determinação para que as
ações conexas (e mesmo as que não sejam, conforme se extrai da parte final do
§ 3º do art. 55) sejam reunidas perante o juízo prevento.

18
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 113.
19
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 53.
20
DINAMARCO, op. cit., p. 151.

120
3.3.4 REUNIÃO DE AÇÕES EM QUE NÃO HÁ CONEXÃO

Uma vez mais reputamos necessário transcrever o § 3º do art. 55 do novo


CPC: “[...] serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam
gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos
separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
O que nos interessa, nesse exato momento, é a parte final do dispositivo,
qual seja: “mesmo sem conexão entre eles”. Conforme já informamos no item
anterior, esse § 3º, como um todo, inexistia no CPC/1973, contudo, a sua pri-
meira parte já era aceita por toda a doutrina. Já essa parte final tem sido objeto
de alguns debates e incompreensões. Como e por que reunir duas ações que não
sejam conexas? Já que não se sabe quem foi o criador do dispositivo, tentaremos
apresentar algumas possíveis explicações para tanto. O que se pode afirmar, to-
davia, é que o legislador quis criar uma flexibilidade maior para o ordenamento
processual em se tratando de reunião de ações.
A primeira explicação seria a possibilidade de se reunir ações com base
apenas na similitude entre as causas de pedir remotas ou somente entre as causas
de pedir próximas. Para o profissional do direito que não acompanha de perto
a evolução doutrinária e jurisprudencial do direito processual civil, e que ainda
acha que, para que houvesse conexão, seria preciso identidade entre causas de
pedir como um todo, ou seja, no seu aspecto próximo e remoto, esse § 3º ser-
viria para mostrar que a reunião de processos seria possível apenas com base na
identidade parcial entre causas de pedir. A doutrina e a jurisprudência, citadas
no item 3.2, demonstram isso.
A segunda explicação seria a possibilidade de se reunir ações com base na
prejudicialidade de uma em relação à outra. A prejudicialidade externa sempre
foi vista no CPC/1973 (art. 265, IV, a) como uma possível causa de suspensão
da causa prejudicada em relação à outra. Talvez o legislador quis abarcar essa
possibilidade dentro do novo regramento aberto disposto no § 3º. Essa explica-
ção, porém, não é muito convincente, uma vez que, dificilmente, existirá uma
relação de prejudicialidade entre duas ações sem que, pelo menos, uma das causas
de pedir fosse similar uma à outra. De todo modo, queremos afirmar que, no
nosso sentir, é possível a reunião de duas ações, que não possam ser consideradas
conexas entre si, mas que exista relação de prejudicialidade entre ambas, desde
que haja o risco de prolação de decisões logicamente contraditórias.
A terceira explicação seria a possibilidade de se reunir ações cuja relação
jurídica seja a mesma. Exemplos disso seriam a reunião: (i) de ação de investigação
de paternidade e ação de alimentos proposta pelo menor em face do suposto

121
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

pai; (ii) de ação de despejo e ação de consignação em pagamento, oriundas do


mesmo contrato. Concordamos que exista a necessidade de se reunir as ações nos
dois exemplos, porém, em ambos, seria possível reuni-las com base na existência
de causa de pedir comum. Como em ambos os exemplos consideramos que a
causa de pedir remota seja a mesma,21 vê-se que estamos, uma vez mais, diante
de uma explicação não convincente. Uma vez mais, se se entender que nos dois
exemplos acima, bem como em outros que possam vir a surgir, inexista conexão
ou mesmo prejudicialidade externa, ainda assim será possível a reunião das ações,
desde que haja o risco de prolação de decisões logicamente conflitantes.
Cássio Scarpinella Bueno escreveu o seguinte sobre a parte final do §
3º do art. 55: “[...] o dispositivo certamente terá, dentre tantas outras, intensa
aplicação aos casos que têm como ponto de partida uma mesma lesão ou ame-
aça a direito envolvendo diversos interessados e que, não obstante, precisam ser
homogeneamente resolvidos”.22 O doutrinador está correto e por isso reiteramos
que é prudente deixar uma regra mais aberta para a resolução de circunstâncias
excepcionais.23
Concluímos nossos comentários sobre essa parte final do § 3º do art. 55
transcrevendo os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery:

[...] fica realmente difícil imaginar a existência de interesse


em julgamento conjunto se não existe pelo menos um
dos pressupostos apresentados no coment. 2 acima. Pro-
vavelmente o legislador do atual CPC incorreu em erro ao
considerar a antiga definição de conexão do CPC/1973,
que, como visto acima, disse menos do que queria. Na
prática, acaba ocorrendo conexão.24

21
É possível sustentar o contrário, especialmente no primeiro exemplo.
22
BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 115.
23
Isso, nada mais é, daquilo que a doutrina costumava denominar de afinidade. Nesse sentido, confira-se: “[...]
a afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito é uma relação tênue de semelhança
entre duas ou mais demandas. É uma conexidade degradada, de intensidade menor, caracterizada por uma
causa petendi parcialmente igual, mas que não chega ao ponto de ser a mesma. Basta que lhes seja comum
o fundamento na mesma disposição de lei ou a alegação de um fato-base do qual hajam decorrido crédito
ou prejuízos para mais de uma pessoa. Exemplo típico é o caráter lesivo de um medicamento, que pode
ser alegado por um grande número de consumidores...” (DINAMARCO, op. cit., p. 151). No entanto,
quando escreveu sobre isso à luz do CPC/1973, o mesmo autor disse que “[...] a mera afinidade não é
fator de prorrogação da competência, nem de admissibilidade da reconvenção, nem da reunião de causas
propostas separadamente” (Ibid., p. 152).
24
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil.
São Paulo: RT, 2015, p. 340. Apenas para elucidar o leitor, no denominado coment. 2 referido na citação,
os dois doutrinadores estão discorrendo sobre os requisitos da conexão, quais seja, causa de pedir ou objeto.
Nesse mesmo sentido, entendendo ser, de certa forma, desnecessária essa expressão final do § 3º do art. 55.

122
3.3.5 OBRIGATORIEDADE DO JUIZ?

A jurisprudência que se formou ao longo da vigência do CPC/1973 foi


no sentido de que o apensamento de ações conexas seria faculdade do juiz, e,
não, obrigação.25 Para tanto, partiu-se da premissa de que, para a reunião de
ações conexas, seria preciso, antes, verificar se nelas existia o risco de prolação de
decisões conflitantes. O entendimento adotado foi o de que isso seria um juízo de
discricionariedade do magistrado, logo, seria uma faculdade a reunião dos feitos.
De fato, não há como negar a exatidão desse posicionamento, uma vez
que o juiz deverá estar ou ser convencido do risco ou, pelo menos, do potencial
risco de se ter, nas ações conexas, decisões contraditórias, o que causaria um
imbróglio jurídico, na medida em que geraria a dúvida, nas partes e no próprio
Poder Judiciário, sobre qual das decisões deve prevalecer.
No novo CPC não há resposta para esse problema, tendo em vista que
os §§ 1º a 3º do art. 55 não trouxeram maiores informações ou determinações
acerca da matéria. A única observação que deve ser tecida, nesse instante, é a de
que o juiz tem o dever de determinar a reunião de ações conexas sempre que
acreditar que haja o risco, por menor que seja, de prolação de decisões logica-
mente conflitantes.
Dito isso, cumpre mencionar que, no magistério de Leonardo Greco,26

Disse o autor: “a pergunta é: por que será que existe risco de sobrevirem decisões incompatíveis entre duas
ou mais demandas não afins, idênticas ou relacionadas por continência? A resposta, simples, é a existência
de algum tipo de conexidade (por identidade ou por oposição) entre elas. A circunstância de esses tipos de
vínculos lógico-conectivos não virem ‘batizados’ pelo Código altera em nada a realidade das coisas, não,
ao menos, no altiplano dos conceitos lógico-jurídicos” (OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Comentários ao
art. 55 do CPC/2015. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 224-225).
25
Nesse sentido: “2. Segundo a jurisprudência desta Corte, a reunião dos processos por conexão configura
faculdade atribuída ao julgador, sendo que o art. 105 do Código de Processo Civil concede ao magistrado
certa margem de discricionariedade para avaliar a intensidade da conexão e o grau de risco da ocorrência
de decisões contraditórias. 3. Justamente por traduzir faculdade do julgador, a decisão que reconhece a
conexão não impõe ao magistrado a obrigatoriedade de julgamento conjunto. 4. A avaliação da conveniência
do julgamento simultâneo será feita caso a caso, à luz da matéria controvertida nas ações conexas, sempre
em atenção aos objetivos almejados pela norma de regência (evitar decisões conflitantes e privilegiar a
economia processual). 5. Assim, ainda que visualizada, em um primeiro momento, hipótese de conexão
entre as ações com a reunião dos feitos para decisão conjunta, sua posterior apreciação em separado não
induz, automaticamente, à ocorrência de nulidade da decisão” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça,
Recurso Especial nº 1.255.498-CE, Terceira Turma. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 19
de junho de 2012. Diário de Justiça: 29 ago. 2012). Confiram-se, ainda: RTJ 104/700, RT 569/216, RT
493/137, RT 499/222 e RT 600/194.
26
Cf. “Apesar de toda a ênfase que o Código de 2015 confere à conveniência de uniformidade nas decisões
judiciais e à sua coerência, o que se exterioriza nos diversos mecanismos que prestigia ou institui para a
consolidação da jurisprudência, é inevitável que a decisão sobre a reunião de ações conexas fique sempre
submetida a um preponderante juízo de utilidade, ou seja, de conveniência e oportunidade, com caráter
preponderantemente discricionário. Por outro lado, nenhuma sinalização suficientemente enfática dessa
suposta obrigatoriedade se encontra no Código de 2015 quando trata dos pressupostos de validade do

123
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

seria lícito ao magistrado deixar de ordenar o apensamento das ações conexas,


mesmo diante das expressas hipóteses do § 2º do art. 55, se acreditar que a
efetividade do processo restará comprometida.
A ponderação do doutrinador, em princípio, está totalmente em desa-
cordo com o disposto no § 1º do art. 55, pois, o que se permite extrair, desse
regramento, é que as ações conexas somente poderão deixar de ser apensadas se
uma delas já tiver sido sentenciada. No entanto, é possível que as partes de um
mesmo polo da relação processual, nas hipóteses de litisconsórcio facultativo
unitário, de comum acordo, possam pretender se valer do processo para querer
atrapalhar ou prejudicar a outra parte. Basta pensar numa deliberação tomada
em assembleia geral de um condomínio edilício de uma grande cidade em que
os condôminos vencidos, aos poucos, ingressem em juízo, separadamente, claro,
para questionar a validade da deliberação. Com amparo nos §§ 1º e 3º do art.
55, todas as ações deverão ser apensadas e julgadas conjuntamente, porém, como
a cada instante surge uma nova ação judicial, é possível que se demore muitos
anos até o dia em que as sentenças, finalmente, serão prolatadas. Isso, além de
poder prejudicar seriamente a vida do condomínio, não está em consonância
com o inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88 e com o art. 4º do novo CPC.
De lege ferenda, a solução para se conter casos como esse narrado no pará-
grafo anterior, que podem ou não decorrer de abuso de direito das partes, seria
a de se alterar a nossa legislação, no sentido de se criar um prazo decadencial
bastante enxuto para lides dessa natureza, bem como criar regras mais rígidas
de legitimidade ativa, de competência absoluta, de conexão e de coisa julgada, e
que poderiam valer tanto para o direito societário quanto para os condomínios
edilícios. Já tivemos a oportunidade de discorrer com detalhes sobre isso, inclusive
mostrando como é disciplinado na Alemanha, na Itália e em Portugal.27 Vale
a pena, portanto, refletir sobre uma mudança no nosso ordenamento jurídico
nessa seara.

3.3.6 JUÍZO RESPONSÁVEL PELA REUNIÃO DOS PROCESSOS

No CPC/1973 existia regra expressa determinando que as ações conexas


que estivessem tramitando em juízos diferentes deveriam ser reunidas perante

processo ou do tema das invalidades processuais. Isso significa que, mesmo em hipóteses em que o legislador
é expresso, como as do § 2º do artigo 55, em recomendar a reunião de ações no mesmo processo, há um
largo espaço para deixar de aplicar tal recomendação, tendo em vista inúmeros fatores, como o estágio
em que se encontre um ou outro processo, a maior necessidade ou utilidade de associar a solução de um
a do outro, a excessiva morosidade ou onerosidade que poderão decorrer dessa reunião. Não se pode
esquecer, ademais, que a reunião de ações conexas implicará cumulação de ações no mesmo processo, cujos
pressupostos, de que trataremos mais adiante no item 8.7, poderão impedir, sob pena de nulidade, essa
reunião” (GRECO, op. cit., item 7.3).
27
Cf. BERALDO, op. cit., p. 395-397.

124
o juízo prevento. Esse dispositivo, entretanto, não foi repetido pelo novo CPC.
Apesar dessa supressão legislativa, consideramos que o seu espírito permanece
vivo dentro do Código. Nesse caso, nos casos de conexão, continência e nas
ações que tenham risco de ter decisões conflitantes, dever-se-á reuni-las, se for
o caso, perante o juízo prevento, ex vi do disposto no art. 58 do novo CPC.28

3.4 MOMENTO OPORTUNO PARA SE REQUERER A REUNIÃO


DE AÇÕES E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A conexão tem natureza de matéria de ordem pública, logo, pode ser ar-
guida a qualquer tempo e grau de jurisdição,29 por todos os sujeitos do processo,
inclusive ex officio pelo magistrado. No entanto, o momento mais oportuno para
se apresentar essa defesa processual dilatória é em preliminar na contestação (art.
337, VIII, do novo CPC).
Como no novo CPC a apresentação da contestação ficou postergada,
como regra geral, para depois da audiência de conciliação ou de mediação do
art. 334, nada impede que a parte interessada em imprimir maior celeridade às
ações conexas peticione, tão logo tenha conhecimento do fato, e peça ao juiz
que apense as ações conexas (se estiverem no mesmo juízo) ou, então, decline de
sua competência para o juízo prevento onde já tramita uma das ações conexas
(se estiverem em varas distintas).
É oportuno registrar que o pedido de reunião de ações que não sejam
conexas entre si, mas que contenham o risco de produzir decisões contraditórias,
conforme disposição do § 3º do art. 55 do novo CPC, pode se dar a qualquer
momento. É verdade que o novo CPC não trouxe qualquer tipo de regra sobre
isso, porém, defendemos essa tese aplicando-se, analogicamente, as disposições
sobre conexão.
A base legal para o conhecimento da alegação de reunião de feitos em razão
da não observância do § 3º do art. 55, a qualquer tempo e grau de jurisdição,

Nesse sentido: WAMBIER; TALAMINI, op. cit., p. 163.


28

O entendimento quase unânime é no sentido de que não se pode arguir tais vícios, em sede de recursos
29

especial ou extraordinário, se não tiver havido o devido prequestionamento. Isso porque, tanto o STJ quanto
o STF, não podem ser vistos como tribunais de terceira instância. A função de ambos, em linhas gerais,
é zelar pela correta aplicação da lei federal e da CF/88. Desse modo, não se pode alegar algum vício no
processo sem que a matéria tenha sido previamente debatida. Em suma, o efeito translativo não se aplica
às cortes superiores, salvo se o respectivo recurso tiver sido admitido pelo tribunal superior em questão.
Nessa hipótese, o efeito devolutivo engloba as questões de ordem pública. Nesse sentido: BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 869.534-SP, Primeira Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki.
Brasília, 27 de novembro de 2007. Diário de Justiça: 10 dez. 2007, p. 306; BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial nº 789.062/MG, Segunda Turma. Relator: Min. Castro Meira. Brasília, 28
de novembro de 2006. Diário de Justiça: 11 dez. 2006, p. 343.

125
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

está no § 3º do art. 485 do novo CPC.30 No nosso sentir, esse assunto deve ser
enquadrado dentro do inciso IV do art. 485, isto é: “[...] verificar a ausência de
pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”.
Assim, sempre que o § 3º do art. 55 for violado ou estiver correndo algum risco
iminente de assim o ser, é porque há algum problema de competência do juízo,
devendo, pois, ser corrigido.31
Com efeito, também faz-se mister salientar que o não apensamento de
ações, conexas ou não, e que apresentem risco iminente de produzir decisões
conflitantes, por si só, não pode gerar invalidades no processo. Como diz o jargão
jurídico, “não há nulidade sem prejuízo”. Por conseguinte, a parte interessada
em arguir o erro ao não se deferir o pedido de reunião de ações, bem como pelo
não apensamento por omissão das partes ou do juiz (sem pedido expresso), com
esteio no § 3º do art. 55, deverá demonstrar o seu efetivo ou iminente prejuízo,
sob pena de não lograr êxito nesse pleito.
O STJ, aliás, já teve a oportunidade de julgar o tema e assim decidiu:
“assim, ainda que visualizada, em um primeiro momento, hipótese de conexão
entre as ações com a reunião dos feitos para decisão conjunta, sua posterior
apreciação em separado não induz, automaticamente, à ocorrência de nulidade
da decisão. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima pas de
nullité sans grief, segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo, aplicável
inclusive aos casos em que processos conexos são julgados separadamente”.32

4 RECURSO CABÍVEL

O sistema recursal ordinário no novo CPC ficou delineado da seguinte


maneira: (i) apelação contra sentença (art. 1.009); (ii) agravo de instrumento
contra as decisões interlocutórias elencadas no rol taxativo do art. 1.015, caput
e parágrafo único; (iii) preliminar na apelação ou nas contrarrazões contra as
interlocutórias não sujeitas a agravo de instrumento (§ 1º do art. 1.009); (iv)
embargos de declaração contra qualquer decisão judicial (art. 1.022); e, (v) agravo
interno contra as decisões monocráticas do relator em TJ ou TRF.
Quando a parte estiver diante de uma decisão interlocutória que não seja
agravável, terá quatro alternativas: (i) opor embargos de declaração, caso haja

30
Cf. § 3º do art. 485. “O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em
qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”.
31
Nesse sentido: NEVES, op. cit., item 4.7.2.1.4.
32
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.366.921-PR, Terceira Turma. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 24 de fevereiro de 2015. Diário de Justiça: 13 mar. 2015.

126
omissão, obscuridade, contradição ou erro material; (ii) apresentar pedido de
reconsideração, se os aclaratórios não forem cabíveis; (iii) impetrar mandado de
segurança, caso a decisão seja ilegal e exista direito líquido e certo;33 e, (iv) ques-
tionar a validade ou o mérito da dita decisão, na apelação ou nas contrarrazões,
se não existir urgência e for possível esperar a sentença.
Em relação ao rol exaustivo do art. 1.015, é uma pena que ali não conste,
como hipótese de cabimento de agravo de instrumento, as decisões do juiz de
primeira instância que versarem sobre competência. Além de ser mais eficaz
para o processo a imediata resolução de questões desse jaez, certamente não im-
pactariam, de forma negativa, o volume do número de processos nos tribunais.
Antes de adentrarmos na parte recursal, cumpre salientar que, nos termos
do § 3º do art. 64 do novo CPC, “caso a alegação de incompetência seja acolhida,
os autos serão remetidos ao juízo competente”. E, segundo o parágrafo único do
art. 66 do novo CPC, “o juiz que não acolher a competência declinada deverá
suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo”. Apesar de não ser recurso,
as decisões judiciais em matéria de competência podem, em alguns casos, serem
objeto de conflito de competência, que é um procedimento, já do conhecimento
de todos os que trabalham com o direito processual civil, e que será julgado pelo
tribunal competente. Suas hipóteses de cabimento estão previstas no art. 66 e
o seu procedimento está regulamentado pelos arts. 951 a 959 do novo CPC.
Assim, não caberá agravo de instrumento contra as decisões interlocu-
tórias que acolherem ou rejeitarem pedidos de reunião de feitos por conexão,
continência e prevenção. Também não será viável tal recurso se o juiz rejeitar
preliminar na contestação de incompetência absoluta ou relativa.
Sobre a preliminar de existência de convenção de arbitragem, se for rejei-
tada caberá o agravo de instrumento (art. 1.015, III); se for acolhida, o processo
será extinto por sentença (art. 485, VII), logo, desafiará apelação. É possível,
todavia, que o juiz rejeite em parte a preliminar de convenção de arbitragem,
caso, por exemplo, entenda que apenas parte da lide judicial esteja acobertada pela
convenção arbitral.34 Nessa hipótese, entendemos ser admissível a interposição
de agravo de instrumento com fulcro no inciso III do art. 1.015.

33
Nesse sentido: “A irrecorribilidade, in casu, traz como consequência a possibilidade do mandado de segurança
se a parte se sentir violada pela decisão do relator, sempre que se puder nela divisar ilegalidade ou abuso
de poder” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p. 84).
34
Isso decorre de as partes poderem estabelecer, por meio de cláusula compromissória ou de compromisso
arbitral, que apenas parte do contrato (indicando qual é) está sujeito à resolução por meio de arbitragem.

127
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

REFERÊNCIAS

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Processo Civil: novo CPC (Lei 13.105/2015). Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

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CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo:


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MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. A conexão de causas no processo civil.


Revista de Processo, São Paulo, n. 109, jan./mar.2003.

128
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao
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São Paulo, n. 36, out./dez. 1984.

NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual civil, 7. ed. São


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OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Comentários ao art. 55 do CPC/2015. In:


WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves comentários ao novo
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OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Conexidade e efetividade processual. São


Paulo: RT, 2007.

OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT,
1994.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de


Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

________. Curso de direito processual civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v. 1.

VILHENA, Paulo Emílio de Andrade. Conexidade pela “causa excipiendi” e


individuação da causa. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 395, set./1968.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de


processo civil,16. ed. São Paulo: RT, 2016. v. 1.

129
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E O NOVO CPC:
valorização da advocacia

Luis Cláudio da Silva Chaves*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Teoria geral dos honorários advocatícios.


3 Valorização dos honorários de sucumbência no novo CPC. 4 Considerações
finais.

1 INTRODUÇÃO

Muito se tem dito que o novo Código de Processo Civil – CPC (Lei n.
13.105, de 16 de março de 2015) é um marco histórico das conquistas da ad-
vocacia brasileira. Primeiro diploma civil-processual sancionado em um regime
democrático no País, traz uma concepção democratizante acerca dos processos
judiciais, das partes e dos sujeitos que atuam no processo, através de princípios
que buscam reduzir a litigiosidade, efetivar a celeridade processual, desburo-
cratizar os procedimentos, e, sobretudo, garantir os direitos fundamentais de
todos os cidadãos envolvidos na prestação jurisdicional. Quanto à advocacia,
em seu favor revertem valiosas aquisições. Dentre as mais relevantes, podemos
destacar as disposições normativas sobre os honorários sucumbenciais, inovação
paradigmática do novo Código.
Essa matéria era tratada, pelo Código de 1973, de maneira escassa, flagran-
temente insuficiente. Agora, a novel legislação cuidou de dispensar-lhe tratamento
minucioso e exaustivo, ao resolver várias controvérsias que afloraram nas mais
de quatro décadas de vigência do CPC/73, muitas sequer solucionadas pelos
tribunais. É reconhecida uma clara intenção do legislador de tutelar a dignidade
dos honorários, proscrevendo seu aviltamento – intenção que cumula, afinal, na
tutela da dignidade dos próprios advogados e do sistema de Justiça, haja vista
a indispensabilidade da advocacia para o Estado democrático de direito, nos
termos do art. 133 da Constituição.

*
Advogado. Vice-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor da Escola
Superior Dom Helder Câmara. Mestre em Direito. Doutorando em Direito na Universidade Autônoma
de Lisboa.

131
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

2 TEORIA GERAL DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Honorários é o nome dado à retribuição pecuniária fixada amigavelmente


como contraprestação pelos serviços prestados no exercício de certas profissões
liberais. Sua origem histórica e etimológica está ligada à ideia de honra. Os
romanos acreditavam que a retribuição do cliente ao seu patrono era uma hon-
raria, e não propriamente pecúnia: “A designação de ‘honorários’ significa não só
(etimologicamente e historicamente) que se trata de pagamento de uma dívida
de honra (...), mas também que a dignidade da profissão não se compadece com
o pagamento do vulgar ‘salário’” (ARNAUT apud MEDINA, 2016, p. 129).
A advocacia ostenta especial dignidade no ordenamento jurídico de to-
das as nações comprometidas com a Justiça. A Constituição Federal do Brasil
reconhece expressamente que o advogado, em seu exercício profissional, presta
serviço público e exerce função social (ver art. 133 da CF, e também art. 2º,
§1º, da Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB). Seguindo
uma tradição de séculos, o direito brasileiro prescreve que o advogado perceberá
honorários, remuneração ajustada pela prestação do serviço que foi contratado,
assegurando-lhe a possibilidade de cobrá-los do cliente, caso este descumpra a
obrigação de contrapartida. Eles deverão ser compatíveis “com o trabalho e o
valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos pelo
Conselho Seccional da OAB” (art. 22, §2º do EAOAB), e devem exprimir o com-
promisso da advocacia de mostrar-se incompatível com “qualquer procedimento
de mercantilização” (art. 5º do Código de Ética e Disciplina da OAB – CED).
Desdobram-se basicamente em três tipos: i) os honorários contratuais ou
convencionais, ii) os honorários sucumbenciais e iii) os honorários fixados por
arbitramento judicial. Todos, embora tenham origem de estipulação distinta, têm
por ponto comum o objetivo de remunerar os serviços prestados pelo advogado
(ver art. 22 do EAOAB: “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos
na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento
judicial e aos de sucumbência”).
i) Os honorários contratuais ou convencionais são aqueles combinados
entre o profissional e o cliente, mediante contrato via de regra escrito e assi-
nado pelas duas partes. Na condição de produto de acordo mútuo, podem ser
estipuladas diversas formas de cobrança, tais como um valor acertado no início
do processo (a ser pago em prestação única ou em mensalidades); um valor no
final do processo, geralmente um percentual sobre o êxito do cliente ou uma
combinação das formas anteriores (ver art. 22, § 3º do EAOAB).1

Art. 22, § 3º do EAOAB: “Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do
1

serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final”.

132
ii) Os honorários sucumbenciais são praticáveis pela imposição de que,
em um processo, a parte vencida deva pegar um valor ao advogado da parte
vencedora. São fixados pelo juiz que presidiu o processo e, apesar de não serem
tabelados, devem variar entre 10% e 20% sobre o valor da condenação (art. 85,
§ 2º do novo CPC e art. 20, § 3º do antigo CPC). Conforme art. 85, § 1º do
novo CPC, “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumpri-
mento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos
recursos interpostos, cumulativamente”.
iii) Os honorários arbitrados judicialmente são praticados quando o ad-
vogado e o cliente não combinam previamente os honorários contratuais ou
discordam após uma combinação verbal. Nessa situação, um juiz analisa o caso
e fixa um valor que entende como correto, tendo em vista o valor do trabalho, o
valor econômico da questão e os limites da tabela de honorários da OAB. Deve o
advogado renunciar previamente ao mandato que recebera do cliente em débito,
fazendo-se representar por um colega (art. 43 do CED).
No que respeita aos honorários sucumbenciais – que são, precisamente, o
escopo desta explanação – note-se que são independentes daqueles convencionais,
de maneira que o profissional poderá receber ambos. Esse tipo de honorário tem
como norte a aplicação associada dos equilaterais princípios da sucumbência e da
causalidade. O princípio da sucumbência determina que “quem perdeu, paga”.
Normalmente, constata-se que o sucumbente foi o responsável pela propositura
da ação, foi quem criou um problema sem o qual a ação não teria existido, e,
por essa razão, deve ser condenado a pagar os honorários do advogado da parte
oposta, na proporção mesma em que deu causa à litigância. Aqui aparece o prin-
cípio complementar da causalidade, segundo o qual a verba honorária deverá ser
paga por aquele que causou os motivos de propositura da ação.
No entanto, é possível, em contrário à regra, que a parte responsável pela
existência da causa seja a parte vencedora, a qual, apesar de ter triunfado na
demanda, motivou por atitude própria que o problema tenha surgido. Como
exemplo, temos o caso de “perda de objeto processual”, em que o interesse pro-
cessual da parte se perde por ato praticado pela outra (ver art. 85, § 10: “Nos
casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao
processo”). Nesses casos, será o vencedor (e não o sucumbente) quem pagará
os honorários advocatícios, hipótese em que os princípios da sucumbência e
da causalidade se dissociam, este prevalecendo sobre aquele. A esse respeito, a
Corte Especial do STJ editou a Súmula 303: “em embargos de terceiro, quem
deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”. A
lição é desenvolvida em arestos do mesmo tribunal:

133
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Em se tratando de embargos de terceiro, deve o magistra-


do, na condenação dos ônus sucumbenciais, atentar para
os princípios da sucumbência e da causalidade, pois há
casos em que o embargante, embora vencedor na ação,
é o responsável por seu ajuizamento, devendo sobre ele
recair as despesas do processo e os honorários advocatícios
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº
724.341-MG, Primeira Turma. Rel. Min. Denise Arruda.
Brasília, 2 de outubro de 2007. Diário de Justiça: 12 nov.
2007, p. 158).
[...]
Nos embargos de terceiro cujo pedido foi acolhido para
desconstituir a constrição judicial, os honorários advocatí-
cios serão arbitrados com base no princípio da causalidade,
responsabilizando-se o atual proprietário (embargante), se
este não atualizou os dados cadastrais. Os encargos da su-
cumbência serão suportados pela parte embargada, porém,
na hipótese em que esta, depois de tomar ciência da trans-
missão do bem, apresentar ou insistir na impugnação ou
recurso para manter a penhora sobre o bem cujo domínio
foi transferido para terceiro (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso Especial nº 1.452.840-SP, Primeira Seção.
Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 14 de setembro
de 2016. Diário de Justiça: 5 out. 2016) (Info 591).

Modificações de primeira grandeza foram inseridas pelo novo CPC no


assunto dos honorários advocatícios, consubstanciadas no art. 85 e seus incisos
e parágrafos. No novo Código, os honorários deixaram de ser uma espécie do
gênero “Despesas processuais” para integrar a seção “Das despesas, dos honorários
advocatícios e das multas”, sendo reconhecida, afinal, sua autonomia enquanto
remuneração pertencente ao patrimônio jurídico do advogado, em maior con-
sonância com o Estatuto da Advocacia.
Verificamos considerável incremento da previsão legal no que diz res-
peito às hipóteses de honorários, se usarmos o art. 20 do CPC de 1973 como
parâmetro. Entre as novidades, está a previsão expressa de que os honorários são
devidos também na hipótese de o advogado atuar em causa própria (art. 85, §
17), a possibilidade de os honorários serem levantados em nome da sociedade de
advogados (art. 85, § 15), a incidência a partir do trânsito em julgado dos juros
de mora dos honorários fixados em quantia certa (art. 85, § 16), e o cabimento

134
de ação autônoma nos casos em que a sentença tenha sido omissa quanto à
condenação (art. 85, § 18).2
No que concerne às questões trazidas a lume pelo novo CPC, em maté-
ria de honorários sucumbenciais, há aquelas que positivaram entendimentos já
cristalizados pelos tribunais à luz do CPC/73 e aquelas que de fato alteraram
os entendimentos emanados pelo CPC/73 e por sua jurisprudência. Exemplos
da primeira categoria são a repetição da regra da causalidade (art. 85, § 10) e a
positivação da cobrança pela sociedade de advogados à qual pertence o patrono
credor (art. 85, § 15), na linha do que já fora entendido pelo STJ (v.g. no AgRg
no REsp 1002817/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
16/12/2008). Aqueles que consideramos os mais relevantes exemplos da segunda
categoria serão expostos logo adiante.

3 VALORIZAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA


NO NOVO CPC

Feitos os apontamentos gerais sobre o instituto dos honorários advoca-


tícios, indicaremos sete ocasiões em que o novo diploma processual envidou
esforços para a valorização da dignidade da advocacia, por meio de previsões
normativas que disciplinam os honorários sucumbenciais com o intuito de lhes
conferir a devida proeminência que possuem não só para a subsistência e o
reconhecimento do trabalho dos advogados, como também para a regular ad-
ministração da Justiça em um Estado democrático de direito.
Ressaltaremos as seguintes previsões sobre os honorários: a) o reconhe-
cimento de sua natureza alimentar; b) o estabelecimento de critérios objetivos
para sua fixação; c) disposições nos casos em que a Fazenda Pública figura como
parte; d) a previsão da sucumbência recursal; e) a previsão de sua cobrança por
meio de ação autônoma; f ) a vedação de compensação na sucumbência recíproca;
e g) a consagração de sua extensão aos advogados públicos. Vejamos.
a) Para dar fim a qualquer equívoco, o novo CPC trouxe no art. 85, §
14, a concepção basilar de que, qualquer que seja a sua natureza – quer se trate
de honorários contratuais, quer se cuide de honorários sucumbenciais –, os
honorários possuem natureza alimentar e constituem direito do advogado. Tal
redação veio dirimir a polêmica de que os honorários em que a parte vencida ficou
condenada pertenceriam à parte vencedora. In fine: “Os honorários constituem

Ficou explicitamente revogada a Súmula n. 453 do STJ, que preconizava: “Os honorários sucumbenciais,
2

quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação
própria”. 

135
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos


créditos oriundos da legislação do trabalho (...)”.
A razão desse entendimento é um tanto óbvia. Trata-se, o honorário, do
meio de subsistência e de provisão material dos advogados e de suas respectivas
famílias; de parte fundamental de sua renda e de seu patrimônio, e, portanto,
de componente indispensável para a dimensão existencial desses profissionais
enquanto pessoas humanas. O recebimento de honorários adequados está ligado,
no limite, à própria dignidade humana. Nas palavras de Bueno (2009, p. 3):

A sobrevivência é um dos direitos fundamentais da pessoa


humana e para isso ela precisa de condições materiais bási-
cas para prover o seu próprio sustento. O meio adequado e
normal de alcançar esse objetivo é o trabalho. Dentro desse
contexto, por serem os honorários a forma, por excelência,
de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado,
um trabalho humano que merece a tutela do ordenamento
jurídico, [é] correta sua qualificação como verba de natu-
reza alimentar, eis que também vitais ao desenvolvimento
e à manutenção (necessarium vitae) do profissional [...].

Essa concepção motivou a edição da Súmula Vinculante n. 47, do STF,


publicada em junho de 2015, resultante de proposta da OAB:

Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou


destacados do montante principal devido ao credor con-
substanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação
ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de
pequeno valor, observada ordem especial restrita aos cré-
ditos dessa natureza.

Entre as consequências significativas da natureza alimentar dos honorários,


podemos salientar a impenhorabilidade; a possibilidade de penhora de verbas
remuneratórias para pagamento de honorários; o crédito preferencial diante da
Fazenda Pública (ver art. 100, § 1º da Constituição); a preferência sobre crédito
hipotecário etc.
b) Não há valor taxativo disponível relativamente aos honorários a serem
exigidos, contanto que o valor firmado orbite dentro da tabela de fixação da OAB
e dos percentuais de 10% a 20% estampados no § 2º do art. 85. Os seguintes

136
aspectos devem ser levados em conta para o ajuste: complexidade do caso, es-
timativa da duração do processo, dedicação ao cliente (se é exclusiva ou não),
tipo de cliente, relevância e valor da causa. Ou, nos termos dos incisos do § 2º
do art. 85 do novo CPC (repetição do art. 20, § 3º do CPC/73): o grau de zelo
do profissional (inc. I), o lugar de prestação do serviço (inc. II), a natureza e a
importância da causa (inc. III), e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço (inc. IV). O CED, ao estipular que os honorários
sejam fixados com moderação, requer o atendimento dos seguintes elementos
(art. 49 e incisos):

I - a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade


das questões versadas;
II - o trabalho e o tempo a ser empregados;
III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de in-
tervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes
ou terceiros;
IV - o valor da causa, a condição econômica do cliente
e o proveito para este resultante do serviço profissional;
V - o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço
a cliente eventual, frequente ou constante;
VI - o lugar da prestação dos serviços, conforme se trate
do domicílio do advogado ou de outro;
VII - a competência do profissional;
VIII - a praxe do foro sobre trabalhos análogos.

De acordo com a lição de Paulo Roberto Medina, ao comentar o disposi-


tivo supra, a moderação deve atender ao critério de que o valor nem amesquinhe
nem superestime o trabalho realizado, de sorte a “guardar o indispensável equi-
líbrio entre o esforço despendido, a importância da tarefa cumprida, o tempo
exigido para sua execução, a influência exercida para a obtenção do resultado
almejado e o benefício que aproveite ao destinatário do serviço” (MEDINA, 2016,
p. 248). Além disso, cabe destacar que os honorários não podem ser diminuídos
em decorrência da solução do litígio por qualquer dos mecanismos adequados
de solução extrajudicial de conflitos, por improcedência ou julgamento sem
resolução do mérito (art. 48, § 5º do CED c/c art. 85, § 6º do novo CPC).3
c) A nova legislação processual extirpou o arbitramento de honorários
com base no juízo de equidade, que estava previsto no art. 20, § 4º do CPC
Art. 85, § 6º: “Os limites e critérios previstos nos §§ 2o e 3o aplicam-se independentemente de qual seja o
3

conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito”.

137
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

/73: “Nas ações de valor inestimável ou pequeno, bem como naquelas em que
for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciação
equitativa do juiz (...)”. Esse parágrafo autorizava o juiz a fixar verba honorária
sem levar em conta os parâmetros indicados pelo §3º do mesmo artigo. O novo
Código diminuiu drasticamente o espaço de discricionariedade – e, por vezes,
arbitrariedade – do magistrado para fixar o quantum remuneratório devido ao
advogado, circunstância comum quando a Fazenda Pública era parte vencida.
Sob a vigência do antigo estatuto processual, eram comuns iniquidades, como
a fixação de valores completamente irrisórios para o advogado.
Duas foram as alterações notáveis nesta matéria: primeiramente, a adoção
de um critério único de cálculo para todas as causas em que a Fazenda Pública
for parte, aplicada indistintamente a ela e à parte contrária; e, em segundo lugar,
o abandono do critério de equidade através da adoção de percentuais objetivos
sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte ven-
cedora (THEODORO JR., 2015, p.478).
No § 3º do art. 85 há o estabelecimento de critérios objetivos que desacon-
selham, a um só tempo, o aviltamento e o arbitramento em patamares astronô-
micos dos honorários, buscando trazer equilíbrio e justeza ao cálculo. In litteris:

Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação


dos honorários observará os critérios estabelecidos nos in-
cisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o
valor da condenação ou do proveito econômico obtido até
200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o
valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois
mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre
o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000
(vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre
o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000
(cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o
valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

138
Na mesma linha, o §4º do art. 85 dispõe que, em qualquer das hipóteses
do §3º, os percentuais previstos devem ser aplicados desde logo quando for lí-
quida a sentença(inc. I); não sendo líquida a sentença, a definição do percentual
somente ocorrerá quando liquidado o julgado (inc. II); não havendo condena-
ção principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a
condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa ( inc. III);
e será considerado o salário mínimo vigente quando prolatada sentença líquida
ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação (inc. IV).
Outra inovação interessante foi a inserção de uma regra de cumulatividade
de critérios. Conforme o §5º do art. 85:

Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda


Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou
o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do
§ 3o, a fixação do percentual de honorários deve observar a
faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente,
e assim sucessivamente.

Por exemplo, se o valor da condenação for de dois mil e quinhentos sa-


lários mínimos, deverão ser feitos três arbitramentos: um para a faixa de valores
que compreende o inc. I, um segundo para a faixa que compreende o excedente
ao inc. I até o teto do inc. II, e um terceiro para o que exceder o teto do inc. II.
d) De forma inédita, veio a ser consagrado no texto legislativo o cabi-
mento obrigatório dos chamados honorários recursais, aqueles cabidos quando
a parte triunfa em fase de recurso, mesmo que venha a perder ao final da causa.
Até a vigência do antigo CPC, a interposição de recurso não fazia surgir direito
ao recebimento de nova verba honorária. O art. 20, § 1º determinava que, ao
julgar recurso e incidente, a autoridade jurisdicional deveria ater-se a condenar
o vencido ao pagamento de despesas processuais, excluindo a condenação do
vencido no recurso e no incidente processual ao pagamento de honorários ao
advogado do vencedor.
O novo CPC já de antemão impõe que são devidos honorários “[...] nos
recursos interpostos, cumulativamente [...]” (art. 85, § 1º), desde que o cômputo
geral dos honorários arbitrados em primeiro grau e em sede recursal não ultra-
passe o teto de 20%. O exercício do direito ao duplo grau de jurisdição, afinal,
pode demandar um trabalho excepcional do advogado. Ora, se o objetivo dos
honorários é remunerar, é natural que a remuneração seja aumentada em razão
de recursos que fazem com que o processo não chegue imediatamente ao seu fim.

139
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Em atenção e prestígio à dedicação do advogado da causa, que se prolongará em


âmbito recursal, o novo CPC trouxe, no art. 85, § 11 um comando de majorar
os honorários levando-se em consideração o trabalho adicional:

O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixa-


dos anteriormente levando em conta o trabalho adicional
realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o
disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no côm-
puto geral da fixação de honorários devidos ao advogado
do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos
nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

Os referidos limites mínimos e máximos devem ser observados, de modo
que o valor cumulado dos honorários de sucumbência, incluindo a fase recursal,
não sejam inferiores a 10% nem superiores a 20% do valor da causa. Nada impede
que os honorários recursais sejam atribuídos ao advogado do vencedor do recurso
que, porém, vier a perder com o trânsito em julgado: “[...] vencedor e vencido
devem ser identificados em concreto no âmbito do seguimento procedimental
que faz surgir os direitos aos honorários” (JORGE, 2015). Essa norma, no fim
das contas, pode funcionar como um desestímulo significativo ao chamado
recurso temerário, aquele meramente protelatório.
e) Com o advento do novo Código, passa a ser pacificado o entendimento
de que o advogado tem legitimidade ativa autônoma para promover a cobrança
judicial dos honorários de sucumbência. Nos termos do art. 85, § 18: “Caso a
decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou
ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”. O dispo-
sitivo obriga o juiz a enfrentar a questão do arbitramento desses honorários, sem
possibilidade de omissão: “o pagamento dessa verba não é o resultado de uma
questão submetida ao juiz. Ao contrário, é uma obrigação legal, que decorre
automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido
omitir-se frente à sua incidência” (THEODORO JR., 2015, p.471).
Uma vez assentado o princípio de que os honorários pertencem ao advo-
gado (ver art. 23 do EAOAB c/c art. 51 do CED), nada mais natural que eles
possam ser executados pelos advogados em determinadas condições processuais.
Caso mais de um advogado tenha atuado na causa, a verba correspondente será
repartida entre o substabelecente e o substabelecido, resguardadas as proporções
da atuação de cada qual no processo, ou conforme haja sido ajustado entre eles
(art. 51, § 1º do CED). O mesmo se aplica em caso de renúncia.

140
f ) Passa a ser vedada expressamente a prática da compensação de hono-
rários na sucumbência recíproca, a qual era ordenada pelo art. 21 do CPC/73
e reconhecida jurisprudencialmente (ver Súmula n. 306 do STJ).4 Na época
de edição daquele Código, entendia-se (equivocadamente) que os honorários
deveriam reverter-se em favor da parte, compreensão que ficou de vez obsoleta
com a promulgação do art. 23 do EAOAB, não obstante a negligência do STJ
em levá-lo devidamente em consideração. Revoga-se essa interpretação com o
fundamento de que os valores constituem direito autônomo do advogado, e não
da parte, e não podem ser dispostos ou negociados por esta. Na dicção do art. 85,
§ 14, parte final, é “[...] vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
A sucumbência parcial refere-se à hipótese em que ambas as partes são,
concomitantemente, derrotadas e vencedoras, cada qual tendo seu pedido apenas
parcialmente julgado procedente. Não mais se considera lícito que o crédito dos
honorários de sucumbência possa ser utilizado para arcar com a dívida da parte
com o advogado da outra parte, já que, para haver compensação, “é preciso haver
dívidas recíprocas, o que não ocorre entre os advogados que patrocinam causas
em que cada litigante é em parte vencedor e em parte vencido” (LAMACHIA,
2015, p. 50).
Afinal, ao proceder à compensação à luz do EAOAB, o magistrado estava
dispondo de direito alheio às partes processuais. Em conformidade com o art. 368
do Código Civil, para haver compensação, é necessário que sejam concorrentes na
mesma pessoa as figuras de credor e devedor: “Se duas pessoas forem ao mesmo
tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde
se compensarem”. Não é esse o caso na sucumbência recíproca, pois o devedor é
a parte e o credor é o advogado. Entendimento contrário afronta o art. 380 do
Código Civil: “Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro”.
g) Outra controvérsia resolvida pelo novo CPC de maneira inconteste foi
a discussão sobre a quem pertenceriam os honorários sucumbenciais da Fazenda
Pública: se à Entidade ou ao advogado público que atuou na causa. O art. 85, §
19 fixa que “[...] os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência,
nos termos da lei [...]”, reconhecendo aí a igualdade de direito entre advogados
públicos e privados, isto é, a unidade da profissão, em sintonia com o art. 3º, §
1º do EAOAB.5 Ambas as categorias são regidas, afinal, pelo Estatuto da Ad-

4
Súmula n. 306, STJ: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência
recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da
própria parte”.
5
Art. 3º, § 1º do EAOAB: “Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do
regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da
Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”.

141
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

vocacia e da OAB, sujeitas a normas e códigos de disciplina comuns – a saber,


ao CED (ver art. 8º).6
Recentemente, a fim de regulamentar esse dispositivo, foi promulgada a Lei
n. 13.327/2016, que dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência7nas
causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações. No art. 27,
dispôs que os honorários pertencem aos ocupantes dos cargos de: I - Advogado
da União; II - Procurador da Fazenda Nacional; III - Procurador Federal; IV
- Procurador do Banco Central do Brasil; V - dos quadros suplementares em
extinção previstos no art. 46 da MP n. 2.229-43/2001. O inciso V refere-se
aos antigos cargos que faziam a assistência jurídica da União, suas autarquias e
fundações, antes da AGU/Procuradoria Federal, e que estão atualmente extintos,
havendo, contudo, pessoas que foram aposentadas neles.
Note-se ainda que “os honorários não integram o subsídio e não servirão
como base de cálculo para adicional, gratificação ou qualquer outra vantagem
pecuniária”, conforme disposto no art. 29, parágrafo único. Ademais, “os honorá-
rios não integrarão a base de cálculo, compulsória ou facultativa, da contribuição
previdenciária”, conforme art. 32.Conforme o § 6º do mesmo artigo, os limites
e critérios dos §§2º e 3º do art. 85 “[...] aplicam-se independentemente de qual
seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou extinção do
processo sem resolução do mérito”.
É importante ressalvar que o novo CPC previu, no § 7º do art. 85, uma
hipótese de dispensa de fixação de honorários no processo de execução, nos se-
guintes termos: “[...] não serão devidos honorários no cumprimento de sentença
contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não
tenha sido impugnada”. O dispositivo, ao tratar de cumprimento de sentença,
não se aplica à execução autônoma fundada em título extrajudicial. Além disso,
o mencionado parágrafo, ao referir-se exclusivamente à sentença “que enseje
expedição de precatório”, afasta a incidência do § 7º quando se tratar de crédito
de pequeno valor.
6
Art. 8º do CED: “As disposições deste Código obrigam igualmente os órgãos de advocacia pública, e
advogados públicos, incluindo aqueles que ocupem posição de chefia e direção jurídica. § 1º O advogado
público exercerá suas funções com independência técnica, contribuindo para a solução ou redução de
litigiosidade, sempre que possível. § 2º O advogado público, inclusive o que exerce cargo de chefia ou
direção jurídica, observará nas relações com os colegas, autoridades, servidores e o público em geral, o
dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo em que preservará
suas prerrogativas e o direito de receber igual tratamento das pessoas com as quais se relacione”.
7
Para os fins da Lei nº 13.327/2016, os honorários advocatícios de sucumbência incluem: “I - o total do
produto dos honorários de sucumbência recebidos nas ações judiciais em que forem parte a União, as
autarquias e as fundações públicas federais; II - até 75% do produto do encargo legal acrescido aos débitos
inscritos na dívida ativa da União, previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69; III - o total do produto
do encargo legal acrescido aos créditos das autarquias e das fundações públicas federais inscritos na dívida
ativa da União, nos termos do § 1º do art. 37-A da Lei nº 10.522/2002”.

142
Debate importante diz respeito à aplicabilidade do parágrafo aos processos
coletivos, haja vista o teor da Súmula n. 345 do STJ, segundo a qual “são devi-
dos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de
sentença proferida em ações coletivas, ainda não embargadas”. Assim, quando
se tratar de ações coletivas, são devidos honorários no cumprimento de sentença
contra a Fazenda Pública, uma vez que as mudanças na lei processual civil devem
ser interpretadas restritivamente no que se refere à sua aplicação aos processos
coletivos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As regras estatuídas pelo novo CPC representam vultuosas conquistas da


advocacia, na medida em que impedem a desvalorização da profissão, ao tutelar
de forma justa e adequada o instituto dos honorários sucumbenciais, que é
um pressuposto da dignidade humana dos profissionais da classe. Tratam-se de
questão de maior importância para a boa atuação da advocacia e para a tutela
dos direitos da sociedade. Com a valorização da profissão e da remuneração de
seus membros, todo o sistema de Justiça tem a ganhar, de modo que se assegura
que a defesa judicial e extrajudicial dos direitos dos cidadãos será empreendida
por profissionais motivados, honrados e bem recompensados por sua dedica-
ção que, com efeito, traduz uma notável função pública, múnus atribuído pela
Constituição, elemento central para um Estado democrático de direito em pleno
funcionamento.

REFERÊNCIAS

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual


Civil, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v.1.

JORGE, Flávio Cheim. Os honorários advocatícios e o novo CPC: A


sucumbência recursal. Migalhas, São Paulo, 22 maio 2015. Disponível em:
<https://goo.gl/h7nsqp>. Acesso em: 12 jul. 2017.

LAMACHIA, Claudio. A valorização da Advocacia e o fim do aviltamento dos


honorários no novo CPC. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado et al. As
conquistas da advocacia no novo CPC. Brasília: Conselho Federal, 2015.

143
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Comentários ao Código de Ética e


Disciplina da OAB: análise do Código de 2015, pelo relator do anteprojeto e
da sistematização final do texto. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

SICA, Heitor Vitor Mendonça. O advogado e os honorários sucumbenciais no


Novo CPC. Genjurídico.com.br. Disponível em: <https://goo.gl/RENzGr>.
Acesso em: 12 jul. 2017.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 56. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2015. v.1.

144
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL1

Carlos Henrique Soares*

RESUMO: O presente texto versa sobre o abuso do direito processual brasileiro


e a técnica de repressão como instrumento de garantia da democracia e do
processo constitucional.

Palavras-chave: Abuso do direito processual. Processo constitucional. Litigância


de má-fé. Repressão.

ABSTRACT: This paper deals with the abuse of the Brazilian procedural law
and the technique of repression as a tool to guarantee democracy and the
constitutional process.

Keywords: Abuse of procedural law. Constitutional process. Litigation in bad


faith. Repression.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Elementos caracterizadores do abuso do direito.


3 Abuso do direito processual. 4 Responsabilidade processual por litigância de
má-fé. 5 Técnica de repressão ao abuso de direito processual (litigância de má-
fé). 6 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

As reflexões sobre a técnica de repressão ao abuso do direito processual


apresentadas no presente texto serão feitas levando em consideração a técnica
processual moderna, qual seja, aquela que “importa na superação do critério
de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na sabedoria, no
equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade extremada
do juiz2 [...]”. Isso significa que buscaremos estabelecer parâmetros processuais,

1
Este texto foi adaptado de: SOARES, Carlos Henrique. Abuso del Derecho Procesal Brasileño. In: ________
et al. (coord.). Processo Democrático y Garantismo Procesal. Belo Horizonte: Arraes ; Astrea, 2015, p.
134-151. (cap. 8).
*
Doutor e Mestre em Direito Processual (PUCMinas), Professor da PUCMinas de Direito Processual
Civil, Coordenador de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do IEC/PUCMinas, Professor de Pós-
Graduação em Direito Processual Civil, Escritor, Palestrante. Advogado e Sócio da Pena, Dylan, Soares e
Carsalade - Sociedade de Advogados. E-mail: carlos@pdsc.com.br.
2
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992,
p. 45.

145
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

mediante uma técnica processual, que possibilite uma qualidade nas decisões e
uma repressão ao abuso processual, mesmo não estando diante de um juiz que
concentre os melhores dotes intelectuais.
A expressão abuso de direito é atualmente considerada pelos juristas como
sendo o mau uso ou uso excessivo ou extraordinário do direito. Isso significa que
a expressão abuso do direito nos remete a ideia de que alguém está exercendo
um ato ilícito, em razão de um excesso. Assim, a expressão, de forma isolada,
quer informar ao intérprete que o justo é exercer o direito, nem mais (abuso),
nem menos (aquém).
Etimologicamente, a expressão em latim abusos e abuti não possuíam a
ideia de mau uso, mas significava um uso intenso, um aproveitamento completo
da coisa ou do direito3. Falar em abuso de direito, etimologicamente, significa o
uso completo do direito, em todas as suas formas e modalidades. Ou seja, o uso
intenso do direito. Isso não sofria punição e nem era considerado ilegal.
Em termos atuais, a expressão abuso do direito obteve nova conotação,
significando o excesso dos limites do poder da faculdade (facultas agendi) que o
direito objetivo (normas agendi) confere ao indivíduo, na qualidade de sujeito
de direito (sui iuris)4.
Segundo sustenta Helena Najjar Abdo:

Muitos doutrinadores enxergam na consagrada locução


´abuso do direito’ uma contradição intrínseca. De fato, a
combinação não é das mais felizes, pois dá margem a va-
riadas interpretações, tanto em razão da imprecisão técnica
do termo abuso quanto da amplitude do termo direito.
Todavia, quando se atenta para o fato de que o direito de
que se abusa é evidentemente o direito subjetivo, a contra-
dição tende a desaparecer: abusa-se do direito subjetivo, ou
seja, da faculdade que a norma (direito objetivo) confere
ao indivíduo (sujeito de direitos).5”

No direito brasileiro, a expressão abuso do direito já se encontra sedimen-


tada e consagrada, querendo informar aquele que extrapola os limites de atuação
do direito subjetivo, ou seja, o abuso da faculdade ou ao poder conferido ao
indivíduo pela norma de direito positivo, a qual reconhece a prevalência de um
interesse juridicamente protegido.
3
ROTONDI, Mario. L´abuso di diritto: “AEmulatio”. Pádua: Cedam, 1979, p. 37-38.
4
ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: RT, 2007, p. 32.
5
ABDO, op. cit., p. 32.

146
2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ABUSO DO
DIREITO

Colocada a questão sobre a utilização da expressão abuso de direito, ve-


rificamos a necessidade indicar três elementos que concorrem para a existência,
quais sejam:
a) a aparência de legalidade; b) preexistência de um direito subjetivo
e c) o fato de que o abuso do direito se referir ao exercício do direito e não
ao direito em si6. O que fica em discussão, essencialmente, sobre o abuso do
direito é justamente a questão do elemento subjetivo, qual seja, o dolo ou a
culpa para a sua verificação. Para quem defende a teoria subjetiva do abuso do
direito, o elemento dolo ou culpa são indispensáveis, já para quem defende a
teoria objetiva do abuso do direito, esses elementos subjetivos são desnecessários
ou irrelevantes.
O atual Código Civil brasileiro, em seu artigo 187, elegeu a opção pela
teoria objetiva do abuso do direito. A sua redação é nesse sentido: “Art. 187.
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede ma-
nifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.” (grifo nosso).
O artigo 187 do Código Civil indica outro elemento para a caracterização
do abuso do direito, qual seja, aquele que age excedendo os limites impostos
pela lei, no que tange aos fins econômicos e sociais, pela boa-fé e pelos bons
costumes. Esse artigo, na verdade, é uma cláusula geral do Direito Civil.
A boa-fé também se encontra constitucionalmente prevista no Brasil, no
inciso I do art. 3º, o qual prevê, expressamente, que a República Federativa do
Brasil tem por objetivo “[...] construir uma sociedade livre, justa e solidária”. In-
terpretando-se tal dispositivo constitucional, pode-se dizer que o mesmo está “[...]
elevando a um grau máximo o dever de cooperação e lealdade no trato social.” 7
O abuso de direito está relacionado diretamente com o combate a apa-
rência de licitude. Isso significa que o caminho para aferir um ato abusivo é
mais complexo, pois, num primeiro momento, deve-se quebrar a falsa ideia de
licitude que paira sobre o referido ato.
Pela leitura do referido artigo 187 do Código Civil, verificamos que o
direito brasileiro estabelece critérios para a configuração do abuso do direito,
quais sejam: a) que o abuso do direito é um ato ilícito; b) esse ato ilícito deve

Ibid., p. 37.
6

VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa-fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 163.
7

147
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ser praticado pelo titular do direito subjetivo; c) que tenha sido excedido
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes e d) que tenha sido o ato ilícito abusivo manifesto.
Assim, verificando a ocorrência desses elementos acima indicados, o agente
(titular do direito subjetivo) causador ficará com a obrigação de indenizar, nos
termos do art. 1878 e 9279 do Código Civil, lembrando que tal indenização,
deve ser medida pela extensão do dano, nos termos do art. 944 do Código Civil10.

3 ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL

O abuso do direito processual é uma variação do abuso de direito. As


normas de direito material e as normas processuais possuem objetos diferentes.
Enquanto as primeiras buscam estabelecer direitos e deveres para as pessoas,
sujeitos de direitos, as normas processuais, no entendimento de Aroldo Plínio
Gonçalves é justamente aquela “[...] que disciplina a jurisdição e seu instrumento
de manifestação, o processo [...]”11
Assim, levando em consideração os parâmetros para a fixação do abuso
de direito, podemos estabelecer também parâmetros para a verificação do abuso
de direito processual, bem como, a melhor técnica para sua repressão.
O Código de Processo Civil brasileiro de 1939 já demonstrava a preo-
cupação com o abuso do direito processual em suas linhas gerais. Conforme se
verifica na análise conjunta dos art. 3º e 63 desse Código (1939), o abuso era
caracterizado pela verificação dos seguintes elementos: dolo, temeridade, fraude,
emulação, capricho, erro grosseiro, violência, protelação da lide, falta do dever
de dizer a verdade e o anormal uso do poder de disposição do processo12.
Pelo que se verifica no CPC de 1939, constata-se a presença do elemento
subjetivo, ou seja, a intenção do sujeito para a prática do ato processual abusivo.
No entanto, tal necessidade do elemento subjetivo foi revogada pelo Código de
Processo Civil de 1973, sugerindo critérios objetivos para a verificação do abuso
do direito processual13.

8
Brasil. Código Civil, art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
9
Brasil. Código Civil, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
10
Brasil. Código Civil, art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
11
GONÇALVES, op. cit., p. 58.
12
CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso do Direito no Processo Civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1960, p. 88.
13
No direito estrangeiro, verificamos que os países tratam de forma diferenciada a questão do abuso de

148
O Código de Processo Civil de 1973 aboliu a expressão abuso do direito
processual e utilizou a expressão litigância de má-fé e responsabilidade pro-
cessual. Assim, passou a disciplinar do mesmo modo do CPC anterior (1939), o
caráter reprovável dos sujeitos processuais que abusam dos direitos processuais14.
É importante lembrar que violar uma regra de direito processual não é
abusivo per se. Isso significa que a violação de uma norma processual não sig-
nifica o mau uso do direito processual e muito menos pode ser caracterizado
como um ato abusivo. Ou seja, se o recorrente interpõe um recurso ao invés de
outro, isso, por si só não é um ato abusivo, mas somente um ato equivocado, um
erro grosseiro, que não causa prejuízo a parte contrária e nem impede o regular
andamento do processo. No entanto, um ato processual passa a ser abusivo
quando o mesmo recurso, é interposto, não com o fim específico de alterar a
decisão jurisdicional, mas, simplesmente, para retardar ou impedir a execução
ou cumprimento da sentença, com manifesto propósito protelatório.
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, entende que o abuso do direito pro-
cessual possui semelhanças com a fraude processual, mas com ela não se con-
funde. O abuso do direito distingue-se da fraude à lei, embora, se comparadas,
certos traços semelhantes sejam percebidos. Há fraude com a realização, por
meios lícitos, de fins que a lei não permite sejam atingidos diretamente porque
contrários ao seu preceito. No abuso de direito sobressai apenas irregularidade
no seu exercício resultando dano ou constrangimento para terceiro. Enquanto a
sanção, na hipótese de fraude, necessariamente será a nulidade do ato, no abuso
do direito consistirá principalmente, na obrigação de indenizar o prejuízo15.
Pedro de Albuquerque sustenta que o abuso do direito e a litigância de
má-fé não se confundem. Segundo ele, as principais diferenças estariam no fato
de que o abuso do direito possui natureza objetiva e pressupõe a existência de
dano, enquanto para a verificação da má-fé é imprescindível o elemento sub-

direito processual. Na França, por exemplo, existem regras claras e gerais concernentes ao abuso de direito
processual e investindo a corte com o poder de sancionar abusos. Na extremidade oposta, há sistemas
jurídicos internacionais nos quais o direito não fala abertamente do abuso de direito processual, mas
algumas disposições gerais falam de lealdade e honestidade como padrões para a conduta processual das
partes (ver, e.g., art. 88 do Código de Processo Civil italiano). TARUFFO, Michele. Abuso de direitos
processuais: padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral). Revista de Processo, São Paulo.
Ano 34, n. 177, nov. 2009, p. 155.
14
Conforme esclarece Patrícia de Deus Lima, o novo Código de Processo (1973) demonstra a preocupação do
legislador em conferir eticidade ao processo, para ela: “[...] as regras processuais éticas delineariam esboço
muito nítido do princípio da probidade processual, cujos desdobramentos, no processo, fariam de todos
os sujeitos processuais (isto é, juiz, partes, terceiros, auxiliares da justiça, ministério público) seus legítimos
destinatários.” (LIMA, Patrícia Carla de Deus. Abuso do direito e tutela ética do processo. 2006. 231 f.
Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Social) Pontifícia Universidade Católica, Curitiba, 2006,
p. 180).
15
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 34.

149
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

jetivo e a aferição de dano não é essencial16. Isso significa dizer, que no caso de
litigância de má-fé, o importante é a verificação de uma conduta reprovável do
ponto de vista processual e da lealdade processual e da boa-fé, mas se houver
ainda danos ou prejuízos, devem ser indenizados. A litigância de má-fé permite a
punição pelo Judiciário através de multa processual, mas em casos excepcionais,
também a condenação em indenização por danos morais e materiais, nos termos
do Código Civil (art. 927 do CC).
Abusa do direito processual, o sujeito que aparentemente, exerce o con-
traditório e a ampla defesa, mas busca com isso simplesmente, causar prejuízos
a dignidade da prestação jurisdicional e aos interesses da parte contrária no
cumprimento das decisões jurisdicionais e das normas processuais, em flagrante
deslealdade processual.
O dever de lealdade processual não deve ser levado em consideração ape-
nas entre as partes litigantes, mas, sobretudo, por todos os sujeitos processuais,
incluindo os Juízes, membros do Ministério Público e terceiros.Isso pode ser
lido pelo artigo 4º do CPC/2015.
Cândido Rangel Dinamarco afirma que:

[...] o Código de Processo Civil brasileiro, que se mostra


particularmente empenhado em cultuar a ética no processo,
traz normas explícitas quanto aos limites da combatividade
permitida e impõe sanções à deslealdade; o dever de manter
comportamentos condizentes com os mandamentos éticos
está sintetizado na fórmula ampla e genérica proceder com
lealdade e boa-fé [...]17

As partes, assim, devem exercer o contraditório e a ampla defesa, mas


não podem, em nome desse exercício, abusar, em flagrante e manifesta intenção
de protelar a prestação jurisdicional ou atrapalhar que as decisões sejam devida-
mente cumpridas e executadas.
Celso Hiroshi Iocohama explica:

[...] a expressão lealdade se confundirá com a boa-fé obje-


tiva, pois que ser leal significa estar de acordo com determi-

16
ALBUQUERQUE, Pedro de. Responsabilidade Processual por Litigância de Má-fé, Abuso de Direito
e Responsabilidade Civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 92.
17
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56. (grifo
nosso).

150
nados padrões de conduta que independem da concepção
particular do sujeito. Isto quer dizer que ninguém é honesto
somente porque acredita sê-lo. É preciso que tal concepção
se projete na visão social e, diante dela, sejam observados
os elementos existentes para o preenchimento do modelo
padrão de honestidade/lealdade. Logo, a boa-fé subjetiva
não pode ser confundida com a noção de lealdade, pois, se
há importância para o estudo da primeira e sua conotação
jurídica, a lealdade vista do ângulo exclusivo do sujeito para
o qual é atrelada não tem qualquer relevância18.

Infelizmente, não coadunamos com Celso Hiroshi sobre o princípio da


lealdade processual e boa-fé. Quando se procura por padrões de lealdade e boa-fé
processual, devemos encontrar as respostas justamente com a observância do
respeito às normas processuais e o procedimento e com o seu devido desenvol-
vimento previsto em lei. Isso significa dizer que a lealdade processual e boa-fé
processual são conceitos que devem estar intimamente ligados à observância
do devido processo legal (constitucional) e nunca a questões de moralidade
ou eticidade. Defender a lealdade e a boa-fé processual não tem o objetivo de
proteger a parte inocente da parte faltante, mas sim o processo e a dignidade da
prestação jurisdicional.
O abuso do direito processual aparece no momento em que o sujeito
processual age dissimuladamente, sob a aparência de um exercício regular de seu
direito, o resultado que pretende é ilícito ou reprovável, uma vez que posterga
a prestação jurisdicional, causando prejuízos inimagináveis à parte contrária e à
dignidade do judiciário e de sua atividade.
É bom ressaltar, que na violação de uma norma processual, a sanção será
a aquela prevista no próprio ordenamento jurídico processual. Isto significa que
se houver a interposição de uma defesa fora do prazo, verificamos a violação de
uma norma processual e tal violação acarreta à revelia do réu, com a presunção
de verdade sobre os fatos narrados na petição inicial. No entanto, quando veri-
ficamos o abuso do direito processual, estamos diante de uma prática processual
que se afasta de sua finalidade com o manifesto propósito de retardar a prestação
jurisdicional e interferir no direito da parte contrária19. No ato processual abu-
sivo não há qualquer direito sendo exercido, é somente um ato aparentemente
lícito, mas com propósitos de causar prejuízos ao regular andamento processual

18
IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006, p. 45.
TARUFFO, op. cit., p. 166.
19

151
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

e à prestação jurisdicional, bem como, os interesses da parte contrária. Assim, o


agente abusador dos direitos processuais deve, a um só tempo, ser sancionado
com pena pecuniária (multa), bem como, reparar os danos causados à parte
contrária, se assim ficar constatado o dano. É o que o Código de Processo Civil
chama de responsabilidade processual por litigância de má-fé.

4 RESPONSABILIDADE PROCESSUAL POR LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ

A responsabilidade processual por litigância de má-fé20 se constitui no


dever de reparar os danos causados a uma parte pela outra em razão de prática
de atos processuais abusivos e que atrasam a prestação jurisdicional.
Verificada qualquer atitude dos sujeitos no sentido de evitar a atuação
jurisdicional eficiente, efetiva e eficaz, poderá a parte faltante (litigante de má-fé)
ser multada e responsabilizada civilmente com a condenação em pagamento de
indenização por sua conduta antijurídica.
O ato abusivo, no âmbito processual, é aquele que possui a aparência de
normalidade e legalidade, mas o objetivo pretendido, não é lícito, se não, causar
prejuízo a outra parte ou ao andamento regular do procedimento e da dignidade
da prestação jurisdicional. É o que chamamos de desvio de finalidade do ato
processual. O abuso do direito processual, segundo estudos de Cordopatri, seria
a violação do dever de lealdade e probidade, isto é, na distorção cometida pela
parte ao empregar o instrumento processual ou ao praticar ato processual válido21.
Segundo podemos verificar no Código de Processo Civil brasileiro (1973),
em seu art. 16, determina que responde por perdas e danos aquele que plei-
tear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Esse artigo estabelece o que
a teoria da responsabilidade processual em razão da litigância de má-fé, ou seja,
da possibilidade de determinar, pelo próprio juízo da demanda, a condenação
da parte que litiga de má-fé em pagamento de indenização pelo seu ato proces-
sual abusivo, bem como em multa para indicar que sua atitude é reprovável do
ponto de vista processual.

20
Cf. explica D’Plácido e Silva, “[...] a expressão derivada do baixo latim malefacius [que tem mau destino
ou má sorte], empregada na terminologia jurídica para exprimir tudo que se faz com entendimento da
maldade ou do mali que nele se contém. A má-fé, pois, decorre do conhecimento do mal, que se encerra
no ato executado, ou do vício contido na coisa, que ser quer mostrar como perfeita, sabendo-se que não
o é [...] A má-fé opõe-se à boa-fé, indicativa dos atos que se praticam sem maldade ou contravenção aos
preceitos legais. Ao contrário, o que se faz contra a lei, sem justa causa, sem fundamento legal, com ciência
disso, é feito de má-fé.” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 131).
21
CORDOPATRI, Francesco. L´abuso del processo. Pádua: Cedam, 2000. v. 2, p. 487-488.

152
O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia
discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais conside-
rados de má-fé, e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de reparação.
Assim, segundo verificamos no art. 17 do CPC, reputa-se litigante de má-fé,
aquele que: a) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso; b) alterar a verdade dos fatos; c) usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; d) opuser resistência injustificada ao andamento do
processo; e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do
processo; f ) provocar incidentes manifestamente infundados; g) interpuser
recurso com intuito manifestamente protelatório22.
Verificamos que o art. 17 do CPC (1973) foi repetido no Novo Código
de Processo Civil de 2015, nos artigos 79 e 8023.
O art. 80 do Código de Processo Civil brasileiro de 2015 estabelece di-
versos comportamentos processuais reprováveis e que se verificarmos a presença
do elemento dolo, devemos punir o agente, do ponto de vista processual, como
também do ponto de vista de direito material, com a reparação dos prejuízos,
nos termos do art. 927 do Código Civil.
É bom ressaltar, que as condutas processuais previstas no art. 80 do Código
de Processo Civil de 2015 podem simplesmente, gerar uma sanção pecuniária
com a aplicação apenas de multa como também, se verificado o dano, aplicar
a teoria da responsabilidade civil e determinar o ressarcimento pelos prejuízos
materiais e morais causados à parte contrária. Assim, um ato processual pode
ser apenas um ilícito processual e gerar a aplicação de multa, mas não causar
prejuízos à parte contrária, o que, portanto, não justificaria a condenação em
indenização por danos morais e materiais. É o que está previsto no art. 81 do
Código de Processo Civil Brasileiro.
22
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. LITIGÂNCIA
DE MÁ-FÉ NÃO VERIFICADA. MULTA AFASTADA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
PROVIDO.1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que não se presume
a litigância má-fé quando a parte se utiliza dos recursos previstos em lei, sendo necessária, em tais
hipóteses, a comprovação da intenção do recorrente de obstruir o trâmite regular do processo, nos
termos do art. 17, VI, do CPC.2. Incabível a condenação por litigância de má-fé quando a parte,
na primeira oportunidade que lhe é conferida, interpõe agravo de instrumento contra decisão que
fixou honorários advocatícios em execução não embargada. 3. Recurso especial conhecido e provido
para afastar a condenação da recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 749.629-PR, Quinta Turma. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima.
Brasília, 16 de maio de 2006. Diário de Justiça: 19 jun. 2006, p. 193, grifo nosso).
23
CPC/2015 - Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou
interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra
texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para
conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder
de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente
infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

153
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Cândido Rangel Dinamarco informa sobre o tema litigância de má-fé e


abuso de direito, que:

Ao disciplinar a repressão à deslealdade das partes mediante


normas referentes à litigância de má-fé (arts. 16-18) e ao
contemp of court (arts. 600-601), o Código de Processo
Civil arrola algumas condutas ilícitas e estabelece sanções
à sua prática (arts. 16-18 e 600-601). Depreende-se de
cada uma dessas figuras o dever de comportar-se de modo
contrário, porque cada uma delas contém em si, pelo lado
negativo, a especificação de um aspecto inerente ao dever
de lealdade24.

Deve se tratar, pois, que as condutas tipificadas como de má-fé podem ser
realizadas de modo ativo ou passivo (omissivo, portanto). Optou, nosso legislador
por numerar de forma taxativa as hipóteses de litigância de má-fé diferentemente
do que ocorre no Código de Processo Civil alemão (artigo 138) e do Código de
Processo Civil italiano (art. 88).
O art. 80, inciso I do CPC/2015, traz a indicação de vedação das partes
de deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incon-
troverso. Isso significa que as partes têm, constitucionalmente, o direito de ação
e de defesa para movimentar a jurisdição e a aplicação do direito material. No
entanto, não é permitido buscar tal direito de ação ou de defesa quando a lei,
sabidamente, não acoberta ou protege tal pretensão ou quando o fato que se
opõe é um fato cujo o qual não existe contradição pelas partes. Assim, litiga de
má-fé o sujeito que busca a declaração ou condenação de outrem ou reconheci-
mento de algum direito em juízo, com texto de lei claramente se posicionando
ao contrário do pretendido. Um exemplo simples sobre tal hipótese de litigân-
cia de má-fé, seria o ajuizamento de ação para buscar receber dívidas de jogo
que são, pelo ordenamento jurídico brasileiro, impossíveis de serem exigidas.
Lado outro, há uma linha bastante tênue entre a caracterização da litigância de
má-fé por dedução ou apresentação de defesa contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso e a questão de interpretação de lei diversa do que entende a
maioria dos Tribunais. Isso significa que a dedução de ação ou a apresentação
de defesa que busque uma interpretação diferente para determinado artigo de
lei não pode ser considerado um ato processual abusivo. Apenas estamos diante
do livre exercício do direito de ação.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 3. ed. São Paulo: Malheiros,
24

2009. v. 3, p. 265.

154
O art. 80, inciso II do CPC, indica que reputa litigante de má-fé aquele
que no processo alterar a verdade dos fatos. Nesse ponto, precisamos em pri-
meiro lugar indicar que estamos diante de uma cláusula de litigância de má-fé
geral e muito aberta do ponto de vista hermenêutico. A verdade que se refere
o presente inciso do artigo 80 é a verdade processual, que significa a dedução
de pretensão ou defesa com a devida demonstração dos mesmos com provas.
Quanto às partes, no momento de dedução de pretensão ou de defesa, alteram
a verdade dos fatos, significando dizer que estão buscando provar algo que não
existiu ou que não ocorreu efetivamente e que as provas foram feitas mediante
fraude, emulação, erro ou vício. Altera a verdade dos fatos, por exemplo, quem
instrui as testemunhas para que informe fatos que nunca ocorreram, num claro
objetivo de buscar o reconhecimento dos argumentos deduzidos na pretensão
na defesa. Cândido Rangel Dinamarco afirma que: “[...] O inc. II do art. 80
sanciona transgressão intencional do dever de veracidade quanto aos fatos.  As
inveracidades só são contrárias à ética quando acompanhadas da intenção de
falsear os fatos, caracterizando-se assim como mentiras25”.
O art. 80, inciso III do CPC estabelece que atua em litigância de má-fé
as partes que usam o processo para conseguir objetivo ilegal. Verifica-se, nesse
inciso, a preocupação do legislador com o desvio de finalidade da norma. Assim,
este inciso busca reprimir aqueles que se utilizam do processo com o objetivo de
obter direito ou vantagem que a norma proíbe.
O art. 80, inciso IV do CPC determina que litiga de má-fé a parte que
opuser resistência injustificada ao andamento do processo. Trata-se de um
dispositivo normativo processual que reprime a conduta comissiva e omissiva
das partes que impedem a duração razoável do processo, conforme estabelece o
art. 6º do CPC/2015 e art. 5º inciso LXXVIII da Constituição da República do
Brasil. Opor resistência injustificada ao andamento do processo significa colocar
obstáculos ao regular curso do processo. Isso significa que manifestações imperti-
nentes e fora do prazo são exemplos e formas de se opor ao regular andamento do
processo e atentam contra a celeridade processual e contra a dignidade da justiça.
O art. 80, inciso V do CPC determina que a parte responde por litigância
de má-fé quando proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato
do processo. Temerário é o ato imprudente, que não observa as normas proces-
suais e legais. Age de forma temerária quem provoca um incidente processual
apenas para paralisar o processo ou para impedir os efeitos da preclusão. Age de
forma temerária, quem pratica ato processual irresponsável, apenas para causar

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, 5. ed. São Paulo: Malheiros,
25

2002, p. 268.

155
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

prejuízos processuais para as partes. Assim, um bom exemplo de ato temerário


seria a interposição de dois recursos contra a mesma decisão, sendo que a pri-
meira já havia se pronunciado sobre o seu não cabimento, servindo a segunda
para desviar a finalidade da norma e evitar a preclusão.
O art. 80, inciso VI do CPC determina que responde por litigância
de má-fé a parte que provocar incidentes manifestamente infundados assim
compreendidos aqueles não previstos do ponto de vista formal e legal. A palavra
incidente indicada nesse inciso é utilizada de forma genérica, querendo referen-
ciar, ainda, qualquer conduta ativa ou passiva das partes no objetivo de atrasar a
prestação jurisdicional. Isso significa que a oposição de embargos de terceiros,
por exemplo, que obviamente, pode paralisar o procedimento principal, pode ser
caracterizado como sendo um incidente manifestadamente infundado se ao final,
for considerado um ato apenas com o intuito de evitar a prestação jurisdicional
ou retardar seu julgamento.
Por fim, o art. 80, inciso VII do CPC estipula que responde por litigância
de má-fé a parte que interpõe recurso manifestadamente protelatório. Recurso
protelatório é aquele que não tem o objetivo de reformar a decisão, mas sim
protelar o trânsito em julgado ou a preclusão de uma decisão. Ele é apresentado
como um recurso destituído de fundamentos para reformar a decisão, em fla-
grante comportamento da parte para evitar e impedir a execução e cumprimento
da decisão judicial.
As condutas previstas no art. 80 do CPC possuem o objetivo de balizar
o julgador no sentido de reprimir atitudes antijurídicas claramente contrárias
aos interesses processuais e a duração razoável do processo, nos termos do art.
6º do CPC/2015. No entanto, verificando a ocorrência de uma das hipóteses
indicadas no art. 80 do CPC/2015, surge a seguinte questão a ser enfrentada:
qual seria a melhor técnica para que o processo possa reprimir as condutas
antijurídicas praticadas pelos sujeitos processuais em litigância de má-fé?
Tentaremos responder a seguinte indagação, no próximo capítulo.

5 TÉCNICA DE REPRESSÃO AO ABUSO DE DIREITO PRO-


CESSUAL (LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ)

Segundo afirma Rosemiro Pereira Leal, a técnica é essa atividade humana


que abrange a capacidade de conjunção do mundo da realidade com o mental
e a consequente expressão de pensamentos abstratos organizados (teoria) sobre
o contexto dessa realidade26.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: Primeiros Estudos, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,
26

2008, p. 43-44.

156
Assim, quando nos referirmos à técnica de repressão ao abuso de direito
processual estamos querendo indicar o conjunto de procedimentos pelos quais
o direito transforma em regras claras e práticas as diretivas da política jurídica
de repressão à litigância de má-fé.
Nesse sentido, para que possamos responder a indagação sobre a melhor
técnica para a repressão do abuso de direito processual precisamos antes de mais
nada estabelecer os seguintes pressupostos para nossas reflexões.
Primeiro, que o processo um instrumento de garantias processuais fun-
damentais, isso significa dizer que ele se constitui de um espaço de discussão
e debate, do qual o contraditório e ampla defesa são princípios estruturantes e
não podem ser suprimidos.
Segundo, que o princípio do contraditório é elemento indispensável para
a existência do processo e, portanto, não é possível a ocorrência do exercício da
jurisdição e da repressão do abuso de direito processual sem a sua observância.
Conforme ensina Fazzalari, o processo é um procedimento com a garan-
tia de participação das partes para a obtenção do ato final, em contraditório,
devendo os participantes do processo se entenderem como autores da decisão
judicial (provimento)27.
É bom ressaltar, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves que:

O contraditório não é apenas a participação dos sujeitos do


processo. O contraditório é a garantia de participação, em
simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam
os efeitos da sentença, daqueles que são “interessados”, ou
seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos
do provimento e da medida jurisdicional que o Estado vier
a impor.28

Explicando melhor, reforça o autor supracitado que:

O contraditório não é o “dizer” e o “contradizer” sobre


matéria controvertida, não é a discussão que se trava no
processo sobre a relação de direito material, não é a polê-
mica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes
sobre o conteúdo do ato final. Constitui-se, necessariamen-
te, da igualdade de oportunidade no processo, é a igual

FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, 6. ed. Padova: CEDAM, 1992, p. 82-83.
27

GONÇALVES, op. cit., p. 120-124.


28

157
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

oportunidade de tratamento, que se funda na liberdade de


todos perante a lei. É essa igualdade que compõe a essência
do contraditório enquanto garantia de simétrica paridade
de participação no processo.29

Elio Fazzalari caracteriza a estrutura do contraditório com os seguintes


elementos: a) participação dos destinatários do ato final na fase preparatória do
processo; b) simétrica paridade destes interessados; c) mútua implicação de seus
atos; relevância de tais atos para o ato final.30
Nesse sentido o contraditório é a garantia da participação das partes em
simétrica igualdade, é a oportunidade de igual tratamento que se funda na liberda-
de de todos perante a lei. E tal participação das partes não significa que tenha de
ser igual, mas uma participação potencial, convertendo assim, o direito em ônus.
Tanto é assim que Marcelo Galuppo lembra a possibilidade do interessado na
produção do provimento deixar de participar, por vontade própria, da formação
deste ato bem como o fato de não se exigir a existência de controvérsia, sendo
possível, por exemplo, que o réu (contrainteressado) concorde com a pretensão
do autor. Aliás, o próprio Direito brasileiro prevê e estimula essa possibilidade
ao tornar obrigatória, na maioria dos processos, a tentativa de conciliação por
parte do juiz. Pode-se mesmo afirmar que a nova sistemática brasileira erige em
primeiro dever do juiz a tentativa de, na qualidade de “mediador”, fazer com
que se restabeleça racionalmente, no âmbito de uma comunidade real de comu-
nicação, o diálogo, ou seja, o discurso entre autor e réu.31
Sobre o assunto, assevera Didier Junior:

Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe


do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o sufi-
ciente para que se efetive o princípio do contraditório. É
necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas
em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar
a decisão do magistrado – e isso é poder de influência,
poder de interferir na decisão do magistrado, interferir com
argumentos, interferir com ideias, com fatos novos, com

29
GONÇALVES, op. cit., p. 127.
30
FAZZALARI, op. cit., p. 82.
31
GALUPPO, Marcelo Campos. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo. In:
CADERNOS da pós-graduação. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, 1995, p. 7-28.

158
argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso,
a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental
perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e
simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se
a participação com a possibilidade, conferida à parte, de
influenciar no conteúdo da decisão.32

Na verdade, o contraditório significa a garantia da proibição da decisão


surpresa, ou seja, decisões que não sofreram o devido debate pelas partes, que
não foi garantido o efetivo direito de participação, que é muito mais do que
apenas dizer e contradizer nos autos, mas sobretudo, o direito de influenciar o
resultado da decisão com argumentações, fatos e provas.
Lebre de Freitas afirma que:

[...] a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobre-


tudo interesse para as questões, de direito material ou
de direito processual, de que o tribunal pode conhecer
oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado,
com concessão à parte contrária do direito de resposta,
o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas
entenda dever basear a decisão, seja mediante o conheci-
mento do mérito seja no plano meramente processual,
deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas
tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em
casos de manifesta desnecessidade.33

Assim, entendendo o contraditório como um princípio que veda uma


decisão surpresa, temos que entender que o art. 81 do CPC, deve ser aplicado
de outra maneira pelos Tribunais. Segundo, estabelece o artigo, o juiz, de ofício,
ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa que deverá
ser superior a um por cento e inferior a 10% do valor corrigido da causa, a
indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os
honorários advocatícios e com os honorários advocatícios e com todas as
despesas que efetuou.

32
DIDIER JR., Fredie.  Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 45.
33
FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do código revisto.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 103.

159
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Uma leitura descomprometida do princípio do contraditório pode levar


o intérprete e julgador a entender que bastaria, em suas convicções pessoais, a
verificação de um comportamento das partes caracterizados como litigante de
má-fé para lhe impor a penas de multa e condenação em perdas e danos apre-
sentados e permitidos pelo art. 81 do CPC brasileiro.
No entanto, a melhor técnica para a repressão do abuso de direito pro-
cessual e consequentemente a litigância de má-fé, não seria a aplicação de ofício
pelo julgador das hipóteses previstas e exaustivas no art. 80 do CPC, pois assim,
estaria vedando o contraditório, entendido como garantia de vedação a uma
decisão surpresa, e contrariando o art. 6º e 10º do CPC/2015.
Em nome da garantia do contraditório, verificando o juiz que ocorreu
algumas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015, deve abrir, ainda que
incidentalmente, nos próprios autos do procedimento ou em procedimento
próprio, uma discussão paralela entre as partes sobre a ocorrência ou não de
algumas das hipóteses de litigância de má-fé e seus eventuais danos. Isso significa
dizer que se o julgador tomar a decisão pela aplicação de algumas punições por
litigância de má-fé sem que haja o devido respeito ao contraditório, essa decisão
estaria vedando a participação em contraditório e seria, do ponto de vista cons-
titucional-democrático, uma decisão passível de anulação por absoluta falta de
garantia do contraditório e da ampla defesa.
É claro que não basta apenas que o julgador, no momento da verificação
da litigância de má-fé, oportunize vista dos autos às partes para que possam sobre
ela se pronunciar. Há a necessidade também, atendendo ao disposto no art. 5º,
inciso LV da Constituição da República, da ampla defesa, com a garantia de
produção de todas as provas necessárias para demonstrar ou não a ocorrência de
umas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015.
Assim, a melhor técnica para a repressão do abuso do direito processual
pode ser indicada pela abertura de uma discussão profunda e dialógica sobre a
sua ocorrência e os eventuais danos que tal conduta ocasionou. Somente assim
seria possível aplicar com eficiência todas as repercussões que estão previstas no
art. 81 do CPC/2015.
O que não pode faltar é o devido respeito ao contraditório e ampla defesa,
bem como é vedado ao julgador, de ofício, aplicar penas processuais pelas hipó-
teses verificadas no art. 80 do CPC/2015, sem oportunizar a devida manifesta-
ção e provas pelas partes interessadas no resultado do julgamento por estar em
contrariedade com as normas fundamentais do novo Código de Processo Civil
e dar cabo ao cumprimento do art. 5º inciso LV da Constituição da República.

160
A aplicação de ofício, em face de condutas ilícitas praticadas pelas partes
no processo, de forma isolada, previstas no art. 80 do CPC/2015, torna muito
difícil a efetiva aplicação do artigo 81 do CPC/2015. Portanto, não se consegue
outra coisa, sem o contraditório, além da aplicação da multa. Indenização danos
morais e materiais são impossíveis de serem fixados sem a devida discussão e
produção de prova, pois como determina o art. 944 do Código Civil, o dano se
mede pela sua extensão.
Estamos defendendo o contraditório e ampla defesa em nome do processo
democrático. Sem o devido contraditório fica praticamente impossível que tal
condenação em indenização se realize, bem como a quantificação dos prejuízos
causados pela parte infratora ou litigante de má-fé.
No Código de Processo Civil de 1973 e nos Tribunais brasileiros não
verificamos a preocupação para evitar a decisão surpresa resguardar a garantia
do contraditório e da ampla defesa. Pelo contrário, o que notamos, na prática
cotidiana forense brasileira é que em nome da celeridade, decisões surpresas são
proferidas a todo momento sem o devido contraditório, o que entendemos estar
violando diretamente a Constituição. Apenas para demonstrar o que informamos,
citamos algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça que aplicam, de forma
automática e autoritariamente, o art. 17 do CPC/1973, correspondente ao art.
80 do CPC/2015, se entender sobre a necessidade de oportunizar as partes, o
necessário contraditório, com base apenas na convicção pessoal do julgador.
Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECUR-


SO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PRORROGAÇÃO DO
PRAZO. FIANÇA. NOVAÇÃO. RATIFICAÇÃO DA
GARANTIA PELO FIADOR. EXONERAÇÃO. NÃO
OCORRÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFI-
GURAÇÃO. AFASTAMENTO. SÚMULA 7/STJ. 1.
Na prorrogação do contrato de locação, havendo cláusula
expressa de responsabilidade do garante após a prorrogação
do contrato, este deverá responder pelas obrigações poste-
riores, a menos que tenha se exonerado na forma dos artigos
1.500 do Código Civil de 1916 ou 835 do Código Civil
vigente. 2. Na hipótese, o Tribunal de origem identificou
a ratificação expressa do fiador para estender a garantia
fiduciária quando da novação. Não incidência da Súmula
214/STJ. Precedentes. 3. A aplicação das penas do art.

161
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

17, I e II, do CPC, deu-se pela manifestação de fatos


comprovadamente inverídicos, situação que não guarda
semelhança com o simples exercício do direito de defesa.
Rever tais fundamentos fáticos, somente com reexame do
conjunto probatório, medida de impossível realização no
âmbito do recurso especial, haja vista o óbice do enunciado
7 da Súmula desta Corte. 4. Agravo regimental a que se
nega provimento34.

Repare que na presente decisão, o Superior Tribunal de Justiça enten-


deu que a aplicação do art. 17 do CPC/1973 (correspondente ao art. 80 do
CPC/2015) não necessita da observância do contraditório e da ampla defesa,
bastando para tanto que o julgador, em análise discricionária e solipsista, decida
sobre a ocorrência ou não de litigância de má-fé.
Outra decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação auto-
mática do art. 17 do CPC (correspondente ao art. 80 do CPC/2015) à parte
faltante é essa:

RECONSIDERAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL


EM RECURSO ORDINÁRIO. RECURSO INTER-
POSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA.
NÃO CONHECIMENTO. LITIGÂNCIA DE MÁ-
-FÉ. INTENÇÃO PROTELATÓRIA. MULTA. 1. Nos
termos do art. 105, II, “b”, da Constituição Federal, não
cabe interposição de recurso em mandado de segurança no
âmbito desta Corte Superior contra decisão monocrática
de relator. 2. Sendo evidente a intenção protelatória do
exercício da jurisdição, mediante a interposição de re-
cursos e petições desprovidos de razão e notoriamente
incabíveis, cabível a cominação de multa nos termos
do art. 18 c/c o art. 17, VI e VII do CPC. 3. Pedido de
reconsideração improvido35.

Neste acórdão do Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez, verificamos


o desrespeito ao contraditório e ampla defesa na condenação em litigância de
34
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 242.123-SP,
Quarta Turma. Relator: Min. Maria Isabel Gallotti. Brasília, 8 out. 2013. Diário de Justiça: 23 out. 2013.
35
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pedido de Reconsideração no Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança nº 39.985-PA, Quarta Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília: 1 out. 2013. Diário
de Justiça: 11 out. 2013.

162
má-fé. Entendemos que mesmo nos casos em que os autos já se encontrarem em
sede recursal, o cumprimento ao contraditório deve ser observado. Isso significa
que neste aspecto, não poderia o relator ter aplicado a pena prevista no art. 18
do CPC, com similar correspondência no art. 81 do CPC/2015, apenas com
base em entendimento formado e consolidado pelo anteriores votos e convicções
formadas em seu trabalho junto ao Tribunal. Deveria, mesmo em sede recursal,
instaurar, um micro procedimento de discussão e de demonstração de ocorrência
ou não da litigância de má-fé. Do contrário e da forma como foi feita, mesmo
informando a evidência de que houve a interposição de recurso manifestamente
protelatório, entendemos que estamos diante de uma decisão arbitrária e incons-
titucional, em bases democráticas.
Portanto, dentro da constitucionalidade democrática e pelo novo Código
de Processo Civil de 2015, especialmente os artigos 6º e 10º, e para o respeito ao
contraditório e da ampla defesa, é preciso que o debate sobre o abuso do direito
processual seja efetivamente discutido. Além, devemos permitir a amplitude de
produção de prova e as discussões sobre a prática de atos de má-fé e de dolo pelas
partes, bem como os prejuízos causados para fins de indenização. Do contrário,
qualquer condenação em litigância de má-fé é um ato de autoritarismo e antide-
mocrático, o que desrespeita frontalmente a Constituição da República do Brasil.
Os Tribunais brasileiros terão que mudar sua postura solipsista e con-
servadora, não podendo aplicar o art. 81 do CPC/2015 ex ofício sob pena de
violação ao contraditório, à ampla defesa, ao Estado Democrático, à cooperação
judicial e a vedação de decisão surpresa, o que em nosso entendimento, impede
a decisão sobre a responsabilidade processual sem o devido debate e produção de
prova necessários para tal. Ou se garante o art. 10 do CPC/2015 e o aplica em
conjunto com o art. 81 do CPC/2015, ou teremos o desvirtuamento do novo
Código de Processo Civil que irá repetir práticas antigas e antidemocráticas, o que
não se espera com esse novo instrumento normativo processual e pela vigência
incondicional do art. 1º. da CR/88.

6 CONCLUSÃO

Pelas considerações acima expostas, podemos afirmar as seguintes


conclusões sobre o abuso do direito processual e a sua técnica de repressão,
quais sejam:
a) A expressão abuso de direito é atualmente considerada pelos juristas
como sendo o mau uso ou uso excessivo ou extraordinário do direito. Isso
significa que a expressão abuso do direito nos remete à ideia de que alguém está

163
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

exercendo um ato ilícito em razão de um excesso. Assim, a expressão, de forma


isolada, quer informar ao intérprete que o justo é exercer o direito, nem mais
(abuso), nem menos (aquém). Etimologicamente, a expressão em latim abusos
e abuti não possuíam a ideia de mau uso, mas significava um uso intenso, um
aproveitamento completo da coisa ou do direito. Em termos atuais, a expressão
abuso do direito obteve nova conotação, significando o excesso dos limites do
poder da faculdade (facultas agendi) que o direito objetivo (normas agendi)
confere ao indivíduo, na qualidade de sujeito de direito (sui iuris).
b) Pelo Código Civil, art. 187 e 188, verificamos que o direito civil
brasileiro estabeleceu os critérios para que possa ser configurado o abuso do
direito, quais sejam: a) que o abuso do direito é um ato ilícito; b) esse ato ilícito
deve ser praticado pelo titular do direito subjetivo; c) que tenha sido excedido
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes e d) que tenha sido o ato ilícito abusivo manifesto.
c) Violar uma regra de direito processual não é abusivo per se. Isso
significa que o mau uso do direito processual não é um ato abusivo. Ou seja,
se caso o recorrente interpõe um recurso ao invés de outro, isso, por si só não
é um ato abusivo, mas somente um ato equivocado, um erro grosseiro, que
não causa prejuízo a parte contrária e nem impede o regular andamento do
processo. No entanto, um ato processual passa a ser abusivo quando o mesmo
recurso é interposto, não com o fim específico de alterar a decisão jurisdicional,
mas simplesmente, para retardar ou impedir a execução ou cumprimento da
sentença.
d) Violar uma regra de direito processual pode ter duas consequências.
A primeira é eminentemente processual, uma punição para parte faltante
estritamente dentro dos limites das faculdades, poderes e possibilidades das
normas processuais. Assim, a ausência de apresentação de defesa no prazo
correto é uma violação de norma processual e gera um ônus processual, qual
seja, a revelia e a presunção de verdade sobre os fatos articulados pelo autor.
No entanto, ocorre o abuso do direito processual, quando temos um ato
aparentemente lícito, mas seus objetivos são reprováveis do ponto de vista da
lealdade processual e boa-fé. Assim, abusando do direito processual, temos a
possibilidade de aplicação de multa ou ainda a reparação dos danos.
e) A boa-fé e lealdade processual não são elencos caracterizadores de
uma moralidade ou eticidade processual, mas sim de elementos vinculados à
observância do devido processo legal. Abusa do direito processual quem, de
má-fé, busca empregar uma conduta processual com o objetivo de causar
contrariedade à marcha processual, à eficácia das decisões e até mesmo à
dignidade da justiça e da prestação jurisdicional. Toda litigância de má-fé é um

164
abuso do direito processual. O abuso é gênero e a litigância é espécie. O dever
de lealdade processual não deve ser levado em consideração, apenas entre as
partes litigantes, mas sobretudo, por todos os sujeitos processuais, incluindo os
juízes, membros do Ministério Público e terceiros.
f ) O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia
discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais
considerados de má-fé e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de
reparação. É a mesma adotada pelo Código de Processo Civil de 2015.
g) A melhor técnica para a repressão do abuso de direito processual e
consequentemente a litigância de má-fé, não seria a aplicação de ofício pelo
julgador, pois assim, estaria vedando o contraditório como garantia de vedação
a uma decisão surpresa. Em nome da garantia do contraditório, verificando o
juiz que aconteceu algumas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015,
deve abrir, ainda que incidentalmente, nos próprios autos do procedimento,
uma discussão paralela entre as partes sobre a ocorrência ou não da litigância
de má-fé e seus eventuais danos. Isso significa dizer que se o julgador tomar
a decisão pela aplicação de algumas punições por litigância de má-fé sem
que haja o devido respeito ao contraditório, essa decisão estaria vedando a
participação e seria, do ponto de vista democrático, uma decisão passível de
anulação por absoluta falta de garantia do contraditório e da ampla defesa.
É claro que não basta apenas que o julgador, no momento da verificação da
litigância de má-fé, abra vista dos autos às partes para que possam sobre ela se
pronunciar, há a necessidade também, atendendo ao disposto no art. 5º, inciso
LV da Constituição da República, a ampla defesa, com a garantia de produção
de todas as provas necessárias para demonstrar ou não a ocorrência de umas
das hipóteses previstas no art. 80 do CPC. Não vislumbramos a necessidade
de abertura de um incidente processual para a caracterização e verificação da
ocorrência da litigância de má-fé, no entanto, se isso for necessário para evitar
prejuízo às partes e às argumentações, verificamos que não existe nada no
ordenamento jurídico brasileiro que desaconselhe tal prática. Se a discussão
será feita nos próprios autos ou em incidente processual, isso revela uma
preocupação com a economia processual. No entanto, o que não pode faltar,
é o devido respeito ao contraditório e ampla defesa, bem como, é vedado ao
julgador, de ofício, aplicar penas processuais, pelas hipóteses verificadas no art.
80 do CPC, sem a oportunizar a devida manifestação e provas pelas partes
interessadas no resultado do julgamento.
h) Quando temos a verificação de um ato processual abusivo, com intuito
de atrasar o processo e ferir a dignidade da justiça e sua prestação jurisdicional,
estamos diante de uma violação de um direito fundamental, e a violação de um

165
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

direito fundamental deve ser punido de forma enérgica, com a aplicação de


multa e indenização para ser pago pelo agressor, pois é inconcebível que direitos
fundamentais seja flagrantemente violados pelas partes com o objetivo escuso
de lesar a credibilidade do Judiciário e da parte contrária. Infelizmente, o que
observamos no Brasil é que a presente discussão sobre a violação de direitos
fundamentais e a possibilidade de reparação e aplicação de multa processual
ainda está caminhando bem devagar, do ponto de vista prático. Apesar de grande
parte da doutrina defender a possibilidade e até necessidade de responsabilizar
o Estado pelas violações da garantia constitucional da duração razoável do
processo, no Brasil ainda há grande resistência dos tribunais em condenar o
Estado a indenizar o jurisdicionado nos casos.
Os Tribunais brasileiros terão que mudar sua postura solipsista e
conservadora, não podendo aplicar o art. 81 do CPC/2015 ex ofício sob pena de
violação ao contraditório, a ampla defesa, ao estado democrático, à cooperação
judicial e a vedação de decisão surpresa, o que, em nosso entendimento, impede
a decisão sobre a responsabilidade processual sem o devido debate e produção
de prova necessário para tal. Ou se garante o art. 10 do CPC/2015 e o aplica em
conjunto com o art. 81 do CPC/2015, ou teremos o desvirtuamento do novo
Código de Processo Civil que irá repetir práticas antigas e antidemocráticas,
o que não se espera com esse novo instrumento normativo processual e pela
vigência incondicional do art. 1º da CR/88.

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VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa-fé no Processo Civil. São Paulo: Atlas,
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169
AS NOVAS FIGURAS DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
NO CPC/2015: incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e amicus curiae

Érico Andrade*
Leonardo Parentoni*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Noções Fundamentais sobre a Teoria da


Desconsideração da Personalidade Jurídica. 3 Previsão Legal no CPC/2015.
4 Como e quando deve ser instaurado o incidente. 5 Quem pode aplicar a
desconsideração da personalidade jurídica. 6 O instituto do amicus curiae no
CPC/2015. 7 Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O CPC/2015 incorporou, de forma generalizada, dois institutos que já


vinham sendo operados na vigência do CPC/73: a desconsideração da personali-
dade jurídica e o amicus curiae. Ambos, como se analisará a seguir, encontravam
previsão em legislações esparsas, mas vêm agora tratados de forma mais sistemática
no CPC/2015, que os inseriu no livro dedicado à Parte Geral do Código, no
Título dedicado à intervenção de terceiros, ou seja, sob a perspectiva de que os
dois incidentes processuais acabam por trazer novos sujeitos para participar de
um processo em curso.
A importância dos dois institutos é evidenciada não só pelo seu tratamento
mais geral no CPC/2015, mas também pelas repercussões que produzem no
processo e na própria ordem jurídica. Assim, por exemplo, a desconsideração
da personalidade jurídica afeta diretamente a perspectiva do funcionamento das
sociedades empresariais e repercute no mercado. Não obstante, vinha sendo pra-
ticada, sob o ponto de vista processual, a partir de entendimento jurisprudencial
nem sempre preciso, que acabava por gerar insegurança.

*
Professor Adjunto de Direito Processual Civil da UFMG; Doutor em Direito Processual pela UFMG/
Università degli Studi di Milano (Itália); Mestre em Direito Administrativo pela UFMG; Procurador do
Estado de Minas Gerais – AGE/MG; Advogado.
*
Professor Adjunto de Direito Empresarial da UFMG e do IBMEC/MG; Doutor em Direito Comercial
pela USP; Mestre em Direito Empresarial pela UFMG; Especialista em Direito Processual Civil pela UnB;
Procurador Federal – AGU.

171
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Já o amicus curiae, admitido até o advento do CPC/2015 em processos


de maior repercussão nos tribunais superiores, como no controle abstrato de
constitucionalidade (Lei 9.868/99, art. 7º, §2º) e nos recursos extraordinário e
especial (art. 543-A, §6º, e art. 543-C, §4º, CPC/73), ganha agora generalidade
e passa a ser possível a intervenção do amicus curiae desde o primeiro grau de
jurisdição, em casos de maior relevo ou repercussão social, perspectiva que acena
para uma maior abertura para a participação no processo.1
Estes dois novos casos de intervenção de terceiros, trazidos na Parte Ge-
ral do CPC/2015, é que serão objeto de análise neste trabalho, buscando-se,
inclusive, comparar os cenários anteriores ao novo Código em relação ao novo
tratamento normativos dos dois temas.

2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A TEORIA DA DES-


CONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

É sabido que a limitação de responsabilidade do investidor – notadamente


a limitação de responsabilidade dos sócios em relação às dívidas contraídas pela
sociedade – constitui técnica fundamental para permitir o cálculo racional do
risco2. Quanto mais precisas, claras e objetivas forem essas regras, mais fácil se
torna para o investidor calcular se vale, e até que ponto vale, a pena participar de
determinado empreendimento. Ou seja, saber quais são os riscos associados a uma
conduta, ao menos aproximadamente, é fundamental para a tomada de decisão.
Consequência lógica disto é que, quanto mais previsível for o sistema
jurídico acerca da limitação de responsabilidade, maior tende a ser a segurança

1
Destaque-se, com a doutrina francesa, que vem ganhando corpo as perspectivas designadas como
“democracia procedimental” que, ao lado do crescimento do poder do juiz, insere destaque especial às
garantias processuais: “La procéduralisation du droit traduit le mouvement vers une démocratie procédurale,
même si ce mouvement est parfois contesté (ce qui est parfaitement légitime) ou, pire, ignoré (ce qui l’est moins...).
Le développement croissant et inéluctable du droit di origine jurisprudentielle, notammente europeenne, accroît
l’importance de la procédure dans l’élaboration de ce droit. Il accroît ainsi le rôle du juge, acteur de la régulation
des conflits et non plus seulement « bouche de la loi », mais aussi ce « changeur » entre l’hermétistme de la loi
et le justiciable, changeur qui traduit en termes clairs ce qui est compliqué. Et, à l’inverse, l’accroissement des
pouvoirs du juge dans l’élaboration de la norme, accroît le besoin de garanties procédurales : la procédure est le
contre-pouvoir aux pouvoirs accrus du juge et au povoir de la justice» (GUINCHARD, Serge; FERRAND,
Frédérique; CHAINAIS, Cécile. Procédure civile, 29. ed. Paris: Dalloz, 2008, p. 92).
2
Aquilo que Max Weber convencionou chamar de direito calculável, enquanto Natalino Irti rotulou
de ordem jurídica do mercado (WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Editôra
Mestre Jou, 1968., p. 251). “Direito racional, isto é, direito calculável. Para que a exploração econômica
capitalista proceda racionalmente precisa confiar em que a justiça e a administração seguirão determinadas
pautas.”;“Nessuno dubita che il mercato sia un ordine: taluni lo dichiarano esplicitamente, altri lo pressuppongono
o lo lasciano argomentare. Oridne, nel senso di regolarità e prevedibilità dell’agire: chi entra nel mercato
– nel mercato di un dato bene – sa che l’agire, proprio e altrui, è governato da regole [...].” (IRTI, Natalino.
L’Ordine Giuridico del Mercato. Roma: Laterza, 2001. p. 5, grifo nosso).

172
jurídica3 e a confiança4 do investidor, estimulando os investimentos. Afinal,
poucos se arriscariam a investir se, em caso de fracasso, perdessem não apenas o
montante aplicado no empreendimento, mas todo o seu patrimônio.
Por essas razões, assegurar previsibilidade e segurança jurídica aos in-
vestidores é algo importante não apenas para o bom fluxo das relações privadas,
mas também para o Estado, no âmbito macroeconômico5. Esses são os vetores
axiológicos que devem guiar as discussões acerca da desconsideração da perso-
nalidade jurídica.
Se, por um lado, o Direito deve assegurar previsibilidade e segurança jurídi-
ca aos investidores, com regras claras acerca da limitação de sua responsabilidade,
por outro lado, esta limitação não pode ser absoluta. Afinal, nenhum direito é
absoluto. Igualmente importante, então, é fixar limites, os quais, se transpostos,
configuram abuso do direito6. Existem inúmeros instrumentos jurídicos para
a prevenção e repressão ao abuso. No contexto específico do abuso do direito
à limitação de responsabilidade do investidor, esse instrumento denomina-se
desconsideração da personalidade jurídica7.
Diversos autores escreveram a respeito, com muita profundidade8. Nos
3
FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 2009. p. 75. “Os
contratos empresariais somente podem existir em um ambiente que privilegie a segurança e a previsibilidade
jurídicas. Quanto maior o grau de segurança e de previsibilidade jurídicas proporcionadas pelo sistema,
mais azeitado o fluxo de relações econômicas.”
4
COSTA REGO, Anna Lygia. Aspectos Jurídicos da Confiança do Investidor Estrangeiro no Brasil.
2010. 351 f. Tese (Doutorado em Direito Econômico e Financeiro)–Universidade de São Paulo, São Paulo,
2010, f. 1. “[...] na sabedoria popular o segredo talvez seja a alma do negócio, mas a confiança é, sem
dúvida, a espinha dorsal das transações econômicas.”
5
PARENTONI, Leonardo. Desconsideração Contemporânea da Personalidade Jurídica: Dogmática e
análise científica da jurisprudência brasileira (Jurimetria/Empirical Legal Studies). São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 44. Importante deixar claro que além de sua contribuição histórica, a limitação de responsabilidade
– quer nas sociedades limitada e anônima, quer na empresa individual de responsabilidade limitada –
desempenha também importante função macroeconômica, na medida em que permite ao empresário
delimitar o risco decorrente de sua atividade, estimulando investimentos e favorecendo o progresso social.”
6
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (BRASIL. Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Art. 187. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002). Por abuso de direito entende-se o
exercício inadmissível de posições jurídicas, segundo conhecida definição de Cordeiro: CORDEIRO,
António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2011, p. 879.
Igualmente: LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do direito e suas limitações: Abuso do direito. Revista dos
Tribunais. São Paulo, n. 885, jul. 2009, p. 55.
7
PARENTONI, op. cit., p. 49-50. “A desconsideração da personalidade jurídica pode ser considerada
derivação dessa ideia maior de abuso do direito, por ser técnica aplicável especificamente a fim de coibir
abusos da limitação de responsabilidade cometidos por meio de centros autônomos de imputação de
direitos e deveres, quando tal limitação for utilizada contra as razões históricas, econômicas e sociais que
a condicionam.”
8
No exterior, por exemplo: BAINBRIDGE, Stephen M. Abolishing LLC Veil Piercing. Law & Economics
Research Paper Series, Los Angeles, n. 1, p. 77-106, 2001; EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL,
Daniel R. Limited Liability and the Corporation. University of Chicago Law Review, Chicago, n. 52.

173
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

estreitos limites do presente estudo, porém, cumpre apenas explicar, de maneira


sucinta, alguns aspectos fundamentais à compreensão do instituto.
A principal consequência da desconsideração da personalidade jurídica é
fazer com que um sujeito responda por dívida contraída por outrem. Por exem-
plo, permitindo cobrar de sócio dívida da sociedade (ou vice-versa). Com isto,
imputa-se responsabilidade patrimonial (obligatio ou Haftung) a quem não era
o devedor originário (debitum ou Schuld)9. Nos dizeres de Fábio Konder Com-
parado, há dissociação subjetiva entre dívida e responsabilidade10. Este tipo
de dissociação já era possível no CPC revogado e permanece cabível no diploma
atual (art. 790, VII). A desconsideração da personalidade jurídica opera no pla-
no da eficácia, tornando a limitação de responsabilidade ineficaz em relação a
credor determinado e a crédito específico11.
1985; HANSMANN, H.; KRAAKMAN, R. Toward Unlimited Shareholder Liability for Corporate Torts.
In: ________. Foundations of Corporate Law. New York/Oxford: Oxford Foundation Press, 1993;
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. O Levantamento da Personalidade Colectiva no
Direito Civil e Comercial. Coimbra: Almedina, 2000; MÜLLER-FREIENFELS, Wolfram. Zur Lehre
vom sogenannten ‘Durchgriff’ bei juristischen Personen im Privatrecht, Archiv für die civilistische Praxis,
Tübingen,1957; OH, Peter B. Veil-Piercing. Texas Law Review, Texas, n. 89, p. 81-145, February. 2010;
SERICK, Rolf. Forma e Realtà della Persona Giuridica. Milano: Giuffrè, 1966; THOMPSON, Robert
B. Piercing The Corporate Veil: An Empirical Study. Cornell Law Review, Cornell, n. 76, july. 1991;
VANDEKERCKHOVE, Karen. Piercing the Corporate Veil: A Transnational Approach. Aspen: Kluwer
Law International, 2007. v. 2; e VERRUCOLI, Piero. Il Superamento della Personalità Giuridica delle
Società di Capitali nella Common Law e nella Civil Law. Milano: Giuffrè, 1964.
No Brasil: BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração Judicial da Personalidade Jurídica
pela Óptica Processual. 2010. 198 f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2010; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos Processuais da Desconsideração
da Personalidade Jurídica, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009; CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na
Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. São Paulo: Del Rey, 2002; COMPARATO,
Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima, 2. ed. São Paulo: RT, 1977; OLIVEIRA,
José Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979; CORRÊA-
LIMA, Osmar Brina. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica Descomplicada. Revista da
Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 6, p. 225-229, 1999; MADALENO, Rolf.
Desconsideração Judicial da Pessoa Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2009; NUNES, Márcio Tadeu
Guimarães. Desconstruindo a Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Quartier Latin,
2007; PARENTONI, Leonardo. Desconsideração Contemporânea da Personalidade Jurídica: Dogmática
e análise científica da jurisprudência brasileira (Jurimetria/Empirical Legal Studies). São Paulo: Quartier
Latin, 2014; REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. Revista
dos Tribunais, São Paulo, ano 58, v. 410, p. 12-24, dez. 1969; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo
Direito Societário, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006; e WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A Crise da
Limitação de Responsabilidade dos Sócios e a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
2004. 269 f. Tese (Doutorado em Direito Comercial) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
9
GOMES, Orlando. Obrigações, 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 12. “Na moderna dogmática,
distinguem-se, no conceito de obrigação, os de debitum e obligatio.”
10
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de Controle na Sociedade
Anônima, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 435.
11
SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 238.
“A desconsideração também não implica qualquer alteração nas esferas co-envolvidas. Assim, de um lado,
permanece intacta a personalidade jurídica, valendo a desconsideração apenas para aquele caso específico.”
No mesmo sentido: COELHO, Fábio Ulhoa. Lineamentos da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.
Revista do Advogado, São Paulo, n. 36, p. 38-44, mar. 1992. “Em resumo, a teoria da desconsideração

174
Prosseguindo, vale destacar que o próprio nome do instituto induz a erro.
Com efeito, a nomenclatura usual associa “desconsideração” à prévia existência
de “personalidade jurídica”. Isto, porém, não é correto. A existência de perso-
nalidade jurídica é, tão somente, indício de que os membros da pessoa jurídica
possuam limitação de responsabilidade. Basta observar que existem sociedades
personificadas, regularmente constituídas e registradas, que não conferem essa
proteção aos sócios12. O inverso também é verdadeiro: existem entes desperso-
nificados com limitação de responsabilidade patrimonial13.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ter como causa inúmeras
situações de fato. Para maior precisão científica, a literatura jurídica cuidou de
reunir essas situações em dois grandes grupos, denominados de causas subjetivas
e objetivas.
As causas subjetivas compreendem todos os casos em que a limitação de
responsabilidade patrimonial é conscientemente utilizada de maneira abusiva.
Por exemplo, na hipótese de transferências patrimoniais fraudulentas entre sócio
e sociedade. É neste sentido que o art. 50 do Código Civil se refere a “abuso
da personalidade jurídica”14. Este conceito é propositadamente amplo, a fim de
coibir a fraude em suas mais diversas formas de manifestação15:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, ca-


racterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,
ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.

suspende a eficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica, para fins de responsabilizar direta
e pessoalmente aquele que perpetrou um uso fraudulento ou abusivo de sua autonomia patrimonial [...].”
12
A sociedade em nome coletivo, por exemplo, bem como as sociedades simples que não adotam tipo
empresarial, tal como os escritórios de advocacia.
13
Caso do trust, no Direito norte-americano, ou os patrimônios de afetação, no Brasil.
14
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, Art. 50. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002).
15
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 115-116. “Não se sentindo o legislador atual capacitado a normatizar detalhadamente e com plena
eficácia os direitos conquistados pela sociedade contemporânea, viu-se obrigado a lançar mão de outra
técnica legislativa, cuja especificidade está no prestígio dos critérios hermenêuticos. Com esse propósito,
incrementaram-se as normas descritivas ou narrativas, cuja tônica não é preceptiva, mas axiológica. Por
meio delas, definem-se modelos de conduta à luz de princípios que irão orientar o intérprete, tanto nas
situações já tipificadas como nas atípicas (i.e., as não previstas no ordenamento).”

175
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Diferentemente, nas causas objetivas o infrator pode até não ter a intenção
de se comportar de modo ilícito, porém a sua conduta, por si só, extrapola os limi-
tes juridicamente autorizados para a limitação de responsabilidade16. Isto ocorre,
por exemplo, na subcapitalização societária17, que significa constituir sociedade
com capital manifestamente insuficiente para exercer as suas atividades. Neste
caso, a insuficiência dos recursos aportados pelos sócios provavelmente conduzirá
ao insucesso do empreendimento e à existência de dívidas inadimplidas. Ainda
que os sócios não tenham agido de má-fé (porque consideravam que o capital
por eles aportado seria suficiente), poderão ter seu patrimônio pessoal atingido
para pagamento das dívidas contraídas pela sociedade. Outra causa objetiva de
desconsideração da personalidade jurídica é a confusão patrimonial18, também
mencionada no art. 50 do Código Civil.
Em suma, enquanto nas causas subjetivas a ilicitude decorre da intenção
do agente – que abusa conscientemente da limitação de responsabilidade – nas
causas objetivas a ilicitude decorre da própria conduta em dissintonia com os
padrões de mercado, mesmo se ausente a intenção de fraudar. Em qualquer caso,
será cabível a desconsideração, desde que presentes também os seus pressupostos.
Esta breve introdução é suficiente para contextualizar o tema, nos estrei-
tos limites deste estudo. Evidentemente, há várias questões de direito material
importantes para a compreensão da matéria, como os pressupostos e limites da
desconsideração da personalidade jurídica. Não é o caso, porém, de discuti-las
aqui, até porque o Código de Processo Civil de 2015 (art. 133, § 1º) não se
refere a elas, remetendo o trato do tema à legislação específica19. Passa-se, então,
ao exame do CPC/2015.

16
O primeiro a tratar dessas causas no país foi: COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na
sociedade anônima, 2. ed. São Paulo: RT, 1977.
17
Vale destacar que o Direito brasileiro não fixa, como regra, capital mínimo para a constituição de sociedades.
Sendo assim, apenas a subcapitalização evidente – tecnicamente denominada de subcapitalização qualificada
– autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. A escolha de capital ligeiramente inferior aos padrões
de mercado, por sua vez, não permite aplicar a desconsideração.
A este respeito, vide: SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 221; DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização Societária: Financiamento e Responsabilidade.
Belo Horizonte: Fórum, 2012.
18
SCALZILLI, João Pedro. Confusão Patrimonial no Direito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2015,
p. 93. “Em direito societário, confusão patrimonial consiste no estado de promiscuidade verificado entre os
patrimônios de duas ou mais pessoas, consequência da apropriação, por parte dos sócios, administradores,
terceiros ou outras sociedades componentes de um grupo econômico, dos meios de produção de uma
determinada sociedade.”
19
Para aprofundamento, recomenda-se: PARENTONI, op. cit., p. 62-72; 190-199.

176
3 PREVISÃO LEGAL NO CPC/2015

Topograficamente, a matéria encontra-se inserida no Título III, “Da In-


tervenção de Terceiros”, do Código de Processo Civil de 2015. Opção correta,
uma vez que o sujeito atingido pela desconsideração da personalidade jurídica
será terceiro em relação às partes originárias do processo, salvo se a medida for
requerida na petição inicial, caso em que ele deverá ser citado como parte, ab
initio.
O CPC/2015 deixa claro que as suas disposições tratam apenas dos aspec-
tos processuais do tema, reservando à lei material a definição dos pressupostos
da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, permanece a macro divisão
entre as teorias clássica e contemporânea, ambas legalmente disciplinadas, cada
qual com pressupostos específicos e aplicável a contextos diferentes.
Por fim, apesar de o art. 135 do CPC/2015 referir-se à “citação”, trata-se
de autêntico incidente do processo (tal como rotulado pela lei) e não de pro-
cesso incidental. Tanto assim que é julgado por meio de decisão interlocutória,
enquanto os processos incidentais o são por sentença. Este já era o posicionamento
do STJ anterior ao novo Código20.

4 COMO E QUANDO DEVE SER INSTAURADO O INCIDENTE

Na vigência do CPC revogado era comum que primeiro se aplicasse a


desconsideração da personalidade jurídica, praticando atos de constrição patri-
monial contra o sujeito para, somente então, oportunizar-lhe o direito de defe-
sa. Consequentemente, quem não era parte do processo tinha seu patrimônio
subitamente atingido por decisão judicial. Somente após a contrição viria a ser
intimado, para conhecer os fundamentos da decisão e, eventualmente, impugná-
-la. Ou seja, havia contraditório diferido. Essa prática era amplamente aceita na
jurisprudência21. Na maioria dos casos, isto ocorria na fase de execução, quando
se descobria que o devedor não tinha patrimônio suficiente para arcar com a

20
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.180.191-RJ, Quarta Turma. Relator: Min.
Luís Felipe Salomão. Brasília, 5 de abril de 2011. Diário de Justiça: 9 jun. 2011. Trecho da Ementa: “A
superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente
[...].”
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 331.478/RJ, j. 24.10.2006, Rel. Ministro Jorge
Scartezzini; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 1.071.643/DF, j. 02.04.2009, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n. 1.180.191/RJ, j.
05.04.2011, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n.
1.096.604/DF, j. 02.08.2012, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
3ª Turma, REsp. n. 1.326.201/RJ, j. 07.05.2013, Rel. Ministra Nancy Andrighi;

177
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

dívida. Após a entrada em vigor do CPC/2015, essa prática continuou sendo


aplicada, inclusive em litígios envolvendo elevadas cifras22.
Como já mencionado, um dos objetivos do legislador ao editar o CPC/2015
foi evitar a “decisão de surpresa”, inserindo-se, inclusive, no âmbito das normas
fundamentais do novo Código vedação neste sentido (art. 10). Em relação à
desconsideração da personalidade jurídica, o instrumento utilizado foi a obri-
gatoriedade de se observar incidente prévio, com contraditório e ampla defesa,
para que seja válida a prática do ato de constrição patrimonial. Assim, deve ser
superada a jurisprudência que admitia o contraditório diferido23. Em outras
palavras, a nova regra deverá ser a instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica – assegurando-se o contraditório e a ampla defesa –
antes da prática dos atos de constrição patrimonial, pois somente assim haverá
a garantia de contraditório efetivo24. Para aclarar este aspecto, melhor seria se
o citado Capítulo IV do CPC/2015 houvesse sido rotulado como “Do Prévio
Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica”25.
Por força da mencionada alteração, restou afastada antiga anomalia do
sistema. Com efeito, sabe-se que o devedor condenado ao pagamento de quantia
certa deve fazê-lo no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% e acréscimo

22
Vide, por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica da Mendes Júnior Trading e Engenharia
S/A, aplicada para a satisfação de créditos da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, trecho do
voto do Relator. “Sobre a necessidade de citação das empresas antes da determinação da desconsideração da
personalidade jurídica, tenho que também não merece acolhimento. Pois há a possibilidade do contraditório
diferido quando a oitiva da parte possa prejudicar a medida decretada, sendo prescindível a citação dos sócios
da decisão que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade”(MINAS GERAIS (Estado). Tribunal
de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 1.0024.07.746341-2/009, Quarta Câmara Cível. Relator:
Des. Dárcio Lopardi Mendes. Belo Horizonte, 29 de outubro de 2015. Diário de Justiça: 3 nov. 2015).
Igualmente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.459.784-
MS, Segunda Seção. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 4 de agosto de 2015. Diário de Justiça:
14 ago. 2015.
23
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0007569-57.2017.8.19.0000,
Décima Primeira Câmara Cível. Relator: Des. Otávio Rodrigues. Rio de Janeiro, 19 abr. 2017. Diário
de Justiça, n. 2686607, 20 abr. 2017. Trecho da Ementa: “Com o advento do novo diploma processual,
é necessária a formação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na forma dos artigos
133 e seguintes [...].”
No mesmo sentido: MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº
1.0702.16.038355-1/001, Sétima Câmara Cível.Relator: Des. Oliveira Firmo. Belo Horizonte, 25 abr.
2017. Diário de Justiça: 5 maio 2017.
24
MARINONI, Luiz Guilherme; SILVA, Ricardo Alexandre. Incidente de Desconsideração da Personalidade
Jurídica no Código de Processo Civil de 2015. In: YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti
J. (coord.). Processo Societário II: Adaptado ao Novo CPC : Lei n. 13.105/2015. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p.464. “Grassa na jurisprudência incômoda controvérsia sobre a necessidade de manifestação
dos sócios previamente à desconsideração. O dispositivo [CPC/2015 art. 135] pretende encerrar o dissídio,
inviabilizando a desconsideração da personalidade jurídica sem que seja facultado ao sócio controlador o
contraditório prévio.”
25
Algo já proposto em: PARENTONI, op. cit., p. 168-169.

178
de honorários advocatícios de 10%26, conforme art. 523, § 1º do CPC/2015
(equivalente ao art. 475-J do Código revogado). Caso a desconsideração da
personalidade jurídica fosse determinada após esse prazo, o sujeito atingido
receberia a dívida em montante superior ao cobrado do devedor originário, por
força da multa e dos honorários, sem que tenha dado causa a qualquer atraso.
Com a observância do incidente prévio, isto não deve mais acontecer.
A instauração deste incidente pode ser requerida por simples petição
nos autos27, a qual deve individualizar quem se pretende atingir através da
desconsideração, indicando qual seria a sua causa – subjetiva ou objetiva – bem
como demonstrando a presença de seus pressupostos (arts. 133, §1º, e 134, §4º,
CPC/2015). Pedidos genéricos de desconsideração devem ser evitados, como
é o caso daqueles dirigidos indistintamente a “todos os sócios”. Neste ponto o
CPC/2015 consagrou requisito de há muito reclamado pela literatura jurídica.
Por exemplo, em 2008 já havia sido discutido – e infelizmente arquivado – pro-
jeto de lei na mesma linha28.
Questão interessante é saber se seria admissível tutela provisória (de ur-
gência ou de evidência – art. 294) para atingir o patrimônio de terceiro, sem
observar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Como a
grande novidade trazida por este incidente é a garantia de contraditório prévio,
em substituição à prática habitual de contraditório diferido, essa questão deve ser
analisada com bastante cautela, sob pena de comprometer o potencial inovador
do CPC/2015.
É preciso, então, diferenciar a tutela de urgência daquela baseada em
evidência. Ambas têm em comum o objetivo de evitar os malefícios que a pas-
sagem do tempo, decorrente da duração do processo, possa ocasionar à efetiva

26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 517. “São devidos honorários advocatícios no cumprimento
de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia
após a intimação do advogado da parte executada.”
27
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2233003-69.2016.8.26.0000,
Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado. Relator: Desembargador Walter Barone.São Paulo, 23 de
fevereiro de 2017. Diário de Justiça: 23 fev. 2017. Trecho da Ementa: “Erro no procedimento. Inocorrência.
Simples petição formulando pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, cabendo ao Juízo admitir ou não o seu processamento. No presente caso, foi determinado o
processamento e preenchidos os requisitos formais do incidente, tais como, citação dos sócios da empresa
executada, comunicação ao distribuidor e suspensão do processo.”
28
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.426. Autor: Deputado Ricardo Fiúza. Brasília: 05
nov. 2003. “Art. 4°. É vedada a extensão dos efeitos de obrigações da pessoa jurídica aos bens particulares
de sócio e ou de administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade, mediante desvio de
finalidade ou confusão patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou em proveito próprio.”
Igualmente: CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.I Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2002.
Disponível em: <https://goo.gl/BLgwqa>. Acesso em 24 fev. 2011. “7 – Art. 50: Só se aplica a desconsideração
da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores
ou sócios que nela hajam incorrido.”

179
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

satisfação do direito das partes29. Porém, seus requisitos e hipóteses de cabimento


são distintos. De maneira propositadamente sucinta, pode-se dizer que a tutela
de urgência engloba tanto as medidas cautelares quanto a tradicional tutela an-
tecipada (art. 294, par. único, CPC/2015) sendo cabível quando for imperioso
proferir decisão rápida, nos casos em que o direito da parte poderia ser prejudi-
cado caso se aguardasse o regular desenvolvimento do feito e a decisão definitiva
(art. 300, CPC/2015). Já a tutela de evidência, como o próprio nome sugere,
visa a conceder ao titular do direito o que lhe é devido, antes mesmo da decisão
definitiva, nos casos em que o cabimento de sua pretensão restar comprovado,
no curso do processo, de maneira evidente, nas hipóteses previstas agora no art.
311 do CPC/2015.
No contexto das tutelas provisórias, a primeira questão que se põe é a
necessidade de garantir o resultado útil do futuro provimento jurisdicional, o
qual seria infrutífero se, após toda a instrução probatória e julgamento do inci-
dente, não restassem, no patrimônio do sujeito atingido, bens suficientes para a
satisfação do débito. Assim, para garantir a eficácia deste provimento, admite-se
o deferimento de tutela de urgência, mesmo antes de instaurado o incidente
de desconsideração da personalidade jurídica. Entre outras razões, por força
do art. 9º, parágrafo único, I do CPC/2015. Neste caso, porém, o objeto da
tutela provisória não se confunde com o próprio pedido formulado no incidente
de desconsideração. Enquanto este é satisfativo, pois efetivamente estende ao
terceiro responsabilidade pela dívida de outrem, o pedido na tutela provisória é
meramente cautelar, preventivo, a fim de evitar o risco de ineficácia da futura
decisão judicial30. Destarte, ele não interfere por completo na propriedade do

29
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Tutela provisória no NCPC. Interesse Público, Belo Horizonte, ano
18, n. 97, p. 15-61, mai./jun. 2016. p. 33. “Ambas têm como tronco ontológico único a função de evitar
que o tempo do processo seja um fator de injustiça na prestação da tutela jurisdicional. Por isso, ambas
pretendem corrigir o problema do “fator tempo” neutralizando o processo contra as situações de urgência
que tanto podem afetar o próprio processo quanto o direito material nele contido (tutela de urgência
cautelar ou antecipada) ou então redistribuindo o ônus do tempo de duração do processo segundo critérios
de evidência do direito pleiteado em juízo (tutela da evidência).”
30
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil: Os Fundamentos e as
Instituições Fundamentais, 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. v. 1, p. 75-76. “Como facilmente se
compreende, ordinariamente o juiz primeiro estabelece contato com a causa e seus fundamentos, entre os
quais os de fato e a prova, para depois julgar. Assim é a linha geral dos processos de conhecimento (que
devem terminar com uma sentença de mérito), com óbvias razões para que o conhecimento seja o natural
apoio do julgamento. [...].
Mas há situações urgentes em que, a esperar pela realização de todo o conhecimento judicial, com a
efetividade do contraditório, defesa, prova e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação
de situações indesejáveis, a dano de algum dos sujeitos. O tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu
decurso pode lesá-los de modo irreparável ou ao menos comprometê-los insuportavelmente (Carnelutti).
[...]
Para remediar tais situações aflitivas, a técnica processual excogitou certas medidas de urgência, caracterizadoras
da tutela jurisdicional antecipada e da chamada tutela cautelar. Trata-se de técnicas teoricamente diferentes,

180
devedor. Apenas restringe sua faculdade de dispor dos bens, por meio de blo-
queio/indisponibilidade31. Valendo reiterar que as tutelas de urgência devem ser
analisadas com muita cautela, quando aplicadas em detrimento do contraditório
prévio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo dupla-
mente importante verificar a “probabilidade do direito e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo”, como determina o art. 300, combinado com
o art. 301, do CPC/2015.32 A banalização no deferimento deste tipo de medida
seria altamente prejudicial aos objetivos da nova lei, tornando regra aquilo que
foi concebido como exceção.
Prosseguindo, a tutela de evidência deve ter alcance ainda mais restrito
do que a de urgência, quando confrontada com o incidente de desconsi-

endereçadas a situações diferentes, mas todas têm o comum objetivo de neutralizar os efeitos maléficos do
decurso do tempo sobre os direitos.
Existe uma diferença conceitual entre (a) as medidas que oferecem ao sujeito, desde logo, a fruição integral
ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga e (b) as medidas destinadas a proteger o processo em
sua eficácia ou na qualidade de seu produto final. As primeiras, oferecendo situações favoráveis às pessoas
na vida comum em relação com outras pessoas ou com os bens, integram o conceito de tutela jurisdicional
antecipada. As segundas, qualificadas como medidas cautelares, resolvem-se em medidas de apoio ao
processo – para que ele possa produzir resultados úteis e justos – e só indiretamente virão a favorecer o
sujeito de direitos.”
A tutela cautelar “garante para satisfazer” enquanto a tutela antecipada “satisfaz para garantir”.
Conforme: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. 12, p. 14-15.
31
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2257761-
15.2016.8.26.0000, Décima Segunda Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Jacob Valente. São Paulo,
17 mar. 2017. Diário de Justiça: 17 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Cumprimento de sentença. Incidente
de desconsideração da personalidade jurídica. Arresto de bens dos sócios da devedora Perfil Tecnologia
Ltda., antes da citação. Descabimento do inconformismo da agravante. Medida adequada para garantir
o resultado útil do processo, em razão do poder geral de cautela do magistrado, instituídos pelos arts.
297 e 301, do CPC, cuja efetivação observará as normas ao cumprimento provisório de sentença, nos
termos do parágrafo único, do art. 297, ainda que requerida como incidente processual, como autoriza o
parágrafo único, do art. 294, do CPC, antes mesmo da citação dos réus no incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do CPC. Observação de que o julgamento do
presente recurso ficou limitado ao pronunciamento judicial recorrido, que deliberou sobre a medida de
arresto em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com instauração deferida, e não sobre
a decisão do mérito do incidente a que se refere p art. 136, do CPC, sob pena de supressão de instância.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2095503-58.2016.8.26.0000,
Décima Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Carlos Alberto Garbi. São Paulo: 9 ago. 2016. Diário
de Justiça: 10 ago. 2016.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Regras Processuais no Código Civil, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 14.
“Seja pelo litisconsórcio eventual, seja pela instauração de um incidente cognitivo no processo de execução, o
que importa é dar oportunidade ao debate, não sendo lícita a aplicação da sanção sem o prévio contraditório.
Nada impede, porém, que o credor solicite a tomada de providência cautelar, como o arresto, que pode
ser concedida liminarmente, desde que preenchidos os respectivos pressupostos, como forma de preservar
a utilidade/efetividade da prestação jurisdicional.”
32
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense;
GEN, 2015, v. 1, p. 401, destaca a possibilidade de busca da tutela provisória cautelar no incidente
de desconsideração da personalidade jurídica: “Há, não obstante, mecanismos de proteção cautelar que
preservam o credor dos riscos de desvio de bens e de insolvência do devedor que podem ser utilizados, em
qualquer caso, antes mesmo da citação executiva (arts. 300 e 301)”.

181
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

deração da personalidade jurídica. Afinal, este incidente foi inserido na lei


justamente para propiciar contraditório prévio, com ampla possibilidade de
defesa. Destarte, o mero exercício desta faculdade processual, inclusive reque-
rendo a produção de provas – ainda que complexas e demoradas – não deve,
por si só, ser considerado “abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório da parte” para fins de incidência da tutela de evidência prevista no
art. 311, I do CPC. Isto seria desnaturar, por completo, a natureza probatória
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica33. No caso do inciso
IV, quando o requerente apresentar “prova documental suficiente dos fatos cons-
titutivos do direito do autor” e “o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável”, o que deve ocorrer é o julgamento do próprio incidente, porque o
acusado não se desincumbiu de seu ônus probatório. Por exemplo, quando o
sujeito contra quem se deseja estender a responsabilidade, devidamente citado,
não se manifesta no incidente ou não produz provas. Inexiste, nesta hipótese,
autêntica tutela diferenciada. O incidente de desconsideração será instaurado,
processado e decidido regularmente.
Situação distinta diz respeito às tutelas de evidência do art. 311, incisos
II e III, do CPC/2015. Quanto a estas, o art. 9º, parágrafo único, II, do mesmo
Código é claro ao dispor que podem ser deferidas inclusive inaudita altera
parte. Consequentemente, há previsão expressa para que sejam deferidas
mesmo antes de instaurado o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Valendo reiterar a mesma ressalva feita anteriormente, no sentido de
que devem ser deferidas com muita cautela e apenas em casos excepcionais, sob
pena de comprometer os objetivos do legislador com a criação do novo inci-
dente. O inciso II do art. 311 diz respeito aos casos em que as “[...] alegações de
fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente [...]” ou houver “[...]
tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”. O

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 8. ed. Salvador: JusPodivm,
33

2016, p. 653-654. “[a] tutela de evidência independe da demonstração de perigo da demora da prestação
da tutela jurisdicional, em diferenciação clara e indiscutível com a tutela de urgência. [...] Da forma como
ficou redigido o art. 311, I, do Novo CPC, restou como requisito para a concessão da tutela da evidência
somente o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, o que parece contrariar
até mesmo o espírito dessa espécie de tutela. Difícil acreditar que o autor tenha direito a uma tutela, ainda
que provisória, somente porque o réu se comporta indevidamente no processo, sem que o juiz tenha qualquer
grau de convencimento da existência do direito do autor. Parece-me extremamente temerário, como simples
forma de sanção processual, conceder a tutela da evidência sem que haja probabilidade de o autor ter o
direito que alega. Entendo que nesse caso a probabilidade de o direito existir é necessária, mas não está
tipificada na lei, como ocorre com as outras três hipóteses de cabimento da tutela da evidência previstas
no art. 311 do Novo CPC. Significa dizer que nessa hipótese de cabimento da tutela da evidência o juiz
deve se valer, por analogia, do art. 300, caput, do Novo CPC, concedendo tal espécie de tutela apenas se
houver nos autos elementos que evidenciem a probabilidade do direito e serem preenchidos os requisitos
previstos em lei.”

182
inciso III, por sua vez, trata “[...] de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito”.
O raciocínio construído anteriormente diz respeito à aplicação de tutelas
provisórias ou diferenciadas contra o terceiro ao qual se pretende estender a
responsabilidade, via incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Em
relação às partes originárias do processo, tais tutelas podem ser normalmente
deferidas, sem maiores problemas, bastando observar os respectivos requisitos. O
mesmo se diga em relação às tutelas deferidas após o julgamento do incidente,
quando então o sujeito atingido já terá se tornado parte do processo, para todos
os fins.
Vale destacar, ainda, que as tutelas provisórias podem ser deferidas tanto
em primeiro grau de jurisdição quanto em sede de recurso e nas causas de com-
petência originária dos tribunais (CPC/2015 art. 299, parágrafo único).
Com relação ao momento de instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, o CPC/2015 simplesmente afirma ser ele cabível “[...]
em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença
e na execução fundada em título executivo extrajudicial”. Apesar da aparente
simplicidade, essa disposição requer exame mais acurado. Quanto ao prazo, por
exemplo, o STJ já decidiu que por se tratar de direito protestativo de atingir o
patrimônio alheio, atuando no plano da eficácia (recorde-se que a incidência da
desconsideração acarreta a ineficácia parcial e temporária da separação patrimo-
nial), a instauração do incidente pode ser requerida a qualquer tempo34. O que
não significa que toda pretensão nele veiculada se torne imprescritível. A dívida
é a mesma, quer seja cobrada do devedor principal quer de terceiro, a quem
foi estendida a responsabilidade, via desconsideração da personalidade jurídica.
Portanto, cada pretensão se sujeita ao respectivo prazo prescricional. Desta
forma, é possível que o incidente de desconsideração seja validamente instaura-
do, mas verifique-se que a dívida nele cobrada está prescrita. Neste caso, a rigor,
sequer deveria ter havido cobrança contra o devedor principal.
Há tribunais que aplicam, por exemplo, o prazo prescricional de 05 anos,
previsto no art. 206, § 5º, I do Código Civil, em caso de dissolução irregular

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.180.191-RJ, Quarta Turma. Rel. Ministro Luis
34

Felipe Salomão. Brasília, 5 abr. 2011. Diário de Justiça: 9 jun. 2011. Trecho da Ementa: “Relativamente
aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece
a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo
não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando
preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.”
Igualmente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.312.591-RS, Quarta Turma,
Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Brasília, 11 de junho de 2013. Diário de Justiça: 1 jul. 2013.

183
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

de sociedade35. Outro aspecto relevante diz respeito à previsão dos artigos 1.003,
parágrafo único, e 1.032 do Código Civil, que tratam, respectivamente, da
cessão de cotas e da exclusão ou morte de sócio. Ambos impõem responsabi-
lidade solidária, pelo prazo de 02 anos, ao sócio que se desliga da sociedade,
com relação às dívidas existentes ao tempo de sua saída. Ora, em se tratando de
solidariedade passiva é desnecessário utilizar a desconsideração da personalidade
jurídica. Consequentemente, esta não se aplica no citado interregno de 02 anos.
Após tal prazo, há jurisprudência considerando que o sócio não poderá mais
ser responsabilizado, nem mesmo através da desconsideração36. Este não parece
ser o melhor entendimento porque, durante os 02 anos, sequer seria cabível a
medida, visto haver responsabilidade pessoal e direta dos sócios, em relação às
dívidas existentes até o momento de sua retirada, o que torna a desconsidera-
ção desnecessária. Ou seja, desconsiderar a personalidade jurídica se torna uma
alternativa somente após exaurido esse prazo. Com a diferença de que durante
os 02 anos o sócio responde pessoal e diretamente, como qualquer outro deve-
dor solidário. Após este prazo, no entanto, somente pode ser responsabilizado
mediante prova dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica,
observando-se o incidente disciplinado no CPC/2015, até que esteja prescrita a
obrigação. Importante destacar, ainda, que o prazo de 02 anos dos artigos 1.003,
parágrafo único, e 1.032 do Código Civil flui a partir do registro público da
respectiva alteração contratual. Na circunstância em que o credor somente toma
ciência do ilícito praticado pelo ex-sócio após transcorridos esses 02 anos, o ins-
trumento jurídico para responsabilizá-lo seria justamente a desconsideração da
personalidade jurídica. Pensar diversamente seria admitir a impunidade, além de
conflitar com o entendimento jurisprudencial de que a desconsideração, por se
tratar de direito potestativo que atua no plano da eficácia, poderia ser requerida
a qualquer tempo.
35
RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação Cível nº 70043652130,
Quinta Câmara Cível. Relator: Des. Romeu Marques Ribeiro Filho. Porto Alegre, 24 de agosto de 2011.
Diário de Justiça: 1 set. 2011.
36
O TJSP já se posicionou desta forma: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Apelação nº
0018497-05.2013.8.26.0003, Décima Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Jairo Oliveira
Junior. São Paulo, 8 de junho de 2016. Diário de Justiça: 8 jun. 2016. Trecho da Ementa: “Embargos à
Execução. Desconsideração da personalidade jurídica. Inclusão de ex-sócia no polo passivo. Inadmissibilidade.
Responsabilidade do ex-sócio extingue-se dois anos após a retirada. Artigos 1.003, parágrafo único, e
1.032 do Código Civil. Decurso do prazo antes da desconsideração da personalidade jurídica. Inclusão da
embargante no polo passivo afastada.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2226895-24.2016.8.26.0000,
Vigésima Segunda Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Alberto Gosson. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 9 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Sócios que se retiraram da sociedade há mais de dois anos da data da averbação de sua saída perante
a JUCESP. Impossibilidade de incluí-los no polo passivo em incidente de desconsideração da personalidade
jurídica sob a égide do Novo CPC. Incidência do disposto no art. 1.032 do CC.”

184
O próprio STJ impõe ainda outros limites. Por exemplo, o incidente de
desconsideração não se aplica aos graus extraordinários (como nos recursos
especial e extraordinário). Ao menos por duas razões, primeiro, porque nestes não
se admite a produção de provas37. Em segundo lugar, porque o assunto esbarrará
na falta de prequestionamento, quando a matéria não tiver sido suscitada nas
instâncias ordinárias, ao menos via embargos de declaração (CPC/2015 art.
1.025). O STJ considera inviável até mesmo o exame de questões de ordem
pública se ausente o prequestionamento38.
Mesmo para recursos em segundo grau de jurisdição sua utilização
tende a ser diminuta, visto que a apelação deve abranger somente as questões
já discutidas em primeira instância, ainda que não decididas, sob pena de con-
figurar supressão de instância39. Exceto em circunstâncias excepcionais, muito
específicas. Por exemplo, se se tratar de fato superveniente, aspecto que pode até
ser conhecido pelo magistrado, de ofício, mas que deve ser provado no recurso,
pela parte a quem aproveita (CPC/2015 art. 493). Ou, ainda, se a questão não
houver sido suscitada no primeiro grau de jurisdição “[...] por motivo de força
maior [...]” (CPC/2015 art. 1.014). Sendo que a força maior deve ser demons-
trada, evitando-se manobras processuais em que o interessado se utilize dessa
regra apenas para alegar fato que, injustificadamente, deixou de mencionar no
momento correto.
37
Vide, por todos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.098.712-RS, Quarta Turma.
Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Brasília, 17 de junho de 2010. Diário de Justiça: 4 ago. 2010.
Trecho da Ementa: “Nos termos do Código Civil, para haver a desconsideração da personalidade jurídica,
as instâncias ordinárias devem, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade
ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se
incabível.”
38
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 250.544-SP, Terceira Turma. Relator: Min.
Humberto Gomes de Barros. Brasília, 15 de fevereiro de 2005. Diário de Justiça: 14 mar. 2005. Trecho
da Ementa: “Mesmo em temas de ordem pública, o prequestionamento é necessário ao conhecimento do
Recurso Especial.”
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.545.840-SC Terceira Turma. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, 27 de outubro de 2017. Diário de Justiça: 3 nov. 2015. Trecho
da Ementa: “As questões de ordem pública, embora passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias
ordinárias, necessitam observar o requisito do prequestionamento na via do recurso especial. Inovação de
tese recursal suscitada apenas em embargos de declaração, incompatível com a preclusão.”
39
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça doEstado. Agravo de Instrumento nº 2221393-07.2016.8.26.0000,
Décimo Oitava Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Hélio Faria. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 9 mar. 2017. Trecho da Ementa: “Decisão que indeferiu a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa ré. Insurgência. Admissibilidade em parte. Indícios de encerramento
irregular das atividades da empresa agravada. Necessidade de instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica. Artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015. Imperiosa a citação
dos sócios da executada, visando assegurar o contraditório e a ampla defesa. Impossibilidade, neste grau de
jurisdição, de apreciar, desde logo, o mérito do pedido, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.”
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Agravo de Instrumento nº 2114364-92.2016.8.26.0000,
Décima Quinta Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Coelho Mendes. São Paulo, 23 de fevereiro de
2017. Diário de Justiça: 3 nov. 2015.

185
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Situação diversa são as causas de competência originária dos tribunais,


em que seguramente se pode aplicar o incidente de desconsideração. Havendo,
inclusive, previsão específica a esse respeito no regimento interno do STJ40.
Nos casos excepcionais em que o incidente de desconsideração da per-
sonalidade jurídica for validamente instaurado em segundo grau de jurisdição
é possível que os atos instrutórios sejam realizados tanto no tribunal quanto na
primeira instância. Neste último caso, extraindo-se cópia dos autos e remetendo-a
ao juízo responsável (CPC/2015 art. 938, § 3º). Lembrando que o processo será
suspenso até a decisão do incidente, a qual compete ao próprio tribunal.
O CPC/2015 também homenageou a jurisprudência consolidada ao dis-
por que a desconsideração incide igualmente no cumprimento de sentença
(fase executiva do processo baseado em título executivo judicial) e na execução
de títulos extrajudiciais. Ou seja, incide de forma ampla, nos mais diversos
momentos temporais e procedimentos.
Derradeira questão consiste em saber se a cada processo seria cabível um
único incidente de desconsideração – ficando os demais preclusos – ou se dentro
do mesmo processo o incidente poderia ser renovado, desde que houvesse prova
de nova causa subjetiva ou objetiva para a desconsideração. Tendo em vista que a
decisão proferida no incidente faz coisa julgada material (conforme art. 503, § 1º
do CPC/2015), não deve ser admitido mais de um incidente de desconsideração
da personalidade jurídica instaurado entre os mesmos sujeitos. Nada impede,
porém, a instauração de incidentes sucessivos, contra sujeitos diversos, por
exemplo, em virtude da descoberta de novas provas.

5 QUEM PODE APLICAR A DESCONSIDERAÇÃO DA PER-


SONALIDADE JURÍDICA

Neste tema, tende a ser mantido, em parte, o entendimento vigente antes


do CPC/2015. Com efeito, há posicionamentos da literatura jurídica susten-
tando que a desconsideração da personalidade jurídica consubstancia reserva de
jurisdição absoluta, de modo que somente poderia ser decidida por juiz togado,
servidor público de carreira41. Houve, inclusive, projetos de lei infrutíferos neste
sentido42.

40
Regimento interno do STJ, vigente em junho de 2017: “Art. 288-D. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo, e é cabível em todas as fases da ação de competência originária.”
41
Vide, por exemplo: PARENTONI, op. cit., p. 81-87.
42
Por exemplo, na área tributária, propôs-se alteração do CTN para proibir a desconsideração levada a efeito

186
Contudo, o entendimento prevalecente nos tribunais superiores admite
que o instituto seja aplicado tanto em decisões judiciais quanto administrati-
vas43 e também na arbitragem44. A própria Lei Anticorrupção permite que au-
toridades administrativas apliquem esta medida (art. 14 da Lei n. 12.846/2013).
Tal entendimento tende a ser mantido na vigência do CPC/2015.
Questão diversa consiste em saber quem tem poderes para pleitear a
medida. Ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, era comum
que os próprios magistrados decidissem aplicá-la, mesmo quando ausente pedido
expresso da parte interessada. Admitia-se, portanto, a desconsideração ex officio45.
Isto era frequente na Justiça do Trabalho46. Tal postura tende a mudar.
Com efeito, o art. 133, caput, do CPC/2015 – reiterando o que já constava
do art. 50 do Código Civil – dispõe que “[...] o incidente de desconsideração
da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério
Público”. Não pode, portanto, ser instaurado de ofício, por iniciativa do
próprio magistrado47.

pelas autoridades fiscais: BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar nº 88. Autor:
Deputado Carlos Bezerra. Brasília: 16 ago. 2011.
43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática, MS (MC). n.º 32.494/DF, j. 11.11.2013,
Rel. Ministro Celso de Mello; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma, RMS. n.º 15.166/BA,
j. 07.08.2013, Rel. Ministro Castro Meira; BRASIL. Tribunal de Contas da União. 2ª Câmara, Acórdão
n.º 3.858/2009, j. 14.07.2009, Rel. Ministro Marcos Bemquerer Costa; BRASIL. Tribunal de Contas da
União. 1ª Câmara, Acórdão n.º 2.218/2011, j. 12.04.2011, Rel. Ministro José Múcio Monteiro; e BRASIL.
Tribunal de Contas da União. Plenário, Acórdão n.º 1.831/2014, j. 09.07.2014, Rel. Ministro José Múcio
Monteiro.
44
O leading case internacional a esse respeito é: Dow Chemical: ICC. International Court of Arbitration.
Sentença Parcial nº 4131. j. 23.09.1982. Dow Chemical versus Isover Saint Gobain.
45
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.068-GO, Terceira Turma. Relator: Min.
Nancy Andrighi. Brasília, 16 de dezembro de 2003. Diário de Justiça: 14 mar. 2005.
46
PARENTONI, op. cit., p. 159. “Na prática, a pesquisa empírica revelou que existem vários casos de
desconsideração ex officio, correspondentes a 12% do total de julgados. Tal postura é marcante na Justiça
do Trabalho, de onde partiram mais de 91% das decisões desse tipo”
Ilustrando esse tipo de decisão: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento com Recurso
de Revista nº 42040-79.1997.5.06.0011, Quinta Turma, Relator: Min. Emmanoel Pereira. Brasília, 16 de
dezembro de 2009. Diário Eletrônico de Justiça do Trabalho: 5 fev. 2010. Trecho do voto do Relator:
“A parte recorrente, alegando infringência aos princípios da imparcialidade, do devido processo legal, da
legalidade, da publicidade, dá propriedade/do contraditório e da ampla defesa, sustenta que houve violação
do que determina a Corregedoria Geral do Colendo TST, no que tange ao instituto da desconsideração
da personalidade jurídica da executada e impugna o ato do Juízo a quo que, sem nenhum requerimento
da parte exequente, determinou a penhora de bem. [...] resta irrelevante o fato de o exeqüente, mediante
a petição de fls. 424/425, ter solicitado a constrição de bem imóvel diverso do que foi penhorado, eis que
a execução, nesta Justiça especializada, pode ser promovida de ofício pelo julgador, na forma do art. 878,
caput, da CLT.”
47
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 8. ed. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 397. “Como toda petição postulatória, a petição que veicula o pedido para a instauração do
incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica deve conter fundamentação (pressupostos
legais para a desconsideração) e pedido (desconsideração e penhora sobre o bem dos sócios).”

187
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Entretanto, ao que tudo indica, a Justiça do Trabalho, por exemplo, pa-


rece que não pretende se adequar plenamente à nova lei. Tanto que o TST se
manifestou editando ato normativo48 que, com base em fundamento no mínimo
discutível, informa que o prévio incidente de desconsideração da personalidade
jurídica é obrigatório nas lides trabalhistas, porém pode ser instaurado de ofício
pelo juiz.
Em processos administrativos, a parte interessada pode ser a própria
Fazenda Pública (basta imaginar processos administrativos para a cobrança de
tributos). Sendo assim, pode a Fazenda Pública instaurar de ofício o incidente
de desconsideração, a fim de propiciar prévio contraditório. Isto é, inclusive,
mais benéfico ao acusado do que a prática anteriormente vigente, segundo a qual
a Fazenda Pública aplicava a desconsideração para, somente após, oportunizar
a defesa.
Evidentemente, o ônus da prova quanto à presença de causa subjetiva ou
objetiva para a desconsideração incumbe a quem requer esta medida, conforme
prevê expressamente o art. 134, §4º, CPC/2015, ao indicar que o “[...] reque-
rimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos
para desconsideração da personalidade jurídica”, em linha com a distribuição do
ônus da prova prevista no art. 373 do CPC/2015 e do próprio entendimento
jurisprudencial49.

6 O INSTITUTO DO AMICUS CURIAE NO CPC/2015

O amicus curiae,50 ou “amigo da corte” em tradução que vem sendo uti-

48
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Instrução Normativa n. 39. Brasília: 10 mar. 2016. “Art. 6°
Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no
Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de
execução (CLT, art. 878).” Concordando com este posicionamento do TST: CLAUS, Ben-Hur Silveira.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC/2015 e o Direito Processual
Trabalho. Revista Fórum Trabalhista, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 35-68, jan./mar. 2016; e TARTUCE,
Flávio. O novo CPC e o Direito Civil: Impactos, diálogos e interações. São Paulo: Método, 2015. p. 85.
49
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, REsp. n.º 744.107/SP, j. 20.05.2008, Rel. Ministro
Fernando Gonçalves; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp. n.º 1.141.447/SP, j.
08.02.2011, Rel. Ministro Sidnei Beneti; e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma, AgRg. no
AREsp. n.º 159.889/SP, j. 15.10.2013, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão.
50
GRECO, Leonardo. Instituição de Direito Processual Civil, 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense ; Gen,
2015, v. 1, p. 505, indica a origem do instituto no direito norte-americano. No mesmo sentido: ALVES,
Tatiana Machado. Primeiras questões sobre o amicus curiae no novo Código de Processo Civil. Revista de
Processo, São Paulo, v. 256, p. 91-92, jun./2016. PAIVA, Anderson Rocha. Amicus curiae: da legislação
esparsa ao regramento genérico do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 261,
nov./2016, p. 24, destaca alguma divergência no ponto, já que alguns pretendem apontar o direito romano
como origem do instituto, mas indica que a maioria da doutrina aponta o direito inglês como sua origem.

188
lizada por parte da doutrina e jurisprudência,51 como definiu recentemente o
Supremo Tribunal Federal,

[...] é um colaborador da Justiça que, embora possa deter


algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula
processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua
participação no processo ocorre e se justifica, não como de-
fensor de interesses próprios, mas como agente habilitado
a agregar subsídios que possam contribuir para a qualifi-
cação da decisão a ser tomada pelo Tribunal. A presença
de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício
da jurisdição, não configurando, consequentemente, um
direito subjetivo processual do interessado.52

Trata-se de participação de terceiro em processo em curso, já que este


terceiro vai se habilitar para atuar no feito como amicus curiae, a fim de agregar
subsídios para que a jurisdição decida melhor a causa, e que, até o advento do
CPC/2015, vinha prevista pontualmente em alguns processos ou situações pro-
cessuais específicas, tais como:

a) no CPC/1973: art. 543-A, §6º, no RE com repercussão


geral no STF; e art. 543-C, §4º, no REsp de controvérsias
repetitivas;
b) nos processos de controle concentrado de constitucio-
nalidade regulado pela Lei 9.868/99: no art. 7º, §2º;
c) na ADPF regulada na Lei 9.882/99: art. 6º, §1º.53

51
PAIVA, op. cit., p. 25, entretanto, aponta que as traduções da expressão amicus curiae como “amigo da
corte” ou “amigo da cúria” seriam inadequadas, e manifesta entendimento no sentido de que o legislador
andou bem no CPC/2015 ao não traduzir a expressão amicus curiae.
52
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 3460-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília, 12 de fevereiro de 2015. Diário de
Justiça: 12 mar. 2015.
53
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 1, p. 529,
destaca também duas outras hipóteses de amicus curiae prevista na legislação brasileira antes do advento do
CPC/2015: Lei 6.385/76 prevê intervenção da CVM em processos que discutam matéria da sua competência,
e Lei 12.529/11 intervenção do CADE em processos relacionados com direito da concorrência. GRECO, op.
cit., p. 507, acrescenta outro caso específico, previsto na Lei 9.279/96, que prevê a intervenção do INPI nas
ações em que se discute patente. PAIVA, op. cit., p. 27, aponta, ainda, que a Lei 9.469/97, “[...] disciplina
a intervenção das pessoas jurídicas de direito público federais, independentemente da demonstração de
interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais
reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer [...]”.

189
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O CPC/2015 traz o instituto do amicus curiae, agora de forma genérica,54


no capítulo dedicado à intervenção de terceiros,55 ou seja, passa a admitir am-
plamente a perspectiva, em primeiro grau ou em grau recursal,56 nos seguintes
termos:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da


matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou
a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de
quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a parti-
cipação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
especializada, com representatividade adequada, no prazo
de 15 (quinze) dias de sua intimação.

54
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2, p. 98, aponta que o CPC/2015 “[...] resolveu acertadamente tornar atípica
a possibilidade de intervenção a título de amicus curiae no processo civil brasileiro” e indicam que “[...]
trata-se de evidente concretização da vertente democrática que alicerça nosso Estado Constitucional (art. 1º,
caput, da CF)”. No mesmo sentido ALVES, op. cit., p. 89, 91. Esta última, também indica como um dos
fundamentos da participação do amicus curiae o princípio da cooperação/colaboração. PAIVA, op. cit., p.
30, destaca, por sua vez, que a “admissibilidade de intervenção do amicus curiae em processos em geral abre,
pois, uma porta, no direito processual civil, para múltiplas possibilidades de homenagem e observância a
teorias, regras e princípios desenvolvidos a partir da ordem constitucional inaugurada pela Carta de 1988”.
A admissão do amicus curiae genericamente no CPC/2015 vai também, diante da sua aplicação subsidiária
aos procedimentos especiais (art. 1046, §2º), dentre estes os procedimentos coletivos, permitir a utilização
do instituto nestes últimos, como já defendiam CAMBI, Eduardo; DAMASCENO, Kleber Ricardo. Amicus
curiae e o processo coletivo: uma proposta democrática. Revista de Processo, São Paulo, v. 192, fev. 2011,
p. 27: “Assim, já reconhecido, expressamente, no direito brasileiro a possibilidade do terceiro intervir nos
processos de controle abstrato de constitucionalidade (art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999 e art. 7.º, § 2.º,
da Lei 9.868/1999), na uniformização da interpretação da Lei (art. 14, § 7.º, da Lei 10.259/2001) e na
definição da repercussão geral (art. 543-A do CPC/1973), o instituto democrático do amicus curiae deve ser
estendido, pelas mesmas razões conceituais e principiológicas que ensejou o seu acolhimento nas referidas
matérias, também no processo coletivo, onde a máxima efetivação de direitos fundamentais sociais reclama
a maior participação da sociedade”.
55
Aqui, como destaca o mesmo DIDIER JR., op. cit., p. 531, o CPC/2015 tomou partido em discussão
doutrinária e enquadrou expressamente a figura do amicus curiae no âmbito da intervenção de terceiros.
Também THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 56. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense; Gen, 2015, v. 1, p. 404-405, noticia as divergências na doutrina quanto à natureza jurídica do
instituto e indica que o seu enquadramento como intervenção de terceiros no CPC/2015 “atende à maioria
da doutrina”. Sobre a discussão das várias espécies de intervenção, cf. CAMBI; DAMASCENO, op. cit., p.
15-17, fevereiro/2011. Cf. ainda ALVES, op. cit., p. 91; e PAIVA, op. cit., p. 25-26. Detecta-se divergência
na doutrina em relação à posição do amicus curiae no processo: a) DIDIER, op. cit., p. 531, indica que
uma vez admitida a intervenção, o amicus curiae, a partir do CPC/2015, se torna parte no processo não
se aplicando a ele as regras de impedimento/suspeição; no mesmo sentido de não exigir imparcialidade do
amicus curiae, cf. ALVES, op. cit., p. 98-99; b) já GRECO, op. cit., entende que o amicus curiae se coloca
como sujeito imparcial para colaborar com a justiça e pode sofrer arguição de impedimento/suspeição.
56
GRECO, op. cit., p. 507, indica que a generalização do amicus curiae no CPC/2015 seguiu a linha do
instituto traçada nas Leis 9.868/99, 9.882/99 e 11.417/06.

190
Mantém, também, o CPC/2015 a previsão de cabimento do instituto
especificamente no âmbito dos recursos especial e extraordinário (art. 1038, I,
REsp e RE de matéria repetitiva; art. 1035, §4º, RE com repercussão geral);
do incidente de arguição de inconstitucionalidade em tribunal (art. 950, §§1º
a 3º); do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 983 e §1º); além
de manter as hipóteses vigentes de amicus curiae na legislação processual fora do
Código, por força do disposto no art. 1046, §2º.57
O CPC/2015, além da ampliação “objetiva” do cabimento do amicus
curiae, com a edição de norma generalizando o cabimento do instituto, antes
restrito a alguns processos específicos, também alargou subjetivamente a possibi-
lidade de intervenção, ao permitir expressamente a intervenção de pessoa natural,
conforme notícia a doutrina.58 O Supremo Tribunal Federal, em julgamento
realizado já na vigência do CPC/2015, assim destacou a compreensão da figura
do amicus curiae prevista no art. 138:

A interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou


jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apre-
sentem como amigos da Corte, tem um potencial epistê-
mico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses,
aspectos e elementos nem sempre alcançados, vistos ou
ouvidos pelo Tribunal diretamente da controvérsia entre
as partes em sentido formal, possibilitando, assim, decisões
melhores e também mais legítimas do ponto de vista do
Estado Democrático de Direito. Conforme o art. 138 do

57
Nesse sentido, GRECO, op. cit., 507, indicando, inclusive, para estas hipóteses especiais de amicus curiae,
a aplicabilidade da norma genérica do art. 138 do CPC/2015. Registre-se que o STJ vinha destacando,
na vigência do CPC/1973, que só se admitiria o cabimento do amicus curiae no caso de recurso especial
representativo de controvérsia, não cabendo em outros casos perante o tribunal superior: “Não se trata
de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC), não se mostrando admissível a figura do
amicus curiae em processo singular afetado à Corte Especial por decisão de Turma. E ainda que assim não
fosse, não se admitiria a interposição de recurso nos casos em que há intervenção anômala de entidades
representativas em julgamento de recurso repetitivo. Precedentes do STJ e do STF” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.187.404-MT, Corte Especial.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, 1 de outubro de 2014. Diário de Justiça: 13 out. 2014). Agora,
todavia, com a disposição geral do art. 138 do CPC/2015, mesmo mantendo-se a hipótese específica de
amicus curiae no REsp de matéria repetitiva (art. 1035, §4º), em tese pode-se sustentar o cabimento do
amicus curiae em outros casos em curso perante o STJ, desde que preenchidos os requisitos do art. 138 do
CPC/2015.
58
THEODORO JR., op. cit., p. 406: “O novo Código adotou, portanto, entendimento mais amplo do que
aquele que vinha esposando o STF par a intervenção do amicus curiae nas ações de controle concentrado
de constitucionalidade, na medida em que permite tal intervenção, nas ações em geral, não só de órgãos
ou entidades (Lei 9.868/1999, art. 7º, §2º), mas, também, de pessoa física com evidente conhecimento e
autoridade a respeito da matéria em discussão”. PAIVA, ob. cit., p. 32, aponta, entretanto, precedente do
STF (MS 32.033), de 2013, em que se teria admitido pessoa natural como amicus curiae.

191
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

CPC/15, os critérios para admissão de entidades como


amicus curiae são a relevância da matéria, especificidade
do tema ou repercussão social da controvérsia, assim como
a representatividade adequada do pretendente.59

A jurisprudência, por exemplo, do Superior Tribunal de Justiça, vinha


exigindo, antes do Novo Código, a existência de “pertinência temática”60 entre a
entidade que pretendia figurar como amicus curiae no processo e o objeto deste,61
o que parece ter sido acolhido pelo art. 138 ao indicar a necessidade de “repre-
sentatividade adequada” daquele que busca a intervenção como amicus curiae.62

59
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 705.423-SE, Tribunal
Pleno. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 15 de dezembro de 2016. Diário de Justiça: 8 fev. 2017.
60
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos
Países de Civil Law e Common Law: Uma Análise de Direito Comparado. São Paulo: RT, 2008, p. 250.
“Raros são os países que adotam o pré-requisito da representatividade adequada a ser aferida, caso a caso,
pelo juiz, como acontece nas class actions norte-americanas. Todavia, muitos países de civil law atribuem
à lei a fixação de pré-requisitos sem os quais vem a faltar a legitimação. De nada mais se trata senão da
representatividade adequada, embora sem a utilização dessa denominação.”
61
“Não é cabível a intervenção de entidade como amicus curiae em recurso representativo da controvérsia
quando sua finalidade estatutária não tem pertinência temática com as teses a serem enfrentadas no recurso.
Isso porque a representatividade das pessoas, órgãos ou entidades deve relacionar-se diretamente à identidade
funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifique, de modo a atender
ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento da causa, não sendo suficiente
o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes. A intervenção formal no processo
repetitivo deve dar-se por entidade cujas atribuições sejam pertinentes ao tema em debate, sob pena de
prejuízo ao regular e célere andamento desse importante instrumento processual” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.391.198-RS, Segunda Seção. Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Brasília, 13 de agosto de 2014. Diário de Justiça: 2 set. 2014). Nesse sentido, o STJ vinha negando
pertinência temática em alegações genéricas de interesse da entidade na causa, exigindo a demonstração
de relação direta entre a finalidade institucional e o objeto da causa em curso: a) “A mera afirmação da
Defensoria Pública da União - DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no
recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de
amicus curiae. Precedente: REsp. 1.333.977/MT, Segunda Seção, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em
26.02.2014” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.371.128-RS, Primeira Seção.
Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Brasília, 10 de setembro de 2014. Diário de Justiça: 17 set. 2014);
b) “O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) opôs Agravo Regimental contra
decisão que não o admitiu como “amicus curiae”. O CFOAB possui, no caso, interesse jurídico abstrato, e
a pretensão de defesa da segurança jurídica não se coaduna com o instituto do “amicus curiae”, que exige
a representatividade de uma das partes interessadas ou a relação direta entre a finalidade institucional e o
objeto jurídico controvertido. Precedentes do STJ” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial
nº 1.309.529-PR, Primeira Seção. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 28 de novembro de 2012.
Diário de Justiça: 4 jun. 2013).
62
Nesse sentido, conferir THEODORO JR., op. cit., p. 407, ao destacar que a “pertinência temática” tem
sido o critério prático que a jurisprudência utiliza para admitir ou não o amicus curiae em determinado
feito. DIDIER JR., ob. cit., p. 530, cita enunciado do Fórum Permanente de Processualistas (Enunciado
127) no qual se destaca que “[...] a representatividade adequada exigida do amicus curiae não pressupõe
a concordância unânime daqueles a quem representa”. Paiva, op. cit., p. 32-33, também aponta que tal
“representatividade” não traduz representação em sentido jurídico, tal como ocorre para os incapazes ou
no mandato: “Fala-se, neste aspecto, em interesse institucional, relacionado à defesa de uma agenda que
se refira à própria razão de existir do candidato à interferência, em cuja atuação confie numeroso grupo”.

192
Não obstante o CPC/2015 não ter indicado o momento processual em
que se admite a intervenção, a doutrina63 e a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal têm entendido ser possível a demanda de intervenção até a data em que
o relator liberar o processo para a pauta.64
No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se discutia a
respeito da possibilidade ou não do amicus curiae recorrer da decisão que indefere
seu pedido de intervenção,65 pendendo a orientação em precedente mais recente
para o não cabimento de recurso até mesmo contra decisão de indeferimento
da intervenção66 e, ainda, não se admitindo, de forma alguma, recurso contra a
decisão final da causa que eventualmente não tenha atendido as expectativas do

63
PAIVA, op. cit., p. 32: “A lei não fixa um prazo para a intervenção, sendo esta limitada, porém, ao momento
em que não mais seja possível o alcance da finalidade a que ela se dirige. Ou seja, é da essência do amigo
da corte a participação no processo para auxiliar o magistrado com o fornecimento de informações, a
exposição de opiniões, a apresentação de documentos, entre outros subsídios, fáticos ou jurídicos. Presente
fase processual em que inviabilizados tais misteres, é de não se admitir o ingresso do amicus”.
64
“A jurisprudência da Suprema Corte está sedimentada no sentido de que o amicus curiae somente pode
demandar sua intervenção até a data em que o Relator liberar o processo para pauta (ADI nº 4.071-AgR).
A rigidez desse entendimento é mitigada pelo STF apenas de forma excepcional. Alegações da agravante
insuficientes para tal fim. Não configuração, in casu, de hipótese excepcional a justificar a reforma da
decisão agravada” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. na Ação Cível Originária nº
779, Tribunal Pleno. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 30 de novembro de 2016. Diário de Justiça: 9
mar. 2017).
65
“Há dois entendimentos possíveis sobre o cabimento de recurso contra decisão que aprecia pedido de ingresso
como amicus curiae: i) o primeiro, no sentido da irrecorribilidade de tal decisão, em razão do teor literal
do art. 7º, §2º, da Lei 9.868/1999 e do art. 21, XVIII, do RI/STF; ii) o segundo, na linha capitaneada
pelo Ministro Celso de Mello, admitindo a interposição de recurso contra a decisão que indefere o ingresso
como o amicus curiae, pelo próprio requerente que teve o pedido rejeitado (cf. RE 597.165 AgR, rel. Min.
Celso de Mello)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº
590.415, Tribunal Pleno. Relator: Min. Roberto Barroso. Diário de Justiça Eletrônico, n. 101, 29 maio
2015).
66
“A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal
possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória,
a ser deferida segundo juízo do Relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não
compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência
ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega
legitimidade recursal ao preterido” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração em
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3460-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília,
12 de fevereiro de 2015. Diário de Justiça: 12 mar. 2015). Confira-se do voto do Relator, Min. TEORI
ZAVASCKI, em que se anuncia a controvérsia sobre o tema no próprio STF: “Entretanto, persiste
controvérsia sobre a sua legitimidade recursal para impugnar decisões que tenham denegado o pedido de
ingresso no processo. Há precedentes que admitem essa faculdade em seu favor (ADI 3105 ED, Red. p/
acórdão, Min. Cezar Peluso, DJ de 23/2/07; ADI 3615 ED, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 25/4/08)
e outros que a negam (ADI 2591 ED, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 14/12/06; ADI 3934 ED - segundos
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 31/3/11; e RE 598099 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe de 18/12/12). O dissídio está sendo especificamente debatido no julgamento, ora suspenso, do agravo
regimental na ADI 3396 AgR, Rel. Min. Celso de Mello”. Registre-se que até a data da entrega deste artigo
para publicação o STF ainda não havia concluído o julgamento do agravo regimental na ADI 3396.

193
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

amicus curiae,67 nem mesmo embargos de declaração.68


O Novo Código, no próprio caput do art. 138, dispõe que a decisão sobre
admissão do amicus curiae é “irrecorrível”, reiterando, no §1º, que a intervenção
do amicus curiae não “autoriza a interposição de recursos”,69 fazendo, entretanto,
ressalva, no mesmo §1º, ao cabimento de embargos de declaração e, em seguida,
no §3º, ao cabimento de recurso do amicus curiae quanto à “[...] decisão que
julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”.
A admissão expressa dos embargos de declaração, como destaca a doutrina,
é decorrência direta da necessidade de o juiz ou tribunal, quando do julgamento
da causa, examinar os argumentos deduzidos na causa, capazes de interferir no
julgamento (art. 489, §1º, IV, CPC/2015), inclusive aqueles apresentados pelo
amicus curiae.70

67
“Segundo jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, colaboradores admitidos em processos
objetivos e causas com repercussão geral na condição de amicus curiae não detém legitimidade para recorrer
de decisões de mérito, ainda que tenham participado do julgamento mediante a oferta de elementos de
informação. 2. Embargos de declaração não conhecidos” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundos
Embargos de Declaração na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 77-DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori Zavascki. Brasília, 16 de abril de 2015. Diário de Justiça
Eletrônico, n. 85, 8 maio 2015).
68
“O amicus curiae não possui legitimidade para a oposição de embargos de declaração em sede de ações de
controle concentrado de constitucionalidade. Precedente” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos
de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 6-PR, Tribunal Pleno. Relator:
Min. Edson Fachin. Brasília, 1 de julho de 2016. Diário de Justiça: 5 set. 2016.). Na mesma linha o
entendimento do STJ: “Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firma que o instituto do
amicus curiae não é servível para os fins de intervenção no feito com a oposição de embargos de declaração,
uma vez que tal atuação é permitida somente para dotar a controvérsia jurídica com mais fundamentos e
não para a representação ou defesa de interesses. Precedente: EDcl no REsp 1.418.593/MS, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 18/6/2014” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo
Regimental no Agravo de Instrumento na Petição no Recurso em Mandado de Segurança nº 45.505-PE,
Segunda Turma. Relator: Min. Humberto Martins. Brasília, 10 de março de 2015. Diário de Justiça: 13
mar. 2015).
69
MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, op. cit., p. 99, defendem o cabimento de recurso contra a
decisão que inadmite a intervenção a título de amicus curiae: “É certo, porém, que o legislador desde logo
deferiu ao amicus curiae o poder de recorrer da decisão que inadmite sua participação no processo, o de
opor embargos declaratórios e de recorrer da decisão do incidente de resolução de demandas repetitivas”.
GRECO, op. cit., p. 508-509, também aponta a inviabilidade de tornar irrecorrível a decisão de inadmissão
do amicus curiae e indica a perspectiva de inconstitucionalidade de tal irrecorribilidade estampada no art.
138 do CPC/2015: “A ser reconhecida a inconstitucionalidade da decisão de admissão, o que não vislumbro
num horizonte próximo, pois o STF a tem aplicado, parece-me que o amicus curiae teria interesse em
recorrer da decisão de inadmissão”. Também ALVES, op. cit., p. 99-100, destaca a discussão em torno
do ponto na doutrina e jurisprudência anterior ao CPC/2015, entendendo que o art. 138 teria deixado a
questão em aberto, pois parece indicar a irrecorribilidade apenas da decisão que admite o amicus curiae,
com o que se admitiria o recurso no caso de indeferimento do pedido de intervenção. DIDIER JR., op.
cit., p. 531, também defende o não cabimento de recurso quanto à decisão que admite a participação do
amicus curiae e o seu cabimento contra a decisão que a indefere.
70
Nesse sentido DIDIER JR., op. cit., p. 533, citando dois enunciados do Fórum Permanente de Processualistas
Civis 128 (“no processo em que há intervenção do amicus curiae, a decisão deve enfrentar as alegações por
ele apresentadas, nos termos do inciso IV do §1º do art. 489”; e 394 (“As partes podem opor embargos de
declaração para corrigir vício da decisão relativo aos argumentos trazidos pelo amicus curiae”).

194
O CPC/2015 também indica, no art. 138, §2º, que “[...] caberá ao juiz
ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os pode-
res do amicus curiae[...]”, autorizando, por exemplo, a produção de provas ou a
sustentação oral de suas razões.71
Outro ponto importante a destacar é que a admissão da intervenção do
amicus curiae não altera as regras de competência (art. 138, §1º, CPC/2015), de
modo que se, por exemplo, uma autarquia federal, vê deferida uma intervenção
como amicus curiae em processo em curso perante a Justiça Estadual, não haverá
deslocamento da competência para a Justiça Federal, prevista no art. 109, I, CF.
A nova previsão legal se funda no entendimento de que o amicus curiae não se
torna parte no processo em que ocorre a intervenção, vez que não atua, como
definiu o STF, para defender interesse próprio, mas para colaborar com a Justiça,
razão pela qual sua presença não pode mesmo alterar as regras de competência.72

7 CONCLUSÃO

O CPC/2015 insere o direito processual brasileiro em um novo cenário


da evolução processual, mais rente à realidade da principiologia constitucional
do processo e da jurisdição, que não pode ser mais vista como expressão pura
e simples do poder judicial, mas como representação da cooperação eficiente
entre todos os atores processuais73, admitindo-se inclusive a participação de ter-
ceiros no processo a fim de contribuir para a solução da crise de direito material
(amicus curiae), contexto que representa uma verdadeira tendência geral e não
toca apenas este ou aquele sistema jurídico, como destaca a doutrina francesa74.
Nesse sentido, percebe-se, nitidamente, pelos dois institutos já conhecidos
do nosso direito processual anterior, mas trazidos pelo CPC/2015 com uma
roupagem mais geral e regramento da sua utilização, o alinhamento com tais
tendências, pois, por exemplo:

a) no âmbito do incidente da desconsideração da perso-


nalidade jurídica vem trazer expressamente, como grande

71
Cf. DIDIER JR., op. cit., p. 532.
72
Nesse sentido, cf. DIDIER JR., op. cit., p. 531-532, e THEODORO JR., op. cit., p. 409.
73
CADIET, Loic, Les nouvelles tendances de la procédure civile en France.In:________. Novos Rumos da
Justiça Cível. Braga : CEJUR, 2008, p. 48: Nous sommes vraiment entrés dans l’ère du management judiciaire,
conçu non pas comme l’expression de la toute puissance du juge, mais comme la coopération efficiente de tous les
acteurs du procès, seule compatible avec une société démocratique dont les exigences imposent d’ailleurs de relever
d’autres défis [...].
74
Ibid., p. 50-51.

195
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

novidade, a necessidade de se inserir no contraditório, pré-


vio e efetivo, o terceiro em relação ao processo originário,
cujo patrimônio se quer atingir pela via do mecanismo da
desconsideração, antes do deferimento de eventuais me-
didas de constrição patrimonial contra o mesmo terceiro,
particularizando, assim, as normas fundamentais inseridas
no CPC/2015 para assegurar o contraditório efetivo ou
dinâmico (art. 7º e 9º);
b) e, em sede da generalização do instituto do amicus curiae,
vem trazer novas possibilidades de participação de terceiros
em processos relevantes ou com repercussão social, para
que estes terceiros possam contribuir para aperfeiçoar a
prestação jurisdicional em prol da sociedade, tornando o
processo mais democrático e participativo, aberto a uma
cooperação mais ampla, a partir da leitura da norma-fun-
damento do CPC/2015 no sentido da abertura do processo
para a cooperação (art. 6º).

Certo, porém, que a efetiva implementação desses instrumentos no di-


reito brasileiro vai exigir dos atores processuais postura mais atenta às normas
fundamentais do processo e às garantias constitucionais-processuais, tais como
a do contraditório efetivo e da cooperação, exigindo-se até mesmo mudança de
mentalidade e maior engajamento dos juízes, promotores, advogados, serventu-
ários da justiça e do próprio Poder Público, para uma gestão mais eficiente. Ou
seja, há necessidade de verdadeira alteração cultural na forma de ver e encarar o
processo e a jurisdição mais voltados para a efetiva prestação de um serviço público
do que exercício de poder, como vem destacando atualmente a doutrina italiana75.

A doutrina italiana tem indicado que o destaque da jurisdição, como função essencial do Estado para atuar
75

a vontade da lei, tem sido deixada de lado para dar maior enfoque à justiça como serviço público, ou seja,
o serviço-justiça voltado à efetivação dos direitos subjetivos dos usuários, destacando-se o cenário da justiça
como serviço público tendo em vista a utilidade que rende ao usuário, sem deixar, claro, de ser poder. Trata-se
de agregar nova perspectiva para a justiça, de modo que esta não pode ser concebida só como função/poder
estatal, mas também como serviço público voltado para a composição de conflitos. Conferir CAPONI, op.
cit., p. 391-392: Dire che lo scopo del processo civile è la giusta compozione della controversia entro un termine
ragionevole non significa “indossare un vestito buono per tutte le stagioni”, ma implica di compiere una scelta
piuttosto determinata. Essa entra in tensione critica con la concezione che vede nell’amministrazione della giustizia
una funzione essenziale propria dello Stato moderno al servizio della attuazione della “volontà della legge”, con
le caratteristiche della relativa incontestabilità sul piano del diritto sostanziale e nel corso dei futuri processi.
Questa seconda concezione si rende interprete di una tradizione alta e ricca di prestigio, ma relega piuttosto sullo
sfondo l’utilità che gli individui, in quanto parti del processo, ricavano dall’esercizio della giurisdizione. Lo
scopo del processo tende ad essere colto attualmente, piuttosto, nell’attuazione dei diritti soggettivi dei privati. Se
questo è vero, in primo piano si profila l’utilità che gli individui si ripromettono di conseguire nel momento in
cui intraprendono (o si difendono in) un processo. Di conseguenza, la giurisdizione non è da concepire solo come
una funzione dello Stato moderno diretta all’attuazione del diritto nel caso concreto, ma anche – in primo luogo

196
Tal engajamento de juízes, promotores, advogados, serventuários e do
próprio Poder Público, ao lado do fornecimento de recursos financeiros e ma-
teriais, é imprescindível para a evolução do quadro da justiça brasileira, pois
como destaca Giannini, a administração pública em sentido amplo é um carro
pesado tracionado por seis rodas, que lhe asseguram o movimento: as regras,
o procedimento, a formação de pessoal, a organização, a dotação material e os
recursos financeiros. As regras e os procedimentos são os primeiros instrumentos
de trabalho, mas sem as demais “rodas”, o “carro-administração” não anda76. Não
basta, pois, atualizar legislativamente as regras e o procedimento para modernizar
a justiça.
Nesse sentido, do ponto de vista normativo ou procedimental, tem-se
que o Brasil, com a edição do CPC/2015, certamente vai se inserir entre os
países ocidentais com um dos mais atuais Códigos de Processo Civil, e espera-se
que a administração pública, aqui incluída a advocacia pública, os tribunais, a
doutrina jurídica e todos os partícipes do processo façam sua parte e busquem
a implementação de uma nova era para a Justiça brasileira.

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ano 45, n. 2, 2011.

– come servizio pubblico diretto alla composizione delle controversie secondo giustizia (cioè con l’applicazione
di criteri di giudizo oggettivi e predeterminati). Dominante in questa prospettiva è proprio l’utilità aspirata da
chi agisce (o si difende) in giudizio).
76
AMOROSINO, Sandro. Achille e la tartaruga: semplificazione amministrativa e competitività del “sistema
Italia”. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2006, p. 5-6.

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WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Editora Mestre Jou,
1968.

200
AFINAL, OS MAGISTRADOS PODEM ARBITRARIAMENTE
DETERMINAR A REDUÇÃO DE PETIÇÕES? 1

Renata C. Vieira Maia*

1 INTRODUÇÃO

Em agosto de 2017, foi amplamente divulgado nos sites de notícias jurí-


dicas2 que a magistrada da 5ª vara do Trabalho de Brasília, do Tribunal Regional
do Trabalho da 10ª Região, determinou ao advogado do Banco do Brasil que
reduzisse sua petição de defesa que tinha 113 (cento e treze) páginas para ape-
nas 30 (trinta), concedendo-lhe o prazo exíguo de apenas 05 (cinco) dias para
reapresentação da defesa, “sob pena de incorrer em multa por ato atentatório
da dignidade da Justiça, fixada em R$ 30.000,00, sujeita a execução imediata.”3
Diante dessa decisão, tanto a Seccional da Ordem dos Advogados do
Brasil quanto os próprios advogados do Banco do Brasil, que apresentaram
a petição com 113 (cento e treze) páginas, impetraram ação de Mandado de
Segurança contra o ato da magistrada por entendê-lo violador das prerrogativas
do advogado, sobretudo, porque, como afirmaram os advogados do Banco do
Brasil, em nota à imprensa4, que não é possível permitir que a advocacia seja
“cerceada de suas prerrogativas”, sobretudo, quando não existe “hipótese legal

1
Artigo escrito em homenagem ao meu querido professor, colega e amigo, Raimundinho. A você,
Raimundinho, que me ensinou as primeiras linhas do processo civil, dedico esta singela homenagem em
forma de artigo, demonstrando a minha eterna gratidão pelos ensinamentos passados, presente e futuro.
*
Professora Adjunta de Processo Civil da Universidade Federal de Minas Gerais; Ex-professora adjunta de
Processo Civil da Universidade Federal de Ouro Preto, do qual foi coordenadora do Centro de Mediação
e Cidadania – CMC-UFOP. Doutora em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG e Mestra em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Conselheira-Geral do
IDPro - Instituto de Direito Processual.
2
Ver: <https://goo.gl/zGwLUw>; <https://goo.gl/YCZLDs>; <https://goo.gl/i5wEvA> e <https://goo.
gl/AcYcsU>; todas estas reportagens acessadas entre os dias 16 a 19 de agosto de 2017. O curioso é que
esta decisão não é a primeira. No ano de 2014 o juiz Valdir Flávio Lobo Maia, da Vara Única de Patu,
no Rio Grande Norte, determinou que o advogado refizesse a petição inicial “reduzindo-a a uma versão
objetiva com a extensão estritamente necessária”, sob pena de ser indeferida. Vide: BEZERRA, Elton. Juiz
do RN manda petição do “tamanho de livro” ser refeita. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 6 abr.
2014. Abuso de Direito. Disponível em: <https://goo.gl/hGLro8>. Acesso em: 23 ago. 2017.
3
Decisão proferida pela MMa. Juíza Federal do Trabalho ELISANGELA SMOLARECK, nos autos do
processo da Reclamação Trabalhista nº 000325-63.2017.5.10.0005
4
ADVOGADOS do Banco do Brasil criticam limitação imposta por juíza para petição. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 18 ago. 2017. Caso complexo. Disponível em: <https://goo.gl/qL6RC2>. Acesso em:
28 ago. 2017.

201
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

que determine a limitação de peça processual, o que viola o disposto na CF em


seu artigo 5º, incisos II (legalidade), XXXV (inafastabilidade da jurisdição), LIV
(devido processo legal) e LV (ampla defesa).”
Em apreciação da liminar requerida na ação de mandado de segurança5
impetrado pelo Bando do Brasil, o Desembargador Brasilino Santos Ramos, do
TRT da 10ª Região, cassou a decisão que tanto estardalhaço provocou no meio
jurídico. E, ainda que tal decisão já tenha sido cassada, em sede de preliminar,
demonstra a sua agressão ao direito líquido e certo do exercício da advocacia.
Não há como negar, que, diante deste verdadeiro balburdio causado no seio
jurídico, o assunto merece ser enfrentado. Afinal, é possível exigir do advogado
que este reduza suas petições?
Pretende-se, com este ensaio, escrito em homenagem ao querido Professor
Raimundinho6, grande defensor da advocacia e do processo justo, dialógico e
ético, responder a este questionamento tão tormentoso e tão caro aos advogados
e aos jurisdicionados.
Já há muitos anos afirmava Piero Calamandrei7 e, alguns anos depois,
endossado por Mauro Cappelletti8, que o processo dever ser humanizado e que
para tanto se faz necessário que este esteja pautado na maior confiança entre os
juízes e advogados, de modo que os homens interligados no drama judiciário
possam, rapidamente e lealmente, se entenderem.
E que para isto ocorra, faz-se necessário ter um processo reduzido ao
mínimo de formalidade, de modo que a simplicidade venha a ser sua natureza.
Piero Calamandrei, aliás, em crítica ao CPC Italiano de 1942, já advertia acerca
da necessidade do processo ser mais oral, com respeito a intermediação do juiz
com as partes e seus advogados para que desta intermediação fossem colhidas as

5
Autos do processo de número - MS 0000478-14.2017.5.10.0000.
6
É assim que o homenageado gosta de ser chamado, e não o contrariarei neste pequeno ensaio em sua
homenagem.
7
Piero Calamandrei, grande defensor da confiança que deveria existir entre os magistrados e os advogados,
reconhecia que os advogados têm “el deber importantísimo de constituirse en leales colaboradores del juzgador,
no retardando el curso de la justicia, por razones de táctica. Por lo que resulta ocioso que, sobre el papel, los
Códigos restrinjan los términos, prohíban los aplazamientos o impongan la concentración si jueces y abogados se
unen en una alianza en la que impere la cómoda costumbre de la pereza.” (CALAMANDREI, Piero. Proceso
y Democracia. Lima: Ara Editores, 2006, p. 141 e CALAMANDREI, Piero. De las Buenas Relaciones
entre Jueces y los Abogados en el Nuevo Proceso Civil. Lima: Ara Editores, 2006).
8
Para Cappelletti: “[...] assai maggiore fidúcia [...] nel contato direto del giudice coi difensori.” Ou como observado
por CALAMANDREI que “[...] per chi ritenga quel bisogno di umanità può sodisfarsi unicamente mediante
un ritorno del processo alla semplicità ed alla naturalezza, onde ridotti al minimo gli schermi del formalismo,
si mira a rimmettere in direto contto, in modo che possano rapidamente e lealmente intendersi, gli uomini che
prendon parte al dramma giudiziario, il giudice e i giudicabili, il magistrato e i difensori” (CAPPELLETTI,
Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità: contributo alla teoria della utilizzazione
probatoria del sapere delle parti nel processo civile. Milão: Ed. Giuffrè, 1962. v. 1, p. 45).

202
impressões necessárias para o julgamento da causa. Ao se permitir um processo
escrito, reduzido na prática a uma série de intercâmbio de escritos entre os ma-
gistrados e os advogados,9 cada vez mais ficariam os jurisdicionados longe do
contato com o magistrado e destes com os advogados, fazendo dos operadores
do processo reles e meros burocratas, o que só prejuízo causa ao processo:

[...] el peligro del hábito, de la indiferencia burocrática, de


la irresponsabilidad anónima. Para la burócrata los hombres
dejan de ser personas vivas y se transforman en números, cédu-
las y fascículos: en un ‘expediente’, como se dice en el lenguaje
de las oficinas, este es, una carpeta bajo cuya cubierta están
agrupados numerosos folios protocolizados, y en medio de ellos,
un hombre dissecado.10

A advertência de Piero Calamandrei, que data de 1952, é atual. Sobretudo,


hoje, quando nas demandas de massa repetitivas, as pessoas são tratadas como
números, cédulas e códigos, não passando de meros expedientes, contados como
processos que serão eliminados11. Mas, não é esse o objetivo deste ensaio que
pretende analisar, a luz das normas fundamentais do atual Código de Processo
Civil, sobretudo, do princípio cooperativo, se há espaço para que os magistrados
determinem, a manu militari, a redução dos atos (petição inicial, contestação,
recursos, arrazoados) processuais realizados pelos advogados.

2 DO PAPEL DO JUIZ NO CPC/15: um velho (novo) problema


o princípio dispositivo versus inquisitivo

No Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 139, é inegável que o


juiz passou a ter uma participação mais ativa na condução do processo, cabendo-
-lhe, por exemplo, velar pela razoável duração do processo; observar a igualdade
e paridade de armas entre as partes; chamar as partes, em qualquer momento
do processo, para ouvi-las, por meio do interrogatório livre para inteirar-se das
matérias de fato; promover, a qualquer tempo, a autocomposição; determinar o
suprimento de vícios processuais, como ainda proferir todo e qualquer tipo de
medida indutiva, coercitiva e mandamental ou mesmo sub-rogatória necessárias
para o cumprimento de sua ordem.

9
CALAMANDREI, op. cit., p. 40.
10
CALAMANDREI, op. cit., p. 69
11
E este é sentido do CPC/15 quando adota a vinculação dos julgados proferidos em julgamento pela
técnica de julgamento repetitivo, como é o caso do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, e
dos julgamentos dos Recursos Especiais ou Extraordinários repetitivos.

203
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Ou seja, em verdade, todos os poderes do juiz no processo civil brasileiro


são poderes-deveres competindo-lhe: estimular a solução consensual dos conflitos,
por meio da conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos (art. 3º, § 3º c/c art. 139, V, do CPC); entregar a prestação juris-
dicional em prazo razoável (art. 4º c/c art. 139, II, do CPC); comportar-se de
acordo com a boa-fé (art. 5º, do CPC); cooperar para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º, do CPC); zelar pelo efetivo
contraditório (art. 7º, do CPC); evitar, sob pena de nulidade, proferir decisões
surpresa e a qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar,
ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício e nem mesmo
decidir com base em fundamento a respeito da qual as partes não se manifes-
taram (arts. 9º e 10º, do CPC); zelar e atender aos fins sociais e às exigências
do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e
a eficiência (art. 8º, do CPC); e, por óbvio, fundamentar todas as decisões, sob
pena de nulidade (art. 11º, do CPC).
Não se olvida que a opção do legislador de depositar na mão do juiz certo
ativismo judicial, ainda cause estranheza, ressuscitando uma velha e acirrada
discussão acerca da compatibilidade entre o princípio dispositivo versus o prin-
cípio da autoridade do processo12, também conhecido como impulso oficial ou
mesmo só inquisitivo.
Afinal, o processo civil adota o princípio da demanda, no qual o processo
começa por iniciativa das partes (art. 2º, CPC/15), do qual o processo “[...] é
um drama entre três pessoas, que só se inicia por uma destas partes, de modo
que nenhuma pessoa pode ser obrigada a demandar.”13
Embora, pelo princípio da inércia da jurisdição, o juiz só age quando
provocado, tem-se que, depois de provocado ele age por impulso oficial, mas,
ainda assim, atento aos fatos e às circunstâncias do processo.
Ocorre que, em contraposição a este princípio da demanda, e que também
é erroneamente conhecido pelo princípio dispositivo, há possibilidade do juiz
agir de forma inquisitiva, com relação, sobretudo, às provas do qual, para o con-
vencimento das matérias alegadas pelas partes, o juiz tem poderes de convidá-las

12
CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil: segun el nuevo Codigo. Buenos Aires:
EJEA, 1962, p. 394
13
AROCA, Juan Montero. Los principios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil. Valencia:
Marcial Pons, 2001, p. 586. Tradução livre do original: “[...] es un drama entre tres personas, que sólo se inicia
por una de las partes, de modo que ninguna persona puede ser obligada a demandar.”

204
para serem ouvidas, solicitar esclarecimentos, como também, de ofício, solicitar
outras provas que não aquelas por elas requeridas.14
Embora se possa parecer que o princípio da demanda seja o mesmo que
o princípio dispositivo, não há fazer tal confusão15 posto que:

Dispositivo é, em sua pureza, o princípio segundo o qual


toda a iniciativa de provas no processo ficaria a cargo das
partes, sendo o juiz rigorosamente proibido de determi-
nar qualquer diligência probatória ex officio, enquanto o
princípio da demanda é responsável pelo veto à iniciativa
judicial de instauração do processo, o qual tem sempre for-
mação por um ato da parte (demanda). Contraposto do
princípio dispositivo é o inquisitivo, que postula o aumento
dos poderes de iniciativa do juiz e também não guarda
qualquer relação com o poder de iniciativa do processo.16

Nesse sentido, Bedaque entende que a denominação do princípio dispo-


sitivo refere-se apenas às “limitações impostas ao juiz, em virtude da disponibili-
dade do direito; e que são poucas, pois se referem aos atos processuais das partes
relacionados diretamente com o direito disponível.”17 E que, quanto às demais
restrições, como ao ato de dar início ao processo, não decorrem do chamado
‘princípio dispositivo’, mas sim do princípio da demanda. E deste modo, a
abrangência dada ao princípio dispositivo, em definitivo, não implica qualquer
restrição ao poder investigativo do juiz.
O equívoco precisa ser evitado, uma vez que o princípio da demanda é
aquele no qual não comporta qualquer temperamento, sendo vedado ao juiz,
14
Tal como o que resta previsto no artigo 418 do CPC de 1973, em que o juiz pode, de ofício, ordenar: “I
- a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas;” e até mesmo “II - a
acareação de duas ou mais testemunhas ou de alguma delas com a parte, quando, sobre fato determinado,
que possa influir na decisão da causa, divergirem as suas declarações.” Mantendo-se integralmente este
poder do juiz, e com a mesma redação, só acrescido este dispositivo de mais dois parágrafos no novo Código
de Processo Civil (art. 458).
15
A título de exemplo, é comum encontrar nos manuais de processo civil, que o princípio dispositivo seria
aquele que “[...] liga-se à existência de um poder monopolístico das partes de deduzir em juízo” (NUNES,
Dierle et al. Curso de Direito Processual Civil: Fundamentação e Aplicação, 2. ed. Belo Horizonte:
Ed. Fórum, 2013, p. 105). Dizendo outros ser o princípio dispositivo aquele “no qual cabe à parte, isto
é, àquele que se diz titular do direito que deve ser protegido, colocar em movimento a máquina estatal”
(WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso Avançado de Processo Civil, 9. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 1,
p. 71).
16
DINAMARCO. Candido Rangel. Liebman e a cultura processual brasileira. In: YARSHELL, Flávio Luiz;
MORAES, Mauricio Zanoide de (coord.). Estudos em homenagem à professora da Pellegrini Grinover,
1. ed., São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 509.
17
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, 6. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 100.

205
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

pelo princípio da inércia da jurisdição, iniciar o processo sem demanda (ne judex
ultra petita partium, como ainda de se manter restrito a causa petendi judex judicet
secundum allegata partium), sem que seja provocado pelas partes. E o princípio
dispositivo é aquele que se liga à iniciativa probatória, aos meios de prova que irão
conduzir o juízo ao convencimento, uma vez que, em regra, cabe ao autor fazer
prova do fato constitutivo e ao réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito do autor.
Quando as partes não conseguirem se eximir da incumbência de provar
os fatos alegados, não há como permitir que o juiz simplesmente ‘lave as mãos’
e julgue de acordo com provas que nada provaram. Não se admite uma sentença
non liquere18, sendo vedado ao juiz de se eximir de julgar a demanda ainda que
os fatos não tenham sido provados e ainda que não se tenha convencido das
alegações das partes. Entende-se que mal maior19 ocorre quando o juiz julga sem
ter se convencido dos fatos alegados e postos sob sua apreciação.
Portanto, deve existir um meio termo para a suposta incongruência entre
o princípio dispositivo e o impulso oficial. Se o processo, pelas mãos de Klein,
se torna mais social por permitir uma participação mais ativa do juiz, há que se
verificar quanto à existência ou não da contrariedade entre o princípio dispositivo
e o impulso oficial. Uma vez que, de acordo com o próprio precursor do processo
social, não é possível dar poderes ilimitados ao juiz, sob pena do processo assu-
mir um caráter inquisitório. Por esta razão é que no Código de Processo Civil
austríaco20, o princípio dispositivo foi reduzido apenas quanto ao seu âmbito
substancial, qual seja, a possibilidade de influenciar as partes no desenvolvimento
interno do processo de um lado e, de outro lado, a solução encontrada se deu no
sentido de dar ao juiz, ainda que de ofício, “[...] a direção do desenvolvimento
da atividade processual [...]”21, dotando-o, assim, de poderes instrutórios.
A solução encontrada pelo ordenamento processual brasileiro é o mesmo
encontrado no ordenamento austríaco22 e alemão que foi o de mitigar o rigor
do princípio dispositivo, para permitir ao juiz, ainda que de ofício, determine o

18
Princípio do iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sumeste que existia no direito romano
do qual o juiz podia eximir-se de julgar a demanda, caso em que não tivesse se convencido das alegações
das partes.
19
E neste sentido já reconheceu Mauro Cappelletti que “il male maggiore sarebbe dato invece o addirittura
dalla impossibilità di giudicare (il non liquet del giudice romano), oppure da una decisione ‘allo stato degli atti’,
che lasci sostanzialmente impregiudicata la controversia” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della
parte nel sistema dell’oralità: contributo alla teoria della utilizzazione probatoria del sapere delle parti
nel processo civile, Milano: Giuffrè, 1962. v. 1, p. 394-395).
20
PICARDI, Nicola. Le riforme processuali e sociali di Franz Klein. Rivista di storia giuridica dell’età
medievale e moderna, Roma, 2012, p. 15-16.
21
PICARDI, op. cit., p. 13-15.
22
Tal faculdade do Juiz também é encontrada no Codice di Procedura Civile (art. 117 c/c art. 118), como na
ZPO austríaca (§ 183).

206
comparecimento das partes e de seus advogados, para esclarecimento da demanda.
Que está intimamente ligado ao princípio da cooperação, tal como previsto no
artigo 6º do CPC.
A imparcialidade do juiz, que significa a sua independência e seu desin-
teresse social, psicológico ou econômico diante das partes da relação litigiosa
deduzida em juízo, não implica, por seu turno o completo desinteresse pelo me-
lhor desfecho da demanda. Tão mais grave que esse desinteresse é a indiferença23,
sobretudo, quando não convencido acerca da matéria deduzida pelas partes ou
mesmo quando não tenha condições de ler enormes arrazoados, deixa de pedir
a necessária e efetiva colaboração do advogado.
Pois, pior será o juiz, que acobertado pelo manto da imparcialidade, profira
qualquer sentença, mesmo não estando convencido da matéria fática alegada e
que sequer teve condições de demonstrar as deficiências dos arrazoados trazidos
pelas partes.
Vale relembrar mais uma vez Piero Calamandrei24 para quem há de existir
“fixação de uma nova ordem de limites e de relações entre a iniciativa das partes e
a iniciativa do juiz; não que seja a negação de liberdade, senão nova regulação de
liberdade das partes.” Isso porque ao lado da função pública, devem ser estabele-
cidos e concedidos ao juiz poderes indispensáveis para que ele possa administrar
o processo de forma ativa, rápida e segura, nem mesmo nas causas que envolvam
direito privado e disponível não se poderia o juiz ser mais ativo, uma vez que o
processo é público, não podendo ser considerado um negócio privado para ser
administrado apenas pelas partes, enquanto o juiz assistiria impassível os mandos
e desmandos dos particulares.
Em qualquer processo, oral (como é tipicamente o processo trabalhista
no Brasil) ou escrito, o juiz deve ser ativo, participativo, sob pena de agir mal
quando, sabendo que as questões colocadas sob sua apreciação carecem de outras
provas, acareação e esclarecimentos e, mesmo assim, queda-se inerte. Quando
o juiz toma uma atitude mais ativa no processo, pedindo a colaboração e par-
ticipação dos interessados: seja quando chama as partes para serem ouvidas e
prestarem esclarecimentos; seja quando convoca novas testemunhas; seja quando
pede esclarecimentos ou peça auxílio para que as alegações sejam reduzidas a um
tamanho razoável, com a concisão e objetividade que os atos merecem, ele não tem
condições de saber qual das partes será privilegiada com o que fora determinado.

23
Neste sentido: THEODORO JR., Humberto. O Processo Justo: O Juiz e seus Poderes Instrutórios na
Busca da Verdade Real. HTJ, Belo Horizonte, 15 set. 2009, p. 16. Disponível em: <https://goo.gl/i9KiCf>.
Acesso em: 5 abr. 2014.
24
CALAMANDREI, op. cit., p. 394.

207
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Desejar que o juiz seja mais ativo na condução do processo não é, em


definitivo, desejar que se instaure o caos ou mesmo o retorno ao processo inqui-
sitivo puro e simples e sem respeito à princípios já tão caros ao processo, como
o contraditório, ampla defesa, dialeticidade, boa-fé, lealdade e cooperação, mas
é permitir a participação dos interessados na formação do provimento final.

3 DO PRINCÍPIO COOPERATIVO: art. 6º do CPC

No Brasil, Álvaro de Oliveira25, seguido por Fredie Didier Jr.26 defendem,


como forma de suplantar este conflito entre o processo dispositivo versus inqui-
sitivo, que a participação mais ativa do juiz é inerente ao processo cooperativo
ou colaborativo, que é construído por meio de um diálogo entre os interessados.
Humberto Theodoro Júnior e Dierle Nunes o nominam como um processo
coparticipativo27.
O que ambos doutrinadores têm em comum, independente da nomen-
clatura, é que ambos partem da premissa de releitura e da nova compreensão
do princípio do contraditório, que deve ser dinâmico e do qual não pode o juiz
ficar alheio ao debate travado pelas partes, devendo exigir também a participação
ativa dos interessados quanto à influência na solução do conflito, evitando-se
surpresas na decisão.
Independentemente da nomenclatura adotada, é imprescindível que no
processo o juiz se torne mais ativo e assuma a direção do processo, não devendo
isolar-se dos jurisdicionados. Afinal, como há muito propunha Redenti28, o juiz
deve descer da torre de marfim ao qual se instalou, e manter-se em contato com as
partes em campo aberto, recobrando a consciência de sua missão, preparando-se
culturalmente, moralmente e tecnicamente para enfrentar o processo.
O que se espera do magistrado é que este esteja mais próximo dos ju-
risdicionados, despindo-se de todo e qualquer receio e insegurança, preparan-
do-se moral e intelectualmente para a função que assumiu, sendo mais ativo e

25
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Garantia do Contraditório, p. 3-4; OLIVEIRA, Carlos Alberto
Álvaro de. “Poderes do juiz e visão cooperativa do processo”, p. 2-3.
26
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual: Inquisitivo, Dispositivo e Cooperativo,
p. 220; DIDIER JÚNIOR, Fredie. O Princípio da Cooperação: Uma Apresentação, p. 75 e DIDIER
JÚNIOR, Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português.
Coimbra: Wolters Klumer ; Coimbra Editora, 2010, p. 18
27
THEODORO JR., Humberto. NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer
ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de
aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 34, n. 168, fev. 2009, p. 109.
28
REDENTI, Enrico. L’Umanità nel Nuovo Processo Civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. 18,
n. 1, jan. 1941, p. 33.

208
participativo em comparticipação com os interessados, mas jamais autoritário e
impassível. E, decisões como a proferida pela magistrada do trabalho que deter-
minou, sem qualquer fundamento ou justificativa, a redução da peça de defesa
pelo advogado, não podem ser toleradas.
No processo cooperativo, o juiz pode e deve convidar as partes e seus
advogados para, em audiência, pedir esclarecimentos, mostrar os pontos fracos
e deficientes de sua defesa, mas jamais exigir redução de peças só por entender
ser ela extensa, mas sem ao menos tê-la lida.
No processo civil alemão, que há muito adota o princípio da colaboração,
mostra-se imprescindível que as partes compareçam pessoalmente às audiências
para dialogarem entre si e o juiz, serem ouvidas e explicarem pontos que ainda
não tenham sido esclarecidos, oportunidade em que o juiz também pode alertá-las
sobre as deficiências na defesa e alegações de cada uma. O papel do advogado
na audiência é posto numa posição menos relevante para que as partes possam
manifestar-se, uma vez que são elas que falam e devem ser ouvidas. A elas é dado,
em primeiro lugar, o direito de falar. Na audiência, o debate ou diálogo começa
com o juiz convidando as partes a falarem sobre a situação fática de acordo com
o seu ponto de vista e, portanto, há que se reconhecer que a função do advogado
limita-se a esclarecer ou indicar a parte um ponto ou outro para ser devidamente
esclarecido. No processo alemão, embora representadas por seus procuradores,
as partes falam por si em audiência.
Engana-se quem pensa que os advogados alemães sentiam-se despresti-
giados29 pelo fato de exercerem um papel menor em audiência. Os advogados
alemães tiveram a oportunidade de observar, no decorrer das últimas reformas,
que a realização dos concentrados em uma única audiência é mais vantajosa,
seja pelo tempo empregado que é menor, seja pela pouca resistência das partes
pela decisão que é construída por elas. O papel exercido pelas partes é de suma
importância no processo alemão, uma vez que têm o dever de, juntamente com
o juiz, colaborar30 para o esclarecimento da controvérsia (§139, ZPO).
O juiz no processo alemão exerce um papel mais ativo, devendo sempre
se pautar pelo diálogo. E ainda que as partes tenham o direito de dispor sobre
29
GRUNSKY, Wolfang.. Il cosiddetto ‘Modelo di Stoccarda’ e l’acelazarione del Processo Civile Tedesco.
Rivista di Diritto Processuale Civile, Padova, v. 26, n. 3, jul. 1971, p. 367-368.
30
Isto por que no § 139 ZPO o juiz é obrigado a, em colaboração com as partes, esclarecer a controvérisa
para pode bem decidi-la. Reconhecendo Pérez Ragone que este “[...] deber, que pesa en cabeza del juez, es
necesario en tanto y en cuanto las partes y con las partes puedan discutirse las cuestiones de hecho y de derecho.
Los límites de la litis fijan el ámbito de ejercicio de este deber, así el Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE)
se pronunció claramente en favor de la tutela del derecho a ser oído y del derecho de defensa sobre la base de esta
disposición precisamente en su aplicación extralimitada” (PÉREZ-RAGONE, Álvaro J. Oralidad y prueba
en Alemania, informe nacional, p. 356).

209
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

meios de provas para o convencimento do juiz, tem ele o poder para, de ofício,
ordenar sejam realizadas outras que não só as solicitadas pelas partes como ainda
o de chama-las, a qualquer momento, sempre que possível (§136, ZPO) para
ouvi-las, como forma de evitar surpresa nas decisões, advertindo-as31 sobre pontos
que não estão suficientemente esclarecidos, solicitando adequação e elucidação
dos pontos obscuros de suas alegações.
O juiz tem deveres e faculdades que devem ser plenamente observados
quando da instrução do processo, deve ser ativo, participativo (§§ 279 e 139,
ZPO), com plenos poderes para designar até mesmo nova audiência, se necessário.
Até porque, o juiz alemão, a todo o momento, pode e deve dar prioridade a solu-
ção amigável ao conflito, assim como já é exigido no processo civil brasileiro (art.
3º, §3º c/c os arts. 334 e 359, do CPC). E ainda quando as partes renunciarem
à realização da audiência conciliatória prévia (§ 278, ZPO) o juiz tem o dever
de designar uma audiência antes de proferir a sentença. E assim como se dá no
processo civil brasileiro, no processo civil alemão, tanto o juiz como as partes
têm deveres e poderes de colaborar na sempre eficiente tramitação do processo.32
Na Ley de Enjuiciamento Civil de 2000 – LAC espanhola, embora o juiz
não tenha os mesmos poderes e deveres do juiz do processo alemão, que tem
um viés mais social, há que se reconhecer, no entanto, que o mesmo tem ampla
liberdade de, na instrução do processo, buscar a verdade dentro das provas que
foram propostas pelas partes ou, quando a lei previamente estabelecer, quais
provas devem ser realizadas como pedir esclarecimentos e apontar as deficiências
das alegações das partes.
Nesse sentido, o artigo 282 da LEC, que trata da iniciativa da prova pelo
juiz espanhol, prevê que ele pode, de ofício, exigir que se pratiquem determinadas
provas ou que sejam apresentados certos documentos ou outros meios e instru-
mentos quando assim estabelecer a lei. Montero Aroca33, ferrenho combatente
31
Para Adolfo Wach este poder do juiz, não pode e nem deve ser visto como inquisitivo, por se tratar de um
meio de informação, em que o “[...] derecho de preguntas comprende el derecho no sólo de hacer preguntas a
la parte, sino de hablar con ella en general. Es un recurso para reconocer como tales las afirmaciones enredosas,
frívolas, mentirosas, para aclarar la manifestación torpe y confusa de la voluntad de la parte, o para instigar
a la sustanciación de peticiones no sustanciadas y al ofrecimiento de pruebas, respeto de afirmaciones no proba
das que necesitan prueba. Ello no significa violación de la máxima dispositiva, sin ejercicio del deber de juez;
significa que se expone la situación jurídica y se advierte a la parte sobre la importancia jurídica de su alegato.
El juez debe sentenciar a base de los alegatos de las partes. Pero entonces debe permitírsele decir a la parte: tu
alegato es incompleto, incomprensible en ese o aquel punto, no está probado; si quieres vencer, complétalo, acláralo,
pruébalo” (WACH, Adolfo. Conferencias sobre la Ordenanza procesal Civil Alemana.Valencia: Marcial
Pons, 2017, p. 87).
32
PÉREZ-RAGONE, Álvaro J.; PRADILLO, Juan Carlos Ortiz. Código Procesal Civil alemán [ZPO].
Berlin: Konrad Adenauer Stiftung (KAS), 2006, p. 12.
33
Texto base de la conferencia pronunciada en las XVII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal,
celebradas en San José, Costa Rica, los días 18 a 20 de octubre de 2000 (AROCA, Juan Montero. Los

210
contra o ativismo judicial, reconhece, no entanto, que, embora o juiz do processo
espanhol não seja um juiz ativo como no processo social, tem poderes-deveres na
condução do processo, que o permite ir quanto possível em busca da verdade,
indicando a insuficiência das provas trazidas pelas partes, pedindo esclarecimentos
dos fatos e até mesmo de mérito e ainda o direito de ouvir as partes, quantas
vezes forem necessárias para o seu devido convencimento.
O mesmo ocorre no processo civil português que também adota o prin-
cípio cooperativo. E como observa Humberto Theodoro Júnior34, este princípio
de acordo com o que fora adotado no código de processo civil português, pode
ser sintetizado, como dever entre as partes e o tribunal, e do tribunal com as
partes, da seguinte forma:

Das partes com o Tribunal:


– Ampliação do dever de litigância de boa-fé;
– Reforço do dever de comparecimento e de esclarecimento
que juiz entenda pertinente e necessário;
– Reforço do dever de comparecimento pessoal das partes
em audiência – colaborar na descoberta de verdade;
– Reforço do dever de colaboração com o tribunal, ainda
que possa envolver quebra ou sacrifício de certos deveres
de sigilo (arts. 519 e 519-A CPC português)
Do Tribunal com as partes:
– a consagração de um poder dever do juiz de promover a
insuficiência ou imprecisões na matéria de fato;
– a consagração de um poder-dever de suprimir obstáculos
à prolação da decisão de mérito
– a consagração do poder-dever de auxiliar qualquer das par-
tes na remoção dos obstáculos que as impeçam de atuar
com eficácia no processo;
– a consagração, em combinação com o princípio do con-
traditório, da obrigatória discussão prévia com as partes da
solução do pleito – evitando a prolação de ‘decisões-surpre-
sa’, sem que as partes tenham oportunidade de influenciar
as decisões judiciais;

principios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil: Los poderes del juez ela oralidad. Valencia:
Ed. Tirant Lo Blanc, 2001, p. 603).
34
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 1, p. 83.

211
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Atente-se que pelo poder-dever de colaboração tanto se exige a colabora-


ção das partes, seus procuradores para com o tribunal, assim como se exige este
poder-dever do tribunal para com as partes e seus advogados. Sendo exacerbado
em grau máximo o dever de lealdade e boa-fé (art. 5º, do CPC), indicando que
a confiança mútua, que tanto apregoava Calamandrei, é exigência que se impõe
a todos os sujeitos do processo.

4 QUANTO AO TAMANHO DAS PEÇAS PROCESSUAIS

É bem verdade que não há no ordenamento pátrio, nem nos ordenamen-


tos processuais alemão, espanhol ou português, qualquer norma que discipline
ou mesmo determine número mínimo e máximo para as petições e sentenças.
Cabendo às partes e seus procuradores, quando da elaboração de suas petições
levarem em consideração o dever de colaboração. Uma vez que diante de uma
petição tão extensa é possível que a parte contrária se canse facilmente, assim
como o próprio magistrado. Causando um prejuízo para a própria parte repre-
sentada pelo advogado incauto.
Se a parte contrária se cansa com tamanho das petições, quem dirá o juiz,
que a cada vez mais está às voltas com excessiva e injusta carga de trabalho, que
não tem tempo sequer de analisar com cautela os autos do processo. Atento a
esse problema, Raimundo Cândido Júnior35, o nosso ilustre homenageado, em
defesa de sua brilhante tese de doutorado perante a Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, apontando os dados do Ministério da
Justiça reconhece que “[...] considerado o tempo do trabalho de cada um, vai
se chegar à conclusão de que pouquíssimos minutos foram despendidos para a
análise de cada um dos processos, o que não daria tempo sequer para leitura da
petição inicial”, quem dirá para extensa peça de defesa.
O escasso tempo de dedicação do juiz para cada um dos processos sob a sua
condução, já fora objeto de análise do já saudoso José Carlos Barbosa Moreira36
que há muito já apontava que esse, infelizmente, era um problema do Judiciário
brasileiro. Problema esse que reside na distribuição injusta e nada racional dos
processos e da distribuição e atribuição de competência dos juízes de primeiro
grau, que ao se tornar sobrecarregado com excessivo número de processos não
tem condições de estudá-lo com a profundidade necessária. E, ao não ter o tempo
35
CANDIDO JR., Raimundo. Extensão dos Efeitos da Coisa Julgada no Processo Coletivo: Análise da
extensão dos efeitos de procedência de sentença coletiva em ação individual improcedente não suspensa e
transitada em julgado. 2015. 133 f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2015, f. 37. Disponível em: <https://goo.gl/XVtwT6>. Acesso em: 10 set. 2017.
36
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a ‘participação’ do juiz no processo civil. In: ________. Temas de
Direito Processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 60.

212
necessário para análise meticulosa dos autos, caber-lhe-ia apenas resignar-se em
ser mero subscritor de decisões redigidas pelos assessores. Confira-se:

[A] distribuição, em regra pouco racional, da competência,


máxime em primeiro grau de jurisdição, do que resulta
para alguns injusta sobrecarga de trabalho, com todo o seu
cortejo de indesejáveis consequências: juiz onerado com
excesso de serviço é juiz que por força estudará os autos com
menor profundidade, que mais facilmente se resignará ao
papel de mero subscritor de despachos e decisões redigidos
por mão alheia, que se absterá de iniciativas instrutórias,
que se inclinará a adotar, sem exame crítico, soluções já
‘prontas’ para as questões de direito (e, por conseguinte,
quase nunca contribuirá para a abertura de novos caminhos
na jurisprudência).

E quanto ao papel do advogado, advertia José Carlos Barbosa Moreira,


que caberia a eles serem sempre atentos, competentes, diligentes e colaboradores,
nada omitindo37, pois só deste modo, a participação dos juízes tenderia a ser
mais diligente e efetiva:

Advogados diligentes e leais são colaboradores preciosos;


em feito onde se possa contar com eles, a participação
do juiz, apesar dos pesares, tende a ser mais efetiva. Com
alguma ajuda das circunstâncias, pode-se começar a divisar
ai o advento do reinado – que em geral parece ainda tão
longínquo – daquele ‘princípio da cooperação’ que, de
acordo com a vanguarda da doutrina, está fadado a resol-
ver, em acorde harmonioso, a tradicional contraposição
entre o modelo ‘dispositivo’ e o modelo ‘inquisitivo’ do
processo civil.”38

E mais do que isto, para que se dê a colaboração, é necessária a designação


da audiência39_40, e que as partes e seus advogados estejam presentes, assim como o

37
Relatório para a IX Jornadas do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, realizado em Madri, em
junho de 1985. Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. In:
________. Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 141;
38
MOREIRA, op. cit., p. 66.
39
Pois de acordo com Moreira, “[...] claro está que semelhante vantagem se reduz bastante quando à audiência
comparecem unicamente advogados, não as próprias partes, e se extingue de todo, se o juiz que a preside
não se mantem na direção do processo até o julgamento” (MOREIRA, op. cit., p. 136-137).
40
Este também é o entendimento de Daniel Mitidiero, porque “[...] em um processo de estrutura cooperativa,

213
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

próprio magistrado, que estando em contato direto com os respectivos protago-


nistas, pode e deve analisar suas reações, conferindo-lhe “[...] a possibilidade de
observar desde esse instante, mais cedo que de ordinário, o que presumivelmente
lhe ministrará úteis elementos de avaliação.”41
Logo, espera-se que o advogado diligente, colaborador e participativo
conheça de todos os pontos, objeto de análise no processo, lançando de meios e
técnicas necessárias. Ou seja; exige-se do advogado no processo cooperativo que
ele não só seja competente e hábil como também tenha o profundo conhecimento
causa para prestar, com clareza, os devidos esclarecimentos dos fatos e do direito
quando em audiência. Espera-se que o seu discurso seja “claro, preciso e útil. [...].
A clareza deste é a qualidade mestra e a tudo domina.”42 Por isso, o advogado no
processo cooperativo, mais do que em qualquer outro processo, deve conhecer
todos os pontos da demanda, o que aumenta e muito sua exigência, sobretudo,
quanto ao ponto objeto de discussão oral, uma vez que o processo oral abomina
advogados displicentes.
Como bem reconhece Barbosa Moreira43, advogados diligentes propiciam
a participação mais efetiva do juiz. E, se é pelos advogados que as partes estão
representadas em juízo, é por meio deles que haverá a maior participação e coo-
peração na busca pelo melhor convencimento do juiz acerca da matéria deduzida
em juízo. Acreditando Barbosa Moreira que se houvesse a participação mais ativa
de todos os interessados no provimento final, construído em contraditório, estaria
o processo “fadado a resolver, em acorde harmonioso, a tradicional contraposição
entre o modelo ‘dispositivo’ e o modelo ‘inquisitivo’ do processo civil.”44
Raimundo Cândido Júnior45, embora reconheça que as iniciativas de li-
mitar o número de páginas pelos juízes sejam inconstitucionais, por “ofensivas
de um lado, ao da ampla defesa – art. 5º, LV da CR/88 e, de outro lado, do
princípio da legalidade, conjugado com o devido processo legal – art. 5º, LV
da CR/88”46 entende que o artigo 6º do CPC, exige que todos os sujeitos do
processo cooperem entre si para que se tenha, em tempo razoável, a decisão de
mérito. Advertindo que é induvidoso que o poder de síntese é um atributo de
inteligência do advogado, e que a concisão judicial se mostra mais eficaz, pois

o ideal é que toda essa atividade seja realizada em audiência, propiciando-se um amplo contato e debate
oral entre aqueles que participam do contraditório” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo
Civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 132).
41
MOREIRA, 1989, loc. cit.
42
GARÇON, Maurice. Sull’Oratoria Forense. Milão: Giuffrè, 1957, p. 65.
43
MOREIRA, op. cit., p. 66.
44
MOREIRA, 1989, loc. cit.
45
CANDIDO JR, op. cit., p. 39-42, a quem remetemos a leitura.
46
Ibid., p. 42.

214
peças extensas acabam prejudicando, ao invés de beneficiar. Pois, “[...] certamente
que a concisão é elogiável e mais eficaz, sobretudo em se tratando de realização
da justiça. Uma peça por demais extensa pode obnubilar o direito da parte e
acabar por prejudica-la” 1.

5 CONCLUSÃO

Respondendo ao questionamento inicial, chega-se à conclusão que não


há espaço e nem mesmo dispositivo legal que autorize o magistrado a seu livre-
-arbítrio determinar a redução de petições elaboradas pelos advogados.
Quando o magistrado se deparar com petições longas e desarrazoadas, em
observância ao princípio da cooperação e ao dever de colaboração, compete-lhe
designar a competente audiência, exigindo-se o comparecimento das partes (art.
139, inc. VIII, do CPC) para, por meio do diálogo, pedir os devidos esclare-
cimentos às partes e seus advogados, demonstrando tanto quanto possível as
deficiências de suas argumentações e alegações, pedindo colaboração de todos
os protagonistas, que, ainda que antagonistas, são colaboradores indispensáveis
do magistrado.
Em suma, não há dúvidas que o dever de colaboração, que é inerente ao
princípio do processo cooperativo, perpassa pela concisão e objetividade das
petições. Mas, ainda assim, não cabe, arbitrariamente ao juiz, sem a cooperação
das partes e seus advogados, proferir despachos escritos e arbitrários. Pois, se
assim agir, o juiz pratica um ato abusivo, arbitrário e inconstitucional.

Para Raimundinho, “[...] o poder de síntese é tido como atributo de inteligência, sendo conhecida a
1

máxima latina: esto brevis placebis – sê breve e agradarás. Ou o ditado popular: ‘quem fala demais dá bom
dia a cavalo’” (Ibid., p. 41).

215
INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA WHATSAPP NO PROCESSO
CIVIL BRASILEIRO

Guilherme Henrique Lage Faria*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Negócios Processuais: Origem e Admissibilidade


no Modelo Processual Brasileiro. 3 Conceito de Negócio Processual. 4 Espécies
de Negócios Processuais. 4.1 Negócios Atípicos: A Cláusula Geral de
Negociação Processual.5 Requisitos da Negociação Processual. 5.1 Vontade.
6 Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

Conforme já abordado em outra sede1, não é novidade que uso de tecno-


logias vem se tornando uma preocupação dos profissionais do Direito, especial-
mente pela utilização constante das mesmas nos processos eletrônicos.
Neste cenário, os mais pessimistas começam até mesmo a projetar o fim
das profissões jurídicas2. O uso de redes neurais vem obtendo várias aplicações
no Direito, pois, apesar das mesmas não possuírem ainda o potencial de resolver
todos os problemas presentes para computar o conhecimento jurídico, seu uso
oferece excelentes benefícios para recuperação, catalogação de informações e
auxílio na determinação da semelhança entre os casos3.
Dentro deste capítulo do uso de tecnologias (LawTech) e visando otimizar
a prática de alguns atos processuais, vem se colocando em pauta no Brasil o
uso do aplicativo WhatsApp4 como ferramenta hábil e legítima de cientificação
(intimação) das partes e advogados no curso de um processo.
*
Mestre em Direito Processual pelo Programa de Pós-graduação strictu sensu em Direito da PUC/Minas,
Especialista em Direito Processual Civil pelo IEC - PUC Minas. Professor do Centro Universitário
Newton Paiva e da Escola Superior da Advocacia. Advogado, sócio do escritório Alves & Lage Advocacia.
1
NUNES, Dierle; LAGE, Guilherme. Intimação via WhatsApp não pode ferir garantias processuais.
Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 28 jun. 2017. Opinião. Disponível em: <https://goo.gl/hsMEsc>.
Acesso em: 26 ago. 2017.
2
Na edição do The New York Times de 14 de março de 2011, em artigo intitulado “Exércitos de advogados
caros serão substituídos por softwares mais baratos”, o repórter comentava como novas tecnologias tornavam
desnecessária uma série de trabalhos desempenhados por advogados (MARKOFF, John, Armies of Expensive
Lawyers, replaced by Cheaper Software. New York Times, New York, 14 mar. 2011).
3
AIKENHEAD, Michael. The uses and abuses of neural networks in Law. Computer & High Technology
Law Journal, Santa Clara, v. 12, 1996, p. 70.
4
Um dos mais populares aplicativos de mensagens, o WhatsApp conta com mais de 900 milhões de usuários
ativos em todo o mundo, razão pela qual se deu sua predileção em face dos inúmeros outros aplicativos de
mensagens instantâneas existentes.

217
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Uma das justificativas para o uso do WhatsApp como ferramenta para


cientificação é que ele contribui para a simplificação de parcela das intima-
ções pelo  Diário Oficial e redução dos custos, já que diminuiu a necessidade
de os oficiais de Justiça irem em busca dos intimados. Além do mais, o uso do
aplicativo faz com que todos os procedimentos passem a ocorrer em ambiente
integralmente digital, evitando impressões de pronunciamentos jurisdicionais
que passam a ser desnecessárias.
Em recente julgamento, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – no Pro-
cedimento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-94.2016.2.00.0000, que
contestava decisão da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás que proibira
a utilização do aplicativo no âmbito do Juizado Civil e Criminal da Comarca
de Piracanjuba/GO —  aprovou por unanimidade a utilização do aplicativo
WhatsApp como ferramenta para intimações nos Juizados Especiais.
O juiz de Direito Gabriel Consigliero Lessa, titular do Juizado Especial
de Piracanjuba, utilizava o aplicativo como ferramenta de intimação desde 2015,
com autorização mediante negociação processual, com respaldo na Portaria
Conjunta 01/2015. De acordo com o magistrado em entrevista concedida ao
CNJ5, os despachos proferidos eram fotografados e enviados pelo aplicativo,
sendo a confirmação do recebimento certificada pelo cartório do juizado, o qual
utiliza o tique azul do WhatsApp como comprovante de intimação.
Vale frisar que a utilização do tique azul do WhatsApp como comprovante
de intimação é uma tendência mundial, tendo em vista que um tribunal indiano
na cidade de Dheli aceitou  printscreens de telas do aplicativo, com tique azul,
como comprovante de entrega de intimação para convocação a comparecimento6.
No Brasil, além do Juizado Especial de Piracanjuba, a adesão negociada
(voluntária7) para utilização da ferramenta como meio de intimação das partes
5
AGÊNCIA CNJ DE NOTÍCIAS. Juiz do TJGO usa WhatsApp para aprimorar funcionamento de Juizado
Especial. CNJ, Brasília, 7 mar. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/VBiYVe>. Acesso em: 26 ago. 2017.
6
ALMEIDA, Renato Caldas Vasconcellos de. Tribunal aceita tique azul do WhatsApp como comprovante
de intimação. 1 News, São Paulo, 18 maio 2017. Disponível em: <https://goo.gl/ASMzey>. Acesso em:
26 ago. 2017.
7
Em conformidade com as disposições do art. 3º da PORTARIA CONJUNTA N.º 19/2016-TJ, DE
29 DE NOVEMBRO DE 2016 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, disposição esta que se
repete em todas as portarias e resoluções voltadas para a utilização da ferramenta como meio de intimação,
“A adesão ao procedimento de intimação por WhatsApp é voluntária. §1º Os interessados em aderir à
modalidade de intimação por WhatsApp deverão preencher e assinar o documento a ser entregue pela
serventia e informar o número de telefone respectivo. §2º Se houver mudança do número do telefone, o
aderente deverá informá-lo de imediato à serventia e assinar novo termo. §3º Ao aderir ao procedimento
de intimação por WhatsApp, o aderente declarará que: I - concorda com os termos da intimação por meio
do aplicativo WhatsApp; II - possui aplicativo de envio de mensagens eletrônicas instalado em seu celular,
tablet ou computador, e que manterá ativa, nas opções de privacidade, a opção de recibo/confirmação de
leitura; III - foi informado do número que será utilizado pela serventia judicial para o envio das intimações;
IV - foi cientificado de que o Tribunal de Justiça, em nenhuma hipótese, solicita dados pessoais, bancários

218
também tem sido utilizada no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
do Rio Grande do Norte (Portaria Conjunta 19/2016-TJ, de 29 de novem-
bro de 2016), dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região
(Resolução 10, de 6 de dezembro de 2016), no âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis e da Fazenda Pública da Justiça do Distrito Federal (Portaria Conjunta
54 de 13 de julho de 2016), nos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do
Sul e da 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo (Portaria 012/2015), dentre
outros casos isolados.
Ocorre que, em face da ausência de previsão legal (inclusive em descon-
formidade com a Lei 11.419/06, que exige “preferencialmente, programas com
código aberto”), seu uso imperativo não parece encontrar respaldo em nosso
sistema normativo, em que pese ser apoiado pela advocacia, em especial do
Distrito Federal, que após debate na sede da seccional local no dia 07/07/2016,
os argumentos a favor do uso do aplicativo se mostraram em maior número.8
No entanto, embora haja argumentos contrários, ganha fôlego seu uso
mediante negociação processual após a já aludida decisão do CNJ que, por
unanimidade, permitiu que o aplicativo seja utilizado como ferramenta para
intimações nos juizados.9
Com efeito, mostra-se necessário compreender melhor quais
os requisitos para formação do referido negócio processual, bem
como seus limites à luz do Modelo Constitucional de Processo, em
especial por se tratar de medida excepcional às regras de intimação
previstas na legislação processual.

2 NEGÓCIOS PROCESSUAIS: origem e admissibilidade no pro-


cesso brasileiro.

O conceito de acordo ou contrato processual foi tratado de maneira


aprofundada pela primeira vez por Josef Köhler10, ainda no século XIX, mais
precisamente em 1887.

ou qualquer outro de caráter sigiloso, limitando-se o procedimento para a realização de atos de intimação;
V - foi cientificado de que as dúvidas referentes à intimação deverão ser tratadas, exclusivamente, no cartório
da serventia que expediu o ato, e que, na hipótese de intimação para comparecimento, deverá dirigir-se às
dependências do fórum localizado na respectiva circunscrição judiciária.”
8
CONSULTOR JURÍDICO. Advocacia apoia intimação por WhatsApp, mas ainda há dúvidas quanto à
segurança. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 11 jul. 2016. Judiciário Tecnológico. Disponível em:
<https://goo.gl/rmTAHG>. Acesso em: 26 ago. 2017.
9
EDITORIA DE POLÍTICA.WhatsApp pode ser usado para intimações judiciais, define CNJ. Jornal Do
Commercio, Recife, 27 jun. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/WpsTT2>. Acesso em: 26 ago. 2017.
10
KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. Gesammelte Beiträge zum
ZivilprozeB. Berlin: Scientia Verlag Aalen, 1894.

219
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Köhler, em perspectiva privatista, sustentava que a vontade das partes


poderia ser orientada negocialmente para produzir efeitos no processo, determi-
nando a conformação de situações jurídicas processuais, sendo o “contrato” uma
categoria da teoria do direito, e não somente do direito privado.11 De acordo
com Cabral (2015):

Partia-se, então, de uma ampla convencionalidade pro-


cessual: toda vez que o ordenamento ofertasse às partes
uma opção de interferência no procedimento entre duas
alternativas, elas poderiam fazê-lo por contrato, reduzindo
as possibilidades a uma dessas alternativas.12

Desde então o tema passou a ser enfrentado pela doutrina Alemã. Contu-
do, os contratos e convenções processuais não tiveram destaque na jurisprudência
alemã do Séc. XIX, muito em razão do Movimento de Socialização Processual
e da teoria de Oskar Bülow.13
O processo, antes de adquirir autonomia científica, era considerado um
apêndice do direito privado. Foi com os estudos de Bülow sobre as exceções
processuais e os pressupostos processuais que se fundou a escola publicista do
processo, libertando o processo dos domínios do direito material.14
Bülow estruturou a autonomia do estudo do Direito Processual mediante
o delineamento de uma relação jurídico-processual lastreada primordialmente na
figura do juiz, uma vez que as partes se apresentavam como meros colaboradores
deste na formação dos provimentos decisórios, o qual era emanado de seu “senso
inato de justiça”, em verdadeiro culto ao protagonismo judicial.15
Com fulcro neste pensamento, Bülow sustentou que os acordos processuais
seriam inadmissíveis porque, ante a publicidade da relação jurídica processual, era
vedado às partes convencionar sobre poderes de outrem (Estado-juiz). Para ele,
“[...] seria impossível imaginar que houvesse um ato de vontade de um sujeito
privado que mudasse regras processuais ou suspendesse a eficácia de normas co-
gentes”. Nestes termos, os acordos processuais, fora do que fosse expressamente
definido em lei, representariam grave ofensa ao ordenamento jurídico.16
Com efeito, eram tidos por inválidos e ineficazes os negócios processuais
eventualmente celebrados pelas partes.
11
CABRAL, Antônio do Passo. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 90.
12
Ibid., p. 90.
13
CABRAL, 2015, loc. cit.
14
CABRAL, op. cit., p. 92.
15
NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Curitiba: Juruá, 2008, p. 100.
16
CABRAL, op. cit., p. 92-93.

220
A popularidade da tese de Bülow e a grande adesão que a concepção publi-
cista do processo ganhou na Alemanha e na Europa, em especial em decorrência
dos estudos de Anton Menger e Franz Klein17, forjaram uma premissa de proi-
bição do “processo convencional”. “Privilegiava-se o caráter público decorrente
da presença da autoridade estatal, e dele se extraía a ausência de espaço para os
acordos processuais”.18
Desse modo, sempre que os efeitos de atos jurídicos dependessem de uma
atuação das partes no processo, esses efeitos seriam produzidos por força da lei
e não da vontade privada.
Na Itália, sobre forte influência do pensamento de Bülow, Chiovenda
admitia os acordos, mas opunha diversas restrições, dentre as quais se encontra
a necessidade de expressa previsão legal. Ou seja, só seriam cabíveis convenções
processuais previstas na lei (típicas).19
Antônio Cabral ressalta que, dentre os italianos, Salvatore Satta foi quem
mais ecoou as premissas do publicismo, tendo sido “[...] um dos maiores oposito-
res dos contratos processuais”, negando a convencionalidade como característica
do processo. Afirmava o autor italiano, na mesma linha de Bülow, que “[...] a
relação jurídica processual é pública, e esta qualidade impediria qualquer con-
venção porque no processo estariam em jogo interesses públicos, pertencentes
a toda a sociedade”.20
Satta (1931) negava veementemente a possibilidade de o contrato ser um
instituto próprio do direito público21, fazendo com que a vontade das partes
não pudesse determinar efeitos jurídicos no processo, criando ou modificando
situações jurídicas processuais.
Neste espeque, Cabral ressalta que:

Segundo Satta, como a relação jurídica processual é pú-


blica, ainda que houvesse convenção ou contrato, os con-
tratantes teriam sempre a possibilidade de não cumprir o
acordo anterior quando esse fosse invocado em juízo, e o
juiz também poderia ignorá-lo, com a consequência de o
pacto tornar-se um mero motivo intrínseco ao processo e
indiferente a ele. 22
17
NUNES, 2008.
18
CABRAL, op. cit., p. 94.
19
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 3,
p. 25-26.
20
CABRAL, op. cit., p. 96.
21
SATTA, Salvatore. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Milano: Vita e Pensiero, 1931, p. 44.
22
CABRAL, op. cit., p. 97.

221
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Entretanto, vale salientar que, em que pese ser um dos maiores críticos
à convencionalidade do processo, com o passar do tempo, Chiovenda (1998)
adotou posição similar à de Satta (1931), admitindo que os negócios processuais
poderiam ser celebrados nos casos previstos expressamente em lei.23
Enrico Tulio Liebman, um dos autores italianos de maior influência no
Brasil, era manifestamente contrário aos negócios processuais, ainda que, em algu-
mas passagens, tenha admitido a existência de acordos com eficácia no processo.24
Por conseguinte, forjou-se, assim, a tradição de que somos herdeiros e em
cujas premissas fomos “ensinados”: “[...] processo é direito público, infenso aos
espaços de liberdade autorizadores da disposição em razão da vontade privada.”25
Como pode se observar, o tema dos negócios processuais coloca-se no
centro do debate entre o publicismo e o privatismo, refletindo a tensão entre o
processo e a vontade privada dos indivíduos envolvidos.26
Destarte, não nos parece exagerado afirmar que os debates sobre a divisão
de trabalho27 entre o juiz e as partes é um tema que reivindica a compreensão da
mudança de concepção do direito processual28, haja vista que tal fato encontra-se
umbilicalmente vinculado à concepção paradigmática do direito, alterando-se
de maneira vertiginosa nos paradigmas liberal e social.29
Aos poucos o publicismo foi se espalhando por todos os institutos proces-
suais, dele sendo extraídas conclusões e consequências normativas que reforçavam
as premissas em que baseado, dentre as quais o Antônio Cabral elenca:

(a) o Estado almejaria implantar, pelo processo, escopos


públicos, que se sobrepõem aos interesses privados das

23
SATTA, Salvatore. Accordo (diritto processuale civile).In: ________. Enciclopedia del Diritto. Milano:
Giuffré, 1958, v. 1, p. 300-301.
24
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil I, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
25
CABRAL, op. cit., p. 98. Daniel Mitidiero salienta que “[...] o processo civil nasce no final do século XIX,
na Alemanha, profundamente influenciado pela pandectística. Isto irremediavelmente marca o direito
processual civil com uma característica cientificista, que acaba por determinar sua neutralidade em relação
à cultura. O programa alemão para ciência do processo é encampado pela doutrina italiana da primeira
metade do século XX, daí aportando para o direito brasileiro.” (MITIDIERO, Daniel. O processualismo
e a formação do Código Buzaid. Revista de Processo, São Paulo, n. 183, maio2010, p. 190).
26
GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 164,
out., 2008, p. 31.
27
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O problema da “divisão do trabalho” entre juiz e partes: aspectos
terminológicos. São Paulo: Saraiva, 1989. (Temas de Direito Processual ; 4)
28
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. Revista da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, v. 44, n. 1/2, p. 179-212, 2003. Disponível em: <https://
goo.gl/cph9n9>. Acesso em: 17 ago. 2014.
29
LAGE, Guilherme Henrique Faria. Negócios Processuais no Modelo Constitucional de Processo.
Salvador: JusPodvm, 2016, p. 22.

222
partes e que levariam à aplicação imperativa da regra legis-
lada, considerada a lei a única fonte da norma processual;
(b) a concepção de que as normas processuais seriam todas
de ordem pública, e, portanto, cogentes, estabelecidas no
interesse público e inderrogáveis pela vontade das partes; a
vontade dos litigantes não poderia interferir decisivamente
no trâmite do procedimento de maneira diversa daquela
prevista na norma legal.
(c) rejeição do processo como “coisa das partes” e a inflação
dos poderes oficiosos do juiz, inclusive e sobretudo na
condução do procedimento; o Estado-juiz passou a ser o
personagem central da relação jurídica processual.30

Assim, opondo-se ao processo como “coisa das partes”, o Movimento da


Socialização Processual ensejou um aumento dos poderes do juiz, tendo sido
largamente difundida a ideia de que a direção formal do processo caberia exclu-
sivamente ao magistrado e nem mesmo parcialmente as partes poderiam tolher
do julgador este poder.31
Neste espeque, Robson Godinho frisa que, se a publicização do processo
ensejou conquistas, o rechaço à ideia de efetiva participação das partes e da
formulação de negócios jurídicos processuais, como se integrassem uma espécie
de trauma epistemológico, não encontra mais lugar nesta quadra histórica.32
Para o autor, “[...] trata-se, indubitavelmente, de uma discussão clássica
que exige e suporta cores absolutamente novas, afastando-se definitivamente o
receio de que a publicização do processo não possa conviver com a autonomia
privada”33.
Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, sobretudo em
razão do disposto nos artigos 1º, caput, 5º, incisos II, XXXV, LIII, LIV, LV e 93,
inciso IX, fora adotado um novo paradigma no Brasil, o Estado Democrático de
Direito, estabelecendo-se bases estruturantes (direitos e garantias fundamentais)
para uma constitucionalização do processo34.

30
CABRAL, op. cit., p. 100.
31
GUIMARÃES, Luiz Machado. Processo autoritário e regime liberal. In: ________. Estudos de Direito
Processual Civil. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1969, p. 128.
32
GODINHO, Robson Renault. Convenções sobre ônus da prova: estudo sobre a divisão de trabalho entre
as partes e os juízes no processo civil brasileiro. 2013. 259 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013, f. 3-4.
33
Ibid., p. 1.
34
André Del Negri esclarece que: “No Brasil, com a Constituição de outubro de 1988, um novo marco teórico
foi instituído e a partir daí o denominado Estado de Direito Democrático (art. 1º, CB/88), apresentou um
projeto de democracia estruturado por princípios de direitos fundamentais, com aplicação imediata (art.

223
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

A referida alteração paradigmática permitiu o aprofundamento de estudos


em teoria do processo que buscam ofertar uma releitura constitucionalizada das
matrizes teóricas que influenciaram (e ainda influenciam) a doutrina, a jurispru-
dência, bem como o próprio legislador.35
A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita,
pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua
normatividade fazem parte desse ambiente.
Para Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, a Constituição de 1988 res-
gataria o espírito das Constituições de 1891, de 34 e 46, no seu compromisso
com a noção cara ao constitucionalismo de governo limitado democraticamente
eleito e comprometido com os direitos fundamentais.36
Por conseguinte, evidencia-se que o Estado Democrático de Direito se
assenta em dois pilares: a democracia e os direitos fundamentais.37 Não há
democracia sem o respeito e a realização dos direitos fundamentais e não há
direitos fundamentais sem democracia.
O Poder Democrático, nos termos da Constituição de 1988, é exercido
por representantes do povo, o que, por óbvio, não implica sua exclusão, haja vista
que, com a outorga do poder ao povo pela Carta Magna, tem-se por indispensável
a participação deste nos atos do Estado. Nas palavras de Oliveira:

Há uma diferença técnico-conceitual entre representação


e substituição que aqui é pertinente [...] Representar é agir
em nome alheio na defesa de direitos ou interesses alheios;
substituição é agir em nome próprio na defesa de direitos
ou interesses alheios. A questão é que a representação não
implica necessariamente, como no caso da substituição,
exclusão do representado do processo. O problema, por-

5º, 1º, da CB/88), e uma operacionalidade posta à disposição do cidadão (eixo desse projeto), entendido
como construtor e reconstrutor do seu próprio ordenamento jurídico, por intermédios de procedimentos de
participação popular e ações processuais constitucional”. (DEL NEGRI. André. Teoria da Constituição e do
Direito Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2009, p.101). Como afirma Marcelo Campos Galuppo,
baseando-se na obra de Lênio Streck: “A Constituição de 1988 é o marco mais importante em nossa história
recente (STRECK, 2007, p. 310-311) de um projeto que transcende ao próprio momento de promulgação
do texto da Constituição e que lhe dá sentido normativo, de um projeto que é muito anterior, que vem se
desenvolvendo, ainda que sujeito a tropeços, a atropelos, há muito tempo.” (GALUPPO, Marcelo Campos
(coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.246).
35
LAGE, op. cit., p. 24.
36
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A legitimidade democrática da Constituição da República
Federativa do Brasil: uma reflexão sobre o projeto constituinte do Estado Democrático de Direito no marco
da teoria do discurso de Jürgen Habermas. In: GALUPPO, Marcelo Campos (coord.). Constituição e
democracia: fundamentos. Belo Horizonte, Fórum, 2009, p. 242-243.
37
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 3. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 123.

224
tanto, de se confundir representante e substituto é o de se
entender erroneamente que a representação, ao contrário
de mediar, viabilizar institucionalmente a participação do
representado no processo deliberativo, exclui essa parti-
cipação, com consequências obviamente desastrosas do
ponto de vista democrático.38

Nesse contexto, Godinho ressalta que “[...] a participação das partes no


processo vem sendo objeto de novas abordagens, sobretudo, com publicações
acerca da cooperação ou colaboração no processo e uma nova visão acerca do
princípio do contraditório”. Como decorrência dessas discussões, tem-se a “[...]
necessidade de se estudar o âmbito normativo da autonomia privada no processo
e, correlatamente, os limites e possibilidades da atuação do juiz”.39
Atento a tais premissas constitucionais, o Novo Código de Processo Civil,
com fulcro no Princípio da Cooperação40 (art. 6º)41, bem como no reforço da
participação (democrática) do jurisdicionado no processo, abre-se à possibilidade
da realização de adequações procedimentais pelas partes, ora sozinhas, ora em
conjunto com o juiz, buscando a construção de procedimentos aptos a ensejar
um processo constitucionalizado efetivo (e adequado) para a resolução do con-
flito. Do mesmo modo, no intento de oportunizar uma melhor adequação do
procedimento ao caso concreto, o Novo CPC autoriza às partes disporem sobre
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.
Com efeito, o Novo CPC autoriza a celebração de negócios processuais
típicos, os quais encontram previsão expressa em diversos dispositivos do código,
e atípicos, estes respaldados na clausula geral de negociação processual (art. 190).

3 CONCEITO DE NEGÓCIO PROCESSUAL

Fredie Didier Jr. e Pedro Nogueira assinalam que negócio processual é o


“[...] ato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo

38
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A súmula Vinculante n. 4 do STF e o “Desvio” Hermenêutico
do TST: notas programáticas sobre a chamada “nova configuração” da jurisdição constitucional brasileira
nos vinte anos da Constituição da República. In: ________. MACHADO, Felipe Daniel Amorim (coord.).
Constituição e Processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte.
Del Rey, 2009, p. 49.
39
GODINHO, op. cit., p. 2.
40
Para melhor compreensão da influência da cooperação intersubjetiva na recepção da técnica de negociação
processual no Brasil: LAGE, 2016.
41
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.

225
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites


fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais”42.
Leonardo Greco, a seu turno, define-os como “[...] atos de disposição das
partes que subtraem questões processuais da apreciação judicial ou que condi-
cionam o conteúdo de decisões posteriores”, podendo o ato ser praticado no
processo ou fora dele, mas“[...] para nele produzir efeitos.”43
Na esteira deste entendimento Paula Sarno Braga salienta que “[...] serão
negócios processuais quando existir um poder de determinação e regramento da
categoria jurídica e de seus resultados (com limites variados)”44.
Antônio Cabral, discordando da utilização da expressão “[...] escolha da
categoria jurídica [...]” como sendo apta a designar a autonomia privada nos
negócios jurídicos, bem como ressaltando que a palavra “categoria” não tem
sentido técnico-jurídico próprio, apresenta uma definição mais completa de
convenção processual:

Convenção (ou acordo) processual é o negócio jurídico


plurilateral pelo qual as partes, antes ou durante o processo
e sem necessidade da intermediação de nenhum outro su-
jeito, determinam a criação, modificação e extinção de si-
tuações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento.45

Ressalta-se, no entanto, que, em que pese apresentar conceito mais claro


e completo, Antônio Cabral formula a referida definição à luz dos negócios
bilaterais, não servindo, portanto, para conceituar os negócios processuais que
envolvem a participação do Estado enquanto sujeito do negócio, juntamente
com as partes, os chamados negócios plurilaterais, tal como ocorre no negócio
processual para intimação das partes via WhatsApp.
Entretanto, não obstante as diferenças conceituais acima retratadas, a
negociação processual possui um ponto central para todos os autores, a saber,
a influência da autonomia privada dos sujeitos processuais no regramento do
processo, seja para alterar as disposições procedimentais, seja para dispor sobre

42
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos Jurídicos Processuais, 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 59.
43
GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual: Primeiras Reflexões. Revista Eletrônica de Direito
Processual, Rio de Janeiro, v. 1, n.1, out./dez. 2007, p. 8. Disponível em: <https://goo.gl/zujd6c>. Acesso
em: 6 nov. 2017.
44
BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano da Existência.
Revista de Processo, São Paulo, n. 148, jun. 2007, p.312.
45
CABRAL, op. cit., p. 57.

226
ônus, poderes, faculdades e deveres, visando adaptar o processo às peculiaridades
do caso concreto.
Em suma, haverá negócio processual quando os atos de disposição de
vontade das partes ocasionarem modificações no processo (presente ou futuro).
Frisa-se que a influência direta da vontade das partes no regramento do
processo é o que diferencia os negócios processuais do chamado “[...] ato proces-
sual conjunto [...]”, estudado no direito estrangeiro, e que se configura por uma
declaração consensual de ambas as partes direcionada ao juiz em um processo
judicial.46
De acordo com Barbosa Moreira, os atos processuais conjuntos (que
normalmente são requerimentos), “[...] diferem-se frontalmente das convenções
processuais porque são atos estimulantes47 (postulativos ou indutivos), que não
atingem por si só uma situação processual e que têm seus efeitos produzidos
somente após decisão judicial”48.
Antônio Cabral salienta que nestes requerimentos conjuntos, “[...] não
há vínculo contratual ou convencional, mas apenas exercício de situações pro-
cessuais unilaterais”49.
Chiovenda aduz que as decisões judiciais nestes casos têm como pressu-
posto as declarações concordantes das partes, vale dizer, o ato obtém judicial é
subordinado por um consenso prévio.50 O efeito pretendido não se obtém pela
declaração consensual em si, mas pela decisão judicial. Não há, portanto, liber-
dade das partes para modificar o procedimento ou construir e alterar situações
processuais. Tratam-se de atos estimulantes e não de atos determinantes51 como
são os negócios processuais.52
Importante frisar, portanto, que os negócios processuais, quando válidos,
produzem efeito no processo independentemente da intermediação de outros
sujeitos.

46
CABRAL, op. cit., p. 68.
47
Antônio Cabral, com esteio na doutrina de Goldschmidt, aduz que os atos estimulantes “[...] seriam aqueles
em que a atividade do sujeito não atinge diretamente e por si só os efeitos pretendidos. Estes atos não são
suficientes para satisfazer os interesses do sujeito que os pratica, necessitando da intermediação de outros
sujeitos (sobretudo o juiz, pelo deferimento ou autorização)” (CABRAL, op. cit., p. 64).
48
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das Partes Sobre Matéria Processual. Revista de Processo,
São Paulo, ano 9, v. 33, jan./mar. 1984, p. 89-90.
49
CABRAL, op. cit., p. 69.
50
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di Diritto Processuale Civile. Napoli: Nicola Jovene, 1913, p. 739.
51
“As convenções processuais, tão logo sejam celebradas, atingem os efeitos pretendidos pelas partes. É o
que dispõe o art. 158 do CPC/73 e o art. 200 do CPC/2015. E essa eficácia independe da manifestação,
aprovação ou intermediação de nenhum outro sujeito. Por esses motivos, os acordos processuais podem
ser enquadrados no conceito de atos processuais determinantes”. (CABRAL, op. cit., p. 63-64)
52
CABRAL, op. cit., p. 69 .

227
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

4 ESPÉCIES DE NEGÓCIOS PROCESSUAIS

Conforme se verificou, o relevante para caracterizar um ato como negócio


jurídico é a circunstância de “[...] a vontade estar direcionada não apenas à prá-
tica do ato, mas também, à produção de um determinado efeito jurídico, com
poder de autorregramento”53. No negócio processual, há escolha do regramento
jurídico para uma determinada situação.54
Tomando por base tal conceituação, conforme já verificado, na própria
petição inicial há negócio processual de escolha do procedimento a ser seguido,
visualizado com mais facilidade quando o autor pode optar entre diversos tipos de
procedimentos: mandado de segurança ou procedimento ordinário, juizados
especiais ou processo comum.55
É nessa linha que o CPC/15 adota a possibilidade de “negociação” do
procedimento, caminhando a passos sincronizados com uma concepção mais
democrática de processo, valorizando ainda mais o modelo comparticipativo,
haja vista que os negócios resultam da manifesta vontade dos sujeitos proces-
suais, e trilhando uma linha de raciocínio importante para combater o mito do
protagonismo judicial.56
Há negócios processuais típicos (aqueles previstos no código, como a
calendarização do processo – art. 191) e atípicos, estes respaldados na clausula
geral de negociação processual (art. 190 do CPC), ou seja, sem previsão específica
em lei, conforme será abordado adiante.

53
DIDIER JR.; NOGUEIRA, op. cit., p. 64.
54
Para Fredie Didier e Pedro Nogueira, “[...] o conceito de negócio jurídico não preconiza a ligação direta e
unívoca de todos os efeitos decorrentes do ato à vontade manifestada pela parte, como se para ter configurado
o negócio o figurante precisasse estipular livremente o conteúdo de todos os efeitos”. (DIDIER JR..;
NOGUEIRA, op. cit., p. 64-65). Corroborando com tal entendimento, ressaltamos que quando alguém
saca uma nota promissória (negócio jurídico unilateral de direito cambiário), não exige a lei que o emitente
configure todos os efeitos decorrentes de seu ato. Além disso, há vários efeitos que operam mesmo que o
emitente não os queira. Assim, ao emitir uma nota promissória agrega-se-lhe inapelavelmente o caráter
de título executivo. São, conforme se vê, efeitos previstos na lei, contra os quais a vontade do estipulante
nada pode, mas, nem por isso, cogita-se de afastar o caráter negocial daquele ato.
55
Vai ainda mais além Paula Costa e Silva, ao aproximar o acto postulativo do ato negocial. A autora defende
que é ato que delimita o objeto do processo e traduz o que a parte “quer” do tribunal. Traduz manifestação
de vontade, com escolha dos efeitos desejados, sendo que o tribunal fica adstrito ao que lhe foi pedido.
(SILVA, Paula Costa e. Acto e Processo: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios
do acto postulativo. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 318 et seq.)
56
Enunciado nº. 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “[...] o art. 190 autoriza que as partes tanto
estipulem mudanças no procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais”. (Grupo: Negócios Processuais); Enunciado nº. 258 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que
essa convenção não importe ajustes à especificidade da causa”. (Grupo: Negócios Processuais)

228
4.1 NEGÓCIOS ATÍPICOS: A Cláusula Geral de Negociação Pro-
cessual

Segundo Barbosa Moreira, na Alemanha predomina o entendimento da


admissibilidade das convenções atípicas, ou seja, aquelas não previstas na legis-
lação, em que pese a doutrina não chegar a um consenso a respeito da fixação
de critérios limitadores à autonomia das partes.57
O processo, para ofertar a necessária efetividade da prestação jurisdicio-
nal, deve ser adequado às peculiaridades do caso concreto, valendo dizer que
“[...] o procedimento previsto em lei para determinado processo deve atender
às finalidades e à natureza do direito tutelado”58.
Por essa razão, por influência das Tutelas Processuais Diferenciadas
de Proto Pisani59, existem vários procedimentos especiais “[...] estruturados em
virtude das peculiaridades do direito material”. Ou seja, a tutela do direito plei-
teada pela parte através do exercício da função jurisdicional há de ser proferida
“[...] em procedimento adequado à satisfação do interesse material ou do direito
subjetivo que a parte visa proteger”.60
Em suma, o procedimento sofre influências das peculiaridades do caso
concreto, e, em especial, do direito material em debate.61
Leonardo Carneiro da Cunha ressalta que além de o legislador promover a
adequação procedimental, o juiz também poderá fazê-lo, 62 desde que, ressalte-se,
o faça em conjunto com as partes.
Em alguns sistemas jurídicos adota-se um modelo de gestão processual
por meio do qual ao juiz é dado interferir no desenrolar do procedimento a fim

57
MOREIRA, op. cit., p. 122.
58
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no Processo Civil Brasileiro. In: CABRAL,
Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais.Salvador: JusPodvm,
2015, p. 56.
59
PROTO PISANI, Andrea. Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro. In: ________.
Studi di Diritto Processuale del Lavoro. Milano: Giuffrè, 1977, p. 65 et seq.
60
CUNHA, op. cit., p. 56.
61
De acordo com Bruno Redondo: “O princípio da adequação que decorre das garantias constitucionais
do devido processo de direito (art. 5º, LIV), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e da tempestividade da
tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, CRFB) – impõe a exigência de que os procedimentos sejam os mais
adequados possíveis (às peculiaridades da causa, às necessidades do direito material, às pessoas dos litigantes,
etc.) para que, mediante uma prestação jurisdicional eficiente, a tutela jurisdicional possa ser realmente
efetiva. Para que o procedimento possa ser efetivamente adequado, forçoso reconhecer que tanto o juiz,
quanto as partes, são dotados de poderes para promover adaptações no procedimento.” (REDONDO,
Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do CPC/1973
para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA,
Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 272)
62
CUNHA, op. cit., p. 57.

229
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

de adequá-lo às especificidades do caso concreto. Contudo, em que pese o caput


do art. 190 do CPC63 permitir a adaptação procedimental, este não a estabelece
“[...] como resultado de um ato unilateral do juiz e sim como fruto do consenso
entre as partes e o julgador.”64
Para Flávio Yarshell:

Os acordos de procedimento valorizam o diálogo entre o


juiz e as partes, conferindo-lhes, quando necessário e nos
limites traçados pelo próprio sistema, a condição de adaptar
o procedimento para adequá-lo às exigências específicas do
litígio; trata-se de instrumento valioso para a construção
de um processo civil democrático.65

Assim, a novidade trazida a cargo do art. 190 do CPC é a possibilidade


que se confere às partes de regular ou modificar o procedimento, adequando-o
às minúcias do caso concreto. Com efeito, por meio de um negócio bilateral (ou
plurilateral, em alguns casos, quando há a participação das partes e do Juiz), as
partes poderão modificar o procedimento a que submeterão para acertamento
do direito material. Trata-se de manifestação do que alguns denominam de “[...]
flexibilização procedimental voluntária”66.
Com efeito, o art. 190 do CPC consagra uma verdadeira Cláusula Geral
de atipicidade de negócios processuais, “[...] sendo ampla a liberdade das partes
para celebração de convenções processuais”. Afinal, de acordo com Bruno Re-
dondo, “[...] inexiste prévia estipulação das adequações que podem ser efetuadas
no procedimento, como também não há especifica identificação do objeto das
convenções das partes em matéria processual [...]”, do mesmo modo, também
não se prevê o alcance e os limites desses negócios processuais.67
Percebe-se, desse modo, que o instituto se presta à construção (de forma
cooperativa) de um procedimento próprio, adequado ao caso concreto, visando,

63
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
64
YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era? In: CABRAL,
Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 91.
65
Ibid., p. 91-92.
66
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual de acordo com as recentes reformas do CPC. São Paulo: Atlas, 2008.
p. 215.
67
REDONDO, op. cit., p. 273.

230
antes de tudo, eliminar impasses processuais, mas, frisa-se, sem jamais limitar
ou reduzir garantias constitucionalmente estabelecidas.68
É oportuno explicar que a flexibilização procedimental voluntária também
possibilita às partes convencionarem sobre suas posições, faculdades, poderes
e deveres no processo, independentemente da adaptação do procedimento ao
caso concreto.
Com efeito, além de poderem ajustar o procedimento às peculiaridades da
causa, “[...] as partes podem negociar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo”69.
O negócio processual atípico, desse modo, tem por objeto as situações
jurídicas processuais – ônus, faculdades, deveres e poderes (poderes neste caso, de
acordo com Didier, significa “[...] qualquer situação jurídica ativa, o que inclui di-
reitos subjetivos, direitos potestativos e poderes propriamente ditos”)70. O negócio
processual atípico também pode ter por objeto o ato processual, incorrendo na
redefinição de sua forma ou da ordem de encadeamento dos atos, por exemplo.71
Segundo Cunha, daí já se poderia construir o Princípio da Atipicidade dos
Negócios Processuais, concluindo ser possível qualquer modalidade de negócio
entre as partes ou entre elas e o juiz para modificação do procedimento, tais
como a intimação via WhatsApp.72
Do mesmo modo, reproduzindo o disposto no art. 158 do CPC de 1973,
o art. 200 do CPC/2015 assevera que “[...] os atos das partes consistentes em
declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a cons-
tituição, modificação ou extinção de direitos processuais”. Em suma, as partes
podem, a evidencia dos preceitos dos arts. 190 e 200 CPC73, negociar regras
processuais.

68
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Reflexos das convenções em matéria processual nos atos judiciais. In:
CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador:
JusPodvm, 2015, p. 238.
69
CUNHA, op. cit., p. 57-58.
70
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 380.
71
Enunciado nº 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “[...] o art. 190 autoriza que as
partes tanto estipulem mudanças no procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes,
faculdades e deveres processuais”. (Grupo: Negócios Processuais); Enunciado nº 258 do Fórum Permanente
de Processualistas Civis: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes à especificidade da causa” (Grupo: Negócios
Processuais).
72
CUNHA, op. cit., p. 56.
73
Frisa-se que, de acordo com o Enunciado nº. 261 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “[...] o
art. 200 aplica-se tanto aos negócios unilaterais quanto aos bilaterais, incluindo as convenções processuais
do art. 190” (Grupo: Negócios Processuais).

231
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Vale ressaltar que alguns autores defendem a possibilidade de celebração


de negócios processuais atípicos já sob a égide do CPC de 1973, com fulcro no
teor do art. 158, não importando o conteúdo do art. 190 do Novo CPC em
verdadeira inovação no sistema processual pátrio.74
Yarshell salienta que o juiz se vincula aos acordos sobre procedimento
celebrados pelas partes, “[...] devendo promover a implementação dos meios
necessários ao cumprimento do que foi avençado”.
Frisa-se que não se trata de negócio sobre o direito litigioso – essa é a
autocomposição. No caso, negocia-se sobre o processo, alterando suas regras,
e não sobre o objeto litigioso do processo. São negócios que “[...] derrogam
normas processuais”75.
Conforme salientou Nogueira,

[...] se a solução do litígio é benéfica a própria concreti-


zação da pacificação, nada mais justo do que permitir aos
litigantes, inclusive quando não seja possível a resolução
da própria controvérsia em si, disciplinarem a forma do
exercício das suas faculdades processuais, ou até mesmo
delas dispor.76

Dado a amplitude de alcance dos negócios atípicos, a título exemplificati-


vo, aponta-se alguns exemplos de convenções permitidas pelo art. 190 do CPC,
elencados por Greco e Almeida:

(i) pacto de non petendo (ou perdão da dívida)77; (ii) a


74
Neste sentido: CAVACO, Bruno de Sá Barcelos. Negócios Processuais: Um velho conhecido? Revista do
Ministério Público do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 58, p. 77-110, out./dez. 2015. Disponível em:
<https://goo.gl/D7DQAZ>. Acesso em: 13 jun. 2015.
75
DIDIER JR., op. cit., p. 381.
76
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A cláusula geral de acordo de procedimento no novo CPC (PL
8.046/2010). In: FREIRE, Alexandre, et al. (org.). Novas Tendências no Processo Civil: Estudos sobre
o projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2014, p.17.
77
Paula Costa e Silva salienta que o pactum de non petendo é “[...] um acordo informal entre credor e
devedor, nos termos do qual o primeiro ficava obrigado a não exigir o cumprimento da prestação, seja sob
condição ou sob termo ou a tempo indeterminável.” Aqui, “[...] o credor preserva a titularidade do seu
direito, ficando apenas privado da faculdade de exigir judicialmente o respectivo cumprimento. A partir
de uma perspectiva processual, uma acção de simples apreciação positiva da titularidade do direito será
admissível, mas já não uma acção de condenação ao respectivo cumprimento”. Com efeito, a dívida não é
exigível, embora continue a ser pagável. No que tange ao argumento da inadmissibilidade da exclusão da
garantia de Acesso à Jurisdição, a autora ressalta que “[...] uma ingerência privada no dever que impende
sobre o Estado de garantir a vigência efectiva do Direito seria, em qualquer caso, considerada inválida,
independentemente da circunstância de a mesma ser temporária ou sujeita a condição. Este argumento não
pode deixar de merecer recusa. Com efeito, o pactum de non petendum não implica na subtração ao Estado

232
obrigação ou cláusula de paz; (iii) a eleição convencional
do foro; (iv) a autorização de juízos de equidade; (v) a es-
colha da lei aplicável ao caso; (vi) a disposição a respeito da
revelação de fato jurígeno; (vii) a redistribuição contratual
do ônus da prova; (viii) a dispensa de assistente técnico
pelas partes; (ix) a dispensa de prova de determinado fato;
(x) a eleição de perito único pelas partes; (xi) a opção por
memoriais escritos em vez das alegações finais orais, em
audiência; (xii) a possibilidade de substituição do réu na
nomeação à autoria; (xiii) a substituição do alienante ou
cedente pelo adquirente ou cessionário; (xiv) a suspensão
do processo por convenção das partes; (xvi) o requerimento
conjunto de preferência no julgamento perante tribunais;
(xvii) as convenções sobre prazos; (xviii) as convenções
sobre alegações finais orais de litisconsortes; (xix) a liqui-
dação por arbitramento por convenção das partes; (xx) a
escolha do juízo da execução; (xxi) o acordo sobre a forma
de administração na penhora de estabelecimento; (xxii) a
dispensa da avaliação se o exequente aceitar a estimativa
do executado; (xxiii) a nomeação do administrador no
usufruto; (xxiv) a escolha do rito da execução de alimentos;
(xxv) a escolha de depositário de bens seqüestrados; (xxvi)
a alienação de bens em depósito judicial; (xxvii) a fixação
do calendário para o procedimento; (xxviii) a previsão
contratual da mediação incidental obrigatória); (xxix) a
disposição sobre regras de sucumbência e de reembolso
de despesas; (xxx) a convenção de reunião obrigatória de
ações; (xxxi) a convenção de assistência obrigatória; (xxxii)

do dever de garantir a aplicação do Direito, como decorrência do Estado de Direito. Aliás, essa ideia não
poderia deixar de ter como pressuposto que o objecto de disposição do pactum de non petendo é o direito
de acesso à jurisdição, ou o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, o que, como já houve oportunidade
para dizer, não é o caso”. Ademais, “[...] o afastamento do direito de exigir o cumprimento do dever de
prestar não implica logicamente a exclusão do direito a exigir o pagamento de uma indemnização, seja
pela mora, seja pelo incumprimento definitivo. Da mesma forma, o não cumprimento da obrigação pelo
devedor permitirá ao credor invocar a excepção de não cumprimento da prestação (art. 428 do Código Civil),
pois, continuando o devedor adstrito ao cumprimento da sua obrigação, o respectivo não cumprimento
não poderá deixar de ser considerado ilícito”. (SILVA, Paula Costa e. Pactum denon petendo: Exclusão
convencional do direito de acção e execução convencional da pretensão material. In: CABRAL, Antônio
do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p.
303–319). Por conseguinte, verifica-se que o pensamento da autora encontra-se respaldado no fato de que
o reconhecimento da liberdade da parte em não deduzir pretensão em juízo implica no reconhecimento
da admissibilidade de assunção negocial de não exercício do mesmo direito. Em determinadas situações, as
partes poderiam constituir uma obrigação dotada de menor grau de coercibilidade como a contrapartida
para a aquisição de outra vantagem negocial (como o aumento dos juros de mora, a elevação da multa, etc.).

233
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

a convenção que vede o chamamento ao processo; (xxxiii)


a escolha de intérprete pelas partes; (xxxiv) a convenção
de processamento que transcorra sob segredo de justiça;
(xxxv) a convenção sobre forma (ou local) para a comu-
nicação processual; (xxxvi) a escolha do procedimento a
ser seguido; (xxxvii) a convenção de eventual substituição
das partes; (xxxviii) a convenção acerca de alterações da
causa de pedir e do pedido posteriores à citação; (xxxix) o
reconhecimento contratual da existência de determinado
fato e consequente presunção de sua incontrovérsia; (xl) a
permissão de oitiva de depoimento por vídeo conferência;
(xli) o prazo para apresentação de rol de testemunhas e
quesitos; (xlii) a obrigação de troca de documentos entre as
partes prévia à juntada aos autos; (xliii) renúncia bilateral
de recurso; (xliv) a renúncia a embargos e/ou impugnação;
(xlv) a estipulação do valor, do teto e da periodicidade
da multa, para o caso de descumprimento de obrigações
de fazer e não fazer; (xlvi) a convenção sobre a ordem de
bens sobre os quais deve recair a penhora; (xlvii) a escolha
do avaliador do bem penhorado; (xlviii) a convenção de
utilização da alienação por iniciativa particular; (xlix) a
escolha do bem a ser penhorado; (l) a convenção de alie-
nação antecipada do bem penhorado.78

Por conseguinte, mais uma vez, considerando a infinidade de possibilidades


de negócios atípicos a serem celebrados, inviável se mostra a análise pormenoriza-
da de cada hipótese no presente trabalho. Ademais, para o objeto deste estudo, o
ponto relevante a ser analisado são os requisitos para a celebração destes negócios
processuais atípicos, em especial a vontade das partes, haja vista que já noticiam
casos, tais como em decisão proferida pelo juiz da Vara do Trabalho de Três Co-
rações/MG nos autos do Processo de nº. 0010627-79.2015.5.03.0147, no qual
foi acolhido o pleito (formulado pelo reclamante) de intimação das reclamadas
pelo WhatsApp, sem qualquer manifestação de vontade prévia destas, o que,
conforme se verificará, se revela inaceitável, uma vez que teríamos a derrogação
de norma processual válida (destinada a regulamentar intimação da parte), sem
haver configuração de negócio processual.


78
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. As convenções processuais na experiência
francesa e no Novo CPC. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro
Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 262-263.

234
5 REQUISITOS DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

Uma vez analisada a receptividade da técnica da negociação processual


pela sistemática processual pátria, tendo em vista que esta corrobora com a im-
plementação prática da comparticipação inerente ao modelo constitucional de
processo, passa-se à análise dos requisitos de validade dos negócios processuais, no
intento de apontar seus limites de aplicação à luz das diretrizes constitucionais.
Segundo Yarshell, sempre que se fala sobre a validade do negócio, a pri-
meira indagação diz respeito ao regime jurídico aplicável, dado que o CPC/15
não apresenta exaustiva regulamentação e que nem sempre são coincidentes as
disciplinas legais dos atos privados.79
Outrossim, como qualquer negócio jurídico, os negócios processuais pas-
sam pelo plano da existência, da validade e da eficácia. Desse modo, o negócio
processual, assim como o de direito material, também pode ser invalidado parcial-
mente, aproveitando-se tão somente a parte que coaduna com a principiologia que
rege o instituto no paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito.80
Para serem válidos, na concepção de Didier, os negócios processuais devem:
“a) ser celebrados por pessoas capazes; b) possuir objeto lícito; c) observar a forma
prescrita ou não proibida por lei” 81_82 Aqui, com esteio em Pedro Nogueira,
Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Bahia e Flávio Pedron,
ressaltamos que devem estar presentes ainda o requisito da vontade, bem como
o autorregramento desta.83
O desrespeito a qualquer destes requisitos implica em nulidade do negócio
processual, conhecível ex offício nos termos do parágrafo único do art. 190 do
CPC.84
Didier frisa que a decretação de invalidade do negócio processual deve
obedecer ao sistema das invalidades processuais, o que significa que não há
nulidade sem prejuízo.85
79
YARSHELL, op. cit., p. 68.
80
Neste sentido encontra-se o Enunciado nº. 134 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Negócio
jurídico processual pode ser invalidado parcialmente”. (Grupo: Negócios Processuais)
81
DIDIER JR., op. cit., p. 384.
82
Corrobora com o entendimento do autor o Enunciado nº. 403 do Fórum Nacional de Processualistas
Civis: “A validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado
ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.” (Grupo: Negócios processuais)
83
THEODORO JR, Humberto et al. Novo CPC: Fundamentos e sistematização, 2. ed. Rio de Janeiro:
GEN ; Forense, 2015, p. 245; DIDIER JR.; NOGUEIRA, op. cit., p. 60.
84
Ressalta-se que, nos termos do art. 10 do CPC, em que pese se tratar de matéria de conhecimento oficioso,
tal questão deve ser aberta ao contraditório prévio. Neste sentido, cita-se o enunciado nº. 259 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis: “A decisão referida no parágrafo único do art. 190 depende de
contraditório prévio.” (Grupo: Negócios Processuais).
85
DIDIER JR., op. cit., p. 384.

235
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Ou seja, deve-se analisar cada hipótese negocial à luz dos requisitos de


validade e eficácia do negócio.
Assim, para compreensão das validades da intimação das partes via What-
sApp, bem como para compreender as razões da impossibilidade de aplicação
desta contra a aceitação da parte a ser intimada, passa-se à investigação do re-
quisito da vontade, ora apontado.

5.1 VONTADE

Consoante analisado, o negócio processual é resultado da dialeticidade


e da comparticipação processual, não podendo, jamais, ser imposto a qualquer
das partes86.
De acordo com Hiralde e Causse, “[...] el acuerdo de voluntades es el presu-
puesto de todo negocio jurídico procesal”87. Em suma, dado a comparticipatividade
inerente à técnica, a vontade é condição geradora do negócio processual.
Theodoro Júnior et al. observam que, se no Direito Civil, a doutrina muito
discutiu acerca da necessidade da vontade – para que lhe seja atribuída condição
de geradora do negócio jurídico – seja ou não uma vontade declarada, na seara
processual fica claro que toda a vontade para a criação de um negócio jurídico
processual carecerá de formalização e, por isso, de ostensividade. Além disso,
não é suficiente que haja declaração; a vontade para fins processuais negociais
deverá também ser de conhecimento de seu destinatário.88
Assim, a exteriorização de vontade do sujeito que implica no exercício
de um poder de regular, em maior ou menor medida, o conteúdo de situações
jurídicas processuais, significa a existência de um negócio jurídico processual.89
Yarshell, partindo inicialmente dos elementos gerais intrínsecos do negó-
cio, exige que ele “[...] resulte de processo volitivo, caracterizado por adequada
consciência da realidade, em ambiente de liberdade de escolha e de boa-fé”. Do
contrário, “[...] o negócio poderá ser anulado por vício resultante de erro, dolo
ou coação”.90
86
Frisa-se, no entanto, que a única exceção à referida regra é a hipótese de negócio processual unilateral, onde
uma das partes pratica determinada conduta, com efeitos predispostos na legislação, produzindo efeitos no
processo.
87
VEGA, Germán Hiralde; CAUSSE, Frederico. La celeridad procesal a cargo de las partes (invitación del
proprio juez de la causa). In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.).
Negócios processuais. Salvador: JusPodvm, 2015. p. 378.
88
THEODORO JÚNIOR, et al.,op. cit., p. 245; DIDIER JR.; NOGUEIRA, op. cit., p. 245.
89
BOMFIM, Daniela Santos. A legitimidade extraordinária de origem negocial. In: CABRAL, Antônio do
Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodvm, 2015. p. 343.
90
YARSHELL, op. cit., p. 68.

236
Não por outra razão, conforme ressaltado na nota de rodapé nº. 8 de que
as disposições do art. 3º da Portaria Conjunta nº 19/2016-TJ, de 29 de novem-
bro de 2016 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte de que é necessária
a adesão voluntária da parte, mediante preenchimento de formulário próprio
para ocorrência da intimação via WhatsApp, se repetem em todas as portarias
e resoluções voltadas para a utilização da ferramenta como meio de intimação.
Aqui, faz-se inexorável relembrar a equivocada decisão proferida pelo
juiz da Vara do Trabalho de Três Corações/MG nos autos do Processo de nº.
0010627-79.2015.5.03.0147, no qual foi acolhido o pleito (formulado pelo
reclamante) de intimação das reclamadas pelo WhatsApp, sem qualquer ma-
nifestação de vontade prévia destas, resultando em manifesta situação de ato
processual nulo, nos termos dos arts. 274 e 276 do CPC.
Assim, além de nulo, uma vez imposto por qualquer dos sujeitos proces-
suais (atitude claramente não com participativa) o negócio processual pode ser
anulado caso constatadas as hipóteses de vícios da vontade elencadas no Código
Civil91. Para Didier, convenção processual celebrada mediante coação ou em erro
pode ser anulada, por exemplo, nos termos do art. 177 do Código Civil, sendo,
para tanto, necessária a provocação do interessado para a anulação do negócio.92
É importante ressaltar que, dado a curial importância da vontade para a
interpretação dos negócios jurídico-processuais, nos termos do Enunciado nº. 404
do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “[...] nos negócios processuais,
atender-se-á mais à intenção consubstanciada na manifestação de vontade do
que ao sentido literal da linguagem”.
Por conseguinte, mostra-se inválida qualquer convenção celebrada contra
a vontade dos sujeitos que a ela se submeterão, não podendo, desse modo, ser o
negócio processual imposto pelo juiz no intento de “melhor organizar” a gestão
cartorária.
Negócios processuais, conforme já dito à exaustão, são legitimados pelo
modelo comparticipativo de processo, atrelado às premissas da democracia, não
podendo jamais resultar de ato de imposição de qualquer dos sujeitos processuais.

91
Neste sentido, Enunciado nº. 132 do Fórum Nacional de Processualistas Civis: “Além dos defeitos
processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos
atípicos do art. 190” (Grupo: Negócios Processuais).
92
DIDIER JR., op. cit., p. 390.

237
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente estudo percebeu-se que para a adequada imple-


mentação da técnica de negociação processual instituída pelo CPC/2015, e, em
especial, da intimação das partes via WhatsApp, tal como autorizado pelo Con-
selho Nacional de Justiça – CNJ, é necessário partir-se de uma nova premissa.
As alterações legislativas (e sistêmicas) implementadas pelo Novo CPC,
em especial a possibilidade de celebração de negócios processuais, já revela uma
tendência de democratização do processo, adotando um direito mais eficiente e
próximo da sociedade e da solução das demandas.
A própria concepção de que o processo civil, por ser ramo do direito pú-
blico, estaria revestido apenas por normas cogentes e indisponíveis (insuscetíveis
de alteração), já se mostra ultrapassada.
A título de exemplo poder-se-ia mencionar o Direito Francês, no qual o
enquadramento do processo civil como ramo do direito público já foi abando-
nada, sendo certo que o mesmo (na atualidade) é denominado droit judiciaire
prive, ou, traduzido livremente, ‘Direito Judiciário Privado’, uma vez que se
entende que o processo civil encontra-se situado entre o direito público e o direito
privado, não se vinculando de forma definitiva a nenhum deles.
A evolução da sistemática processual civil no direito brasileiro direciona-
-se para a flexibilização do procedimento em prol da implementação de maior
efetividade do processo, enquanto metodologia constitucional de concretização
dos direitos.
É evidente que o processo rígido e inflexível nem sempre oferta, com
eficiência e celeridade, o que as partes desejariam para a solução de seu conflito.
Neste sentido, é necessário buscar a construção de um direito processual,
pautado em um paradigma democrático, que perceba a importância do papel
de todos os sujeitos processuais na gestão e controle do processo.
Os negócios processuais são, neste sentido, exemplos claros que o processo
não é obra exclusiva do julgador, bem como que o contrato também não é obra
exclusiva das partes. O procedimento jurisdicional pode sim empregar soluções
negociais em prol de sua efetividade.
A adequada administração da justiça é de interesse de todos os sujeitos
processuais, não apenas do órgão jurisdicional, em especial ao se considerar que
os maiores interessados na efetiva resolução do litígio são as partes.
Com efeito, revela-se essencial a compreensão dos requisitos para imple-
mentação do WhatsApp como ferramenta de intimação das partes nos processos

238
judiciais, haja vista se tratar de modificação das regras (estabelecidas pelo CPC)
destinadas a regulamentar o referido ato processual.
A referida compreensão perpassa pelo conhecimento da maneira correta
de implementação e da percepção da amplitude do instituto, em especial no
que tange a seus limites, haja vista que, no Modelo Constitucional de Processo,
jamais poderia ser considerada válida a utilização coercitiva da referida tecnologia
para fins de intimação das partes.
Com efeito, qualquer tentativa de imposição pelo juiz da referida ferra-
menta, sob o pretexto de “melhor organizar” a gestão cartorária, resultaria em
ato eivado de nulidade.
Conforme já dito, negócios processuais são legitimados pelo modelo com-
participativo de processo, atrelado às premissas da democracia, não podendo
jamais resultar de ato de imposição de qualquer dos sujeitos processuais.

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243
EXECUÇÃO APÓS 01 ANO DE VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL

Gustavo Chalfun*

Em 16 de março de 2015 foi sancionado o Novo Código de Processo


Civil trazendo inovações ao processo civil e buscando reduzir a morosidade do
judiciário, com uma maior organização do sistema processual, além de buscar
maior efetividade na tutela jurisdicional.
No processo Executivo não houve grandes inovações, uma vez que já
havia passado por uma grande reforma pelas Leis 11.232/2005 e 11.382/2006.
A Execução no NCPC positivou alguns entendimentos jurisprudenciais
consolidados para tornar mais célere a possível satisfação do credor.
Assim, no artigo 827, caput, do NCPC, preconiza que o juiz ao determinar
a citação do executado, fixará de plano os honorários advocatícios de 10% (dez
por cento), dando margem para a fixação de honorários também nos embargos
à execução eventualmente apresentados.
Há entendimentos que reconhecem a existência de duas ações, uma de
execução e uma de embargos, admitindo a fixação de duas verbas sucumbenciais,
limitada no valor de 20% do valor executado, porém, há outro entendimento de
que a sucumbência é recíproca mesmo em ações distintas e outro que entende
ser irrelevante essa discussão, pois o valor total nunca poderá ultrapassar os 20%
do valor executado.
Dessa forma, consagrou-se no §2º do artigo 827 do NCPC que o valor
dos honorários poderá ser elevado até 20% quando rejeitados os embargos à
execução, prevendo-se, ainda, que o acréscimo poderá ocorrer sem a oposição
de embargos pelo executado, se o juiz verificar ao final do processo, que houve
trabalho desenvolvido pelo patrono do exequente que justifique o aumento.
A presente regra foi positiva, uma vez que uma execução complexa, mes-
mo sem embargos, poderá ensejar uma condenação em honorários superior aos
10% fixados originalmente.
O artigo 829 do NCPC, em seu parágrafo 2º, inovou com a
possibilidade do exequente indicar, na petição inicial, bens do executado a serem
penhorados, o que não impedirá que o executado indique bens a serem penho-
Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, Professor Universitário e
*

Secretário-Geral da OAB/MG.

245
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

rados, todavia, só será aceita pelo juiz essa indicação se justificá-la na menor
onerosidade e na ausência de prejuízo ao exequente.
É indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens
têm estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca
sem limites da satisfação do exequente.
O artigo 833 do NCPC prevê o rol dos bens absolutamente impenhoráveis
e em seu inciso IV prescreve que:

Art. 833. São impenhoráveis:


[...]
IV- os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões,
os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas
por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do de-
vedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo
e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º;
[...]
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica
à hipótese de penhora para pagamento de prestação ali-
mentícia, independentemente de sua origem, bem como às
importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos
mensais, devendo a constrição observar o disposto no art.
528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

Dessa forma, apesar de haver a previsão de que o salário e demais venci-


mentos são impenhoráveis, o §2º do artigo 833 ressalva duas exceções que per-
mitem a penhora, a primeira em relação à execução de alimentos em percentual
que possibilite a subsistência do executado-alimentante e no valor excedente a
50 salários mínimos mensais.
Assim, o NCPC inovou na penhora de salários e rendimentos prescreven-
do a exceção à regra de impenhorabilidade, em seu artigo 833, §2º, que aduz
que se ultrapassar 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, aquilo que exceder
pode ser penhorado.
O artigo 835 do NCPC regulamenta a ordem de preferência da penhora
de forma que havendo diferentes bens no patrimônio do executado e não sendo
necessária a penhora de todos eles, alguns prefiram a outros, conforme a ordem
estabelecida pelo legislador.
A utilização do termo “preferencialmente” no artigo 835, caput, do Novo
CPC, demonstra que a ordem a ser seguida não é rígida, podendo ser modificada

246
pelo juiz no caso concreto, devendo ser devidamente justificada, e baseada nos
princípios da menor onerosidade do executado e a maior efetividade da execução.
Dito isso, o legislador buscou facilitar com a ordem de penhora maneiras
mais fáceis e simples para a satisfação do crédito exequente, podendo ser feita fora
da ordem, porém sempre respeitando os interesses e concordância do exequente.
Outrossim, há novidade no §2º do artigo 836 do Novo CPC indicando
que o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório
dos bens, até ulterior determinação do juiz.
Destarte, a lei nomeia como depositário dos bens encontrados, o executado
e apesar de não se tratar de ato de penhora, a nomeação legal de depositário tem o
efeito de destacar os bens encontrados do patrimônio do executado, para futuras
deliberações do juiz, que permitirá ou não a penhora total ou parcial destes bens.
Outra inovação foi no §1º do artigo 840, no sentido de que não havendo
depositário judicial no juízo, os bens que restarem em seu poder serão depositados
em poder do exequente, salvo se o juiz entender necessária, para a segurança do
bem e da efetividade da execução, a indicação de um terceiro como depositário
ou a hipótese do inciso III que aborda sobre os imóveis rurais.
Além disso, o artigo 841 do Novo CPC, positivou uma inovação na
intimação do executado, onde o legislador considerou que se o executado for
intimado pessoalmente e mudar de endereço sem prévia comunicação ao juízo
(artigo 274), será considerado intimado.
Ademais, outra novidade, foi o §7º do artigo 916 que vedou expressamente
o parcelamento da execução quando se tratar de cumprimento de sentença, uma
vez que deveria equilibrar o direito do credor de receber o crédito e do devedor
de quitar de acordo com suas condições.
Portanto, ao analisarmos as inovações da execução no NCPC, verifica-se
que positivaram entendimentos jurisprudenciais importantes, bem como torna-
ram o processo executivo mais célere, trazendo maior previsibilidade de atuação
dos juízes, resultando em maior segurança jurídica às partes.

247
PROCESSO DE EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
NO CPC/2015: inovações e alterações

Sebastião José Vieira Filho*


Bárbara Angeli Vieira*

RESUMO: 1 Observações introdutórias. 2 Alterações e inovações na execução


em geral (processo de execução e cumprimento de sentença). 2.1 Prazos. 2.2
Protesto da sentença. 2.3Inclusão do executado em cadastros de inadimplentes.
2.4 Requisitos da petição (cumprimento de sentença e execução de título
extrajudicial). 2.5 Penhora. 2.6 Multa de 10% no cumprimento de sentença.
2.7 Prazo para impugnação ao cumprimento de sentença. 2.8 Honorários
advocatícios. 2.9 Legitimidade das partes. 2.10 Títulos executivos judiciais.
2.11 Títulos executivos extrajudiciais. 2.12 Competência e suas alterações. 2.13
Procedimentos. 2.14 Recursos. 2.15 Favor legal: moratória - parcelamento do
débito. 3 Alterações e inovações na execução de prestação alimentícia.

1 OBSERVAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Antes do atual Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), a realização


de execuções, tanto de títulos judiciais quanto extrajudiciais, já havia passa-
do por significativas modificações, que alteraram o CPC/1973, através da lei
11.232/2006, que instituiu o procedimento de cumprimento de sentença, e da
lei 11.382/2006, que alterou procedimentos da execução de títulos extrajudiciais.
O novo Código, embora mantendo grande parte do que já vigorava, introduziu
novas alterações e inovações, aperfeiçoando os procedimentos que envolvem as
execuções em geral, seja no processo de execução, que engloba os títulos executivos
extrajudiciais (art. 771 e seg.), seja na execução de títulos judiciais, denominada
cumprimento de sentença (art. 513 e seg.), além de disposições legais que dizem
respeito ao processo civil em geral, mas que têm reflexos na execução, como as
“normas fundamentais” previstas nos arts. 1º ao 12, onde se destacam: o art. 1º,
que ressalta “[...]os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Consti-
tuição da República Federativa do Brasil”; o art. 2º, que destaca os princípios da
inércia da jurisdição (o processo depende de iniciativa da parte) e da oficialidade
*
Advogado. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/MG. Pós-graduado em Direito Processual Civil –
Professor titular de Direito Processual Civil da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
*
Advogada Pós-graduanda em Direito Administrativo – PUC/MG.

249
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

(o processo, uma vez instaurado, desenvolve-se por impulso oficial); o art. 9º, que
assenta o princípio do contraditório, embora este não tenha, na execução, uma
aplicação tão vigorosa quanto nos processos de conhecimento, já que a execução
pressupõe a existência de obrigação já reconhecida em título executivo, judicial
ou extrajudicial; e o art. 6º, que impõe a “[...] todos os sujeitos do processo” o
dever de cooperação.
O novo diploma processual civil, especialmente no que diz respeito às
execuções, positivou entendimentos jurisprudenciais consolidados, promoveu
melhor sistematização do cumprimento de sentença e estabeleceu novas regras
gerais e específicas, buscando tornar efetiva a satisfação do direito reconhecido
nos títulos executivos e a maior celeridade da execução, em consonância com o
princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º inc. LXXVIII).
O processo de execução, que é autônomo e o cumprimento de sen-
tença, que é uma fase do processo precedida pela fase de conhecimento, têm
procedimentos específicos, mas, ao primeiro (processo de execução), aplicam-se
subsidiariamente, no que couber, as disposições do segundo (art. 771) e a este
(cumprimento de sentença), se aplicam disposições do primeiro (parte final do
art. 513).
Nas execuções coloca-se em relevo o interesse do credor, já que o executado
fica em estado de sujeição, atuando o Estado-Juiz com medidas coercitivas lícitas,
realizadas em benefício do credor (CPC, art. 797) visando assegurar o efetivo
cumprimento das obrigações exequendas, diversamente da fase de conhecimento,
onde há isonomia de tratamento das partes. Todavia, os procedimentos devem
se sujeitar aos ditames da lei, não podendo a execução ser meio de obtenção,
pelo credor, de algo superior àquilo que o título executivo lhe confere, tampou-
co instrumento de vindita ou capaz de levar o devedor a situações degradantes,
incompatíveis com o princípio da dignidade humana a todos assegurado pela
Constituição Federal como garantia fundamental.
Destaca-se ainda o princípio da tipicidade, realizando-se a execução por
meios executivos típicos, recaindo, em regra, sobre o patrimônio (CPC, art.
789) e não sobre a pessoa do devedor, sendo expressamente vedada a prisão
por dívida, salvo a excepcionalidade da prisão por inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia (CF, art. 5º inc. LXVII). Os meios atípicos
constituem exceção e, como tal, só podem ser realizados em caráter subsidiário
e não devem ser confundidos com sanções, sua aplicação é restrita e deve ser
claramente demonstrado o seu cabimento, razoabilidade e utilidade, com fiel
observância dos princípios fundamentais constitucionalmente assegurados.

250
As medidas previstas no art. 139, inc. IV não são aplicáveis ilimitadamente;
ao contrário, subordinam-se aos princípios e normas que regem a execução, in-
clusive o contraditório (art. 9º). O devedor que não paga porque não tem suporte
patrimonial capaz de garantir o pagamento não pode ser punido em razão do seu
estado de pobreza ou insolvência, devendo, neste caso, ocorrer a suspensão da
execução (art. 921). Por mais que o credor e o juiz não gostem dessa situação, não
pode ser tolerado nenhum ato criativo à margem da lei com o intuito de coagir
o devedor ao pagamento, sendo inúteis medidas como confisco de passaporte e
de carteira de motorista, restrições a direitos pessoais do devedor e outras que se
caracterizam apenas como sanções impróprias e ilegais.

2 ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES NA EXECUÇÃO EM GERAL


(PROCESSO DE EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE SEN-
TENÇA)

Dentre as principais alterações e inovações introduzidas pelo vigente Có-


digo de Processo Civil (Lei 13.105/2015), destacam-se:

2.1 PRAZOS

Passam a ser contados em dias úteis os prazos processuais (art. 219).

2.2 PROTESTO DA SENTENÇA

A decisão judicial, após o trânsito em julgado e decorrido o prazo para


pagamento voluntário, poderá ser levada a protesto (art. 517). A decisão inter-
locutória que fixa alimentos e o “[...] título executivo extrajudicial que contenha
obrigação alimentar” também poderão ser objeto de protesto (arts. 528 § 1º e
911, parágrafo único). Trata-se de providência que cabe à parte credora – não
se realizando de ofício – o que já era admitido pela jurisprudência1. Todavia,
havendo ação rescisória para impugnar a decisão exequenda, poderá o executado,
“[...] às suas expensas e sob sua responsabilidade [...]”, requerer a anotação da
propositura da ação à margem do protesto (art. 517 § 3º). Quanto aos títulos
extrajudiciais em geral, o protesto já era cabível (Lei 9.492/97).
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 750.805-RS, Terceira Turma. Relator: Min.
1

Humberto Gomes de Barros. Brasília, 14 de fevereiro de 2008. Diário de Justiça: 16 jun. 2009; BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 291.608-RS. Relator: Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva. Brasília, 26 de agosto de 2013. Diário de Justiça: 30 ago. 2013.

251
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

2.3 INCLUSÃO DO EXECUTADO EM CADASTROS DE INA-


DIMPLENTES

Trata-se de providência agora possível, a requerimento do credor, prevista


no processo de execução (art. 782 § 3º), mas que também poderá ser adotada
no cumprimento de sentença (art. 771 e § 5º do art. 782).

2.4 REQUISITOS DA PETIÇÃO (CUMPRIMENTO DE SENTEN-


ÇA E EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL) – (ARTS.
524 E 798-I)

O art. 319 exige, no inc. III, a indicação do “[...] fato e os fundamentos


jurídicos do pedido” e, no inc. VI, a especificação das provas. Tais requisitos
não se aplicam à execução, que é constituída de atos materiais para satisfação do
direito já reconhecido no título executivo, judicial ou extrajudicial.
Embora aparentemente sem relevância, a exigência de identificação com-
pleta das partes, inclusive com indicação de inscrição no CPF/CNPJ, contida
no art. 524 inc. I, é importante para a adoção de medidas executivas, como o
bloqueio – conhecido como penhora on-line – de saldos bancários e aplicações
financeiras, além de evitar medidas contra homônimos. Os incisos II a VI, esta-
belecem outros requisitos, que envolvem a correta demonstração da obrigação
exequenda, com todos os seus acessórios (principal, juros, correção monetária
e multas), decorrentes do título executivo, da lei e do contrato, de modo a
possibilitar a exata compreensão do que está sendo cobrado e a possibilitar ao
juiz a verificação dos cálculos, bem como permitir ao executado apontar even-
tuais excessos. O demonstrativo do débito já era exigido no art. 614 inc. II do
CPC/1973, mas no atual Código foi mais bem detalhada a exigência. A indicação
dos bens passíveis de penhora (inc. VII) não é requisito imprescindível, mas deve
ser cumprido pelo credor, não só por observância ao princípio da cooperação,
previsto no art. 6º, mas também por ser ele o maior interessado no fim almejado
(satisfação da obrigação), em benefício de quem a execução se realiza.

2.5 PENHORA (ART. 831 ET SEQ.)

O inc. XII do art. 833 explicitou a impenhorabilidade de “[...] créditos


oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação
imobiliária, vinculados à execução da obra”.
Foi relativizada a impenhorabilidade prevista no inc. IV, que envolve

252
[...] os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de aposentadorias, as pensões,
os pecúlios e os montepios, bem como as quantias rece-
bidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento
do devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador
autônomo e os honorários de profissional liberal,

permitindo a penhora “[...] para pagamento de prestação alimentícia [...]”


e também das “[...] importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos
mensais [...]” (§ 2º). O afastamento da impenhorabilidade para pagamento de
dívida alimentícia independe da origem da prestação, o que possibilita a penhora
para pagamento de alimentos devidos em razão de ato ilícito.

2.6 MULTA DE 10% NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

O inadimplemento voluntário, no prazo legal, da obrigação de pagar


quantia certa fixada em condenação judicial ou apurada em liquidação enseja o
acréscimo da multa de 10% sobre o valor total da dívida (art. 523 § 1º).
O art. 475-J do CPC/1973 já previa a multa, mas a lei era omissa quanto
à necessidade de intimação do devedor e ao cômputo do prazo para incidência
da penalidade, o que gerou dúvidas e decisões discrepantes de vários Tribunais,
inclusive do STJ. O novo Código: a) disciplinou adequadamente a questão, es-
tabelecendo com clareza o prazo para o devedor pagar espontaneamente o valor
da condenação e se livrar da multa (art. 526: enquanto não for intimado para
pagar e art. 523: até 15 dias após a intimação); b) regulamentou a intimação do
devedor (art. 513) – intimação na pessoa do procurador, se houver e na pessoa
do próprio devedor, por carta com aviso de recebimento, “quando representado
pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos”
(§ 2º) e quando o cumprimento de sentença for requerido após um ano do
trânsito em julgado (§ 4º); c) esclareceu que, em caso de pagamento parcial, a
multa e os honorários advocatícios incidirão apenas sobre a diferença apurada
(art. 523 § 2º e art. 526 § 2º); d) fixou a incidência da multa no cumprimento
provisório da sentença (art. 520 § 2º), o que não estava previsto no CPC/1973
e o STJ entendia não ser devida.2

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial
2

nº 1.229.705-PR, Terceira Turma. Relator: Min. Sidnei Beneti. Brasília, 19 de abril de 2012. Diário de
Justiça: 7 maio 2012.

253
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

2.7 PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA (ART. 525)

O prazo para impugnação, pelo executado, foi mantido em 15 (quinze)


dias (art. 525), contados estes em dias úteis (art. 219). O devedor é intimado,
na pessoa do seu advogado para, em quinze dias, contados a partir da intimação,
efetuar o pagamento da condenação (art. 523); transcorrido esse prazo e indepen-
dente de nova intimação, inicia-se automaticamente o prazo para a impugnação,
que é feita nos mesmos autos. Assim, tem o devedor o prazo de quinze dias para
pagar e a partir daí outros quinze dias para impugnar.
O CPC/1973 (art. 475-J § 1º) previa o início do prazo após a intimação
da penhora, o que constituía verdadeira anomalia, contrariando o princípio da
razoável duração do processo (CF, art. 5º inc. LXXVIII), visto que, enquanto
não realizada a penhora, permanecia o devedor na cômoda posição de não ver
iniciado o seu prazo para impugnação.

2.8 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: “justos e sagrados honorá-


rios” (arts. 85, 523 § 1º, 827 e Lei 8.906/94, art. 23)

Quando da sentença (fase de conhecimento), não tem o julgador como


avaliar trabalhos futuros, que poderão ou não ocorrer, como por exemplo, re-
cursos, cumprimento de sentença e acompanhamento de impugnação, já que o
vencido poderá até mesmo aceitar a condenação e adimplir espontaneamente a
obrigação, portanto, os honorários de sucumbência fixados na sentença referem-se
aos trabalhos até ali realizados pelo advogado.
O atual Código de Processo Civil estabeleceu critérios mais adequados
e consentâneos com a realidade (art. 85 et seq.), valorizando o trabalho do
advogado como profissional indispensável à realização da justiça (CF, art. 133).
Além dos honorários de sucumbência fixados na sentença condenatória
que encerra a fase de conhecimento (art. 85), são devidos novos honorários na
fase de cumprimento de sentença (art. 85 § 1º). Esse entendimento já estava
pacificado na jurisprudência (Súmula 517 do STJ), mas foi agora positivado no
novo diploma legal, que fixou também o percentual devido em 10% (dez por
cento) do valor da execução (art. 523 § 1º), o que antes ficava ao prudente ar-
bítrio do juiz, mediante critérios até certo ponto subjetivos, já que o percentual
e a base de cálculos não eram expressamente previstos.
No cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, quando houver
a expedição de precatório, não haverá a incidência de honorários (art. 85 § 7º),

254
sendo devidos apenas os fixados na sentença, com observância dos critérios pre-
vistos nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 85 e eventualmente majorados (§ 11).
Também não haverá incidência de honorários em caso de rejeição da
impugnação ao cumprimento de sentença (Súmula 519 do STJ)3, já que não se
trata de ação, como os embargos do devedor, mas de simples incidente, todavia,
acolhida a impugnação, haverá incidência de honorários a serem suportados pelo
exequente (art. 85 § 1º), fixados nos mesmos parâmetros adotados para fixação
dos honorários que seriam devidos ao advogado do exequente (art. 523 § 1º),
salvo se o acolhimento da impugnação for apenas parcial, caso em que serão
consideradas as disposições do § 2º do art. 85.
Havendo recursos, os honorários fixados na primeira instância deverão ser
majorados pelo Tribunal competente (art. 85 § 11), independente de “[...] multas
e outras sanções processuais [...]”, que “[...] são cumuláveis [...]” (art. 85 § 12).
Na execução de título extrajudicial, os honorários advocatícios a serem
pagos pelo executado deverão ser inicialmente fixados pelo juiz em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da execução (art. 827), mas: a) serão reduzidos
pela metade em caso de pagamento integral da dívida pelo executado “[...] no
prazo de 3 (três) dias [...]” (art. 827 § 1º), “[...] contado da citação [...]” (art.
829); b) poderão ser majorados até o limite de 20% (vinte por cento), em duas
hipóteses: quando rejeitados os embargos opostos pelo executado ou, mesmo
não havendo embargos, “[...] ao final do procedimento executivo, levando-se em
conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente” (art. 827 § 2°).
No caso de parcelamento do débito (art. 916), a parcela de honorários
será integralmente devida e deverá ser depositada, juntamente com as custas
processuais, no mesmo prazo para depósito da parcela inicial de 30% do valor da
execução, não havendo a sua redução à metade (art. 827 § 1º), o que só poderá
ocorrer em caso de pagamento integral, no prazo legal de 03 (três) dias.

2.9 LEGITIMIDADE DAS PARTES

No cumprimento de sentença, não poderá figurar no polo passivo (exe-


cutado) fiador, coobrigado ou corresponsável “[...] que não tenha participado da
fase de conhecimento [...]” (art. 513 § 5º), o que já era objeto da Súmula 268
do STJ, mas foi agora positivado na lei. Há, todavia, a ressalva da substituição

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 519, Corte Especial. Na hipótese de rejeição da impugnação
3

ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios. Brasília, 26 de fevereiro de 2015.
Diário de Justiça: 2 mar. 2015.

255
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

processual da parte pelo espólio ou pelos herdeiros e do novo devedor que assumir
a dívida com o consentimento do credor (art. 779 incs. II e III).
Em caso de sentença penal condenatória, cabível a sua execução somente
contra quem foi imposta a condenação, eventuais outros responsáveis civilmente
terão que ser demandados em processo regular (conhecimento), com respeito às
garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
O advogado, sendo o titular dos honorários de sucumbência (Lei
8.906/1994, art. 23), deverá figurar no polo ativo do cumprimento de sentença,
com a discriminação da parcela correspondente, já que ninguém poderá pleitear,
em nome próprio, direito alheio (art. 18), embora a execução dessa parcela possa
ser conjunta com a condenação em favor da parte.

2.10 TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS (ART. 515)

O novo CPC trouxe significativas alterações quanto aos títulos executivos


judiciais (art. 515), destacando-se:

a) substituição da expressão “sentença” por “decisões pro-


feridas no processo civil”, constituindo portanto títulos
executivos judiciais quaisquer “decisões” que reconheçam
a exigibilidade de obrigação “de pagar quantia, de fazer, de
não fazer ou de entregar coisa” (inc. I);
b) inclusão, nas decisões homologatórias de autocomposição,
das decisões que homologam acordos extrajudiciais (inc.
III);
c) inclusão de créditos de auxiliares da justiça, quando apro-
vados por decisão judicial, o que engloba quaisquer “au-
xiliares da justiça”, como depositários, administradores e
quaisquer outros (inc. V) e não apenas os que eram men-
cionados no art. 585-VI do CPC/73, que, além do mais,
embora aprovados por “decisão judicial”, estavam no rol
dos títulos extrajudiciais e agora passam, acertadamente,
a ser executados pelo procedimento de cumprimento de
sentença;
d) inclusão de “decisão interlocutória estrangeira, após a con-
cessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribu-
nal de Justiça” (inc. VIII). No CPC/1973 havia previsão,
apenas, para a “sentença estrangeira” homologada pelo STJ.

256
2.11 COMPETÊNCIA (ARTS. 516 E SEG., 528 § 9º E 781)

Não houve alteração significativa no que era previsto pelo art. 475-P do
CPC/1973, sendo apenas acrescentado, na competência do juízo cível (art. 516,
inc. III), o “[...] acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo [...]”, o que, entre-
tanto, não prevalece, já que foi vetado o inc. X do art. 515, que incluía entre os
títulos judiciais o acórdão de Tribunal Marítimo.
Como exceção ao princípio da perpetuação da jurisdição (art. 43), foi man-
tida a possibilidade de alteração da competência, como uma faculdade (opção)
do credor, mediante simples requerimento ao “juízo de origem”, com a remessa
dos autos (e não de cópias deste) para realização do cumprimento da sentença
em outro juízo, a critério do credor, que poderá ser: domicílio atual do devedor,
onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou onde deva ser executada a
obrigação de fazer ou de não fazer (art. 516, parágrafo único).
Na execução de alimentos, o credor tem mais uma opção: o seu domicílio
(art. 528 § 9º).
Quanto à competência para processamento da execução de títulos extra-
judiciais, o novo CPC (art. 781) apresenta disposições mais claras do que era
previsto no art. 576 do CPC/1973, que por sua vez remetia aos arts. 91 a 124
do código revogado.
Embora não prevista expressamente a possibilidade de continuação da
execução em juízo diverso daquele onde foi proposta a ação de execução, enten-
de-se, à semelhança do cumprimento de sentença em juízo diverso daquele onde
foi proferida a sentença (art. 516), como perfeitamente possível a medida, seja
pela aplicação subsidiária prevista no parágrafo único do art. 771, seja porque
isso atende ao princípio da maior efetividade da execução, não fere direito do
executado e não há razão que possa justificar a impossibilidade de alteração da
competência. Portanto, além da faculdade que tem o credor de ajuizar a ação em
um ou outro foro conforme prevê o art. 781, após o ajuizamento da ação poderá
ser pleiteada a remessa dos autos para outro juízo, onde prosseguirão as medidas
executivas que deverão ser cumpridas (art. 516, parágrafo único), evitando-se a
expedição de cartas precatórias para a prática de determinados atos, o que seria
mais oneroso e injustificável.

2.12 PROCEDIMENTOS

Tanto o processo de execução (títulos extrajudiciais), quanto o cumpri-


mento de sentença, mesmo constituindo este uma fase do processo já instaurado,

257
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

dependem sempre de requerimento do credor-exequente (princípio da inércia


da jurisdição, art. 2º e arts. 522/523).
O cumprimento de sentença, constituindo uma fase do processo e a im-
pugnação, como mero incidente, sem caráter de ação (diversamente dos embargos
na execução de título extrajudicial), realizam-se nos mesmos autos (art. 525).
Em caso de execução provisória, esta se realizará em autos suplementares, com
apresentação pelo credor, além da petição de instauração da fase de cumprimento,
de cópias das peças expressamente exigidas, não sendo o processo eletrônico (art.
522 e parágrafo único).
O conteúdo da impugnação está restrito às questões previstas no § 1º do
art. 525, sendo vedada, em respeito à coisa julgada material (art. 502), a discus-
são quanto ao mérito do que já foi resolvido pela decisão exequenda. Qualquer
causa “[...] modificativa ou extintiva da obrigação [...] desde que superveniente
à sentença [...]”, poderá ser objeto de arguição em impugnação (inc. VII do art.
525). A alegação de “[...] impedimento ou suspeição [...]” deverá ser feita em
“petição específica” (§ 2º do art. 525 c/c art. 146).
Questões inerentes à “[...] validade do procedimento de cumprimento da
sentença e dos atos executivos subsequentes [...]” são arguidas e decididas “[...]
nos próprios autos [...]” (arts. 518 e 525 § 11).
Assim como cabe ao exequente apresentar, com o requerimento da exe-
cução, o “[...] demonstrativo do débito atualizado [...]” (arts. 524 e 798 inc. I
alínea “b”), cabe ao executado, em embargos à execução de título extrajudicial ou
em impugnação ao cumprimento de sentença, nos casos de alegação de excesso
de execução, apresentar o seu “[...] demonstrativo discriminado e atualizado do
débito [...]” e a indicação do “[...] valor que entende correto [...]” (arts. 917 §
3º e 525 § 4º), sob pena de rejeição liminar dos embargos ou da impugnação,
quando a alegação de excesso de execução for o seu único fundamento ou não
apreciação da alegação de excesso, quando existirem outros fundamentos (art.
917 § 4º incs. I e II e art. 525 § 5º).
Tanto os embargos à execução quanto a impugnação ao cumprimento
de sentença independem de estar “[...] garantido o juízo com a penhora [...]” e
não têm efeito suspensivo (arts. 919 e 525 § 6º), o que, entretanto, poderá ser
concedido quando “[...] verificados os requisitos para a tutela provisória [...]”
(nos embargos) ou “[...] seus fundamentos forem relevantes e se o prossegui-
mento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave
dano de difícil ou incerta reparação [...]” (na impugnação); mas, para tanto,
será imprescindível a garantia por “[...] penhora, caução ou depósito suficientes

258
[...]” (arts. 919 § 1º e 525 § 6º). Não obstante, ainda que concedido o efeito
suspensivo na impugnação, a execução poderá prosseguir, a requerimento do
credor e mediante caução “[...] suficiente e idônea [...]” arbitrada pelo Juiz, nos
próprios autos (art. 525 § 10). Não há previsão legal para o prosseguimento da
execução nos casos de concessão de efeito suspensivo aos embargos, o que implica
em suspensão da execução (art. 921 inc. II).

2.13 RECURSOS (ARTS. 1.009 E 1.015)

Das decisões interlocutórias quanto à liquidação e ao cumprimento de


sentença, inclusive a impugnação, cabe recurso de agravo de instrumento (art.
1.015 parágrafo único), enquanto a decisão que acolhe a impugnação tem na-
tureza de sentença e comporta recurso de apelação (art. 1.009).

2.14 TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS

A lei exige, para embasar a execução, um título formal, escrito, que pre-
encha os requisitos legais que evidencie a existência de “[...] obrigação certa,
líquida e exigível [...]” (art. 783). Logo, simples boletos bancários comumen-
te utilizados em várias transações comerciais, não são títulos executivos, assim
como obrigações assumidas verbalmente, ainda que possam ser comprovadas,
não ensejam execução.
Foram acrescentados no rol dos títulos extrajudiciais (art. 784):

a) o instrumento de transação referendado pela advocacia


pública ou por conciliador ou mediador credenciado pelo
Tribunal (inc. IV);
b) o contrato de seguro de vida, em caso de morte (inc. VI);
c) o crédito de contribuições ordinárias e extraordinárias de
condomínio edilício (inc. X). Neste caso, é indispensável
fixação das contribuições em convenção de condomínio
ou a aprovação dos valores em assembleia geral, o que
deve ser comprovado por documento hábil;
d) a certidão expedida por serventia notarial ou de registro,
relativa a valores de emolumentos e demais despesas
devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas
estabelecidas em lei (inc. XI).

259
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O T.A.C. (Termo de Ajustamento de Conduta), instrumento previsto pela


Lei da Ação Civil Pública, é título executivo extrajudicial (Lei 7.347/85 art. 5º
§ 6º e art. 784 inc. IV do CPC).
As decisões dos Tribunais de Contas têm eficácia de título executivo
(CF, art. 73 § 3º), mas não são títulos judiciais porque esses órgãos (Tribunais
de Contas) não integram o Poder Judiciário e não têm função jurisdicional.
Poderá haver a inscrição em dívida ativa e a certidão respectiva constituirá título
executivo.
O novo Código permite ao credor, mesmo tendo título executivo ex-
trajudicial, optar pelo processo de conhecimento (art. 785), o que era omisso
no CPC/1973.

2.15 FAVOR LEGAL: moratória – parcelamento (art. 916):

Embora a execução tenha, por fim, a satisfação integral da obrigação a


que o credor tem direito, materializada em título executivo, o CPC/1973, com
as alterações nele introduzidas pela lei 11.382/2006, já previa a possibilidade
de concessão de benefícios ao executado, mediante condições, como estímulo
para que este não viesse a discutir a dívida exequenda através da apresentação
de embargos.
O novo CPC manteve essa possibilidade, com regramento claro, cabendo
ao devedor, para obtenção do favor legal, no prazo para embargos: a) reconhe-
cer expressamente o crédito do exequente, integralmente, não sendo admitido
o reconhecimento parcial; b) comprovar o depósito do valor correspondente
a, no mínimo, 30 (trinta) por cento do valor em execução, compreendendo o
principal e os acessórios legais, bem como o depósito, também, do valor integral
das custas e dos honorários advocatícios a que faz jus o advogado do credor; c)
requerer a permissão para pagamento do saldo da dívida em até 06 (seis) parcelas
mensais e consecutivas, que serão acrescidas de correção monetária e de juros de
um por cento ao mês (art. 916). Quanto à parcela de honorários, não haverá a
sua redução à metade, o que só é previsto para o caso de pagamento integral da
execução (art. 827 § 1º). O inadimplemento, pelo executado, de qualquer das
prestações objeto do parcelamento, implicará no vencimento antecipado das
parcelas subsequentes, com o prosseguimento da execução e aproveitamento dos
atos já praticados (penhora, avaliação e outros que tenham sido realizados) e o
acréscimo de multa de 10% (dez por cento) sobre o saldo devedor (art. 916 § 5º).
O parcelamento da dívida, desde que cumpridas as condições legais
previstas, constitui direito subjetivo do executado e independe de concordância

260
do credor, que será necessariamente ouvido para manifestar-se apenas sobre o
preenchimento dos pressupostos estabelecidos pela lei (§ 2º), o que não era
expressamente previsto no CPC/1973; todavia, o reconhecimento expresso da
obrigação, que é uma das condições exigidas, é irretratável e implica em renúncia
ao direito do executado de opor embargos (§ 6º), mesmo que o benefício venha
a ser indeferido pelo juiz, caso em que a execução prosseguirá, com a manuten-
ção do depósito, que será convertido em penhora e a realização de ampliação de
penhora, até o limite necessário para garantia da execução (§ 4º).
O CPC/1973 era omisso, mas o novo diploma legal é expresso no sentido
de que o benefício do parcelamento da dívida não se aplica ao cumprimento de
sentença (§ 7º). A restrição se justifica porque, ao contrário da execução de título
extrajudicial, onde a defesa do devedor é a mais ampla (através de embargos), no
cumprimento de sentença não há mais o que discutir, a obrigação foi reconhecida
judicialmente por decisão transitada em julgado.

3 ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES NA EXECUÇÃO DE PRESTA-


ÇÃO ALIMENTÍCIA

A execução de prestação alimentícia tem características especiais, com


vistas a ensejar a satisfação do direito do credor com a celeridade que a situação
exige, pois, o beneficiário, dependendo dos alimentos para a sua sobrevivência,
não poderá esperar por um resultado tardio.
O novo CPC trata da matéria em capítulos próprios, onde prevê a execu-
ção não só de alimentos fixados em decisão judicial (cumprimento de sentença,
em que haverá a intimação do devedor), mas também em títulos extrajudiciais
(processo de execução autônomo, com a citação do executado), estabelecendo
de maneira clara os procedimentos aplicáveis.
Os procedimentos de cumprimento de sentença e de execução autôno-
ma (processo de execução – título extrajudicial) sujeitam-se a duas modalidades
(procedimentos) de execução de alimentos:

a) com a penhora e expropriação de bens do executado,


sem a prisão deste (arts. 528 § 8º e 913 c/c 824), com a
intimação (no caso de título judicial) ou citação (no caso
de título extrajudicial) do executado para satisfação da
obrigação em 03 (três) dias, podendo haver embargos à
execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, o

261
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

que, entretanto, não impedirá o prosseguimento da exe-


cução, inclusive com o levantamento, mensalmente, da
importância da prestação, quando a penhora recair em
dinheiro;
b) com a possibilidade de prisão do devedor – para a qual
foi estabelecido o “regime fechado”, mas com o preso “sepa-
rado dos presos comuns” (art. 528 § 4º) – e, inicialmente,
sem a penhora e expropriação de bens, com a intimação
(no caso de título judicial) ou citação (no caso de título
extrajudicial) do executado para, em 03 (três) dias, “pagar
o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade
de efetuá-lo” (art. 528 e 911).Nesta hipótese, que é a regra,
não cumprida a obrigação, ainda que o executado tenha
sido submetido à prisão, a execução prosseguirá com a
penhora e expropriação de bens do devedor (art. 530), já
que o “o cumprimento da pena não exime o executado
do pagamento das prestações vencidas e vincendas” (art.
528 § 5º). Satisfeita a obrigação, a execução perde o seu
objeto e, encontrando-se o devedor preso, ainda que não
vencido o prazo da prisão, esta deverá ser imediatamente
suspensa (art. 528 § 6º).

É de livre escolha do credor o procedimento de realização da execução:


com ou sem prisão do devedor (arts. 528 § 8º e 913). Foi positivado o que já
era o entendimento do STJ.4
Na vigência do CPC/1973, com as alterações da lei 11.232/2006, havia
divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao cabimento ou não do
procedimento de cumprimento de sentença na execução de alimentos. O novo
Código eliminou a dúvida.
Tanto os alimentos definitivos (sentença), quanto os provisórios (decisão
interlocutória), estão sujeitos à execução pelas mesmas regras, sendo ela realizada:
a) em autos apartados, quando se tratar de alimentos provisórios ou fixados em
sentença não transitada em julgado (art. 531 § 1º); b) nos próprios autos, quando
se tratar de alimentos definitivos, mesmo porque o cumprimento de sentença,
com o sincretismo introduzido pela lei 11.232/2006 e mantido no novo Código,
é apenas uma fase do processo e não uma relação processual autônoma, tanto
que não haverá citação, mas intimação do executado.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 28.853-RS, Terceira
4

Turma. Relator: Min. Massami Uyeda. Brasília, 1º de dezembro de 2011. Diário de Justiça: 12 mar. 2012.

262
Manteve o vigente diploma legal a possibilidade de execução direta, me-
diante desconto em folha de pagamento ou retenção dos respectivos valores
em poder de quem tem obrigação de pagar quantias ou rendas ao devedor dos
alimentos (art. 529).
As execuções de alimentos receberam, no CPC/2015, tratamento homo-
gêneo, independentemente da origem da obrigação (arts. 531 e 533), visto que a
nova lei não delimitou o âmbito de sua aplicação. Assim, a princípio, parece que
todas as obrigações alimentícias terão o mesmo tratamento no que diz respeito à
execução, especificamente quanto à possibilidade de prisão do devedor; todavia,
a questão não é tão simples, especialmente quanto aos alimentos decorrentes de
ato ilícito, bem como em relação aos honorários advocatícios, que têm natureza
alimentar (art. 85 § 14), daí a existência de fundada controvérsia.
No projeto do atual CPC aprovado pela Câmara dos Deputados havia
a previsão de que a prisão só se aplicava aos alimentos “legítimos”, que são os
previstos no direito de família, o que foi suprimido na redação final (art. 531).
Com o dispositivo legal sem a restrição, significativa parte da doutrina passou a
admitir a prisão nas execuções de alimentos, qualquer que seja a origem destes,
em contraposição ao entendimento pacificado pela jurisprudência do STJ na
vigência do CPC/19735.
Apesar dos respeitáveis entendimentos em contrário, há situações que
devem ser ponderadas e que parecem justificar a impossibilidade de prisão do de-
vedor por inadimplemento de prestação alimentícia de origem diversa do direito
de família. Os alimentos chamados legítimos decorrem de processo regular em
que, existindo a obrigação de prestar alimentos, estes são fixados com específica
apuração das necessidades de quem pleiteia e a capacidade econômica de quem
deve pagar os alimentos, o que leva à presunção de fixação da obrigação de forma
proporcional e equilibrada, enquanto os alimentos decorrentes de ato ilícito não
são fixados com o mesmo rigor proporcional. Os honorários advocatícios são es-
tabelecidos pelas partes levando-se em consideração principalmente a natureza e a
importância do trabalho (honorários contratuais) e os honorários de sucumbência
são arbitrados, ora em parâmetros já estabelecidos pela lei, como nas execuções
por quantia certa (art. 523 § 2º e 827) ou de acordo com o valor da condenação
ou o proveito econômico obtido pela parte (art. 85 § 2º), sem criteriosa avaliação
das possibilidades do devedor de suportar o encargo. Tais circunstâncias não
guardam a necessária proporcionalidade e razoabilidade nestes casos, podendo
ensejar a drástica medida de prisão de modo injusto e desproporcional, o que se

HC 224.769 julgado em 14/02/2012; HC 182.228 julgado em 01/03/2011; HC 92.100 julgado em


5

13/11/2007; REsp 93.948 julgado em 02/04/1998.

263
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

traduziria em prisão por pobreza, não tolerada pela Constituição Federal (art. 5º
inc. LXVII), que admite a medida extrema apenas em caráter excepcionalíssimo
e a norma de exceção deve ser interpretada restritivamente.

264
OS PRECEDENTES JUDICIAIS NO NOVO CPC

Paulo Roberto de Gouvêa Medina*

SUMÁRIO: 1 O sistema de precedentes: origem e consagração no novo


CPC. 2 Introdução do sistema de precedentes no Direito brasileiro. 3 O juiz
e os precedentes segundo o CPC/2015. 4 Os precedentes na sistemática dos
recursos. 5 Considerações finais.

1 O SISTEMA DE PRECEDENTES: origem e consagração no


novo CPC

Os precedentes judiciais passaram a balizar o julgamento de casos poste-


riores ao seu advento, a partir da experiência consolidada pelo direito inglês. Em
estudo sobre o tema, o eminente advogado José Thomaz Nabuco destaca, como
peculiaridade do sistema jurídico adotado na Inglaterra, a seguinte circunstância:

Uma vez declarado o direito e passada em julgado a sen-


tença, todas as demais decisões judiciárias têm de afirmar,
como lei, o mesmo princípio. O juiz fica obrigado não só
pelas decisões dos tribunais superiores, mas pelas próprias
e pelas dos seus colegas. É o princípio que chamam do sta-
re decisis, “acompanhe os precedentes”, ou “mantenha-se
dentro do que já foi decidido”.1

Trata-se de mecanismo típico da common Law, sistema de direito nascido


na Inglaterra – em geral qualificado como anglo-saxônico -- e que se expan-
diu, com algumas nuanças diferenciadoras, para os Estados Unidos da América,
contrapondo-se ao sistema da civil law ou sistema romano-germânico, a que o
ordenamento jurídico brasileiro se filia2. Orienta-se esse mecanismo pelo prin-

*
Professor Emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Titular da Medalha Rui Barbosa, tem assento no
Conselho Federal da OAB, órgão que integrou, como representante de Minas Gerais, por sete mandatos.
1
NABUCO, José Thomaz. Um Exame de Peculiaridades da Justiça Inglesa. In: ________. O Arresto do
Windhuk: Memórias, ensaios e crônicas. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2003, p. 167.
2
Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: RT,
1999, p. 25 et seq.

265
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

cípio expresso no brocardo stare decisis et non quieta movere3 -- firme-se no que
foi decidido e não mexa com o que está quieto.
O direito inglês é, fundamentalmente, um direito costumeiro e a carac-
terística deste está em que as leis não emanam necessariamente do Poder Legis-
lativo. “Elas brotam, espontaneamente, dos usos e costumes, que são colhidos
pela jurisprudência e transformados em preceitos normativos”.4 O costume é,
assim, revelado pelo juiz e consolidado no precedente, assumindo contornos de
um direito tipicamente pretoriano. Daí a importância dos precedentes que se
vão formando na vida judiciária.
Os países da civil law, nos quais, diversamente do modelo inglês, as nor-
mas jurídicas traduzem-se, geralmente, em leis aprovadas pelas Casas Legisla-
tivas, acabaram influenciados pelo sistema da common law, não tanto pelo seu
caráter de direito pretoriano, mas pela virtude que ele apresenta como fator de
uniformização das decisões judiciais referentes a matérias da mesma natureza.
Naturalmente por isso, há muito, o direito português adotou mecanismo aná-
logo com o escopo de atribuir eficácia normativa a decisões de tribunais. Foi
o mecanismo dos assentos, cuja origem remonta às Ordenações Manuelinas,
do século XVI. Em Portugal, competia, originariamente, à Casa de Suplicação
tomar assentos, isto é, emitir “[...] disposições interpretativas do sentido e do
conteúdo das leis com caráter genérico” e eficácia vinculativa5.
Os assentos do direito português tornaram-se, assim, de certa forma, a
versão lusitana do stare decisis, estabelecendo um ponto de intercessão entre o
sistema da civil law e o sistema da common law. Eles constituem o gérmen de
paradigmas judiciais que o novo Código de Processo Civil brasileiro procura
estabelecer especialmente por meio de institutos e práticas que compõem o que
já se tem chamado de microssistema de litigiosidade repetitiva6.
Integram o referido microssistema de litigiosidade repetitiva:

a) o método de julgamento dos recursos repetitivos (re-


cursos extraordinário e especial) em torno de determinada
matéria jurídica (CPC, arts. 1.036 a 1.041); b) o procedi-
mento de resolução de demandas repetitivas (CPC, arts.
976 a 987);
3
Cf. COSTA, Luiz Antônio Severo da. A Reforma do Judiciário e Outros Estudos. Rio de Janeiro: Editor
Borsoi, 1975, p. 43.
4
NABUCO, op. cit., p. 166.
5
Cf. TOMÁS, Helena Cristina Costa. Em torno do Regime dos Assentos em Processo Civil. Lisboa:
Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, p. 25-27.
6
Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto et al. Novo CPC: Fundamentos e Sistematização. Rio de Janeiro:
Forense ; GEN, 2015, p. 287.

266
c) o procedimento de assunção de competência, em casos
com grande repercussão social nos quais a repetição não
haja sido constatada, mas deva ser prevenida, mediante
decisão de órgão colegiado mais amplo do tribunal a que
competir o julgamento, de modo que se firme, desde logo,
um precedente uniformizador do entendimento (CPC,
art. 947);
d) a técnica de julgamento, em primeiro grau, de causas
cujo deslinde já haja sido equacionado pelos tribunais,
nos procedimentos acima referidos ou em súmulas da ju-
risprudência predominante, em razão do que o juiz fica
autorizado a julgar liminarmente improcedente o pedido
(CPC, art. 332).

2 INTRODUÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES NO DI-


REITO BRASILEIRO

A preocupação em estabelecer paradigmas judiciais tendentes a contribuir


para a estabilidade da jurisprudência e facilitar o trabalho dos aplicadores do
direito manifestou-se, concretamente, entre nós, pela primeira vez, com a insti-
tuição, no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, das súmulas de sua
jurisprudência predominante. Isso se verificou mediante emenda regimental
aprovada em 28 de agosto de 1963, por proposta da Comissão de Jurisprudência
da nossa mais alta Corte, então constituída pelos Ministros Gonçalves de Oliveira,
Victor Nunes Leal e Pedro Chaves. Foi, como se sabe, o Ministro Victor Nunes,
relator da referida Comissão, quem idealizou o sistema das súmulas.
O êxito da inovação fez com que outros tribunais do país passassem a
adotar também o regime de súmulas, cristalizando nos respectivos enunciados
ou verbetes sua jurisprudência predominante sobre os principais temas jurídicos.
As súmulas tinham, então, como continuaram a ter, em geral, caráter
meramente persuasivo, expressando uma orientação dos tribunais estabelecida
a partir de sucessivos acórdãos proferidos no mesmo sentido.
A Emenda Constitucional n. 45/2004, inseriu na Constituição de 1988
o art. 103-A, criando um novo tipo de súmula e atribuindo competência para
sua aprovação, estritamente, ao Supremo Tribunal Federal: a chamada súmula
vinculante.
A súmula vinculante difere dos paradigmas judiciais comuns não só pela
circunstância de emanar do Supremo Tribunal Federal e de sua aprovação ficar

267
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

sujeita ao quórum especial de dois terços dos Ministros que o compõem, mas,
sobretudo, pelo seu caráter normativo, em matéria constitucional, relativamente
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
As referidas súmulas vinculam, isto é, obrigam os seus destinatários, cujo
elenco é, como se observa, bastante restrito. Entre os órgãos a que se dirige a eficá-
cia cogente da súmula não se inclui o Congresso Nacional, cujo poder normativo
originário pode exercer-se, obviamente, nos limites da Constituição, em sentido
contrário ao entendimento sumulado. Não tem, portanto, o caráter normativo
das súmulas vinculantes a mesma extensão daquele que é próprio das leis. Por
isso, não alcançam tais súmulas, com força vinculativa, a celebração dos negócios
jurídicos ou a disciplina da vida dos cidadãos, com relação aos quais não têm
senão valor interpretativo ou de uma segura orientação. Noutras palavras, atuam,
nessa esfera, com eficácia meramente persuasiva, como as súmulas comuns7.
É importante notar que os simples precedentes, ainda que não traduzi-
dos em súmulas, ganharam força com o Código de Processo Civil de 1973, à
medida que este foi passando por sucessivas reformas, que tinham o escopo de
simplificá-lo, especialmente, no que dizia respeito ao julgamento dos recursos.
Isso se deu mediante a atribuição de poderes ao relator, nos tribunais de segun-
do grau, para, mediante decisão monocrática, abreviar a tramitação do recurso,
negando-lhe seguimento, entre outras hipóteses, quando em confronto com
súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Su-
premo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Assim dispôs a redação
superveniente do art. 557 daquele Código, que resultou da Lei n. 9.756/1998.
Os regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça já atribuíam, então, ampla competência ao relator, nos recursos inter-
postos para aquelas Cortes, para decidir, monocraticamente, com fundamento
em súmulas daqueles Tribunais Superiores8.
Outra inovação no texto do antigo Código de Processo Civil possibi-
litou ao juiz de primeiro grau proferir sentença de improcedência liminar do
pedido, trancando o processo, por assim dizer, antes da citação do réu, quando
a matéria controvertida fosse unicamente de direito e no juízo já houvesse
7
Cf. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional, 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense ; GEN, 2012, p. 270.
8
Cabe lembrar que o anteprojeto Buzaid pretendeu ressuscitar o instituto dos assentos. O art. 519 do
respectivo texto assim dispunha: “O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará
um assento. Quarenta e cinco (45) dias depois de oficialmente publicado, o assento terá força de lei em
todo o território nacional”. O referido artigo dizia respeito à uniformização da jurisprudência pelo Supremo
Tribunal Federal, mediante pronunciamento prévio da Corte, por solicitação de qualquer ministro, em
processo de sua competência.

268
sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos.
Esse desmedido poder atribuído ao magistrado de primeiro grau, com base,
simplesmente, em julgamento anterior do mesmo juízo, resultou do art. 285-A
do Código de 1973, introduzido no respectivo texto pela Lei n. 11.277/2006.
Era uma simplificação, à outrance, do sistema de precedentes, que permitia ao
juiz julgar com base em sentença prolatada sobre a mesma questão jurídica, cujo
teor ele trazia para os autos, à guisa de motivação, tout court9.

3 O JUIZ E OS PRECEDENTES SEGUNDO O CPC/2015

O Código de Processo Civil de 2015 atribui especial importância aos


precedentes judiciais, como se observa em vários dos seus dispositivos10.
A matriz das disposições concernentes à matéria está no art. 927. Aí se
preceitua, imperativamente, que O juiz e os tribunais observarão diferentes
ordens de paradigmas, a saber:

a) decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em


controle concentrado de inconstitucionalidade;
b) enunciados de súmula vinculante;
c) acórdãos proferidos em incidentes de assunção de com-
petência ou de resolução de demandas repetitivas, bem
como em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos;
d) enunciados de súmulas (comuns) do Supremo Tribunal
Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal
de Justiça em matéria infraconstitucional;
e) orientação do plenário ou do órgão especial aos quais
estiverem vinculados.
9
Sobre o tema, reportamo-nos ao artigo que escrevemos: MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Sentença
emprestada: uma nova figura processual. Revista do Processo, São Paulo, n. 135, maio 2006, p. 152-160.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de inconstitucionalidade do
malsinado dispositivo (ADI n. 3695/STF), cuja liminar foi negada, vindo o processo a ser extinto, por
perda de objeto, em vista da revogação do CPC de 1973, mediante despacho do Ministro Alexandre de
Moraes, de 12/05/2017. Não desejamos recordar, aqui, a origem, os vícios e as motivações da citada lei
nem muito menos reviver as críticas a que deram margem tanto a iniciativa da OAB quanto ao texto de
nossa autoria, críticas, aliás, que destoavam do estilo sóbrio e elevado que em geral prevalece nas discussões
jurídicas.
10
Diz, com a propriedade habitual, Fredie Didier Jr.: “O Código de Processo Civil estruturou um sistema de
respeito aos precedentes judiciais. Determinados precedentes devem ser observados pelos juízes e tribunais,
como forma de garantir a segurança jurídica, a igualdade e a duração razoável do processo. Os arts. 926-
928 são os pilares desse arcabouço legal” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 18.
ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. v. 1, p. 604).

269
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Os precedentes estabelecidos por essas decisões ou consolidados em sú-


mulas terão eficácia vinculativa nos três primeiros casos e eficácia persuasiva nos
demais. O texto do Código não estabelece semelhante distinção. Decorre esta
de uma interpretação conforme à Constituição ou de uma exegese tendente a
tornar a lei compatível com a Constituição11. De outra forma, a eficácia vin-
culativa pretendida pelo legislador processual seria inconstitucional, porquanto
só a Constituição pode estabelecer tal eficácia, como fez, aliás, ao instituir as
súmulas vinculantes12.
É certo que, mesmo nos dois últimos casos elencados acima, haverá uma
eficácia especial, já que o juiz não poderá deixar de levar em conta, na sua de-
cisão, os precedentes aí referidos. Basta considerar que o Código, no art. 489,
§ 1º, VI, considera não fundamentada a decisão judicial que deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,
sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgado ou a superação
do entendimento.
Com o Código de Processo Civil de 2015, os precedentes judiciais ganha-
ram, como se vê, maior extensão, aproximando-se bastante, neste particular, o
processo civil brasileiro do stare decisis característico da common law13
No que diz respeito ao exercício da jurisdição de primeiro grau, manteve o
novo Código o poder que o CPC antigo conferia ao juiz, no art. 285-A, de que se
tratou no item anterior. Fê-lo, porém, de modo mais adequado14, não só no que
diz respeito à técnica legislativa, mas também do ponto de vista das exigências do
devido processo legal15. Estabeleceu, com efeito, o Código em vigor parâmetros
11
Cf. BITTENCOURT, Lúcio C. A. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 118.
12
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense ; GEN,
2016, p. 436-437. Sem fazerem a mesma distinção do referido autor, no que tange à diversidade da eficácia
dos dois últimos tipos de paradigmas a que se refere o art. 927 do CPC, em relação aos três primeiros,
Lenio Streck e Georges Abboud apontam, do mesmo modo, o problema da inconstitucionalidade em que
incidiriam aqueles, invocando, em favor da tese, a doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade
Nery (Cf. STRECK, Lênio; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da. (coord.). Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1200).
13
Convém ter em vista a advertência de Alexandre Freitas Câmara: “O enunciado de súmula... não é um
precedente. Trata-se de um extrato de diversos pronunciamentos, isto é, algo que se extrai de diversas
decisões sobre a mesma matéria.” (STRECK; NUNES; CUNHA, op. cit., p. 431). A súmula, porém,
consolida precedentes, facilitando a remissão aos acórdãos em que estes foram estabelecidos.
14
Enfatiza Cássio Scarpinella Bueno: “O art. 332 aprimora (e bastante) o art. 285-A do CPC atual e as
hipóteses em que o juiz pode rejeitar liminarmente a petição inicial, sem prejuízo da hipótese do art. 330”
(BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
246).
15
Cf. THEODORO JÚNIOR, et al., op. cit., p. 316. Observam, ademais, os citados autores: “No regime
do CPC de 1973, a jurisprudência já vinha se orientando no sentido de só aplicar o julgamento sumário
do art. 285-A quando os precedentes do juízo se harmonizassem com o entendimento dos tribunais acerca
do tema em foco. Verificado o conflito entre eles, a aplicação do art. 285-A não teria lugar (STJ, 4ª. T.

270
seguros com base nos quais o juiz poderá julgar liminarmente improcedente o
pedido, nas causas que dispensem a fase instrutória. Não concedeu ao juiz
o poder de transformar em precedentes, como num passe de mágica, uma ou
mais sentenças já proferidas em torno da mesma questão jurídica, no âmbito
restrito e reservado do juízo, mas tomou, sim, como precedentes reais súmulas
e acórdãos de tribunais.
Segundo o disposto no art. 332 do novo estatuto processual civil, a im-
procedência liminar do pedido fundar-se-á:

a) em súmulas do Supremo Tribunal Federal ou do Supe-
rior Tribunal de Justiça;
b) em acórdãos proferidos pelos referidos tribunais no jul-
gamento de recursos repetitivos;
c) em entendimento firmado em incidente de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
d) em súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

As súmulas emanadas dos Tribunais Superiores ou em matéria de direito


estadual ou municipal, quando oriundas do tribunal de justiça da respectiva
unidade federativa, bem como os entendimentos firmados em sede de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência – institutos processuais
concebidos pelo novo Código --, são, agora, as formas de precedentes judiciais
-- ou de expressão destes -- que autorizam a decretação da improcedência limi-
nar do pedido, nas causas que dispensem instrução probatória. Significa isso
dizer que o Código de Processo Civil em vigor adota, para o referido fim, como
precedentes judiciais aqueles que estejam, realmente, consolidados e como tais
possam ser considerados.
A figura do precedente adquire, portanto, com o novo Código, contornos
idôneos de juridicidade, capazes de autorizar o procedimento do juiz consoante o
princípio tradicional do stare decisis. Como observam Alexandre Freire e Newton
Pereira Ramos Neto, o julgamento de improcedência liminar, “[...] no modelo
do art. 332, visa sobretudo fortalecer a construção de um sistema de precedentes
e, consequentemente, uma jurisprudência íntegra e coerente”16
Não nos parece que, a despeito da dicção imperativa do preceito legal (o
juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improce-
REsp. 1.109.398, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, AC. 16.06.2011, DJE 01.08.2011; STJ, 2ª. T., REsp
1.279.570, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. 08.11.2011, DJe 17.11.2011)”. O STJ dava, assim,
interpretação restritiva ao citado art. 285-A do CPC de 1973.
16
STRECK; NUNES; CUNHA, op. cit., p. 481.

271
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

dente o pedido), o juiz esteja compelido a proferir tal julgamento, nas hipóteses
previstas no citado art. 332. Trata-se de uma faculdade atribuída ao magistra-
do17, tanto mais porque essa faculdade poderá ser exercida com fundamento em
súmulas persuasivas, que, a entender-se de outro modo, ficariam equiparadas às
súmulas vinculantes.
Os mesmos precedentes que autorizam o juiz a julgar liminarmente im-
procedente o pedido, ao despachar a petição inicial, permitem ao relator do
recurso interposto contra a sentença (seja a sentença liminar, seja a sentença
final) dar-lhe provimento, em decisão monocrática, como veremos, a seguir.
Isso indica que, tanto na improcedência liminar quanto no julgamento final da
causa, o juiz deve estar atento aos precedentes referidos.
A observância dos precedentes judiciais passa a ser, pois, para o magistrado
uma regra de conduta. Pode o juiz adotar, conforme o caso, orientação contrária
a súmula de caráter meramente persuasivo. Mas, ao fazê-lo, há de firmar-se em
sólidas razões e consciente de que sua sentença estará fadada, provavelmente, a
ser reformada pelo tribunal ou pelo próprio relator do recurso. Só isso basta para
que se perceba a dimensão e a força dos precedentes na sistemática do Código
de Processo Civil em vigor.

4 OS PRECEDENTES NA SISTEMÁTICA DOS RECURSOS



De acordo com o Código de Processo Civil de 2015, os precedentes
judiciais não só contribuem para a uniformização da jurisprudência como tam-
bém atuam à guisa de importante instrumento de trabalho nos tribunais, pos-
sibilitando a simplificação dos julgamentos, sobretudo nos casos que envolvam
questões jurídicas repetitivas. Em menor escala, o Código anterior já tinha em
vista o mesmo objetivo.
O fulcro dessa linha principiológica está no art. 932, incisos IV e V, do
novo Código. No primeiro inciso referido, o Código autoriza o relator a negar
provimento a recurso que for contrário aos paradigmas já mencionados, isto é,
súmulas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
próprio tribunal competente para o julgamento do recurso em foco; acórdão
proferido pelos aludidos Tribunais Superiores em julgamento de recursos repeti-
tivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas
ou de assunção de competência. No segundo, autoriza-o a dar provimento ao

Nesse sentido: CÂMARA JÚNIOR, José Maria. Seção III: Do indeferimento da petição inicial. In: ALVIM,
17

Angélica Arruda et al. (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 452.

272
recurso se a decisão recorrida for contrária aos mesmos paradigmas. Nesta última
hipótese, só poderá fazê-lo depois de facultada a apresentação de contrarrazões.
Visa tal providência a assegurar a observância do princípio do contraditório.
A explicitação dos paradigmas que permitem o julgamento monocrático
do recurso, tanto para negar-lhe provimento quanto para dar-lhe provimento, é
um aspecto da disciplina da matéria, no novo Código, que revela maior apuro
técnico do que o encontrado no Código anterior. Este adotava, no particular,
uma expressão aberta ao referir-se, genericamente, à jurisprudência dominante18.
Como já se observou, desde a introdução das súmulas da jurisprudência
predominante do Supremo Tribunal Federal, no nosso direito, os poderes do
relator ampliaram-se consideravelmente, no julgamento dos recursos, de modo
que as decisões monocráticas assim proferidas poupam os tribunais de maior
trabalho e simplificam o desfecho das causas.
Disposição nova que o Código de 2015 apresenta, em harmonia com o
sistema de precedentes adotado, é a que se estampa no parágrafo único, inciso I,
do art. 1.022. Nesse dispositivo, tratando dos embargos de declaração, o Código
preceitua que se considera omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre
tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção
de competência aplicável ao caso sob julgamento. Tem-se em vista, com essa
disposição, realçar a “[...] necessidade de que os precedentes sejam respeitados,
sob pena de reclamação”, como bem observa Teresa Arruda Alvim Wambier19.
Teria sido desejável que da mesma forma omissa se considerasse a decisão
que, aplicando o precedente ou a tese jurídica adotada nos incidentes referidos,
deixasse de examinar eventual particularidade do caso em espécie. É certo que,
mesmo na falta de norma desse teor, caberiam embargos de declaração, na hipó-
tese, até porque a sentença não estaria, aí, plenamente fundamentada, ao menos
segundo o art. 489, § 1º, IV, do Código. De resto, ter-se-ia como caracterizada,
na hipótese, omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar
o juiz de ofício ou a requerimento (CPC, art. 1.022, II). Mas, como quer que
seja, seria importante que assim se dispusesse, de forma expressa, no art. 1.022,
parágrafo único, em atenção à igualdade de tratamento que deriva do princípio
do contraditório e para realçar a circunstância de que o sistema de precedentes
não pode ignorar as particularidades do caso concreto. É digna de nota a pon-
deração de Alexandre Freitas Câmara:
18
Nesse sentido, a apreciação de CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: STRECK, Lênio; NUNES, Dierle;
CUNHA, Leonardo Carneiro da. (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva,
2016, p. 1216.
19
TUCCI, José Rogério Cruz e et al. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: G Z Editora,
2016, p. 1401.

273
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Deve-se entender o disposto no aludido parágrafo único


[do art. 1.022], portanto, no sentido de que também se
considera omissa a decisão que eventualmente se enquadre
nas hipóteses ali previstas20.

O advérbio também, proposto pelo autor como elemento interpretativo,


serve para indicar que o texto do parágrafo único do art. 1.022 não contém uma
norma fechada, concebida em numerus clausus, mas uma enunciação aberta
(numerus apertus), suscetível de contemplar todos os casos em que se terá “[...]
por omissa a decisão judicial”21
Lenio Luiz Streck e Alexandre Freire, invocando comentários aduzidos
ao referido dispositivo legal por Rodrigo Mazzei, observam, na mesma linha de
pensamento:

[...] omissas serão não apenas as decisões contendo os defei-


tos indicados nos incisos do parágrafo único do art. 1.022,
mas por igual aqueles que surgiram porque o juiz deveria
sobre eles se manifestar (inclusive de ofício) e não o fez22.

Na esteira destas considerações, deve-se ter presente, pois, tanto a hipótese


em que não se verifique exata ou plena correspondência entre o caso em julga-
mento e o paradigma a que este se reporta, quanto a situação paralela, em que,
a par da tese incompatível com o precedente firmado, outra haja sido suscitada
pela parte, no processo, cumprindo que o juiz a examine, uma vez rejeitada a
primeira. Pense-se numa ação em que se postule, em favor de funcionário público,
determinada gratificação funcional julgada indevida pelo acórdão paradigma,
mas que, no caso concreto, constituísse apenas o pedido principal, tendo por
alternativa pretensão de outra vantagem funcional que, com a primeira, não
pudesse ser cumulada e à qual o funcionário faria jus se não houvesse optado
pela gratificação. A hipótese de o funcionário, ao aposentar-se, ascender a classe
funcional superior (hipótese que era prevista na legislação revogada, relativamente
aos professores de ensino superior), serve bem de exemplo à questão que, aqui, se
suscita. Se o funcionário, na ação em que pleiteou a gratificação aludida, pedia
alternativamente o reconhecimento do direito de aposentar-se com os proven-
tos do cargo hierarquicamente acima do seu, uma vez não admitida aquela, é
evidente que o pedido alternativo haveria de ser apreciado, em seguida. E se o
20
CÂMARA, op. cit., p. 532.
21
CÂMARA, 2016, loc. cit.
22
STRECK; NUNES; CUNHA, op. cit., p. 1352.

274
juiz, aplicando a tese do acórdão paradigma, o fizesse sem manifestar-se sobre
o ponto referido, restaria omissa a decisão pertinente – e contra essa omissão
poderiam ser opostos embargos de declaração.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A uniformização da jurisprudência, de forma que esta se cristalize em


precedentes, suscetíveis de orientar os julgamentos de casos futuros da mesma
natureza, é uma das duas principais características do Código de Processo Civil
de 2015. A outra faceta que ao seu lado deve ser destacada é a de ser o novo
Código um estatuto processual marcadamente principiológico, isto é, fundado
em princípios, como o Capítulo I do seu Livro I deixa claro.
A diretriz assentada no art. 926, caput, do Código é extremamente sig-
nificativa:

Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e man-


tê-la estável, íntegra e coerente.

Escrevendo sobre a uniformização da jurisprudência, há mais de vinte
anos, na vigência do Código de 1973, assinalávamos:

Em tese, situações iguais exigem soluções do mesmo teor.


Esse ideal não é, certamente, absoluto, mas o sistema ju-
rídico-processual não o perde de vista, o que explica a
existência de recursos que têm entre os seus pressupostos
de admissibilidade a hipótese de dissídio pretoriano, como
é o caso, entre nós, do recurso especial e dos embargos de
divergência.
O problema se coloca, especialmente, em face de certos
atos emanados do Estado, que lesam, a um só tempo,
direitos de uma multiplicidade de cidadãos e em virtude
dos quais tendem a reproduzir-se em grande escala, perante
órgãos distintos do Judiciário, ações com assemelhadas
características, em que a causa petendi remota é a mesma
e o objeto de igual natureza, só variando, a rigor, as partes,
num dos pólos da relação processual. São as ações que,
em geral, ensejam a formação de litisconsórcio facultativo
fundado na afinidade de questões por um ponto comum

275
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

de fato ou de direito (CPC, art. 46, IV) e que, em virtude


da origem comum das pretensões deduzidas, permitem
falar na categoria dos direitos individuais homogêneos (Lei
n. 8.078, de 11.09.1990, art. 81, parágrafo único, III),
podendo, nesse caso, assumir o caráter de ações coletivas
(Lei n. 8.078/90, art. 91), sem prejuízo da propositura
de ações individuais (Lei n. 8.078/90, art. 99, caput)23.

À luz do novo Código de Processo Civil, o problema focalizado no referido


texto ganha, afinal, variados caminhos para a sua solução.
A uniformização da jurisprudência passa a ser um dever dos tribunais. O
objetivo é o de que ela se mantenha estável, íntegra e coerente, como está dito no
art. 926, caput, do CPC. Estável como preconiza a regra do stare decisis peculiar
ao direito anglo-saxônico. Íntegra como sugere a doutrina de Ronald Dworkin,
segundo a qual a aplicação dos direitos deve fazer-se, “[...] até onde for possível, a
partir do pressuposto de que foram criados por um único autor – a comunidade
personificada --, expressando uma concepção coerente de justiça e equidade”,
o que estabelece uma continuidade natural entre os pronunciamentos judiciais
de diferentes graus, para que o resultado final reflita um sentido harmônico do
processo e do seu desfecho24. Coerente como aconselha a experiência, de modo
que não se tenha por que reviver, na atualidade, a crítica acerba de Lafayette
Rodrigues Pereira à jurisprudência do seu tempo, vergastada pelo eminente
jurisconsulto como um “[...] acervo informe de contradições e incoerências ...
obra do instinto cego, à mercê de influências acidentais e passageiras [e não] o
produto da razão humana, iluminada pela ciência e pela discussão.”25
Atribui-se ao saudoso Ministro Adauto Lúcio Cardoso o chiste, traduzi-
do num trocadilho ou num jogo de palavras, segundo o qual, com as súmulas,
corríamos o risco de consagrar o summulum ius, summula iniuria... Realmente,
assim como a justiça exacerbada pode redundar em injustiça (summum ius, summa
iniuria), como advertia Cícero, assim também o excessivo apego ao precedente

23
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. A uniformização da jurisprudência no contexto da reforma do CPC.
In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 581-589.
24
DWORKIN, Ronald. O império do direito, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 271-272. Tradução
do original Law’s Empire por Jefferson Luiz Camargo. O professor da New York University e da University
College, de Londres, ilustra, sugestivamente, sua doutrina comparando o desfecho de um processo a um
romance em cadeia, em que “[...] um grupo de romancistas escreve um romance em série [...]”, criando
“[...] em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível”
(DWORKIN, op. cit., p. 275-276).
25
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Prefácio. In: _________. Direito das Cousas. Rio de Janeiro: Tip. Baptista
de Souza, 1922, p. IX.

276
pode ser causa da fossilização do direito ou – pior ainda – será capaz de gerar
iniquidades, na medida em que o direito perca sintonia com as exigências dos
novos tempos ou deixe ao desamparo situações peculiares de um caso concre-
to que a pressa no julgar, mediante decisões padronizadas, acabe por ignorar.
Cumpre ter em vista que a observância do precedente deve servir à justiça, como
um instrumento da sua realização, sem jamais ensejar novas versões da odiosa
jurisprudência defensiva, pela qual, até bem pouco, alguns tribunais, entre nós,
habitualmente fugiam ao dever de julgar, a pretexto de exigir o cumprimento de
formalidades bizantinas na interposição dos recursos.

277
O CPC/2015 E A VALORIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
COMO FONTE DE DIREITO

Humberto Theodoro Júnior*

SUMÁRIO: 1 Por que a valorização da jurisprudência pelo novo CPC?


2 Resistência à inovação. 3 Histórico do precedente em nosso direito. 4
A jurisprudência e os enunciados vinculantes previstos no CPC/2015. 5
Precedentes no sistema do “common law” e no “sistema híbrido” do CPC/2015.
6 Fundamentos constitucionais do sistema brasileiro de precedentes. 7 Posição
do STF sobre o regime de precedentes do CPC/2015. 8 Importância da técnica
de julgamento segundo precedente. 9 Conclusões

1 POR QUE A VALORIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PELO


NOVO CPC?

Na análise da crise da justiça nacional feita pela Comissão elaboradora


do Anteprojeto do novo CPC, duas insatisfações sociais, mais salientes, com a
prestação jurisdicional foram detectadas:

a demora exagerada na conclusão dos processos, que com-


prometia a garantia fundamental da duração razoável do
processo (CF, art. 5º, XXVIII); e
a enorme inconstância e diversidade interpretativa na
aplicação do direito pelos Tribunais, que comprometia a
segurança jurídica, pela imprevisibilidade dos resultados
da prestação jurisdicional e pela quebra da confiança no
ordenamento jurídico, tudo conspirando para violar, em
grau intolerável, a garantia da igualdade de todos pe-
rante a lei (CF, art. 5º, caput). Esse quadro de imprecisão
dos rumos da jurisprudência, tornada caótica – além de
funcionar como estímulo à litigiosidade doentia sempre

*
Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG.
Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto
de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-
Americano de Direito Processual, da International Association of Procedural Law e da Association Henri
Capitant des Amis de la Culture Juridique Française. Doutor em Direito. Advogado.

279
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

crescente no País, também atuava como fator evidente do


descumprimento do já lembrado princípio da duração
razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).
O enfrentamento desses gravíssimos e desafiantes proble-
mas trouxe à baila as lições de CAPPELLETTI incenti-
vadoras de uma maior aproximação e convergência entre
os sistemas processuais do civil lawe do common law. Isto
porque reconhecidamente o processo anglo-americano é
muito mais eficiente no respeito à duração razoável do
processo e na preservação da isonomia, da confiança e da
segurança jurídica dos jurisdicionados.
Daí a adoção do princípio dos precedentes de força obriga-
tória pelo Código de 2015, a exemplo do que sempre se deu
no common law, não em forma de cópia servil do direito
estrangeiro, mas com a preocupação de aproximar-se de
suas vantagens adaptando-as às peculiaridades de nossas
tradições histórico-culturais.

2 RESISTÊNCIA À INOVAÇÃO

Criticam os radicais a valorização da jurisprudência promovida pelo


CPC/2015, ao argumento da incompatibilidade da atribuição de força norma-
tiva ao precedente num País como o nosso, historicamente fiel ao sistema do civil
law. O certo, porém, é que o modelo brasileiro, desde sua primeira constituição
republicana, nunca foi puramente de civil law1. O nosso sistema, por exemplo,
de controle de constitucionalidade, sempre foi o criado pelos norte-americanos, e
não o concebido pelos europeus continentais, povos responsáveis pela formação
do sistema de civil law.
Assim, sem embargo da forte influência recebida do civil law, principal-
mente na ordem jurídica infraconstitucional, nosso sistema jurisdicional, vem
prestigiando, de longa data e cada vez mais, a teoria dos precedentes, afeiço-
ando-se progressivamente à cultura do stare decisis construída no seio dos países
de common law2.
1
ZANETTI JÚNIOR ressalta o caráter híbrido do modelo brasileiro esclarecendo: “[...] a Constituição
Federal de 1891, primeira Constituição da República, inovou o sistema jurídico nacional, ao trazer influências
do direito norte-americano, e inseriu peculiaridades que, entre nós, geraram um sistema jurídico híbrido”
(ZANETTI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e
político no processo civil brasileiro do Estado Democrático Constitucional. 2005. Tese (Doutorado em
Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005, p. 41.
2
Fala-se mesmo que o Brasil “[...] já é tido por alguns como um modelo miscigenado [...]”, que não seria

280
O Ministro Teori Zavascki, votando no STF3 teve oportunidade de re-
gistrar essa modelação especial – que não é apenas do Brasil, mas de diversos
países – nos seguintes termos:

Não se pode deixar de ter presente, como cenário de fundo


indispensável à discussão aqui travada, a evolução do di-
reito brasileiro em direção a um sistema de valorização dos
precedentes judiciais emanados dos tribunais superiores,
aos quais se atribui, cada vez com mais intensidade, força
persuasiva e expansiva em relação aos demais processos
análogos. Nesse ponto, o Brasil está acompanhando um
movimento semelhante ao que também ocorre em diversos
outros países que adotam o sistema da civil law, que vêm
se aproximando, paulatinamente, do que se poderia de-
nominar de cultura do stare decisis, própria do sistema da
common law. A doutrina tem registrado esse fenômeno, que
ocorre não apenas em relação ao controle de constituciona-
lidade, mas também nas demais áreas de intervenção dos
tribunais superiores, a significar que a aproximação entre
os dois grandes sistemas de direito (civil law e common law)
é fenômeno em vias de franca generalização4.

3 HISTÓRICO DO PRECEDENTE EM NOSSO DIREITO

O Ministro Teori Zavascki demonstra que a introdução da teoria do prece-


dente no processo brasileiro vem sendo feita, de maneira progressiva, não sendo,
portanto, uma inovação abrupta e revolucionária do CPC de 2015. Dezenas

nem civil law nem common law, mas, sim, o brazilian law (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes
desenvolvidos pelo CPC/2015. Uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção
inconsistente (inconsistent distinguishing). Revista de Processo, São Paulo, v. 248, out. 2015, p. 332.
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.335-AC, Tribunal Pleno. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Brasília, 20 de março de 2014. Diário de Justiça: 22 out. 2014.
4
(Sobre o tema, o Ministro Zavascki arrola as seguintes obras: SOTELO, José Luiz Vasquez. A jurisprudência
vinculante na common law e na civil law. In: CALMON FILHO, Petrônio; BELTRAME, Adriana. (org.).
Temas atuais de direito processual ibero-americano. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 374; FERNANDEZ
SEGADO, Francisco. La obsolescência de labi polaridad modelo americano-modelo europeokelseniano
como critério analítico del control de constitucionalidad y labús queda de una nueva tipología explicativa.
Parlamento y Constitución: Anuario, Castilla, n. 6, p. 9-73, 2002; AZAMBUJA, Carmen Luiza Dias
de. Controle judicial e difuso de constitucionalidade no direito brasileiro e comparado: efeito erga
omnes de seu julgamento. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008; LEAL, Roger Stiefelmann.
A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade. RDCI, São Paulo, p. 57-62, out./dez.
2006).

281
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

de previsões legais de julgamentos com força vinculante e de atribuição de tal


efeito a enunciados de súmula jurisprudencial foram catalogados pelo Ministro
Zavascki, todas acontecidas na segunda metade do século XX e nos princípios do
século XXI, em sede de direito comum e, até mesmo, de direito constitucional.
Diante desse quadro histórico consolidado, aquele magistrado e professor
considera

[...] precisa [a] observação do professor Danilo Knijnik:


embora não seja certo ‘dizer que o juiz brasileiro, p. ex.,
está jungido ao precedente tanto quanto o estaria um juiz
norte-americano ou inglês’, também ‘será falso, mormen-
te na atualidade, dizer que o precedente é uma categoria
jurídico-processual estranha ao direito pátrio, ou que tem
apenas uma força meramente persuasiva5.

Esse entendimento – prossegue o Ministro Zavascki:

[...] guarda fidelidade absoluta com o perfil institucional


atribuído ao STF, na seara constitucional, e ao STJ, no
domínio do direito federal, que têm entre as suas princi-
pais finalidades a de uniformização da jurisprudência, bem
como a função, que se poderia denominar nomofilácica
– entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu
Calamandrei, destinada a aclarar e integrar o sistema nor-
mativo, propiciando-lhe uma aplicação uniforme –, fun-
ções essas com finalidades ‘que se entrelaçam e se iluminam
reciprocamente’ (Calamandrei, Piero. La casación civil.
Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Editorial
Bibliografica Argentina, 1945. t. II. p. 104) e que têm
como pressuposto lógico inafastável a força expansiva ultra
partes dos seus precedentes6.

STF, Rcl 4.335/AC.


5

Ibid., 2014. Ricardo Alexandre da Silva demonstra com proficiência que, mesmo antes do CPC/2015,
6

o modelo de Corte Suprema, como o do STF e do STJ, “[...] recusa a concepção cognitivista do direito,
enfatizando seu caráter lógico-interpretativo. Nesse modelo, as Cortes atribuem sentidos aos textos
normativos mediante interpretação, da qual resultam precedentes vinculantes [...]”, tornando obrigatória
sua observância pelos outros tribunais, “[...] a fim de que os jurisdicionados sejam tratados igualmente
[...]” (SILVA, Ricardo Alexandre da. O STJ como Corte Suprema em matéria infraconstitucional: defesa
dos precedentes vinculantes. In: MENDES, Aluísio de Castro et al. Direito jurisprudencial. São Paulo:
RT, 2014. v. 2, p. 1075). No mesmo sentido: as Cortes Supremas cumprem uma função de reconstrução e
outorga de sentido a textos normativos, cujo “[...] escopo consiste em dar unidade ao Direito mediante a

282
O levantamento histórico do precedente no direito brasileiro, elaborado
pelo Ministro Zavascki, limitou-se aos tempos recentes, retratando apenas o
ocorrido nos séculos XX e XXI. Na verdade, porém, a presença do direito juris-
prudencial, entre nós, já se fazia marcante desde os tempos coloniais (séculos XVI
a XVII), bem como nos primórdios da independência monárquica e republicana,
ocorrida no século XIX, como informam e documentam os juristas enfronhados
na historiografia jurídica nacional7.

4 A JURISPRUDÊNCIA E OS ENUNCIADOS VINCULANTES


PREVISTOS NO CPC/2015

O moderno CPC/2015, disciplinou o regime brasileiro de jurisprudência


ou precedente vinculante, primeiro estabelecendo os requisitos a serem cumpridos
pelos tribunais para que seus julgados possam funcionar como fonte de direito
para observância em causas futuras similares; e, em seguida, enumerou quais
seriam os procedimentos capazes de gerar teses dotadas de força obrigatória, fora
do processo que lhes deu origem.
Dessa maneira, o regime dos precedentes judiciais do CPC/2015 princi-
pia pelo art. 926, cujo caput impõe aos tribunais o dever de uniformizar a sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Lembra Dierle Nunes, com inteira procedência, que só é possível construir
uma sistemática de precedentes mediante a manutenção de uma “[...] juris-
prudência razoavelmente estável [...]”, à qual se vincularão os próprios órgãos
criadores dos precedentes8.
Para facilitar a divulgação e compreensão das teses de direito assentadas
como ratio decidendi dos precedentes, determina o CPC/2015 que os tribunais
“[...] editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência do-
minante” (art. 926, § 1º). Recomenda, ainda para evitar teses excessivamente
genéricas e abstratas, que os enunciados de súmula “[...] devem ater-se às cir-
cunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação (art. 926, § 2º).
formação de precedentes, entendidas as razões adotadas nas decisões como dotadas de eficácia vinculante”
(MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação da jurisprudência
ao precedente, 3. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 40).
7
SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: Colônia e Império.
2014. (Dissertação em Mestrado em Direito Público) -Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014,
f. 58-64; NUNES, Dierle; VIANA, Aurélio. Introdução ao estudo dos precedentes no CPC/2015: a
mutação no ônus argumentativo. Rio de Janeiro: Forense (no prelo), p. 156-157.
8
NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a
litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências não compreendidas de padronização
decisória. Revista de Processo, São Paulo, v. 199, p. 55-68, set./2011.

283
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Finalmente, o art. 927 cria um rol hierárquico de precedentes obrigató-


rios entre os tribunais do País, cujo papel é, na visão da melhor doutrina, o meio
de dar realidade ou efetividade aos princípios constitucionais da legalidade, da
segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança
e da igualdade de todos perante a lei (isonomia)9.

5 PRECEDENTES NO SISTEMA DO “COMMON LAW” E NO


“SISTEMA HÍBRIDO” DO CPC/2015

O sistema uniformizador da jurisprudência adotado entre nós, é bom


esclarecer mais uma vez, não é exatamente o mesmo dos precedentes, observado
nos países regidos pelo common law. Na tradição anglo-americano o confronto
se dá entre casos, ou seja, o precedente se impõe quando o novo caso a ser re-
solvido seja igual a outro anteriormente julgado por tribunal, no respeitante a
seus elementos essenciais.
Mantém-se, no novo Código brasileiro, a tradição do regime de súmulas
(CPC/2015, art. 926, § 1º), com o qual o direito positivo nacional, inclusive no
plano constitucional, já se acha familiarizado, e que, à evidência, não é o mesmo
do direito anglo-americano.
Nesse sentido, está determinado por nosso novo CPC que, uma vez veri-
ficado o estabelecimento de jurisprudência qualificada como dominante, entre
seus julgamentos, os tribunais brasileiros “editarão enunciados de súmula”, com
observância dos pressupostos fixados no regimento interno (art. 926, § 1º).
Esses enunciados procuram reproduzir a tese que serviu de fundamento ao
entendimento dominante no tribunal acerca de determinado problema jurídico.
Não é o caso em sua inteireza e complexidade que o enunciado sumulado repro-
duz, mas apenas a ratio decidendi em que os precedentes se fundamentaram.10
Embora o regime de direito jurisprudencial em construção entre nós
não seja o mesmo do common law, por razões intrínsecas da própria diversidade
histórica dos dois sistemas de estabelecimento da ordem jurídica positiva, não

PEIXOTO, op. cit., p. 337.


9

Destaca Bustamante que atualmente tanto os magistrados do common law quanto os do civil law se
10

preocupam com os precedentes jurisprudenciais. No entanto, a atitude de uns e outros varia. Enquanto
juízes do common law buscam estabelecer uma comparação entre o precedente e o caso a julgar a partir
dos chamados “fatos materiais”, os do civil law buscam extrair dos julgados anteriores um pronunciamento
em forma de regra, tratando-o de forma abstrata, como norma (cf. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de.
Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses,
2012).

284
há como negar a preocupação dos países de civil law de se aproximarem, na me-
dida do possível, da técnica e experiência dos anglo-saxônicos no que toca aos
precedentes. E na matéria é de se ter em conta que, na tradição do common law,

[...] todo precedente judicial é composto por duas partes


distintas:
a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e
b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação
(ratio decidendi) do provimento decisório.11

Não obstante de maneira diferente, esses dois elementos figuram também


no sistema de precedentes sumulados programado pelo novo Código brasileiro,
como a seguir veremos. Da técnica anglo-americana deve-se valer a doutrina
nacional principalmente das noções de ratio decidendi, obiter dictum e distinção,
temas até o momento pouco tratados pela jurisprudência local.
O novo CPC dispensou grande atenção ao fenômeno jurisprudencial,
por reconhecer a relevante influência político-institucional que a interpretação
e aplicação do direito positivo pelos órgãos judiciais exercem sobre a garantia
fundamental de segurança jurídica, em termos de uniformização e previsibi-
lidade daquilo que vem a ser o efetivo ordenamento jurídico vigente no país12.
Entretanto, para que essa função seja efetivamente desempenhada, a pri-
meira condição exigível é que os tribunais velem pela coerência interna de seus
pronunciamentos. Por isso, o novo CPC dedica tratamento especial ao problema
da valorização da jurisprudência, dispondo, em primeiro lugar, que “os tribunais

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2004, p. 12.
11

“Com[o] se pode perceber, há sério comprometimento do sistema de jurisprudência adotado no Brasil [antes
12

do CPC/2015], porquanto a insegurança e a intranquilidade da interpretação do direito ficam patente[s]


tanto interna corporis como em uma escala vertical, no âmbito do judiciário, deixando o jurisdicionado
apreensivo diante de um direito que pode ter mais de uma interpretação” (SANTIAGO, Nestor Eduardo
Araruna; MAGALHÃES, Átila de Alencar Araripe. Novo Código de Processo Civil e função qualitativa
dos precedentes: um debate necessário. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo,
v. 74, p. 81, set. 2016). Registra ZANETI que no sistema seguido pelo CPC/1973, o que, em geral, se
observava era que as decisões, com muita frequência, se caracterizavam como contraditórias, gerando
instabilidade nos posicionamentos dos tribunais na interpretação e aplicação da lei (ZANETI JÚNIOR,
Hermes. Precedentes [treat like cases alike] e o novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São
Paulo, v. 235, p. 295, set. 2014).

285
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra13 e coerente”14


(art. 926, caput)15_16.
A súmula, nessa ordem de ideias, reproduz, abstrata e genericamente, a
tese de direito que se tornou constante ou repetitiva numa sequência de julga-
mentos. O tribunal não legisla primariamente mas, ao aplicar, no processo, as
normas do direito positivo, determina o sentido e alcance que lhes corresponde,
segundo a experiência de sua atuação sobre os casos concretos.
Não corresponde, a súmula, a uma reprodução global do precedente (i.e.,
do caso ou casos anteriores julgados). Nela se exprime o enunciado que uniforme
e repetitivamente tem prevalecido na interpretação e aplicação pretoriana de
determinada norma do ordenamento jurídico vigente. Uma vez, porém, que os
tribunais não se pronunciam abstratamente, seus julgados sempre correspondem
a apreciação de casos concretos, cujos elementos são fatores importantes na ela-
boração da norma afinal aplicada à solução do objeto litigioso. Assim, embora o
sistema de súmulas não exija a identidade dos casos sucessivos, não pode deixar
de levar em conta a situação fático-jurídica que conduziu à uniformização da
tese que veio a ser sumulada17.

13
A integralidade reclama do julgador que atente não só para as regras relacionadas diretamente com o caso,
mas que tenha sempre uma visão da inteireza dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico (FREIRE,
Alexandre; FREIRE, Alonso. Elementos normativos para a compreensão do sistema de precedentes judiciais
no processo civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 950, p. 219-220, dez/2014). Ou seja, essa
exigência explica “por que os juízes devem conceber o corpo do direito que administram como um todo,
e não como uma série de decisões distintas que eles são livres para tomar ou emendar uma por uma, como
nada além de um interesse estratégico pelo restante” (DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge,
MA: Harvard University Press, 1986, p. 167). A jurisprudência, enfim, deve ser construída como um todo
sistemático.
14
“A coerência pressupõe que o juiz ou tribunal julgue conforme a orientação adotada em julgamentos
anteriores envolvendo causas iguais ou semelhantes em seu conteúdo e teses. Traz, com isso, estabilidade e
segurança jurídica, portanto” (THEODORO NETO, Humberto. A relevância da jurisprudência no novo
CPC. In:THEODORO JÚNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester
Camila Gomes Norato (coord.). Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 2015, p. 678).
15
CPC/1973, sem correspondência.
16
Para implantar racionalmente a sistemática do CPC/2015, o STJ criou a Comissão Temporária Gestora de
Precedentes, à qual foi atribuída, entre outras, competência para: “I – supervisionar os trabalhos do Núcleo
de Gerenciamento de Precedentes – Nugep, em especial os relacionados à gestão dos casos repetitivos e dos
incidentes de assunção de competência; II – controlar e acompanhar os processos sobrestados no Tribunal
em virtude da aplicação da sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral; [...]; VI – acompanhar,
inclusive antes da distribuição, os processos que possuam matéria com potencial de repetitividade ou com
relevante questão de direito, de grande repercussão social, a fim de propor ao Presidente do Tribunal medidas
para a racionalização dos julgamentos por meio de definições de teses jurídicas em recursos repetitivos ou
em assunção de competência; [...]” (Portaria STJ/GP N. 475 de 11 de novembro de 2016, art. 3º).
17
“Não é exigível identidade absoluta entre casos para a aplicação de um precedente, seja ele vinculante ou
não, bastando que ambos possam compartilhar os mesmos fundamentos determinantes” (CEJ/ I Jorn. Dir.
Proc. Civ., Enunciado nº 59).

286
É importante, pois, que ao editar enunciados de súmula, o tribunal procure
ater-se às “circunstâncias fáticas” em que os casos paradigma foram resolvidos
(art. 926, § 2º).18 Em outras palavras, a súmula, em regra, identificará a ratio
decidendi, que serviu de fundamento dos diversos casos que justificaram o
enunciado representativo da jurisprudência sumulada. Como a causa de decidir
envolve necessariamente questões de direito e de fato, também as súmulas haverão
de retratar esses dois aspectos nos seus enunciados.19
É preciso considerar que dentro de um julgado se desenvolvem vários tipos
de raciocínio e argumento. Todavia, não são todos eles que se revestem da quali-
dade de precedente jurisprudencial passível de figurar em enunciado de súmula
ou de assumir a categoria de jurisprudência dominante. Apenas a tese nuclear
que conduziu à conclusão do decisório de acolhimento ou rejeição da pretensão
deduzida em juízo, é que merece o tratamento de fundamento da decisão judicial.
Os argumentos laterais que esclarecem e ilustram o raciocínio do julgador não
se inserem no terreno da ratio decidendi. Configuram apenas obiter dicta, e,
nessa categoria, não merecem o tratamento de fundamento jurídico do julgado.
Figuram apenas como motivo e não como causa de decisão. É nesse sentido que
a lei dispõe não fazerem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para
determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” (art. 504, I).20
A propósito da necessidade de distinguir entre ratio decidendi e obiter
dictum, não há diversidade substancial entre o precedente do common law e o
direito jurisprudencial concebido por nosso CPC/2015. Aqui, também, se exige
a extração, dos casos paradigma, de uma tese de direito e de fato (súmula), que
tenha sido o fundamento determinante dos julgamentos anteriores e que possa
ser adotada na resolução das causas iguais posteriores (art. 926, §§ 1º e 2º).21

18
CPC/1973, sem correspondência.
19
O art. 926 do CPC/2015 é a chave de leitura do direito jurisprudencial brasileiro e visa estabelecer
premissas mínimas para a aplicação dos precedentes em nosso direito. “Louvável ressaltar o § 2º do art.
926 do CPC/2015 que determina que qualquer enunciado jurisprudencial, precedente ou súmula somente
poderá ser aplicado e interpretado levando-se em consideração os julgados que o formaram” (COTA,
Samuel Paiva; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes. Modelo constitucional de processo e
suas benesses: a reconstrução da teoria dos precedentes no direito brasileiro vs. a compreensão equivocada
do seu uso no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, v. 260, out. 2016, p. 29, grifo nosso).
20
CPC/1973, art. 469, I.
21
“A técnica da análise comparativa de casos possui laços diretos com a determinação da ratio decidendi do
precedente e do obiter dictum, a fim de possibilitar a aplicação apenas dos fundamentos determinantes
da decisão do passado no momento de se interpretar o caso concreto, se excluindo linhas argumentativas
secundárias e sem relevância à lide” (COTA; BAHIA, op. cit., p. 38).

287
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

6 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO SISTEMA BRA-


SILEIRO DE PRECEDENTES

É dessa forma que a contribuição normativa da jurisprudência – harmo-


nizando os enunciados abstratos da lei com as contingências dos quadros fáticos
sobre os quais tem de incidir –, será realmente útil para o aprimoramento da
aplicação do direito positivo, em clima de garantia do respeito aos princípios
constitucionais da legalidade, da segurança jurídica, da proteção da confiança
e da isonomia. Até mesmo a garantia de um processo de duração razoável e
orientado pela maior celeridade na obtenção da solução do litígio (CF, art. 5º,
LXXVIII) resta favorecida quando a firmeza dos precedentes jurisprudenciais
permite às partes antever, de plano, o destino certo e previsível da causa.22
Por outro lado, a força que o novo Código confere à jurisprudência,
manifesta-se em dois planos:

I- o horizontal, de que decorre a sujeição do tribunal à sua


própria jurisprudência, de modo que os órgãos fracionários
fiquem comprometidos com a observância dos precedentes
estabelecidos pelo plenário ou órgão especial (art. 927, V);
II- o vertical, que vincula todos os juízes ou tribunais infe-
riores:
a) às decisões do STF em matéria de controle concentrado
de constitucionalidade e de súmulas vinculantes (art. 927,
inciso I);
b) aos enunciados de súmula vinculante (art. 927, inciso II);
c) aos julgamentos do STF e do STJ em recursos extraordi-
nário e especial repetitivos (art. 927, inciso III);
d) aos enunciados de súmulas do STF e do STJ (art. 927,
IV);
e) à orientação jurisprudencial relevante de todo tribunal
revisor constante de decisões do respectivo plenário ou
do órgão especial que faça suas vezes (art. 927, inciso V),
e, ainda,
f ) às decisões nos incidentes de demandas repetitivas e de
assunção de competência (art. 927, III), dentro, é claro,

“O reforço de autoridade da jurisprudência liga-se ainda ao propósito de controle do volume crescente


22

de demandas judiciais – em especial as demandas repetitivas de grande número – e de encontrar meios


de abreviar a solução dos processos, sem perda de qualidade na prestação jurisdicional. Busca-se, assim,
atender aos reclamos do princípio da celeridade e à garantia constitucional de duração razoável dos processos
administrativos e judiciais” (THEODORO NETO, op. cit., p. 677).

288
da circunscrição territorial de cada tribunal, nas hipóteses
das duas últimas alíneas.

São enfim, os princípios constitucionais expostos – isto é, o da legalidade,


o da segurança jurídica, o da proteção da confiança, o da isonomia e o da
duração razoável do processo, os quais, aplicados em conjunto e segundo os
critérios da proporcionalidade e razoabilidade, se prestam a sustentar o regime da
uniformização jurisprudencial na aplicação do direito positivo, na composição
dos litígios.
A objeção que às vezes tem sido feita em doutrina à constitucionalidade
do sistema de jurisprudência vinculante do CPC/2015 apoia-se, principalmente,
no princípio de legalidade. Argumenta-se que só a lei pode obrigar a todos,
genérica e abstratamente (CF, art. 5º, II). Acontece que nenhum princípio, nem
mesmo constitucional, é absoluto, e, necessariamente, todo princípio tem que
coexistir e harmonizar-se com os demais que incidem sobre o mesmo fato. Na
espécie, não se pode cogitar apenas do princípio da legalidade, mesmo porque
o sistema jurisprudencial em causa foi instituído por lei, e, ainda, porque vários
outros princípios, também constitucionais, justificam a uniformização vincula-
tiva dos precedentes jurisdicionais. Se alguma colisão puder ser detectada entre
eles, a solução jamais será dada à supervalorização do princípio da legalidade ou
de qualquer outro isoladamente. Esse conflito, apenas aparente, resolve-se, na
técnica constitucional, pelo critério hermenêutico da proporcionalidade, o qual,
na espécie, aponta, razoavelmente, para a prevalência da garantia constitucio-
nal da segurança jurídica, da igualdade de todos perante a lei, da duração
razoável do processo, bem como na necessidade lógica de unidade e coerência
do ordenamento jurídico.23

7 POSIÇÃO DO STF SOBRE O REGIME DE PRECEDENTES


DO CPC/2015

Resta registrar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento ocorrido


já na vigência do novo CPC, prestigiou o sistema de precedentes adotado pela
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 161.
23

Também Strätz, na mesma linha, entende que “embora o nosso Direito continue tendo como fonte formal
por excelência, o direito aplicado pelos tribunais, sobretudo os de superposição, passa agora a ocupar um
papel de proeminência na interpretação jurídica, já que esta, a partir do Novo Código, deverá debruçar-se
também sobre os textos produzidos pelos Tribunais Superiores. Se assim não for, de que adiantará a lei ser
a mesma para todos? Sê-lo-á apenas no papel, se os juízes puderem, cada um à sua moda, aplicarem-na
do modo que quiserem e sem respeito ao sentido interpretativo fixado pelas Cortes de vértice” (STRÄTZ,
Murilo. Aportes à desmistificação do art. 927 do Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo,
São Paulo, v. 269, p. 459).

289
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

atual legislação processual brasileira, considerando-a instrumento de efetivação


de vários princípios constitucionais. In verbis:

[...] 3. O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal


Federal impõe-lhe dar unidade ao direito e estabilidade
aos seus precedentes.
4. Conclusão corroborada pelo Novo Código de Proces-
so Civil, especialmente em seu artigo 926, que ratifica a
adoção – por nosso sistema – da regra do stare decisis, que
‘densifica a segurança jurídica e promove a liberdade
e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de
uma perspectiva lógico-argumentativa da interpreta-
ção’. (MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à
vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016).
5. A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare de-
cisis relaciona-se umbilicalmente à segurança jurídica, que
‘impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito
ser cognoscível, estável, confiável e efetivo, mediante a
formação e o respeito aos precedentes como meio geral
para obtenção da tutela dos direitos’. (MITIDIERO,
Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à
interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2013).
6. Igualmente, a regra do stare decisis ou da vinculação
aos precedentes judiciais ‘é uma decorrência do próprio
princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões,
devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver
uma justificativa para a mudança de orientação, a ser de-
vidamente objeto de mais severa fundamentação. Daí se
dizer que os precedentes possuem uma força presumida
ou subsidiária.’ (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica:
entre permanência, mudança e realização no Direito Tri-
butário. São Paulo: Malheiro, 2011).
7. Nessa perspectiva, a superação total de precedente da
Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias
(fáticas e jurídicas) que indiquem que a continuidade de sua
aplicação implicam ou implicarão inconstitucionalidade.
8. A inocorrência desses fatores conduz, inexoravelmente,
à manutenção do precedente já firmado.” 24

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 655.265-DF, Tribunal Pleno. Relator:
24

Min. Edson Fachin. Brasília, 13 de abril de 2016. Diário de Justiça: 5 ago. 2016. (grifo nosso).

290
8 IMPORTÂNCIA DA TÉCNICA DE JULGAMENTO SEGUN-
DO PRECEDENTE

O sucesso do sistema de precedentes jurisprudenciais vinculantes, sem


embargo de sua alta relevância na efetivação de vários princípios constitucio-
nais, não se alcança apenas por meio de inovações na legislação processual. É
imprescindível para tal desiderato que se criem e se adotem nos órgãos do Poder
Judiciário a cultura e a técnica do julgamento segundo a coerência e a dinâmica
do sistema da jurisprudência como fonte de direito.
Quando o precedente é composto mediante disposição clara, assentada em
fundamentação sólida, facilitada se torna sua aplicação. Se o novo julgamento não
é inovativo não precisará de grande esforço para aplicá-lo, podendo simplesmente
se valer o juiz dos fundamentos e da clareza contidos no leading case seguido.
Diversa é a situação das decisões que pretendam se afastar do precedente, seja
pela distinção ou pela superação, já que só por argumentação em contrário,
nova, adequada e racionalmente convincente logrará sucesso no intento25.
Destaque-se que “uma das mais importantes técnicas na utilização dos
precedentes é a distinção, que além de poder ser realizada por qualquer juiz26,
consiste na análise da incidência ou não de um precedente invocado, a partir da
existência ou não de similitude fática entre os dois casos. Trata-se de uma forma
de contínua delimitação do precedente originário a partir dos casos posteriores,
sendo essencial na dinâmica dos precedentes”27.
Cumpre, porém, evitar a chamada distinção inconsistente, que na ver-
dade é uma falsa distinção, utilizada erroneamente para fugir do precedente,
em casos em que a referida técnica não teria cabimento. A boa doutrina qualifica
o expediente, às vezes aceito no direito estrangeiro, como uma “deturpação de
uma técnica que não deve ser incorporada ao direito brasileiro, sob pena de
dificultar o desenvolvimento dos precedentes e a delimitação dos casos em que
deve incidir”28.
A superação do precedente, outra técnica também importante na aplica-
ção do regime dos precedentes obrigatórios, é tarefa que por sua própria natureza
se reserva ao tribunal responsável pela edição da norma judicial. Há casos, po-
rém, em que a perda de eficácia é evidente, não havendo como impedir que seu
reconhecimento ocorra pelo juiz, mesmo antes de a superação ser pronunciada
25
MENDES, op. cit., p. 24.
26
Como já visto, ao contrário da distinção, que pode ser feita por qualquer julgador, a superação, em
princípio, só cabe ao próprio tribunal que formulou o precedente (ver, retro, o nº 11).
27
PEIXOTO, op. cit., p. 352.
28
Ibid., 2015.

291
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

pelo tribunal superior. É o que ocorre, por exemplo, quando lei posterior dispo-
nha sobre a matéria do precedente de maneira contrária à norma neste contida,
ou ainda, quando o tribunal passe a decidir de maneira diversa, afastando-se
tacitamente de seu precedente. Em ambos os casos teria acontecido revogação
implícita do precedente, como se passa com qualquer norma legal, no plano de
direito intertemporal (Lei de Introdução, art. 2º, § 1º).
Em resumo, diante das características próprias do direito jurisprudencial
brasileiro, o mais importante, no momento, para a efetiva implantação do sis-
tema de precedentes regulado pelo CPC/2015, é principalmente a absorção das
técnicas construídas pelo common law em torno das noções de ratio decidendi,
obiter dictum, distinção e superação.

5 CONCLUSÕES

A criação do novo sistema de formação do chamado “direito jurispru-


dencial” (stare decisis) brasileiro atendeu não apenas a uma conveniência, mas a
uma necessidade, imposta por vários e transcendentais princípios integrantes dos
fundamentos do moderno Estado Democrático de Direitos, como a segurança
jurídica, a igualdade de todos perante a lei e a eficiência da tutela jurisdicional29.
Já há muito se criticava o modelo processual e o resultado de sua aplicação pelo
Poder Judiciário brasileiro, caracterizados pela “falta de coerência e racionalidade”
que vinha provocando, dando espaço amplo para o intolerável “decisionismo”30.
29
A demonstração da constitucionalidade do sistema de “direito jurisprudencial” instituído pelo CPC/2015 foi
efetuada com maior desenvolvimento em nosso ensaio demandas repetitivas. Direito jurisprudencial. Tutela
plurindividual, segundo o novo Código de Processo Civil: incidente de resolução de demandas repetitivas
e incidente de assunção de competência (Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v.
28, n. 9/10, p. 65-77, set./out. 2016). No mesmo sentido, entre outras, são as lições de: ARRUDA ALVIM,
José Manoel. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p. 521-531; MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: RT, 2016, p. 25-34;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo, São Paulo,
v. 98, p. 295-306, abr./jun. 2000); GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. Brasília:
Gazeta Jurídica, 2016, especialmente capítulo 8; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Considerações acerca
da compreensão do modelo de vinculação às decisões judiciais: os precedentes no novo Código de Processo
Civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 257, p. 343-370, jul. 2016); ZANETI JÚNIOR,
Hermes. Precedentes (treat like cases alike) e o novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São
Paulo, v. 235, p. 293-349, set. 2014); CARVALHO, Sabrina Nasser de. Decisões paradigmáticas e dever
de fundamentação: técnica para a formação e aplicação dos precedentes judiciais. Revista de Processo, São
Paulo, v. 249, p. 421-448, São Paulo, nov. 2015); MACÊDO, op. cit., p. 117-169); MITIDIERO, op. cit.,
p. 118-152). Em sentido contrário pensam, entre outros: MARINONI, Luiz Guilherme. O “problema” do
incidente de resolução de demandas repetitivas e dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Revista
de Processo, São Paulo, v. 249, p. 399-419, São Paulo, nov. 2015); BUENO, Cássio Scarpinella. Manual
de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 538); e NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa
Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 837).
30
MACÊDO, op. cit.,p. 259.

292
Naturalmente, o inovador sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015
não pode ser tratado como uma panaceia capaz de resolver todos os problemas
da reconhecida ineficiência com que a tutela jurisdicional é prestada no País.
Nada obstante, justo é o registro doutrinário de que “o stare decisis” bra-
sileiro merece ser construído por configurar um excelente instrumento para
aperfeiçoar a aplicação dos princípios constitucionais e dar racionalidade à prática
jurídica no paradigma neoconstitucional”31.

Ibid., p. 260. O neoconstitucionalismo, como destaca o autor, supera o positivismo e resgata, entre outras
31

coisas, a hermenêutica e a retórica no Direito, revelando a natureza normativa dos princípios jurídicos. Esse
novo direito, compromissado com a ética e os valores morais e sociológicos, tem adotado, largamente, normas
fundadas em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados, gerando grandes incertezas na sociedade e
exigindo do juiz “criatividade” na respectiva aplicação. Daí que, inevitavelmente, se impõe “o reconhecimento
dos precedentes judiciais como fonte do direito”, por força de “uma exigência para a coerência e racionalidade
do sistema” (MACÊDO, op. cit., p. 258). No mesmo sentido: CHIASSONI, Pierluigi. La giurisprudenza
civile: metodi d’interpretazione e tecniche argomentative. Milano: Giuffrè, 1999, p. 10.

293
A TENDÊNCIA DE UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA
DO IRDR POR LITIGANTES HABITUAIS E A
NECESSIDADE DOS TRIBUNAIS REFLETIREM
SOBRE SUA COOPTAÇÃO: a proibição do incidente
preventivo e o caso Samarco1

Dierle Nunes*
Ana Luiza Pinto Coelho Marques*
Isadora Tofani Gonçalves Machado Werneck*
Laura Freitas*

RESUMO: O presente artigo tem como escopo construir uma abordagem


crítica quanto à aplicação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
(IRDR), instituto inaugurado pelo Novo Código de Processo Civil e disciplinado
entre os artigos 976 e 987 da Lei Processual. Este estudo intenta verificar se o
hodierno modo de aplicação do IRDR se alinha aos objetivos que ensejaram a
sua criação, à luz da escolha legislativa pelo seu caráter repressivo, utilizando-se
como método o estudo de caso do IRDR Nº 040/2016 do Espírito Santo. Para
este desiderato, expõe-se o conceito do IRDR, suas especificações e críticas à
sua aplicação em caráter preventivo para, ao final, demonstrar as implicações da
instauração prematura do incidente. O trabalho se assenta sobre a percepção de
que a ferramenta deve, para além de buscar o gerenciamento de casos repetitivos,
ser capaz de formar um precedente legítimo.

1
Foi com grande honra que recebemos o convite para escrever em homenagem ao advogado mais emblemático
das Minas Gerais, nosso querido Raimundinho. Esta é uma singela homenagem àquele que tanto fez pela
advocacia das Gerais.
*
Doutor em direito processual (PUCMINAS/Universitàdegli Studi di Roma “La Sapienza”). Mestre em
direito processual (PUCMINAS). Professor permanente do PPGD da PUCMINAS. Professor adjunto
na PUCMINAS e na UFMG. Secretário Adjunto do Instituo Brasileiro de Direito Processual. Membro
fundador do ABDPC. Membro da International Association of Procedural Law, Instituto Panamericano de
Derecho Procesal e Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO). Diretor executivo do Instituto
de Direito Processual – IDPro. Membro da Comissão de Juristas que assessorou no Novo Código de
Processo Civil na Câmara dos Deputados. Membro da Banca examinadora do LV Concurso para Ingresso
na Carreira do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Advogado. E-mail: dierle@cron.adv.br.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
*
Advogada.

295
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Palavras-chave: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).


Novo Código de Processo Civil (NCPC). Abordagem Repressivo. Precedente
Legítimo.

ABSTRACT: From many innovations brought to the juridical order by


the Brazilian new Civil Procedure Code there is the Incident of Resolution
of Repetitive Claims (IRDR), addressed in articles 976 to 987. This article
has the purpose to construct a critical approach regarding the application of
the institute, verifying the relationship of this with its objectives, facing the
sequential aspects of legislative choice for its repressive character, using as the
main method the case study of IRDR No. 040/2016 from Espírito Santo. We
expose the IRDR`s concept, its specifications, related criticisms of its preventive
application, in order to finally demonstrate the implications of the premature
introduction of the incident, focusing on the perception that this tool, more
than just seeking the repetitive case management, has to be able to form a
rightful precedent.

Keywords: Incident of Resolution of Repetitive Demands (IRDR), Brazil’s


New Civil Procedure Code (NCPC), Repressive Approach, Rightful Precedent.

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais. 2 Cabimento do Incidente. 3


Legitimidade. 4 Competência de admissão. 5 Alguns objetivos do instituto. 6 A
escolha legislativa pelo IRDR repressivo: a proibição do incidente preventivo.7
O Caso Samarco: IRDR Nº 040/2016 do Espírito Santo. 8 Considerações
finais.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), previsto nos


artigos 976 a 987 do CPC/15, é uma novidade no Direito processual brasileiro
inspirado no Musterverfahrenalemão1. A utilização do instituto vem suscitando
muitas digressões teóricas no período de vigência da nova legislação.
Decerto, nos poucos meses de enfrentamento da nova dogmática proces-
sual, já se vislumbra um temerário uso preventivo do instituto, tanto na própria
magistratura, quanto no exercício da advocacia.

No processo-modelo das controvérsias do mercado de capital – Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz


1

(KapMug), divulgado no Brasil por CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo


(Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo, São Paulo, n. 147, p.
123-146, maio 2007.

296
Por um lado, parcela da advocacia se lança ao manejo estratégico do IRDR,
seja com o intuito de se obter a suspensão de uma multiplicidade de processos
nos quais se tenha interesse direto2, seja em busca de um padrão decisório hábil a
ser aplicado de modo uníssono e benéfico aos seus constituintes ou mesmo para
alcançar um padrão decisório fundado em discussões ainda embrionárias. Nesse
sentido, a prática começa a preocupar a doutrina e os Tribunais, especialmente
quando se percebe a potencial cooptação do instituto por litigantes habituais.3
Noutro giro, passa-se à observação de magistrados de primeiro grau que
almejam transferir (sem qualquer dissenso prévio) o julgamento de causas repe-
titivas para o Tribunal ao qual esteja vinculado, reduzindo seu passivo de causas
a serem examinadas.
Ocorre que, a se manter este modo de aplicação, o adequado uso da
ferramenta de litigiosidade repetitiva pode ser comprometido, induzindo-se à
prematura rejeição dos Tribunais quanto à instauração do IRDR, em face do
risco de formação de um precedente ilegítimo.
Veja-se, como o próprio nome sugere, que o incidente de resolução de
demandas repetitivas é uma técnica introduzida com a finalidade de auxiliar no
dimensionamento da litigiosidade repetitiva mediante cisão da cognição4 por
meio de “procedimento-modelo” ou “procedimento-padrão”. Noutro dizer,
o IRDR é um incidente por meio do qual “são apreciadas somente questões
comuns a todos os casos similares, deixando a decisão de cada caso concreto

2
Por exemplo, para gerar o adiamento do adimplemento de obrigações.
3
As demandas repetitivas também devem apresentar envolvidos repetitivos e ocasionais, ou seja, as partes
litigantes devem apresentar um padrão de comportamento perante o judiciário. Essas partes devem
ser litigantes habituais, aqueles que são capazes de atingir um grande número de pessoas ou que estão
relacionados a um objeto incindível que atinge de forma uniforme a sociedade, sejam entes públicos
ou privados. E litigantes ocasionais, aquelas pessoas que têm seus direitos lesados e ingressam de forma
individualizada no judiciário. (ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. Meios consensuais de resolução de
disputas repetitivas: a conciliação, a mediação e os grandes litigantes do judiciário. 2014. 193 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Processual) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014).
4
NUNES, Dierle; PATRUS, Rafael Dilly. Uma breve notícia sobre o procedimento-modelo alemão e sobre
as tendências brasileiras de padronização decisória: um contributo para o estudo do incidente de resolução
de demandas repetitivas brasileiro. In: FREIRE, Alexandre et al. (Org.). Novas tendências do Proces-
so Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. Disponível em: <http://migre.me/oGJ0y>. Nesses termos, a parte
“comum” será dimensionada pelo tribunal de segundo grau mediante ampla cognição (art. 983, caput),
audiência pública para obtenção de subsídios argumentativos (art. 983, § 1.º) e análise panorâmica “de
todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”
(art. 984, § 2.º). Uma vez dimensionados no acórdão os fundamentos determinantes padronizáveis das
causas repetitivas, caberá ao juízo de primeiro grau aplicá-los dialogicamente. Apesar de algum dissenso
interpretativo que possa resultar do novo instituto, há que se lembrar que, pela natureza de incidente, não
se vislumbra a perspectiva de ser o IRDR uma técnica de causa-piloto (como os recursos extraordinários),
sem cisão cognitiva, mas sim, igualmente ao sistema alemão, de procedimento-modelo.

297
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

para o juízo do processo originário”5. Ao Juízo primevo caberá a aplicação do


padrão decisório em consonância com as peculiaridades fático-probatórias de
cada caso, como se verá adiante6.
Apesar do dissenso interpretativo existente, pela própria natureza de
incidente, o IRDR se revela como uma técnica de procedimento-padrão,7
tal como no sistema alemão, não se vislumbrando, com respeito às opiniões
contrárias, a possibilidade de enxergá-lo como técnica de causa-piloto (como os
recursos extraordinários) sem cisão cognitiva.
Neste sentido, o julgamento no Tribunal se dará tão somente na parte
padronizável, sob pena de inviabilizar a instauração do incidente em relação a
processos em primeiro grau (art. 977, I, CPC/15), eis que o IRDR se limita
à matéria jurídica (art. 976, I, CPC/15). Como corolário, a análise de fatos e
provas ficará sob a competência do juízo de aplicação, na etapa final prevista no
art. 985 do diploma processual.
Vislumbre-se, ainda, que a legitimidade da Defensoria Pública e do Órgão
de Execução do Ministério Público para instauração do incidente em processos
que não serão necessariamente de temáticas coletivas, reforça o entendimento
de se tratar de procedimento-modelo.

5
CABRAL, Antônio do Passo. A escolha das causa-piloto no incidente de resolução demandas repetitivas.
Revista de Processo, São Paulo, v. 231, p. 203, maio 2014.
6
NUNES; PATRUS, 2013.
7
Além das divergências doutrinárias, há também divergência jurisprudencial sobre a natureza do incidente. A
título de exemplo, o TJMG julgou os IRDR’s n° 0378378-98.2016.8.13.0000 e 0328324-31.2016.8.13.0000,
como “procedimento-modelo” (MINAS GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 0378378-98.2016.8.13.0000, Segunda Seção Cível. Relator: Des.
Juliana Campos Horta. Belo Horizonte, 3 de julho de 2017. Diário de Justiça: 11 ago. 2017; e MINAS
GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
0328324-31.2016.8.13.0000, Primeira Seção Cível. Relator: Des. Alberto Vilas Boas. Belo Horizonte,
4 de abril de 2017, Diário de Justiça: 7 abr. 2017). Também o TJDF e TJRS adotaram tal técnica nos
incidentes de n° 0051570-97.2016.8.07.0000 (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do DF e
Territórios. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0051570-97.2016.8.07.0000, Câmara
de Uniformização. Relator: Des. Carmelita Brasil. Brasília, 26 de junho de 2017. Diário de Justiça: 18
jul. 2017) e 0154697-13.2016.8.21.7000 (RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do
Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0154697-13.2016.8.21.7000, Tribunal Pleno.
Relator: Des. Ivan Leomar Bruxel, Porto Alegre, 8 de maio de 2017. Diário de Justiça: 25.05.2017). Por
outro lado, o TJRJ adotou a técnica de “causa-piloto” ao julgar os IRDR’s n° 0023484-83.2016.8.19.0000
e 0018608-85.2016.8.19.0000 (RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 0023484-83.2016.8.19.0000, Seção Cível Comum. Relator: Des.
Guaraci de Campos Vianna. Rio de Janeiro, 8 de junho de 2017. Diário de Justiça: 9 jun. 2017; e RIO
DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
nº 0018608-85.2016.8.19.0000, Seção Cível Comum. Relator: Des. Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 2016. Diário de Justiça: 24 jun. 2016). No mesmo sentido, foi decidido o
IRDR 2121567-08.2016.8.26.0000. (SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas nº 2121567-08.2016.8.26.0000, Turma Especial - Privado 2. Relator:
Des. Lígia Araújo Bisogni. São Paulo, 9 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 17 ago. 2016).

298
Ademais, a atribuição de competência originária para julgamento integral
em incidente (como causa-piloto e desprovido da cisão cognitiva), sem previsão
constitucional, poderia gerar impugnações decorrentes da avocação pelo Tribunal
de processos, sem olvidar da inconstitucionalidade e do problema da suspensão
de processos em primeiro grau em fase de cognição incipiente.
O que se passa a demonstrar é que, em que pese o fato de que parágrafo
único do art. 978 do CPC/158 possa aludir à ideia de julgamento em causa-pi-
loto, o que a norma dimensiona é uma regra de competência e de prevenção
para julgamento de todos os casos afetados.

2 CABIMENTO DO INCIDENTE

Nos termos do art. 976, do CPC/15, o incidente de resolução de deman-


das repetitivas poderá ser instaurado quando houver, simultaneamente, “efeti-
va repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão
unicamente de direito” (inciso I) e “risco de ofensa à isonomia e à segurança
jurídica” (inciso II), somado à inexistência de recurso afetado para definição
de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva nos Tribunais
Superiores (art. 976, §4º).
A admissão do IRDR deverá ser analisada pelo órgão colegiado determina-
do no Regimento Interno do respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional
Federal e terá uma nítida função preparatória do debate e julgamento.9
Para a demonstração da efetiva repetição, a decisão de admissão deverá
indicar a existência de processos em tramitação no Tribunal (de competência
originária ou recursal)10, enumerar os dispositivos legais e as questões a serem

8
“Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles
responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal. Parágrafo único. O órgão colegiado
incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária
ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente”.
9
No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o procedimento para julgamento do incidente
encontra-se previsto nos arts. 368-A a 368-N, do Regimento Interno do Tribunal. São competentes o
julgamento do IRDR, no Tribunal, a Primeira e a Segunda Seções Cíveis, sendo aquela composta por oito
desembargadores, representantes da Primeira à Oitava Câmara Cíveis (Câmaras de Direito Público), e esta
por dez desembargadores, representantes da Nona à Décima Oitava Câmara Cíveis (Câmaras de Direito
Privado), nos termos do art. 9º, inciso IV, do RITJMG.
10
Enunciado n. 344 do FPPC: “A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no
respectivo Tribunal”. Acatando este entendimento doutrinário: RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal
de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº0228061-18.2016.8.21.7000,
Primeira Turma. Relator: Des. José Aquino Flores de Camargo. Porto Alegre, 5 de agosto de 2016. Diário
de Justiça: 8 ago. 2016; SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº0000560-25.2016.0.03.0000, Tribunal Pleno. Relator: Juiz Convocado Luciano
Assis. São Paulo, 31 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 1 set. 2016.

299
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

resolvidas na decisão de admissão do incidente, bem como os diferentes enten-


dimentos sobre a temática objeto de julgamento (fundamentos determinantes
contrastantes) adotados em diversos processos.11 Esta última determinação é
extraível da finalidade de busca de formação de precedentes do instituto (art. 985,
II) e da necessidade de análise de todos os argumentos favoráveis e contrários
(art. 984, § 2º), que impedem sua instauração preventiva.
Se, por exemplo, for interposto recurso de apelação e se perceber que
as temáticas tratadas no caso sejam repetitivas, torna-se viável a instauração de
IRDR12.
Importa pontuar que no curso da tramitação legislativa do Projeto de
Lei que redundou no novo Código de Processo Civil, discutiu-se se a existência
de processos em tramitação no Tribunal seria requisito essencial à instauração
do IRDR. Originalmente, o texto legal contemplou dispositivo expresso com a
exigência de litígios prévios, o que restou ao final suprimido da norma publicada.
Ainda assim, defende-se que a omissão legislativa não desnaturou a vedação de
utilização do IRDR preventivo.
Outro requisito (negativo) a ser aferido quando da decisão de admissão diz
respeito à inexistência de recurso afetado para definição de tese sobre questão de
direito material ou processual repetitiva nos Tribunais Superiores, no âmbito de
sua respectiva competência. A este respeito, no entanto, tenha-se em mente que a
simples existência de Recurso no Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não
obsta a tramitação do IRDR, de tal forma que esta limitação ocorre somente na
hipótese de afetação de julgamento de casos repetitivos (art. 976, §4º, CPC/15)13.
11
Como demonstrado na decisão de admissão: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0038758-92.2016.8.26.0000, Turma Especial – Público. Relator:
Des. Coimbra Schmidt. São Paulo, 26 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 27 ago. 2016.
12
Como aceito na decisão de admissão de IRDR nos autos de SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do
Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº2059683-75.2016.8.26.0000, Turma Especial
– Privado 2. Relator Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli. São Paulo, 8 de junho de 2016. Diário de Justiça:
27 ago. 2016.
13
“A circunstância de haver recurso admitido na instância especial não obsta a admissão de IRDR, o que só
se verificaria desde que ali se tivesse instalado procedimento de recursos repetitivos sobre o assunto” (SÃO
PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
2059683-75.2016.8.26.0000, Turma Especial – Privado 2. Relator Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli. São
Paulo, 8 de junho de 2016. Diário de Justiça: 27 ago. 2016). Em sentido análogo, para casos já julgados
em Recurso Extraordinário: “O incidente de resolução de demandas repetitivas não pode ser instaurado
quando, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, existem precedentes recentemente construídos, sob
o regime da repercussão geral, sobre a questão relativa ao aproveitamento de candidatos aprovados fora
do número de vagas oferecidas no edital de concurso público e novas vagas supervenientes.” (MINAS
GERAIS (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
1.0000.16.018615-1/001, Primeira Seção Cível. Relator: Des. Alberto Villas Boas. Belo Horizonte, 15
de junho de 2016. Diário de Justiça: 24 jun. 2016). Com entendimento que discordamos, decisão de
inadmissão proferida pelo TJSP, apesar de reconhecer a impossibilidade de não conhecimento de IRDR
pela simples existência de procedimento em trâmite no STJ suscitou entre os argumentos obter dicta que

300
Frise-se, ainda, que o IRDR pressupõe a ausência de julgamento da questão
jurídica (as matérias mais recorrentes foram: a. tributária14; b. previdenciárias15;
e c. administrativas16) no procedimento afetado, sob pena de viabilizar sua uti-
lização como recurso ou sucedâneo recursal. Com efeito, trata-se de utilização
vedada, por se desviar do caráter teleológico objetivado pelo legislador17.

3 LEGITIMIDADE

São partes legitimadas à propositura do incidente o juiz ou relator, as par-


tes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública (art. 977, CPC/15)18, devendo
o pedido ou o ofício requisitório ser instruído com os documentos necessários à
demonstração dos requisitos para a instauração do incidente e dirigido ao Presi-

haveria na espécie em análise matéria devolvida em recurso interposto perante Tribunal Superior (SÃO
PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
2063941-31.2016.8.26.0000, Turma Especial – Público. Relator:Des. Luciana Bresciani, São Paulo, 26
de agosto de 2016. Diário de Justiça: 31 ago. 2016). Apesar de se tratar de mero obter há de se afastar
este argumento pela expressa determinação do CPC.
14
“Natureza jurídica do encargo de 10% do valor do crédito inscrito em dívida ativa”, com aproximadamente
11200 execuções fiscais sobre a temática. Decisão de admissão: DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça
do DF e Territórios, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 20160020134714. Relator: Des.
José Divino. Brasília, 6 jun. 2016. Diário de Justiça: 23 jun. 2016.
15
Decisão de admissão: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº 0038758-92.2016.8.26.0000, Turma Especial – Público. Relator: Des. Coimbra
Schmidt. São Paulo, 26 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 27 ago. 2016.
16
Ações (1215) em que policiais militares postulam o percebimento de gratificação de habilitação policial militar,
vantagem que recebiam mensalmente até ser suprimida pela Administração (BAHIA (Estado). Tribunal de
Justiça do Estado, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0006411-88.2016.8.05.0000, Seção
Cível de Direito Público. Relator: Des. Marcia Borges Faria. Salvador, 29 de junho de 2016. Diário de
Justiça: 3 jul. 2017). 810 demandas com pretensão de concessão de auxílio transporte a policiais militares.
(BAHIA (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº
0007725-69.2016.8.05.0000, Seção Cível de Direito Público. Relator: Des. Telma Laura Silva Britto.
Salvador, 16 de junho de 2016. Diário de Justiça: 18 jun. 2016).
17
Impedindo o uso do incidente como sucedâneo. No caso se buscava, pós julgamento do mérito, a utilização
dos embargos declaratórios como causa piloto a viabilizar o IRDR e a revisão de julgado: “O IRDR […]
não possui natureza recursal, não podendo servir como instrumento de insurgência da parte contra as
decisões judiciais que lhe são desfavoráveis”. (RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça
do Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0228061-18.2016.8.21.7000, Primeira
Turma Cível. Relator: Des. José Aquino Flores de Camargo. Porto Alegre, 5 de agosto de 2016. Diário de
Justiça: 16 ago. 2016; SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas nº 2095249-85.2016.8.26.0000, Turma especial. Rel. Des. Rubens Rihl, São Paulo,
26 de agosto de 2016. Diário de Justiça: 1 set. 2016; RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do
Estado. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0025701-02.2016.8.19.0000, Seção Cível/
Consumidor. Relator: Des. Leila Albuquerque, Rio de Janeiro, 14 de julho de 2016. Diário de Justiça, n.
2501613, 18 jul. 2016).
18 Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou
relator, por ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública,
por petição. Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à
demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

301
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

dente do Tribunal local. O julgamento deverá ser realizado pelo órgão colegiado
indicado no Regimento Interno19.
Vale salientar que o CPC/2015, apesar de tratar dos diversos legitimados
à propositura do incidente, não abordou a problemática em relação à possibili-
dade de pluralidade de pedidos ou ofícios relativos à mesma questão repetitiva,
perante o mesmo Tribunal.20 Ante tal questão, parte da doutrina tem defendido
o apensamento e processamento conjunto dos pedidos e/ou ofício, conforme se
depreende do enunciado nº 89 do Fórum Permanente de Processualistas Civis21.
Por sua vez, Normas Regimentais de alguns Tribunais adotaram alternativas
diversas, como a escolha de pedidos ou ofícios representativos da controvérsia22,
aplicando-se por analogia a sistemática dos recursos repetitivos, prevista no art.
1.036, do CPC/201523.
Após a escolha dos ofícios/pedidos mais representativos ou o apensamento
dos mesmos, o relator do incidente deverá ser designado mediante distribuição
por sorteio. Ressalte-se que, na hipótese em que a iniciativa de instauração parta
de relator que seja também julgador do órgão responsável pela apreciação do
incidente, este será distribuído por prevenção.24
A distribuição também ocorrerá por prevenção se houverem pedidos ou
ofícios para a instauração do incidente sobre questão conexa à de IRDR já ad-

19
Vide nota 13 supra. Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno
dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
20
CAZZARO, Kleber. Estudos de Direito Processual à luz da Constituição Federal. Erechim: Deviant,
2017, p. 81.
21
Enunciado n. 89 do FPPC: “Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de
resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados
conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados,
cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas.”
22
Tal entendimento foi incorporado ao TJBA, no art. 219, §2º, de seu Regimento Interno: “Art. 219, §2º
Se houver mais de um pedido de instauração de incidente, tendo por objeto a mesma questão de direito, o
Presidente do Tribunal escolherá o caso que mais bem represente a controvérsia, observado o disposto no
§ 6º do art. 1.036 do Código de Processo Civil, e determinará que os demais pedidos integrem a autuação
a fim de que o Relator conheça dos argumentos levantados; os requerentes dos pedidos não escolhidos
serão informados do número do incidente instaurado e as partes dos respectivos casos poderão participar
do processo como intervenientes”.
23
Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em
idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção,
observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de
Justiça.
§ 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2
(dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal
ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
24
DIDIER JR., Fredie; TEMER, Sofia. A decisão de organização do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas: Importância, conteúdo, e o papel do regimento interno do Tribunal. Revista de Processo,
São Paulo, v. 258, p. 257-278.

302
mitido, possibilitando que os incidentes tramitem conjuntamente e possam ser
julgados em uma única sessão25.

4 COMPETÊNCIA DE ADMISSÃO

Nos termos do art. 981 do CPC/2015, a admissibilidade do incidente


incumbe ao órgão colegiado responsável pelo seu julgamento26. Embora haja
previsão expressa nesse sentido, diversos Tribunais passaram a contemplar a pos-
sibilidade de julgamento monocrático27, tal como o TJMG, cujo Regimento
Interno admite o julgamento unipessoal, em caráter liminar, quando o pedido
seja formulado por parte ilegítima28.
A decisão de admissão deve, de forma fundamentada, avaliar a presença
dos requisitos de cabimento do incidente, em conformidade com o disposto no
art. 488, §1º, do CPC/201529. Saliente-se que o juízo negativo de admissibilidade
não obsta posterior suscitação do IRDR, desde que presentes os pressupostos
de cabimento30.
Por sua vez, na hipótese de admissão do incidente, a decisão colegiada
deve identificar, com precisão, o objeto do incidente, delimitando a questão
jurídica debatida, os dispositivos normativos, as teses e os argumentos jurídicos
relacionados à controvérsia, de modo a evitar que a decisão de mérito extrapole
o objeto de discussão.
Mostra-se essencial, ademais, a exposição da questão fática subjacente à
questão jurídica debatida31, permitindo a identificação da categoria de fatos ao

25
Ibid., p. 257-278.
26
Art. 981. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo
de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
27
CAZZARO, op. cit., p. 82.
28
RITJMG, Art. 368-C. Distribuído o incidente, o relator poderá: II - indeferir liminarmente o incidente
quando formulado por parte ilegítima.
29
Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase
de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos
jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos
que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente
ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso
sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência
ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.
30
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, 2. ed., Salvador: JusPODIVM, 2017,
p. 124.
31
Ibid., p. 125-126.

303
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

qual o julgado será aplicado, possibilitando a posterior realização da técnica do


distinguishing32.
Caso o colegiado decida pela admissão do IRDR, os autos devem retornar
ao relator, que proferirá a decisão de organização do processo, formalizando a
decisão de admissibilidade do incidente e viabilizando a publicidade da decisão33.
Como ensinam Fredie Didier e Sofia Temer:

A decisão de organização é essencial para: (i) identificação


precisa do objeto do incidente; (ii) escolha, se necessário,
dos casos representativos da controvérsia; (iii) definição de
critérios para a participação de terceiros, seja como ami-
cus curiae, seja como sujeitos juridicamente interessados,
inclusive definindo uma possível calendarização do proce-
dimento do incidente; (iv) comunicação aos interessados e
à sociedade sobre a afetação da matéria; (v) comunicação
aos juízos inferiores sobre a suspensão das demandas que
versem sobre a questão submetida a julgamento.33

Ainda no que diz respeito à decisão de organização, deve-se determinar


a comunicação dos juízes e órgãos integrantes do Tribunal acerca da suspensão
de processos que versem sobre a questão afetada33.
O incidente deve ser julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre
os demais casos, salvo habeas corpus e casos que envolvam réu preso (art. 980,
CPC/15). Durante esse prazo, o relator designado para o incidente suspenderá
todos os processos pendentes que tramitem no território de competência do tri-
bunal onde instaurado (art. 982, CPC/15) e, na hipótese de o prazo transcorrer
por inteiro sem que o incidente seja julgado, os processos suspensos retomarão

32
Sobre o distinguishing: “A estruturação pela doutrina e jurisprudência pátrias de técnicas de distinção
(distinguishing) a partir do CPC/2015 impõe-se como decorrência lógica da concretização do modelo
constitucional de processo no marco da convergência de tradições jurídicas (que deve ser lida sob a luz
da Constituição e das normas fundamentais da nova legislação) e da utilização do direito jurisprudencial
como fonte normativa e instrumento para a manutenção de um ordenamento jurídico coerente e uniforme,
atributos que remontam, em última análise, à integridade do Estado como garantidor de um sistema jurídico
único, pois apenas assim será possível conciliar a dimensão subjetiva de cada caso com a dimensão objetiva
do direito que se pretende aplicar”. NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. A aplicação de precedentes
e distinguishing no CPC/2015: uma breve introdução. In: CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO,
Lucas Buril de; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de (org.). Precedentes judiciais no NCPC: Coleção
Novo CPC e novos temas. Salvador: Juspodivm, 2015
33
“A decisão de organização do incidente corresponde à formalização do que foi decidido pelo órgão colegiado
no que diz respeito à admissibilidade e aos limites objetivos do incidente, notadamente quanto à definição
da questão jurídica e à identificação das circunstâncias fáticas que ensejaram a controvérsia e para as quais
a tese será aplicável”(DIDIER JR.; TEMER, op. cit., p. 257-278).

304
o trâmite normal, salvo decisão fundamentada do relator (art. 980, parágrafo
único, CPC/15).
Após a oitiva das partes, dos demais interessados (pessoas, órgãos e entida-
des com interesse na controvérsia) e do Ministério Público, bem como realizadas
as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida
(art. 983, CPC/15), o incidente será julgado pelo Tribunal.
Do referido julgamento, forma-se uma tese jurídica a ser aplicada “a
todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão
de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive
àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou região” (art.
985, I, CPC/15) e “aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e
que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão
na forma do art. 983” (art. 985, II, CPC/15).
Destaque-se que a diferença entre o julgamento do IRDR e o julgamento
de recursos extraordinários e especiais repetitivos é o fato de o primeiro tramitar
perante o tribunal local (Tribunal de Justiça ou Regional Federal), ao passo que
o RE e o REsp repetitivos são julgados nos próprios Tribunais Superiores. Até
por isso, e levando-se em consideração a posição hierárquica do STF e do STJ,
que o julgamento de recursos por amostragem tem preferência sobre o IRDR, de
modo que este é incabível “quando um dos tribunais superiores, no âmbito de
sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre
questão de direito material ou processual repetitiva” (art. 976, § 4º, CPC/15).
No que diz respeito à limitação territorial de eficácia, a tese formada em
IRDR, a princípio, está circunscrita ao âmbito da competência territorial do
tribunal local, pois como visto alhures o julgamento do incidente se dá perante
os Tribunais de segunda instância. Todavia, o diploma processual prevê uma
hipótese de extensão dos efeitos da decisão-padrão.
Com efeito, da decisão do incidente caberá recurso extraordinário ou
recurso especial, nos termos do art. 987, do CPC/201534 e, uma vez julgado
o recurso interposto, o acórdão proferido será aplicável em todo o território
nacional e não apenas no âmbito da competência territorial do tribunal onde
originalmente instaurado o incidente.

Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o
34

caso. §1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional
eventualmente discutida. §2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos
individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

305
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

5 ALGUNS OBJETIVOS DO INSTITUTO

A criação de uma ferramenta processual voltada para o manejo de de-


mandas individuais com propagação serial se atenta a dois objetivos precípuos.
O primeiro deles se funda na criação de um sistema de uniformização
de decisões envolvendo questões unicamente de direito – seja material, seja
processual (art. 976, § 4º, CPC/2015) – oriundas de processos individuais ou
coletivos dentro do mesmo Tribunal, para conferir linearidade argumentativa
ao direito e maior efetividade às decisões judiciais.
Noutro giro, busca-se privilegiar a simplificação da aplicação da tutela
jurisdicional, diminuindo ou evitando o abarrotamento em série de ações com
a mesma matéria nos Tribunais, construindo um padrão de previsibilidade das
decisões judiciais fundada na perseguição normativa de coerência, integridade
de estabilidade (art. 926, CPC/15)35.
Desta forma, a instauração dos incidentes de demandas repetitivas intenta
reduzir a chamada “jurisprudência lotérica”36, na medida em que os próprios
Tribunais passam a se vincular, argumentativamente, aos entendimentos estru-
turados nos fundamentos determinantes das decisões proferidas previamente
(arts. 926 e 927, CPC/15), que deverão servir de guias seguros para o deslinde
de ações futuras.
Entretanto, no que tange à referida vinculação argumentativa, emerge
uma relevante advertência: a depender da desejada postura interpretativa do
julgador, os precedentes firmados em sede dos julgamentos de demandas repe-
titivas podem ou não ter eficácia obrigatória para o caso sob exame. Nessa linha
de raciocínio, seja para identificação do precedente, seja para compatibilidade
fática entre o caso pretérito e caso presente, a interpretação do magistrado jamais
deverá ser dispensada37.
35
Nesse sentido as lições esclarecedoras de Sofia Temer e Aluísio de Castro Mendes (2015, p. 283-331):
O incidente de resolução de demandas repetitivas, técnica processual destinada a contingenciar litígios
seriados, assenta-se em três pilares principais, quais sejam: o princípio constitucional da isonomia, que
exige o tratamento uniforme dos litígios isomórficos, a segurança jurídica, estampada na previsibilidade e
uniformidade das decisões judiciais e, por fim, a prestação jurisdicional em tempo razoável. Tais princípios,
além de nortearem todo o ordenamento jurídico processual (como se infere, dentre outros, dos arts. 1.º a 12
do CPC/2015), são a base constitucional do incidente ora analisado. (TEMER, Sofia Orberg; MENDES,
Aloísio Gonçalves de Castro. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas do Novo Código de
Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 243, p. 283-331, maio 2015).
36
A ideia da jurisprudência lotérica se insere justamente nesse contexto; isto é, quando a mesma questão
jurídica é julgada por duas ou mais maneiras diferentes. Assim, se a parte tiver a sorte de a causa ser
distribuída a determinado Juiz, que tenha entendimento favorável da matéria jurídica envolvida, obtém
a tutela jurisdicional; caso contrário, a decisão não lhe reconhece o direito pleiteado. (CAMBI, Eduardo.
Jurisprudência Lotérica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 786, p. 108-126, abr. 2001)
37
Isto porque o precedente não pode ser visto como norma jurídica como outra qualquer, uma vez que “reduzir

306
Essa realidade é perfeitamente factível no campo prático – e até mes-
mo imprescindível – especialmente a partir desse novel microssistema para a
litigiosidade repetitiva, extraindo-se daí a importância de uma fundamentação
racional, analítica e dialógica por parte do julgador à luz de uma interpretação
baseada na ratio decidendi38.
O que se pretende dizer é que a ratio decidendi, ou seja, a parte do prece-
dente que efetivamente vincula (fundamentos determinantes), exige do intérprete
um exercício de reconstrução do raciocínio expresso e implícito aplicado a priori,
contextualizado aos fatos do paradigma a posteriori. Nesse sentido, atua como
um instrumento de limitação ou extensão da vinculação do precedente.
Lado outro, é preciso se atentar à prática do distinguishing39, considerada
importante ferramenta na aplicação da teoria do precedente. Isto porque a extra-
ção, distinção e consequente aplicação (ou afastamento) exigem do aplicador da
norma jurídica a verificação casuística do seu enquadramento como precedente
vinculante, postulando, assim, reprodução decisória equivalente, ou, ao contrário,
julgamento de maneira distinta, se for o caso.
O que se intui é que se dedicar à aplicação dos precedentes constitui, em
apertada síntese, um processo de individualização do Direito, na medida em
que o intérprete deve agir em constante atenção à dimensão subjetiva do caso
concreto (suas especificidades), com adoção de um padrão decisório de modo
a viabilizar a máxima observância ao texto constitucional no que se refere ao
dever de fundamentação dos julgados (art. 93, IX, CF/88), sem que se olvide
do caráter dialógico inerente a ele.

6 A ESCOLHA LEGISLATIVA PELO IRDR REPRESSIVO: a


proibição do incidente preventivo

O Projeto de Lei nº 8.046/2010, que deu origem ao novo Código de


Processo Civil, sofreu múltiplas alterações via emendas durante a tramitação

o precedente à norma consiste em excluir os elementos do julgado que lhe dão nota de identidade na própria
ordem jurídica, e que o torna relevante para o Direito ao lado das normas legislativas e constitucionais.”
(LOPES FILHO, 2015, p. 155).
38
É trabalho do aplicador do Direito extrair a ratio decidendi – o elemento vinculante – do caso a ser utilizado
como paradigma. Mas a noção de ratio decidendi e os critérios para sua determinação constituem algo
ainda fortemente controvertido. Talvez este seja o ponto mais polêmico da teoria e de toda a teoria jurídica
produzida no common Law. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a
justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 259.)
39
Sobre a questão da distinção entre os casos: A complexa atividade lógica de interpretação do precedente
judicial vale-se, outrossim, do método de confronto, denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica
se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma (SCHAUER, 2015, p. 78).

307
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

legislativa. Este trabalho se dedica, especialmente, à Emenda nº18, eis que des-
tinada à modificação da natureza do IRDR, para que o mesmo atuasse apenas
com caráter repressivo e não preventivo, como previsto originalmente na proposta
do Senado Federal.
Valendo-se de entendimentos da doutrina nesse mesmo sentido, o De-
putado Bruno Araújo40, autor da emenda mencionada supra, argumentou que
havia uma finalidade maior a ser obtida, qual seja, o estabelecimento da melhor
tese a ser seguida nos diversos casos repetitivos, e, para esse desiderato, o
mais relevante seria não ter o incidente um escopo preventivo, de modo a
exigir que já houvesse decisões aplicando teses contrárias anteriormente à
sua instauração, sob pena de não se obter a melhor solução ao caso.
Veja-se que a lei brasileira não estipula um número mínimo de processos
repetitivos para autorizar41 o uso do incidente; isso não permite extrair, no en-
tanto, que um número irrisório42 de casos permita a sua instauração.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais está em fase de testes de uma
importante LawTech43que se valerá, concomitantemente, de redes neurais (in-
teligência artificial) e softwares que intentarão promover a leitura eletrônica dos
autos na sua inteireza e a rápida verificação do conteúdo, mediante indexação de
demandas com potencialidade repetitiva. As mesmas serão objeto de vigilância
ativa e, quando do dissenso, viabilizarão a instauração do IRDRs, dispondo,
desde já, da indicação dos argumentos dissidentes.
O que aqui se defende é a premissa do uso fraco das LawTech proposta

40
BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Especial de revisão do Projeto de Lei 8.046/2010. Emenda 181.
Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, 19 out. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/2H6KUW>.
Acesso em: 16 ago. 2017.
41
No direito estrangeiro fala-se de um mínimo de dez casos, número que no direito brasileiro seria irrisório
em face de nossas atuais cifras de repetição. No sistema inglês cf. LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente
de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil – exame à luz
da Group Litigation Order britânica. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 36, n. 196, jun. 2011, p.
187. No sistema alemão: CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (must erver fahren)
alemão. cit. p. 134.
42
Discutível nesses termos o conteúdo do Enunciado n.º 87 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande
quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da
isonomia e de ofensa à segurança jurídica” (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas), sob pena de negativa de vigência ao teor do art. 973, I, que exige a efetiva
repetição de processos. Salvo se sua interpretação for no sentido de verificação do efetivo dissenso
interpretativo.
43
O uso de redes neurais vem obtendo várias aplicações no Direito, pois apesar das mesmas não possuírem
ainda o potencial de resolver todos os problemas presentes para computar o conhecimento jurídico, seu
uso oferece excelentes benefícios para recuperação, catalogação de informações e auxílio na determinação
da semelhança entre os casos. AIKENHEAD, Michael. The uses and abuses of neural networks in Law.
Computer & High Technology Law Journal,Santa Clara, v. 12, 1996. p. 70.

308
por Sunstein44, no sentido de que tais tecnologias sejam capazes de reunir uma
série de casos relevantes, sugerir semelhanças e diferenças e esboçar argumentos
e contra-argumentos. No entanto, sublinhe-se que tais ferramentas não podem
substituir a atividade do julgador, frente à inviabilidade de alcance do raciocínio
jurídico.
Ademais, sempre será necessária a demonstração do efetivo dissenso in-
terpretativo e não um dissenso potencial, sob pena de se instaurar a possibi-
lidade da vedada padronização preventiva (IRDR Preventivo), que violaria a
cláusula de acesso à justiça democrática e do devido processo constitucional.
Decerto, não se busca apenas gerenciar processos repetitivos, mas,
prioritariamente, criar um precedente normativo capaz de encampar uma
fundamentação consistente e hábil a fornecer um julgado panorâmico, le-
vando-se em consideração todos os argumentos em discussão para a deli-
beração e análise dos casos repetitivos. Esta diretriz, aliás, é corroborada pela
necessidade de enfrentamento “de todos os fundamentos suscitados concernentes
à tese jurídica discutida” (art. 984, §2º, CPC/15).
Perceba-se que a prolação de uma decisão superficial, que não enfrente
todos os argumentos, dificilmente terá o condão de estabilizar o entendimento,
induzir ao arrefecimento do retrabalho nos Tribunais e reduzir a litigiosidade
em massa.
Em situações em que se profira um julgamento superficial e que não se
delineie, com precisão, o objeto de julgamento corre-se o risco de que os funda-
mentos não tematizados sejam utilizados pelos advogados para tentar impedir a
aplicação do padrão decisório ou fugir de sua força gravitacional.
Ora, o IRDR somente pode ser legitimamente aceito e aplicado como
instrumento repressivo, porquanto para a formação e fixação do padrão decisório
mostra-se necessária a avaliação da questão sob todos os ângulos, considerando,
sobretudo, o maior número possível de argumentos. Afinal, firmar um prece-
dente sem o amadurecimento da matéria posta em discussão “acarreta o risco de
haver novos dissensos, com a possibilidade de surgirem, posteriormente, novos
argumentos que não foram debatidos ou imaginados naquele momento inicial”45.
Igualmente, a admissão do IRDR preventivo, que permitiria a padroni-
zação decisória de casos antes mesmo do dissenso interpretativo, implicaria em

44
SUNSTEIN, Cass. Of Artifical Intelligence and Legal Reasoning. Public Law & Legal Theory Working
Papers, New York, n. 18, 2001.
45
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas
previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 193, mar. 2011,
p. 193.

309
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

se valer do instituto com um viés puramente utilitarista e como mera técnica de


gerenciamento de casos. Como resultado, decorreria um precedente fictício, já
que a análise dos argumentos relevantes só se mostra francamente possível após
a divergência.
A propósito, oportuno se faz transcrever a advertência feita por Dworkin,
que, ao avaliar a lei norte-americana no que toca o recrutamento militar em casos
de guerra, ressalta a importância da prolação de decisão pelo Judiciário somente
após o amadurecimento da discussão:

O problema que surge em todos os casos é saber se os


assuntos em discussão estão maduros para uma decisão
judicial e se a decisão judicial resolveria esses assuntos
de forma a diminuir a probabilidade de (ou eliminar
as razões para) novos dissensos.46

Nesse mesmo sentido, leciona Antonio Adonias Bastos ao consignar que


“a pronta fixação do precedente evitaria a profusão de desfechos em sentidos
antagônicos para litígios homogêneos”, sendo que “a previsão de um caráter
menos preventivo para o IRDR seria mais coerente com o sistema jurídico
brasileiro, preservando o contraditório”47 e as garantias fundamentais previstas
na Constituição Federal.
A despeito das advertências, alguns Tribunais pátrios passam a adotar
a técnica somente com a finalidade de gerenciamento de casos, em cristalino
caráter preventivo. Nessa dinâmica, o TJRJ admitiu IRDR para discutir a cons-
titucionalidade e legalidade dos atos governamentais para postergar o pagamento
de vencimentos, proventos e pensões e do arresto de verbas públicas estaduais
e para garantir o pagamento de servidor público, aposentado ou pensionista,
em datas anteriores às estabelecidas por aqueles governamentais. Na decisão, o
relator ponderou:

É que uma leitura apressada do parágrafo único do art. 978,


do Código de Processo Civil, poderia levar à conclusão, a
meu ver, equivocada, de que o incidente só seria cabível se
46
Acrescenta ainda, em seguida, que se deve tolerar o dissenso por certo tempo, admitindo, desse modo, a
continuidade da discussão até alcançada maior clareza sobre a matéria. (DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 336-337, grifo nosso).
47
BASTOS, Antonio Adonias. A potencialidade de gerar relevante multiplicação de processos como requisito
do incidente de resolução de causas repetitivas no projeto do Novo CPC. In: DIDIER JR, Fredie; MOUTA,
José Henrique; KLIPPEL, Rodrigo (coord.). O projeto do novo código de processo civil: estudos em
homenagem ao Professor José de Albuquerque Rocha. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 35.

310
suscitado em recurso, remessa necessária ou em processo
de competência originária do Tribunal. Ocorre que, se-
gundo penso, não faz sentido restringir o seu cabimento
a feitos em trâmite no Tribunal, pois seria um estímulo à
desnecessária proliferação de ações marcadas pela mesma
controvérsia. No entanto, a meu pensar, naquele parágrafo
único estão expressos os casos em que o próprio colegia-
do competente para decidir o incidente julgará a questão
constitutiva do mérito dos processos originários, o que não
acarretará supressão de instância, nem significa dizer que o
incidente não seja cabível se suscitado em caso como este.
Aliás, o art. 977, I, prevê expressamente a legitimidade do
juiz para provocar instauração do incidente ao Presidente
do Tribunal e, neste caso, a todas as luzes, feito o pedido
por Juíza de Direito em ação de obrigação de fazer em fase
de citação, sem que tenha sido nela interposto qualquer
recurso, é de se afirmar, desde já, que não poderá ocorrer
a avocação) do parágrafo único do art. 978 do Código de
Processo Civil, porque o incidente se originou de processo
que tramita em primeira instância, a qual não pode ser
suprimida e, por isso, excluída fica a competência para
julgar o feito originário. Então, segundo penso, já que
o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de juiz
pedir a instauração do incidente, é desnecessária a existên-
cia prévia de recurso ou ação originária no tribunal, que,
neste caso, julgará apenas o incidente, fixando a tese jurí-
dica. Em outros termos, dar-se-á aqui uma cisão cognitiva,
pois compete a este Órgão julgar apenas o incidente e ao
primeiro grau julgar a causa contida no feito originário.48

Apesar da concordância com a percepção de cisão cognitiva, entende-se que


a adoção preventiva do incidente induz, como já explicado, a uma padronização
de entendimentos sem divergência prévia, que poderá claramente esvaziar o papel
dialógico do devido processo constitucional. Decerto, a medida obstaculiza a
prolação de um julgado hábil a servir de precedente, pela incapacidade de se
vislumbrar todos os argumentos relevantes (favoráveis e contrários – art. 984,
§4º) antes da efetiva divergência interpretativa, viabilizada pela tramitação (e

RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas


48

Repetitivas nº 0023205-97.2016.8.19.0000, Órgão Especial. Relator: Des. Nildson Araújo da Cruz. Rio
de Janeiro, 16 de maio de 2016. Diário de Justiça, n. 2451564, 20 maio 2016.

311
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

maturação) de casos até o ingresso no Tribunal.


Acentue-se, ainda, que o Código de Processo Civil discrimina um instituto
com o fim específico de prevenir demandas repetitivas, qual seja, o incidente de
assunção de competência (IAC), previsto no artigo 947 da Lei nº 13.105/15.
Trata-se de ferramenta cabível sempre que o Tribunal, quando do julgamento de
recurso, de remessa necessária ou processo de competência originária, constatar
relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em
múltiplos processos.
Assim, no que tange ao caráter preventivo desse incidente, outra conclu-
são não se extrai da leitura do § 4o do art. 947, senão quanto à viabilidade de
instauração do IAC com a finalidade de se evitar a divergência em questões que
não ensejam repetitividade49.
Portanto, por qualquer ângulo que se examine a questão, afasta-se a pos-
sibilidade de instauração do IRDR em caráter preventivo.

7 O CASO SAMARCO: IRDR Nº 040/2016 do Espírito Santo

No Espírito Santo, o IRDR nº 040/2016, suscitado por Magistrados


integrantes do Juizado Especial do Estado, foi deflagrado mediante o uso es-
tratégico comentado no início do texto, em razão de dissenso decisório entre
as sentenças proferidas em diversas ações que versavam sobre a interrupção no
abastecimento de água potável, em decorrência do rompimento da barragem de
Fundão em Mariana/MG.
Oportuno transcrever trecho do relatório da decisão monocrática que
admitiu o incidente. Veja-se:

Trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Re-


petitivas, autuado sob o nº 040/2016, deflagrado pelos
MAGISTRADOS COMPONENTES DA TURMA RE-
CURSAL, alegando, em síntese, divergências nas decisões
das inúmeras ações protocolizadas junto aos Juizados Es-
peciais Cíveis, em especial àqueles vinculados às comarcas
de Colatina e Linhares, que visam a reparação civil decor-
rente de ato ilícito praticado pela empresa SAMARCO
MINERAÇÃO S.A, tendo como causa de pedir os danos

“§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja
49

conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.”

312
advindos da falha na prestação de serviços por ela prestados,
que resultou no rompimento de barragens de rejeitos de
Fundão em Minas Gerais.50

Na ocasião, o Juiz de Direito, relator do incidente, entendeu que estavam


presentes os pressupostos de admissibilidade, ao constatar “[...] a efetiva repetição
de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente
de direito; risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; e pendência de
julgamento de recurso” (ESPÍRITO SANTO, 2016).
No ponto supracitado, já é possível verificar alguns vícios no processa-
mento do incidente: (1) a admissibilidade IRDR sobre matéria de perfil fático/
probatório quando a lei exige que se dê em matéria jurídica material e/ou pro-
cessual; (2) o juízo de admissibilidade realizado monocraticamente quando a lei
determina que se dê de modo colegiado, (3) sua tramitação no âmbito da Turma
de Uniformização de Interpretação de Lei do Juizado Especial do Estado, (4)
sem que houvesse a repetição de processos que versassem sobre a mesma questão
jurídica em segunda instância e, consequentemente, sem a verificação de efetivo
dissenso interpretativo. Deve-se apontar ainda que (5) a decisão de admissibi-
lidade, que também determinou o sobrestamento dos processos que versassem
sobre a matéria, não foi devidamente fundamentada, conforme iremos expor.
Em relação à segunda questão apontada, vale salientar que o Código de
Processo Civil expressamente prevê, em seu art. 981, que o juízo de admissibilida-
de deverá ser realizado pelo órgão colegiado competente para julgar o incidente,
não cabendo ao relator fazê-lo monocraticamente.51
No mesmo sentido, o enunciado 91, do VII Fórum Permanente de Pro-
cessualistas Civis - FPPC, dispõe que “[...] cabe ao órgão colegiado realizar o
juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas,
sendo vedada a decisão monocrática”.
Em assim sendo, imprescindível o respeito à colegialidade da decisão de
admissibilidade do IRDR, principalmente, tendo em vista que o incidente tem
força vinculante e produzirá efeitos em toda a sociedade52. A admissibilidade
do incidente realizada pelo relator, individualmente, e em desconformidade

50
ESPÍRITO SANTO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas nº 0017173-74.2015.8.08.0014, Terceiro Juizado Especial Cível. Relator: Juiz Marcelo Pimentel.
Vitória, 29 de setembro de 2016. Diário de Justiça: 30 set. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/9nrtbq>.
Acesso em: 20 ago. 2017.
51
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil,
13. ed., Salvador: JusPODIVM, 2016. v. 3, p. 629.
52
TEMER; MENDES, op. cit., p. 283-331.

313
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

com o que preconiza o CPC/2015, eiva o procedimento de nulidade desde o


seu nascedouro, uma vez que a realizada por juízo incompetente para fazê-lo.
Note-se que, apesar de, em regra, a decisão monocrática de admissibilidade
do IRDR não ser passível de recurso53, seria possível a interposição de agravo
interno dirigido ao órgão colegiado competente, em conformidade com o art.
1.021, caput, do CPC/2015.54
No que tange ao terceiro ponto, entende-se não ser possível o processa-
mento do incidente no âmbito das Turmas de Uniformização de Jurisprudên-
cia dos Juizados Especiais.55Tal interpretação tem fulcro na própria redação do
CPC/2015, que estabelece expressamente, em diversos de seus artigos, a compe-
tência dos tribunais para o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (arts. 977, 978 e 986, caput, e art. 985, incisos I e II).
Vale salientar, ademais, que o julgamento do incidente pelas Turmas de
Uniformização de Jurisprudência geraria algumas incompatibilidades com o
procedimento previsto nos artigos 976 a 987, do CPC/2015, principalmente no
que se refere à possibilidade de interposição de recurso especial contra a decisão
que julga o mérito do IRDR.56
Isso porque nossa Constituição da República Federativa do Brasil não
admite recurso especial contra as decisões proferidas no âmbito dos Juizados
Especiais, conforme se depreende do art. 105, inciso III, CF/88, bem como do
enunciado de Súmula 203, do Superior Tribunal de Justiça. 57
Por outro lado, o art. 987, do CPC/2015, dispõe que “[...] do julgamento
do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o
caso”. Há, assim, uma incongruência entre o procedimento do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas e a sistemática dos Juizados Especiais, que

53
O juízo de admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, realizado pelo Órgão
Colegiado competente, não é recorrível, admita ou não o incidente, por não haver “causa decidida”,
pressuposto para os recursos extraordinários. A propósito, DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo
José Carneiro da. Recursos contra decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas
que apenas fixa a tese jurídica. In: ________. ________. (org). Julgamento de casos repetitivos: Coleção
grandes temas do novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 7.
54
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado,
observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
55
Recentíssima decisão proferida pelo Conselheiro Henrique Ávila, do CNJ, caminhou no mesmo sentido
defendido neste texto. Segundo o Conselheiro: “embora não haja uma vedação direta e expressa à criação
de órgãos de julgamento dos institutos nos Juizados Especiais, todos os dispositivos que tratam do tema
determinam que o julgamento se dê, sempre, no âmbito dos tribunais, do qual não fazem parte, como
se sabe, as turmas recursais e as turmas de uniformização de jurisprudência dos Juizados”. (FARIELLO,
Luiza. Liminar suspende recursos repetitivos nos Juizados especiais, CNJ, Brasília, abr. 2010. Notícias.
Disponível em: <https://goo.gl/M94Zzs>. Acesso em: 9 ago. 2011).
56
TEMER, op. cit, p. 121-122.
57
“Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.

314
acabaria por tornar a decisão de mérito do IRDR impermeável à revisão pelos
Tribunais Superiores, salvo se houver violação às normas constitucionais.
Ainda importa mencionar que, admitindo-se o julgamento do incidente no
âmbito dos juizados, incorrer-se-ia na possibilidade de jurisprudência dissonante
no âmbito de um mesmo Estado ou Região, sem qualquer mecanismo para sanar
tal divergência. Ora, a competência dos Tribunais muitas vezes se confunde com
a dos juizados e decisões conflitantes, proferidas por órgãos distintos, no campo
dos precedentes, ofenderiam à isonomia e segurança jurídica, em contradição
com o objetivo do incidente.
Há de se questionar, igualmente, a admissão do IRDR sem a efetiva veri-
ficação de multiplicidade de processos e de dissenso interpretativo em segunda
instância. Nos termos da decisão de admissibilidade, o incidente foi suscitado
após constatadas “[...] divergências nas decisões das inúmeras ações protocolizadas
junto aos Juizados Especiais Cíveis” (ESPÍRITO SANTO, 2016).
Buscou-se, assim, ofertar uma resposta para os litígios repetitivos, priori-
zando a função quantitativa do incidente em detrimento da qualidade da decisão,
tendo em vista que, ante a ausência de discussão ampla sobre o tema, os argumen-
tos submetidos à apreciação do Judiciário serão escassos e, consequentemente,
haverá o empobrecimento do discurso jurídico.
Esse modo de utilização dos precedentes como padrões decisórios pre-
ventivos (e superficiais) e de função eminentemente gerencial é especialmente
problemática ao se considerar a suspensão de inúmeros processos que versem
sobre a questão, obstando que diversas pessoas tenham suas pretensões e argu-
mentos apreciados, sem que sequer haja um debate efetivo sobre a tese jurídica
controvertida.
O processo constitucional e democrático é uma garantia Constitucional
e os precedentes não podem perder de vista tal pressuposto. Tratando-se de uma
decisão que busca a implementação “idônea e panorâmica” da temática discutida,
deve visar uniformizar e não prevenir o debate.58
Por fim, têm-se os problemas de fundamentação da decisão de admissi-
bilidade. Percebe-se que o magistrado limitou-se a apontar, sucintamente, que
os requisitos estavam preenchidos, in verbis:

É sabido que o Incidente de Resolução de Demandas Re-


petitivas é instituto novo no ordenamento jurídico, na

NUNES. Dierle. Padronizar decisões pode empobrecer o discurso jurídico. Revista Consultor Jurídico,
58

São Paulo, 6 ago. 2012. Disponível em: <https://goo.gl/4Mqz2v>. Acesso em: 9 ago. 2011.

315
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

qual o novo Código, em suas linhas fundamentais, contém


um sistema que prestigia a jurisprudência como fonte de
direito, a qual, para tanto, como já visto, terá de contar com
uma política dos tribunais voltada para a uniformização,
estabilidade, integridade e coerência conforme artigo 926
do Código de Processo Civil.
Tal função não é somente simplificar e agilizar o julgamen-
to em bloco das ações e recursos seriados, mas também
participar, de modo efetivo, do programa de minimização
do grave problema dos julgamentos contraditórios, como
ocorrido no presente caso ao analisarmos julgamentos
completamente antagônicos, que configuram ofensa à
segurança jurídica e à isonomia.
Observo que estão presentes os pressupostos de admissibili-
dade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
eis que vislumbro a efetiva repetição de processos que con-
tenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente
de direito; risco de ofensa à isonomia e à segurança jurí-
dica; e pendência de julgamento de recurso (ESPÍRITO
SANTO, 2016).

Constata-se que não foi demonstrada efetiva e objetivamente a presença


dos requisitos, o que é extremamente problemático no âmbito dos precedentes.
Em razão de sua força normativa, é imprescindível que a decisão que os admita
seja cuidadosa e avalie de forma correta a presença dos requisitos, sob pena de
banalizar a utilização do IRDR, distorcendo-o e transmutando-o em um mecanis-
mo puramente de gestão de processos, em detrimento de sua função garantidora
da isonomia jurídica, integridade e coerência do sistema.
Também não houve delimitação adequada do objeto do IRDR59. Con-
siderando-se a aplicação por analogia do art. 1.037, inciso I, do CPC/201560,
essencial que a identificação da questão a ser submetida a julgamento seja precisa.
Tal exigência busca, principalmente, evitar que seja fixada tese sobre questões
diversas àquela em análise, em respeito ao dever de coerência das decisões judi-
ciais e ao contraditório. Ademais, não houve exposição das teses e argumentos
59 A propósito, ensina Sofia Temer que “O órgão julgador (colegiado) deverá delimitar sobre o que se refere
o incidente, indicando a questão jurídica, os argumentos ou teses dissonantes apresentados até aquele
momento e os dispositivos normativos relacionados à controvérsia. Ou seja, é a delimitação exata da questão
de direito a ser solucionada pelo tribunal” (TEMER, op. cit, p. 121-122).
60 Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto
do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser
submetida a julgamento;

316
dissonantes, o que decorre do próprio caráter preventivo do caso apreciado e da
consequente baixa maturidade da discussão jurídica sobre o tema.
Ora, é imprescindível que a decisão de admissibilidade, enquanto fase
essencial para a preparação do julgamento do incidente, trate adequadamente
dos pontos de divergência, delimitando o âmbito da discussão. A exposição dos
fundamentos determinantes proporciona que todos os julgadores analisem o
caso sobre o mesmo enfoque e veda, ou ao menos dificulta, que ocorra a fixação
de tese sobre questão distinta, o que, na sistemática dos precedentes, é extrema-
mente relevante.
Conforme se passa a expor, os vícios procedimentais apontados no caso em
tela interferiram concretamente na qualidade do padrão decisório formado, sendo
que a ausência de efetivo dissenso interpretativo e de colegialidade nas decisões,
tomadas por órgão incompetente para tanto, bem como a parca delimitação do
tema objeto do incidente, influenciaram negativamente no resultado alcançado.
Assim, ultrapassada a questão da admissibilidade, impende-se a análise do
resultado do julgado. A Turma julgadora concluiu pela responsabilidade objetiva
da Samarco Mineração pelos danos causados, nos termos seguintes:

Por maioria de votos, a Samarco Mineração é claramen-


te a responsável, devendo responder objetivamente pelos
danos causados pela falta de abastecimento de água potá-
vel; a responsabilidade é objetiva, podendo as ações serem
propostas individualmente, por efeito ricochete; sendo a
responsabilidade por danos morais objetiva, quando fixado
o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), para cada autor
postulante da ação.61

Como previamente exposto, o IRDR, na condição de procedimento-mo-


delo, tem por escopo a fixação de uma tese exclusivamente de direito, o que,
vale dizer, não foi observado.
Da leitura da conclusão elaborada pela Turma Julgadora, observa-se que,
embora a responsabilidade (decorrente do rompimento da barragem) seja de
fato objetiva,62 não se pode olvidar que o deslinde da questão, notadamente a

61
ESPÍRITO SANTO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas nº 0017173-74.2015.8.08.0014, Terceiro Juizado Especial Cível. Relator: Juiz Marcelo Pimentel.
Vitória, 29 de setembro de 2016. Diário de Justiça: 30 set. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/9nrtbq>.
Acesso em: 20 ago. 2017.
62
Sendo essa uma questão puramente de direito, como se extrai dos artigos 225, § 2º da CF/88 e 19 da Lei nº
7.805/89 que estabelece que “[...] o titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de
concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente”

317
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

fixação do montante arbitrado dependem de prova e não poderia ser fixada em


sede de IRDR.
O que leva à conclusão de que, não obstante se revele cristalina a possi-
bilidade de fixação da tese de responsabilização objetiva da mineradora – uma
constatação óbvia que prescindiria do incidente por expressa previsão norma-
tiva constitucional – a discussão da questão jurídica no que tange a fixação de
quantum indenizatório para o dano experimentado não poderia ter sido feita
por meio do incidente
Isso porque se trata de uma análise propriamente casuística, ou seja, que
depende do exame detido das circunstâncias fáticas de cada processo, mesmo
porque, consoante se extrai da legislação civil, a indenização é medida pela
extensão do dano (art. 944, CC/02), que não pode ser mensurado mediante
simples valoração feita por juízo de probabilidade, sob pena de desvirtuar o
próprio substrato fático do instituto.
Nesse contexto, por se tratar de matéria eminentemente probatória, te-
merária se revela a fixação do montante indenizatório por meio de IRDR, sendo
duplamente equivocada a conclusão contrária a esse respeito, seja por violação ao
art. 944 da Lei Civil, seja por expressa vedação legal disposta no artigo art. 976,
I, CPC/2015, como já explicitado, visto que instauração do IRDR pressupõe a
“efetiva repetição de processos, cuja controvérsia se delimite à análise “sobre a
mesma questão unicamente de direito”.
O que se vislumbra, in casu, é o uso estratégico e preventivo do instituto
pelos magistrados de primeiro grau, que provocaram a instauração do IRDR
para a resolução de milhares de processos sob sua competência com transferência
para o juízo de segundo grau (in casu a Turma recursal), e dos advogados do
litigante habitual que obtiveram uma fixação de condenação pífia e ilegal em
incidente de índole fática.
No caso, se promoveu uma análise superficial para a resolução de inúmeras
demandas que acabou forjando um padrão decisório fictício que desprezou a
extensão dos danos sofridosprovenientes da privação de agua potável pelas vítimas
do rompimento da barragem do fundão.
Nestes moldes, a instauração do IRDR revelou a potencialidade estratégica
do uso do instituto e os evidentes riscos do seu manejo preventivo. Tal cooptação
do Judiciário por pautas estratégicas permite que litigantes habituais, ávidos
em reduzir seus danos econômicos, passem ao gerenciamento de seu passivo
financeiro, ao passo que autoriza parte da magistratura à delegação ilegal de
suas funções para o Tribunal (ou turma recursal) que passará a julgar por eles.

318
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

(1) Após cerca de um ano e meio de vigência do CPC/2015, o presente


artigo se propôs a analisar qual vem sendo o posicionamento de alguns Tribunais
nas questões atinentes à aplicação do IRDR. A partir do estudo de caso e aná-
lise crítica, registrou-se advertências e ressalvas necessárias ao uso do instituto,
notadamente em relação à sua adoção em caráter preventivo.
(2) Atentou-se ao uso reiterado do incidente de resolução de demandas
repetitivas em caráter preventivo, enfatizando a função de gerenciamento de
processos do instituto em detrimento da qualidade da decisão. Tal uso é realizado
tanto por magistrados de primeiro grau, que almejam reduzir seu passivo de cau-
sas a serem examinadas, quanto por advogados que se aproveitam do momento
inaugural dos debates para alcançar um padrão decisório fundado ainda em
discussões embrionárias e, ainda, postergando a decisão de mérito sobre a questão.
(3) Contudo, apesar de não se cogitar na lei brasileira de um número
mínimo de processos repetitivos para se autorizar o uso do incidente, não se
pode admitir que um número irrisório de casos permita a sua instauração, sendo
necessária a demonstração do efetivo dissenso interpretativo e não de um dis-
senso potencial uma vez que não se busca apenas gerenciar processos repetitivos,
mas, prioritariamente criar um precedente normativo que traga fundamentação
consistente hábil a fornecer um julgado panorâmico que leve em consideração
todos os argumentos em discussão. Ora, para a formação de uma decisão vin-
culante, essencial que haja amadurecimento da matéria posta em discussão, sob
pena de surgirem, posteriormente, novos argumentos que não foram debatidos
ou imaginados naquele momento inicial, enfraquecendo ou inutilizando o pre-
cedente formado.
(4) O IRDR Nº 040/2016 do Espírito Santo (Caso Samarco) é exem-
plo de como o incidente vem sendo mal utilizado por nosso Judiciário. Nele,
constatou-se a admissão do IRDR em caráter preventivo, o juízo de admissão
monocrático, a incompetência das Turmas de Uniformização de Jurisprudência
dos Juizados especiais para o processamento do feito, bem como a parca funda-
mentação e delimitação do objeto do incidente em sua admissibilidade. Todos
esses fatores, além de eivarem o procedimento do IRDR de vícios e serem, por
si só, problemas sérios do julgado, contribuíram para a má qualidade da decisão
de mérito, que acabou, inclusive, por adentrar em matéria fática, fixando valor
a título de indenização por danos morais.
(5) Tais perspectivas, além de violarem os requisitos do CPC/2015, con-
trariam as garantias do devido processo constitucional. Nesse sentido, o conteúdo

319
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

da decisão de mérito deve abranger o exame de todo e qualquer fundamento


suscitado no que toca à tese jurídica discutida, sejam eles favoráveis ou não.
Não é possível, tampouco, admitir IRDR’s genéricos ou sobre questões fáticas,
que demandem análise que foge à aplicação da tese. Assim, se há controvérsias
sobre questões de fato, a demanda deverá ser julgada e processada de forma
individual e de acordo com as suas peculiaridades, de forma que, inobstante
seja a tese fixada semelhante, o julgador deve ser capaz de distinguir a razão de
decidir do caso pretérito.
(6) Nota-se, portanto, que a adoção do incidente em caráter preventivo
traz consequências que podem ser empiricamente percebidas, influenciando
negativamente na qualidade do julgado, haja vista o baixo amadurecimento da
discussão jurídica sobre a questão. Deve-se coibir a instauração do incidente
antes de constatada a efetiva repetição de processos sobre o tema, sob pena de
se encarar o precedente sob um viés puramente utilitarista de gerenciamento de
processos, esvaziando o papel dialógico que devido processo constitucional deve
cumprir, tornando difícil a prolação de um julgado hábil a servir de precedente
pela incapacidade de se vislumbrar todos os argumentos relevantes.

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O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

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322
A ADVERTÊNCIA E A MULTA COMO MEIOS INDIRETOS E
DESPROPORCIONAIS DE COIBIR O DIREITO AO RECURSO

Carolina Fagundes Cândido Oliveira*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A sistemática recursal como meio de assegurar


às partes o direito ao devido processo legal substancial, sob o enfoque do
NCPC. 3 O NCPC e a garantia de uma efetiva fundamentação das decisões.
4A advertência e a multa como meios indiretos e desproporcionais de coibir o
direito ao recurso. 5 Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende a partir da concepção de novas diretrizes


trazidas pelo Código de Processo Civil vigente, em torno da nova sistemática
recursal e da importância de uma fundamentação consistente para as decisões
jurisdicionais, alertar sobre a importância do julgador não utilizar a advertência
ou mesmo a aplicação de multa desmotivada, de modo a coibir o direito ao
recurso da parte de boa-fé.
O NCPC1, o primeiro Código sancionado sob a égide democrática, pro-
mete trazer avanços no que tange à celeridade e efetividade do processo. Para
tanto, se vale de uma série de alterações com esse intuito primordial.
É certo que o referido Código trouxe a reprodução de princípios constitu-
cionais processuais como meio de alertar os operadores do direito para a impor-
tância da observância e aplicação direta da Carta Magna ao direito processual.2
De acordo com a nova dinâmica que se pretende adotar, predomina o
devido processo legal visualizado em seu âmbito substancial, e não somente
formal, de maneira a garantir ao jurisdicionado a observância ao procedimento
previsto em lei e principalmente o direito a uma resposta de mérito efetiva, obser-
vada a duração razoável do processo, sob esse viés, e não como mera “aceleração

*
Mestre em Direito Processual pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC/Minas, Especialista em
Direito Processual Civil pelo CAD- Centro de Atualização de direito, Professora Universitária, Advogada,
integrante da Comissão do Advogado Professor da OAB/MG.
1
Adotaremos a expressão acima destacada para designar o BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF, 17 mar. 2015.Disponível em: <https://goo.gl/2U1Dv9>. Acesso em: 7 nov. 2017.
2
THEDORO JÚNIOR, Humberto. Normas fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 20.

323
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ou desformalização de procedimentos”.3
Neste sentido, o artigo 10 do NCPC é expresso:

O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com


base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado
às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate
de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Dentro desse novo contexto, o contraditório deve ser prévio, efetivo e


dinâmico, observado como verdadeira garantia de influência na formação da
decisão proferida nos autos e não como simples participação.4
A ampla defesa, por sua vez, visualizada como meio de utilização de
todos os recursos e provas admitidos pelo ordenamento jurídico, não pode, de
maneira alguma, sofrer restrições ao livre acesso à justiça pela parte, como
se está a observar em alguns decisórios arbitrários que utilizam advertências e
aplicam multas infundadas aos jurisdicionados, em flagrante ofensa ao devido
processo legal constitucional.
Ora, o recurso deve ser visto como direito voluntário e idôneo da parte de
impugnar decisões, dentro do mesmo processo em que proferidas, demonstrando
o seu inconformismo5, como garantido pelo diploma constitucional e também
pelo Código de Processo Civil vigente, que trouxe inclusive nova roupagem à
sistemática recursal, permitindo sempre que possível o julgamento do mérito
recursal, que não deve ser limitado indevidamente ao recorrente de boa-fé.6

3
O art. 4º do Novo CPC dá curso ao que já consta na Constituição Federal quando no art. 5º, LXXVIII,
acrescentado pela EC nº45/2004, dispõe sobre a duração razoável do processo. Na nova lei a questão
é colocada nos seguintes termos: “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa” (complementado pelos arts. 6º e 139, II, que dão ao juiz e aos
demais sujeitos do processo o dever de zelar pela celeridade) (THEODORO JÚNIOR, Humberto et al.
Novo CPC: Fundamentos e sistematização, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 163-164).
4
Em primeiro lugar, o contraditório deve ser compreendido como a garantia que têm as partes de que
participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem. Em outras palavras, o resultado
do processo deve ser fruto de intenso debate e da efetiva participação dos interessados, não podendo ser
produzido de forma solitária pelo juiz (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro,
3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 11).
5
Recurso é o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo a reforma, a invalidação,
o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna (MOREIRA, José Carlos Barbosa.
Comentários ao Código de Processo Civil, 7. ed. Rido de Janeiro: Forense, 1998. v. 5, p. 231).
6
Os recursos, enquanto uma fase do procedimento, contribuem para alongar o tempo de duração do processo,
todavia, são importante ferramenta para a correta aplicação do direito aos casos concretos (JAYME, Fernando
Gonzaga et al. (coord.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil: avanços, desafios e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2017).

324
2 A SISTEMÁTICA RECURSAL COMO MEIO DE ASSEGURAR
ÀS PARTES O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
SUBSTANCIAL, SOB O ENFOQUE DO NCPC

O direito ao recurso, assegurado constitucionalmente, é apontado como


um dos principais vilões, responsável pela morosidade na resposta pelo Estado
aos anseios da coletividade, em virtude do seu caráter extremamente complexo
e formalista.
O NCPC, com intuito de simplificar e agilizar a sistemática recursal,
trouxe algumas alterações significativas que buscamos destacar brevemente a
seguir, sem pretensão de esgotá-las.
A primeira delas, diz respeito à supressão dos recursos de agravo retido
e de embargos infringentes, estes substituídos por uma técnica de julgamento,
prevista no art. 942 e §§ do NCPC.7
Outra inovação importante trazida ao sistema recursal pelo Novo CPC,
visando simplificar a referida sistemática, foi em relação à unificação dos pra-
zos recursais em 15 dias8, com exceção única prevista expressamente para os
embargos de declaração, que continuam mantendo o prazo de 05 (cinco) dias,
destacando-se a contagem dos mesmos, agora, somente em dias úteis.9
Ainda no esteio de extirpar a prioridade dada à questões excessivamente
formais, o NCPC vigente trouxe como solução a possibilidade de convalidação
de atos, sempre que possíveis, em atendimento ao princípio da primazia do
julgamento do mérito, conforme disposto no art. 932 do NCPC, que traz em
seu parágrafo único a obrigatoriedade do relator, antes de julgar inadmissível o
recurso, conceder à parte, prazo de 5 (cinco) dias, para que possa sanar o vício
apontado ou ainda complementar documentação exigível.
Sendo assim, é assegurada à parte, sempre que possível, o julgamento do
mérito recursal, o que vai de encontro a jurisprudência defensiva10, que se vale
7
De acordo com referida técnica de julgamento, toda vez em que não houver unanimidade no julgamento
de uma apelação, seja confirmando, seja reformando a sentença por maioria de votos, o julgamento deverá
ter prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, com número suficiente
para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros
o direito de sustentação oral perante os novos julgadores (caput do art. 942 do NCPC), podendo o
prosseguimento se dar na mesma sessão (§1°do art. 942 do NCPC).
8
De acordo com o art. 1003, §5° do NCPC.
9
De acordo com o art. 219 do NCPC: Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz,
computar-se-ão somente os dias úteis.
10
A jurisprudência defensiva consiste, grosso modo, em um conjunto de entendimentos — na maioria das
vezes sem qualquer amparo legal — destinados a obstaculizar o exame do mérito dos recursos, principalmente
de direito estrito (no processo civil, Recursos Extraordinário e Especial) em virtude da rigidez excessiva em
relação aos requisitos de admissibilidade recursal. http://www.conjur.com.br/2013-set-06/jurisprudencia-
defensiva-ainda-pulsa-codigo-processo-civil.

325
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

de todos os meios possíveis para não conhecer de recursos, como se essa fosse a
melhor maneira de amenizar a sobrecarga do Judiciário.
Exemplificativamente, apontamos como meios de aproveitamento de
atos, a possibilidade de pagamento em dobro quando da ausência de compro-
vação do preparo recursal no ato da sua interposição, conforme previsto no art.
1007, §4º do NCPC.11
Da mesma forma, destacamos a possibilidade de sanar vício gerado pela
ausência de juntada de cópia obrigatória, em processo físico, que antes compro-
meteria o conhecimento do recurso de agravo de instrumento, nos termos do
art. 932, parágrafo único e 1017, §3º do NCPC.
No que tange ao recurso de apelação, propriamente dito, o art. 1009 do
NCPC, continua prevendo a hipótese de seu cabimento em face de sentença,
destacando-se a novidade de que a parte também pode se valer do referido recurso
para atacar, de maneira deferida, todas as questões decididas ao longo do trâmite
procedimental que não puderem ser atacadas via agravo de instrumento (com
previsão expressa no rol taxativo do art. 1015 do Novo CPC), não ficando, pois,
referidas questões preclusas, nos termos do art. 1009, §1° do NCPC.12
Neste peculiar, cumpre ainda alertar que não será mais possível a utilização
de agravo retido, repita-se, extinto pelo Novo CPC, que eliminou esse foco
de recorribilidade para atacar questões incidentais, cabendo agora ao recurso de
apelação um escopo mais abrangente. No mesmo sentido, se referidas questões
forem suscitadas em contrarrazões de apelação, o recorrente deverá ser intimado,
para em 15 dias, manifestar-se a respeito das mesmas, em estrita observância aos
princípios do contraditório e da não surpresa.
Outra alteração considerável trazida pelo NCPC, também no intuito de
agilizar o processo, evitando a interposição de recursos desnecessários, foi
em relação a eliminação do duplo juízo de admissibilidade, visualizado na
sistemática anterior, em relação ao referido recurso de apelação.
No NCPC a admissibilidade não é exercida mais pelo juízo de primeiro
grau, para quem a apelação é dirigida. Na nova sistemática recursal, ao juiz a
quo não caberá mais a análise desses pressupostos, mas tão somente oportunizar
à parte adversa a apresentação de contrarrazões, para posteriormente remeter ao

11
De acordo com o art. 1017, §3° do NCPC: Na falta de cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro
vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no
art. 932, parágrafo único.
12
De acordo com o art. 1009, §1º do NCPC: As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a
seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas
em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

326
juízo ad quem, que continuará responsável pelo juízo de admissibilidade, agora
sozinho, nos moldes do art. 1010 e 1011 do NCPC.
O NCPC, com esta substancial modificação, pretendeu, portanto, eli-
minar mais um foco de recorribilidade, extinguindo a possibilidade de in-
terposição do agravo de instrumento em face daquela decisão de primeiro
grau, pois agora a decisão sobre a admissibilidade será proferida pelo próprio
tribunal julgador. 
O relator da apelação, portanto, é que irá exercer a admissibilidade recursal,
podendo decidir a apelação a fim de não a conhecer, desde que seja caso do art.
932 do NCPC, ou na hipótese do parágrafo único, possibilite a correção do
vício e desde que não seja possível conhecê-la no mérito a fim de beneficiar a
parte a que o defeito formal aproveitaria, nos termos do art. 488 do NCPC.
O recurso de apelação, portanto, se apresenta como uma nova roupa-
gem, sobretudo, no que tange a apreciação de questões incidentes e em relação
ao juízo de admissibilidade único, buscando se adequar a um novo modelo
recursal, que procura eliminar etapas desnecessárias e protelatórias.
Nos embargos de declaração, por sua vez, restou superada a chamada
“intempestividade por prematuridade”, como salienta Alexandre Freitas Câ-
mara13, que consiste em praticar o ato processual antes do início do prazo para
a sua realização, de acordo com o artigo 218, §4º do NCPC, considerando-se
admissível o recurso apresentado precocemente, independentemente de qualquer
ato de ratificação, nos termos do art. 1024, §5º do NCPC.
O embargante, portanto, não precisar mais realizar a ratificação, mas
no caso de acolhimento de embargos com efeito modificativo, o mesmo têm o
direito de complementar ou alterar suas razões recursais, como prevê o art.
1024, §4º do NCPC.
Em relação aos embargos declaratórios, alertamos ainda para o art. 1025
do NCPC que admite o pré-questionamento implícito ou virtual, no sentido
de se considerar incluídos no acórdão recorrido, os elementos que o embargante
pleiteou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração
sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade.
No intuito de coibir abusos, o art. 1026 do NCPC apresenta majoração
de multa, partindo o legislador do pressuposto que, muitas vezes, referido recurso
é utilizado com simples caráter protelatório pela parte.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 540.
13

327
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Todavia, aponta Alexandre Freitas Câmara que “caberá ao órgão julgador,


por decisão (evidentemente) fundamentada, condenar o embargante a pagar
ao embargado uma multa, que não excederá de dois por cento sobre o valor
atualizado da causa (art. 1026, §3º)”14 e ainda “caso o embargante reitere essa
conduta violadora da boa-fé, opondo novos embargos de declaração também
protelatórios, a multa será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado
da causa (art. 1026, §3º).” (grifo nosso)15
Ainda nesse peculiar, no caso de reiteração dos embargos protelatórios,
leia-se, de má-fé, a admissibilidade de qualquer outro recurso ficará condicio-
nado ao prévio depósito dessa multa, salvo Fazenda Pública e beneficiário de
gratuidade de justiça (1026, §3º, in fine).
No mesmo sentido, em evidente desestímulo à interposição reiterada de
embargos protelatórios, o art. 1026, §4º, dispõe que tendo havido oposição de
dois embargos de declaração protelatórios em sequência, não será sequer admitida
a oposição de novos embargos contra a mesma decisão, de modo que começará
imediatamente a correr o prazo para interposição de outro recurso, caso em que
referida prática se tornará absolutamente ineficaz, conforme enunciado 361 do
Fórum Permanente de Processualistas Civis16.
Em relação à interposição equivocada do recurso de cunho declarató-
rio no lugar do agravo interno, o NCPC trouxe expressamente a possibilidade
de fungibilidade entre referido recurso e o agravo interno, permitindo que o
primeiro seja recebido como se o segundo fosse, de acordo com o artigo 1024,
§3º, permitindo-se a embargante, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar
suas razões recursais, ajustando-as às exigências do art. 1021, §1º do NCPC.
Novamente agiu o legislador com acerto, em observância ao princípio da
primazia do julgamento do mérito, como também fez em relação a possibilida-
de de transformação do recurso Especial em Recurso Extraordinário, nos
moldes do art. 1.032 do NCPC, quando o ministro relator do STJ entender
que a matéria tratada no recurso interposto versa sobre questão constitucional
e do recebimento do Recurso Extraordinário em Recurso Especial, de acordo
com o art. 1.033, NCPC, quando o ministro relator do STF entender que
houve ofensa reflexa à Constituição Brasileira de 1988.
Não se pode deixar de registrar que nas duas primeiras hipóteses,
o legislador, em harmonia com o referido princípio citado acima, da pri-

14
CÂMARA, op. cit., p. 542.
15
CÂMARA, 2017, loc. cit.
16
Enunciado 361 do FPPC: "Na hipótese do art. 1.026, §4º, não cabem embargos de declaração e, caso
opostos, não produzirão qualquer efeito".

328
mazia da decisão de mérito, determina que o julgador conceda prazo legal
para que o recorrente faça a adequação da peça para atender à finalidade e
às formalidades do recurso adequado, evitando a inadmissibilidade do re-
curso por falta de preenchimento de questões formais passíveis de supera-
ção.
Todavia, na última hipótese acima destacada, do art. 1033 do NCPC,
evidenciada a dos princípios da finalidade e do aproveitamento dos atos
processuais, uma vez que a peça do recurso extraordinário é aproveitada para
sua conversão em recurso especial, sendo desnecessária a abertura de prazo para
fazer a adequação formal.
É de se destacar que o Enunciado 104 do Fórum Permanente de Proces-
sualistas Civis prevê que “[...] o princípio da fungibilidade recursal é compatível
com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício”, motivo pelo
qual é assegurado ao recorrente o aproveitamento de recursos sempre que possível
em estrita obediência ao devido processo constitucional.
No que tange ao agravo de instrumento, cuidou o legislador de estabelecer
hipóteses específicas para a sua utilização, também com intuito de evitar recursos
desnecessários que atrapalhem o curso do procedimento, como acima destacado.
Sendo assim, todas a questões resolvidas por decisões interlocutórias que
não estejam previstas no rol taxativo do artigo 1015 do NCPC, poderão ser
alegadas em apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1009,
§1º do NCPC, com já dito anteriormente.
Ainda, no esteio da primazia do julgamento de mérito, conforme também
apontado acima, apresenta-se o artigo 1017, §3º do NCPC, em estrita obedi-
ência ao art. 932, parágrafo único do NCPC, para assegurar ao agravante a
possibilidade de convalidação de atos para a admissão do seu recurso, em
observância ao dever de colaboração judicial.
Por derradeiro, em última análise sobre as modificações mais importantes
visualizadas em sede recursal, encontramos o agravo interno, cujo prazo para
interposição foi consideravelmente aumentado, nos termos do art. 1003, §5º do
NCPC, sendo o mesmo cabível contra decisão monocrática de relator, de acordo
com o art.1021 do NCPC, com a finalidade de promover a harmonização de
decisões judiciais.
Da mesma forma o NCPC cuidou de destacar que na petição de agravo
interno o recorrente deve impugnar especificadamente os fundamentos da
decisão agravada, sendo vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fun-
damentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno,

329
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

nos moldes do art. 1021, §1º e §3º do NCPC17, que Fredie Didier destacou
como sendo “[...] ônus da dialeticidade”.18
Nesta seara, encontramos ainda a importância da adequada interpo-
sição recursal, bem como da devida fundamentação das decisões, uma vez
que de acordo com o §4º do art. 1021 do NCPC, quando o agravo interno for
declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime,
o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao
agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa,
ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito prévio
do valor da referida multa, nos termos do §5º do referido artigo.
Sendo assim, de acordo com algumas modificações importantes destacadas
acima, é de se notar facilmente que a sistemática recursal deve ser visualizada
no esteio das novas diretrizes trazidas pelo NCPC, sempre tendo em vista a
garantia do devido processo legal, observada a ampla defesa, com a finalidade
precípua de possibilitar à parte o julgamento do mérito recursal.

3 O NCPC E A GARANTIA DE UMA EFETIVA FUNDAMEN-


TAÇÃO DAS DECISÕES.

O Estado assume o poder, que é um só, para em nome do povo legislar,


administrar e exercer a função jurisdicional, que é a que importa neste momento.
A jurisdição é una e indivisível, prestada geralmente por órgãos judiciais,
isto é, juízes ou tribunais e excepcionalmente por outros órgãos estatais, por
exemplo, o Senado Federal, quando julga os crimes de responsabilidade praticados
pelo Presidente e Vice-Presidente da República.
Pode-se dizer que a função jurisdicional ou jurisdição, na noção do jurista
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, à qual aqui se reporta:

[...]é atividade-dever do Estado, prestada pelos seus ór-


gãos competentes, indicados na Constituição, somente
possível de ser exercida sob petição da parte interessada
(direito de ação) e mediante a garantia do devido processo

17
O artigo 1021 do NCPC dispõe em seu §1º: Na petição inicial de agravo interno, o recorrente impugnará
especificadamente os fundamentos da decisão agravada e no §3º do NCPC que: É vedado ao relator
limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.
18
NUNES, Dierle; VIANA, Antônio Aurélio de Souza. Ônus da dialeticidade: nova “jurisprudência defensiva”
no STJ? Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 15 maio 2017. Opinião. Disponível em: <https://goo.
gl/4JHuLP>. Acesso em: 7 nov. 2017.

330
constitucional, ou seja, por meio de processo instaurado e
desenvolvido em forma obediente aos princípios e regras
constitucionais,19 dentre os quais se destacam o juízo na-
tural, a ampla defesa, o contraditório e a fundamentação
dos pronunciamentos jurisdicionais.

Essa manifestação do poder do Estado, exercido em nome do povo,


que se projeta no pronunciamento jurisdicional, deve ser realizada sob rigorosa
disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional), só
podendo agir se e quando chamado a fazê-lo, dentro de uma estrutura metodo-
lógica construída normativamente (devido processo legal), de modo a assegurar
a efetiva participação dos destinatários na formação do ato imperativo estatal.20
O Juiz, por sua vez, investido pelo Estado do poder de julgar, deverá
sempre agir de acordo com a lei, que traça os procedimentos a serem realizados,
evitando-se assim a utilização arbitrária de discricionariedade e hermenêutica
fundada no prudente arbítrio do julgador, o que se revela incompatível com
os princípios consagrados pelo Estado Democrático de Direito.
O processo, pois, deve estar ajustado à referida estrutura normativa (de-
vido processo legal), como procedimento que se realiza em contraditório entre
as partes, por exigência do devido processo constitucional. É o contraditório
que assegura a simétrica participação igualitária das partes destinatárias do
pronunciamento jurisdicional decisório final, na fase procedimental da sua pre-
paração, influenciando as mesmas na sua construção.21
É certo que o julgador, dentro dos novos direcionamentos trazidos pelo
NCPC, deve exercitar suas funções, tendo em vista um processo cooperativo,
que exige para sua efetiva visualização, a manifestação sobre a argumentação
apresentada pelos demais sujeitos processuais.22

19
BRÊTAS, Ronaldo Carvalho Dias. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional, Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 84.
20
Ibid., p. 86; COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma,
1985, p 40-44; FIX-ZAMUDIO, Héctor. Latinoamérica constitución, proceso y derechos humanos.
México: Porrua, 1988, p. 227; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 337, jan./mar. 1997, p. 107; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual
e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 50.
21
BRÊTAS, 2004; COUTURE, 1985; FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, 6. ed. Padova:
CEDAM, 1992, p. 118-119; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 107; GONÇALVES, op. cit., p. 115.
22
Nesse novo modelo cooperativo, em que o juiz deve ser paritário no diálogo, mas volta a haver a assimetria
no momento da decisão (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil, 3. ed. São Paulo: RT,
2015, p. 64-65).

331
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

O sistema cooperativo é aquele que, de um lado, impõe ao juiz, o dever de


esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio e às partes e de outro, enfatiza
a necessária colaboração entre as partes, nos moldes do art. 6º do NCPC.
Todavia, a colaboração entre as partes não é algo muito fácil de se verificar
ou mesmo inconcebível de se verificar em um ambiente de litigiosidade.23
Sendo assim, verifica-se que a função jurisdicional somente se concretiza
dentro da moderna e inafastável estrutura constitucionalizada do processo e a
declaração do Estado, decorrente do poder de cumprir e do dever de prestá-la,
quando e se provocado por qualquer um do povo ou por qualquer órgão estatal.
Sendo assim, inserida na decisão, sentença ou provimento ali prolatados jamais
será um ato isolado ou onipotente do órgão jurisdicional, criando direitos a seu
bel prazer, fundado em fórmulas inconstitucionais e antidemocráticas do livre
arbítrio ou prudente critério do juiz24, mas resultado lógico de uma atividade
realizada com a obrigatória participação em contraditório dos interessados
que suportarão seus efeitos.
O exercício da jurisdição só se viabiliza, pois, dentro de um sistema de
proteção dos direitos fundamentais, que por meio das garantias processuais cons-
titucionais, assegura aos jurisdicionados uma justiça efetiva, de acordo com os
parâmetros estabelecidos e consagrados no Estado Democrático de Direito.25
23
É um modelo que não deve ser pensado à distância da realidade, sem considerar que no processo há
verdadeiro embate (luta, confronto, enfrentamento), razão pela qual as partes e seus advogados valem-
se – e assim deve ser – de todos os meios legais a seu alcance para atingirem um fim parcial. Não é crível
(nem constitucional), enfim, atribuir aos contraditores o dever de colaborarem entre si a fim de perseguirem
uma “verdade superior”, mesmo que contrária aquilo que acreditam e postulam em juízo, sob pena de
privá-los da sua necessária liberdade para litigar, transformando-os, eles mesmos e seus advogados, em meros
instrumentos a serviço do juiz na busca da tão almejada “justiça”. STRECK, Lenio Luiz et al. A cooperação
processual do novo CPC é incompatível com a Constituição. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 23
dez. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/M6Xtrw>. Acesso em: 7 nov. 2017.
24
Neste sentido Rosemiro Pereira Leal, quando ressalta que: “É muito comum, nos livros de Direito Processual,
falar-se em livre arbítrio e discricionariedade no exercício da jurisdição quando, atualmente, com as
conquistas históricas de direitos fundamentais incorporadas ao PROCESSO, como instrumentalizador e
legitimador da Jurisdição, a atividade jurisdicional não é mais um comportamento pessoal e idiossincrásico
do juiz, mas uma estrutura procedimentalizadora de atos jurídicos sequenciais a que se obriga o órgão
jurisdicional pelo controle que lhe impõe a norma processual, legitimando-o ao PROCESSO. Portanto,
não há para o órgão jurisdicional qualquer folga de conduta subjetiva ou flexibilização de vontade, pelo
arbítrio ou discricionariedade, no exercício da função jurisdicional, porque, a existirem tais hipóteses,
quebrar-se-ia a garantia da simétrica paridade dos sujeitos do processo” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria
geral do processo: primeiros estudos, 3. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 40).
25
Aqui se invoca o direito comparado, no dizer de Luigi Paolo Comoglio: “La Constituzione italiana, pur
non rifacendosi in modo diretto a quelmodello di processo ed alle sue origini culturali, sembra in grado,
almeno a prima vista, si sodisfare i requsiti minimi di um ‘processo equo e giusto” (COMOGLIO, Luigi
Paolo. Garanzie costituzionali e “giusto processo” (medeli a confronto). Revista de Processo, São Paulo, v.
90, abr./jun. 1998. p. 110; Cf: ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. I fondamenti constituzionali
della giustizia civile: iI modeto costituzionale dei processo civile italiano, 2. ed. Torino: Giappichele
Editore, 1979, p. 3-275.

332
Ora, se o princípio do “acesso à justiça” representa a ideia de que o
Judiciário se encontra aberto à apreciação de quaisquer situações de “ameaças
ou lesões a direito”, o princípio do devido processo legal, por sua vez, indica as
condições mínimas para que se desenvolva o processo, isto é, o método de
atuação do Estado-Juiz para lidar com a afirmação de uma situação de ameaça ou
lesão a direito, em adequação aos valores impostos pela própria Constituição
Federal de 1988.26
O processo constitucional é, pois, meio através do qual o Estado faz
atuar a jurisdição, fazendo valer as normas jurídicas constitucionais, quando e
se chamado a fazê-lo por meio dos jurisdicionados.
A função jurisdicional do Estado Democrático de Direito não é ativida-
de beneficente, de caridade, mas poder-dever do Estado, sendo, pois, direito
fundamental de qualquer um do povo e também dos próprios órgãos estatais de
forma eficiente e adequada, pela garantia do devido processo constitucional.”27
É através do processo constitucional que o povo assegura o seu direito à
jurisdição, com respeito aos institutos consagrados no diploma constitucional,
não se podendo, em nome de uma suposta celeridade, acatar restrições ina-
dequadas que tragam prejuízo às garantias constitucionais. Ao contrário, o
legislador deve sempre ter em mente a necessidade de uma análise profunda dos
instrumentos do processo constitucional, porque só através do seu aprimo-
ramento e eficiência é que se podem tornar eficazes os direitos fundamentais28,
que reclamam por interpretações modernas e soluções urgentes.
Neste sentido, cumpre destacar a importância de observância dos parâ-
metros trazidos pelo NCPC por meio do art. 489, §1º, que destaca a garantia
constitucional à fundamentação, assegurada pelo art. 93, IX da Constituição
Federal de 1988, sendo dever dos magistrados e direito das partes a visuali-
zação da estabilidade, coerência e integridade na formação decisória.

26
Trazemos aqui breve noção do princípio do devido processo legal de Cásssio Scarpinella Bueno. (BUENO,
Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil,
p. 104).
27
BRÊTAS, op. cit., p. 93.
28
Aqui se destacam considerações - de Virgílio Afonso da Silva sobre o assunto: “Como se sabe, ainda que
com relativizações, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem
na relação entre o Estado e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se
percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos
particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico.
Por diversos motivos, no entanto, é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de
aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particulares-particulares,
especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fundamentais,
enquanto que, no segundo caso, ambas são”(SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 18).

333
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Cumpre salientar que, pela primeira vez, cuidou o legislador de explicar


o que não pode ser entendido como fundamentação de uma decisão judicial,
tendo sido o referido §1º do art. 489 do NCPC objeto de muita discussão e
divergência, principalmente entre os julgadores. De acordo com referido §1º:
Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de


ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem ex-
plicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer
outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no pro-
cesso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmu-
la, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência
ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a exis-
tência de distinção no caso em julgamento ou a superação
do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justifi-
car o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada,
enunciando as razões que autorizam a interferência na
norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam
a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da
conjugação de todos os seus elementos e em conformidade
com o princípio da boa-fé.

Veda-se, pois, a utilização de “[...] conceitos jurídicos indeterminados


[...]”, que são frequentemente utilizados em decisões superficiais, que não
apreciam os argumentos trazidos pelas partes e, portanto, se omitem sobre o
direito posto em exame, em flagrante ofensa ao amplo debate, que é inerente

334
ao processo constitucional.
É indispensável para a verificação de uma legitimidade decisória, a constru-
ção do provimento pela ampla participação das partes, com poder de influência,
em detrimento de voluntarismos de juízes, que utilizam o seu livre convenci-
mento, independentemente do diálogo processual estabelecido.
O jurisdicionado busca incessantemente por respostas que possuam
motivação suficiente e exauriente em relação as questões postas, observadas as
peculiaridades do caso concreto. Neste sentido, os julgadores devem sempre
procurar conceder à parte a tutela jurisdicional pleiteada.

4 A ADVERTÊNCIA E A MULTA COMO MEIO INDIRETO E


DESPROPORCIONAL DE REPRIMIR O DIREITO AO RE-
CURSO

Na esteira de decisórios equivocados que são vistos com surpresa e estra-


nheza pelos operadores do direito, apresentam-se a advertência de aplicação de
multa ao recorrente ou mesmo a aplicação de multa ao litigante de boa-fé,
sem qualquer motivação, apresentando-se em algumas situações como um sinal
amarelo, ou mesmo vermelho, ao direito amplo da parte ao recurso.
É certo que, em face de comportamentos não cooperativos e condutas
desleais, com simples finalidade de postergar o curso do processo, provocando
evidenciada ofensa ao princípio da duração razoável e ensejando prejuízo à parte
adversa pela má-fé processual configurada, deve sim o julgador se posicionar
aplicando multa em face ao abuso ao direito de recorrer.
Todavia, deve-se ater o julgador ao caso concreto, agindo com pro-
porcionalidade e tendo em vista o direito da parte ao contraditório efetivo,
à ampla defesa e à fundamentação das decisões.
A multa como meio de intimidação ao jurisdicionado para que deixe
de exercitar o seu livre acesso à justiça e o impeça de fazer valer o processo cons-
titucional como acima destacado, não pode ser admitida pelos operadores
do direito.
Da mesma forma, a multa visualizada como meio indireto e despro-
porcional de reprimir o direito ao recurso em busca de uma eficiência quan-
titativa em detrimento do direito fundamental à ampla defesa, assegurada à
parte, não deve ser aplicada.
Neste sentido, Clito Fornaciari Júnior, já se posicionou:

335
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

É profundamente constrangedora a advertência que


aparece em inúmeras decisões monocráticas do STJ, o
Tribunal da Cidadania, dizendo: ‘Advirta-se que eventual
recurso interposto contra esta decisão estará sujeito às
normas do NCPC, inclusive no que tange ao cabimento
de multa (arts. 1.021, § 4º e 1.026, § 2º)’. O objetivo é
um só: intimidar. Essa deselegante lembrança é o mesmo
que pedir para que as pessoas sumam da frente dele, senão
vão sofrer ao ver o que lhes acontecerá.29

O referido colega advogado, em certa ocasião, também alertou sobre essas


ameaças travestidas de advertências:

Mais honesto seria aplicar a multa, quando merecido, mas


sem a advertência, mesmo porque ela já está na lei e nin-
guém pode defender-se alegando desconhecer o texto legal.
Por oportuno, vale lembrar ao julgador que é sempre mais
digno o exercício de sua função revestido dos princípios
e deveres que lhe são inerentes, o que não comporta as
intimidatórias ‘advertências’ mencionadas.30

Ora, se a parte está agindo em ofensa ao princípio da cooperação, con-


forme demonstrado suficientemente nos autos, em flagrante ofensa a boa-fé
processual, deve sim sofrer repressão pela sua conduta desleal.
Contudo, não se pode generalizar a questão, como estão a fazer mui-
tos julgadores, principalmente perante o Colendo STJ, deixando de se ater
aos limites do caso concreto em análise para, em contrapartida, adotar como
regra, situações esporádicas, ensejadas por recorrentes mal-intencionados, para
coibir à parte de exercer seus direitos fundamentais de cunho processual.
Da mesma forma, se o julgador entender por aplicar multa a parte por
deslealdade processual ou abuso ao direito de recorrer, deve o mesmo cuidar de
fundamentar o motivo que o levou a aplicá-la. O simples fato de se referir
a expressões como “recurso meramente protelatório” ou “litigância de má-fé”
não amparam por si só a aplicação de multa ao recorrente.31

29
FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Advertência. Migalhas, São Paulo, 19 jun. 2017. Disponível em: <https://
goo.gl/MszZuJ>. Acesso em: 7 nov. 2017.
30
PROCOPIO, Alciles Adolpho Castellari. Advertência. Migalhas, São Paulo, 19 jun. 2017. Disponível
em: <https://goo.gl/MszZuJ>. Acesso em: 7 nov. 2017.
31
O CPC exige, concretizando o princípio constitucional, uma fundamentação substancial das decisões. Não

336
A parte tem direito constitucional de saber o motivo da aplicação
da multa, os critérios para a sua utilização, até mesmo porque sem a fun-
damentação adequada não terá como exercitar o seu contraditório com
poder de influência e a ampla defesa, inerentes ao processo constitucional
visualizado em um Estado de Direito Democrático.
No entanto, não é o que se vem observando na prática forense, com deci-
sões reiteradas aplicando advertências e multas infundadas, partindo da premissa
que todos são culpados até que se prove o contrário em flagrante desrespeito ao
processo constitucional.32
Ao fundamento do prestígio à celeridade da tramitação processual, a rei-
terada aplicação de medidas punitivas pode conduzir à inibição de manifesta-
ções legítimas que, ocasionalmente, cairão na vala comum, desrespeitando-se a
casuística inerente ao processo.
Conforme bem destaca o autor Lenio Streck:

O Brasil é o único país do mundo em que o que menos


importa é o que você escreve na peça inicial. Porque
o pedido será conhecido ou negado de acordo com o
que o decididor pensa. E se reclamar, fazendo embargos,
leva multa. O CPC exige fundamentação e nem o STF
obedece o artigo 489.33

É um retrocesso se admitir este tipo de decisão, contrária aos ditames


do NCPC, que definitivamente desprestigia a jurisprudência defensiva em
prol da primazia do mérito.
Os julgadores devem, em sentido diametralmente oposto, se espelharem no
que decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça, em julgado consolidado
naquela Corte, que se espera passe a ser aplicada pelos demais Tribunais do país:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVER-


GÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO CONHECIDO APENAS NO CA-
PÍTULO IMPUGNADO DA DECISÃO AGRAVADA.
se admite a prolação de decisões falsamente motivadas ou com “simulacro de fundamentação”. CÂMARA,
Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 3.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p.16.
32
Como salienta Alexandre Freitas Câmara: “[...] o princípio do contraditório não garante às partes só o
direito de falar, mas também o direito de ser ouvido”(Ibid., p.17, grifo nosso).
33
STRECK, Lenio Luiz. Sentença e celibato: quem pode teorizar sobre decisão judicial. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 5 jan. 2017. Senso Incomum. Disponível em: <https://goo.gl/St9QTq>. Acesso em:
7 nov. 2017.

337
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA APRECIADOS À LUZ DO CPC/73.
ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO CONHECEU
DO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA SÚMU-
LA 7/STJ. PARADIGMAS QUE EXAMINARAM O
MÉRITO DA DEMANDA. DISSÍDIO JURISPRU-
DENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REQUERI-
MENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO
DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO
CPC/2015. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO.
1. Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, merece
ser conhecido o agravo interno tão somente em relação aos
capítulos impugnados da decisão agravada. 2. Não fica ca-
racterizada a divergência jurisprudencial entre acórdão que
aplica regra técnica de conhecimento e outro que decide o
mérito da controvérsia. 3. A aplicação da multa prevista no
§ 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se
tratando de mera decorrência lógica do não provimento
do agravo interno em votação unânime. A condenação
do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser ana-
lisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada,
pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente
inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma
evidente que a simples interposição do recurso possa ser
tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contu-
do, não ocorreu na hipótese examinada. 4. Agravo interno
parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.34

O acerto da decisão do Superior Tribunal de Justiça reside justamen-


te na análise casuística do cabimento da multa ou não, uma vez que toda
decisão deve ser fundamentada, conforme ditame constitucional. Todavia, a
aplicação da multa automática como, por exemplo, estava a ocorrer quando do
julgamento unânime de desprovimento dos Agravos Internos, bem como visu-
alizada na esfera de outras modalidades decisórias, desproporcionalmente e sem
fundamentação, apresenta-se com óbice aos avanços pretendidos pelo NCPC.
A manutenção da jurisprudência coesa, íntegra e estável, como prevista
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno nos Embargos de Divergência em Recurso Especial
34

nº 1.120.356–RS, Segunda Seção. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 24 de agosto de 2016.
Diário de Justiça: 29 ago. 2016.

338
no artigo 926 do NCPC, certamente é um meio de se resguardar a segurança
jurídica, que não será definitivamente alcançada pela forma abrupta com que
pretende alguns julgadores, com a devida vênia!

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é recente a preocupação que se tem em alcançar meios para tornar a


tutela jurisdicional mais rápida e eficiente. Atualmente, em virtude da entrada
em vigor do NCPC com uma série de promessas nessa direção, essa questão
ficou ainda mais em voga.
Sabe-se que vários são os problemas que atormentam e retardam a devida
efetivação do direito e a implementação da justiça em nosso País. Contudo, não
será o NCPC o salvador da pátria, como querem acreditar muitos operadores
do direito.
Certamente o NCPC trouxe diretrizes atuais e contribuições efetivas, de
cunho positivo, para as questões processuais que tanto afligem aos jurisdicionados.
Todavia, é de se destacar que essas alterações trazidas poderiam ser ainda
mais eficientes se fossem visualizadas, a partir de uma verdadeira adequação às
garantias do processo constitucional, que é o principal guardião dos direitos
fundamentais, sendo indispensável seu aperfeiçoamento para que se alcance
uma justiça real, efetiva.
Da mesma forma, é imperativo que o Estado se mobilize no sentido de
aparelhar o Judiciário, com meios técnicos, pessoal em número suficiente, com
qualificação adequada e controle estatístico de qualidade e planejamento para
superar as deficiências verificadas, a fim de que se consiga fazer a máquina estatal
se mover no sentido de alcançar uma justiça que atenda seus escopos primor-
diais, consagrando-se definitivamente como meio de salvaguarda dos direitos
fundamentais.
O que não se pode perder de vista, todavia, é que, a cada dia que passa,
a tendência é que os jurisdicionados fiquem mais exigentes e ansiosos por uma
rápida solução de seus problemas, não podendo o Estado se eximir do seu dever
de apreciação e fundamentação, através de meios de coibir a parte, como por
exemplo através de advertências que sinalizam a aplicação de multa ao recorrente
ou mesmo de decisões que aplicam multas de maneira desproporcional e sem
qualquer fundamentação.
Caso contrário teremos a referida advertência e a multa processual, apli-
cadas em sentido inverso do que pretendem as novas diretrizes trazidas pelo
NCPC (principalmente em relação aos recursos), visualizadas como meios

339
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

indiretos e desproporcionais de coibir o direito ao recurso.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Normas fundamentais. Belo Horizonte:


Del Rey, 2016.
________. et al. Novo CPC: Fundamentos e sistematização, 2.ed.Rio de

341
Janeiro: Forense, 2015.
O ART. 1.025 DO CPC/15 E A SÚMULA 211 DO STJ:
– a exigibilidade do recurso especial com “fundamento
específico” como instrumento técnico para otimizar sua
admissibilidade mesmo na vigência do CPC/15

Bernardo Câmara*

SUMÁRIO: 1 A apresentação do “problema”. 2 Contextualização necessária:


o mito do prequestionamento. 2.1 Conceito de prequestionamento e sua
distinção em relação à causa decidida. 2.2 Prequestionamentoexpresso,
implícito e ficto. 2.3 O prequestionamento não pode ser confundido com pós-
questionamento. 3 O art. 1.025 do CPC/15 e sua nova exegese (positivação
do “prequestionamento ficto”). 4 Entendimento doutrinário no sentido de
que o art. 1.025 do CPC/15, por si só, afasta a aplicação da Súmula 211 do
STJ e, por isso, torna desnecessária a apresentação de Recurso Especial com
“fundamento específico”. 5 O art. 1.025 do CPC/15 não supera a Súmula 211
do STJ (que continua aplicável) e, de igual forma, não afasta a exigibilidade do
Recurso Especial com “fundamento específico” como instrumento técnico para
otimizar a admissibilidade do recurso especial mesmo na vigência do CPC/15.
6 Conclusão.

1 A APRESENTAÇÃO DO “PROBLEMA”

O CPC/15, ao entrar em vigor, positivou no art. 1.025, em sua primeira


vez, o instituto jurídico do “prequestionamento fícto” ao estabelecer que

[...] consideram-se incluídos no acórdão os elementos que


o embargante suscitou, para fins de prequestionamento,
ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos
ou rejeitados, caso o Tribunal Superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Diante do novel dispositivo processual, surgiu dúvida se a referida norma


afastaria a aplicação da Súmula 211 do STJ de que é “[...] inadmissível recurso
*
Advogado; mestre em Direito Processual; especialista em Direito de Empresa. Conselheiro da OAB/MG
no triênio 2016/2018. Professor da Escola Superior de Advocacia. Professor universitário de graduação
(Newton Paiva) e pós-graduação (IEC e IBMEC). Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.
Sócio do Escritório Freire, Câmara & Ribeiro de Oliveira Advogados.

343
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

especial quando à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios,


não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
Na exegese da referida Súmula, e antes da entrada em vigor do CPC/15,
o advogado que se valia de Embargos de Declaração para prequestionar questão
de Direito que buscaria reexame interpretativo nos Recursos Extremos (Recurso
Especial e Recurso Extraordinário), e, recebia decisão de rejeição ou inadmis-
são dos embargos (o que presumia, aos “olhos” dos Tribunais Superiores, que
a matéria tida por omissa nos Embargos de Declaração não foi enfrentada na
instância ordinária diante da consequência lógica da rejeição e não acolhimento
do recurso), via-se em uma “encruzilhada”:

a) o advogado fazia o que poderia fazer: provocava o órgão


jurisdicional de julgamento das instâncias ordinárias para
examinar de forma expressa o ponto omisso apresentado
para, assim, formar “causa decidida” sobre a matéria de
Direito que seria discutida no recurso extremo (Recurso
Especial e ou Recurso Extraordinário).
b) mas, a despeito do enunciado sumular 211 do STJ, e nos
casos em que os embargos de declaração eram rejeitados
ou inadmitidos, não teria o seu recurso extremo admitido
diante da presunção de que a matéria apresentada não
teria sido examinada por completo na instância ordinária.

E, exatamente para fugir desta “encruzilhada” que a advocacia, em


técnica processual, desenvolveu aquilo que a doutrina nomeou de “Recurso
Extremo com fundamento específico”, em que o advogado, em seu Recurso
Especial e ou em seu Recurso Extraordinário, não apenas mais discutiria a
anterior questão de Direito que antes pretenderia discutir, mas, em caráter
de prejudicialidade (normalmente arguida em preliminar do recurso),
passaria a também discutir a própria nulidade do acórdão que rejeitou
os embargos, seja por ofensa ao então vigente art. 535 do CPC/73 (pelo
não exame da omissão apontada), nos casos de Recurso Especial, seja por
contrariedade ao art. 5º, XXXV (afastar a prestação jurisdicional) e art.
93 IX (ausência de fundamentação da decisão judicial) da Constituição
da República, nos casos do Recurso Extraordinário.
Este novo fundamento de nulidade é que se nomeou de “funda-
mento específico” e cuja ausência de apresentação na peça recursal levava
à utilização da interpretação constante do enunciado Sumular 211 do STJ

344
cuja consequência em “jurisprudência defensiva” era o não-conhecimento
do Recurso Especial, no caso do STJ1.
Neste ponto, aqui reside a “polêmica” objeto de discussão neste
artigo: a nova regra processual do art. 1.025 do CPC/15, por si só, afasta
a necessidade de interposição do recurso extremo com “fundamento espe-
cífico” nos casos em que a apresentação recursal é precedida de julgamento
de embargos de declaração prequestionatórios julgados inadmitidos ou re-
jeitados? Ou, mesmo a despeito do referido dispositivo normativo, cabe ao
advogado, ainda, valer-se do “fundamento específico” como instrumento
técnico capaz de viabilizar a formação da “causa decidida” e preenchimento
deste requisito específico de admissibilidade dos recursos extremos?
Pedindo redobrada vênia àqueles que externaram entendimento no
sentido de que a novel redação do art. 1.025 do CPC/15 afasta a exegese
da Súmula 211 do STJ e, em consequência, também afasta a necessidade
de que eventual recurso extremo também com o acréscimo da discussão
jurídica do denominado “fundamento específico” conforme supra expli-
cado, tenho entendimento contrário que passo a aqui externar.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO NECESSÁRIA: o mito do prequestio-


namento

Para se entender o que é “prequestionamento ficto” e a exigência ou não


de um recurso “com fundamento específico” para provoca-lo, mister é entender o
que é prequestionamento. E, neste particular, há na comunidade jurídico-cien-
tífica um mito sobre o que é prequestionamento. Aliado a este mito há também
uma errônea interpretação sobre o verdadeiro requisito de admissibilidade dos
recursos extremos denominado causa decidida.
Sendo assim, faz-se necessário desmistificar o mito e melhor conceituar
causa decidida embora no “cotidiano” da atividade forense, muitas vezes, causa
1
“Havendo omissão, cabe à parte, no recurso especial, alegar ofensa ao art. 535, II do CPC, demonstrando,
objetivamente, a imprescindibilidade da manifestação sobre a matéria impugnada e em que consistiria o
vício apontado. Não o fazendo, incide, da mesma forma, nas disposições da Súmula 211/STJ, pois não basta
a alegação genérica de violação ao dispositivo da Lei Processual”(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Agravo Regimental no Agravonº 723.601-SP, Quarta Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Brasília,
16 de setembro de 2008. Diário de Justiça: 6 out. 2008).
“Assim, caberia à parte, nas razões do seu especial, alegar a violação do art. 535 do CPC/73 a fim de que
esta Corte pudesse averiguar a existência de possível omissão no julgado, o que não foi feito. Incidência,
no caso, da Súmula n° 211 do STJ. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Interposição no
Recurso Especial nº 1.599.054-RJ, Terceira Turma. Relator: Min. Moura Ribeiro. Brasília, 25 de abril de
2017. Diário de Justiça: 11 maio 2017).

345
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

decidida e prequestionamento são falados como se fossem expressões sinônimas.


E não são.
Fato é que o termo “mito” pode ser definido como “[...] crença não-jus-
tificada, comumente aceita e que, no entanto, pode e deve ser questionada”2.
Suscitando o problema3 da indeterminação do conceito de prequestiona-
mento, Bueno (2002)4, em artigo nomeado Quem tem medo do prequestiona-
mento? critica os diferentes conceitos atribuídos à expressão “prequestionamento”
e clama por seu esclarecimento, uma vez que a “omissão quanto a este ponto é
insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode
excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário”
O que significa prequestionamento, expressão utilizada pela jurispru-
dência para impedir o conhecimento de recursos extremos (especial e extraor-
dinário) quando verificada a sua ausência5? Porque o referido instituto jurídico
é considerado para inadmissão dos recursos extremos uma vez que o mesmo
não possui previsão no texto legal ou constitucional? Qual a diferença entre
prequestionamento e causa decidida?
Ainda mais quando, nem os teóricos (conforme será demonstrado neste
artigo), e o que é pior, nem os Tribunais6 possuem entendimento crítico sobre
2
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Mito. In: ________.; ________. Dicionário Básico da
Filosofia. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2008. p. 189.
3
Sobre este assunto, convido também a quem se interessar, ler artigo: CÂMARA, Bernardo. Prequestionamento
e Causa Decidida: desfazendo mitos. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo, Vitória,
v. 12, n. 12, p. 259-281, 1/2 sem. 2012.
4
BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do Prequestionamento? Jus Navigandi, Teresina, jul. 2002.
Disponível em: <https://jus.com.br/imprimir/3024>. Acesso em: 24 jun. 2011.
5
Súmula 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida,
a questão federal suscitada”.
Súmula 356 do STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram apostos embargos de declaração,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.
Súmula 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de
embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.
6
O Superior Tribunal de Justiça, em certa feita, proferiu o seguinte julgamento: “PROCESSO CIVIL.
RECURSO ESPECIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. O Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estabeleceram critérios diferentes para a identificação do
prequestionamento no recurso extraordinário (STF - Súmula 356) e no recurso especial (STJ - Súmula
211). A orientação consolidada na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça não ofende as garantias
constitucionais da ampla defesa, do acesso ao Judiciário e do devido processo legal, nos termos do que foi
decidido no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 198.631-1, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence (DJU, 19.12.97, p. 48). Embargos de declaração rejeitados” (BRASIL. Supremo Tribunal de
Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 158.140-DF, Segunda Turma. Relator: Min. Ari
Pargendler. Brasília, 15 de outubro de 1998. Diário de Justiça: 23 nov. 1998, p. 166).
O informativo do STJ de n. 400, de 22 a 29 de junho de 2009, apresentou interessante precedente
do Tribunal Superior, no qual se afirmou que: “Não se desconhece o fato de que o STF, ao julgar RE,
prestigiou o enunciado n. 356 de sua súmula, ao considerar prequestionada matéria constitucional pela
simples interposição de EDcl (prequestionamento ficto). Sucede que, como consabido, o STJ possui
entendimento diverso, pois tem como satisfeito o prequestionamento quando o tribunal a quo emite

346
o significado de prequestionamento.
Até porque, na verdade, não há a alegada divergência entre os Tribunais
Superiores, o que há é uma apresentação equivocada dos institutos e da termi-
nologia que se utiliza7.
Portanto, conceitos precisam ser esclarecidos (em outras palavras: mitos
precisam ser derrubados). É o que também se pretende fazer neste estudo.

2.1 CONCEITO DE PREQUESTIONAMENTO E SUA DISTINÇÃO


EM RELAÇÃO À “CAUSA DECIDIDA”

Inicialmente é importante esclarecer que prequestionamento não se con-


funde com causa decidida. A expressão causa decidida mencionada no texto
da Constituição, no inciso III, seja do art. 102, seja do art. 105, refere-se ao
pronunciamento externado pelo Poder Judiciário, por julgamento de seu órgão
jurisdicional final das instâncias ordinárias, examinando a questão de direito –
constitucional ou federal infraconstitucional – a que ainda se quer ver examinada
na estreita via dos recursos extremos.
É a prévia decisão nos autos acerca da matéria que se pretende discutir
por meio dos recursos extremos8.
Segundo Bueno (2002):

O que não se decidiu não pode ser objeto de recurso jus-


tamente pela mitigação (ou restrição) do efeito devolutivo
dos recursos extraordinário e especial, limitados pela cláu-
sula constitucional da causa decidida.

juízo de valor a respeito da tese defendida no especial. Assim, aqui é imprescindível a demonstração de que
aquele tribunal apreciou a tese à luz da legislação federal enumerada no especial, quanto mais se opostos
embargos de declaração. Daí que, se o tribunal a quo rejeita os embargos sem apreciar a tese, o respectivo
especial deve necessariamente indicar como violado o art. 535 do CPC, com a especificação objetiva do
que é omisso, contraditório ou obscuro sob pena de aplicação da Súm. n. 211-STJ. Com a reiteração desse
entendimento, a Turma não conheceu do REsp, apesar de o advogado, da tribuna, trazer a alegação de
que, no caso, há matéria de ordem pública (a inexistência de citação) não sujeita à preclusão, de acordo
com recente precedente da Corte Especial. Anote-se que o Min. Mauro Campbell Marques acompanhou
a Turma com a ressalva de seu entendimento. Precedentes citados do STF: RE 219.934-SP, DJ 16/2/2001;
do STJ: EREsp 978.782- RS, DJe 15/6/2009; REsp 1.095.793-SP, DJe 9/2/2009, e REsp 866.482-RJ,
DJ 2/9/2008. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especialnº 866.299-SC. Relator: Min. Eliana
Calmon. Brasília: 23 de junho de 2009. Informativo STF, Brasília, n. 400, 22-26 jun. 2009).”
7
Neste particular, já se chama a atenção de que a redação do art. 1.025 do CPC/15 (“Art. 1.025. Consideram-
se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que
os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o Tribunal Superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade”), não corrige e ou elucida o tecnicismo do referido instituto
jurídico.
8
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 749.

347
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Medina (2009, p. 128)9 elucida a questão:

Sob esse prisma, a necessidade de presença da questão fe-


deral ou constitucional sempre existiu, independentemente
da presença do termo ‘questionar’ ou ‘ter-se questionado’
nas Constituições brasileiras. Por outro lado – e nisso es-
tavam com razão os doutrinadores de 1946 –, o questio-
namento anterior, decorrente da atividade das partes, não
é imprescindível para o cabimento do recurso especial ou
extraordinário – o que é importante e indispensável é a
manifestação da decisão recorrida a respeito da questão
federal ou constitucional. O questionamento anterior
(prequestionamento realizado pela parte) é importante,
inafastável em certos casos, para se delimitar a matéria a
ser devolvida ao Tribunal recorrido, como se viu.

Em verdade, o prequestionamento é a submissão da matéria às instâncias


ordinárias, e sua exigência decorre da própria natureza dos recursos excepcionais e
da necessidade de formalização do requisito específico de admissibilidade previsto
no texto constitucional que é a causa decidida.
O exame dos artigos ofendidos não pode deixar de ser discutido pela
decisão atacada, uma vez que constitui consequência inafastável da própria pre-
visão constitucional dos recursos extremos, ao estabelecer o caso em que são
cabíveis os recursos especial e extraordinário apenas quando ocorrer a formação
da “causa decidida”.
Portanto, o prequestionamento, neste contexto, deve ser visto como uma
“[...] etapa necessária ao preenchimento do cabimento do RE e do RESP”10.
Assim, é fácil perceber que o prequestionamento não é o verdadeiro
requisito de admissibilidade dos recursos extremos (que é a causa decidida),
mas, sim, uma forma de alcançá-la, ainda que, na prática forense, utiliza-se da
expressão prequestionamento como se requisito de admissibilidade fosse.
Medina (2009)11 ensina:

A exigência de realização de prequestionamento pelas par-

9
MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral. São Paulo: RT, 2009, p. 128.
10
KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antônio Adonias. Manual de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2011. p. 833.
11
MEDINA, op. cit., p. 204.

348
tes, perante a instância local, contudo, não se encontra
expressa na Constituição Federal. Para nós, o que exige
a Constituição Federal é que a questão federal ou cons-
titucional esteja presente na decisão recorrida, o que não
equivale ao prequestionamento realizado pelas partes, que
deve ocorrer necessariamente antes da decisão recorrida.

Bueno(2002) completa tal entendimento:

Prequestionamento só pode ser entendido como a iniciativa


das partes que não vinculam, necessariamente, a decisão
da qual se pretende recorrer. Elas, as partes, prequestio-
nam, o Tribunal decide. É da decisão do Tribunal que se
recorre e não da iniciativa das partes. Prequestionamento,
em suma, não confunde com a questão constitucional ou
legal que autoriza a interposição do recurso extraordinário
ou especial, respectivamente.

Estes doutrinadores tiveram escola na doutrina de Oliveira (1999)12, que


assim se manifestou sobre o tema:

O que se terá como indispensável é o exame da questão pela


decisão recorrida, pois isso sim, deflui da natureza do es-
pecial e do extraordinário e resulta do texto constitucional.
Destinando-se o extraordinário, como salientado, a garantir
a exata aplicação da Constituição, falta razão a ele, se da
norma constitucional não se tratou na decisão impugnada.
O mesmo se diga do especial, pois não há como fazer-se o
controle, quando à correta interpretação do tratado ou da
lei federal, em relação a matéria de que não se cogitou. Não
pode o julgado havê-las contrariado, ou a elas haver negado
vigência, se não versada a questão que regulam.

Portanto, não há dúvidas da distinção entre prequestionamento e causa


decidida. Esta última é o verdadeiro requisito de admissibilidade dos recursos
extremos que consiste na realização de julgamento da questão constitucional

OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Prequestionamento. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda
12

Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São
Paulo: RT, 1999, p. 248-249.

349
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ou federal pelas instâncias ordinárias enquanto que prequestionamento seria


apenas uma forma de se provocar este julgamento13.

2.2 O PREQUESTIONAMENTO EXPRESSO, IMPLÍCITO E


FICTO14

Ressalta-se uma classificação que doutrina e jurisprudência dão ao pre-


questionamento que será considerado expresso, implícito ou ficto, na forma
que se segue:

- prequestionamento expresso: ocorre nas situações em


que as instâncias ordinárias tenham apreciado, no acórdão,
a questão jurídica objeto de irresignação e o preceito legal
invocado pelo recorrente tenha sido expressamente referido
pelo aresto. Na verdade, aqui, a própria causa decidida
é formada de forma expressa uma vez que se obtém o
julgamento expresso sobre a questão de direito que será
submetida a reexame na via recursal extrema;
- prequestionamento implícito: ocorre nas situações em
que as instâncias ordinárias tenham versado inequivoca-
mente a matéria objeto da norma que nele se contenha,
mas sem exigir que o preceito normativo invocado pelo
recorrente tenha sido expressamente referido pelo acórdão
impugnado; Aqui também se tem a formação da causa
decidida pois, não obstante a ausência de menção expressa,
não se pode negar o enfrentamento da matéria.
- prequestionamento ficto: ocorre nos casos em que,
após a oposição de embargos declaratórios (com fins pre-
questionadores), o tribunal a quo persiste em não decidir
questões que lhe foram submetidas a julgamento por força
do princípio devolutivo, ou, ainda, quando persista des-
conhecendo obscuridade ou contradição arguidas como
existentes na decisão (recalcitrância). Veja-se que, neste
particular, o advogado fez o que poderia fazer. Ele preques-

13
DANTAS, Bruno. Repercussão Geral, 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 174. (coleção Recursos no Processo
Civil ; 18)
14
Conforme desenvolvido neste artigo nos itens anteriores. Causa Decidida e Prequestionamento são
institutos jurídicos distintos. Entrementes, doutrina e jurisprudência, no cotidiano da prática forense,
acaba tratando os referidos institutos como se uma coisa só fosse no que diz respeito à nomenclatura.

350
tionou a matéria e, a despeito do não exame, reiterou sua
provocação pela via dos Embargos de Declaração. Sendo
assim, presume-se (daí a natureza ficta) de que o preques-
tionamento foi feito. Mas, por um error in procedendo,
a instância ordinária deixa de examinar expressamente a
questão que deveria enfrentar inviabilizando ao advogado
o acesso à via estreita dos recursos extremos.

É exatamente neste cenário que se opera o entendimento consolidado no


âmbito do STJ identificado no enunciado normativo 211 do STJ ao se entender
que é “[...] inadmissível recurso especial quando à questão que, a despeito da
oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” uma
vez que, de fato, não há enfrentamento expresso da matéria. E, por força deste
entendimento, a exigência que antes se fazia ao advogado para buscar a nulidade
do acórdão pelo vício de omissão e não enfrentamento completo da matéria
pela instância ordinária. Neste ponto, o STJ anulava o acórdão e determinava o
retorno dos autos para a instância ordinária completar o julgamento.
Vejam-se alguns julgados neste sentido (na vigência do CPC/73):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. RECURSO ESPE-


CIAL. SUPOSTA OFENSA AO 535 DO CPC. OMIS-
SÃO CARACTERIZADA.1. Deixando o Tribunal a
quo de apreciar tema relevante para o deslinde da con-
trovérsia, o qual foi suscitado em momento oportuno,
fica caracterizada a ofensa ao disposto no art. 535 do
CPC. 2. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso
especial.” (BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo
em Recurso Especial nº 717.885-MG, Segunda Turma.
Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Brasília, 10 de
junho de 2015. Diário de Justiça: 24 jun. 2015).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO


FISCAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. VIOLA-
ÇÃO, PELO ACÓRDÃO DE ORIGEM, DO ART. 535
DOCPC/1973. OMISSÃO. NULIDADE DO JULGA-
DO. RETORNO DOS AUTOS. NECESSIDADE. 1. A
jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a sim-
ples entrega do DCTF, ou documento fiscal assemelhado,
tem por efeito constituir o crédito tributário, firmando,

351
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

por conseguinte, o termo inicial do prazo prescricional


- salvo se a data do vencimento for-lhe posterior. 2. De-
fato, houve omissão quanto à data da entrega do DCTF
pelo contribuinte, o que configura matéria relevante para
o deslinde da controvérsia. Isso porque é necessário que o
Tribunal de origem analise, no caso concreto, se a data da
declaração, prestada pelo contribuinte, não seria posterior
àquela de vencimento do tributo. Pois, se o for, firmará,
na linha da jurisprudência colacionada, o termo inicial da
fluência do prazo prescricional. Dessa forma, justifica-se
o retorno dos autos à origem para novo julgamento dos
aclaratórios. 3. Existindo na petição recursal alegação de
ofensa ao art. 535 do CP/1973, a constatação de que
o Tribunal de origem, mesmo após a oposição de Em-
bargos Declaratórios, não se pronunciou sobre pontos
essenciais ao deslinde da controvérsia autoriza o retorno
dos autos à instância ordinária para novo julgamento
dos aclaratórios opostos. 4. Nesse contexto, deve ser
dado provimento ao Recurso Especial para determinar
o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que se
manifeste sobre a matéria articulada nos Embargos de
Declaração, em face da relevância da omissão suscitada.
5. Recurso Especial provido determinando o retorno
dos autos à Corte de origem, para novo julgamento dos
Embargos de Declaração. (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial nº 1.653.100-MS, Segunda
Turma. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 16 de
maio de 2017. Diário de Justiça: 16 jun. 2017).

A verdade é que, nas duas primeiras situações de prequestionamento


acima informadas (expressa ou implícita) ocorreu pronunciamento judicial, no
sentido técnico e naquilo que o jurisdicionado poderia fazer, externado pelo
Poder Judiciário por julgamento de seu órgão jurisdicional final das instâncias
ordinárias, examinando a questão de direito, constitucional ou federal infracons-
titucional, ainda que implicitamente (o que preenche ao requisito constitucional
da formação da causa decidida).
Entrementes, no que diz respeito à formação da “causa decidida”, em
relação à terceira hipótese (prequestionamento ficto), ela ainda não acontecia
pois exatamente ausente o enfrentamento pelo Poder Judiciário em sua última
ou única instância ordinária. Por isso o entendimento consolidado do STJ de

352
que o acórdão deveria ser anulado com retorno do processo para a instância de
origem visando o exame da matéria alegada.

2.3 O PREQUESTIONAMENTO NÃO PODE SER CONFUNDIDO


COM PÓS-QUESTIONAMENTO

Por fim, é importante não confundir prequestionamento com pós-ques-


tionamento.
Conforme já dito neste estudo, prequestionamento é a submissão da
matéria às instâncias ordinárias e sua exigência decorre da própria natureza dos
recursos excepcionais e da necessidade de formalização do requisito específico
de admissibilidade previsto no texto constitucional que é a causa decidida, o
que, por óbvio, não permite que provocações a posteriori da decisão possam ser
deduzidas depois da decisão já tomada.
O pós-questionamento não é suficiente para o conhecimento dos recur-
sos excepcionais, não se admitindo a interposição de embargos para questionar
matéria não ventilada pelas partes antes de proferido o acórdão. Trata-se do
chamado pós-questionamento inadmissível, visto que fere toda a sistemática
processual e desconfigura o instituto da preclusão15.

3 O ART. 1.025 DO CPC/15 E SUA NOVA EXEGESE (POSITI-


VAÇÃO DO “PREQUESTIONAMENTO FICTO”)

O art. 1.025 do CPC/15 ao estabelecer exatamente aquilo que se pode


chamar de “prequestionamento ficto” uma vez, por força do referido dispositivo,
considera “incluído do acórdão os elementos que o embargante suscitou”.

[...] consideram-se incluídos no acórdão os elementos que


o embargante suscitou, para fins de prequestionamento,

15
Todos sabemos que o prequestionamento constitui pressuposto específico de admissibilidade do recurso
extraordinário. A essa exigência indeclinável, não se subtraem quaisquer alegações, mesmo as concernentes
a temas constitucionais (RTF 98/754 – 116/451). A configuração jurídica do prequestionamento decorre
de sua oportuna formulação, em momento procedimentalmente adequado. Assim, já decidiu esta Corte
que ‘não configura prequestionamento, para os efeitos da Súmula 356, questão nova proposta nos embargos
de declaração, sem que tivesse sido presente ao juízo de apelação mediante a sua dedução nas razões do
recurso’ (ag. 101.689-2 – AgRg – SP, Relator Ministro Rafael Mayer,). A tardia alegação de ofensa à
norma constitucional – apenas deduzida em sede de embargos declaratórios – caracteriza omissão da parte
recorrente, que se absteve de prequestionar o tema constitucional, assim descumprindo um típico ônus
processual que lhe pertinia” (RTJ 131/1.386).

353
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos


ou rejeitados, caso o Tribunal Superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Veja-se que não se nega que a omissão persiste (a despeito da rejeição ou


não acolhimento dos embargos), mas por força da Lei Processual (art. 1.025
do CPC/15) estabelece-se uma “presunção” de enfrentamento da matéria ao,
expressamente, constar do referido dispositivo legal que a questão deduzida nos
Embargos de Declaração “consideram-se incluídos no acórdão”.
Em outras palavras, mesmo que rejeitados ou inadmitidos os Embargos
de Declaração, isso não afasta a presunção de que a matéria prequestionada pelo
Advogado não teria sido enfrentada. Por força de Lei (art. 1.025), cria-se uma
nova presunção, a de que a matéria foi enfrentada de forma ficta autorizando a
formação da “causa decidida” e permitindo que os Tribunais Superiores enfrentem
a matéria apresentada pelo advogado.

4 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO NO SENTIDO DE QUE


O ART. 1.025 DO CPC/15, POR SI SÓ, AFASTA A APLICA-
ÇÃO DA SÚMULA 211 DO STJ E, POR ISSO, TORNA DES-
NECESSÁRIA A APRESENTAÇÃO DE RECURSO ESPECIAL
COM “FUNDAMENTO ESPECÍFICO”

Alguns doutrinadores entendem que a mera alteração processual


introduzida no CPC/15 em seu art. 1.025, por si só, autoriza a superação
da Súmula 211 do STJ e, também, que não seria mais necessário o recurso
especial com “fundamento específico”.
A respeito do tema, Donizetti (2016, p. 1503, grifo nosso)16 leciona:

O legislador do novo CPC, tal como o STF, se contenta


com o prequestionamento implícito. Se a decisão contém
erro, omissão, contradição ou obscuridade, cabe à parte
interpor embargos de declaração antes da interposição do
recurso especial. Interpostos os declaratórios, por exemplo,
sobre um ponto omisso, o requisito do prequestionamento
reputa-se preenchido, mesmo na hipótese de o Tribunal

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil, 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p.
16

1503.

354
de Origem entender que a decisão devia ser integrada. É
como se o acórdão contivesse o julgamento da questão que
se pretende impugnar. Não há necessidade de um recurso
para compelir a decidir o ponto omisso.

Por sua vez, este também é o entendimento defendido por Gonçalves


(2017, p. 937, grifo nosso)17:

[...] a Súmula 211 do STJ foi editada na vigência do CPC


de 1973. As dificuldades por ela trazidas preocuparam o
legislador do CPC atual que, por meio do art. 1.025, elimi-
nou a exigência que decorria da sua aplicação. Esse artigo
dispõe expressamente que “Consideram-se incluídos no
acórdão, os elementos que o embargante pleiteou, para fins
de prequestionamento, ainda que os embargos de declara-
ção sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal supe-
rior considere erro, omissão contradição ou obscuridade”.
Assim, deve prevalecer, para ambos os tribunais, STF e STJ,
a solução que era dada pela Súmula 356 do STF, e não a da
Súmula 211 do STJ. Uma vez que se consideram incluídos
no acórdão os elementos suscitados nos embargos, ainda
que eles não sejam admitidos ou sejam rejeitados, não
haverá mais a necessidade de opor recurso especial por
violação ao art. 1.022 do CPC. A questão suscitada nos
embargos de declaração considerar-se-á prequestionada,
desde que o STF ou STJ considerem que, a respeito dela,
de fato o acórdão era contraditório, obscuro, omisso ou
continha erro material.

Medina (2016, p. 1527)18 também entende da mesma forma:

O CPC/2015, assim, dentre as concepções possíveis de


prequestionamento, adotou aquela, então, preponderante
no STF, por muitos chamada de ´prequestionamento fic-
to´. Resta, portanto, superado o entendimento retratado

17
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado, 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 937. (esquematizado)
18
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado, 4. ed. São Paulo: RT, 2016,
p. 1527.

355
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

na Súmula 211 do STJ. É necessário, no entanto que se


reconheça que os embargos de declaração deveriam ter
sido admitidos e providos, isto é, que o Tribunal a quo,
ao não conhecer ou ao negar provimento aos embargos de
declaração, errou, violando o art. 1.022 do CPC/2015.

Veja-se que o entendimento é sustentado na premissa de que o texto pro-


cessual consagra o “prequestionamento ficto” permitindo concluir a presunção
da formação da causa decidida uma vez que se terá por “[...] incluídos no acór-
dão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento”
(trecho do referido art. 1.025).
Pedindo redobrada vênia àqueles que externaram entendimento no sentido
de que a novel redação do art. 1.025 do CPC/15 afasta a exegese da Súmula 211
do STJ e, em consequência, também afasta a necessidade de eventual recurso
extremo com o acréscimo da discussão jurídica do denominado “fundamento
específico” conforme supra explicado, tenho entendimento contrário que passo
a aqui externar.

5 O ART. 1.025 DO CPC/15 NÃO SUPERA A SÚMULA 211 DO


STJ (QUE CONTINUA APLICÁVEL) E, DE IGUAL FORMA,
NÃO AFASTA A EXIGIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL
COM “FUNDAMENTO ESPECÍFICO” COMO INSTRU-
MENTO TÉCNICO PARA OTIMIZAR A ADMISSIBILIDA-
DE DO RECURSO ESPECIAL MESMO NA VIGÊNCIA DO
CPC/15

Entrementes, ainda que o novo art. 1.025 positive o “prequestiona-


mento ficto”, o referido dispositivo, em sua parte final, traz uma ressalva
de consequências jurídicas relevantíssimas.
É a ressalva: “[...] caso o Tribunal Superior considere existentes erro,
omissão, contradição ou obscuridade”.
Rogata vênia, esta ressalva, longe de afastar a exigência do “funda-
mento específico” nas razões do recurso especial, em verdade, acaba por
confirmá-lo.
Veja-se que o texto processual expressamente condiciona o reco-
nhecimento do prequestionamento ficto, com consequente presunção
de formação da causa decidida, pelo reconhecimento a ser feito pelo

356
STJ de que ocorreu erro, omissão, contradição ou obscuridade. Ou seja,
o STJ precisa pronunciar-se sobre a rejeição ou inadmissão dos embargos
de declaração para decidir sobre o acerto ou não da decisão e, para tanto,
obrigatoriamente, por força do efeito devolutivo19, ele deverá ser provo-
cado, pois não lhe é lícito examinar destas questões de ofício.
Em outras palavras, a novidade do CPC/15 é estabelecer uma regra
procedimental de que a presunção ficta de formação da causa decidida
passe obrigatoriamente pelo reconhecimento, a ser feito pelo Tribunal
Superior de que existiu “[...] erro, omissão, contradição ou obscuridade
[...]” no julgamento anterior o que, em outras palavras, faz reconhecer
que o advogado fez o que poderia ter feito e, o julgamento expresso só
não se deu por força de um error in procedendo do órgão julgador a quo
que deixou de se manifestar sobre a questão apresentada.
Neste contexto, o Tribunal Superior já pode se manifestar sobre a
questão, pois presumido o exame pela instância anterior conforme a nova
redação do art. 1.025.
Não se pode afastar que a “causa decidida”, verdadeiro requisito de
admissibilidade dos recursos extremos, pressupõe enfrentamento prévio da
questão de Direito a ser discutida pelas instâncias ordinárias cuja presunção
de ocorrência (novidade do art. 1.025) é fictamente aceita por ocorrida
nas instâncias superiores quando identificado que o exame não foi feito
por força de “erro, omissão, contradição ou obscuridade” no julgamento
dos embargos de declaração.
Enfim, se cabe ao Tribunal Superior manifestar sobre o “erro, omis-
são, contradição ou obscuridade”, por óbvio, e em respeito ao efeito de-
volutivo inerente a qualquer recurso do sistema processual civil brasileiro,
deve o respectivo Tribunal Superior ser expressamente provocado a proferir
tal juízo de valor.
Provocação esta que se faz exatamente pelo “fundamento específico”
a ser deduzido na peça recursal20.
19
Conforme nos ensina Jorge (2015) “O efeito devolutivo se apresenta como uma decorrência natural da
incidência do princípio dispositivo dos recursos. A aplicação desse princípio no nosso sistema recursal,
como se demonstrou, faz com que se atribua ao recorrente o direito de fixar o âmbito da devolução da
matéria ao Judiciário. Somente será devolvida à apreciação do tribunal, e, portanto, objeto de novo
exame e julgamento, aquela matéria expressamente impugnada no recurso”. (JORGE, Flávio Cheim.
Teoria Geral dos Recursos Cíveis, 7. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 347, grifo nosso).
20
Vale dizer, e para a atenção da advocacia, que o STJ, em alguns julgados já na vigência do CPC/15, vem
externando seu entendimento neste sentido. Vejamos:
“CIVIL.  PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. - LIQUIDAÇÃO PARCIAL
DE SOCIEDADE LIMITADA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS PROPORCIONAIS ÀS  COTAS

357
O PROCESSO CIVIL MODERNO – Em homenagem ao Professor Raimundo Cândido Júnior

Assim, para que a rejeição ou inadmissão dos Embargos de Decla-


ração não atraiam a aplicação do enunciado sumular 211 do STJ (a título
de exemplo) caberá ao advogado, quando da elaboração das suas razões de
Recurso Especial, suscitar o vício de “erro, omissão, contradição ou obs-
curidade” para que o Tribunal Superior dele tome conhecimento e decida.

6 CONCLUSÃO

Diante do exposto, o art. 1.025 do CPC/15 não afasta a aplicação da


Súmula 211 do STJ, muito menos a necessidade de que o advogado, em seu
Recurso Especial (ou Recurso Extraordinário, conforme o caso), deduza “funda-
mento específico” no caso de que o prequestionamento foi buscado pela via dos

INVENTARIADAS - HERDEIROS SÓCIOS EM CONDOMÍNIO - CABIMENTO - PRESCRIÇÃO


DO DIREITO - NÃO OCORRÊNCIA. 01.  Inviável  o  recurso  especial  na  parte  em que a insurgência
recursal não estiver calcada em violação a dispositivo de lei, ou em dissídio jurisprudencial. 02.  Avaliar  o
alcance da quitação dada pelos recorridos e o que se apurou  a  título  de  patrimônio  líquido  da empresa,
são matérias insuscetíveis  de  apreciação  na  via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/
STJ. 03.  Inviável  a  análise  de  violação  de  dispositivos de lei não prequestionados  na  origem,  apesar 
da interposição de embargos de declaração. 04. A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do
CPC/15), em recurso  especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao  art.  1.022
do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar  a  existência  do vício inquinado ao
acórdão, que uma vez constatado,  poderá  dar  ensejo  à supressão de grau facultada pelo dispositivo  
de  lei.  05.  O  pedido  de  abertura  de  inventário interrompe  o  curso  do prazo prescricional para
todas as pendengas entre  meeiro,  herdeiros  e/ou legatários que exijam a definição de titularidade
sobre parte do patrimônio inventariado. 06. Recurso especial não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial nº 1.639.314-MG, Terceira Turma. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília,
4 de abril de 2017. Diário de Justiça: 10 abr. 2017, grifo nosso).
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO COMINATÓRIA
CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. VIOLAÇÃO DE
MARCA. RECONHECIMENTO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO FORA DOS LIMITES DO PEDIDO.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211 DO STJ E 282 DO STF. DANOS
MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO
DADA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. INCIDÊNCIA DA MULTA
DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplicabilidade do NCPC
a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão
de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas
a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo
CPC. 2. O conteúdo normativo dos dispositivos legais tidos por violadosnão foi apreciado pelo Tribunal
de origem, apesar da interposição de embargos de declaração, estando ausente o indispensável debate
prévio. Assim, inexistente o prequestionamento, obstaculizada está a via de acesso ao apelo excepcional.
Incidente as Súmulas nºs 211 do STJ e 282 do STF. Ressalte-se que caberia ao recorrente, nas razões do
especial, alegar a violação do art. 535 do CPC/73 ou 1.022 do CPC/73, a fim de que esta Corte
pudesse averiguar a existência de possível omissão, contradição ou obscuridade no julgado, o que
não foi feito.[...]7. Agravo interno não provido, com aplicação de multa” (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especialnº 918.101-RS, Terceira Turma. Relator: Min.
Moura Ribeiro. Brasília, 27 de junho de 2017. Diário de Justiça: 4 ago. 2017, grifo nosso).

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embargos de declaração e o Tribunal de origem rejeitou ou inadmitiu o recurso.
O que o art. 1.025 criou, no meu entendimento, foi a permissão do
“prequestionamento ficto” e, em verdade, a positivação da técnica processual
em que o advogado precisa suscitar o vício para que o STJ, examinando-o e
convencido da sua ocorrência, possa presumir a formação da causa decidida e
adentrar ao julgamento do mérito da questão de direito que está sendo discutida
no recurso extremo.
Assim, a existência de um recurso especial com fundamento específico
é uma consequência lógica da própria redação do art. 1.025, da exigência de
provocação para exame da questão recursal (efeito devolutivo) e da função
do requisito de admissibilidade (causa decidida presumida) alcançada pelo
prequestionamento ficto positivado no referido dispositivo legal.
Entenda-se por “fundamento específico” um fundamento jurídico a ser
apresentado nas razões do recurso extremo (ofensa ao art. 489, §1º, e art. 1.022
do CPC/15 – nos casos de Recurso Especial; ou contrariedade ao art. 5º, XXXV,
afastar a prestação jurisdicional, e art. 93 IX, ausência de fundamentação da
decisão judicial, da Constituição da República, nos casos do Recurso Extraordi-
nário), em que o advogado, em técnica processual, em caráter de prejudicialidade
(normalmente arguida em preliminar do recurso), provoca o Tribunal Superior
a manifestar sobre a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade
(respeitando o efeito devolutivo inerente a qualquer recurso), nos casos em que
os embargos de declaração apresentados para prequestionar foram rejeitados ou
inadmitidos, reconhecendo o prequestionamento ficto e presumindo a formação
da causa decidida pela regra processual que considera “[...] incluídos no acórdão
os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda
que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados” (novidade do
art. 1.025 do CPC/15).

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