Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Conselho Federal da OAB – por meio da OAB Editora – ressalta que as opiniões emitidas
nesta publicação, em seu inteiro teor, são de responsabilidade dos seus autores.
D448
ISBN: 978-65-5819-056-1.
CDDir: 342.16
CDU: 347.6 (81)
Gestão 2022/2025
Diretoria
José Alberto Simonetti Presidente
Rafael de Assis Horn Vice-Presidente
Sayury Silva de Otoni Secretária-Geral
Milena da Gama Fernandes Canto Secretária-Geral Adjunto
Leonardo Pio da Silva Campos Diretor-Tesoureiro
Conselheiros Federais
AC: Alessandro Callil de Castro, Harlem Moreira de Sousa, Helcinkia Albuquerque dos
Santos, Célia da Cruz Barros Cabral Ferreira e Raquel Eline da Silva Albuquerque; AL:
Cláudia Lopes Medeiros, Fernando Antônio Jambo Muniz Falcão, Sérgio Ludmer, Marialba
dos Santos Braga, Marcos Barros Méro Júnior e Rachel Cabus Moreira; AP: Aurilene Uchôa
de Brito, Felipe Sarmento Cordeiro, Sinya Simone Gurgel Juarez e Wiliane da Silva Favacho;
AM: Ezelaide Viegas da Costa Almeida, Gina Carla Sarkis Romeiro, Marco Aurélio de Lima
Choy, Jonny Cleuter Simões Mendonça, Maria Gláucia Barbosa Soares e Ricardo da Cunha
Costa; BA: Luiz Augusto Reis de Azevedo Coutinho, Luiz Viana Queiroz, Marilda Sampaio
de Miranda Santana, Fabrício de Castro Oliveira, Mariana Matos de Oliveira e Silvia
Nascimento Cardoso dos Santos Cerqueira; CE: Ana Vládia Martins Feitosa, Caio Cesar
Vieira Rocha, Hélio das Chagas Leitão Neto, Ana Paula Araújo de Holanda, Cassio Felipe
Goes Pacheco e Katianne Wirna Rodrigues Cruz Aragão; DF: Cristiane Damasceno Leite,
Francisco Queiroz Caputo Neto, Ticiano Figueiredo de Oliveira, José Cardoso Dutra Júnior,
Maria Dionne de Araújo Felipe e Nicole Carvalho Goulart; ES: Jedson Marchesi Maioli,
Márcio Brotto de Barros, Sayury Silva de Otoni, Alessandro Rostagno, Lara Diaz Leal
Gimenes e Luciana Mattar Vilela Nemer; GO: Ariana Garcia do Nascimento Teles, David
Soares da Costa Júnior, Lúcio Flávio Siqueira de Paiva, Arlete Mesquita, Layla Milena
Oliveira Gomes e Roberto Serra da Silva Maia; MA: Ana Karolina Sousa de Carvalho Nunes,
Daniel Blume Pereira de Almeida, Thiago Roberto Morais Diaz, Cacilda Pereira Martins e
Charles Henrique Miguez Dias; MT: Claudia Pereira Braga Negrão, Leonardo Pio da Silva
Campos, Ulisses Rabaneda dos Santos, Ana Carolina Naves Dias Barchet, Mara Yane Barros
Samaniego e Stalyn Paniago Pereira; MS: Andrea Flores, Mansour Elias Karmouche, Ricardo
Souza Pereira, Afeife Mohamad Hajj, Gaya Lehn Schneider Paulino e Giovanna Paliarin
Castellucci; MG: Misabel de Abreu Machado Derzi, Sergio Murilo Diniz Braga, Daniela
Marques Batista Santos de Almeida, Marcelo Tostes de Castro Maia e Nubia Elizabette de
Jesus Paula; PA: Alberto Antonio de Albuquerque Campos, Cristina Silva Alves Lourenço,
Jader Kahwage David, Ana Ialis Baretta e Suena Carvalho Mourão; PB: Marina Motta
Benevides Gadelha, Paulo Antônio Maia e Silva, Rodrigo Azevedo Toscano de Brito, André
Luiz Cavalcanti Cabral, Michelle Ramalho Cardoso e Rebeca Sodré de Melo da Fonseca
Figueiredo; PR: Ana Claudia Piraja Bandeira, José Augusto Araújo de Noronha, Rodrigo
Sanchez Rios, Graciela Iurk Marins e Silvana Cristina de Oliveira Niemczewski; PE: Adriana
Caribé Bezerra Cavalcanti, Bruno de Albuquerque Baptista, Ronnie Preuss Duarte, Ana Lúcia
Bernardo de Almeida Nascimento, Mozart Borba Neves Filho e Yanne Katt Teles Rodrigues;
PI: Carlos Augusto de Oliveira Medeiros Júnior, Élida Fabrícia Oliveira Machado Franklin,
Shaymmon Emanoel Rodrigues de Moura Sousa e Isabella Nogueira Paranaguá de Carvalho
Drumond; RJ: Juliana Hoppner Bumachar Schmidt, Marcelo Fontes Cesar de Oliveira, Paulo
Cesar Salomão Filho, Fernanda Lara Tortima e Marta Cristina de Faria Alves; RN: André
Augusto de Castro, Milena da Gama Fernandes Canto, Olavo Hamilton Ayres Freire de
Andrade, Gabriella de Melo Souza Rodrigues Rebouças Barros, Mariana Iasmim Bezerra
Soares e Síldilon Maia Thomaz do Nascimento; RS: Greice Fonseca Stocker, Rafael Braude
Canterji, Ricardo Ferreira Breier, Mariana Melara Reis, Renato da Costa Figueira e Rosângela
Maria Herzer dos Santos; RO: Alex Souza de Moraes Sarkis, Elton José Assis, Solange
Aparecida da Silva, Fernando da Silva Maia, Julinda da Silva e Maria Eugênia de Oliveira;
RR: Emerson Luis Delgado Gomes, Maria do Rosário Alves Coelho, Thiago Pires de Melo,
Cintia Schulze e Tadeu de Pina Jayme; SC: Maria de Lourdes Bello Zimath, Pedro Miranda
de Oliveira, Rafael de Assis Horn, Gisele Lemos Kravchychyn, Gustavo Pacher e Rejane da
Silva Sanchez; SP: Alberto Zacharias Toron, Carlos José Santos da Silva, Silvia Virginia Silva
de Souza, Alessandra Benedito, Daniela Campos Liborio e Helio Rubens Batista Ribeiro
Costa; SE: America Cardoso Barreto Lima Nejaim, Cristiano Pinheiro Barreto, Fábio Brito
Fraga, Gloria Roberta Moura Menezes Herzfeld, Lilian Jordeline Ferreira de Melo e Lucio
Fábio Nascimento Freitas; TO: Ana Laura Pinto Cordeiro de Miranda Coutinho, Huascar
Mateus Basso Teixeira, José Pinto Quezado, Adwardys de Barros Vinhal, Eunice Ferreira de
Sousa Kuhn e Helia Nara Parente Santos Jacome.
Ex-Presidentes
1. Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes
(1944/1948) 4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo
Valladão (1950/1952) 7. Attílio Viváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956)
9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10. Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do
P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti (1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira
(1965) 14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital Duarte (1967/1969) 16. Laudo
de Almeida Camargo (1969/1971) 17. José Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de
Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira (1975/1977) 20. Raymundo Faoro
(1977/1979) 21. Eduardo Seabra Fagundes (1979/1981) 22. Membro Honorário Vitalício J.
Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Hermann Assis
Baeta (1985/1987) 25. Márcio Thomaz Bastos (1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante
(1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello Lavenère Machado (1991/1993) 28.
Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio (1993/1995) 29. Ernando Uchoa Lima
(1995/1998) 30. Membro Honorário Vitalício Reginaldo Oscar de Castro (1998/2001) 31.
Rubens Approbato Machado (2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício Roberto Antonio
Busato (2004/2007) 33. Membro Honorário Vitalício Raimundo Cezar Britto Aragão
(2007/2010) 34. Membro Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013) 35. Membro
Honorário Vitalício Marcus Vinicius Furtado Coêlho (2013/2016) 36. Membro Honorário
Vitalício Claudio Pacheco Prates Lamachia (2016/2019) 37. Membro Honorário Vitalício Felipe
de Santa Cruz Oliveira Scaletsky (2019/2022).
Presidentes Seccionais
AC: Rodrigo Aiache Cordeiro; AL: Vagner Paes Cavalcanti Filho; AP: Auriney Uchôa de Brito; AM:
Jean Cleuter Simões Mendonça; BA: Daniela Lima de Andrade Borges; CE: José Erinaldo Dantas
Filho; DF: Delio Fortes Lins e Silva Junior; ES: Jose Carlos Rizk Filho; GO: Rafael Lara Martins;
MA: Kaio Vyctor Saraiva Cruz; MT: Gisela Alves Cardoso; MS: Luis Claudio Alves Pereira; MG:
Sergio Rodrigues Leonardo; PA: Eduardo Imbiriba de Castro; PB: Harrison Alexandre Targino; PR:
Marilena Indira Winter; PE: Fernando Jardim Ribeiro Lins; PI: Celso Barros Coelho Neto; RJ:
Luciano Bandeira Arantes; RN: Aldo de Medeiros Lima Filho; RS: Leonardo Lamachia; RO: Marcio
Melo Nogueira; RR: Ednaldo Gomes Vidal; SC: Claudia da Silva Prudêncio; SP: Maria Patrícia
Vanzolini Figueiredo; SE: Danniel Alves Costa; TO: Gedeon Batista Pitaluga Júnior.
Coordenação Nacional das Caixas de Assistência dos Advogados – CONCAD
Eduardo Uchôa Athayde Coordenador Nacional
Laura Cristina Lopes de Sousa Coordenadora da Região Norte
Anne Cristine Silva Cabral Coordenadora da Região Nordeste
Gustavo Oliveira Chalfun Coordenador da Região Sudeste
Fabiano Augusto Piazza Baracat Coordenador da Região Sul
Membros
Alberto Antônio de Albuquerque Campos; Ezelaide Viegas da Costa Almeida; Élida Fabrícia
Oliveira Machado Franklin; Cláudia da Silva Prudêncio; José Erinaldo Dantas Filho; Eduardo
Uchôa Athayde; Anne Cristine Silva Cabral; Fabiano Augusto Piazza Baracat; Gustavo Oliveira
Chalfun; Afeife Mohamad Hajj; Mariana Melara Reis; Aldo de Medeiros Lima Filho; Harrison
Alexandre Targino; Jacó Carlos Silva Coelho; Natália Leitão Costa.
ESA Nacional
Ronnie Preuss Duarte Diretor-Geral
i
APRESENTAÇÃO
*
Advogado e Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
1
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da
Alemanha. Tradução: Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
iii
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
Boa leitura!
2
KOSELLECK, R. Estratos do Tempo. Estudos sobre história. Rio de Janeiro:
Contraponto/PUC-Rio, 2014.
iv
PREFÁCIO
*
Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Civil da UFPB
e UNIESP nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado. Conselheiro Federal
da OAB. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB Nacional. Membro
da diretoria nacional do IBDFAM.
v
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
vi
capítulo específico, as intercessões entre os microssistemas jurídicos de
proteção a crianças, adolescentes e mulheres.
A obra, dentro da sua característica de perpassar por temas
ainda considerados de vanguarda no direito de família e sucessões, traz
um capítulo sobre a multiparentalidade e a adoção, no qual Leonardo
Gomes Girundi discute a possibilidade da manutenção dos vínculos com
a família biológica também na adoção, nos moldes que vem se
desenvolvendo com a multiparentalidade.
Embora os temas estejam dispostos ao final da obra, mas ainda
tratando sobre questões existenciais no direito de família, existem dois
especiais destaques para os capítulos sobre violência doméstica. No
primeiro, Rosangela Maria Carvalho Viana e Anne Caroline Vitoriano
dos Santos tratam sobre a violência contra a mulher no âmbito das
relações familiares mostrando a necessidade do engajamento de métodos
que atuem no aumento da eficácia decorrente da aplicação da Lei Maria
da Penha e, ainda, ressaltam a necessidade das autoridades brasileiras de
tomarem medidas efetivas para com o agressor, contando com o apoio
de equipes multidisciplinares.
Nessa mesma temática da violência doméstica, o último
capítulo do livro se preocupa com a análise da inefetividade, no âmbito
do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, quanto à reparação
civil por danos morais à luz do “Tema 983”, dos recursos repetitivos do
STJ. O tema é desenvolvido por Venceslau Tavares Costa Filho, Camila
Cristiane da Silva e Carolina de Macêdo Ferreira que evidenciam, ao
final, que as garantias trazidas sobretudo pela Lei Maria da Penha não
podem ser consideradas apenas como um texto vazio, uma regra ou uma
norma abstrata, devendo ser concretizadas e legitimadas através de
mecanismos apontados no texto.
Além das questões alusivas ao direito pessoal de família, como
já dito, o livro “O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de
família e sucessões” contém questões atuais e relevantes sobre direito
patrimonial de família.
vii
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
viii
sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do
CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto
nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.
Igualmente, sobre o tema sucessório, Rodrigo Mazzei traz uma
contribuição destacada para a obra, a respeito da sobrepartilha
prospectiva e retrospectiva, trazendo um diálogo dos arts. 2.021 e 2.022
do CC com o art. 669 do CPC. O texto tem em seu DNA uma
característica rara e própria do autor, que é a facilidade no trânsito entre
o direito material e processual.
Conforme destacamos no início deste prefácio, a obra tem três
grandes temas de interesse. Dois deles, direito existencial de família e
direito patrimonial de família, já apresentados nas linhas iniciais, e, o
terceiro, os impactos que as questões relacionadas à alta tecnologia
podem trazer para o direito sucessório.
Nesse sentido, Maria Goreth Macedo Valadares e Thais
Câmara Maia Fernandes Coelho tratam sobre os desafios
procedimentais na herança digital discutindo questões a respeito das
redes sociais serem objeto de inventário, qual o valor a ser atribuído
ao patrimônio digital, o destino desse patrimônio após a morte do seu
titular, entre outras que valem a leitura do capítulo.
A herança digital é, mais uma vez, tema ressaltado na obra por
Maria Cristina Paiva Santiago e Geysianne Maria Vieira Silva, que
apresentam um estudo sobre a sucessão legítima do patrimônio digital.
A obra, portanto, assim se apresenta, com estes traços marcados
por análises sobre temas tradicionais de direito de família e sucessões e
aqueles que foram impactados pela pandemia da COVID-19, o que
demonstra a preocupação dos coordenadores, Lorena Guedes Duarte,
Gabriel Honorato, Leonardo Girundi e Maria Cristina Santiago, de
produzir um trabalho que pudesse servir, em perspectiva prática e
teórica, à comunidade jurídica.
O objetivo do livro de descortinar novos paradigmas para a
advocacia de família e sucessões foi alcançado com sucesso. A obra é
ix
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
x
SUMÁRIO
xi
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
xii
HERANÇA DIGITAL E A SUCESSÃO LEGÍTIMA DESSE PATRIMÔNIO ......187
Maria Cristina Paiva Santiago
Geysianne Maria Vieira Silva
xiii
DISCUSSÕES SOBRE GUARDA E CONVIVÊNCIA À LUZ DO
EQUÍVOCO ENTRE AÇÕES DE FAMÍLIA E AÇÕES DE ESTADO
Fernanda Tartuce*
Débora Brandão*
*
Doutora e Mestre em Direito Processual pela USP. Professora do programa de
Mestrado, Coordenadora e professora em cursos de especialização na Escola Paulista
de Direito (EPD). Advogada e mediadora.
*
Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, Espanha.
Doutora e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Professora, advogada e mediadora.
1
BRANDÃO, Débora. Poder familiar. In: _______. Curso de direito civil
constitucional. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2020.
1
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
2
BRANDÃO, 2020.
3
Ibid., 2020.
4
Ibid., 2020.
2
Adolescente; se os genitores não residem na mesma casa, a convivência
entre eles e seus filhos deve ser assegurada:
5
BRANDÃO, Débora; SAMPAIO, Rodrigo de Lima Vaz. Poder familiar e guarda:
redefinição histórico-dogmática dos institutos. In: ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu
Torezam; JUNQUEIRA, Michelle Asato (org.). Estatuto da Criança e do
Adolescente após 30 Anos: Narrativas, Ressignificados e Projeções. Londrina: Editora
Thoth, 2021. v. 2, p. 89-108.
6
Ibid., 2021.
3
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
7
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil.
28. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 241-243.
8
Ibid., p. 244.
4
As ações de estado e de capacidade são aquelas que
tendem a estabelecer ou modificar o estado ou a
capacidade de uma pessoa. São ações personalíssimas, e,
entre outras, podem ser anotadas as ações:
a) de investigação da paternidade ou da maternidade;
b) de separação;
c) de anulação de casamento ou de sua nulidade;
d) de revogação da adoção;
e) de interdição e seu levantamento9.
9
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Disponível em: https://bookshelf.vitalsource.com/#/books/9788530957353/. Acesso em:
21 nov. 2019.
10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 170.
11
“As denominadas ações de Estado são aquelas nas quais a pretensão é de obtenção
de um pronunciamento judicial sobre o estado de família de uma pessoa. Podem ser
positivas, para se obter um estado de família diverso do atual, ou negativas, para excluir
determinado estado. Por exemplo, as ações de investigação de paternidade e negatória
de filiação. Desse modo, as ações de estado são todas as que buscam proteger o estado
5
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
6
competência, citação, suspensão, procedimento sumário, depoimento,
exibição, testemunho, coisa julgada e primeiras declarações no inventário13.
Ao procurar a expressão “ações de estado” no CPC/2015, são
encontradas apenas duas referências em locais diversos da legislação: em
uma regra sobre citação14 e em um dispositivo sobre depoimento pessoal15.
Carlos Augusto de Assis, ao explicar as exceções à regra de citação
postal, menciona que a previsão do art. 247, I do CPC sobre “ações de
estado (i.e., estado familiar ou político da pessoa, como separação,
investigação de paternidade)” justifica-se porque, estando presentes
“direitos indisponíveis, o legislador quis cercar o ato de maior segurança,
atribuindo ao oficial de justiça a realização da citação16”, a fim de que não
paire dúvida sobre a realização do ato de comunicação processual.
A observância da regra é importante a ponto de sua ausência
ensejar nulidade processual. Eis um exemplo: em ação de divórcio
cumulada com pedidos de guarda e alimentos houve citação postal
seguida de revelia. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a
nulidade absoluta decretada na instância de origem, dada a expressa
vedação do CPC quanto a tal forma de citação em causas sobre estado da
pessoa, entendendo ser necessária a renovação do ato citatório por oficial
13
As regras se encontravam no CPC/1973, respectivamente, nos arts. 82, 222, 265, 275,
347, 363, 405, 406, 414, 472 e 993.
14
CPC, art. 247. A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto:
I - nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º. Segundo este último
dispositivo (inserido no capitulo referente às ações de família), “a citação será feita na
pessoa do réu”.
15
CPC, art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: I - criminosos ou torpes
que lhe forem imputados; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar
sigilo; III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge,
de seu companheiro ou de parente em grau sucessível; IV - que coloquem em perigo a
vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III. Parágrafo único. Esta
disposição não se aplica às ações de estado e de família.
16
ASSIS, Carlos Augusto de. Comentário ao art. 247. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério
et al. (org.). Código de Processo Civil anotado. São Paulo ; Curitiba: AASP ; OAB-PR,
2019. p. 462.
7
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
17
Na ementa do acórdão há menção a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça
proferida sob a vigência do CPC/1973: “Segundo dispõe o art. 222 do código de
processo civil, é vedada a citação pela via postal em ações de estado da pessoa, sendo
de rigor, portanto, o cumprimento da comissão por meio de oficial de justiça" (STJ.
AGRG na CR 9.518/ex, Rel. Min. Francisco falcão, corte especial, j. 16-9-2015)”
(TJSC; AI 2015.036977-3; São Miguel do Oeste; Câmara Especial Regional de
Chapecó; Rel. Des. Subst. Luiz Felipe Schuch; DJSC 22 mar. 2016, p. 749).
18
CPC, art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: I - criminosos ou torpes
que lhe forem imputados; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar
sigilo; III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge,
de seu companheiro ou de parente em grau sucessível; IV - que coloquem em perigo a
vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III. Parágrafo único. Esta
disposição não se aplica às ações de estado e de família.
19
MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Comentário ao art. 388. In: BUENO, Cassio
Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
2017. v. 2, t. 1, p. 278.
20
Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio,
separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.
Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de
8
são aplicáveis aos processos litigiosos de divórcio, separação,
reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.
De acordo com o Enunciado 72 do Fórum Permanente dos
Processualistas Civis, o rol previsto em tal dispositivo não é exaustivo,
“sendo aplicáveis os dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações
de caráter contencioso envolvendo o Direito de Família”. No mesmo
sentido, o Enunciado 19 do IBDFAM dispôs que “o rol do art. 693 do
Novo CPC é meramente exemplificativo, e não taxativo”.
Assim, as demandas relativas à nulidade do casamento, por
exemplo, também são suscetíveis à incidência das regras do Código21.
No entanto, o próprio dispositivo processual, em seu parágrafo
único, excepciona a ação de alimentos e as relativas à criança e
adolescente, que possuem procedimentos previstos em legislação
específica, Lei n. 5.678/98 e Lei n. 8.069/91, respectivamente. A razão
do tratamento legal diferenciado deve-se ao fato de que tais diplomas
possuem regras mais benéficas em virtude da matéria que disciplinam
porque cuidam do direito à vida de pessoas em estado de vulnerabilidade,
observando-se, inclusive, o mandamento constitucional de proteção
integral à criança e ao adolescente (art. 227, da CF).
Explicitado o conceito de ações de família, é necessário retomar
a discussão sobre o parágrafo único do artigo 388 do CPC que, na parte
final, obriga a parte a depor quando a matéria a ser julgada disser respeito
a ação de estado ou ação de família.
Para Zulmar Duarte (2018), a diferenciação referente a casos
criminosos/torpes é inconstitucional: como o direito de não
autoincriminação tem previsão constitucional, não pode ser afastado por
9
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
22
DUARTE, Zulmar. Seção V - Da Confissão - arts. 389 a 395. In: GAJARDONI,
Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE,
Zulmar. (org.). Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença:
comentários ao CPC de 2015. 2. ed. Rio de Janeiro ; São Paulo: Forense ; Método,
2018. v. 2, p. 327.
23
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). REsp 1.698.717/MS. Proc.
2015/0116501-1. Relatora: Min. Nancy Andrighi, 5 de junho de 2018. DJE, 7 jun.
2018, p. 1010.
10
A filiação é, destarte, um estado, o status familiae, tal
como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que
visam a seu reconhecimento, modificação ou negação são,
portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a
relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou
o adotaram24.
24
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 228.
25
Eis uma decisão que exemplifica esse entendimento: “A ação que visa desconstituir
a paternidade é ação de estado, sendo direito personalíssimo da filha e do genitor e não
pode ser cumulada com o pedido de divórcio, pois não há identidade de partes e de
objeto, devendo a questão ser discutida na via própria. (...) (RIO GRANDE DO SUL
(Estado). Tribunal de Justiça do Estado (7. Câmara Cível). AC 0269011-
35.2017.8.21.7000/Rosário do Sul. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves, 28 de fevereiro de 2018. DJERS, 7 mar. 2018).
26
“A ação de divórcio, na modulação que hodiernamente lhe é conferida pelo legislador
constitucional, tem objeto volvido à resolução do vínculo matrimonial e regulação dos
efeitos derivados da dissolução do casamento, estando a competência para processá-la
e julgá-la, por se qualificar como ação de estado, afeta ao Juízo de Família (Lei nº
11.697/2008, artigo 27)” (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios (1. Turma Cível). Ac. 111.1220. Proc 0717.65.4.942017-8070000.
Relator: Des. Teófilo Caetano, 25 de julho de 2018; DJDFTe, 1º ago. 2018).
27
“A ação de reconhecimento de união estável é uma ação de estado, ou seja, visa
alterar a situação jurídica dos conviventes, gerando implicações jurídicas, inclusive, no
11
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
12
Vale lembrar que, dependendo do foco da demanda, pode haver
consequências diferenciadas em fatores processuais importantes – como,
por exemplo, a determinação da competência.
Eis um exemplo: proposta na capital paulista uma “ação
retificatória de registro de nascimento”, houve conflito de competência
entre uma Vara especializada de Registros Públicos e uma Vara de
Família e Sucessões. O autor, marido da genitora, pretendia a retificação
da paternidade reconhecida há mais de 30 anos com fundamento em
falsidade. Como bem entendeu a Câmara Especial do Tribunal, a
demanda versa sobre estado de filiação e configura ação de estado,
matéria de competência da Vara de Família31.
Também são reconhecidas como ações de estado as que
envolvem mudanças de sexo e nacionalidade32, assim como as ações de
adoção33 e de “interdição”34 (para nomeação de curador, denominada, a
partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ação de curatela).
31
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado (Câmara Especial). Ac.
11015096. CC 0007327-06.2017.8.26.0000. Relator: Des. Alves Braga Junior, 27 de
novembro de 2017. DJESP, 1º fev. 2018, p. 3087.
32
“As ações de estado, segundo repertório doutrinário, consiste em pretensões que estão
diretamente ligadas ao direito de personalidade e dignidade humana, como por exemplo
a alteração de nome, de sexo, de nacionalidade. 4. No caso vertente, denota-se que a
pretensão da parte autora não está atrelada apenas a alteração formal de seu nome,
porquanto há nítido conflito de interesses dos genitores da criança; por esse último
motivo, revela que a questão de fundo a ser dirimida é de estado, o que atrai o processo
para Vara de Família” (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal
e Territórios (1. Câmara Cível). Ac. 112.9773. Proc 07088.81-26.2018.8.07.0000.
Relatora: Desª Leila Arlanch, 10 de outubro de 2018; DJDFTe, 19 out. 2018).
33
“(...) a ação de adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição
de filho ao adotado” (VENOSA, 2013, p. 284).
34
APELAÇÃO CÍVEL. PESSOAS NATURAIS. CAPACIDADE. Curatela.
Interdição. Curatela. Direito indisponível. Ação de estado. Inteligência da Lei nº
13.416/15 (estatuto da pessoa com deficiência). Sentença proferida em compasso com
a prova dos autos (...) (RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do Estado
(7. Câmara Cível). APL 0210159-47.2019.8.21.7000/São Leopoldo. Proc
70082382508. Relatora: Desª Sandra Brisolara Medeiros, 25 de setembro de 2019.
DJERS, 1º out. 2019).
13
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
35
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado (8. Câmara de Direito Público).
Ac. 12883988/Itapeva. AI 2161694-80.2019.8.26.0000. Relator: Des. Antonio Celso
Faria, 16 de setembro de 2019, DJESP, 19 set. 2019, p. 3054. Eis outra decisão em
sentido similar: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Ação pela qual se pretende a
interdição e internação compulsória de pessoa viciada em drogas. Fundamento da ação
no art. 4º, II, do Código Civil, caracterizando ação de estado. Competência especial das
varas de família, nos termos do art. 37, II, a, do Código Judiciário do Estado de São
Paulo. Necessidade de prova pericial complexa, nomeação de curador especial à lide e
atuação do Ministério Público como custos legis, descaracterizando o conceito de ação
de menor complexidade. Impossibilidade de aplicação do rito sumaríssimo. Conflito
conhecido para declarar a competência da 3ª Vara Cível de Birigui. (SÃO PAULO
(Estado). Tribunal de Justiça do Estado (Câmara Especial). Ac. 11791973/Birigui. CC
0016662-15.2018.8.26.0000. Relator: Des. Fernando Torres Garcia, 3 de setembro de
2018. DJESP, 11 out. 2018, p. 2951).
36
Segunda consta no acórdão, a genitora do dependente químico propôs a demanda contra
o Município de Fortaleza requerendo a internação compulsória em clínica especializada na
recuperação de drogados porque o filho se recusava a se submeter espontaneamente a
qualquer tipo de tratamento que possibilitasse “a libertação do vício que o tem escravizado,
com consequências maléficas para si próprio e para toda a sua família”.
14
pedido de tutela antecipada para que fosse providenciada imediatamente
a internação compulsória, às expensas do município de Fortaleza, sob
pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Posteriormente, contudo, adveio decisão sobre a incompetência do juízo
familiar ante a inexistência da ação de estado, "vez que não há interdição
solicitada", entendendo-se então que se tratava de demanda relacionada
à proteção da saúde do toxicômano.
Novamente redistribuído, o processo chegou na 10ª Vara da
Fazenda Pública e o magistrado titular suscitou o conflito negativo de
competência, firmando entendimento que o feito deveria tramitar perante
a 1ª Vara da Fazenda Pública, para a qual foi o processo distribuído
inicialmente (ante a ausência de óbice para que assim ocorresse, ainda
que com a possibilidade de figurar no pólo ativo eventual incapaz).
Ao apreciar o caso, entendeu o TJCE que a lide “versa sobre o
direito à saúde e não sobre o estado ou a capacidade do dependente
químico”, atraindo a competência do juízo que recebeu o feito
originariamente via distribuição37.
Trata-se de outro assunto extremamente sensível e que dialoga
diretamente com as ações de estado.
Caso se entenda que a pessoa precisa de internação compulsória
porque perdeu completamente a capacidade para exercício dos atos da
vida civil, não tendo qualquer discernimento e contato com o mundo real,
por não ser capaz de concatenar ideias e saber quem é, poderá ser o caso
de ação de curatela. A fixação dos limites desta deverá ser expressamente
apontado na sentença, uma vez que não há mais na legislação pessoa
maior de 16 anos absolutamente incapaz – o que se pode discutir
doutrinariamente em outro momento.
37
CEARÁ (Estado). Tribunal de Justiça do Estado (2. Câmara de Direito Público); CC
0000288-13.2017.8.06.0000. Relatora: Desª. Maria Nailde Pinheiro Nogueira. DJCE,
26 jul. 2018, p. 29.
15
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
CONCLUSÕES
16
Também é oportuno consignar que algumas ações de família,
descritas exemplificativamente no artigo 693 do Código de Processo
Civil, podem ser classificadas como ações de estado, especialmente
as ações litigiosas de divórcio, separação (para quem sustenta sua
existência na legislação) e as ações que discutem a condição de filho,
ou seja, parentalidade.
As ações de reconhecimento e extinção de união estável não
podem ser classificadas como ações de estado porque a legislação ainda
não reconheceu o estado civil de companheiro ou companheira.
No entanto, a legislação processual civil determina a citação
pessoal nos casos de ações de família por conta da importância social e
jurídica da matéria envolvida, uma vez que a família é a base da
sociedade brasileira e tem especial proteção do Estado, conforme o caput
do artigo 226 da Constituição Federal.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Carlos Augusto de. Comentário ao art. 247. In: CRUZ E TUCCI,
José Rogério et al. (org.). Código de Processo Civil anotado. São
Paulo: AASP/OAB-PR, 2019.
17
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 13. ed. São Paulo:
Atlas, 2013.
18
GUARDA ALTERNADA E GUARDA COMPARTILHADA
COM RESIDÊNCIA ALTERNADA: há diferença?
*
Advogada especializada em Direito de Família e Sucessões. Presidente da Comissão de
Relações Governamentais e Institucionais do IBDFAM, Gestão 2018/2020 e 2021/2023.
*
Advogada especializada em direito constitucional e em Direito de Família e
Sucessões. Presidente do IBDFAM/ES 2018/2020 e 2021/2023. Vice-Presidente da
Comissão Especial de Família e Sucessões da OAB 2019/2021. Mestranda pela
Universidade de Vila Velha/ES.
1
Canção “Pais e Filhos”, da banda Legião Urbana (1989).
19
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
2
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2019_v
46_informativo.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
20
traz em seus preceitos a família democrática. O que era pátrio poder
passa a ser poder familiar, como marco da igualdade conjugal e a criança
e o adolescente passam a ser respeitados como sujeitos de direitos. Uma
profunda ressignificação das relações familiares.
A autoridade parental constitui-se em direito-dever dos pais
pautado no exercício dos direitos fundamentais dos filhos. Trata-se de
conjunto de responsabilidades de caráter patrimonial e existencial
atribuídas a ambos os pais com relação a seus filhos, decorrente do
vínculo de parentalidade3.
As mudanças decorrentes da Constituição Federal e
implementadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente determinam
que qualquer decisão que envolva direito da criança e do adolescente
deve ser aplicada sob o enfoque do melhor interesse destes e deve ser a
diretriz para o exercício da autoridade parental (XAVIER et al., 2019)4,
em pleno atendimento ao art. 227 da Constituição Federal5 e do art. 3.1
da Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710/1990)6.
A ausência de uma definição detalhada do que seria o melhor
interesse da criança e do adolescente importam em uma leitura dos preceitos
vigentes na sociedade à época em que norma constitucional for aplicada.
3
Art. 1.630: “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.
4
XAVIER, Marília et al. Guarda e Autoridade Parental por um regime diferenciador.
In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; DADALTO, Luciana (org.). Autoridade
Parental: dilemas e desafios contemporâneos. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019.
5
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
6
“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou
privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos
legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
21
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
7
“O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.
Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá
importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo”.
8
“A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as
relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem
em sua companhia os segundos”.
9
“Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno
exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação
e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes
consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI -
nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los
judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-
los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII
- reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX - exigir que lhes prestem obediência,
respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.
10
A principal função desse instituto é cumprir o dever de assistência e cuidado,
provimento material e moral e, sobretudo, a atuação direta e fundamental no processo
de formação dos filhos, ou seja, uma verdadeira função protetiva e promocional, em
todos os aspectos (PEREIRA, 2018).
22
familiar vigente na sociedade brasileira. O princípio da igualdade entre
homens e mulheres refletiu diretamente nas relações conjugais e a guarda
dos filhos passa a ser possível para qualquer um dos pais, desvencilhando-
se da análise de culpa pelo fim do casamento vigente até então11.
O ingresso em massa das mulheres no mercado de trabalho
exigiu maior participação do homem na criação e na educação dos filhos;
assim, o pai deixa de ser mero provedor e passa a construir relações mais
consistentes de afeto e de cuidado para com os filhos.
As famílias constituídas pela união estável e de relacionamentos
eventuais entre os genitores também ganham um crescente espaço na
sociedade brasileira. A legitimação da busca da felicidade e da família
fundada no afeto e na igualdade de gênero, e não mais em valores
patrimoniais e religiosos, faz com que o número de divórcios e
dissoluções de uniões estáveis cresça a cada dia – afinal, não há mais
obrigatoriedade de permanência em um relacionamento que não atenda
aos anseios de felicidade de seus integrantes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 também
representa um marco na ruptura da busca do culpado pelo fim da
relação conjugal, uma vez que preconiza que o melhor interesse do
menor e a prioridade absoluta das crianças e dos adolescentes é que
devem ser o objetivo.
Essas transformações sociais geraram uma reflexão sobre as
diferenças entre as relações amorosas e as relações parentais, isto é, a
11
Art. 326 do Código Civil Brasileiro de 1916: “Sendo o desquite judicial, ficarão os
filhos menores com o cônjuge inocente. § 1º Se ambos forem culpados, a mãe terá
direito de conservar em sua companhia as filhas, enquanto menores, e os filhos até a
idade de seis anos. § 2º Os filhos maiores de seis anos serão entregues à guarda do pai”.
Lei do Divórcio – Lei nº 6.515/77 - Art 9º: “No caso de dissolução da sociedade
conjugal pela separação judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges
acordarem sobre a guarda dos filhos.” Art 10 - “Na separação judicial fundada no
‘caput’ do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a e não houver dado
causa. § 1º - Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos
menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa
advir prejuízo de ordem moral para eles.”
23
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
12
Lei 11.698/2008, Art. 1583: “A guarda será unilateral ou compartilhada. §1º
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que
o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta
e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.
13
Lei 11.698/2008, Art. 1.584: “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...)
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.
24
preferencial dessa modalidade de guarda, que independe inclusive do
consenso entre os pais.
Com intuito de equilibrar a convivência do par parental com os
filhos e igualar a responsabilidade dos pais de criarem e educarem os
filhos menores, a regra constante da Lei da Guarda Compartilhada é de
que essa modalidade somente não será aplicada quando expressamente
um dos pais manifestar que não deseja ou não pode exercê-la, ou quando
houver a destituição14 ou suspensão15 do poder familiar de um deles.
Segundo dados do Censo 2020, a aplicação da guarda
compartilhada passou de 7,5% no ano de 2014, para 20,9% no ano de
201716. Apesar de crescentes, os números ainda são tímidos se
considerada a legislação em vigor, o que revela a complexidade das
relações familiares e a falta de verdadeiro entendimento dos benefícios
para os filhos.
Segundo Renata Multedo (2017, p. 155), os benefícios da Lei
ultrapassam o campo jurídico e agem como força modificadora do
comportamento dos pais em relação aos filhos, conscientizando e
responsabilizando aqueles quanto à criação e à tutela destes. Trata-se
da democratização do arranjo familiar, em sintonia com a nova
axiologia constitucional.
14
Art. 1637 do CC: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres
a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum
parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela
segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos
de prisão.”
15
Art. 1638 do CC: “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho
II – deixar o filho em abandono
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes
IV – incidir, reiteradamente, mas faltas previstas no artigo anterior.”
16
Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-
de-noticias/noticias/22866-casamentos-que-terminam-em-divorcio-duram-em-media-
14-anos-no-pais. Acesso em: 17 jul. 2021.
25
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
17
Art. 1.583: “A guarda será unilateral ou compartilhada. [...] § 3º Na guarda
compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor
atender aos interesses dos filhos.”
18
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA
COMPARTILHADA. CONSENSO. DESNECESSIDADE. LIMITES GEOGRÁFICOS.
IMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DOS MENORES.
SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à
transigência dos genitores. 2. As peculiaridades do caso concreto inviabilizam a
implementação da guarda compartilhada, tais como a dificuldade geográfica e a realização
do princípio do melhor interesse dos menores, que obstaculizam, a princípio, sua efetivação.
3. Às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento
insuperável ao exercício da guarda compartilhada, como por exemplo, limites geográficos.
Precedentes. 4. A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso
especial exigiria, por parte desta Corte, o reexame de matéria fática, o que é vedado pela
Súmula nº 7 deste Tribunal. 5. Recurso especial não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça (3. Turma). REsp 1605477/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 21 de
junho de 2016, DJe 27 jun. 2016).
26
filhos com os pais19, a fim de propiciar a coparticipação e a
corresponsabilização parental.
A fixação dos períodos de convivência impõe desafios, pois não
há uma fórmula pronta que pode ser aplicada a todas as famílias. Para
isso, o legislador estabeleceu a possibilidade de o juiz recorrer à
orientação técnico-profissional ou de equipe multidisciplinar20, que deve
estar atenta às circunstâncias do caso concreto, como a idade do filho e
a aplicação prática da rotina familiar. Segundo a valiosa lição de Pietro
Perlingieri (2002, p. 259):
19
Art. 1.583: “A guarda será unilateral ou compartilhada. [...] § 2º Na guarda compartilhada,
o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com
o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.”
20
Art. 1.584: “A guarda será unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] § 3º Para
estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda
compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá
basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá
visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.”
21
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução: Maria Cristina de Cicco.
3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
22
Enunciado 603: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve
atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma
27
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
28
“visita” era bastante adequado por tratar de tempo insuficiente para
exercer a parentalidade de maneira efetiva. Posteriormente,
acrescentaram-se um ou dois dias durante a semana. Essa rotina, muitas
vezes, implica em um desequilíbrio na relação familiar.
No entanto, o judiciário pouco a pouco vem sendo convocado a
homologar acordos em que famílias funcionais optam por um regime de
convivência alternado, o que aponta para um novo padrão de
comportamento social, o qual deve ser estimulado e aplicado, pois a
paternidade e a maternidade são funções exercidas e, quanto maior o
período de convívio, mais esses papéis se fortalecem.
Pode haver a fixação da guarda compartilhada e se estabelecer
a convivência alternada, na qual os filhos passarão determinado lapso de
dias em companhia de apenas um dos pais, e, sequencialmente, ficarão
igual período com o outro. Há um revezamento entre os pais da custódia
física dos filhos, sendo respeitado o regime de guarda.
Ao definir a modalidade de convivência, deve-se analisar critérios
de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto – entre eles, o
estágio de desenvolvimento da criança e/ou adolescente e a rotina familiar,
tendo sempre como norte e limite o melhor interesse dos menores, conforme
bem delineado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal28.
28
A título de exemplo: “[...] 2. Em que pese o modelo de guarda compartilhada
comumente aplicado, eleger apenas um dos lares como o de referência, na análise do
caso concreto, é possível que essa dinâmica seja atenuada a fim de possibilitar a
alternância de residências, desde que conjugada com o melhor interesse do filho, em
especial, quando for possível presumir que o menor esteja em avançado estágio de
desenvolvimento psicomotor, pela sua idade por exemplo, houver acordo de vontades
entre os genitores e não se apurar desarrazoada alternância de lares, tanto no tempo
como no espaço geográfico. 3. Não obstante o acordo proposto pelas partes prever
como lar de referência o materno, mas adotando o revezamento semanal da custódia
física da prole, releva considerar que tais proposições decorrem das circunstâncias
específicas do caso concreto, em que as residências maternas e paternas são próximas
entre si e da escola e o atual estágio de desenvolvimento da adolescente em questão,
não descaracterizando a guarda compartilhada, de modo que merece prestígio o
consenso estabelecido entre os genitores na regulamentação da guarda da filha comum,
uma vez respeitado o melhor interesse da menor. 4. Agravo de instrumento
29
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
30
A convivência deve ser estabelecida sempre com vistas a proteger
e a atender o melhor interesse das crianças e dos adolescentes.
Preferencialmente, devem ser detalhados os períodos que o filho passará
com cada um dos pais, regime de férias, aniversários dos filhos e dos pais,
feriados, datas comemorativas, responsabilidades que cada um dos pais terá
na administração da rotina. Detalhes que podem evitar futuros litígios.
Certo é que a pluralidade das famílias não está somente no modo
como elas se constituem, mas também na forma como os seus integrantes
se organizam e administram o dia a dia. Partir da premissa de que
determinado regime de convivência é mais benéfico do que o outro, em
respeito apenas a padrões preestabelecidos, sem se considerarem as
peculiaridades do caso concreto, é um erro e pode estimular a
disfuncionalidade daquela família. O que deve ser combatida é a hierarquia
entre o par parental e a disputa pelos filhos como se objetos fossem.
Segundo Glicia Brazil, faltam estudos sobre as implicações da
alternância de convivência sob a perspectiva das famílias brasileiras,
bem como há carência de estudos que demonstrem as consequências na
fase adulta de pessoas que foram envolvidas no litígio dos pais na
infância (BRAZIL, 2019, p. 50-51)31.
A alternância de casas, com divisão equilibrada do tempo, tem
sido fixada em vários países, como em Portugal e na Suécia, onde
estudos apontam que essa modalidade de convivência possibilita um
melhor desenvolvimento das crianças. Na Austrália e na Nova Zelândia,
estudos indicam que a divisão igualitária do tempo gera nas crianças
menor sensação de perda do que os que estão submetidos a guarda
unilateral ou a guarda compartilhada sem a divisão proporcional do
tempo de convívio (DELGADO, 2018)32.
31
BRAZIL, Glicia Barbosa de Mattos. Quais os efeitos psicológicos, para as crianças,
na fixação de duas casas? Revista IBDFAM: Família e Sucessões, Belo Horizonte, v.
33, p. 49-71, maio/jun. 2019.
32
DELGADO, Mario Luis. Guarda alternada ou guarda compartilhada com duas
residências? Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 23 dez. 2018. Disponível em:
31
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
https://www.conjur.com.br/2018-dez-23/processo-familiar-guarda-alternada-ou-
guarda-compartilhada-duas-residencias. Acesso em: 29 out. 2019.
33
ROSA, Conrado Paulino. Nova Lei da Guarda Compartilhada. São Paulo: Saraiva, 2015.
32
uma corresponsabilização é regime que, geralmente, não atende aos
interesses dos filhos e, sim, dos pais, que buscam um exercício egoísta
da parentalidade, sem atendimento à concepção de igualdade e da
correlação dos sujeitos na formação da família democrática.
Levando-se em consideração esses aspectos, temos de forma
uma clara que a família é o local primário das relações pessoais e o
Direito de Família deve acompanhar a evolução da sociedade. Partir da
premissa de que o regime de convivência alternado, até hoje pouco
experimentado pela sociedade brasileira, é prejudicial e deve ser evitado
é uma interpretação imediatista e fundada no engessamento dos
conceitos até então vigentes.
Historicamente, no Brasil, as famílias binucleares são recentes e
ainda buscam fórmulas que se ajustem às mudanças sociais e culturais que
ocorreram em curto espaço de tempo. Os ordenamentos da proteção da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento e da busca por
atender seus melhores interesses devem nortear as decisões judiciais e
devem ser interpretados de acordo com o contexto social e cultural vigente.
As modalidades de guarda compartilhada e de guarda alternada
são extremamente distintas. A primeira diz respeito à coparticipação e
corresponsabilização do par parental na administração da rotina e dos
cuidados com os filhos; enquanto a segunda implica em um revezamento
dessas funções por períodos preestabelecidos. A primeira comporta a
convivência alternada; na segunda, a alternância de convivência é um
requisito. A fixação da primeira é a recomendada pelo sistema jurídico
brasileiro; já a segunda não encontra abrigo legal no Brasil. A primeira
privilegia os filhos, enquanto a segunda, os interesses dos pais.
A parentalidade não se dissolve pelo fim do relacionamento entre
os genitores; ela é continuada e o duplo referencial deve ser ao máximo
preservado para que a criança e o adolescente encontrem ambiente propício
para os seus bons desenvolvimentos. A alternância de convivência tem
33
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
34
ROSA, Conrado Paulino. Nova Lei da Guarda Compartilhada. São
Paulo: Saraiva, 2015.
35
DIREITO/DEVER DE CONVIVÊNCIA: possibilidades ao
combate da prática de alienação parental em tempos
de isolamento
*
Advogada. Professora da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP.
*
Advogada. Especialista em Direito Civil. Membro da Comissão Especial de Direito
da Família e Sucessões do Conselho Federal da OAB.
1
SIMÃO, José Fernando. Direito de Família em tempos de pandemia: hora de escolhas
trágicas. Uma reflexão de 7 de abril de 2020. In: NEVARES, Ana Luiza Maia;
XAVIER, Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus:
impactos no Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 3-9.
37
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
2
"Violência Doméstica: pandemia tornou o lar ambiente ainda mais hostil". Agência
Brasil – Radioagência Nacional. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radi
oagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2021-06/violencia-domestica-pandemia-
tornou-o-lar-ambiente-ainda-mais-hostil. Acesso em: 25 jul. 2021.
38
problemas que dizem respeito à vida privada e às desigualdades nas relações
privadas" (dentro e fora do lar)3. Em relação aos temas afetos ao exercício
da parentalidade, a autora afirma que o risco de contaminação dos filhos
trouxe consigo a exposição da fragilidade da autoridade parental de pais
separados, do abuso de direito praticado por muitos pais e mães no sentido
de privar exageradamente e de forma desarrazoada a convivência com o
outro. Desse modo, a advocacia familiarista tem se deparado diariamente
com problemas antigos no contexto parental que foram agravados por essa
crise sanitária sem precedentes no Brasil.
Neste cenário extremo, é fato que questões ainda não superadas
da conjugalidade encontrarão um ambiente extremamente fértil para
agravar problemas da parentalidade, ocasionando, por vezes, rupturas de
vínculo afetivo que deixarão marcas indeléveis em todos os envolvidos.
O leitmotiv do presente texto é analisar quais os caminhos que a
advocacia familiarista poderá se valer durante esse tormentoso momento.
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, pretende-se contribuir com o
debate apresentando algumas soluções criativas colhidas das fontes
doutrinária, jurisprudencial e, em especial, da prática forense.
O momento atual demanda soluções que podem ser construídas
à luz dos princípios constitucionais reitores4, amparados em argumentos
substanciais obtidos pelas heteroreferências5, que impedem que o direito
se isole em argumentos meramente formais, dissociados do fim social.
3
GIRARDI, Viviane. Isolamento social e o impacto sobre as mulheres e sobre o direito
de convivência. In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER, Marília Pedroso;
MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus: impactos no Direito de Família e
Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 225.
4
“Estes servem precipuamente de princípios retores, capazes de subordinar e validar
qualquer regra infraconstitucional de direito privado”. NEVES, Gustavo Kloh Muller.
Os princípios entre a teoria geral do direito e o direito civil-constitucional. In: RAMOS,
Carmen Lucia Silveira et al. (org.). Diálogos sobre direito civil: construindo a
racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 19.
5
LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 525.
39
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
40
o local adequado para viabilizar uma convivência mínima e segura diante
de delicados embates jurídicos. Da mesma forma, se prestavam ao nobre
papel de tentativa de reconstrução de laços afetivos.
Assim sendo, entende-se que o fechamento dos Núcleos jamais
deveria ter ocorrido e que a pronta reabertura já deveria ter sido
concretizada. Não é demais lembrar que o Estatuto da Criança e do
Adolescente preconiza que seus destinatários possuem proteção integral
e prioridade absoluta.
Considerando o panorama atual de interrupção de atividades
presenciais dos Núcleos já soma mais de ano e que não há nenhuma
perspectiva concreta em termos de definição de data para a retomada, oferece-
se algumas soluções para os três momentos processuais acima descritos.
Em primeiro lugar, sugere-se que a mediação seja buscada pelos
pais e mães quando instaurado o conflito acerca do exercício da
convivência. Para além do objetivo de pactuar um acordo que contemple
o interesse de todos os envolvidos, a mediação possui como inegáveis
benefícios um olhar mais profundo para a lide sociológica e o
restabelecimento do diálogo entre as partes. Com isso, percebe-se a
tendência de empoderamento dos envolvidos e do cumprimento
espontâneo da solução que foi democraticamente construída. É oportuna
a reflexão de Rose Meireles quando afirma que, na atualidade, os
processos judiciais estão caminhando a passos de cágados e que não se
pode esquecer que o acesso à justiça não se resume ao Poder Judiciário6.
Porém, quando o desgaste dos ânimos não permitir uma
autocomposição, uma alternativa que pode se mostrar adequada é o
estabelecimento de um regime de convivência análogo ao regime
estabelecido para férias. Assim, em vez dos deslocamentos serem quase
que diários revezando a permanência na residência do pai e da mãe, a
6
MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Um convite aos métodos consensuais de resolução
de conflitos. In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER, Marília Pedroso;
MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus: impactos no Direito de Família e
Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 33-41.
41
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
7
MOURA, Líbera Copetti de; COLOMBO, Maici Barboza dos Santos. Exercício do
direito à convivência familiar em situações extremas: princípio do melhor interesse da
criança e colisão de direitos fundamentais. In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER,
Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus: impactos no
Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 211.
8
EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Como a utilização da tecnologia impacta nas relações
familiares em tempos de pandemia da COVID-19? In: NEVARES, Ana Luiza Maia;
XAVIER, Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus:
impactos no Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 158.
42
Decisão originária da 3ª Vara de Família e Sucessões da
Comarca de Curitiba, assinada pela Juíza Fernanda Maria
Zerbeto Assis Monteiro, acolheu o pedido da mãe em ver
suspensa a convivência paterna com o filho, por um prazo
de trinta dias ou pelo período de vigência do isolamento
social naquela cidade. Alegou a requerente que as visitas
se realizavam em locais públicos como shopping centers e
praças, ampliando os riscos de contaminação da criança e
da sua avó, pessoa enquadrada no grupo de risco, com
quem reside. Para evitar ruptura total da convivência,
determinou que fosse realizada pelos meios virtuais.
O pai agravou de instrumento, reafirmando que mudou toda
a sua rotina para atender as recomendações das autoridades
e que desenvolve suas atividades laborais em sistema de
home office. O relator, desembargador Rogério Etzel, da 12ª
Câmara Cível, reformou a decisão do juízo a quo que,
segundo ele, impôs severa alteração ao regime de
convivência sem sopesar a realidade de cada um dos
genitores e dos respectivos lares. Sustentou que o convívio
da criança com o pai, na residência deste, não traria nenhum
perigo e assim, decidiu que no período pandêmico a criança
passaria quinze dias com o pai e quinze dias com a mãe9.
9
MENEZES, Joyceane Bezerra de; AMORIM, Ana Mônica Anselmo de.Os impactos do
COVID-19 no Direito de Família e a fratura do diálogo e da empatia. In: NEVARES, Ana
Luiza Maia; XAVIER, Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus:
impactos no Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco, 2020. p. 181.
43
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
10
KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Audiências cíveis postergadas: Coleta da prova oral em
cartório de notas em tempos de covid-19. Migalhas, 22 maio 2020. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/327459/audiencias-civeis-postergadas--coleta-da-
prova-oral-em-cartorio-de-notas-em-tempos-de-covid-19. Acesso em: 25 jul. 2021.
44
envolve crianças e adolescentes deve ter seu curso regular, apesar das
situações excepcionais impostas pela pandemia.
Como já defendido, o exercício da convivência ou do direito de
visitas deve ser afetado somente em situações efetivamente
excepcionais. A suspensão ou a interrupção só se justifica em casos em
que seja a única possibilidade para preservar o bem jurídico maior, tais
como iminente prejuízo concreto à saúde do menor ou dos seus genitores,
ou ainda, de circunstância imposta pelo lockdown, quando a circulação
de pessoas esteja totalmente limitada.
Desprovido de consenso prévio familiar e/ou de decisão
judicial, eventual restrição ao direito de convivência ou das visitas é ato
unilateral, verdadeiro abuso de direito por parte do guardião. Assim
sendo, em razão dos manifestos prejuízos que pode acarretar ao pleno
desenvolvimento dos menores e ao exercício pleno e saudável da
situação parental, poderá implicar a prática de alienação parental.
É dever de todos prezar pelos valores elencados na Carta
Magna. Não se mostra necessário criar novas regras para disciplinar
essas situações excepcionais, mesmo porque, o direito posto já oferece
possibilidades para a proteção integral da criança e do adolescente. Além
do próprio Estatuto, as formulações deônticas de todo o sistema já foram
apontadas na Constituição Federal de 1988, dentre eles, o artigo 22711
elenca os valores específicos para a proteção dos menores, os quais,
como preceitua a lei processual civil12, devem ser considerados por todos
aqueles que, de alguma forma, participam do processo.
Contudo, ainda que as situações excepcionais impostas pela
pandemia, prima facie, possam ser tuteladas pelo ordenamento vigente,
11
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
12
“Art. 5º: Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de
acordo com a boa-fé".
45
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
46
criança, de ser poupada do litígio dos pais, sendo a ela garantido o acesso
ao outro ente familiar que tem menos convívio"13.
Toda crise traz consigo novas possibilidades, ao tempo que pode
representar rupturas importantes. Quando se trata de pessoas em formação,
o ideal é que os genitores dialoguem, com vistas a estabelecer o melhor
modelo de convivência com seus filhos. Os laços de afetos são estimulados
pelo convívio e sentimento de pertença aos núcleos familiares de cada
genitor, fator essencial à dignidade humana. Contudo, quando isso não se
mostra possível, cabe à advocacia cumprir sua função social, buscando
novas possibilidades, de forma criativa e responsável, com vistas a
contribuir para uma sociedade mais justa e fraterna.
REFERÊNCIAS
13
BRAZIL, Glícia. Efeitos do convívio virtual para o vínculo de afeto dos vulneráveis.
In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER, Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia
Felipe (coord.). Coronavírus: impactos no Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba,
SP: Foco, 2020. p. 255.
47
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
48
MENEZES, Joyceane Bezerra de; AMORIM, Ana Mônica Anselmo
de. Os impactos do COVID-19 no Direito de Família e a fratura do
diálogo e da empatia. In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER,
Marília Pedroso; MARZAGÃO, Silvia Felipe (coord.). Coronavírus:
impactos no Direito de Família e Sucessões. Indaiatuba, SP: Foco,
2020. p. 173-199.
49
ALIENAÇÃO PARENTAL E VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA:
intercessões entre os microssistemas jurídicos de
proteção a crianças, adolescentes e mulheres
Já não se pode mais afirmar (se é que isto já foi possível) que as
relações familiares devem ser consideradas como estritamente privadas.
Principalmente a partir das revoluções liberais europeias, na primeira
metade do século XIX, constata-se uma tendência até o momento
intocada: o Estado passou a participar da esfera familiar.
A concepção atual da entidade familiar, seja ela em qual
figuração for (multiparental, monoparental, tradicional, homoafetiva,
reconstituída, etc.)1, está alicerçada nas ideias de afetividade e
solidariedade, e encontra proteção constitucional expressa, como base
da sociedade (art. 226 da Constituição Federal). Revestindo-se de
“natureza socioafetiva”, nas palavras de Paulo Lôbo (2008, p. 7), o
modelo de família consagrado na Constituição de 1988 é o “da família
instrumental no lugar da família-instituição”. Tendo sido superadas as
tradicionais concepções da família enquanto instituição a serviço da
sociedade, a lógica é inversa: é o Estado e a sociedade que servem à
*
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da
Universidade de Pernambuco (UPE) e da FAFIRE. Advogado.
*
Promotora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Especialização em Direitos
Humanos, Educação e Justiça Restaurativa pela Fundação Joaquim Nabuco/EIPP.
Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco.
*
Advogada. Especialização em Direito Processual Civil - UNISUL - Universidade do Sul de
Santa Catarina. Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco.
1
Em 2019, apenas 42,9% das famílias brasileiras eram constituídas por casais
heterossexuais com filhos, conforme pesquisas disponíveis no site
http://www.pelasfamilias.com.br/. Acesso em: 21 maio 2021.
51
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
52
interesses estritamente individuais dos pais em detrimento das
necessidades dos filhos” (COSTA FILHO, 2011, p. 159).
A violência parental surge da assimetria de relações entre
genitores e filhos, provocando uma atuação protetiva estatal em relação
a esses últimos, na qualidade de pessoas em desenvolvimento (LAGE,
2019; SILVA, 2002). Essa proteção especial, como se sabe, está
fundamentada na doutrina da proteção integral, albergada
constitucionalmente (art. 227 da Constituição Federal), e enseja, em
decorrência, uma maior ingerência do Estado nas relações familiares,
ainda que na perspectiva dos princípios da responsabilidade parental e
da prevalência da família (Constituição Federal, art. 226, §§ 5º, 7º e 8º e
Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 100, incisos IX e X).
A partir dessa concepção, reconhece-se que o poder familiar
transformou-se em um autêntico poder-dever, um munus público,
voltado para a proteção da dignidade e do desenvolvimento sadio 2 da
prole, e se desconecta de forma independente da relação entre
genitores, norteado pela perspectiva do princípio do melhor interesse
do infante3, cujas relações filiais/parentais precisam ser preservadas 4.
A alienação parental é entendida, assim, como um exercício abusivo
da autoridade parental (SCHMIDT, 2020).
A Lei 12.318/2010 estabelece como ato de alienação parental
2
O adjetivo deve aqui ser entendido em sentido amplo: nas dimensões física, psíquica
e emocional do ser humano.
3
O princípio de melhor interesse da criança, cuja origem histórica remonta ao instituto do
parens patrie do direito anglosaxão, já era previsto no Código de Menores, ali entretanto
aplicável unicamente a crianças e adolescentes inseridos na chamada situação irregular.
Com a adoção da doutrina da proteção integral no direito brasileiro, e a ratificação, pelo
país, da Convenção internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710/90), o
princípio "ganhou amplitude, aplicando-se a todo público infanto-juvenil, inclusive e
principalmente nos litígios de natureza familiar" (AMIN, 2010, p. 27).
4
Veja-se: art. 9º, item 3 da Convenção dos Direitos da Criança, art. 229 da Constituição
Federal, art. 1.632 do Código Civil e arts. 21 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
53
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
5
Embora não caiba no escopo deste trabalho aprofundar a problemática científica acerca da
Síndrome da Alienação Parental (SAP), definida pelo psiquiatra norte-americano Richard
Gardner, é preciso consignar que há movimentos de pesquisadores de vários países que
questionam os critérios e a conformação da síndrome no campo da psiquiatria, sobretudo
nos casos de abuso sexual infantil (SOUSA; AMENDOLA, 2012).
54
sanções contribuía psicologicamente para as mulheres, sejam esposas,
filhas, irmãs, entenderem como “legítima” sua submissão ao homem
(MELLO; PAIVA, 2020).
Merece destaque o Código Criminal brasileiro de 1830 que (em
uma falsa ideia de avanço à proteção das mulheres) revogou o “direito”
de o marido matar sua esposa. Todavia, implementou atenuante ao
homem no caso de homicídio motivado por adultério, o que acabou por
“legitimar a continuidade dos assassinatos de mulheres consideradas
infiéis”, como defende Barsted e Hermann (1955). No mesmo sentido de
manter a submissão feminina, o Código Civil de 1916 dispôs no art. 233
sobre a perda da capacidade civil plena com o casamento ao conceder ao
marido a competência para: representar a família, administrar os bens
comuns e particulares da família, decidir quanto ao domicílio da família,
determinar sobre a profissão da mulher, assim como a prover a mantença
da família6 (MELLO; PAIVA, 2020).
Como se pode observar, a violência contra as mulheres tem
profundas raízes históricas e culturais em nossa sociedade, com
rebatimentos diversos nos campos da proteção aos vulneráveis, uma vez
que ligada intrinsecamente às formas de violência contra os infantes,
mesmo porque o “sentimento de infância como uma etapa da vida
diferenciada e merecedora de atenção, proteção, cuidados, é um
sentimento recente” (FERRARI, 2002, p. 45), e que somente a partir da
segunda metade do século XX é que o problema da violência específica
contra crianças e adolescentes passou a engajar a consciência pública e
ensejar um olhar que ultrapassasse uma visão meramente caritativa.
Desse modo, evidencia-se que a violência praticada contra
mulheres e aquela voltada contra os infantes têm características
semelhantes e imbricadas, como manifestações da cultura patriarcal
6
Muita sucinta a alteração a esse dispositivo através do Decreto-Lei 4.121 de 1962, que
suprimiu o inciso IV do art. 233, do Código de Beviláqua, alterando seu caput para a
seguinte redação: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a
colaboração da mulher, no interêsse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251)”.
55
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
56
De acordo com o art. 3º da Lei 12.318/2010,
57
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
compensação financeira por dano moral, por parte da(s) parte(s) ofendida(s)
(LAGE, 2019); d) descumprimento dos deveres inerentes à autoridade
parental ou decorrentes de tutela ou guarda: esse aspecto nos remete
inevitavelmente aos desdobramentos jurídicos do descumprimento do poder
parental, e das responsabilidades advindas da guarda e da tutela,
especialmente quanto à possibilidade de suspensão ou destituição desses
munus, cujo regime jurídico se encontra tanto no Código Civil (arts. 1.583,
1.584, 1.589 e 1.630 a 1.638) quanto no Estatuto da Criança e do
Adolescente (arts. 22, 24, 38, 129, incisos VIII a X, 157, 164, 169, parágrafo
único). Ainda, observa-se que a Lei 12.318/2010 prevê a possibilidade da
autoridade judiciária alterar a guarda e mesmo suspender a autoridade
parental (art. 6º, incisos V e VII), em ação autônoma ou incidental em que
se verifique a ocorrência de alienação parental.
A análise conjunta desses aspectos leva-nos a algumas conclusões.
De início, destacamos que a alienação parental, por si só, não é
crime, pois inexiste tipo penal específico que descreva a conduta e a ela
comine sanções de natureza penal (SILVA; COSTA FILHO, 2018).
Aliás, o Projeto de Lei n. 4.488/2016, que objetivava acrescentar
parágrafos e incisos ao art. 3º da Lei 12.318/2010, a fim de definir a
alienação parental como crime, sequer chegou a ser votado, haja vista ter
sido retirado de pauta a pedido do autor.
Nada obstante, os atos praticados dentro de seu escopo, como
desdobramentos da violência psicológica a que nos referimos, podem,
seguindo o princípio da tipicidade penal, configurar condutas
penalmente típicas – extrapolando, portanto, do escopo da alienação
parental propriamente dita (instituto de direito civil) e migrando para o
campo das condutas criminais, como na hipótese (eis um exemplo
infelizmente comum nos feitos em que alegada a alienação parental) do
tipo do art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente7, como também
7
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
vexame ou a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos.
58
nos tipos de constrangimento ilegal e ameaça (arts. 146 e 147 do Código
Penal), além dos crimes contra a honra (arts. 138 a 140 do Código Penal)
e denunciação caluniosa (art. 337 do Código Penal). É nesse sentido que
o art. 4º da Lei 13.431/2017, ao classificar as formas de violência contra
crianças e adolescentes, estampa a ressalva “sem prejuízo da tipificação
das condutas criminosas”.
Em segundo lugar – e eis aqui a interseccionalidade a que se
propõe o presente artigo – muito embora a Lei 12.318/2010 posicione a
alienação parental, expressamente, como violação de direitos das
crianças e adolescentes, é certo que não apenas os infantes são vítimas,
mas seguramente, também, o genitor ou a genitora afetado pela conduta
alienante. Com efeito, os quatro aspectos acima ressaltados apontam para
violações reflexas de direito: enquanto ferem direitos dos infantes, os
atos de alienação parental ao mesmo tempo pressupõem ofensas a
direitos de detentor(a) de poder parental, tutela ou guarda.
No caso específico do ato de alienação parental praticado em
detrimento da relação da prole com a(s) genitora(s), surge a necessidade
de se avaliar essa violência no âmbito protetivo da Lei 11.340/2006, uma
vez que a violência psicológica também é prevista no escopo da Lei
Maria da Penha (art. 7º, inciso II).
Como dito, a alienação parental não se trata de ofensa apenas à
criança e/ou adolescente, mas também às mães, que – ao se verem
ameaçadas de serem privadas da convivência com seus filhos – sofrem
violência psicológica, como prevista na Lei Maria da Penha.
É importante destacar que não é incomum atribuir às mulheres
vítimas de violência doméstica o título de alienadoras, quando
denunciam abusos sofridos contra elas ou mesmo seus filhos e filhas,
acusadas de simularem uma falsa denúncia. Com receio de serem
privadas do convívio com sua prole, muitas vezes se calam e deixam de
fazer as denúncias.
Atribuir às mulheres que denunciam os abusos sofridos na vida
familiar o título de alienadora, é condená-la ao silêncio e perpetuação da
59
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
60
a violência doméstica e familiar contra a mulher, cujos arts. 22 a 24
permitem a concessão de medidas protetivas de urgência tanto em
favor da ofendida (em suas dimensões pessoal e patrimonial) quanto
com relação à prole8.
Essa é, aliás, uma das características mais notáveis dos sistemas
de proteção aos vulneráveis: a sobreposição e a articulação dos
mecanismos legais de garantia de direitos, com o objetivo de aumentar a
efetividade das estratégias protetivas. Por isso é que o parágrafo único
do art. 6º da Lei 13.431/2017 ressalta expressamente essa interrelação
com o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha9.
Em conclusão, entende-se que os atos de alienação parental
merecem ser analisados dentro desse universo protetivo ampliado
voltado aos vulneráveis, sejam crianças e adolescentes (destinatários
primários), sejam as mulheres vítimas desse tipo de violência
psicológica, ainda que de forma indireta. Essa visão enseja, portanto, que
o aplicador do Direito articule diferentes institutos, normas e esferas de
proteção, mantendo como diretrizes, contudo, o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, por força do art. 227 da
Constituição Federal, assim como os princípios consignados no art. 100
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não excluem, mas antes
complementam, o sistema protetivo à mulher vítima de violência.
REFERÊNCIAS
8
É bem verdade que, na prática, as medidas protetivas concedidas às mulheres nem
sempre são extensivas aos seus filhos e filhas.
9
Convém lembrar que o art. 40 da Lei Maria da Penha prevê que "as obrigações
previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados".
61
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
62
COSTA FILHO, Venceslau Tavares. O direito de família é o cárcere do
amor? In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da; BASSET, Úrsula Cristina
(org.). Família e Pessoa: uma questão de princípios. São Paulo: YK,
2018. p. 717-734.
MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Lívia de Meira Lima. A Lei Maria da
Penha na prática. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
63
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
64
O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. São Paulo:
Ágora, 2002. p. 73-93.
65
MULTIPARENTALIDADE E ADOÇÃO: a (im)possibilidade
de manutenção dos vínculos com a família biológica
*
Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/MG, Gestão 2019/2021.
Membro Consultivo da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB
Nacional, Gestão 2019/2021. Mestrando em Direito, Universitat de Girona, Espanha.
67
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ
PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA
VEDAÇÃO PREVISTA NO §1º DO ARTIGO 42 DO ECA. POSSIBILIDADE. REsp
1587477 / SC - RECURSO ESPECIAL 2016/0051218-8 - Relator(a) Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO.
2
“Art. 42. [...] § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.”
(BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
68
adoção com diferença de idade, entre o adotando para o adotado3,
inferior a 16 anos, o que também é, expressamente, proibido4.
Temas antes rígidos, pela própria característica da lei, com o
Direito de Família mínimo, (menor intervenção estatal) tem sido
relativizados, ou como preferem alguns doutrinadores, flexibilizados,
com a exata observância dos novos, mas já consagrados, princípios que
regem a família brasileira do século 21.
Este é o cenário que trataremos. Antes, com a Adoção se
rompia, completamente e obrigatoriamente, o vínculo com a família
biológica, mas, com a multiparentalidade, novas portas foram abertas. A
pergunta natural é: seria possível flexibilização das normas de
rompimento dos vínculos com a família biológica inclusive para adoção?
Presente em vários povos diferentes, com inúmeros registros
históricos, a Adoção, existe desde a antiguidade. A retirada de Moises
das águas do Rio Nilo, retratada, de forma única e belíssima, no Afresco
de Rafael (1519), no Vaticano, universaliza o tema de uma passagem
bíblica. Instituto detalhadamente inscrito no Código de Hamurabi (1728
- 1686 a.C), disciplinada em 8 artigos, inclusive prevendo punições
severas, quase que draconianas, para aqueles que desafiassem a
autoridade dos pais adotivos tais como cortar a língua e arrancar os olhos.
Ganhou destaque no nosso Código Civil de 1916, apesar das limitações
determinando a idade superior a 50 anos para o adotando, não existência
de filhos e diferença de pelo menos 18 anos entre adotando e adotado.
Com a Constituição de 88, todos os filhos se tornaram iguais. Detentores
dos mesmos direitos e obrigações. Desde a Lei 12.010/2009, a adoção de
crianças e adolescentes no Brasil passou a ser regida pelo Estatuto da
3
DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. ADOÇÃO. MAIOR. ART.
42, § 3º, DO ECA (LEI Nº 8.069/1990). IDADE. DIFERENÇA MÍNIMA.
FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. SOCIOAFETIVIDADE. INSTRUÇÃO
PROBATÓRIA. IMPRESCINDIBILIDADE. RESP No 1.785.754 - RS (2018/0322826-6)
- RELATOR - STJ- MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA.
4
“Art. 42... § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o
adotando.” (BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
69
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
70
suspensão do poder familiar. (SHIKICIMA, 2005, p. 123
apud MADALENO, 2018, p. 848).
71
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
5
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. rev. ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2021.
6
IBDFAM - Enunciado 06: Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva
decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental. IBDFAM -
Enunciado 33: O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera
efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que O filho faz jus às heranças, assim como
72
Nascida com os novos modelos de família trazidas pela
Constituição Federal de 88, geralmente, a multiparentalidade, se dá
devido a constituições de novos vínculos conjugais. Modelo denominado
pelo doutrinador Conrado Paulino da Rosa, como família mosaico, com
a reunião dos “meus, os seus e os nossos filhos”. Onde o padrasto ou a
madrasta assumem funções e adquirem afeto não mais diferenciando se
são ou não filhos biológicos.
Também muito utilizada nos casos de reprodução assistida que
contam com a participação de mais de duas pessoas no processo
reprodutivo. Material genético de pessoas distintas da gestação.
Rodrigo da Cunha Pereira (2021, p. 75), expressamente declara:
“Pode se dar também nos processos judiciais de adoção” e ainda define que:
73
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
7
“La etimología de família es incierta. Algunos filólogos derivan la palabra del osco
famel; también se alude a famulus que podría provenir del indoeuropeo dhe-mo-s que
designa al esclavo que habita en el mismo hogar o a aquellos que pertenecen a la casa.
En cualquier caso, como se aprecia en la nota siguiente, la palabra sirve para designar
tanto realidades que hoy llamaríamos patrimoniales como también personales. Para
un panorama general de esta discusión filológica” (GUTIÉRREZ, 2006, p. 15-18).
8
“Familia no hay una sola. Decimos ante terceros extraños que un tío, una prima o un
cuñado son parte de nuestra familia; no obstante, utilizamos la misma palabra para
designar a los miembros de nuestra familia nuclear, excluyendo de este concepto a esos
mismos parientes que antes hemos designado como familia. De ahí la histórica ambigüedad
del término, pues familia designa no solo una, sino múltiples realidades plurales.”
74
O STJ9, em 2019, já se manifestou pelo direito a coexistência
de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental,
compreendida como expressão de uma realidade social. Devendo,
sempre, ser observado o melhor interesse do menor.
Por tudo isso, já está consagrada a possibilidade de
reconhecimento da multiparentalidade.
De acordo com o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais,
Epaminondas Costa, os institutos da multiparentalidade e do restabelecimento
do vínculo biológico não poderão se valer no caso da adoção:
Por outro lado, Maria Berenice Dias (2016, p. 507) dispõe que:
9
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.608.005/SC. Proc.
2016/0160766-4. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino.
75
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
10
SERGIPE (Estado). Tribunal de Justiça do Estado (2. Câmara Cível). Apelação Cível
nº 201800818610. Proc. 0000589-92.2016.8.25.0055. Relator: José dos Anjos, 1º de
outubro de 2019.
76
decréscimo acerca de sua filiação, mas sim, em face do
novo posicionamento jurisprudencial acerca da matéria,
o acréscimo com os nomes dos apelados, o órgão
Promotorial nada tem a obstacularizar acerca do que foi
apurado nesta audiência, mesmo porque, foi, inclusive,
assegurado aos pais biológicos a permanência dos seus
nomes no citado registro, inclusive assegurado o direito
de visitas ao mencionado menor, observando-se, na sua
essência, o clima de urbanidade entre os interessados 11.
11
SERGIPE, 2019.
77
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
12
SERGIPE, 2019.
78
00018984720178070013, Relator: ROBERTO FREITAS,
1ª Turma Cível, data de julgamento: 4/9/2019, publicado
no PJe: 18/9/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada).
79
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
80
VÍNCULOS COM DOADOR DO MATERIAL
FECUNDANTE. CONCEITO LEGAL DE PARENTESCO
E FILIAÇÃO. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE
ADMITINDO A MULTIPARENTALIDADE.
EXTRAJUDICICIALIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DO
DIREITO DECLARADO PELO PRECEDENTE
VINCULANTE DO STF ATENDIDO PELO CNJ.
MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
POSSIBILIDADE DE REGISTRO SIMULTÂNEO DO
PAI BIOLÓGICO E DO PAI SOCIOAFETIVO NO
ASSENTO DE NASCIMENTO. CONCREÇÃO DO
PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
REFERÊNCIAS
81
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2021.
82
________. ________ (8. Turma Cível). Acórdão 1168795.
07117396720188070020. Relator: Ana Cantarino, 30 de abril de 2019.
DJe, 13 maio 2019.
83
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
84
OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO INSTITUTO DA
GUARDA COMPARTILHADA: percepções e suposições
face ao novo contexto social
*
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Professora
dos cursos de graduação e pós-graduação do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE).
Advogada sócia/fundadora do escritório Santiago & Rangel Advogados.
*
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa. Pós-Graduanda em
Direito Civil Processo Civil pela ESA-PB. Membro do IBDFAM-PB.
*
Advogada pós graduada em direito constitucional e em Direito de Família e
Sucessões. Presidente do IBDFAM/ES 2018/2020 e 2021/2023. Vice Presidente da
Comissão Especial de Família e Sucessões da OAB 2019/2021. Mestranda pela
Universidade de Vila Velha/ES.
85
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
86
magistrados, havendo um rol extensivo de modelos institucionais de
guardas na legislação, a fim de que preservem o melhor interesse do
menor e a igualdade de gênero entre os genitores.
Contudo, apesar da pluralidade nas modalidades de guarda, o
direito brasileiro estabeleceu como regra, pela Lei 13.058/2014, a
guarda compartilhada, no intento de promover o melhor interesse do
menor. Esse modelo de guarda consiste em preservar, apesar do término
da relação conjugal, o exercício em comum do poder familiar,
permitindo que os pais possam continuar educando e participando
ativamente vida de sua prole, exercendo conjuntamente a autoridade
parental, mesmo que rompida a relação conjugal.
Para Maria Berenice Dias, conforme citado por Gonçalves
(2016), a guarda compartilhada significa a corresponsabilidade de ambos
os pais no desenvolvimento da prole e caracteriza um avanço, pois retira
da guarda a ideia de posse e propicia a continuidade da relação com os
filhos. Nada mais é, em palavras simples, a convivência dividida,
conforme o melhor interesse do menor, dos filhos com seus pais
separados. E, a solidariedade, é um princípio regente nestes casos de
dupla custódia. Como Waldyr Grisard Filho (2016, p. 163, grifo nosso)
bem leciona:
87
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
pais e filhos, que por diversas vezes é rompido com a dissolução familiar.
Nem sempre por vontade dos pais, mas por reflexos de toda conjuntura
envolvida. Neste sentido, Zygmunt Bauman (2000, p. 4) traz em seus
escritos uma destacável reflexão, in verbis:
88
I. requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer
deles, em – ação autônoma de separação, de divórcio, de
dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II. decretada pelo juiz, em atenção a necessidades
específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo
necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
(BRASIL, 2002, grifo nosso).
89
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
compartilhada como regra, ela nunca deve ser vista como única opção,
podendo, inclusive, ser alterada a que fora definida.
Contudo, não há dúvidas que, após a publicação da Lei
13.058/2014, que reafirma a aplicação do instituto da guarda
compartilhada, tal modalidade tornou-se meio de proteção ao melhor
interesse do menor, salvo raríssimas exceções. Fundamentada no caráter
indissolúvel do elo familiar, possibilita aos pais, como figuras do casal
parental, a continuarem exercendo suas responsabilidades inerentes ao
caráter paterno-filial, promovendo um melhor desenvolvimento às
crianças e adolescentes. Acerca do tema, leciona Grissard Filho (2016,
p. 136) leciona que:
É sabido que os casais parentais, que nada mais são do que os pais
que possuem filhos em comum e optaram pela vida em separação,
constituindo assim uma família post pactum finitum, na maioria das vezes,
não possuem uma convivência sadia e amigável, pois a ruptura dos laços
conjugais alcança as esferas psíquicas do afeto e suscita um sentimento
falho de entrega pessoal, acarretando uma série de desavenças particulares,
onde pouco importam nas decisões a favor do menor, afinal, a legislação já
superou há muito tempo o peso da “culpa“ nos divórcios.
Em virtude desse peso tão significativo das emoções, a busca
pelo judiciário torna-se muitas vezes a única opção viável. Assim, as
varas e magistrados especializados seguirão com a análise da aplicação
ou não do instituto da guarda compartilhada, que tem como alicerce de
90
sua aplicação a proteção integral e o melhor interesse do menor, em
adequação ao direito da convivência.
Como é de conhecimento comum, o ambiente familiar,
conforme assevera o Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente,
deverá assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, dentre eles, o direito à saúde. Ademais, o art. 5º,
também do ECA, ordena que:
91
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
92
Admitindo, então, que estamos na Realidade B, que nossas
crenças inabaláveis ruíram e que esse novo mundo exige do
Direito, em especial l do Direito de Família, uma nova
concepção e novos paradigmas, vamos a duas questões
jurídicas pontuais: convivência com crianças e adolescentes
e a prestação alimentar. (SIMÃO, 2020, grifo nosso).
93
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
94
Por outro lado, em entendimento contrário ao supracitado,
outro magistrado, do Tribunal de Justiça de Goiás, diante de situações
fáticas contrárias, decidiu de maneira oposta. No caso em questão, a
requerente, genitora, solicitou o isolamento da menor e a proibição de
que a mesma tivesse contato com o pai, anexando, para tanto, aos autos,
documentos que comprovaram que a mesma foi acometida por
problema de saúde que afetou seu pulmão, e deveria ser mantida em
isolamento total. Diante disso, o magistrado decidiu fundamentando-se
no fato de que todas as medidas tomadas pelo poder público são no
sentido de impedir, ou ao menos minimizar, a propagação do vírus, não
podendo este querer equilibrar o direito de convivência avoengo com a
saúde da coletividade e a vida de cada indivíduo pois, como fundamente
em sua decisão, estes sempre prevalecerão:
95
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
96
Diante deste cenário mundial, que conturbou substancialmente
a vida das famílias brasileira, o ordenamento jurídico está apenas
atentando-se às necessidades que cada demanda retém. Veja-se o que
compreende Alves (2020, grifo nosso):
97
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
98
que se chegue a uma decisão justa, que promova o melhor interesse do
menor, utilizando os recursos proporcionados pelos meios digitais, para
que se minimize os drásticos efeitos do vírus na vida em sociedade e
assegure a proteção e particularidades de cada família, devendo haver
uma indiscutível flexibilização das decisões nos próximos dias, face ao
avanço e eficácia das vacinações.
REFERÊNCIAS
99
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
100
________. Guarda compartilhada, uma novidade bem-vinda! 2010.
Disponível em: https://mariaberenice.com.br/artigos.php?cat=576&sub
cat=&termobusca=&ordem=&pagin a=4#anc. Acesso em: 15 jul. 2020.
LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
101
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
102
ATUALIDADES EM MATÉRIA DE ALIMENTOS
*
Advogado. Especialista em Direito Civil. Professor de Direito de Família e Sucessões.
Membro da Comissão Nacional de Direito de Família e Sucessões do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil.
*
Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Universidade
Anhanguera.
103
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de
metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
104
alimentos; os alimentos compensatórios e ressarcitórios; e, por fim, o
cumprimento dos alimentos, a prisão civil e a cumulação de técnicas, a
tudo sendo somado um atualizado aparato doutrinário, normativo e
jurisprudencial, fomentando e contribuindo para o debate.
Como dito, ante a necessária aplicação das medidas de isolamento
social, inúmeros setores da economia têm sofrido severas e negativas
consequências financeiras, de cujos resultados experimentados até hoje tem
se destacado o comprometimento da renda de milhares de profissionais.
Muito embora trate-se de um cenário temporário, vez que o
distanciamento social terá termo num futuro próximo, ao que se espera,
notadamente quanto aos alimentos, muito provavelmente, permanecerão
sendo afetados por período mais delongado diante do arrefecimento da
economia, que vem caminhando a passos curtos e lentos até sua
recuperação plena.
Diante da necessidade da sociedade se amoldar à nova e
dificultosa realidade, cujos reflexos se prolongarão a tempo incerto, seria
o momento ideal para romper com a cultura do litígio, utilizando-se dos
métodos consensuais de resolução de conflitos. Inclusive muito se
discute sobre a possibilidade dos acordos de revisão poderem ser feitos
sem intervenção judicial.
A esse respeito, o Código de Processo Civil, em seu artigo 9112,
não deixa mais dúvidas sobre a possibilidade e viabilidade, à medida que
dá força executiva lato sensu ao referido pacto, desde que devidamente
visado pelas partes, seus Advogados, Defensores ou representante do
Ministério Público.
Contudo, apesar dos avanços experimentados ao longo dos
últimos anos nesse sentido, a cultura do litígio ainda é predominante em
2
Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha
obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o
pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu
curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.
105
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
3
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução
consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras
áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
4
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
Comentado. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2019.
106
panorama de crise financeira vivenciada mundialmente e, de outro, um
alimentando com suas necessidades majoradas, especialmente com
relação àquelas diretamente atreladas, naturalmente, à permanência deste
no lar em razão das medidas de restrição.
O notório embate de direitos entre os litigantes, nestes casos,
somente é possível de solução após a reavaliação pormenorizada – e com
notas extras de sensibilidade – do trinômio necessidade-possibilidade-
razoabilidade, que estriba toda e qualquer obrigação alimentar, sempre
adotando como parâmetro o impacto real e comprovado decorrente dos
efeitos da pandemia, sobretudo quanto à demonstração de modificação
efetiva da capacidade do alimentante de gerar renda, em consonância
com o que já preconizam os artigos 1.699, do Código Civil e 15, da Lei
Federal nº 5.478/68 (Lei de Alimentos)5.
Há dizer que se deve também ponderar qual o favorecido da
prestação alimentar, isto porque, normalmente, nas demandas revisionais
para redução dos alimentos devidos à prole, nem mesmo o desemprego
comprovado do alimentante tem o condão de, por si só, reduzi-los, face
a obrigação incondicional de sustento dos filhos.
Nesse ínterim, vale destacar o entendimento firmado pelo
Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a ocorrência de
desemprego do alimentante não é motivo suficiente, por si, para justificar
o inadimplemento da obrigação alimentar, devendo tal circunstância ser
examinada em ação revisional ou exoneratória de alimentos”6.
5
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de
quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz,
conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer
tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
6
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO
CIVIL. WRIT UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO CABÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE. AFERIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA
ORDEM DE OFÍCIO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT E AUSÊNCIA DE
PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA
ILEGALIDADE APONTADA. CONSTATAÇÃO DA CAPACIDADE FINANCEIRA
107
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
108
O professor José Fernando Simão, em artigo veiculado no sítio
eletrônico do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), vai
abordar essa nova realidade de forma brilhante:
Segue afirmando:
7
SIMÃO, José Fernando. Direito de família em tempos de pandemia: hora de escolhas
trágicas. Uma reflexão de 7 de abril de 2020. IBDFAM, 7 abr. 2020.
Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/artigos/1405/Direito+de+fam%C3%ADlia
+em+tempos+de+pandemia%3A+hora+de+escolhas+trágicas.+Uma+reflexão+de+7+
de+abril+de+2020#_ftn9. Acesso em: 23 ago. 2020.
109
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
110
legislativa e passar a adotá-la de lege ferenda, com a salvaguarda das
chamadas “realidades B e C”.
Não apenas as buscas por maiores informações a respeito8, mas o
número de Divórcios em si aumentou durante a pandemia. Em razão das
inúmeras alterações na dinâmica familiar, aqueles núcleos onde o clima de
beligerância já era marca frequente acabaram por não resistir, tendo
sucumbido às agruras decorrentes do isolamento e distanciamento social9.
E esse contexto traz consigo a questão alusiva à correta e pronta
distribuição patrimonial, a conhecida partilha de bens, muitas vezes
efetivada somente após anos de tormentosa tramitação processual,
deixando em prejuízo, até aí, aquele que não ficou na posse e
administração de bens em quantidade equitativa e razoável ao outro,
levando-o, por vezes, a uma composição injusta e indigna.
Quando da edição da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), época em
que o regime legal ou supletivo do casamento era o da comunhão universal
de bens, o p. único do seu artigo 4º, foi pioneiro a prever a prestação aqui
debatida, distinguindo-a dos alimentos legais ou legítimos, a saber:
8
SIMONINI, Andressa; ANJOS, Jéssica; DETLINGER, Jennifer; PASCHOAL,
Mariana. Pandemia do divórcio: a procura por advogados aumentou 177% em escritório
brasileiro durante a quarentena. Pais e Filhos, 1º jun. 2020. Disponível em:
https://paisefilhos.uol.com.br/familia/pandemia-do-divorcio-a-procura-por-
advogados-aumentou-177-no-brasil-durante-a-quarentena/. Acesso em: 23 ago. 2020.
9
SANTIAGO, Tatiana; REIS, Vivian. SP tem aumento de divórcios e queda no número
de casamentos em junho. G1, São Paulo, 23 jul. 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/23/sp-tem-aumento-de-divorcios-
em-junho-pela-1a-vez-desde-2017-casamentos-cairam-50percent.ghtml. Acesso em:
23 ago. 2020.
111
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
Sem descer ao debate acerca dos regimes de bens, fica clara que
a finalidade teleológica da norma é a de que os frutos dos bens comuns,
administrados apenas por um dos consortes, possam beneficiar o outro
de forma igualitária, enquanto pendente a partilha, através da “renda
líquida”, que equivaleria aos atuais “alimentos compensatórios”,
também conhecidos como “ressarcitórios”.
Rodrigo da Cunha Pereira (2018), Presidente Nacional do
IBDFAM, assim obtempera sobre o tema “alimentos ressarcitórios”:
10
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões:
Ilustrado. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
11
Ibid., 2018.
112
proporcionar e equiparar o padrão socioeconômico a
ambos os divorciados ou ex-companheiros. O caso
clássico a justificar este tipo de pensionamento é o do
cônjuge/companheiro, historicamente a mulher, parte
economicamente mais fraca, que, por acordo ainda que
tácito, passou sua vida dando o suporte doméstico para a
educação e criação dos filhos, com isso possibilitando que
o outro cônjuge se desenvolvesse profissionalmente. É
também uma forma de se atribuir um conteúdo econômico
ao desvalorizado trabalho doméstico. [...]
A pensão alimentícia compensatória se difere da pensão
alimentícia comum, em razão da sua natureza reparatória
e compensatória de diferenças que vão além da natureza
assistencial da pensão alimentícia comum. O seu
fundamento e a sua natureza é a de reparar o desequilíbrio
econômico entre os ex-cônjuges, ou ex-companheiros,
para que se dissolvam as desvantagens e desigualdades
socioeconômicas instaladas em razão do fim da
conjugalidade. A pensão pode ter dupla natureza jurídica,
que demonstra tanto a necessidade alimentar tradicional
quanto na indenizatória no sentido reparatório das
desigualdades dos padrões de vida dos ex-cônjuges.
113
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
12
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil.
Famílias. 9. ed. Salvador: JusPodivm. 2017. v. 6, p. 734-736.
13
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL.
PENSÃO ALIMENTÍCIA. BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ART. 1.694
DO CC/2002. TERMO FINAL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS (PRESTAÇÃO
114
Em matéria de alimentos, um dos principais pontos de
discussão e, dentre eles, o mais delicado, tem sido o rumo das ações de
cobrança de alimentos que, como se sabe, decorre do descumprimento
da obrigação alimentar.
De início, importante salientar que o Código de Processo Civil
de 2015, diferentemente do regramento processual anterior (estampado
em seus conhecidos artigos 732 e 733), não trouxe ritos diversos para o
cumprimento dos alimentos atuais e pretéritos, mas apenas técnicas de
cobrança, as quais envolvem desde as medidas de expropriação
patrimonial até a coerção pessoal, sendo certo raciocinar que quem pode
“o mais”, poderia “o menos”.
115
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
14
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação
alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do
exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o
débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. (...)
§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos
presos comuns.
15
[...] Art. 6º Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a
colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução
dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.
16
A sua vigência foi prorrogada até 31 de dezembro de 2021, através da Recomendação
nº 91, de 15 de março de 2021.
116
Desse modo, de forma absolutamente excepcional em razão do
contexto instalado, seria possível a suspensão do cumprimento da pena
de prisão, já que o regime domiciliar não tem força coercitiva suficiente
para levar o devedor a adimplir o débito alimentar, sendo esse o
posicionamento adotado, ainda em meados de 2020, pelo c. Superior
Tribunal de Justiça (STJ)17.
Nesta senda, suspendendo a execução da prisão civil, é natural
que outras medidas para efetivação da decisão que fixou alimentos sejam
postas em cena, inclusive por força do que preconiza o artigo 139, IV,
do Código de Processo Civil18, pena do feito dormitar por tempo
incalculável, afinal quando será possível, novamente, o cumprimento da
prisão civil em regime fechado?
Vale aqui, em reforço, aduzir o que a Lei Federal
14.010/2020, conhecida como “Lei da Pandemia” ou “RJET”, em seu
artigo 15, dispôs:
17
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR DE ALIMENTOS. PEDIDO DE
SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA POR PRISÃO DOMICILIAR. SUPERAÇÃO DO
ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA N.º 691/STF. RECOMENDAÇÃO N.º 62/2020 DO
CNJ. PANDEMIA DO CORONOVÍRUS (COVID 19). SITUAÇÃO EXCEPCIONAL A
AUTORIZAR A CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DA
PRISÃO CIVIL. [...] 3. Considerando a gravidade do atual momento, em face da pandemia
provocada pelo coronavírus (Covid-19), a exigir medidas para contenção do contágio, foi
deferida parcialmente a liminar para assegurar ao paciente, o direito à prisão domiciliar, em
atenção à Recomendação CNJ nº 62/2020. 4. Esta Terceira Turma do STJ, porém,
recentemente, analisando pela primeira vez a questão em colegiado, concluiu que a melhor
alternativa, no momento, é apenas a suspensão da execução das prisões civis por dívidas
alimentares durante o período da pandemia, cujas condições serão estipuladas na origem
pelos juízos da execução da prisão civil, inclusive com relação à duração, levando em conta
as determinações do Governo Federal e dos Estados quanto à decretação do fim da
pandemia (HC n.º 574.495/SP). 5. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. (STJ
– HC: 580261 MG 2020/0109941-8, Relator: Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, Data de Julgamento: 02/06/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJe, 8 jun. 2020).
18
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
117
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
19
HABEAS CORPUS. PRISÃO POR DÍVIDA ALIMENTAR. RESOLUÇÃO Nº 62
DO CNJ. RELAXAMENTO DA SEGREGAÇÃO EM RAZÃO DA PANDEMIA
COVID-19. NÃO CABIMENTO. Caso em que o paciente pede revogação do decreto
118
Em conclusão, uma nova realidade se instalou e com isso
mudanças significativas da sociedade se implementaram. O Direito
de Família se repaginou e merece do operador um olhar mais
cuidadoso e peculiar.
A primeira e grande demanda decorrente do cenário intra-
pandemia foi aquela alusiva à necessária revisão das obrigações
alimentares, em que os responsáveis tiveram seu orçamento mitigado,
sem contudo esquecer o beneficiário.
Para esse contexto de alteração na capacidade contributiva e/ou
na necessidade alimentar, constata-se que as disposições do Código Civil
vigente são suficientes, demandando apenas maior sensibilidade dos
atores envolvidos, sobretudo na busca pela autocomposição extrajudicial
e se valendo dos mecanismos processuais previstos nesse quadrante
(artigo 911, CPC).
Pensando no bem-estar dos envolvidos e a significativa redução
de prejuízo ao alimentando, sugere-se, de lege ferenda, a efetivação da
demanda de suspensão provisória e parcial da obrigação alimentar com
pagamento posterior e parcelado das diferenças, previsto no PLS
2947/20, que segue sem tramitação efetiva no Senado Federal.
Noutro turno, como consequência de um aumento considerável
no número de Divórcios, a pandemia ressaltou preocupações de ordem
patrimonial e maior justeza e eficácia das partilhas de bens, trazendo ao
debate, com mais altivez, a aplicação prática dos alimentos
119
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
120
ágicas.+Uma+reflexão+de+7+de+abril+de+2020#_ftn9. Acesso em: 23
ago. 2020.
121
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROJEÇÃO DOS EFEITOS
PATRIMONIAIS DO PACTO DE UNIÃO ESTÁVEL
*
Advogada. Mestre em Direito Processual Civil (UNICAP). Doutoranda em Direito Civil
(UFPE). Presidente da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões do Conselho
Federal da OAB (2019-2021). 1ª Secretária do Instituto de Juristas Brasileiras (IJB).
*
Advogada. Mestre em Direito Civil e Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Membro da Comissão de Direito de Família da OAB de Pernambuco.
123
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 5, p. 66.
2
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A família Eudemonista do século XXI. In:
CONGRESSO DO IBDFAM, 8., 2012, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte:
IBDFAM, 2012, p. 93.
124
Por vezes é dificultoso determinar o início da união estável,
tratando-se de entidade familiar revelada a partir de uma conformação
eminentemente fática, mas sobre a qual o direito atribuiu efeitos jurídicos.
Em razão disso, faz-se necessária a estipulação de parâmetros minimamente
objetivos para que o instituto não ameace a segurança jurídica.
Para fins de configuração jurídica da união estável, é necessário
que se verifique na relação entre duas pessoas, de maneira concomitante:
publicidade, continuidade, durabilidade e intuito de constituição de família.
Esses são apenas os elementos mínimos que consubstanciam o suporte
fático da união estável, cuja presença se faz necessária para conferir os
direitos e deveres dela decorrentes em caso de juridicização (a entrada do
fato no mundo jurídico). Disso impõe concluir que a conformação de uma
união estável prescinde da declaração escrita dos conviventes.
Conforme dispõem as Resoluções n° 35 de 2007 e n° 37 de
2014, ambas do Conselho Nacional de Justiça, as partes que se declaram
em união estável contam com a faculdade de formalizarem a relação
mediante escritura pública. No entanto, cumpre destacar que não estão
obrigadas a fazê-lo, pois não há qualquer exigência normativa, tratando-
se de ato meramente declaratório e não constitutivo da relação. Com
efeito, repita-se que basta a reunião dos elementos constitutivos acima já
elencados para que a relação seja reconhecida pelo direito enquanto
entidade familiar e goze de proteção constitucional.
Todavia, tratando-se de família estruturada pela convivência, os
desafios realmente surgirão quando a relação não formalizada tiver fim
– por escolha ou por óbito de uma das partes – ou quando não houver
concordância quanto à natureza do relacionamento havido entre elas.
Em verdade, é imprescindível considerar que o marco inicial
para produção dos efeitos jurídicos da união estável – especialmente os
patrimoniais – não deverá ser o do início da relação, mas aquele a partir
de quando os conviventes tiverem reunido os elementos característicos
da entidade familiar, a exemplo da duração e da ostentação pública.
125
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
3
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. A frouxidão dos requisitos da união estável
e a equiparação de seus efeitos aos do casamento no direito brasileiro. In: TAVARES
DA SILVA, Regina Beatriz; CORREIA, Atalá; SOLAVAGIONE, Alicia Garcia de.
(coord.). Tratado da união de fato = tratado de la unión de hecho. 1. ed. São Paulo:
Almedina, 2021. p. 438-439.
126
convivência, a conferir maior segurança jurídica. Com efeito, verifica-se no
Direito brasileiro a reiteração de “pactos familiares que atendam às
necessidades e os interesses de cada casal/grupo familiar ao longo do
tempo”4, o que poderá levar ao caos no judiciário no quesito uniformização.
O reconhecimento jurídico da união estável enquanto entidade
familiar pressupõe, assim como nas demais relações jurídicas, a capacidade
de produzir os efeitos entre as partes e também perante terceiros. As
repercussões jurídicas podem ser de natureza pessoal ou patrimonial: são
pessoais aquelas estabelecidas no art. 1.724 do código civil, tais como
lealdade, respeito, assistência mútua entre os conviventes; além de guarda,
sustento e educação dos filhos. Já as patrimoniais recaem sobre o regime de
bens e também confere impacto direto na sucessão.
Dito isso, opta-se por concentrar o presente ensaio em alguns
dos efeitos patrimoniais que se verificam na união estável, destacando as
peculiaridades que demandam mais atenção na hipótese de haver pacto
firmado entre os conviventes.
No que concerne à esfera patrimonial, no silêncio dos
conviventes, o art. 1.725 do código civil prevê como regra o regime da
comunhão parcial de bens (art. 1.658). O dispositivo é relevante, pois, se
aplicada a regra geral, – a de comunhão parcial – os bens adquiridos
onerosamente pelos companheiros durante a união estável podem vir a
ser partilhados em caso de dissolução da relação, ressalvadas as exceções
dispostas no art. 1.659 do CC/02. Todavia, é possível afastar a incidência
absoluta do dispositivo porque os companheiros podem comprovar que
a aquisição dos bens se deu a partir de recursos acumulados antes da
união estável (por sub-rogação, como exemplo).
O mesmo dispositivo que estabelece a regra geral para as
relações patrimoniais da união estável também confere aos conviventes
4
CARVALHO, Dimitre Braga Soares de. Contratos familiares: cada família pode criar
seu próprio Direito de Família. São Paulo: IBDFAM, 2020. Disponível em:
https://ibdfam.org.br/artigos/1498/Contratos+familiares:+cada+fam%C3%ADlia+pode+cr
iar+seu+pr%C3%B3prio+Direito+de+Fam%C3%ADlia. Acesso em: 27 maio 2021.
127
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
5
Não custa lembrar dos pressupostos de validade dos negócios jurídicos dispostos no
art. 104 do CC: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
6
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2018. p. 473.
128
que venha a ser firmado entre os conviventes deverá ser ex tunc ou ex
nunc? Em outras palavras: é possível se falar em retroatividade do pacto
patrimonial em face da união estável?
Dito isso, impõe trazer as considerações de Maria Berenice Dias:
7
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. rev. ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2021. p. 615.
8
No acórdão do RESP nº 1.575.794- RS (2015/0321586-0) assim o STJ fundamentou:
“Toda e qualquer alteração relativamente ao regime de bens que rege a vida conjugal,
seja no casamento, seja na união estável, não tem efeito retroativo. Ou seja, o
estabelecimento de um regime de bens projeta-se sempre para o futuro”. Cf. também o
129
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
130
A exemplo, o TJMG já se posicionou pela legalidade da
estipulação de cláusula de retroatividade dos efeitos patrimoniais12,
privilegiando a autonomia da vontade e entendendo que esta só deve ser
declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre
vício de consentimento, ou ainda se violar algum preceito expresso de
lei ou princípio básico do direito. Resta claro que os direitos de terceiros
devem seguir salvaguardados nesses casos.
É no mesmo sentido que caminha o Projeto de Lei do Senado,
n° 470 de 2013 – Estatuto das Famílias –, no qual há expressa previsão
de que, na união estável, a escolha do regime de bens não terá efeito
retroativo (art. 64, §2°), operando-se ex nunc.
Fica o alerta, mas daí surge outra questão: uma vez admitida a
projeção de efeitos patrimoniais – ainda que ex nunc – àqueles pactos
firmados no curso da união estável, estar-se-ia concedendo a possibilidade
de alteração do regime de bens por mera autonomia da vontade? Ou seja,
sem submeter a mudança patrimonial à autorização judicial?
que seja concluído pelos interessados para atingir situações pretéritas, como definir a
propriedade de um bem adquirido anteriormente pelo casal.” (VENOSA, Sílvio de
Salvo. Família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 410).
12
Nesse sentido, temos: “EMENTA: RECURSO DE AGRAVO INTERNO OPOSTO
NO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DISSOLUÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL - PARTILHA DE BENS - CONTRATO DE CONVIVÊNCIA -
NULIDADE - NÃO OCORRÊNCIA - VALIDADE MANTIDA - PATRIMÔNIO
ARRECADADO - DIVISÃO - OBEDIÊNCIA AO PACTUADO - RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO - AGRAVO INTERNO - DESPROVIDO. Os requisitos
de validade para a realização do contrato de convivência estão estampados na regra do
Art. 1.725 do CC, inexistindo qualquer obrigação quanto a sua formalização por
escritura pública. A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do
pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre
vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando
esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito. Tendo as
partes celebrado o contrato de convivência e não pairando qualquer vício sobre este, é
de ser aplicado o mesmo quanto a todos os pontos estabelecidos, dentre eles, os efeitos
patrimoniais. (MATO GROSSO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado (2. Câmara de
Direito Privado). AGV: 00843760920188110000/MT. Relator: Maria Helena
Gargaglione Póvoas, 20 de março de 2019. DJeMT, 28 mar. 2019).”
131
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
13
Assim determina o código civil, ao dispor para os cônjuges: “Art. 1.639. É lícito aos
nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes
aprouver. § 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento. § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização
judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”
14
É possível depreender tal tendência à equiparação dos institutos pelo posicionamento
do Supremo Tribunal Federal definido nos autos do RE n° 878.694/MG no tocante
sucessório, ao entender pela inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros, e pela aplicação do regime estabelecido no artigo .829
do Código Civil em ambos os casos.
15
As questões não se encerram por aí. Apesar de não compreender propriamente o
objeto deste artigo, merecem análise também aquelas uniões estáveis nas quais haja
conviventes maiores de 70 (setenta) anos. Em atenção ao disposto no inciso II do art.
1.641, que obriga o regime da separação de bens no casamento, o STJ, tem se
posicionado quanto a aplicação desta imposição de separação obrigatória também aos
conviventes. É o que se extrai do julgamento do REsp 1.689.152, Rel. Min. Luis
Salomão, 4ª T, DJe 22 nov. 2017: “às uniões estáveis é aplicável a mesma regra,
132
O fato é que, na constância do matrimônio, a legislação afasta o
cabimento da alteração do regime patrimonial por mero desejo dos
cônjuges, condicionando ao exame judicial e restringindo as
possibilidades aos casos nos quais evidenciem a necessidade de
formação de esferas patrimoniais distintas. Na hipótese, dever-se-á
demonstrar, por exemplo, a finalidade de assegurar obrigações
individuais de um dos cônjuges; receio de constrição indevida em face
do patrimônio particular; divergência entre os cônjuges no que se refere
à administração patrimonial, entre outras questões.
Todavia, a despeito da previsão normativa constante no art.
1.639, §2°, em recente julgado, o STJ lançou um tom mais flexível, pelo
qual a Min. Nancy Andrighi ponderou, in verbis:
133
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
18
No mesmo sentido opina a Professora Regina Beatriz Tavares da Silva em seu livro
Curso de Direito Civil, volume 2, em coautoria com Washington de Barros Monteiro.
Disponível em: https://www.reginabeatriz.com.br/post/tjsp-decide-que-
mudan%C3%A7a-de-regime-de-bens-na-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel-necessita-
de-autoriza%C3%A7%C3%A3o-judicial.
19
Acórdão de relatoria do Desembargador Rogério Murillo Pereira Cimino na Apelação
Cível nº 1019978-36.2016.8.26.0114 do TJSP.
134
junto deste Juízo Corregedor Permanente, uma vez que o
requerimento demanda a análise na via judicial pertinente20.
20
Consulta formulada no processo n° 1006520-18.2021.8.26.0100. DJeSP, 26 maio 2021.
135
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
136
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. rev.
Ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2021.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
137
O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS E SUAS
QUESTÕES POLÊMICAS
*
Advogado. Doutor em direito pela USP. Mestre em Direito Comparado pela PUC-SP.
Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM.
*
Advogada especializada em Direito Constitucional e em Direito de Família e
Sucessões. Presidente do IBDFAM/ES. Vice-Presidente da Comissão Especial de
Família e Sucessões da OAB.
139
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
Tanto o casamento como a união estável estabelecem uma comunhão plena de vidas
(CC/2002: Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges).
2
Vide, por todos: MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges. In: DIAS,
Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha-Brasil (org.). Direito de Família e o
novo Código civil. Belo Horizonte: Del Rey ; IBDFAM, 2002. p. 156-157.
3
Regime de bens é o estatuto que disciplina os interesses econômicos, ativos e passivos,
de um casamento, regulamentando as consequências em relação aos próprios nubentes
e a terceiros, desde a celebração até a dissolução do casamento, em vida ou por morte.
Complexo de regras aplicáveis aos efeitos econômicos de um matrimônio. Ou seja, é
“o estatuto patrimonial dos cônjuges” e compreende “as relações patrimoniais entre os
cônjuges e entre terceiros e a sociedade conjugal” (FARIAS, Cristiano Chaves de;
ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011. p. 272).
140
O Código Civil dispõe sobre as diversas espécies de regimes de
bens, com disposições gerais sobre sua instituição e o respectivo
regramento, bem como sobre seus efeitos na administração e na
orientação da partilha ao dissolver-se a sociedade conjugal.
Pela sistemática do Código Civil de 1916, na sua redação
original, eram quatro os regimes de bens nominados ou típicos, previstos
nos artigos 256 a 311: comunhão universal, comunhão parcial, separação
(convencional ou obrigatória) e dotal.
No Código Civil de 2002, a matéria aparece tratada nos artigos
1.639 a 1.688, permanecendo os três regimes tradicionais: comunhão
universal, em que se comunicam todos os bens, havidos antes ou depois
do casamento (mesmo transmitidos por doação ou herança); comunhão
parcial, em que somente se comunicam os bens adquiridos onerosamente
durante o casamento; e separação de bens, convencional ou obrigatória,
em que os cônjuges permanecem com a propriedade exclusiva dos bens
adquiridos a qualquer tempo. Ao lado desses, surge, com o advento do
CC/2002, o regime da participação final nos aquestos, como forma
híbrida de separação de bens, durante o casamento, e de comunhão
parcial, ao dissolver-se a sociedade conjugal.
Deve-se aludir, por fim, aos chamados regimes atípicos ou
regimes híbridos não tipificados. O art. 1.639 do CCB é expresso quando
dispõe ser “lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,
estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. A autonomia
privada na definição do regime patrimonial aplicável pode ser exercida,
ainda com mais ênfase, nos contratos de convivência em união estável.
A regra do art. 1.639 veicula o princípio da liberdade
convencional, um dos princípios norteadores do regime de bens, também
chamado princípio da liberdade das convenções antenupciais, pelo qual os
futuros cônjuges estipulam as regras que lhes forem mais convenientes na
141
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
4
Como observa Fabiana Domingues Cardoso, “hodiernamente, a doutrina majoritária
consagra três princípios primordiais ao regime matrimonial, são eles: o da variedade de
regimes, o da liberdade convencional e, por fim, o da mutabilidade controlada” (p. 46).
(CARDOSO, Fabiana Domingues. Regime de bens e pacto antenupcial. Rio de
Janeiro ; São Paulo: Forense ; Método, 2010).
5
CARDOSO, op. cit., p. 47.
6
Ibid., p. 52.
142
A presunção de comunhão, nessas situações, é sempre relativa,
devendo “ceder, portanto, diante de prova em contrário, de modo a
compatibilizá-la com as hipóteses em que o legislador, de modo expresso
e taxativo, afastou a comunhão. Em outras palavras, cabe ao intérprete
harmonizar a ampla comunicabilidade enunciada no art. 1.660 com as
previsões dos incisos do art. 1.659 do Código Civil”7.
Se houver patrimônio em comum, decorre daí o “direito de
meação”, consistente no direito, quando da dissolução da união, à metade
de tudo o que foi adquirido na sociedade do casamento, observadas as
exceções próprias de cada um dos regimes. Para que se possa apurar se
existe meação e qual o monte mor partilhável quando da dissolução de
uma união regrada pelo regime da comunhão parcial de bens, é preciso
analisar a causa do negócio jurídico de aquisição de cada bem.
7
TEPEDINO, Gustavo. Contratos de Direito de Família. In: PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (org.). Tratado de Direito de Família. 2. ed. Belo Horizonte: IBDFAM, 2002.
p. 500. Destaca o professor Antônio Junqueira de Azevedo que “a presunção de que os
bens [...] são fruto do trabalho e da colaboração comum [...] não é aí a absoluta (iuris
et de iure) e sim a relativa (iuris tantum), representando consolidação do que a
jurisprudência dominante vinha decidindo. A regra geral é a de que as presunções legais
admitem contraprova; sua finalidade é inverter o ônus da prova, atendendo ao quod
plerum que fit, no interesse daquele em favor do qual ela foi instituída. Normalmente,
as presunções não ‘congelam’ artificialmente a realidade e admitem a produção de
prova contrária ao fato presumido. Esse é, aliás, o espírito do processo civil moderno,
pautado pela amplitude dos meios de prova (art. 332 do Código de Processo Civil). [...]
A regra permanece, pois, a mesma: ausente previsão legal quanto ao caráter absoluto
ou relativo da presunção, ela é relativa” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de.
Incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge no regime da
comunhão parcial dos Códigos Civis de 1916 e 2002. Extensão da incomunicabilidade
aos bens móveis ou imóveis sub-rogados. Incomunicabilidade de bem imóvel adquirido
durante a união estável anterior ao casamento, por ser relativa à presunção do art. 5º da
Lei nº 9.276/96. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de
direito privado. Rio de Janeiro: Saraiva, 2009. p. 510-511).
143
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
8
“Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em
nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou
despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.”
9
“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância
do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.”
144
Especificamente sobre os bens havidos por sucessão e os seus
sub-rogados, explica Paulo Lôbo que a “sucessão referida na lei é a
hereditária, em virtude da morte de quem derivou o bem. Pode ter sido
na condição de herdeiro ou de legatário, com ou sem testamento. Os bens
integrarão a comunhão (apenas) se o testador estipular cláusula de
comunicabilidade”.
Já a sub-rogação do bem se dá
10
LÔBO, Paulo. Direito civil: sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. v. 6, p. 286-287.
145
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
11
MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Borsoi, 1952. v. 2, p. 180.
146
Em resumo, após a separação, dissolução de união estável ou o
divórcio do sócio, a sua quota social permanece íntegra, não havendo que
se falar em partilha ou divisão de participações societárias. O consorte
que não era sócio torna-se, meramente, um credor do sócio (e não da
sociedade) pela metade do equivalente pecuniário das quotas.
O segundo ponto é que qualquer direito atribuível à
companheira do sócio, inclusive no tocante à comunicação dos frutos das
participações societárias, cessa a partir da data da separação de fato –
portanto, jamais o valor das quotas na data atual ou na data em que
decretada a partilha, pois qualquer valorização do capital social ocorrida
após a separação não integrou o patrimônio do casal.
A questão foi examinada pelo STJ, no REsp nº 1.595.775/AP,
onde restou decidido que o valor a ser considerado, como o da expressão
patrimonial das quotas, para fins de partilha, seria o do montante do
capital social integralizado na data da separação de fato12. Com
efeito, é a data da dissolução fática da comunhão de bens que deve
constituir o marco para monetarização dos haveres do
cônjuge/companheiro que se retira da sociedade conjugal. A extinção da
união estável pela separação de fato tem como efeito direto e imediato a
resolução da sub-sociedade que se formou entre os companheiros no que
toca às quotas. Dessa forma, em relação ao companheiro não-sócio, a
resolução ou liquidação da sociedade ocorre no momento da separação
de fato, postergando-se, exclusivamente, o pagamento dos haveres para
12
“[...] O valor do capital social integralizado de determinada empresa é parâmetro
adequado para a partilha especialmente quando a separação de fato do casal, ocasião
em que finda o regime de bens, ocorre em momento muito próximo à sua constituição
.6. Ausência de necessidade de realização de balanço contábil referente a apenas um
mês para aferir o valor real a ser partilhado, já que o percentual de participação do
recorrido em tão curto período de tempo não justificaria a alteração do critério adotado
pelo Tribunal de origem, à luz das provas constantes dos autos, insindicáveis no
presente momento processual” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma).
REsp 1595775/AP. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 9 de agosto de 2016.
DJe, 16 ago. 2016).
147
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
13
“Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de
apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-
se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e
intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.”
148
A “resolução” da sociedade conjugal ou da união estável não se
dá por ocasião da partilha dos bens comuns, mas no momento em que
cessada a convivência. Com a separação de fato, o cônjuge/companheiro
se retira, não meramente da sociedade conjugal, mas também da sub-
sociedade formada com o consorte em relação à empresa da qual só um
deles integrava o quadro social. As duas sociedades se extinguem na data
da separação de fato e é esta a data em que se devem apurar os haveres.
Entender o contrário, ou seja, apurar o valor das quotas no
momento efetivo da partilha, que venha a ocorrer decorrido considerável
lapso temporal, além de profundamente injusto em relação àquele que se
manteve à frente da sociedade, nos casos em que a empresa cresceu e se
desenvolveu às custas de sua exclusiva labuta, é passível, por outro lado,
de ocasionar grave risco ao cônjuge/companheiro não-sócio que, se
permanecer atrelado à sociedade, pode vir a ser chamado a responder por
prejuízos futuros, decorrentes de fatos verificados muito tempo após o
término da sociedade conjugal ou da união estável.
Vale dizer, cria-se um precedente perigoso, onde o ex-
companheiro, que não componha a sociedade, mas que tenha direito de
meação sobre a expressão econômica das quotas, estaria sujeito, também,
aos prejuízos que a empresa experimentasse por conta da má
administração dos sócios. E a consequência desse entendimento seria um
permanente e incorrigível desequilíbrio na partilha14. Isso porque, caso o
valor das quotas, apurado na ocasião da partilha, seja superior ao valor
da data da separação, haverá um enriquecimento sem causa do ex-
companheiro não-sócio, que não contribuiu nem teve qualquer
participação no incremento das atividades da sociedade depois de
dissolvido o vínculo. No entanto, se houver um decréscimo no valor das
quotas, o enriquecimento sem causa seria do ex-companheiro que
14
Infringindo-se, assim, o art. 2.017 do Código Civil: “No partilhar os bens, observar-
se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível”.
149
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
15
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado
a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
150
em comum, o tema se torna controvertido quando se discute sua
comunicabilidade ou não.
Flávio Tartuce, citando José Fernando Simão16 sobre a
comunicabilidade da previdência, afirma que “antes de se atingir a idade
estabelecida no plano, a previdência privada não passa de aplicação
financeira como qualquer outra. Não há pensão antes desse momento e,
portanto, não há incomunicabilidade. Isso porque, sequer há certeza de
que, ao final do plano, efetivamente os valores se converterão em renda
ou serão sacados pelo seu titular. Trata-se de opção dos cônjuges o
investimento na previdência privada, fundos de ações, ou de renda fixa”.
Rolf Madaleno já possui o entendimento de que se deve
considerar a previdência privada, independentemente do seu tipo, como
bem particular, excluído de eventual partilha de bens, “Tratando-se os
fundos de previdência privada de uma espécie de pensão por morte ou
aposentaria e tendo exatamente essa função de segurança futura, sendo
construídos mediante periódicas contribuições, usualmente mensais, não
podem ser necessariamente considerados como bens comunicáveis, como
pensa uma vertente doutrinária e jurisprudencial, dizendo que esses
investimentos não passam de uma aplicação financeira. Um ativo
construído em longo prazo delineia com suficiente segurança, e reiterada
demonstração de propósitos, que se trata de uma efetiva previdência
privada, poupada mês a mês, e não de um dissimulado investimento criado
para ludibriar direitos hereditários ou para fraudar alguma meação” 17.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Especial nº 1.698.774-RS, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, firmou
entendimento de que a natureza securitária e previdenciária
complementar de cada um dos tipos, PGBL e VGBL, devem ter
entendimentos distintos. A previdência privada aberta entra na partilha,
16
TARTUCE, Flavia. Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 204.
17
MADALENO, Rolf; MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rafael.
Fraude no Direito de Família e Sucessões. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 319.
151
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
18
“Agravo de instrumento. Ação de inventário. Decisão agravada reconsidera decisão
anterior que havia determinado expedição à instituição financeira para viabilizar o
depósito em juízo de numerário de VGBL atribuído à genitora do falecido, dada a
indicação feita por este àquela como sendo uma das beneficiárias de tal montante, e
152
Assim, no momento de eventual partilha pelo fim do casamento
ou união estável, pelo divórcio ou dissolução, considerando-se o regime
de bens da comunhão parcial, torna-se importantíssimo entender sobre o
tipo de previdência privada, a composição dos valores depositados ali
existente e se passível de partilha ou não, em conformidade,
principalmente, com as mais recentes decisões dos Tribunais Superiores.
Quando há a possibilidade de comunicabilidade dos valores
existentes no FGTS, a discussão reside na possibilidade ou não de se
partilhar os valores ali existentes ou até mesmo se já sacados e utilizados
ao longo da união.
Não há mais qualquer dúvida de que, uma vez havido o saque
do FGTS, o valor passa a integrar o patrimônio comum do casal e, em
caso de eventual divórcio ou dissolução da união estável, o valor deverá
ser partilhado, assim como todo e qualquer bem adquirido com o valor,
ainda que em nome de apenas um. Entretanto, se o valor ainda estiver
em depósito, por existir o vínculo empregatício de um ou ambos, o
entendimento não é o mesmo e a polêmica se instala.
153
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
154
Sendo considerados como simples patrimônios e tendo sido
criados ao longo da sociedade conjugal ou da convivência estável,
considerando-se o regime da comunhão parcial de bens, entrarão na
divisão exatamente como outros bens móveis e imóveis.
Por fim, vemos, pois, que a união entre duas pessoas, seja pelo
casamento, seja pela união estável, vai muito além da simples troca
afetiva e dos planos pessoais. A união implica também na existência de
uma vida patrimonial que será construída e administrada ao longo do
tempo por ambos ou, não raras vezes, apenas por um.
Ter conhecimento sobre o regime de bens escolhido e qual a sua
extensão, quais os direitos individuais e quais os direitos comuns sobre
o patrimônio construído é de suma importância para se evitarem conflitos
emocionais e prejuízos financeiros quando de um eventual divórcio ou
dissolução, especialmente se tratando de bens que possuem tratamento
controvertido na legislação e na jurisprudência.
REFERÊNCIAS
155
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
LÔBO, Paulo. Direito civil: sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. v. 6.
156
NOTAS SOBRE A IRRETROATIVIDADE DA
EQUIPARAÇÃO DOS REGIMES SUCESSÓRIOS ENTRE OS
CÔNJUGES E OS COMPANHEIROS (TEMA 809 DO STF)
*
Doutora em Direito Privado pela UFPE – Universidade Federal de Pernambuco.
Professora de Direito Civil dos Cursos de Gradução e Pós-graduação da Faculdade de
Direito do Recife-UFPE. Advogada.
157
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
158
onde de um lado se encontra a busca por um direito
previsível e no outro a busca por um direito que não se
perde no tempo e está em constante evolução1.
1
RESENDE, Maria do Socorro Moreira de. Precedente Judicial e Segurança Jurídica à Luz
do Novo Código de Processo Civil Brasileiro. In: MAGALHÃES, Joseli Lima (coord.). O
processo e os Impasses da Legalidade. Teresina: EDUFPI, 2018. p. 584-585.
2
TENORIO, Oscar. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1955. p. 173.
159
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
160
intérprete autêntico pretendeu proteger e salvaguardar. 6- Ao
declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002
(tema 809), o Supremo Tribunal Federal modulou
temporalmente a aplicação da tese para apenas “os
processos judiciais em que ainda não tenha havido
trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a
tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações
finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de
inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790
do CC/2002). 7- Aplica-se a tese fixada no tema 809/STF às
ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença
de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a
prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002,
excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após
a declaração de inconstitucionalidade e a consequente
aplicação do art. 1.829 do CC/2002. 8- Não são equiparáveis,
para os fins da aplicação do tema 809/STF, as sentenças de
partilha transitadas em julgado e as decisões que,
incidentalmente, versam sobre bens pertencentes ao espólio,
uma vez que a inconstitucionalidade de lei, enquanto questão
de ordem pública, é matéria suscetível de arguição em
impugnação ao cumprimento de sentença e que, com muito
mais razão, pode ser examinada na fase de conhecimento. 9-
Recurso especial conhecido e desprovido. (grifo nosso).
161
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
3
TENORIO, 1955, p. 161.
4
Sobre essa questão, vide TRINDADE, Cláudia Sofia Alves. A Prova de Estados
Subjetivos no Processo Civil. Coimbra: Almedina, 2016.
162
Temos, então, a obrigação de um olhar dos juízes que vá mais adiante e
seja mais abrangente que a querela contida na ação como primeiro ponto
de equilíbrio imposto às decisões.
É necessário lembrar que o art. 5º da Lei de Introdução, ao tratar
de bem comum, não o faz com o caráter que historicamente corresponde
a uma exigência feita ao legislador. O direito positivo brasileiro optou
por um caminho mais seguro, impondo aos juízes a missão de observar,
em suas decisões, as exigências do bem comum, sem determinação
mínima de seu sentido5.
O reconhecimento de que o direito é uma força específica da
sociedade traz consigo, em uma visão naturalista, “alguma coisa de
peculiar à natureza humana, um resultado da convicção que
espontaneamente se forma sobre os melhores meios para atingir os fins
sociais”6. E continua Eduardo Espinola (1977):
5
TENORIO, 1955, p. 162-163.
6
ESPINOLA, Eduardo. Sistema do Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
Rio, 1977. p. 38-39.
7
ESPINOLA, 1977, p. 39.
163
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
8
TENORIO, 1955, p. 172-173.
9
RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Direito Civil Contemporâneo: estatuto
epistemológico, constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2019. p. 225.
164
consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir
desses ideais é que se concebeu a denominada modulação
temporal dos efeitos da decisão que declara a
inconstitucionalidade.
14) Não se pode perder de vista, entretanto, que a
retroatividade é a regra e que a modulação de efeitos é a
exceção. Nesse sentido, leciona Teresa Arruda Alvim:
165
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
166
aplicabilidade, levando em consideração razões de segurança jurídica e
excepcional interesse social.
A lei acima focada não fez menção ao texto da Lei de
Introdução que, com décadas de antecedência, fixou razões de
julgamento e bases hermenêuticas mais hígidas e já conhecidas pela
doutrina e pela jurisprudência nacional. O limite de decidir e a obrigação
de modular os efeitos da decisão, concluímos, são anteriores no
ordenamento jurídico brasileiro e passaram apenas por uma repetição
feita pelo legislador, fruto do empobrecimento da técnica legislativa que
tem ocorrido no Brasil a partir das últimas décadas do século XX.
A ideia geral, ou presunção, é de que seria mais justo e adequado
que decisões sobre constitucionalidade produzissem efeitos retroativos em
todas as situações jurídicas. Mas essa presunção de justiça e adequação não
decorre de processo lógico que alcance todas as nuances envolvidas no
controle de constitucionalidade, quer seja concentrado, quer seja difuso.
Não obstante, no âmbito das relações de família levadas a Juízo,
uma das características mais aparentes é o volume de ações, a
diversidade dos interesses, sobretudo em demandas novas ainda não
previstas em lei, e a gravidade peculiar que se pode colher em casos de
declaração de inconstitucionalidade.
A dinâmica das relações de família, sua complexidade e
características próprias de regulação nos levam a concluir que, neste
campo específico do direito, a regra parece inversa: impõe-se a
modulação, sob pena de ocorrer uma inversão das próprias razões que
estão presentes no comando geral de retroatividade: proteção à boa-fé,
tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo
jurídico, citados pela Relatora do Recurso Especial que reafirmou a
modulação constante do Tema 809 do Supremo Tribunal Federal.
Ocorre, nas relações de família, a complexidade cultural e
normativa sobre a qual nos alertou Eduardo Espínola10:
10
ESPINOLA, 1977, p. 30.
167
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
168
REFERÊNCIAS
169
DESAFIOS PROCEDIMENTAIS NA HERANÇA DIGITAL
1 INTRODUÇÃO
*
Doutora e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora da PUC Minas e
do IBMEC. Vice-Presidente da Comissão de Sucessões da OAB/MG e Vice-Presidente
do IBDFAM/MG.
*
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito de Família e
Sucessões no UNI/BH e UNA. Presidente da Comissão de Direito das Sucessões da
OAB/MG. Membro da Comissão Especial de Família e Sucessões da OAB Nacional.
171
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
“Nesse contexto, os chamados bens digitais (digital assets) surgiram no rasto da
popularização das redes sociais, correios eletrônicos, livros digitais, criptomoedas,
serviços de streaming, nuvens de armazenamento de dados etc, causando grande
confusão quanto à natureza jurídica para fins sucessórios, notadamente por
demandarem do operador do direito sensível esforço para a definição de direitos dos
sucessores ante a imperiosa necessidade de proteção à privacidade e à intimidade do
titular desses bens.” (MARTINS; FALEIROS JÚNIOR, 2019, p. 465).
2
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) traz importantes contribuições para a
proteção dos dados pessoais, protegendo a privacidade de bens existenciais, no entanto,
não menciona expressamente a proteção de dados da pessoa falecida.
172
e à privacidade. Gabriel Honorato de Carvalho e Adriano Marteleto
Godinho (2019, p. 177) demonstram que “não poderia ser diferente,
enquanto a vida de um sujeito tenha se esvaído por qualquer que seja o
motivo, toda a sua história, sua honra, sua boa fama, sua imagem, sua
intimidade e, de um modo geral, sua vida privada e seu patrimônio
devem ser respeitados.”
Analisando tal problemática, uma forma seria separar o acervo
virtual de dados com valor existencial e o acervo de dados com valor
patrimonial, delimitando em geral para a transmissão da ordem de vocação
hereditária para esse último, caso não tenha sido feito nenhuma disposição
de vontade anterior, considerando se tratar de bens personalíssimos.
173
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
3
“Torna-se cada vez mais cotidiana a existência de perfis de pessoas falecidas nas redes
sociais, o que adquire ainda mais expressividade quando tais contas se encontravam
vinculadas a determinada celebridade. Não é incomum que essas páginas recebam um
número maior de acessos e seguidores após a morte do titular, como no caso do Gugu
Liberato, incrementando o valor econômico agregado ao perfil. (....) Apesar de a
manutenção da conta da pessoa falecida em uma rede social parecer, num primeiro
momento, uma atitude mórbida e, destarte, rechaçável, deve-se sopesar que a
exploração econômica desse perfil, dentro dos limites bem definidos, além de ajudar a
manter viva a história do de cujus, pode render frutos mensais necessários para a
subsistência dos herdeiros dependentes, especialmente quando a plataforma social foi
a principal fonte de renda do morto, como já ocorre de forma bastante significativa no
Brasil.” (HONORATO; GODINHO, 2019, p. 172).
174
extrajudicial regulamentação específica na Resolução nº35/2007 do
CNJ. O inventário depende de atuação do interessado, estando previstos
os procedimentos nos artigos 610 e ss do CPC. Assim, pode requerer o
inventário aquele que estiver na posse e administração da herança, no
prazo de dois meses.
Mas no caso de um patrimônio digital, considerando que não há
que se falar em posse física dos bens, quem poderia requerer a abertura
do inventário? Nesse ponto, pode-se observar quem foi legitimado
através de um testamento digital para essa função, ou mesmo, através de
um testamento ordinário. A vontade do autor da herança deve ser
observada e cumprida, na medida que não viole nenhum direito de
terceiro. Nesse sentido, Livia Teixeira Leal (2019, p. 237), analisa:
175
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
4
Art. 1.857 do CC/2002: Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade
dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o
testador somente a elas se tenha limitado.
176
digitais desde a sua nomeação? Essa é uma das celeumas que em breve
começarão a surgir no Judiciário.
Sendo a resposta num sentido positivo, o juiz determinará
especificadamente no termo de compromisso do inventariante que o
acesso teria apenas a função de identificar os bens digitais de conteúdo
econômico, sendo o inventariante responsável civil e criminalmente pelo
uso indevido dos bens digitais em que não há caráter econômico. Como
exemplo, podem ser citadas as milhas aéreas, itens pagos em plataforma
digital, os bitcoins, softwares, marcas, e-books, ferramentas de games e
outros conteúdos sem natureza íntima e personalíssima.
Mas caso o autor da herança tenha feito um testamento digital
dispondo de conteúdo de natureza jurídica patrimonial e existencial,
como proceder? Nesse sentido, Livia Teixeira Leal (2019, p. 237)
argumenta:
177
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
nessa esfera o conteúdo digital. Caso o prazo não seja cumprido, poderá
ser hipótese de remoção do inventariante. No entanto, sabe-se que
quando se trata de patrimônio que tenham ativos digitais, o prazo de 20
(vinte) dias5, muitas vezes pode ser insuficiente para averiguação de todo
conteúdo virtual pelo inventariante, podendo ser solicitado ao juiz uma
dilação para verificação de todos os bens digitais, considerando a demora
na resposta e os termos de uso de cada provedor6.
Considerando que a temática é nova e a precificação dos ativos
digitais dependem do valor real do mercado no momento do falecimento,
cabe ao inventariante apresentar os bens digitais com conteúdo
econômico e seus valores. E aí outra tormentosa questão surgirá diante
de um caso concreto: como fazer essa avaliação? Quais os critérios a
serem utilizados? Qual o profissional apto a valorar tais bens?
Se houver divergência em relação aos valores dos ativos
digitais, não podendo ser resolvido pela prova documental, a
controvérsia será remetida as vias ordinárias para apuração dos valores,
devendo o caso ser submetido a uma perícia – e aí como salientado
acima, a definição do profissional competente será de suma importância,
já que não se trata de uma perícia contábil rotineira. Nesse caso, havendo
divergência entre os herdeiros sobre a precificação de tais bens, poderá
ocorrer a suspensão do inventário dessa parte controversa7.
5
Art. 620 do CPC: Dentro de 20 (vinte) dias contados da data em que prestou o
compromisso, o inventariante fará as primeiras declarações, das quais se lavrará termo
circunstanciado, assinado pelo juiz, pelo escrivão e pelo inventariante, no qual serão
exarados: (...)
6
Art. 139 do CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: (...)
VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova,
adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela
do direito; (...)
7
Art. 612 do CPC: O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos
relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as
questões que dependerem de outras provas.
178
Para se evitar um litígio, surge a importância de se fazer uma
análise econômica de todo o patrimônio digital que irá compor o
espólio, uma vez que devem ser computados os bens corpóreos e os
incorpóreos, inclusive para resguardar e calcular a legítima no caso de
disposições testamentárias, ou das devidas colações. A legítima é
limitada a 50% (cinquenta por cento) dos bens da herança em favor
dos herdeiros necessários. Não podendo nesse caso ocorrer uma
flexibilização, mesmo sabendo de uma necessidade de sua revisão
com uma reforma legislativa nesse sentido.
Após as primeiras declarações, inicia-se a fase das citações e
intimações, onde o juiz mandará citar para os termos do inventário e da
partilha, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros, os legatários, bem
como determina a intimação da Fazenda Pública, do Ministério
Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se
houver testamento.
Conforme ensinamentos de Gustavo Tepedino, Ana Luisa
Nevares e Rose Melo Vencelau Meireles (2020), a não citação do
testamenteiro nos autos causa a nulidade no inventário, considerando que
lhe cabe fiscalizar o cumprimento das disposições testamentárias, e para
tanto, ingressar no inventário. Nessa mesma linha, será declarada nula a
partilha, quando um dos herdeiros não for citado e foi excluído da partilha.
Finalizadas as citações, será aberta vista às partes, em prazo
comum de 15 dias para manifestarem sobre as primeiras declarações.
Esse é um momento importante no inventário, onde os interessados terão
a oportunidade de arguir erros, omissões e sonegações de bens, reclamar
a nomeação do inventariante, e contestar a qualidade de um ou outro
herdeiro. Em se tratando de patrimônio inventariado com grande acervo
digital, essa fase processual é de suma relevância na qual os interessados
terão a oportunidade de clarear, questionar, indicar e precificar os bens a
serem inventariados.
Também nessa fase, o juiz poderá remeter a discussão de alguns
pontos controversos para ação própria, em especial quando demandar
179
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
8
Art. 639 do CPC: No prazo estabelecido no art. 627, o herdeiro obrigado à colação
conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que
recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor.
Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as
benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da
abertura da sucessão.
9
Art. 641 do CPC: Se o herdeiro negar o recebimento dos bens ou a obrigação de os
conferir, o juiz, ouvidas as partes no prazo comum de 15 (quinze) dias, decidirá à vista
das alegações e das provas produzidas.
§ 1º Declarada improcedente a oposição, se o herdeiro, no prazo improrrogável de 15
(quinze) dias, não proceder à conferência, o juiz mandará sequestrar-lhe, para serem
inventariados e partilhados, os bens sujeitos à colação ou imputar ao seu quinhão
hereditário o valor deles, se já não os possuir.
§ 2º Se a matéria exigir dilação probatória diversa da documental, o juiz remeterá as
partes às vias ordinárias, não podendo o herdeiro receber o seu quinhão hereditário,
enquanto pender a demanda, sem prestar caução correspondente ao valor dos bens sobre
os quais versar a conferência.
180
partes às vias ordinárias, não podendo o herdeiro receber o seu quinhão
hereditário, enquanto pender a demanda, sem prestar caução
correspondente ao valor dos bens sobre os quais versa a conferência.
Outro ponto relevante, diz respeito ao ITCD, imposto de
transmissão causa mortis e/ou doação, devido pelos herdeiros em razão
do falecimento do autor da herança. O imposto é de competência
estadual, cuja alíquota máxima é de 8% (oito por cento). Aos herdeiros
incumbe o dever de pagar o imposto, cujo valor é calculado pela
Secretaria da Fazenda Estadual, que por sua vez, tem critérios próprios
de avaliação dos bens, o que pode ser impugnado pelos herdeiros em
caso de discordância.
Com certeza, essa é a fase mais complexa do patrimônio digital,
considerando ainda que não existe uma legislação tributária específica
para cálculos desses ativos digitais post mortem. De acordo com o
Glossário sobre ITCD10 referente ao estado de Minas Gerais, nas
perguntas frequentes sobre a incidência do imposto, está:
10
DÚVIDAS Frequentes - Orientação DOLT/SUTRI nº 002/2006. Secretaria de Estado
de Fazenda. Empresas. Disponível em: http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_t
ributaria/orientacao/orientacao_002_2006.html#incidencia. Acesso em: 13 set. 2020.
181
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
11
CORREIA NETO, Celso de Barros. O STF vai definir como o Brasil deve tributar
os bens virtuais? Revista Consultor Jurídico, 21 mar. 2020. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2020-mar-21/observatorio-constitucional-stf-definir-
brasil-tributar-bens-virtuais. Acesso em: 13 set. 2020.
182
Nesse ponto seria mais factível precificar através de uma
avaliação econômica o valor de determinado ativo virtual. Lembrando
que essa análise econômica muda de forma rápida com o tempo e
depende inclusive de quem é o seu titular, já que para um “blogueiro”
uma conta no Instagram pode ter um valor completamente diferente de
uma pessoa que não trabalha com a imagem.
Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao
juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis. Pode
o credor receber um ativo digital para pagamento do seu crédito? A
princípio não há nada que impeça a separação dos bens digitais para
pagamento dos credores.
O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir
antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar
e de fruir de determinado bem virtual, com a condição de que, ao término
do processo de inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro, cabendo
a este, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do
exercício daqueles direitos12.
A finalização do processo de inventário se efetiva quando
ocorre o pagamento do imposto de transmissão (ITCD), que deverá ser
calculado também do ativo virtual, como já salientado. Dessa forma,
cabe ao legislativo suprir de forma imediata essa lacuna.
Como se percebe, o tema apresenta uma série de
questionamentos ainda sem resposta e que vão demandar uma atuação
conjunta da doutrina, do Legislativo e do Judiciário para buscar soluções
que atendam às mudanças trazidas pela era digital, cujo caminho não tem
volta, já que cada vez mais nos deparamos com bens até então
12
Art. 647, parágrafo único do CPC: O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir
antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de
determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a
cota desse herdeiro, cabendo a este, desde o deferimento, todos os ônus e bônus
decorrentes do exercício daqueles direitos.
183
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
184
torio-constitucional-stf-definir-brasil-tributar-bens-virtuais. Acesso em:
13 set. 2020.
185
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
186
HERANÇA DIGITAL E A SUCESSÃO LEGÍTIMA DESSE
PATRIMÔNIO
*
Doutora e Mestre em Direito. Professora da Graduação e Pós-graduação do Centro
Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Presidente do IBDFAM-PB. Membro da
Comissão Especial de Família e Sucessões do CFOAB.
*
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Discente do
curso de Administração da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
187
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
188
análise sistêmica e refinada capaz de tutelar uma realidade que dispensa
a rigidez, a patrimonialização e a autossuficiência de um Código que ao
longo da história manteve uma atuação autônoma, sem a intromissão do
Estado e distante da lei maior.
A evolução desse conceito teve início com o constitucionalismo
moderno na Europa ao fim do século XVIII. Nesse tempo, o Código Civil
era o diretor das relações privadas e, portanto, proporcionava um
ambiente para o exercício da autonomia da vontade privada, enquanto
que a Carta Política apenas regulava as relações entre os cidadãos e o
Estado. Até que no século XX, passa-se para o segundo momento dessa
evolução com a chamada publicização do direito, quando houve a
intervenção estatal na seara legislativa infraconstitucional e, então, a
redução dessa rigidez.
Mas, saliente-se que isso não implica o entendimento de que as
matérias de interesse particular, por coexistirem em normativas distintas,
estejam sujeitas à regulamentação exclusiva de ordem pública. Ao
contrário, trata-se de uma nova integração, onde o texto constitucional
naturalmente define princípios que antes eram reservados ao direito dos
particulares. Ora, “o mais privado dos direitos, o direito civil, está
inserido essencialmente na Constituição de 1988 (atividade negocial,
família, sucessões, propriedade). Se fosse esse o critério, então inexistiria
direito privado” (LÔBO, 1999, p. 101).
Sem dúvidas, o atual entender sobre o significado de
constitucionalização, contempla o terceiro momento dessa evolução e
apresenta agora a Carta Magna como instrumento normativo central, para que
dela sejam extraídos os fundamentos de validade indispensáveis ao exercício
da autonomia privada e capazes de melhor regular a ordem econômica e
social, reconhecendo como pilar da República Federativa do Brasil, o
protagonismo da dignidade da pessoa humana e não mais do patrimônio.
Os reflexos dessa interlocução normativa são variados e de suma
importância, inclusive para o direito sucessório, porque, em que pese a
constitucionalização seja um processo de integração que acontece
189
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
190
tão congruente para com o Estado Democrático de Direito, e por isso é que
os valores constitucionais consistem em ferramentas jurídicas adequadas
para inspirar respostas às situações que ainda não tenham o amparo
normativo e por isso conflitem com os limites das legislações existentes,
como é o caso da herança digital com sua dupla feição entre os direitos
patrimoniais e extrapatrimoniais.
Com efeito, eis que surge a necessidade de fazer uma relação
direta com o que seja a herança digital e a ideia de nova sucessão por ela
trazida, comparada aos moldes tradicionais, evidenciando os bens que a
integram com a indispensável diferenciação patrimonial e existencial,
para então discutir a dupla feição a eles inerentes conquanto a afetação
simultânea aos direitos patrimoniais e extrapatrimoniais, no que diz
respeito a possibilidade de transmissão automática aos herdeiros,
consistindo no segundo objetivo especifico do presente estudo.
Afinal, tradicionalmente, tem-se estudado e compreendido a
herança como sendo um complexo de relações jurídicas de uma pessoa,
suscetível de avaliação econômica, com natureza de bem imóvel, que se
forma após o falecimento do sujeito titular desse conjunto de bens
corpóreos, incorpóreos, ativos e passivos. Mas um aspecto notável tem
se destacado dessa conjuntura.
A ideia de que a herança deve ser necessariamente material e
aferível economicamente, vem sendo vencida e com a dinâmica
capitalista do mercado de consumo, a precificação de bens imateriais
torna-se cada vez mais valorizada. Pessoas a nível mundial têm sido
muito afetas à migração do ambiente analógico para o digital e
habitualmente produzem, armazenam e adquirem conteúdos variados,
como: e-books, músicas, fotos, vídeos, moedas eletrônicas, milhas
aéreas, jogos etc., que ao serem inseridos nesse ambiente, as tornam
titulares desses dados que já motivam conflitos sucessórios.
O fato é que essas ações já são tão difundidas e
instrumentalizadas, que por serem capazes de oportunizar a
profissionalização de um indivíduo, até a imediata repercussão
191
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
192
Se sobressai dessa modalidade de herança, a existência de uma
dupla feição de direitos, uma vez que com a virtualização desse contexto
humano e da valorização dos bens imateriais, alguns bens digitais
denominados existenciais, conseguem transcender as características de
ser aferível monetariamente e invadir a seara da privacidade, seja do
falecido ou de terceiros que com ele se expuseram, confrontando, pois,
um direito da personalidade, irrenunciável e intrasferível, conforme
previsão do art. 11 do Código Civil.
Nesses termos, é certo que “a respeito da tutela post mortem dos
direitos da personalidade, os parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 do
Código Civil de 2002 preveem os legitimados para pleitear tal proteção”
(LEAL, 2018, p. 11), mas ainda que a propriedade ultrapasse o tempo, e
suceda-se aos herdeiros com a morte do proprietário, saliente-se que é a
morte, a medida da personalidade civil da pessoa humana, momento,
portanto, em que se encerrará a personalidade.
Zampier Lacerda (2017, p. 74), ensinam que os bens digitais são
“bens incorpóreos, os quais são progressivamente inseridos na Internet
por um usuário, consistindo em informações de caráter pessoal que lhe
trazem alguma utilidade”, e para a herança digital, fundamentam-se em
duas classificações: o de valor econômico e o de aspecto
sentimental/existencial. Ou seja, vídeos, músicas, bibliotecas digitais,
moedas virtuais, milhas aéreas, jogos on-line, são bens com
características patrimoniais e que, inquestionavelmente, poderão ser
transmitidos aos herdeiros imediatamente quando do falecimento do
usuário, em pura aplicação da Saisine, como bem assegura Lívia Leal
(2019) e, respectivamente, Thamires Nascimento (2017):
193
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
Por outro lado, fotos, mensagens enviadas por e-mail, inbox nas
mídias sociais, senhas ou as próprias redes sociais, são dotados de valor
sentimental, e se referem ao aspecto existencial do falecido, que como
certifica Meireles (2009, p. 143), “como a herança refere-se ao acervo
patrimonial do de cujos, as situações existenciais, ressalvadas as situações
dúplices em alguns aspectos, não vão integrar o conceito de herança”.
Ainda que todos os bens digitais sejam integrantes do ativo
digital, é certo pensar que o direito de propriedade que recai sobre esses
bens também deveria gozar dos mesmos efeitos jurídicos da
propriedade tradicional, mas não é o que acontece. No caso desses bens
existenciais, embora algumas plataformas permitam ao usuário uma
opção de definir o que deverá acontecer com o seu perfil depois da sua
morte, o tratamento propriamente dito desse trânsito de transferência de
dados tem que estar muito bem fundado em bases legais.
Sob outra miragem, já se entende que necessário seria que o
próprio falecido outorgasse autorização em um testamento, esclarecendo
o consentimento para o tratamento de seus dados pessoais, atentando-se
ao fato de que, em reciprocidade, “as disposições testamentárias devem
observar os termos de uso dos provedores e os interesses juridicamente
tuteláveis de terceiros” (LEAL, 2019, p. 235). Como no Brasil não há
uma cultura do testamento, a ausência de planejamento diante de
tamanha lacuna legislativa é o que causa dificuldades para a solução do
tema no que tange a transmissibilidade desses bens independente de
testamento ou outro documento.
194
Afinal, sobre a Saisine, a concepção de Correia (2016, p. 46) é
de que “não mudou e não pode ser mudado o direito de transmitir a
herdeiros bens acumulados em vida, bem como direitos e deveres”, e
como nenhuma lei civil brasileira foi capaz de regulamentar o tema, tem-
se buscado interpretar o direito posto, isto é, as bases tradicionais a partir
de uma nova realidade que em virtude das lacunas legislativas exigem
do legislador uma atuação acolhedora e não uma ruptura do que já existe
para a criação de novos cenários. Por isso, ainda que a forma de
aproximar esse tema, dentro do que já temos legislado se verifique com
a tentativa de conciliar o direito de personalidade do falecido com o
interesse da família e da coletividade, algumas correntes de
entendimento sugerem caminhos diversos.
Nesses termos, é que o terceiro objetivo específico busca
analisar o estado da arte da transmissibilidade da herança digital na
jurisprudência brasileira, dada a ciência de que o ordenamento pátrio
necessita de uma uniformização legal.
Consigne-se que desde o ano 2012 o Congresso Nacional tem
recebido propostas que especulam a regulação da matéria, mas todas
restaram infrutíferas. Nem mesmo o Marco Civil da Internet Lei nº
12.965/2014 que regula o uso desta no país ou Lei de Proteção de Dados
Pessoais brasileira (LGPD) de nº 13.709/2018 que trata o acesso e
proteção de dados, foram capazes de balizar a hipótese de falecimento
do autor da conta.
Mesmo assim, observa-se que a temática caminha para sua
normatização, isso porque, atualmente se encontra em tramitação dois
Projetos de Lei. O primeiro é o de nº 5.820/2019,12 que busca alterar o
art. 1.881 do Código Civil, incluindo um §4º cujo fim é dispensar a
presença das testemunhas para a validade da herança digital que deverá
entender-se como sendo vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, e
outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de
computadores, em nuvem, o codicilo em vídeo (BRASIL, 2019, p. 3).
195
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
196
A terceira corrente é a aclamada pelas plataformas digitais que
entendem prudente a impossibilidade de transmissão de qualquer bem
digital, seja ele de conteúdo patrimonial ou existencial, uma vez que os
contratos firmados com os usuários dessas plataformas, consideram-se
de caráter personalíssimos, logo, intransferível, incapaz de assegurar a
transferência do direito a titularidade, uma vez que os possuidores em
vida, adquirem tão somente o direito de uso daquela plataforma.
No que concerne aos casos já judicializado, QUEIROZ (2013),
traz o da jornalista Juliana Ribeiro Campos, o que primeiro ilustra o tema
em apreço e nos remete ao ano de 2013 quando, após o seu falecimento,
sua genitora entrou com uma ação contra o Facebook na 1ª Vara do
Juizado Central de Campo Grande – RS, requerendo a exclusão do perfil
de sua filha falecida, sob o argumento de que os contatos dessa filha
continuavam a postar fotos, músicas e mensagens, transformando o perfil
em um muro de lamentações que só aumentava a sua dor pela perda. Em
decisão, a juíza competente para o deslinde do caso desconsiderou os
termos de uso da plataforma e decidiu liminarmente em favor da autora.
Posteriormente, Faccineto (2016) publica que a Associação
Brasileira de Defesa do Consumidor, a PROTESTE, foi vencedora em
uma ação coletiva movida contra a companhia aérea TAM, em virtude
dos danos que vinham sendo suportados pelos usuários de programas de
fidelidade da empresa, cujos benefícios de uso eram rechaçados pelas
recorrentes alterações contratuais que restringiam aqueles direitos. Entre
outros pontos, um dos pleitos autorais foi de que, regulado o direito de
uso e a mantença desses benefícios e pontos acumulados, que houvesse
a sua transmissão aos herdeiros, uma vez falecido o seu titular.
Feita a necessária distinção entre os bens digitais, restou consignado
que as milhagens desse programa de fidelidade têm caráter estritamente
patrimonial e não podendo beneficiar o fornecedor em detrimento do
falecimento do titular sob o risco de restar constituído enriquecimento ilícito,
será possível a sua inclusão no bolo sucessório e sua posterior transmissão
aos moldes comumente regulados pelo direito sucessório.
197
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
198
brasileiro, há pouca jurisprudência a respeito do assunto” (Constantino;
Brum, 2020, p. 16), suficiente apenas para permitir vislumbrar que a
peculiar distinção entre cada conteúdo armazenado virtualmente é que
deve ser levado em consideração, mormente quando não se tem
disposição testamentária.
Assim sendo, rememore que no início do presente trabalho de
pesquisa, constatou-se uma novidade jurídica. Com avanço da tecnologia, o
advento da internet e a pandemia, as relações virtuais foram ainda mais
acentuadas e o que nesse ambiente passou a ser armazenado, embora isento
de regulamentação, é também passível de conflito sucessório.
Diante disso, é prudente dizer que o objetivo geral da pesquisa foi
atendido, uma vez que da análise da possibilidade de transmissão legitima dos
ativos digitais armazenados em meio virtual, identificou-se que só é possível
estabelecer a sucessão legítima sobre os bens digitais quando houver um
fracionamento do patrimônio digital em bem de natureza patrimonial, caso
em que sempre haverá a transmissão imediata; e existencial quando houver
consentimento, em vida, pelo usuário, e não haja violação à personalidade do
falecido ou de terceiros que com ele interagiram.
Percebeu-se que o tratamento pela lógica da sucessão
patrimonial, ocorre tão quanto a transmissão comum prevista na
normativa civil. Não há nova modalidade além das já existentes, a saber:
legítima e testamentária. Mas, o que não se ignora é que a sua sucessão
legítima, independentemente de testamento ou outro documento, embora
possível, não se dá plenamente nas mesmas condições regulamentadas,
em virtude da natureza dos bens que a compõe, sendo prudente
diferenciar os conteúdos patrimoniais e personalíssimos.
Compreendeu-se também que com o limbo legislativo e a
constitucionalização, o ordenamento jurídico civil tem buscado se
integrar e pautar-se em valores, como o respeito à dignidade da pessoa
humana, à informação, à liberdade de expressão, à privacidade, porque,
embora também não existam critérios para a aplicação dessas garantias
199
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
200
Relativamente aos dados secundários coletados, a fim de indicar
respostas úteis e de maior relevância à pesquisa descritiva e qualitativa,
algumas limitações foram encontradas especialmente pela grande
abrangência de vertentes abordadas com uma só temática e pela ausência de
informações sobre as relações que demandam tratamento de bens digitais
dúplices, isto é, bens, simultaneamente, patrimoniais e existenciais.
Embora o assunto já venha sendo debatido nos meios acadêmicos
e as circunstâncias expostas tendam, a não esgotar o conteúdo, mas sim a
aclarar suas características, para que se preste como alternativa de
fundamentação às demandas judiciais que discutam o tratamento mais
viável para os bens digitais sem testamento ou outro documento, enquanto
o espaço normativo perdurar, e em virtude da indisponibilidade de
determinadas informações, se recomenda promover o debate sobre o
tratamento sucessório atribuídos aos bens digitais de natureza dúplice.
REFERÊNCIAS
201
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
202
Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Notícias/Noticia?codigoNotícia
=63570. Acesso em: 5 maio 2021.
________. Direito Civil: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. v. 1.
203
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
QUEROL, Ricardo de. Zygmunt Bauman: “As redes sociais são uma
armadilha”. 30 dez. 2015. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/201
5/12/30/cultura//1451504427_675885.html. Acesso em: 0 maio 2021.
204
http://pt.scribd.com/document/128137902/RODATA-STEFANO-
Globalização-e-o-Direito. Acesso em: 12 mar. 2021.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das sucessões. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. v. 6.
205
SOBREPARTILHA PROSPECTIVA E RETROSPECTIVA:
diálogo dos arts. 2.021 e 2.022 do CC com o art. 669 do CPC*
Rodrigo Mazzei**
*
O estudo está vinculado ao grupo de pesquisa "Núcleo de Estudos em Processo e
Tratamento de Conflitos” – NEAPI, vinculado à Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq no
endereço: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7007047907532311#identificacao. O
grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça
Civil e Processo Contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).
**
Doutor (FADISP); Professor da UFES (graduação e PPGDir) e da FUCAPE. Advogado.
1
Embora os artigos 669-670 do CPC e 2.021-2.022 do CC só façam alusão a “bens”,
em aparente sentido fechado, nada impede que o patrimônio objeto de sobrepartilha
tenha natureza mais fluida, incluindo-se, portanto, outros direitos que não são
propriamente bens, como é o caso dos direitos decorrentes da apuração de determinados
lucros de operação societária e/ou de participações no sentido.
207
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
2
Com tal norte, é possível que situação semelhante à sobrepartilha ocorra em hipótese
de herdeiro universal, sendo que, em tal caso, não será propriamente partilha, mas
adjudicação (sobreadjudicação, caso queira se aproveitar a da nomenclatura utilizada
no artigo em comento).
3
No sentido: ARAÚJO, Luciano Vianna. In: BUENO Cassio Scarpinella (coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. (arts. 539-925). São Paulo: Saraiva, 2017.
v. 2, p. 257.
208
de bens não arrolados no inventário poderá beneficiar o
cônjuge/companheiro sobrevivente em caso de verificação daqueles que
se submeteram ao regime de comunhão patrimonial em vida, reservando-
se a meação ao supérstite.
Na realidade, a sobrepartilha cria nova arrecadação, originando
também nova liquidação (ato que é anterior à própria noção de partilha),
de modo que, se o inventário primitivo teve desfecho negativo (=
insolvência do espólio), a sua arrecadação terá que primeiro atender aos
credores que não tiveram suas dívidas satisfeitas. Trata-se de
interpretação que pode ser extraída da parte inicial do art. 647 do CPC e
do art. 1.796 do CC, pois a partilha somente se justifica depois de pagas
as dívidas que vinculam o espólio.
Portanto, caberá a sobrepartilha em qualquer situação em que se
vislumbrar a existência de bens e/ou direitos que não foram arrecadados
e que, de alguma forma, estão atraídos pela sucessão4, sendo equivocado
imaginar que apenas os herdeiros serão os seus beneficiários.
No tocante às hipóteses legais que ensejam a sobrepartilha,
salienta-se que, apesar de o art. 669 do CPC não seguir a ordem
sequenciada dos arts. 2.021 e 2.022 do CC, não há discrepância no quanto
ao texto das duas codificações, a saber: (a) bens situados em lugar
remoto da sede do juízo onde se processa o inventário (arts. 669, IV,
do CPC e 2.021 do CC); (b) bens litigiosos, assim como os de liquidação
difícil ou morosa (arts. 669, III, do /CPC e 2.021 do CC); (c) bens
sonegados (arts. 669, I, do CPC e 2.022 do CC); (d) bens da herança
descobertos após a partilha (arts. 669, II, do CPC e 2.022 do CC).
A ordem adotada no presente estudo segue a sequência definida
no CC (bem mais didática que a inserida no CPC), que faz a depuração
4
Semelhante: ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012, p.
1.518. Na jurisprudência: STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.151.143/RJ, j. 04/09/2012,
DJ, 10 set. 2012.
209
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
5
Sobre a sistematização utilizada (sobrepartilha prospectiva e sobrepartilha retrospectiva),
confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673.
São Paulo: Saraiva, 2020. v. 12.
210
incerteza quanto à arrecadação dos bens e/ou direitos, tendo em vista a
situação peculiar em que se encontram6-7.
Dessa forma, o art. 2.021 do CC autoriza que a arrecadação de
determinados bens e/ou direitos não seja efetuada no inventário já
instaurado, a fim de que este não perca sua velocidade processual e/ou
eficiência. O patrimônio não arrecadado no inventário em curso é, então,
projetado para inventário suplementar, que possui autonomia relativa
em relação ao primitivo (art. 670 do CPC).
6
José Fernando Simão se refere aos bens alcançados pelo art. 2.021 do CC como os
“problemáticos” e que “não devem impedir a partilha dos demais bens, pois a celeridade
interessa aos herdeiros e reduz o risco de litígios” (Código Civil Comentado. Rio de
Janeiro: Forense, 2019, p. 1.552). Direto no assunto, Silvio Venosa aduz que: “Muito
útil, pois, essa possibilidade legal que permite que não se retarde a partilha dos bens
incontroversos e de fácil divisão” (Código Civil Interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2019, p. 1.723). Parecendo concordar, confira-se: TEPEDINO, Gustavo; NEVARES,
Ana Luiza Maia; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do direito civil:
Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 7, p. 274.
7
Quando se projeta bem de arrecadação incerta à sobrepartilha, busca-se evitar que seja
atribuído desde logo ao quinhão de um (ou alguns) herdeiro(s), que pode(m) depois vir
a perdê-lo no processo que o tem por objeto material, o que poderia abrir discussão
sobre a necessidade de, em atenção ao princípio da igualdade da partilha, exigir dos
demais herdeiros a indenização em virtude da evicção (art. 2.024 do CC). De toda sorte,
ainda que com dificuldades da avaliação (pela falta de elementos exatos para seu
dimensionamento em muitas vezes), não se pode descartar que tais bens possam ser
alocados no quinhão de um ou mais herdeiros, desde que estes assumam expressamente
o risco por tal opção. Próximo: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 982-1.045. Rio de Janeiro: Forense,
1977. v. 14, p. 302; e LUCCA, Rodrigo Ramina. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
et al. (coord.). Breves comentários ao novo código de processo civil. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.744. Assim procedendo, para que os efeitos do art.
2.024 do CC não se voltem contra os demais interessados, é fundamental que se lance
convenção acerca da modulação da evicção, hipótese permitida pelo art. 448 da lei civil
que prevê que as partes podem, “por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção”. No mesmo sentido: CARNEIRO, Paulo Cezar
Pinheiro. Inventário e partilha judicial e extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 231-232.
211
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
8
No sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma). REsp 977.365/BA, 26
de fevereiro de 2008. DJ, 10 mar. 2008.
9
Parece ser esta a posição de Euclides de Oliveira (Código Civil Comentado. São
Paulo: Atlas, 2004. v. 20, p. 227). Note-se que a redação do parágrafo único do art. 669
esclarece que a decisão por maioria se refere à designação do inventariante, não estando
atrelada à adoção (ou não) da sobrepartilha.
10
Sobre as aproximações da sobrepartilha prospectiva com a técnica prevista no art. 612 do
CPC, confira-se: MAZZEI, 2020.
11
Próximo: CARNEIRO, 2019, p. 230; VENOSA, 2019, p. 1.723; e DIAS, Maria Berenice.
Manual das Sucessões. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 611. Não se trata,
todavia, de “mero interesse dos herdeiros”, como defende: ARAÚJO, Luciano Vianna. In:
BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil: arts.
539-925. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2, p. 257, 292. Há de ficar configurada concretamente
situação que justifica o fatiamento do inventário, pois a sobrepartilha prospectiva é uma
técnica que quebra, de certa maneira, a unicidade sucessória.
212
trazer o tema – se possível – logo nas primeiras declarações, pois tal
postura permitirá o conhecimento e a manifestação por parte dos
interessados, fato que pode dar ensejo até mesmo à deliberação conjunta
destes na depuração de bens que não deverão ser arrecadados no
inventário original. Mesmo nos casos em que não for possível colher a
posição consensual dos interessados, as informações e a discussão
quanto à questão permitirão que o juiz decida sobre o tema caso isso se
torne necessário. Sem prejuízo, a sobrepartilha prospectiva poderá ser
adotada no curso do inventário, fixando-se seu limite, em regra, ao se
analisar e debater as últimas declarações (art. 636), oportunidade em que
a medida poderá ser defendida, por exemplo, pelo inventariante.
Quando se tratar de controvérsia interna, isto é, que envolva
aqueles que participam do inventário, a aplicação do art. 2.021 do CC
merece cuidado especial, pois há espaço para que seja efetuada a reserva
de bens respectiva ao dimensionamento patrimonial da pendenga,
reserva esta que deverá ser mantida até que o litígio caseiro seja resolvido
(em nova plataforma – vias ordinárias). No ponto, o CPC trata de
algumas hipóteses, a saber: (a) debate sobre inclusão de herdeiro (art.
627, III), (b) preterição de interessado (art. 628), (c) controvérsia sobre a
colação (art. 641) e (d) dívidas com credores (art. 643). Nas situações
listadas, o inventariante promoverá a reserva de bens, seguindo-se com
os demais atos para o desfecho do inventário causa mortis. Havendo
decisão final favorável ao espólio, os bens reservados perdem a sua
afetação, submetendo-se à sobrepartilha12.
O litígio interno acaba por desenhar forma diferenciada de
sobrepartilha prospectiva, pois há a arrecadação do bem (diferente das
outras situações tratadas no art. 2.021 do CC), mas a entrega deste fica
suspensa até que ocorra desfecho do assunto nas vias ordinárias. De
toda sorte, com a reserva de bens (que garante o debate interno), há
destrancamento do fluxo do inventário sucessório. Os bens reservados
12
Próximo: ARAÚJO, 2017, p. 292.
213
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
13
No caso de litígio sobre bem instaurado junto a terceiro (aquele que não participa do
inventário) não será necessário efetuar qualquer tipo de reserva interna ao inventário.
Na verdade, a partir da incerteza de que o bem fará parte do acervo da herança e/ou da
presumível demora para que a controvérsia seja definida no seu ambiente próprio
(provável ação judicial), o bem litigioso não deve ser arrecadado no primeiro momento,
devendo ser alvo de sobrepartilha, como indicado no art. 2.021 do CC. Caso o litígio
contra personagem externo seja julgado favorável ao espólio em data posterior ao
desfecho do processo sucessório, aplicar-se-á o comando do art. 670 do CPC, ou seja,
o bem dará ensejo a inventário suplementar (tratado na lei como sobrepartilha). Se o
resultado for negativo, não haverá sobrepartilha.
14
Como destaca Rodrigo Ramina Lucca: “Permite-se que bens conhecidos e facilmente
partilhados assim o sejam rapidamente, deixando aqueles de difícil divisão para um
momento posterior” (WAMBIER, 2016, p. 1.743).
15
Dessa forma, os interessados na herança devem aquilatar a viabilidade de que
determinadas questões que envolvem a arrecadação patrimonial e/o conflitos sejam
resolvidas internamente (ou não) ao inventário causa mortis, pois a opção influenciará no
214
A constatação fica mais clara quando a sobrepartilha
prospectiva é contrastada às disposições cravadas em normas
fundamentais, dentre as quais se destacam o art. 4º (que trabalha com a
duração razoável do processo) e o art. 8º (ao determinar que as normas
processuais serão aplicadas com a luz do farol da eficiência). Diante da
variedade de questões que envolvem a arrecadação e liquidação da
herança, decorrente do policentrismo que marca o inventário causa
mortis, é fundamental que se utilize a sobrepartilha como técnica
processual de organização, pois seu manejo adequado permitirá que o
inventário sucessório tenha desfecho mais eficiente e célere16.
Depreende-se das linhas anteriores que a sobrepartilha
prospectiva – anunciada nos incisos III e IV do art. 669 do CPC - possui
diálogo inconteste com o art. 2.021 do CC e que, quando realizada
adequadamente, traz benefícios ao procedimento e, via reflexa, aos
interessados, benefícios esses que estão em consonância com princípios
basilares previstos no diploma processual. Faz-se necessário consignar, por
oportuno, aspectos essenciais à compreensão da outra espécie de
sobrepartilha tratada neste estudo, qual seja, a sobrepartilha retrospectiva.
215
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
216
Objetivou-se demonstrar, ainda, que o estudo da sobrepartilha
deve se dar de modo simbiótico, ou seja, de forma dialógica, combinando
o disposto no Código Civil com o previsto no Código de Processo Civil.
Nesse ponto, verifica-se que há correspondência irrefutável entre os
textos dos arts. 2.021 e 2.022 do CC com o art. 669 do CPC, de tal sorte
que a leitura conjunta dos dispositivos se revela de caráter fundamental
à boa compreensão do instituto.
Todavia, não basta apenas constatar o que salta aos olhos. Para
uma interpretação mais aprofundada, que favoreça, inclusive, a prática
forense, é preciso reconhecer aspectos inerentes da sobrepartilha.
Primeiramente, verifica-se que as suas hipóteses não se limitam apenas às
contempladas pelos dispositivos supramencionados, cabendo, na verdade,
em todas as situações em que haja pendência de arrecadação de bens e/ou
direitos que, de alguma forma, estão atraídos pela sucessão. Ademais, vê-
se que não se destina apenas aos herdeiros, mas a todos os interessados.
Acrescenta-se que o exame satisfatório da sobrepartilha leva ao
entendimento de que as principais hipóteses previstas no ordenamento
jurídico contemplam duas espécies: (a) a sobrepartilha prospectiva, ou
seja, a determinada no bojo de inventário ainda em curso (incisos III e
IV do art. 669 do CPC e art. 1.021 do CPC); e (b) a sobrepartilha
retrospectiva, ou seja, a que enseja novo processo em razão de o
inventário primitivo já ter se encerrado (incisos I e II e art. 2.022 do CC).
Malgrado as diferenças entre as hipóteses mencionadas, que
englobam, inclusive, o elemento temporal, conclui-se que a sobrepartilha
– em sentido amplo – beneficia os interessados na sucessão, seja porque
propicia um processo mais célere e eficiente, seja porque salvaguarda
bens/direitos sucessórios. Desse modo, compreender as nuances do
instituto em comento se revela fundamental para a boa aplicação do
Direito Sucessório.
Em arremate, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis à
sobrepartilha podem ser perfeitamente transportadas para o âmbito das
partilhas que envolvem o Direito de Família. Isso porque, conforme dita
217
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
218
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 5. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2018.
219
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
220
TOMÁS, Patrícia Mara dos Santos. In: MACHADO, Costa (org.).
Código Civil Interpretado. 3. ed. Barueri: Manole, 2010.
VENOSA, Silvio. Código Civil Interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
221
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DAS
RELAÇÕES FAMILIARES
*
Pós-Graduada em planejamento regional pela Universidade Federal Ceará (UFC) -
CETRED.
*
Graduanda em Direito no Centro Universitário Christus. Estagiária em Direito.
223
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
224
Estado, visto que há preponderância da deficiência na chegada de
denúncias e a consequente desproporção entre os números de boletins de
ocorrência e os casos factuais.
Nesse contexto, é visível que, o arcabouço legal brasileiro se
demonstra suficiente para o enfrentamento da violência doméstica, como
salientado pela Senadora e presidente da Comissão Permanente Mista de
Combate à Violência contra a Mulher, Zenaide Maia, “a Lei Maria da
Penha é uma grande conquista das mulheres brasileiras e vem,
consequentemente, salvando muitas vidas”, destacando referida Lei
como uma das três melhores do mundo no enfrentamento à violência
contra a mulher, abrangendo em seu escopo o maior número de
manifestações de violência doméstica e familiar.
Apesar disso, a real eficácia na efetivação das medidas de
proteção à mulher, ainda se constitui um desafio, visto que a dificultosa
chegada de denúncias, demonstra-se como empecilho para a proteção
destas vítimas. Fato sustentado pelas falácias instituídas na sociedade,
em razão do sentimento de não ser responsável pelo cuidado às mulheres
que sofrem com os impactos da violência vivida no dia a dia. Esse
sentimento é enraizado nas condutas de muitos que poderiam agregar
como agentes de denúncia aos órgãos de proteção.
Consoante a isto, a criminologia aborda o conceito de
revitimização da mulher ou vitimização secundária, ou seja, para além do
sofrimento causado pelo agressor, há também o descrédito da palavra da
vítima, quando atendida pelos agentes do gênero masculino que estão
responsáveis pelo primeiro contato de atendimento da mulher com os
possíveis auxiliadores e operadores do direito, além da explanação do caso
para a efetivação da denúncia. O despreparo e a deficiência na capacitação
destes profissionais é fator preponderante para a não concretização do
boletim de ocorrência, e para o não acolhimento efetivo da vítima, podendo,
em razão disso, haver continuidade desta na relação abusiva instituída.
Ademais, é notável, em exemplos diários, casos de mulheres
vítimas de violência doméstica que conseguem efetivar a denúncia,
225
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
226
Cabe salientar, que a existência da Patrulha Maria da Penha,
desenvolvida pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul, tornou-se um
importante meio fiscalizador da efetiva realização das medidas protetivas
no estado e de resguardar de maneira mais contundente as mulheres vítimas
de violência. Este meio proporcionou, só no primeiro semestre de 2020, a
visitação de 5.039 mulheres e a criação de um número especificamente
destinado à denúncia do descumprimento da medida protetiva pelo agressor,
tornando o sistema mais eficaz de acompanhamento deste mecanismo
protetivo. Ademais, só no primeiro bimestre de 2021 o número de
atendimentos registrou um aumento de 98,7% em comparação ao ano de
2020, ao todo 8.668 mulheres atendidas, somando-se ao todo o número de
18 mil atendimentos ao longo dos anos.
Além disso, é notável o sentimento de posse e machismo
enraizado na sociedade e, principalmente, nos agressores que coabitam
com as vítimas de violência doméstica, sendo, então, inegável a
importância do Poder Público no desenvolvimento de formas eficientes
à proteção e ao cumprimento da Lei 11.340/2006, como amparado pelo
Art. 3º, § 1º da referida Lei. Ademais, o desenvolvimento de Políticas
Públicas para a ressocialização do agressor, por meio de equipes
multidisciplinares, estas compostas por assistentes sociais e psicólogos,
resguardando o princípio da ressocialização tratado no Direito Penal.
Consoante a isto, também é dever da família e da sociedade criar as
condições necessárias para a efetivação dos direitos assegurados às
mulheres, fato previsto pelo Art. 3º da referida Lei supramencionada.
O Projeto de Lei (PL) nº 2013/2020, que tramitou na Câmara dos
Deputados, estabelecia medidas emergenciais de proteção à mulher vítima
de violência doméstica durante a pandemia Coronavírus (COVID-19),
possuindo a finalidade de acrescentar à Lei 13.340/2006 medidas protetivas
excepcionais. Dessa forma, referido PL dispõe, por exemplo, em seu § 1º,
de medida já prevista pelo Art. 22. inc. II da referida Lei. Porém, prevê
obrigação ao Poder Público em destinar recursos extraordinários
emergenciais para assegurar o funcionamento de casas-abrigo e dos Centros
227
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
228
COMISSÃO lança relatório sobre os 12 anos da Lei Maria da Penha.
Senado Notícias, 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/n
oticias/audios/2020/05/observatorio-aponta-aumento-da-violencia-
contra-mulheres-na-pandemia. Acesso em: 27 jun. 2020.
229
A REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
À LUZ DO TEMA 983 DOS RECURSOS REPETITIVOS (RESP
1.643.051): análise de sua inefetividade no âmbito do
Tribunal de Justiça de Pernambuco
*
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da
Universidade de Pernambuco (UPE) e da FAFIRE. E- mail: venceslautavares@yahoo.com.br.
*
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE), pesquisadora voluntária
PIBIC 2019-2020 (CNPq - UPE). E-mail: camilacristianesilva02@gmail.com.
*
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE), pesquisadora
bolsista PIBIC 2019-2020 (CNPq - UPE). E-mail: carolinamacedoferreira@gmail.com.
231
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
1
“Género se entiende como el conjunto de características específicas culturales que
identifican el comportamiento social de mujeres y hombres y las relaciones entre ellos.
Por tanto, el género no se refiere simplemente a mujeres u hombres, sino a la relación
entre ellos y la manera en que se construyen socialmente.” MEDINA, Graciela. Juzgar
con Perspectiva de Género: “¿Porque juzgar con Perspectiva de Género? Y ¿Cómo
Juzgar con Perspectiva de Género?”. Revista Justitia Familiae, Lima, v. 1, p. 19, 2018.
232
busquem a igualdade entre tais gêneros. Tal desigualdade já era
reconhecida na exposição de motivos da Lei Maria da Penha, de modo a
constatar que a violência intrafamiliar reflete “dinâmicas de poder e
afeto”, em um “sistema de dominação” que reputa “natural uma
desigualdade socialmente construída”2. É o próprio direito positivado na
Lei Maria da Penha, portanto, que se pauta na percepção da
hierarquização de tais relações, a despeito das variadas motivações do
agente para a causação dos danos3.
Além disso, cabe salientar que o julgamento com perspectiva de
gênero, aqui defendido, não se dá no sentido de favorecer um exame da
situação por meio da inserção da mulher na realidade masculina. Muito
pelo contrário, deve-se adequar às realidades sociais do homem e da
mulher e saber averiguar com excelência a relação entre eles.
Nesta toada, cabe aos magistrados, diante de situações de
violência doméstica e familiar contra a mulher, enxergarem a
essencialidade de vincular seus entendimentos à noção de gênero, em
todos os seus atos processuais, principalmente em relação a produção de
provas e sua valoração. Caso contrário, não alcançarão o ideal de justiça
e igualdade entre as partes, por não colocarem no centro da análise todas
as circunstâncias sociais, econômicas e psicológicas.
Um desses atos, por exemplo, é a inversão do ônus da prova,
tendo em vista a situação de vulnerabilidade feminina subentendida nos
casos de violência, e, em muitos casos, a hipossuficiência. Obviamente,
qualquer meio aqui elencado não visa encerrar as possibilidades de
atuação pelo magistrado. Pelo contrário, cabe a cada um deles, dentro de
sua competência e nos limites de sua jurisdição, viabilizar um melhor
julgamento para todas as mulheres, compreendendo seu papel
2
Cf: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/SM
P/2004/16.htm. Acesso em: 19 jun. 2021.
3
PRANDO; BORGES, 2020.
233
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
234
questões que violam direitos da personalidade, decorrendo da própria
conduta criminosa a consequência danosa que enseja a reparação civil.
Dessa forma, não seria razoável a exigência de instrução
probatória específica para mensurar um dano psíquico, pois, caso assim
fosse, a consequente dilação probatória, provocaria violação do próprio
subsistema de proteção à mulher, firmado, sobretudo, em 2006 com o
artigo 1º da Lei Maria da Penha, e em 2008 com a reforma do Código de
Processo Penal, especialmente com a nova redação do art. 387, IV.
Ainda é importante evidenciar que a conduta criminal, em si,
permanece necessitando de instrução probatória, uma vez que a estrutura
do processo penal brasileiro é fundada no princípio da presunção de
inocência, em que o onus probandi pertence à acusação. Assim, não se
justifica falar em violação do devido processo legal, posto que a
imputação criminosa, da qual o dano moral decorre, foi comprovada por
uma instrução probatória exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O que há nesta questão, portanto, é o dano moral in re ipsa, ou
seja, o dano moral está implícito na violência doméstica e, por isso, não
careceria de prova específica. Além disso, o Recurso Especial trouxe
como argumento, para afastar essa necessidade de comprovação
específica, outros julgamentos do próprio Tribunal Superior em que,
mesmo sem haver comprovação de grave desprezo a pessoa humana, a
condenação a indenização por danos morais dispensa instrução
probatória específica: inscrição indevida em cadastro de devedores;
interrupção do fornecimento de água como forma de compelir
pagamento; atraso de voo e extravio de bagagem.
Outrossim, uma das finalidades de não se exigir instrução
probatória específica para a fixação do dano moral à mulher vítima de
violência doméstica também está umbilicalmente conectada com a
necessidade de o sistema jurídico buscar o afastamento da revitimização
e da possibilidade de uma violência institucional.
Portanto, tal julgamento parece solucionar um grave aspecto da
violência doméstica e familiar contra a mulher, pois favorece o ambiente para
235
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
236
doméstica. Os acórdãos da 1ª Câmara são concisos, com a média de 05
folhas por julgamento; já os acórdãos da 3ª Câmara são mais extensos,
sobretudo os que têm como relatora a referida desembargadora.
Numa perspectiva quantitativa, dos 60 acórdãos que abordavam o
crime de violência doméstica contra a mulher, apenas quatro analisaram a
questão da reparação civil por danos morais a vítima de violência doméstica
e familiar, e destes quatro apenas um manteve a indenização, porém de
maneira omissa. Dos outros 03 acórdãos, dois trouxeram como argumento
para o afastamento da reparação, o fato de não ter havido pedido expresso
do Ministério Público ou da vítima, além da ausência de instrução
probatória específica, o que impossibilitou a ampla defesa do réu. Por
último, e mais problemático, houve a decisão pelo afastamento da reparação
civil, mesmo com o reconhecimento de que houve pedido expresso do
ministério público, faltando apenas a especificação do quantum
indenizatório4, questão especificamente enfrentada no recurso especial
analisado tratando do afastamento dessa obrigatoriedade.
Certamente, é inaceitável a ausência de pedido de fixação da
reparação civil pelo Ministério Público, visto que o ordenamento jurídico
brasileiro estabelece a obrigatoriedade da atuação dessa Instituição nos
casos de violência doméstica, posto que a natureza da ação é pública
incondicionada, inclusive para casos de lesão corporal leve. Isso, pois, a Lei
Maria da Penha tem sua criação fundamentada na busca pela cessação ou,
pelo menos, a enérgica redução dessa triste realidade de violência.
Nesse sentido, considerando que “cabe à família, à sociedade e
ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício
dos direitos enunciados” na Lei Maria da Penha (art. 3º, § 2º), o
Ministério Público poderia se escusar sobre os danos sofridos pela
mulher e não solicitar a reparação civil? Não é o que se pode extrair do
4
PERNAMBUCO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado. APL: 496623-2 PE (3ª
Câmara Criminal). Relatora: Daisy Maria de Andrade Costa Pereira, 7 de março de
2018. DJPE, 28 mar. 2018.
237
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
5
ARAÚJO, Valter Shuenquener de. Prefácio. In: CONSELHO NACIONAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. Violência contra a mulher: um olhar do Ministério Público
brasileiro. Brasília: CNMP, 2018. p. 6. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/
publicacoes/11464-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 9 set. 2020.
238
Felizmente, mesmo diante dessa carência, o magistrado de primeiro grau
reconhecia a circunstância agravante, questão que também se repete de
maneira semelhante na fixação de danos morais. Dessa forma, menciona
Ela Wiecko V. Castilho (2013):
6
Tradução livre.
239
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
240
Ainda no que tange às falhas processuais, como já bem posto
anteriormente, é bastante louvável que todo julgamento tenha consigo uma
perspectiva de gênero em seu âmago para equilibrar a relação entre as partes
e resultar numa decisão de conteúdo exemplar, demonstrando à sociedade
que a violência contra mulher já não tem espaço em nossa realidade.
Entretanto, em todos os casos analisados, verificou-se a
deficiência na aplicação de tal perspectiva no âmbito do Tribunal de
Justiça de Pernambuco, principalmente no julgamento que concluiu pelo
indeferimento da concessão de indenização por danos morais mesmo
diante da comprovação da prática de violência contra a mulher, em
desacordo evidente com o precedente obrigatório firmado no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça.
Não se pode ignorar que, em alguns momentos, é possível
observar um ensaio de julgamento com perspectiva de gênero; afinal, a
Lei Maria da Penha em todo o seu texto demonstra um posicionamento
em favor da figura feminina, obviamente, diante da realidade vivida pela
mulher. Contudo, o que se observa na maioria dos julgados é uma
verdadeira “cegueira de gênero” (gender-blind), que parece ignorar o
dado fático das relações assimétricas de gênero7. Dessa forma, toda a luta
por uma igualdade entre os gêneros retorna à estaca zero quando não
vislumbrada a realidade feminina, o que culmina, consequentemente,
numa ruptura com a necessidade de mostrar ao povo como estes casos
estão sendo repudiados pelo próprio judiciário e como não existe mais
espaço para eles em nossa sociedade.
E as críticas não cessam por aí, ainda cabe salientar como os
Juizados Especiais instituídos com a vigência da Lei Maria da Penha
também implicam na irregularidade de diversos julgamentos,
principalmente quando posto em foco esse tema da indenização por
danos morais.
7
PRANDO; BORGES, 2020.
241
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
8
Lei Maria da Penha: Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser
criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o
processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher.
9
Art. 77. Compete às 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Câmaras Criminais: II - julgar: a) os recursos contra
decisões de juízes e tribunais do primeiro grau, inclusive dos Conselhos de Justiça
Militar, bem como das decisões dos juízes da infância e da juventude em processos de
apuração de ato infracional praticado por adolescente e das decisões dos juízes das varas
de violência doméstica e familiar contra a mulher quando houver matéria penal
cumulativa com matéria cível.
242
Posto isso, é inaceitável como após 14 anos de vigência da Lei
Maria da Penha as mulheres ainda não têm total garantia para seus
direitos e ainda vivem numa realidade de total insegurança,
independentemente do âmbito, seja ele social ou judicial, as agressões
diárias que sofrem são inúmeras e não parecem ter prazo certo e próximo
para se findar.
Como relatado, essa unificação das competências resulta em
evidente prejuízo para a garantia dos direitos das vítimas, pois envolve
toda a organização judiciária. Nos julgamentos, foi possível perceber um
afastamento tanto da perspectiva de gênero, a qual ficou restrita a breves
considerações sobre a valoração da palavra da vítima, quanto o
“desleixo” em relação à afetação dos danos morais, questão
essencialmente civil que foge da sensibilidade do julgador criminal.
Além da dificuldade da efetivação desses direitos, no âmbito
dos julgamentos, a situação ainda piora quando verificada a atuação do
Ministério Público, em que, assim como os julgadores, os promotores
envolvidos na causa estão vinculados ao raciocínio criminal,
desconsiderando em sua função os direitos que as vítimas têm aos danos
morais sofridos, posto que não houve, em sua maioria, a formalização do
pedido de reparação a que essas mulheres tinham direito.
E, por meio de todas essas considerações, é que se nota como a
mulher continua sendo posta nas margens da dignidade social, sofrendo
os mais diversos tipos de agressões, que até mesmo são levemente
legitimados pelos próprios magistrados e dos demais profissionais do
direito, visto que:
243
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
REFERÊNCIAS
244
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão; DENORA, Emmanuella Magro.
Lei Maria da Penha: tutela diferenciada dos direitos das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, v. 133, p. 219-255, 2017.
245
O descortinar de novos paradigmas para a advocacia de família e sucessões
246