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Enunciados do FONAJE

Escolher de 3 a 5 enunciados do FONAJE que contrariem o sistema processual


comum e fazer um trabalho crítico. Explicar por que contrariam? E se são
válidos ou não?

AUTOR: NÚMERO 27

Jaguariúna

09 de Junho de 2021
Sumário

1. INTRODUÇÃO: o que é FONAJE? Qual o objetivo? Tem


efeito vinculante?
2. ENUNCIADOS escolhidos
3. ANÁLISE CRÍTICA dos enunciados escolhidos: por que
contrariam o Sistema Processual Comum?
4. VALIDADE: os enunciados analisados são válidos ou não?
5. FONTES de pesquisa

1. INTRODUÇÃO:

Como descrito na página da Associação dos Magistrados Brasileiros


(https://www.amb.com.br/fonaje/), o FONAJE-  Fórum Nacional dos Juizados
Especiais- foi instalado no ano de 1997, sob a denominação de Fórum
Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do
Brasil. E trata-se de um encontro periódico composto apenas por magistrados
dos Juizados Especiais, que aprovam enunciados que orientam e unificam
entendimentos que deverão ser aplicados naquele sistema

Esses encontros surgiram da necessidade de se aprimorar a prestação


dos serviços judiciários nos Juizados Especiais, com base na troca de
informações e, sempre que possível, na padronização dos procedimentos
adotados em todo o território nacional. Portanto, os Enunciados do FONAJE
são usados para resolver quase todos os problemas encontrados no dia-a-dia
dos Juizados Especiais.

1.1. Objetivos:

1.Congregar Magistrados do Sistema de Juizados Especiais e suas


Turmas Recursais;

2.Uniformizar procedimentos, expedir enunciados, acompanhar, analisar e


estudar os projetos legislativos e promover o Sistema de Juizados Especiais;

3.Colaborar com os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo da União,


dos Estados e do Distrito Federal, bem como com os órgãos públicos e
entidades privadas, para o aprimoramento da prestação jurisdicional.

1.2 Mas será que os enunciados são de aplicação obrigatória?


Vinculam as decisões dos Juízes dos Juizados Especiais?
A resposta é NÃO. Os enunciados expedidos pelo FONAJE devem ser
analisados e interpretados com cautela, pois os mesmos não possuem
conteúdo vinculante, tendo, no máximo, a natureza jurídica de mera
recomendação doutrinária, uma vez que são forjados unilateralmente, sem
contraditório, com uma boa dose de parcialidade e viés um tanto
corporativista, no encontro anual dos Juízes que atuam no âmbito do
Sistema dos Juizados Especiais.

2. ENUNCIADOS ESCOLHIDOS:

 2.1 ENUNCIADO 165 – Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos


serão contados de forma contínua (XXXIX Encontro – Maceió-AL).

 2.2 ENUNCIADO 162 – Não se aplica ao Sistema dos Juizados


Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão
contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95 (XXXVIII Encontro – Belo
Horizonte-MG).

 2.3 ENUNCIADO 141 (Substitui o Enunciado 110) – A microempresa e a


empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser representadas,
inclusive em audiência, pelo empresário individual ou pelo sócio
dirigente (XXVIII Encontro – Salvador/BA).

 2.4 ENUNCIADO 37 – Em exegese ao art. 53, § 4º, da Lei 9.099/1995,


não se aplica ao processo de execução o disposto no art. 18, § 2º, da
referida lei, sendo autorizados o arresto e a citação editalícia quando
não encontrado o devedor, observados, no que couber, os arts. 653 e
654 do Código de Processo Civil (nova redação – XXI Encontro –
Vitória/ES).

 2.5 ENUNCIADO 15 – Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso


de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC. (nova
redação – XXI Encontro – Vitória/ ES).
3. ANÁLISE CRÍTICA DOS ENUNCIADOS ESCOLHIDOS:

Os enunciados são largamente utilizados na prática dos Juizados


Especiais Cíveis Estaduais em casos de lacunas – já que a Lei nº 9.099/95
trata de forma bastante breve do procedimento a ser adotado. No entanto, há
casos em que a pluralidade de enunciados sobre a mesma matéria não
possibilita o avanço na discussão do tema, tampouco atende a finalidade de
auxílio na interpretação da legislação. Vejamos a seguir:

 3.1 ENUNCIADO 165 – Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os


prazos serão contados de forma contínua (XXXIX Encontro –
Maceió-AL).

O referido enunciado FONAJE vai contra a aplicação da nova sistemática


de contagem de prazos processuais aos processos que seguem o rito da Lei nº
9.099/95. Ele tomou por base os princípios norteadores dos Juizados Especiais
Cíveis descritos pelo art. 2º da Lei nº 9.099/95, assumindo que a contagem de
prazos processuais em dias úteis prevista no art. 219 do CPC vigente dilataria
o tempo de tramitação das ações, ferindo a celeridade e, por via de
consequência, a duração razoável do processo.

Segundo o autor do artigo “A Contagem de Prazos Processuais Nos


Juizados Especiais Cíveis à Luz da Lei Nº 13.105/15”, Bruno Pinto Coratto, o
Centro de Estudos Judiciários – CEJ -, vinculado ao Conselho da Justiça
Federal – CJF – realizou a “I Jornada de Direito Processual Civil”, na qual
foram editados 107 enunciados, dentre os quais está o de número 19, segundo
o qual “o prazo em dias úteis previsto no art. 219 do CPC aplica-se também
aos procedimentos regidos pelas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e
12.153/2009”. O fundamento para a edição do enunciado nº 19 do CEJ/CJF é o
art. 1.046, § 2º do CPC que dispõe que “permanecem em vigor as disposições
especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará
supletivamente este Código”.

Seguindo a mesma linha, Coratto destaca que o Fórum Nacional dos


Juizados Especiais Federais – FONAJEF – editou o enunciado nº 175 que
dispõe o seguinte: “por falta de previsão legal específica nas leis que tratam
dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos
em dias úteis (CPC/2015, art. 219) (Aprovado no XIII FONAJEF)”. Ainda sobre
o tema, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados –
ENFAM – aprovou o enunciado nº 45 segundo o qual “a contagem dos prazos
em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados
especiais”. Além disto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC –
editou os enunciados nº 415, que reza que “os prazos processuais no sistema
dos Juizados Especiais são contados em dias úteis” e o enunciado 416, que
dispõe que “a contagem do prazo processual em dias úteis prevista no art. 219
aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública”.
Todos os enunciados que apontam para a aplicação do CPC aos Juizados
Especiais Cíveis possuem a mesma fundamentação adotada pelo CEJ/CJF.

Nessa análise, vale destacar a crítica do professor Lenio Luis Streck sobre
a pluralidade de enunciados diferentes tratando sobre o mesmo tema de
maneiras diversas: “Na verdade, com tantos ‘órgãos’ fazendo enunciados, logo
vão criar um Fórum só para dirimir conflitos de enunciados. Bingo. E haverá
“enunciados secundários” (afinal, o Direito logo será um ‘sistema de
enunciados primários e secundários’, não é?) … tipo “enuntiatum posterior
derogat enuntiatum priori” ou ‘enuntiatum specialis derogat enuntiatum
generali’”. Aliás, logo, logo algum enuncialista desvelará uma estrutura a la
Kelsen, mostrando a nova estrutura do ordenamento enunciativo e o seu
hipotético e transcendente ‘enunciado fundamental’, o Grundaussage, como
bem ironiza Eduardo Fonseca Costa. E Danilo Cruz, um piauiense intelectual
da cepa, contribui na ironia, dizendo que “se a norma hipotética fundamental
que justifique os diferentes enunciados ‘é desrespeitar o CPC’, então está
atendido o requisito de Kelsen; já em Hart, o que determina a validade do
direito é a compatibilização das regras que determinam obrigações (primárias)
com as regras secundárias; logo, obedecer aos enunciados é ‘regra primária’ e
desrespeitar o CPC é regra (norma) secundária. Como diria o ‘grande filósofo
contemporâneo’ Looney Toonies, “That’s all….”

 3.2 ENUNCIADO 162 – Não se aplica ao Sistema dos Juizados


Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa
previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95 (XXXVIII Encontro
– Belo Horizonte-MG).

Nesse Enunciado, segundo entendimento consolidado pelo FONAJE, não


se pode exigir que o juiz dos juizados especiais siga as regras do art. 489 do
CPC que tratam dos elementos essenciais da sentença, que vão desde a sua
estrutura (Relatório, Fundamentos e Dispositivo) até ao conceito de decisão
fundamentada, pois, na forma da Lei, 9099/95, o art. 38 define que a sentença
apenas mencionará os elementos de convicção do magistrado, o resumo
do que for mais importante na audiência, dispensado o relatório.

A crítica em relação a esse enunciado é que ele dá a entender, que foi


criado somente com o fim de se evitar a necessidade de exigência de relatório
nos juizados; porém, da forma que foi propositalmente editada, não indicando
apenas o caput do artigo 489 CPC e seus incisos, tal incompatibilidade se
arrasta aos demais parágrafos, principalmente ao §1º, que elenca restrições às
fundamentações, isto é, o ponto que se queria atacar.

Art. 489, CPC, § 1º: Não se considera fundamentada qualquer decisão


judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo


concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes


de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem


identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente


invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.

Esse enunciado do FONAJE, de acordo com o autor Nayron Divino Toledo


Malheiro, no artigo “A aplicação integral do art. 489, § 1º do NCPC no sistema
dos Juizados Especiais Cíveis”, estaria correto se indicasse textualmente que a
incompatibilidade estava com o caput do art. 489 do CPC, e não com o artigo
inteiro, devendo-se ser aplicado o parágrafo 1º deste dispositivo, de maneira
completar, ao sistema dos juizados, assim como restou definido pelo enunciado
309 do FPPC, que trata do mesmo assunto, mas de forma correta:

O disposto no § 1o do art. 489 do CPC é aplicável no âmbito dos Juizados


Especiais. (Grupo: Impactos do CPC nos Juizados e nos procedimentos
especiais de legislação extravagante)

A essência dessa presumida incompatibilidade, de forma geral, é afirmar


que, fundamentar conforme o art. 489 e parágrafos do CPC, é contrário ao
princípio da simplicidade, que orienta o sistema dos juizados.

 3.3 ENUNCIADO 141 (Substitui o Enunciado 110) – A microempresa


e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser
representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual
ou pelo sócio dirigente (XXVIII Encontro – Salvador/BA).

 3.4 ENUNCIADO 37 – Em exegese ao art. 53, § 4º, da Lei 9.099/1995,


não se aplica ao processo de execução o disposto no art. 18, § 2º,
da referida lei, sendo autorizados o arresto e a citação editalícia
quando não encontrado o devedor, observados, no que couber, os
arts. 653 e 654 do Código de Processo Civil (nova redação – XXI
Encontro – Vitória/ES).

Nesse caso, além da análise de cada Enunciado em separado, vale a


comparação entre eles. Já que segundo os autores do artigo “Os enunciados
do FONAJE e a insegurança jurídica na sua (não) aplicação”, Israel
Schumacker Grechak e Anna Christina Gonçalves De Poli, os dois trazem à
tona uma questão importante: a Segurança Jurídica. Isto acontece, quando um
enunciado (141) é totalmente contrário a lei e até mesmo à Constituição, e é
amplamente aplicado e, outro (37) é totalmente de acordo com a lei e é
rejeitado, não sendo aplicado. Vejamos:

O Enunciado 141 é um exemplo de como muitas vezes se pode dispor de


forma diferente da escrita legal, às vezes até mesmo contrariando a lei ou lhe
acrescentando requisitos e imposições que acabam dificultando o acesso aos
Juizados Especiais. Ao contrário do Enunciado 37, que vai de encontro à
disposição legal, mas não é aceito como interpretação correta da lei.

Um exemplo disso é a questão da representação das pessoas enquadradas


como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de
pequeno porte (que aqui poderão ser nominados como pequenos empresários)
autores nos Juizados Especiais. Não há na lei qualquer vedação de
representação da pessoa jurídica autora por preposto nas audiências e nem
que a representação deva ser feita pelos seus sócios ou pelo próprio
empresário. Isso porque seria de todo insensato obrigar o Microempreendedor
individual ou os sócios das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte a
estar em juízo sem a possibilidade de serem representados por preposto.

Ocorre que, nos termos do Enunciado 141 acima citado, essa imposição
não legal, acontece. De acordo com Grechak e De Poli, isso afasta os
empresários pequenos do Poder Judiciário. Pois, normalmente esses
empresários exercem a empresa por eles mesmos e um dia, afastado da sua
agenda, causa uma perda ainda maior. E pior, uma perda gerada não pela lei,
mas por um entendimento sem qualquer fundamento legal.
Segundo eles, o fundamento utilizado pelos Juízes está no parágrafo 4º, do
artigo 9º da Lei dos Juizados Especiais que possui a seguinte redação
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes
comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de
valor superior, a assistência é obrigatória.

(...)

§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser


representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com
poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício.

Contudo, não há na lei proibição qualquer ao autor - pessoa enquadrada


como microempreendedor individual, microempresa ou empresa de pequeno
porte – ser representado em juízo por preposto. E, se não há proibição legal,
no âmbito das relações privadas, há a permissão. Esse é o conteúdo do art. 5º,
inciso II, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão


em virtude de lei;

Verifica-se, portanto, que a interpretação feita pelo Enunciado 141 do


FONAJE, restringiu o acesso dos pequenos empresários aos Juizados
Especiais por via transversa, contrariando a Constituição da República quando
em seu art. 170, inciso IX, determina o “tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham
sua sede e administração no País”.

Já no Enunciado 37, o art. 18, § 2º, da Lei dos Juizados Especiais, veda a
citação por edital enquanto o art. 53, § 4º da mesma Lei, afirma que nos
processos de execução de título executivo extrajudicial serão obedecidas as
disposições do Código de Processo Civil, que permite a citação editalícia.
Desta forma o Enunciado 37, ao interpretar a Lei 9099/1995, entende pela
possibilidade de citação por edital nos Juizados Especiais. Sabe-se que o
processo de execução de título líquido e certo possui regras próprias como
manda a urgência de seu rito. Contudo, nem todos os juízes aplicam o
enunciado 37 do FONAJE sob o argumento de que os enunciados possuem
caráter orientador e, portanto, não vinculam o juízo. No caso, a própria lei faz a
exceção da citação por edital ao determinar que serão aplicadas as regras do
CPC nos processos de execução de título extrajudicial.

 3.5 ENUNCIADO 15 – Nos Juizados Especiais não é cabível o


recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do
CPC. (nova redação – XXI Encontro – Vitória/ ES).

O direito processual civil compreende como decisões interlocutórias aquelas


proferidas no curso do processo que não põe fim a relação jurídica em
contento. Pela dicção do Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 994
alocado na Parte Especial Livro III, as decisões interlocutórias são recorríveis
por Agravo de Instrumento nas hipóteses taxativas elencadas no artigo 1015.

Porém, não há previsão na Lei 9.099/95 para sua interposição, e, embora


existam doutrinadores que acreditem ser o recurso cabível contra decisão
interlocutória, a tendência dos Tribunais de Justiça tem sido pelo não
provimento do Agravo com exceção dos casos de decisão que não admitiu o
Recurso Especial ou o Recurso Extraordinário e se o relator negar seguimento
a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em
confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal,
do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

De acordo com José Vincenzo Procopio Filho em “Os juizados especiais:


singularidades do microssistema e sua harmonização com o CPC/2015”, a
irrecorribilidade das decisões interlocutórias é uma das pedras angulares do
rito dos Juizados Especiais e suscita divergências. A regra, de acordo com o
Enunciado 15 é que, no sistema especial, as decisões interlocutórias não são
recorríveis à parte da questão principal. O objetivo é pôr em prática a oralidade
e a concentração. Com isso, evita-se qualquer paralisação ou tumulto no
processo, priorizando-se o julgamento final.

Portanto para parte da doutrina, as decisões interlocutórias poderiam ser


atacadas pelo mandado de segurança, quando presentes os requisitos legais.
De outro lado, aloca-se a tese da irrecorribilidade absoluta das decisões
interlocutórias na seara dos Juizados. E a terceira corrente, por sua vez,
defende que o Agravo de Instrumento não pode ser afastado. Tanto que em
certos casos, em caráter excepcional, a interposição de recurso de agravo de
instrumento tem sido admitida quando a parte está sujeita a sofrer algum
gravame irreparável ou de difícil reparação em razão do ato judicial. Essa
prática visa também evitar a impetração inadequada de Mandado de
Segurança
Nos últimos anos tantos os Juizados Especiais Federais quanto os Juizados
de Fazenda Pública têm permitido a interposição de agravo de instrumento em
suas lides. Nesses Juizados utiliza-se, por exemplo, por mandamento expresso
esculpido no artigo 5º da Lei nº 10.259/01 e 4º da Lei nº 12.153/09
respectivamente, os Agravos de Instrumento para impugnar decisões atinentes
a tutelas cautelares incidentais. Desse modo, por pura analogia, as tutelas
incidentais cautelares proferidas no bojo dos Juizados Especiais Cíveis
também passam a serem atacáveis por recurso de agravo, ferindo os preceitos
norteadores do rito específico da Lei nº 9.099/95.

Vê-se, portanto, que essa questão é e ainda será motivo de muito debate.

4. VALIDADE:

 4.1 ENUNCIADO 165 – Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os


prazos serão contados de forma contínua (XXXIX Encontro –
Maceió-AL).

Considero o Enunciado 165 inválido, porque provoca insegurança


jurídica. A falta de padronização do entendimento sobre a aplicação do art.
219 do CPC aos processos submetidos à Lei nº 9.099/95 prejudica a prática
forense.

Primeiro, que a forma de contagem de prazos processuais depende do


entendimento do magistrado titular de cada uma das Varas dos Juizados
Especiais Cíveis do Estado. Isso significa que permanecem vigentes – ou
eficazes – dois modos distintos de se contar de prazos: em dias úteis e em
dias contínuos. Essa situação pode gerar um grande impacto no tempo de
tramitação dos processos dos Juizados Especiais Cíveis, já que, em regra,
tem-se utilizado Mandado de Segurança para atacar as decisões que tratam
da matéria.

Em segundo, a pluralidade de enunciados sobre a mesma matéria


mostra que é preciso definir um único entendimento, pois a diversidade
nesse caso mais prejudica do que ajuda como bem criticou o professor
Lenio Luis Streck.

E se analisarmos a questão sob a ótica dos princípios fundamentais da


Constituição Federal e do Processo Civil, parece que a melhor interpretação
do caso concreto conduz à aplicação do art. 219 do Código de Processo
Civil aos processos que tramitam pelos Juizados Especiais Cíveis. Ou
seja, o melhor é seguir a regra disponível no CPC 2015. Nesse caso, o
princípio da legalidade deve ser prestigiado em detrimento daqueles que
norteiam a aplicação da Lei nº 9.099/95.

 4.2 ENUNCIADO 162 – Não se aplica ao Sistema dos Juizados


Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa
previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95 (XXXVIII Encontro
– Belo Horizonte-MG).

Considero o Enunciado 162 inválido e concordo com a opinião do


advogado Nayron Divino Toledo Malheiros, autor do artigo “A aplicação
integral do art. 489, § 1º do NCPC no sistema dos Juizados Especiais
Cíveis.

Segundo ele, “quem milita na advocacia sabe a dificuldade que os


advogados e jurisdicionados passam pelos mandos e desmandos nos
Juizados, sendo comum o magistrado se esquivar de pontos que não
consegue rebater, omitindo-os e, depois, valendo-se da máxima de que ‘o
judiciário não é órgão consultivo’, quando questionados via Embargos de
Declaração.”

Há os que entendem que fundamentar as decisões da forma que o


CPC/2015 exige só iria atravancar mais o judiciário, pois o juiz demandaria
mais tempo para confeccionar a decisão. Porém, eu concordo que o
Judiciário não pode adotar a máxima de que é mais importante a
quantidade de sentenças proferidas em detrimento de sua qualidade.

Pois o que realmente atravanca e congestiona o sistema processual são


os recursos advindos de decisões mal fundamentas. Vale ressaltar o
ensinamento do professor Humberto Theodoro Júnior: “Não podemos mais
tolerar as simulações de fundamentação nas quais o juiz repete o texto
normativo ou a ementa do julgado que lhe pareceu adequado ou preferível,
sem justificar a escolha. Devemos patrocinar uma aplicação dinâmica e
panorâmica dessa fundamentação que gere inúmeros benefícios, desde a
diminuição das taxas de reformas recursais, passando pela maior amplitude
e profundidade dos fundamentos determinantes produzidos nos acórdãos e
chegando até mesmo a uma nova prática decisória na qual os tribunais
julguem menos vezes casos idênticos em face da consistência dos
julgamentos anteriores.”

Sendo assim, eu considero que a utilização do enunciado que afasta


completamente o art. 489 do NCPC do sistema dos Juizados é
extremamente perigosa. Como bem lembra Malheiros: “... apenas os juízes
dos juizados possuem voz na edição desses enunciados, não havendo
possibilidade colaboração, nem contraditório das partes interessadas, muito
menos a possibilidade de se questionar um possível distinguishing
(distinção) ou overrruling (superação), o que se agrava mais ainda pelo fato
de impossibilidade de questionamento das decisões dos sistema dos
Juizados que afrontam lei federal perante o STJ (exceto as hipóteses de
Reclamação).”

 4.3 ENUNCIADO 141 (Substitui o Enunciado 110) – A microempresa


e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser
representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual
ou pelo sócio dirigente (XXVIII Encontro – Salvador/BA).

Considero o enunciado 141 inválido. Pois como já foi dito


anteriormente, a interpretação desse enunciado, restringe o acesso dos
pequenos empresários aos Juizados Especiais e contraria a Constituição
Federal no art. 170, inciso IX. Portanto, além de inválido pode ser considerado
inconstitucional. Mas como é apenas um enunciado, possui apenas caráter
orientador e não vincula o juízo. Mas fica uma dúvida: quando o juízo o utiliza,
não se torna inconstitucional a obrigação lançada pelo enunciado? Nesse caso,
o pior cenário é a confirmação da decisão pela aplicação do Enunciado 141
pela Turma Recursal.

 4.4 ENUNCIADO 37 – Em exegese ao art. 53, § 4º, da Lei 9.099/1995,


não se aplica ao processo de execução o disposto no art. 18, § 2º,
da referida lei, sendo autorizados o arresto e a citação editalícia
quando não encontrado o devedor, observados, no que couber, os
arts. 653 e 654 do Código de Processo Civil (nova redação – XXI
Encontro – Vitória/ES).

Já o enunciado 37 considero válido. Mas o problema com ele é sua


pouca aplicação. Pois, como nos informa Grechaki e De Poli no artigo “Os
enunciados do FONAJE e a insegurança jurídica na sua (não) aplicação”, as
decisões de impor a aplicação do enunciado 141 e de rejeitar a aplicação do
enunciado 37 partiu de um mesmo magistrado em um mesmo Juizado
Especial, em processos diferentes. De acordo com eles, “no primeiro caso a
aplicação do enunciado fala por si, no segundo caso a negativa teve por
fundamento a não vinculação do juízo aos enunciados do FONAJE, pois estes
teriam apenas caráter orientador.”
E aí vem a questão, que eu me identifiquei bastante, “quando foi que o
criador, que deu vida à criatura (Enunciados), permite que ela viva fora dos
seus objetivos e, assim, sem propósito? Quando foi permitido aos Enunciados
do FONAJE legislar enfrentando e discordando da imposição constitucional?”

Sendo assim, se por um lado os Enunciados do FONAJE são


importantes para a rotina diária dos Juizados Especiais, e que, na sua grande
maioria, se prestam a facilitar a interpretação e aplicação da Lei 9.099/1995.
Por outro, tais Enunciados podem gerar certa insegurança jurídica. Resta a
esperança de que a atualização de tais enunciados corrijam falhas de
interpretação.

 4.5 ENUNCIADO 15 – Nos Juizados Especiais não é cabível o


recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do
CPC. (nova redação – XXI Encontro – Vitória/ ES).

Considero o enunciado 141 válido. A discussão é grande sobre o


cabimento do recurso de agravo às decisões interlocutórias. Como
destacado no estudo de José Vincenzo Procopio: “a irrecorribilidade das
decisões interlocutórias é, pois, uma das pedras angulares do rito dos
Juizados Especiais, notadamente por carregar o estigma de que a alta
recorribilidade por agravo engessa o provimento jurisdicional e atravanca,
não apenas o desfecho processual, mas colabora para o agigantamento do
descredenciamento das Pequenas Cortes.”

Portanto, considero que vai depender do caso concreto. Em alguns é


possível o recurso do Mandado de Segurança, em outros até é possível, em
caráter excepcional, a interposição de recurso de agravo de instrumento
quando a parte está sujeita a sofrer algum gravame irreparável ou de difícil
reparação em razão do ato judicial. Essa prática visa também evitar a
impetração inadequada de Mandado de Segurança.

Na minha opinião, essa questão ainda vai ser muito debatida. Segundo
um estudo realizado pelas universidades USP e UnB, por solicitação do
Conselho Nacional de Justiça, o tempo de tramitação dos processos nos
Juizados Especiais Cíveis tem sido, em média, de 200 dias. Já a o tempo
que leva para ocorrer a primeira audiência pode chegar a 168 dias,
enquanto o prazo desejável seria no máximo 60 dias.

Isso pode ser explicado de acordo com a ministra Nancy Andrighi, pelo
fato de que os magistrados estão igualando os procedimentos dos Juizados
ao formalismo da Justiça Comum, resultando em uma demora processual.
Portanto, os Enunciados do Fonaje são necessários para que à luz do CPC
alguns trâmites sejam excluídos, incluídos ou interpretados para garantir a
celeridade processual dos Juizados Especiais.

É essa característica que têm sido a causa do aumento da procura pelo


Judiciário, pois a proposta é que as pequenas causas não sejam
encaminhadas a um processo longo que não dê à parte uma perspectiva
sobre quando ela poderá ter os resultados da ação.

Porém, fica o alerta: o aumento descontrolado da competência da via


sumaríssima de resolução de conflitos pode provocar uma desvirtuação do
objetivo principal dos Juizados. Não se deve permitir que um instituto que
deveria facilitar o acesso à Justiça faça o trabalho inverso, desestimulando
as partes a buscar a satisfação processual.

5. FONTES:

 5.1 CORATTO, Bruno Pinto. "A Contagem de Prazos Processuais Nos


Juizados Especiais Cíveis à Luz da Lei Nº 13.105/15". Portal Âmbito
Jurídico, Publicado em 24/09/2019. Disponível em
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/a-
contagem-de-prazos-processuais-nos-juizados-especiais-civeis-a-luz-da-
lei-no-13-105-15/#_ftn1. Acesso em: 6 jun. 2021.

 5.2 GRECHAKI, Israel Schumacker; DE POLI, Anna Christina


Gonçalves. “Os enunciados do FONAJE e a insegurança jurídica na sua
(não) aplicação”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 25, n. 6262, 23 ago. 2020. Disponível
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 5.3 HONÓRIO, Maria do Carmo; LINHARES, Erick; BALDAN, Guilherme


Ribeiro (org.) "Os enunciados cíveis do Fonaje e seus fundamentos.",
1.ed, Porto Velho, RO: TJ/ Emeron, 2019. 92pgs. ISBN 978-85-93418-
14-3 (E-book). Disponível em:
https://emeron.tjro.jus.br/images/biblioteca/publicacoes/EbookEnunciado
sFonaje_Fev2020.pdf. Acesso em: 6 jun. 2021.

 5.4 MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. “A aplicação integral do art.


489, § 1º do NCPC no sistema dos Juizados Especiais Cíveis”. Revista
Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n.
4595, 30 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46156.
Acesso em: 6 jun. 2021.
 5.5 PROCOPIO FILHO, José Vincenzo. “Os juizados especiais:
singularidades do microssistema e sua harmonização com o
CPC/2015”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano
24, n. 5802, 21 maio 2019. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/67253. Acesso em: 6 jun. 2021.

 5.6 SALZER E SILVA, Fernando. “Juizados especiais - obrigatoriedade


de observância pelos juízes das teses firmadas pelo STJ no julgamento
de recurso especial repetitivo”. Site Migalhas. Atualizado: 30/5/2017.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/259632/juizados-
especiais---obrigatoriedade-de-observancia-pelos-juizes-das-teses-
firmadas-pelo-stj-no-julgamento-de-recurso-especial-repetitivo. Acesso
em: 6 jun. 2021.

 5.7 SEM AUTOR. "20 anos juizados especiais- análise juizados


especiais cíveis". Revista Direito Diário. Disponível em:
https://direitodiario.com.br/20-anos-juizados-especiais-analise-juizados-
especiais-civeis/. Acesso em: 6 jun. 2021.

 5.8 Site do FONAJE: http://fonaje.amb.com.br/enunciados/. Acesso


em: 6 jun. 2021.

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