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A definição da interpretação da lei pelo STJ como

requisito para a atuação do STF

A DEFINIÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DA LEI PELO STJ COMO REQUISITO


PARA A ATUAÇÃO DO STF
La definición de la interpretación de la ley por el STJ como requisito para la actuación del
STF
Revista de Processo | vol. 311/2021 | p. 167 - 187 | Jan / 2021
DTR\2020\14295

Luiz Guilherme Marinoni


Professor Titular da Universidade Federal do Paraná. Presidente da Associação Brasileira
de Direito Processual Constitucional. Vice-Presidente da International Association of
Procedural Law. guilherme@marinoni.adv.br

Área do Direito: Constitucional


Resumo: O presente texto objetiva demonstrar que o STF deve tratar do significado da
lei federal depois da formação de precedente no STJ, mediante recurso extraordinário
que lhe confere poder de controlar a constitucionalidade do sentido atribuído à lei.

Palavras-chave: Precedente – Controle de constitucionalidade


Resumen: El presente texto busca demostrar que el STF debe tratar del significado de la
ley federal luego de la formación de precedente en el STJ, mediante un recurso
extraordinario que le confiere el poder de controlar la constitucionalidad del sentido
atribuido a la ley.

Palabras claves: Precedente – Control de constitucionalidad


Para citar este artigo: MARINONI, Luiz Guilherme. A definição da interpretação da lei
pelo STJ como requisito para a atuação do STF. Revista de Processo. vol. 311. ano 46. p.
167-187. São Paulo: Ed. RT, janeiro 2021. Disponivel em: inserir link consultado. Acesso
em: DD.MM.AAAA.
Sumário:

1. Introdução - 2. A confusão acerca do significado de interpretação conforme à


Constituição - 3. O Superior Tribunal de Justiça é a Corte incumbida de definir a
interpretação da lei nos termos da Constituição - 4. A equivocada suposição de que o
recurso extraordinário é cabível contra a decisão de Tribunal que interpreta a lei em
desacordo com a Constituição - 5. Rápido aceno à relação entre a Corte de Cassação e a
Corte Constitucional italianas: a admissão do controle de constitucionalidade do diritto
vivente - 6. A instituição de precedente pressupõe amplo debate entre os Tribunais do
país sobre a interpretação da lei - 7. A admissão de recurso extraordinário contra
decisão de Tribunal que interpreta a lei é incompatível com o sistema constitucional de
distribuição de justiça - 8. A falta de percepção de que o Superior Tribunal de Justiça e o
Supremo Tribunal Federal não são Cortes de revisão - 9. O Supremo Tribunal Federal
não é uma Corte revisora das decisões do Superior Tribunal de Justiça - 10. A função do
Supremo Tribunal Federal deve se limitar ao controle da constitucionalidade da
interpretação atribuída à lei pelo Superior Tribunal de Justiça mediante precedente - 11.
A repercussão geral como critério legitimador da limitação da função do Supremo
Tribunal Federal ao controle de constitucionalidade da interpretação delineada pelo
Superior Tribunal de Justiça - 12. Conclusão

1. Introdução

Tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal, quando se


deparam com recurso em que se assegura que decisão de Tribunal, ao interpretar a lei,
violou a Constituição, têm proferido decisões de inadmissibilidade contraditórias, que
não apenas violam o direito à tutela jurisdicional, como prejudicam o desempenho das
suas próprias funções.
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

São frequentes os casos em que o Supremo Tribunal Federal se nega a analisar a


constitucionalidade de determinada interpretação conferida por Tribunal sob o
argumento de existir ofensa reflexa ou violação indireta da Constituição. Ao mesmo
tempo, o Superior Tribunal de Justiça, em hipóteses em que se alega que a mesma
questão é da sua competência, não admite o recurso especial sob o fundamento de que
a questão é constitucional e, assim, de competência do Supremo Tribunal Federal.

Lembre-se, por exemplo, dos recursos que envolveram o art. 1.790, III, do Código Civil
(LGL\2002\400), que estabeleceu regimes sucessórios distintos para cônjuges e
companheiros. Nesse caso, a diferenciação dos regimes sucessórios, realizada pelo art.
1.790, III, foi analisada em face do art. 226, § 3º, da Constituição. Antes de o Supremo
1
Tribunal Federal admitir repercussão geral no Recurso Extraordinário 878.694/MG ,
várias decisões monocráticas da Corte deixaram de admitir recurso extraordinário sob o
fundamento de que a alegação de violação do art. 226, § 3º, da Constituição, em vista
da interpretação conferida ao art. 1.790, III, do Código Civil (LGL\2002\400), era
2
indireta .

Enquanto isso, o Superior Tribunal de Justiça também deixou de admitir recursos


especiais sob o fundamento de que a análise da constitucionalidade da diferenciação dos
regimes sucessórios, estabelecida pelo art. 1.790, III, deveria ser feita pelo Supremo
Tribunal Federal. Para além disso, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça se
recusou a julgar incidente de inconstitucionalidade, instaurado diante do REsp
1.135.354/PB, sob o fundamento de que não lhe competia analisar recurso especial em
que se alegava que a interpretação do artigo do Código Civil (LGL\2002\400) era
3
contrária à Constituição .

As decisões das duas Cortes demonstram que nem uma nem outra têm claro quem deve
definir a interpretação da lei conforme à Constituição. Portanto, a identificação da Corte
incumbida dessa tarefa é indispensável para outorgar racionalidade à distribuição da
justiça, já que ao advogado, atualmente, falta critério para escolher o recurso destinado
a impugnar as decisões dos Tribunais e as duas Cortes Supremas estão situadas em
meio de decisões que não justificam coerentemente a não admissão dos recursos
especial e extraordinário.

Existe, nessa dimensão, uma zona de penumbra que recai sobre as funções do Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a exigir urgente e adequada
elaboração teórica destinada a evitar maior desgaste ao Poder Judiciário. Essa zona de
penumbra constitui o resultado da falta de percepção de que todos os juízes têm o dever
de interpretar a lei conforme à Constituição, de que a construção democrática dos
precedentes pressupõe ampla discussão e debate sobre a interpretação da lei, e de que
as funções das duas Cortes jamais poderão ser desempenhadas com racionalidade e
efetividade, em proveito do desenvolvimento do direito, da segurança jurídica e da
coerência do direito, enquanto estiverem sobrepostas.

É importante, assim, advertir para os fatores que conduziram ao fenômeno, gerando a


dificuldade no estabelecimento dos limites das fronteiras entre as funções das Cortes,
bem como demonstrar que não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir diante de uma
decisão de um único Tribunal ou de qualquer decisão do Superior Tribunal de Justiça, já
que isso pode gerar uma decisão precipitada ou não atenta às razões que podem ser
formuladas pelos diversos Tribunais do país, como também desconhecedora das razões
da própria Corte a quem cabe definir a interpretação da lei.

O presente texto objetiva evidenciar que não há razão para o Supremo Tribunal Federal
decidir sobre a constitucionalidade da interpretação de uma lei enquanto não exaurido o
debate interpretativo no Superior de Tribunal de Justiça mediante a fixação de
precedente capaz de espelhar a “norma” que deve orientar a sociedade e regular os
casos futuros. Em outras palavras, pretende-se demonstrar que, ao Supremo Tribunal
Federal, não cabe interferir sobre a interpretação da lei, ainda que nos termos da
Constituição, mas apenas controlar a constitucionalidade da interpretação delineada e
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requisito para a atuação do STF

definida pela Corte incumbida de atribuir sentido à lei federal.

2. A confusão acerca do significado de interpretação conforme à Constituição

Se método de interpretação é técnica que colabora para a atribuição de significado ao


texto, não há dúvida de que a interpretação conforme aí se situa. A interpretação
conforme é modalidade de interpretação de que a interpretação conforme à Constituição
4
é espécie . Nesse sentido, o método confere ao intérprete a possibilidade de elaborar o
significado do texto da lei a partir do significado da Constituição. Isso ocorre não só
porque a validade da lei é condicionada pela Constituição, mas também porque a lei
deve, com diferentes graus de intensidade, realizar a vontade das normas
5
constitucionais .

Sabe-se, contudo, que a “interpretação conforme” também aparece enquanto técnica


inserida no controle de constitucionalidade. Porém, a ideia que está por detrás da
interpretação conforme, nessa situação, é a de que só há razão para declarar a
inconstitucionalidade da lei quando essa não abre oportunidade para interpretação
6
constitucional . Embora se tenha dito, no início das discussões a respeito da função da
Corte constitucional italiana, que a circunstância de um dispositivo legal oferecer
oportunidade para uma única interpretação inconstitucional deveria ser suficiente para a
7 8
declaração da sua inconstitucionalidade , o entendimento que se firmou nessa Corte e
9
no senso comum da doutrina é o de que uma lei só pode ser considerada
inconstitucional quando não abre oportunidade para interpretação constitucional.

A interpretação conforme não produz norma compatível com a Constituição quando o


significado do dispositivo é inconstitucional. A interpretação conforme extrai do texto
resultado compatível com a Constituição. Assim, a interpretação conforme é útil quando,
a despeito de o dispositivo poder ser interpretado como inconstitucional, o seu texto
oferece oportunidade para uma interpretação constitucional. De outra coisa se fala
quando se tem em conta o raciocínio da Corte que passa do limite da interpretação
constitucionalmente possível para, mediante a remodelação da norma que deriva
10
diretamente do texto, explicitar (outra) norma compatível com a Constituição .

A interpretação conforme é inserida no modelo de controle de constitucionalidade das


Cortes Constitucionais exatamente porque constitui uma resposta que pode ser dada
quando, impugnada a constitucionalidade da lei, dela é possível extrair uma
interpretação constitucional. Em verdade, uma vez que a inserção da interpretação
conforme no modelo de controle de constitucionalidade permite chamá-la de decisão de
constitucionalidade, é preciso ter claro que essa técnica, mesmo nessa situação,
interpretação é . Claramente, representa interpretação que não nega o significado
(incontroverso) do dispositivo para lhe atribuir outro, compatível a Constituição.

A interpretação conforme nunca reconhece a inconstitucionalidade da lei, mas apenas a


preserva, e, se mesmo no controle de constitucionalidade pode eventualmente reprovar
uma interpretação inconstitucional, assim o faz nos termos do dispositivo legal,
11
interpretando-o .

3. O Superior Tribunal de Justiça é a Corte incumbida de definir a interpretação da lei


nos termos da Constituição

Considerando-se o dever de interpretar conforme à Constituição, poderia haver alguma


dificuldade em distinguir as funções do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal, uma vez que o primeiro, para interpretar a lei nos termos da
Constituição, obviamente também atribui significado à Constituição, enquanto que o
último, ao analisar a compatibilidade da interpretação dada à lei com a Constituição, não
apenas confere sentido à Constituição, mas também tem que interpretar a lei.

O fato de ser imprescindível, em caso de interpretação conforme, interpretar a lei e a


Constituição não é suficiente para concluir que a tarefa de definição da compatibilidade
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requisito para a atuação do STF

da lei com a Constituição é do Supremo Tribunal Federal. Para admitir que cabe a essa
Corte definir o sentido da lei em face da Constituição, seria preciso ignorar a função
constitucionalmente atribuída ao Superior Tribunal de Justiça e que interpretar a lei
também significa dimensioná-la à luz da Constituição. Interpretar a lei nos termos da
Constituição é, antes de tudo, conferir sentido à lei, já que a Constituição, ainda que
também seja compreendida e vista com determinado significado, no processo
interpretativo, se coloca como parâmetro e não como o objeto a que a atividade de
interpretação busca atribuir sentido.

A função de interpretar a lei não pode se separar da função de interpretar a lei nos
termos da Constituição. Não há como dizer que uma Corte tem poder para atribuir
sentido a um dispositivo legal, mas não tem poder para atribuir ao mesmo dispositivo
sentido conforme à Constituição. Chega a ser absurdo imaginar que o Superior Tribunal
de Justiça, ao interpretar a lei, deve parar nos critérios tradicionais de interpretação, não
podendo invocar a Constituição como parâmetro ou critério interpretativo. Com efeito,
como nenhum juiz pode deixar de ter a Constituição como parâmetro para a
interpretação, inevitavelmente cabe ao Superior Tribunal de Justiça definir a
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interpretação da lei adequada à Constituição .

4. A equivocada suposição de que o recurso extraordinário é cabível contra a decisão de


Tribunal que interpreta a lei em desacordo com a Constituição

A Constituição de 1988, ao limitar os pressupostos de admissibilidade do recurso


extraordinário, deixou um espaço aberto no tocante à impugnação de decisão com base
em alegação de interpretação da lei em desconformidade com a Constituição. A atual
Constituição simplesmente separou os dois pressupostos de admissibilidade que
constavam no art. 119, III, a, da Constituição de 1967/69 (contrariar dispositivo desta
Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal), inserindo-os no art. 102, III, a
(contrariar dispositivo desta Constituição), e no art. 105, III, a (contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência).

Diante da Constituição passada, como ao recurso extraordinário bastava alegação de


contrariedade à Constituição ou à lei, não havia motivo para pensar que a alegação de
interpretação da lei em contrariedade à Constituição não pudesse ser levada ao Supremo
Tribunal Federal via recurso extraordinário. Esse pressuposto de cabimento do
extraordinário era visto como implícito no art. 119, III, a. Como é óbvio, quando
contrariar a Constituição e contrariar a lei têm o mesmo valor para o cabimento de um
mesmo recurso que deve ser dirigido a uma única Corte, pouco importa saber se o
recurso fundado em alegação de interpretação da lei em contrariedade à Constituição
abre oportunidade para a interpretação da lei ou da Constituição. Como a decisão que
realiza interpretação da lei contra a Constituição não podia deixar de poder ser
impugnada perante a Corte Suprema, a única coisa que antes importava era demonstrar
a possibilidade da recorribilidade da decisão do Tribunal.

Entretanto, ao não se compreender o devido significado da instituição do Superior


Tribunal de Justiça e da limitação das funções do Supremo Tribunal Federal na
Constituição, estabeleceu-se uma interpretação apressada e equivocada do seu art. 102,
III, a, visto como se fosse mera reprodução da primeira parte do art. 119, III, a, da
Constituição de 1967/69. Ocorre que, depois da instituição do Superior Tribunal de
Justiça, as hipóteses que oportunizam os recursos excepcionais não podem ser pensadas
como na época em que havia apenas o Supremo Tribunal Federal.

Se essa Corte tem função completamente distinta da do Superior Tribunal de Justiça,


cabe recurso extraordinário, com base no art. 102, III, a, quando a decisão do tribunal
viola diretamente a Constituição, ou, melhor explicando, quando o tribunal, para decidir,
limita-se a interpretar a Constituição, aplicando-a e violando-a diretamente, sem a
intermediação da interpretação da lei federal.

No entanto, também cabe recurso extraordinário diante de decisão do Superior Tribunal


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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
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de Justiça que define a interpretação da lei mediante precedente ou de decisão da


mesma Corte que, invocando precedente, não admite recurso especial. Posteriormente à
formação de precedente no Superior Tribunal de Justiça, a permissão da impugnação da
interpretação obviamente não serve à continuação da sua discussão, mas se destina
apenas a verificar a sua constitucionalidade.

Nessa situação, o recurso extraordinário questiona a “norma-precedente” diante da


Constituição, tendo importância para a aferição da constitucionalidade de uma norma
que deve ser obrigatoriamente observada pelos juízes dos casos futuros. Como há uma
verdadeira “norma” que pode ter violado a Constituição, e não apenas uma mera
interpretação judicial, o recurso extraordinário é cabível com base em violação direta de
dispositivo constitucional.

É verdade que, quando a decisão recorrida fixa o precedente – e não apenas reitera a
sua aplicação –, é possível supor que a decisão também interpreta a lei. Porém, não há
como deixar de ver que, nessa hipótese, a interpretação assume outro significado, dando
conteúdo a uma ordem jurídica de maior amplitude, preenchida pela legislação e pelos
precedentes das Cortes Supremas.

Um precedente que define a interpretação da lei ou lhe atribui sentido integra uma
ordem jurídica mais ampla exatamente porque revela o “direito judicial” ou a “norma
vivente” que deve regular a vida em sociedade e guiar a solução dos casos iguais ou
similares que estão por vir. Essa norma, por ser autônoma em relação à interpretação
13
que culminou na decisão , permite que se veja de forma diferente a interpretação e a
norma, ou melhor, abre oportunidade para que a “norma-precedente” seja considerada
um algo mais em face da interpretação, ensejando recurso extraordinário com base em
14
violação direta à Constituição .

5. Rápido aceno à relação entre a Corte de Cassação e a Corte Constitucional italianas: a


admissão do controle de constitucionalidade do diritto vivente

O direito italiano admite claramente o controle de constitucionalidade da interpretação,


15
raciocinando em termos de exclusão da interpretação inconstitucional do sistema . Esse
ponto tem relevância porque a partir daí se torna possível ver que o direito definido na
Corte de Cassação – o diritto vivente – também pode ser objeto de controle de
constitucionalidade.

O diritto vivente constitui a interpretação que resulta definida na Corte de Cassação,


frequentemente em virtude da atuação das suas Sessões Unidas. É a interpretação que,
depois de debatida pelos juízes e tribunais, é consolidada na Corte cuja função é
“declarar o exato sentido da lei”. O controle da constitucionalidade do diritto vivente
evita que a Corte Constitucional tenha que controlar várias possíveis interpretações
inconstitucionais. Mais do que isso, elimina a possibilidade de a Corte Constitucional se
deparar com uma “primeira” interpretação da lei ou com uma interpretação que não é o
fruto do debate a respeito do significado do texto na academia, na advocacia, perante os
vários juízes e tribunais do país e entre as próprias pessoas. Isso lhe retiraria a
possibilidade de raciocinar de modo adequado a respeito de se a lei tem significado
efetivamente compatível com a Constituição e mesmo sobre a adequada interpretação
16
conforme .

A Corte Costituzionale, embora tenha admitido que o respeito ao diritto vivente lhe
permitiria estabelecer uma relação de colaboração com a Cassação, nem sempre se
portou da mesma maneira diante da situação. O respeito ao diritto vivente deveria
permitir à Corte apenas confrontar a interpretação definida pela Cassação com a
Constituição. Em síntese, a Corte Constitucional estaria vinculada à interpretação
delineada pela Corte de Cassação. No entanto, essa tese a princípio não foi encampada
pela Corte Constitucional, que não renunciou ao seu poder de autonomamente
interpretar a lei e a Constituição.

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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
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A doutrina italiana reconhece que a Corte Constitucional apenas deu sinal de que
estaria vinculada ao diritto vivente quando, mediante a Sentenza 129, de 1975, afirmou
que a interpretação da lei “é essencialmente tarefa do juiz em todos os níveis, tendo a
Corte Constitucional, ao contrário, a função de colocar a lei, no significado que lhe é
comumente atribuído, em confronto com as disposições da Constituição, para daí ter em
18
conta eventuais contrastes e retirar as suas consequências no plano constitucional” .
Nesse caso, a Corte, ao confessar que a função de interpretar a lei é do juiz e da
Cassação, advertiu que esta tarefa deve ser cumprida “ con l'ausilio dei comuni canoni
19
ermeneutici, e alla luce dei principi costituzionali” .

Essa última sentenza da Corte Costituzionale frisa dois pontos que devem ser
ressaltados. Ao sublinhar que o juiz e a Cassação devem interpretar a lei “à luz dos
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princípios constitucionais” , a Corte reconhece que a função de definir a interpretação
da lei nos termos da Constituição é da Cassação, e, ao dizer que a sua própria tarefa
exige a análise da lei “ no significado que lhe é comumente atribuído ” em face da
Constituição, esclarece que a sua função é controlara constitucionalidade da
interpretação outorgada à lei pela Cassação. Ao assim decidir, a Corte Constitucional
renuncia a eventual poder de interpretar a lei para se ater ao controle da
constitucionalidade da norma extraída do texto legal pela jurisprudência constante e
uniforme da Cassação.

Contudo, ao se admitir que a Corte Constitucional deve analisar se a interpretação


atribuída à lei pela Cassação é compatível com a Constituição, não há motivo para
entender que a Corte está limitada a declarar a (in)constitucionalidade. Se a função da
Corte Constitucional é analisar a constitucionalidade do diritto vivente, isso não quer
dizer que a Corte, ao raciocinar a respeito da compatibilidade da interpretação da lei –
tal como definida pela Cassação – com a Constituição, não deva poder, ao invés de
declarar a inconstitucionalidade, ditar uma interpretação da lei conforme à Constituição.
Nessa situação, a Corte Constitucional não usurpará a função de interpretação da lei,
mas estabelecendo, diante da inconstitucionalidade da interpretação delineada pela
Cassação, uma interpretação capaz de outorgar ao texto legal um sentido constitucional,
permitindo-lhe a sobrevivência. Essa interpretação, salvaguardando a lei, colabora para
a conformação da legislação ao sentido da Constituição, o que indiscutivelmente é
função da Corte Constitucional.

Aliás, nos últimos anos assistiu-se a uma relativização do vínculo da Corte Constitucional
ao diritto vivente com base na ideia de que a “interpretação conforme”, enquanto valor
substancial ancorado na supremacia hierárquica e axiológica da Constituição,
sobrepõe-se ao diritto vivente, visto como valor processual destinado à coordenação de
duas esferas de competência, ou seja, das funções da Cassação e da jurisdição
21
constitucional . Assim, admitiu-se um redimensionamento do valor – no passado
cogente – do diritto vivente, considerando-se a natureza residual da declaração de
22
inconstitucionalidade .

Em verdade, o real problema da interpretação conforme, na Corte Costituzionale, está


nos efeitos que são atribuídos à decisão que a estabelece. É que, embora o direito
italiano aceite que a decisão que acolhe a inconstitucionalidade da interpretação tem
eficácia vinculante, não se admite que a interpretação constitucional, realizada na
mesma sentenza pela Corte, possa ter essa mesma eficácia. Ao não possuir eficácia
obrigatória, a interpretação conforme, realizada contemporaneamente à declaração de
inconstitucionalidade da interpretação questionada, acaba não assumindo a devida
relevância.

No entanto, desse mal o direito brasileiro não padece, e, assim, o problema que dificulta
o exercício do controle de constitucionalidade do diritto vivente (no caso brasileiro da
interpretação firmada em precedente do Superior Tribunal de Justiça) aqui não existe.

6. A instituição de precedente pressupõe amplo debate entre os Tribunais do país sobre


a interpretação da lei
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Há algo que, no presente discurso, necessita ser enfatizado. Lamentavelmente, o


Legislador perdeu oportunidade, ao instituir o Código de Processo Civil de 2015, de
regular adequadamente os precedentes. Considerando-se as regras que foram
estabelecidas sobre o assunto, especialmente o art. 927, a única coisa que se pode dizer
é que o código perdeu boa oportunidade para ficar calado.

O art. 927, ao descrever espécies do que supõe ser precedentes obrigatórios, elenca
uma série de decisões que obviamente não têm essa natureza, chegando ao absurdo de
confundir a eficácia da decisão proferida em controle concentrado com precedente (art.
927, I, do CPC (LGL\2015\1656)) e de não considerar a possibilidade de o Superior
Tribunal de Justiça e de o Supremo Tribunal Federal firmarem precedentes em recurso
especial e recurso extraordinário que não sejam repetitivos.

O art. 927 é o resultado de uma confusão sobre o significado e o objetivo dos


precedentes. O art. 927 apenas alude a “recursos extraordinário e especial repetitivos”
(art. 927, III, do CPC (LGL\2015\1656)). Isso indica não só que se partiu da equivocada
premissa de que a função dos precedentes é atrelada aos “casos repetitivos”, mas que
essa premissa é fruto de um inexplicável descaso às doutrinas dos precedentes e de
clara ignorância da teoria do direito constitucional.

Uma pergunta é suficiente para esclarecer a situação. Decisão proferida em recurso


extraordinário, sobre questão constitucional complexa e de grande repercussão social,
não pode constituir precedente simplesmente porque o caso não é repetitivo? Do mesmo
modo, caso de grande importância para a fixação do sentido de dispositivo do Código
Civil (LGL\2002\400) não permite a formação de precedente somente porque não pode
ser julgado em sede de recurso repetitivo?

Uma decisão tomada em repercussão geral abre oportunidade para a formação de


precedente porque preenche o modo de ser do direito constitucional, atribuindo-lhe
sentido. Ora, a solução conferida pela Corte a uma questão constitucional, para que a
segurança jurídica não deixe de ser tutelada e, assim, para que a liberdade e a igualdade
possam ser protegidas, deve ser observado pelos Juízes dos casos futuros. Como é
evidente, os casos que são reconhecidos como de repercussão geral abrem oportunidade
para a formação de precedentes em razão da sua substância, ou seja, da questão
constitucional que ofertam para decisão, e não por serem repetitivos ou por terem
alguma propensão de repetição em grande escala.

Como está claro, toda a confusão deriva da falsa suposição de que o precedente serve
para facilitar a administração dos casos judiciais, como se fosse um antídoto contra a
necessidade de processamento e de julgamento dos inúmeros casos que, versando uma
mesma questão, podem se repetir, enquanto a sua verdadeira função é a de, diante da
resolução de uma questão federal infraconstitucional ou constitucional relevantes,
expressar o Direito que deve orientar a sociedade e regular os casos concretos,
favorecendo-se a segurança jurídica.

A necessidade de fazer esse esclarecimento descende do fato de que, quando o


precedente é visto como meio de evitar o processamento de múltiplos casos, por
consequência se pensa em suspender os processos pendentes e numa forma para se
decidir o mais rápido possível para se chegar numa solução que “resolva tudo”,
eliminando-se o processamento dos casos em andamento e evitando-se o surgimento de
outros. Nesse contexto, os “casos” são vistos como um óbice à administração eficaz da
justiça.

Quando o que se almeja é eliminar milhares de processos individuais e não resolver


adequadamente e com cautela uma questão relevante ou dotada de repercussão geral,
deseja-se não apenas resultados diferentes, mas são adotadas estratégias radicalmente
opostas para tanto. A ideia que se propõe a facilitar a administração de milhares de
processos exige a suspensão de todos os casos, dispensando qualquer esforço destinado
ao seu melhor esclarecimento, assim como requer uma decisão que venha o quanto
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

antes, inexistindo preocupação quanto à possibilidade dela se pautar em fatos e


argumentos que devem ser adequadamente discutidos e debatidos.

A doutrina de Vezio Crisafulli tem aqui espaço. O trabalho de Crisafulli afirmou a


importância de distinguir o “dispositivo-norma” da “norma vivente”. Enquanto o primeiro
conteria o significado originário e literal do dispositivo, identificado mediante uma
interpretação centrada sobre o dispositivo isoladamente considerado, a “norma vivente”
representaria o significado atual do dispositivo, delineado à luz da integralidade do
23
sistema normativo, em sua abstrata objetividade e na sua concreta aplicação .

A distinção entre dispositivo-norma e “norma vivente” se funda especialmente no


fenômeno da mutação do significado das normas extraíveis dos textos legais, fruto do
aperfeiçoamento da interpretação e da evolução da jurisprudência. Como a interpretação
pode se aperfeiçoar e a realidade social se modificar, o significado dos dispositivos
podem variar guardando a mesma literalidade. Como é evidente, não só o significado
que a doutrina atribui ao dispositivo quando criado pelo legislador, mas também o
significado que lhe foi conferido primitivamente pelos Juízes e Tribunais ou por uma
determinada interpretação, podem dar lugar a outro significado, mais adequado ou
24
correto .

Quando um dispositivo deve ser analisado em face de direitos fundamentais, cujos


conteúdos são mais ou menos determináveis, a prévia discussão da questão perante os
Tribunais tem importância muitas vezes insuspeita. O uso do poder de não decidir pela
25
Suprema Corte dos Estados Unidos, visto por Bickel como uma virtude passiva , ao se
concretizar na denegação do certiorari, claramente revela que muitas vezes não decidir é
um sinal de prudência à espera do amadurecimento da discussão e do debate perante as
Cortes inferiores.

Embora a preocupação de Bickel, ao apontar para a relevância do uso virtuoso do poder


de não decidir, tenha sido muito mais a discussão popular e a deliberação legislativa,
não há dúvida de que, ao se olhar para as decisões da Suprema Corte, encontra-se
sinais de expressa atenção à importância das decisões das Cortes inferiores mesmo
quando o problema tenha nítida relação com o diálogo com a população e com o
Parlamento. Lembre-se, por exemplo, das opinions das Justices O’Connor e Ginsburg em
26 27
Vacco v. Quill e Washington v. Glucksberg – os casos em que se discutiu sobre leis
dos estados de Nova Iorque e Washington que criminalizam o suicídio assistido. A
opinion da Justice O’Connor, ratificada pela Justice Ginsburg, admitiu que as
circunstâncias que envolviam a eutanásia não apenas deveriam ser esclarecidas e
discutidas pelos parlamentos estaduais, mas igualmente mais bem debatidas pelas
Cortes inferiores.

Quando é preciso buscar a melhor interpretação de uma lei em face da Constituição, a


compreensão dos fatos e das circunstâncias concretas que envolvem a questão,
mediante as decisões dos Tribunais estaduais ou regionais federais, é ainda mais
importante para que o Superior Tribunal de Justiça possa exercer a sua função,
atribuindo o devido sentido à lei ou definindo a interpretação que lhe é adequada, e para
que depois o Supremo Tribunal Federal esteja nas melhores condições para decidir.

A discussão entre os vários Tribunais, além de capacitar o Superior Tribunal de Justiça e


o Supremo Tribunal Federal a decidirem, fortalece o diálogo interno ao Poder Judiciário,
o que ao mesmo tempo traz à formação dos precedentes das duas Cortes Supremas
argumentos fáticos e jurídicos advindos de casos envolvendo diferentes posições sociais
e situados em diversas localidades do país, tornando as decisões das Cortes mais
aderentes aos valores democráticos.

7. A admissão de recurso extraordinário contra decisão de Tribunal que interpreta a lei é


incompatível com o sistema constitucional de distribuição de justiça

Para reafirmar a impropriedade de se pensar é que é possível interpor recurso


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requisito para a atuação do STF

diretamente ao Supremo Tribunal Federal contra decisão de Tribunal que interpreta a lei,
cabe ainda lembrar que o art. 105, III, c, da Constituição, estabelece o cabimento do
recurso especial quando a decisão do Tribunal dá à lei federal “interpretação divergente
da que lhe haja atribuído outro Tribunal”.

Se cabe recurso especial quando a decisão do Tribunal contrariou ou negou vigência a


tratado ou lei federal (art. 105, III, a, CRFB) e quando a decisão deu à lei federal
interpretação divergente daquela que já lhe deu outro Tribunal, a clara intenção da
norma constitucional é a de atribuir ao Superior Tribunal de Justiça a função da definição
da interpretação da lei federal.

No entanto, o problema do recurso cabível contra decisão interpretativa de lei federal


concentra-se nos artigos 102, III, a (contrariar dispositivo desta Constituição) e 105, III,
a (contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência da Constituição). Ora, o
entendimento de que a decisão que interpreta a lei, ao “contrariar dispositivo da
Constituição”, enseja recurso extraordinário, além de negar a obviedade de que a
interpretação da lei nos termos da Constituição consiste em genuína interpretação da lei,
choca-se contra a lógica do próprio sistema recursal delineado na Constituição.

Caso a decisão que interpreta a lei pudesse ser objeto de recurso extraordinário,
bastando para tanto se alegar que a decisão interpretativa da lei contrariou a
Constituição, a discussão da interpretação da lei teria dois locus simultâneos para a
discussão da interpretação da lei e para a formação de precedente a esse respeito.

O Superior Tribunal de Justiça poderia julgar a questão mediante recurso especial


fundado nas letras a e c do art. 105, III, e o Supremo Tribunal Federal poderia,
contemporaneamente, tratar da mesma questão em razão de recurso extraordinário
baseado no art. 102, III, a, da Constituição. Aceitar a possibilidade de recurso direto ao
Supremo Tribunal Federal apenas porque a decisão é impugnada sob o fundamento de
interpretação desconforme à Constituição, ao invés de colaborar para o desenvolvimento
do direito, gera a sua incoerência. Quando se admite que o recurso em que se alega
inconstitucionalidade da interpretação de Tribunal deve ser endereçado ao Supremo
Tribunal Federal, essa Corte pode realizar interpretação conforme à Constituição
paralelamente ao Superior Tribunal de Justiça.

Note-se que, mesmo que o recurso especial pudesse ser substituído pelo extraordinário
sob a equivocada alegação de que teria ocorrido contrariedade a dispositivo da
Constituição e não contrariedade à lei, o recurso especial poderia ser admitido ao se
alegar confronto entre uma interpretação X e outra nos termos da Constituição e,
sempre que julgado em qualquer hipótese de divergência jurisprudencial, poderia
resultar numa interpretação conforme à Constituição por parte do Superior Tribunal de
Justiça. Como se vê, a simultaneidade da realização da mesma função seria flagrante.

Seria até mesmo possível – como rotineiramente ocorre – ao Supremo Tribunal Federal
decidir sobre a interpretação da lei nos termos da Constituição antes ou depois de o
Superior Tribunal de Justiça ter definido a interpretação da lei federal mediante
precedente, sem discuti-lo ou sem considerar as suas razões. Isso, como é fácil
perceber, além de fazer pouco das fronteiras entre o Superior Tribunal de Justiça e as do
Supremo Tribunal Federal e da lógica do sistema constitucional recursal, permite que
uma Corte se sobreponha à outra sem qualquer racionalidade. Retenha-se o ponto: ao
se admitir recurso extraordinário contra decisão que interpreta a lei, nega-se razão de
ser para o Superior Tribunal de Justiça.

Admitir que o Supremo Tribunal Federal pode conhecer de recurso extraordinário contra
decisão interpretativa de Tribunal conspira contra a necessidade de discussão da questão
perante os vários Tribunais do país e, finalmente, na Corte incumbida pela Constituição
de atribuir sentido à lei federal. Se o Supremo Tribunal Federal pode julgar questão
constitucional em sede de repercussão geral a despeito do lugar em que foi proferida a
decisão recorrida, resta-lhe a possibilidade de julgar caso debatido num único Tribunal e
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

antes de ter sido aplicado o permissivo constitucional que abre oportunidade para
recurso especial em caso de divergência jurisprudencial, quando, como já lembrado,
mesmo que nenhuma das decisões em confronto tenha interpretado a lei à luz da
Constituição, pode o Superior Tribunal de Justiça fixar terceira interpretação, essa
conforme à Constituição. Porém, quando se entende que a decisão que interpretou a lei,
mesmo quando dita em desconformidade com a Constituição, só pode ser impugnada
mediante recurso especial, concentra-se a atividade interpretativa na Corte
constitucionalmente incumbida de definir a interpretação da lei, ou seja, no lugar
adequado.

8. A falta de percepção de que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal


Federal não são Cortes de revisão

De qualquer forma, o que alimenta a confusão, ou seja, a possibilidade de o Supremo


Tribunal Federal decidir de forma precipitada – sem que a questão tenha amadurecido
perante os Tribunais e diante do Superior Tribunal de Justiça –, assim como a
irracionalidade da sobreposição da função de uma Corte sobre a outra, é a falta de
constatação de que a Constituição não instituiu duas Cortes Supremas de revisão das
decisões dos Tribunais.

Note-se que, quando se supõe o cabimento de recurso extraordinário contra qualquer


decisão de Tribunal que interpreta a lei em desconformidade com a Constituição,
parte-se da premissa de que foram estabelecidas duas Cortes para a revisão das
decisões dos Tribunais. Uma para rever as decisões que “contrariam a lei federal” e
outra para rever as decisões que contrariam “dispositivo da Constituição”.

Ocorre que a Constituição obviamente não criou duas Cortes revisoras das decisões dos
28
Tribunais , mas duas Cortes voltadas a exercer a função de atribuir sentido e unidade
ao Direito, a qual é incondicionalmente atrelada à de instituir precedentes capazes de
29
garantir a sua autoridade .

A definição da interpretação da lei não mais se destina a permitir a correção das


30
decisões dos Tribunais, como um dia se pretendeu . Atualmente, diante da evolução da
teoria da interpretação e da transformação do civil law, se há alguma razão para definir
a interpretação da lei essa está na necessidade de se garantir a segurança jurídica e a
coerência do direito. De modo que os precedentes obrigatórios ou vinculantes nada mais
são do que uma consequência do dever de a Corte outorgar a todos um mesmo Direito.

Uma Corte de precedentes, ao contrário do que se pode imaginar, não é uma simples
opção dogmática, como se tanto uma Corte de correção (de revisão ou de cassação)
quanto uma Corte de precedentes fossem compatíveis com os valores do Estado
31
constitucional. Não há Estado de Direito sem ordem jurídica coerente . A uniformidade
das decisões judiciais, aspecto fundamental da coerência do direito, concorre para que o
Estado se apresente como garante da unidade do direito. Um Estado que produz
decisões variadas para casos que exigem o mesmo tratamento falha diante do seu
32
compromisso de garantir uma ordem jurídica única .

De outra parte, se a função do Supremo Tribunal Federal é decidir para atribuir sentido e
unidade ao direito constitucional, obviamente não lhe cabe decidir todo e qualquer
recurso em que se alega que o Direito foi contrariado. Uma questão constitucional só
deve ser reconhecida como de repercussão geral quando se apresenta madura para ser
decidida, ou seja, quando não mais existe motivo para aguardar o debate e a discussão
entre os Juízes e os Tribunais.

Como o sistema brasileiro possui Cortes de precedentes voltadas ao direito federal


infraconstitucional e ao direito constitucional, não há motivo para que a ordem dos
precedentes que atribuem sentido à lei e tutelam a Constituição não seja observada. Não
teria qualquer sentido deixar os Tribunais apresentarem suas razões caso não fosse para
o Superior Tribunal de Justiça considerá-las adequadamente ao deliberar e decidir,
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

cumprindo o seu dever de definir a interpretação da lei. Pelo mesmo motivo, não haveria
racionalidade em admitir que o Supremo Tribunal Federal pudesse decidir antes de o
Superior Tribunal de Justiça ter se desincumbindo da sua função, estabelecendo
precedente.

9. O Supremo Tribunal Federal não é uma Corte revisora das decisões do Superior
Tribunal de Justiça

Entretanto, se já parece óbvio que o Supremo Tribunal Federal não deve admitir recurso
extraordinário antes de o Superior Tribunal de Justiça ter decidido, alguma dúvida ainda
poderia pairar sobre a oportunidade de o Supremo Tribunal Federal conhecer de recurso
extraordinário contra qualquer decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Mais claramente, seria possível supor que, diante de qualquer decisão do Superior
Tribunal de Justiça, seria possível interpor recurso extraordinário sob o fundamento de
violação da Constituição. Essa seria uma conclusão baseada, ainda que
inconscientemente, na ideia de que o Supremo Tribunal Federal, ao se sobrepor ao
Superior Tribunal de Justiça, teria incorporada à sua função a de rever as decisões desse
último.

Trata-se, no entanto, de um erro ainda mais evidente do que aquele que justificaria ver
o Supremo Tribunal Federal como Corte de revisão das decisões dos Tribunais estaduais
e regionais federais. Isso porque, caso o Supremo Tribunal Federal pudesse analisar a
constitucionalidade de qualquer decisão do Superior Tribunal de Justiça, estaria
implicitamente negada a função de Corte Suprema de ambas as Cortes. Não apenas o
Superior Tribunal de Justiça seria uma Corte cujas decisões estariam sujeitas a uma
constante revisão por parte do Supremo Tribunal Federal, como esse estaria assumindo
a função de Corte de revisão das decisões do Superior Tribunal de Justiça.

Enquanto a questão está afeta ao Superior Tribunal de Justiça, ou melhor, quando a


interpretação da lei ainda não encontrou definição, não há razão para admitir recurso ao
Supremo Tribunal Federal. Apenas quando a função interpretativa do Superior Tribunal
de Justiça se exaure mediante precedente é que surge a possibilidade de investigar se a
interpretação contraria a Constituição, abrindo-se oportunidade a recurso extraordinário.

De outra forma, se estaria permitindo que o Supremo Tribunal Federal analisasse a


constitucionalidade de uma interpretação ainda não consolidada. Ao se permitir um vai e
vem de recursos e decisões no espaço atribuído às duas Cortes de precedentes, abre-se
ensejo a que o Supremo Tribunal Federal decida sobre a constitucionalidade de uma
interpretação legal que ainda não frutificou devidamente.

10. A função do Supremo Tribunal Federal deve se limitar ao controle da


constitucionalidade da interpretação atribuída à lei pelo Superior Tribunal de Justiça
mediante precedente

Enfim, é possível afirmar que a função do Supremo Tribunal Federal, diante da


controvérsia sobre a interpretação da lei, não pode ser outra do que a de controlar a
constitucionalidade da interpretação instituída em precedente do Superior Tribunal de
Justiça. A ideia de “norma-precedente”, enquanto condição para a instauração do
controle incidental de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal,
demonstra que a “interpretação minoritária” (a limitação da interpretação) de uma
disposição legislativa restringe indevidamente o campo de atuação da jurisdição
constitucional, já que não considera a norma extraída do dispositivo pela maioria dos
intérpretes e, especialmente, pela Corte incumbida pela Constituição de delineá-la.

A função do Supremo Tribunal Federal indiscutivelmente não é a de resolver casos em


que se alega a inconstitucionalidade da lei. Se fosse assim, estaria a Corte renunciando o
seu papel de desenvolver o direito constitucional para tratar dos casos concretos. Deve
caber-lhe apenas, diante de qualquer precedente que define a interpretação da lei – e
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

não somente daquele que expressamente discutiu a interpretação à luz da Constituição


–, aferir a sua legitimidade constitucional, quando poderá declarar a
(in)constitucionalidade ou, excepcionalmente, proclamar interpretação conforme
alternativa para preservar a lei.

Note-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o recurso extraordinário,


também pode atribuir à lei sentido conforme à Constituição. Isso, a princípio, quando
entender que a interpretação conferida à lei pelo Superior Tribunal de Justiça é
inconstitucional e, diante da necessidade de preservar a lei, não tem outra saída senão
atribuir uma interpretação à lei nos termos da Constituição.

Entretanto, podem surgir casos em que, ao se reconhecer a inconstitucionalidade da


interpretação, sobre mais de uma interpretação constitucional possível. Numa situação
como essa, não cabe à Corte adotar uma das interpretações possíveis para efeito de
formar precedente constitucional, embora possa afirmar uma das interpretações para
dar provimento ao recurso, tutelando a parte recorrente.

Deve ser assim porque não cabe ao Supremo Tribunal Federal definir a interpretação da
lei, mas apenas atribuir sentido à lei para preservá-la, evitando a declaração da sua
invalidade. Se a lei comporta, além da interpretação escolhida pelo Superior Tribunal de
Justiça, outras interpretações possíveis, deve a Corte se comportar de forma
minimalista, deixando de decidir (com eficácia obrigatória ou vinculante) o que não é
33
necessário ou o que não lhe cabe decidir .

De lado essa particularidade, o Supremo Tribunal Federal, sempre que se defronta com
interpretação inserta em precedente do Superior Tribunal de Justiça, está atuando para
evitar a difusão de uma norma jurídica inconstitucional. Essa é a função do Supremo
Tribunal Federal: zelar pela tutela da Constituição quando, posteriormente à discussão
entre os Juízes e Tribunais na análise dos diversos casos concretos, define-se a
interpretação da lei mediante precedente.

Nem todo recurso extraordinário contra precedente que analisa a compatibilidade da


interpretação da lei com a Constituição deve ser julgado. A ratio decidendi –
especialmente quando há unanimidade –, aliada à argumentação do recorrente e do
recorrido, pode facilmente fazer o Supremo Tribunal Federal ver que não deve perder
tempo para analisar a constitucionalidade da interpretação definida no precedente.

Nem toda questão constitucional derivada de precedente que definiu a interpretação da


lei tem repercussão geral, embora a definição da interpretação da lei federal, por si,
constitua indício de relevância e transcendência da questão. Entretanto, no caso de
precedente que expressamente definiu a interpretação da lei em face da Constituição,
exatamente porque se ultrapassou o limite da interpretação circunscrita às diretivas
interpretativas tradicionais e se considerou a Constituição, há elemento forte a incentivar
o reconhecimento da repercussão geral.

Lembre-se, ainda, de que quando a decisão interpreta a lei conforme à Constituição,


formando um nítido precedente interpretativo, o recurso extraordinário deve se fundar
em violação a dispositivo da Constituição (art. 102, III, a, da CRFB) mas, se a decisão
declara a lei inconstitucional ou corrige a norma (adstrita ao texto da lei) inconstitucional
sem a declaração da inconstitucionalidade da lei, o recurso extraordinário deve se basear
em declaração de inconstitucionalidade da lei (art. 102, III, b, da CRFB).

Ademais, a norma inserta no precedente pode ser impugnada não apenas pelo recurso
extraordinário cabível contra a decisão que o firmou, mas também, desde que
preenchidos os pressupostos para tanto, pelo recurso extraordinário que pode ser
34
interposto contra a decisão que, no Superior Tribunal de Justiça, aplica o precedente .

11. A repercussão geral como critério legitimador da limitação da função do Supremo


Tribunal Federal ao controle de constitucionalidade da interpretação delineada pelo
Superior Tribunal de Justiça
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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

A repercussão geral, instrumento de uma Corte de precedentes, tem relação de causa e


efeito com a ideia de que uma Corte constitucional só deve atuar depois de ter sido
definida a interpretação da lei pela Corte de tutela do direito infraconstitucional. A
repercussão geral existe exatamente para evitar que vários casos iguais ou sem
relevância cheguem à Corte, mostrando-se imprescindível quando se necessita de uma
Corte Suprema que tenha reais condições de trabalhar para desenvolver o direito.

Quando se está diante de decisão do Superior Tribunal de Justiça que não configura
precedente – por não haver, por exemplo, maioria sobre o fundamento que revelaria a
interpretação correta, existindo, ao contrário, decisão plural, apta a propiciar resultado
favorável a partir de dois ou mais fundamentos, nenhum deles contando com o respaldo
35
da maioria –, inexiste requisito para a configuração de repercussão geral,
precisamente a transcendência.

A transcendência da questão debatida pressupõe que, no local da Corte destinada a


discutir o sentido da lei federal, tenha havido a instituição de precedente, ou seja, a
prolação de decisão qualificada por requisitos idôneos a instituí-la como portadora da
“norma-precedente” que deve orientar a sociedade e regular os casos futuros. Diante
das decisões do Superior Tribunal de Justiça, só aquela que porta a “norma-precedente”
ou a definição da interpretação da lei tem alguma importância para o Supremo Tribunal
Federal exercer a sua função. As demais decisões lhe colocariam na condição de uma
Corte de revisão.

12. Conclusão

Não há como corroborar que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo
Tribunal Federal podem admitir recurso para cuidar da interpretação da lei conforme à
Constituição, sob pena não só de prejuízo ao debate interpretativo em torno do
significado da lei, como de sobreposição das funções das duas Cortes. Se existem duas
Cortes de precedentes, uma para a atribuição de sentido à lei e outra para a tutela da
Constituição, a Corte constitucional obviamente não pode servir para resolver os vários
recursos em que se alega a inconstitucionalidade da interpretação dos tribunais.

Se o Supremo Tribunal Federal pudesse atuar antes da definição da interpretação da lei,


conhecendo de recurso contra decisão interpretativa de Tribunal, a interpretação da lei
estaria sendo feita antes de o debate interpretativo ter frutificado e de a Corte
constitucionalmente incumbida de atribuir sentido à lei ter tido oportunidade de se
pronunciar. Sublinhe-se que a amplitude do campo de debate e de interpretação é
diretamente proporcional à adequada atuação das duas Cortes Supremas e indispensável
à legitimação democrática dos seus próprios precedentes.

Portanto, o recurso extraordinário deve ser admitido, com base no art. 102, III, a, da
Constituição, apenas quando a decisão viola diretamente dispositivo da Constituição e
diante de decisão do Superior Tribunal de Justiça que define a interpretação da lei
mediante precedente ou de decisão da mesma Corte que, invocando precedente, não
admite recurso especial. Abandona-se, desta forma, o modo operacional que por muito
tempo dificultou a individualização do cabimento dos recursos às Cortes Supremas, fruto
de uma inadequada compreensão da distribuição dos pressupostos do pretérito recurso
extraordinário entre os recursos especial e extraordinário na Constituição de 1988.

Demonstrando-se que o Supremo Tribunal Federal deve apenas controlar a


constitucionalidade do sentido atribuído à lei pelo Superior Tribunal de Justiça,
delineia-se o devido lugar de participação das Cortes Supremas no processo de
desenvolvimento do direito, preservando-se os ambientes de interpretação da lei e de
tutela à Constituição com grande perspectiva de racionalização e de eficiência do sistema
judicial.

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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

1 RE 878.694/MG, Plenário, rel. Min. Roberto Barroso, DJe 06.02.2018.

2 Veja-se, por exemplo, decisão monocrática proferida em recurso extraordinário que


enfrentou a interpretação do artigo do Código Civil: “[...] cumpre ressaltar que a suposta
ofensa ao texto constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a
sua constatac�ão reclamaria – para que se configurasse – a formulac�ão de juízo
prévio de legalidade, fundado na vulnerac�ão e infringência de dispositivos de ordem
meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da
Constituic�ão, como exigido pela jurisprudência da Corte, torna-se inviável o acesso
à via recursal extraordinária.” (STF, RE 732.887, rel. Min. Celso de Mello, DJe
06.03.2013.)

3 “Constitucional. Direito de Família e Sucessões. Incidente de Inconstitucionalidade dos


incisos III e IV do art. 1.790 do CC/2002. Não conhecimento. 1. O manifesto
descabimento do recurso especial – que busca afastar a aplicação de lei federal sob o
argumento de sua incompatibilidade com a Constituição –, contamina também o
correspondente incidente de inconstitucionalidade, que não pode ser conhecido. 2.
Incidente de inconstitucionalidade não conhecido.” (STJ, AI no REsp 1.135.354/PB, Corte
Especial, rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28.02.2013.)

4 LUCIANI. Massimo. Interpretazione conforme a Costituzione. Enciclopedia del Diritto


(bozze collazionate), p. 103 e ss.; PISTORIO, Giovanna. I “limiti” all’interpretazione
conforme: cenni su un problema aperto. Rivista dell’Associazione Italiana dei
Costituzionalisti, n. 2, p. 6 e ss., 2011.

5 SORRENTI, Giusi. L’interpretazione conforme a Costituzione. Milano: Giuffrè, 2006. p.


9 e ss; 64 e ss.

6 ROLLA, Giancarlo. Corte Costituzionale, giudici comuni e interpretazioni adeguatrici.


L’esperienza spagnola, Corte Costituzionale, giudici comuni e interpretazioni adeguatrici,
Milano: Giuffrè, 2010. p. 276.

7 Esse, por exemplo, foi o entendimento de Luigi Montesano. Segundo Montesano, a


Corte, quando nega a inconstitucionalidade, porém, ao mesmo tempo revisa a fórmula
legislativa em busca de interpretações contrárias à Constituição, não pode obrigar o
legislador a melhorar a lei, nem tampouco obrigar os juízes a se absterem dessas
interpretações, mas deve considerar-se impotente para defender a Constituição desse
perigo ou eliminá-lo de vez, declarando inconstitucional a lei equivocadamente
formulada (MONTESANO, Luigi. Norma e formula legislativa nel giudizio costituzionale.
Rivista di diritto processuale, p. 539, 1958.)

8 Na Sentenza 356/1996, a Corte Constitucional italiana declarou que as leis não são
declaradas constitucionalmente ilegítimas porque é possível dar-lhes interpretações
inconstitucionais, mas porque é impossível dar-lhes interpretações constitucionais.

9 CRISAFULLI, Vezio. Questioni in tema di interpretazione della Corte costituzionale nei


rapporti con l’interpretazione giudiziaria. Giurisprudenza Costituzionale, p. 929 e ss.;
MORELLI, Mario. Rapporti tra Corte di Cassazione e Corte Costituzionale
nell’interpretazione della norma giuridica e nell’applicazione del precetto costituzionale.
Le Corti Supreme, Milano: Giuffrè, 2001. p. 81 e ss.; SORRENTI, Giusi. La Costituzione
“sottintesa”. Corte Costituzionale, giudici comuni e interpretazioni adeguatrici, Milano:
Giuffrè, 2010. p. 3 e ss.; SORRENTI, Giusi. L’interpretazione conforme a Costituzione;
DEMMIG, Adele Anzon. La problematica convivenza della dottrina dell’interpretazione
conforme a Costituzione con la dottrina del diritto vivente. Corte Costituzionale, giudici
comuni e interpretazioni adeguatrici, Milano: Giuffrè, 2010. p. 317 e ss.

10 Isso ocorre diante das chamadas decisões manipulativas – aditivas e substitutivas –,


próprias à experiência da Corte constitucional italiana. Essas decisões alteram o
Página 14
A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

significado que, a princípio, deriva da lei, ou melhor, fazem surgir uma norma que,
considerado o dispositivo legal na sua origem, não existiria. Portanto, não podem ser
confundidas com aquelas que interpretam a lei conforme à Constituição. Eis o que diz
Zagrebelsky: “Se ha qui a che fare con un insieme di tecniche di decisione che si sonno
dette manipolative, per sottolineare che il loro scopo è la trasformazione del significato
della legge, piuttosto che la sua eliminazione o la sua mera interpretazione conforme alla
Costituzione.” (ZAGREBELSKY, Gustavo. Processo costituzionale. Enciclopedia del Diritto,
v. 36, p. 654). Ver também ROMBOLI, Roberto; ROSSI, Emanuele. Giudizio di legittimità
costituzionale delle leggi. Enciclopedia del Diritto, v. 18, p. 531.

11 MARINONI, Luiz Guilherme. A Zona de Penumbra entre o STJ e o STF. São Paulo: Ed.
RT, 2019. p. 74 e ss.; p. 80-83.

12 MARINONI, Luiz Guilherme. A Zona de Penumbra entre o STJ e o STF, cit., p. 96-117.

13 Em outra coisa se pensa quando se faz a distinção entre texto e norma. Essa
separação almeja demonstrar a distinção entre o dispositivo legal e a
interpretação-resultado, assumindo importância quando se quer esclarecer que um
dispositivo pode abrir oportunidade para várias interpretações ou normas. Assim,
Riccardo Guastini: “molte disposizioni – quase tutte le disposizioni, in verità – hanno un
contenuto di significato complesso: esprimono non già una sola norma, bensì una
molteplicità di norme congiunte. Ad un’única disposizione possono dunque corrispondere
più norme congiuntamente.” (GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano:
Giuffrè, 2011. p. 65-66.)

14 MARINONI, Luiz Guilherme. A Zona de Penumbra entre o STJ e o STF, cit., p.


117-120.

15 ASCARELLI, Tullio. Giurisprudenza costituzionale e teoria dell’interpretazione. Rivista


de diritto processuale, p. 351 e ss., 1957; CRISAFULLI, Vezio. Disposizione (e norma).
Enciclopedia del diritto, p. 207, 1964.

16 Corte Costituzionale, Sentenza 8/56.

17 MORELLI, Mario. Rapporti tra Corte di Cassazione e Corte Costituzionale


nell’interpretazione della norma giuridica e nell’applicazione del precetto costituzionale.
Le Corti Supreme, cit., p. 87-88.

18 “La questione non è fondata. I termini usati dal legislatore esprimono concetti
sufficientemente precisi per evitare erronee applicazioni. La faticosa elaborazione della
dottrina e della giurisprudenza ha già da tempo conferito a quei termini un contenuto
che può considerarsi delimitato in modo soddisfacente: inoltre, non è escluso che
l'interprete, con l'ausilio dei comuni canoni ermeneutici, e alla luce dei principi
costituzionali, riesca a dar loro contorni ancora più netti e maggiore aderenza alla
molteplice varietà dei casi che possano presentarsi nell'esperienza. Ma questo é
essenzialmente compito del giudice, a tutti i livelli; avendo invece la Corte la funzione di
porre a confronto la norma, nel significato comunemente ad essa attribuito, con le
disposizioni della Costituzione, per rilevarne eventuali contrasti e trarne le conseguenze
sul piano costituzionale.” (Corte Costituzionale, Sentenza 129/75.)

19 Corte Costituzionale, Sentenza 129/75.

20 Corte Costituzionale, Sentenza 129/75.

21 SORRENTI, Giusi. La Costituzione “sottintesa”. Corte Costituzionale, giudici comuni e


interpretazioni adeguatrici, cit., p. 44.

22 SORRENTI, Giusi. La Costituzione “sottintesa”. Corte Costituzionale, giudici comuni e


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A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

interpretazioni adeguatrici, cit., p. 44. Ver ONIDA, Valerio. Il problema


dell’interpretazione nei rapporti tra il giudizio costituzionale ed i giudizi ordinari. Riforme
della Costituzione e cultura giuridica, Pisa, p. 20 e ss., 1998.

23 CRISAFULLI, Vezio. Disposizione (e norma). Enciclopedia del diritto, cit., 1964, p.


207.

24 Ver TARELLO, Giovanni. L‘interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 61 e


ss.; GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare, cit., p. 63-64; CHIASSONI,
Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007. p. 142 e ss.

25 BICKEL, Alexander. The Least Dangerous Branch. 2. ed. New Haven: Yale University
Press, 1986. p. 113 e ss.; BICKEL, Alexander. The passive virtues, Harvard Law Review,
1961.

26 521 U.S. 793 (1997).

27 521 U.S. 702 (1997).

28 Sobre a diferença entre Corte de revisão e Corte de precedentes, ver MITIDIERO,


DANIEL. Cortes Superiores e Cortes Supremas. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2017.

29 MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law – A theory of legal reasoning. New
York: Oxford University Press, 2005. p. 176 e ss.

30 Quando se tem consciência de que a norma é produzida mediante a interpretação da


lei e que a Suprema Corte tem a função de atribuir sentido ao direito, deixa de haver
parâmetro externo (a lei) para a Suprema Corte controlar as decisões dos Tribunais
inferiores. Como o sentido do direito está nos precedentes da Corte Suprema, deixa de
existir função de controle para a afirmação da “norma contida na lei”. Não se pense que,
com a evolução da teoria da interpretação, basta substituir o critério da “norma contida
na lei” pelo da “norma-precedente” para se continuar admitindo que a função da Corte
Suprema é de correção. Há diferença entre corrigir para tutelar a lei e corrigir para
tutelar o direito delineado pela Corte Suprema. Quando se corrige para tutelar o
Legislativo, o direito não está nas decisões da Corte Suprema. Contudo, quando se
pensa em “corrigir” em razão de a decisão do Tribunal inferior ter divergido de
precedente da Corte Suprema, a situação é obviamente outra. Nesse caso, o Tribunal
estadual ou regional nega o direito que a Corte Suprema delineou em virtude da sua
única e verdadeira função.

31 MARINONI, Luiz Guilherme. El precedente interpretativo como respuesta a la


transformación del civil law. In: Debatiendo con Taruffo, Madrid: Marcial Pons, 2016. p.
133/156.

32 “Legal coherence, together with uniformity of decision, is indeed an everywhere


acknowledged value served by respect for the force of argument from precedent, and
one which it is the particular function of courts in their interpretative role to achieve. The
value of uniformity can be deemed a technical-legal desideratum, just as coherence may
be considered an aspect of elegantia juris; but both also go to overall integrity of the
state as guarantor of a single legal system.” (BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, Neil;
MORAWSKI, Lech; RUIZ MIGUEL, Alfonso. Rationales for precedent. Interpreting
precedents: a comparative study. London: Dartmouth, 1997. p. 487.)

33 SUNSTEIN, Cass. One case at a Time: Judicial Minimalism on the Supreme Court.
Cambridge: Harvard University Press, 1999; SUNSTEIN, Cass. Incompletely Theorized
Agreements in Constitutional Law. John M. Olin Law & Economics, Working Paper, n.
322, University of Chicago, 2007; SUNSTEIN, Cass. Foreword: Leaving Things
Undecided. Harvard Law Review, v. 110, p. 96 e ss., 1996; SUNSTEIN, Cass. Problems
Página 16
A definição da interpretação da lei pelo STJ como
requisito para a atuação do STF

with Minimalism. Stanford Law Review, v. 58, p. 1899 e ss., 2006; SUNSTEIN, Cass.
Beyond Judicial Minimalism. Tulsa Law Review, v. 43, p. 825 e ss., 2008.

34 MARINONI, Luiz Guilherme. A Zona de Penumbra entre o STJ e o STF, cit., p.


101-116; p. 166-174.

35 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 2. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2017. p. 48 e ss.

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