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Superior

Tribunal de Justiça

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ESPECIAL

07/06/2020 06:55

O foro por prerrogativa de função e as restrições à sua


aplicação no STJ
​Longe de representar um privilégio pessoal, como muitos supõem, o foro especial por
prerrogativa de função é destinado a assegurar a independência e o livre exercício de
determinados cargos e funções. Significa que o titular desses cargos se submete a
investigação, processo e julgamento por órgão judicial previamente designado, que
não é o mesmo para as pessoas em geral.

Segundo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, as


origens do foro por prerrogativa de função – também chamado de foro privilegiado –
remontam ao fim do Império Romano, período no qual a Igreja Católica, influenciando
as regras do processo criminal, incentivou a criação de foro especial para o
julgamento de determinadas pessoas, como senadores e eclesiásticos.

Ele explicou que, no Brasil, o foro por prerrogativa de função está presente no
ordenamento jurídico desde a Constituição do Império, de 1824, segundo a qual
competia ao então denominado Supremo Tribunal de Justiça o julgamento dos "seus
ministros, os das relações, os empregados no corpo diplomático e os presidentes das
províncias".

Com o passar do tempo e a evolução das constituições, as hipóteses de foro especial


foram sendo alargadas gradativamente até atingir a conformação atual prevista na
Constituição Federal de 1988, que abarca o presidente da República, parlamentares,
magistrados e muitos outros.

A Constituição estabelece no artigo 105, I, "a", as autoridades que serão julgadas


pelo STJ: nos crimes comuns, os governadores dos estados e do Distrito Federal;
nestes e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais de Justiça, Tribunais
Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, Tribunais e Conselhos
de Contas estaduais, municipais e do DF, além dos membros do Ministério Público da
União que oficiem perante tribunais.

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Em maio de 2018, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em questão de
ordem na Ação Penal 937, restringiu o foro por prerrogativa de função às hipóteses
de crimes praticados no exercício da função ou em razão dela.

O STF estabeleceu ainda que, após o fim da instrução processual, com a publicação
do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para
processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público
vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

Com base nesse entendimento, em junho de 2018, a Corte Especial do STJ decidiu,
na questão de ordem na APn 857, que o foro no caso de governadores e conselheiros
de tribunais de contas ficaria restrito a fatos ocorridos durante o exercício do cargo e
em razão deste.

O autor do voto que prevaleceu no julgamento da questão de ordem, ministro João


Otávio de Noronha, afirmou que o STJ pode interpretar o artigo 105, I, "a", da
Constituição Federal para delimitar sua própria competência originária.

Segundo ele, o texto constitucional não estabelece que o processamento e o


julgamento previstos naquele dispositivo se referem aos crimes praticados em razão
do cargo ou no exercício do mandato. "O texto é aberto, razão pela qual cabe ao
intérprete, agora diante da nova realidade do Brasil – de congestionamento absurdo
das cortes superiores –, reler o artigo e verificar o que se deve julgar nas cortes
superiores, considerando a evolução do pensamento jurídico do país."

Para ele, a existência do foro por prerrogativa de função é uma exceção ao princípio
republicano. "Foi originalmente pensado para assegurar a independência de órgãos,
ou seja, para garantir o livre exercício de cargos constitucionalmente relevantes.
Portanto, trata-se de uma diferença que encontra suporte na função exercida no
âmbito administrativo ou político", disse.

No entanto, de acordo com o ministro, a evolução do pensamento social diante de


situações que não havia no passado – e que, inclusive, afetam o funcionamento da
Justiça – exige que se adote uma interpretação restritiva das normas constitucionais
sobre foro por prerrogativa de função.

Contemporane​​idade

Essa orientação levou a Corte Especial, em maio de 2019, a acolher questão de


ordem para determinar que uma ação penal (APn 874) contra governador fosse
encaminhada para a primeira instância.

O acusado foi governador por dois mandatos e exerceu posteriormente o cargo de


senador, sendo
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Para a ministra Nancy Andrighi, relatora da ação no STJ, "a manutenção do foro após
um hiato de posse de cargo no Legislativo federal e mais um mandato no Executivo
estadual configuraria um privilégio pessoal, não albergado pela garantia
constitucional".

A relatora observou que não se verifica, entre a conduta imputada e o exercício do


cargo, a contemporaneidade necessária para justificar o foro por prerrogativa de
função perante o STJ.

A questão de ordem foi suscitada para verificar se a competência originária do STJ


pode ser estendida a supostos crimes praticados por governadores em mandatos
anteriores já findos, nos casos em que a pessoa acusada volta a ocupar a função
pública protegida pela prerrogativa de foro.

A ministra explicou que o foro especial exige contemporaneidade e pertinência


temática entre os fatos em apuração e o exercício da função pública. Ela lembrou que
o término do mandato acarreta, por si só, "a cessação do foro por prerrogativa de
função em relação ao ato praticado nesse intervalo".

Resguardar a imparcialid​​ade

No entanto, em algumas situações, ainda que o crime imputado não tenha relação
com a atividade do cargo, não se aplica a restrição ao foro. Em questão de ordem na
APn 878, a Corte Especial estabeleceu que crimes comuns e de responsabilidade
cometidos por desembargadores – mesmo que não tenham sido praticados em razão
do cargo – poderão ser julgados pelo STJ.

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Por maioria, o colegiado seguiu o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, para
quem o foro especial tem por finalidade também resguardar a imparcialidade
necessária ao julgamento, uma vez que evita o conflito de interesses entre
magistrados vinculados ao mesmo tribunal.

Dessa forma, a prerrogativa de foro estabelecida no inciso I do artigo 105 da


Constituição Federal será mantida sempre que um desembargador acusado da prática
de crime sem relação com o cargo tivesse de ser julgado por juiz de primeiro grau
vinculado ao mesmo tribunal que ele, pois a prerrogativa de foro visa, também,
proteger a independência no exercício da função judicante.

O caso tratou de denúncia oferecida contra um desembargador do Tribunal de Justiça


do Paraná (TJPR), acusado de lesão corporal. Como o crime não tem relação com o
desempenho das funções de desembargador, o Ministério Público Federal pediu o
deslocamento da ação para a primeira instância.

A Corte Especial entendeu que o precedente do STF não se aplica a todos os casos –
apenas àqueles em que o juiz (julgador) e o desembargador (julgado) não estejam
vinculados ao mesmo tribunal.

De acordo com Benedito Gonçalves, se o acusado e o julgador são membros da


magistratura, a prerrogativa de foro não se justifica apenas para que o acusado possa
exercer suas atividades funcionais de forma livre e independente, "pois é preciso
também que o julgador
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Por isso, segundo o relator, ao prever foro especial para desembargadores no STJ, o
constituinte originário queria "resguardar a própria prestação jurisdicional criminal de
questionamentos que, em tese, poderiam ser feitos em razão da prolação de decisões
por juiz que poderá eventualmente, no futuro, ter interesse em decisões
administrativas que dependerão de deliberação da qual venha a participar o
desembargador acusado".

Independência na inv​​estigação

Em março de 2020, a Quinta Turma decidiu que o foro privilegiado não impõe
condições à atuação do Ministério Público ou da polícia na atividade de investigação.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao RHC 104.471, no qual um


prefeito pedia o trancamento de ação penal contra ele, ao argumento de que haveria
ilegalidade na investigação que se desenvolveu sem a supervisão judicial por parte do
Tribunal de Justiça do estado, não respeitando, assim, a sua prerrogativa de função.

O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, explicou que, "nas hipóteses de
haver previsão de foro por prerrogativa de função, pretende-se apenas que a
autoridade, em razão da importância da função que exerce, seja processada e julgada
perante foro mais restrito, formado por julgadores mais experientes, evitando-se
persecuções penais infundadas".

O ministro lembrou que o STF e o STJ já se pronunciaram no sentido de que a


prerrogativa de foro é critério relativo à determinação da competência jurisdicional
originária do tribunal respectivo, quando do oferecimento da denúncia ou,
eventualmente, antes dela, caso haja necessidade de diligência sujeita à autorização
judicial, mas não há razão jurídica para condicionar a investigação à prévia
autorização judicial.

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Força atrati​​va

Quando o processo penal envolve acusados com e sem foro por prerrogativa de
função, o seu desmembramento deve ser pautado por critérios de conveniência e
oportunidade, estabelecidos pelo juízo da causa – no caso, o de maior graduação –,
não se tratando de direito subjetivo do investigado.

A Quinta Turma, no julgamento do HC 347.944, negou o pedido de um ex-deputado


estadual para que fosse reconhecida a incompetência do tribunal estadual para julgá-
lo, uma vez que, no decorrer do processo, deixou de ocupar o cargo, não possuindo
mais o foro por prerrogativa de função.

O mesmo pedido já havia sido negado pelo tribunal estadual ao fundamento de que
um corréu ainda detinha a prerrogativa de foro, pois foi reeleito deputado estadual.
Diante da praticidade para a instrução probatória, foi mantida a competência do
Tribunal de Justiça para julgar o processo, sem desmembramento.

O relator do habeas corpus no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou


que a conexão/continência é a regra estabelecida na legislação processual (artigo 79
do Código de Processo Penal) "e tem por escopo garantir o julgamento conjunto dos
fatos e também dos corréus que respondem pelo mesmo crime, permitindo ao juiz
uma visão completa do quadro probatório e uma prestação jurisdicional uniforme".

Desse modo – ressaltou


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O ministro ressaltou que o STF já se posicionou no sentido de que o
desmembramento das investigações e o levantamento de sigilo competem, com
exclusividade, ao tribunal competente para julgar a autoridade com prerrogativa de
foro.

"Em suma, a separação dos processos constitui faculdade do juízo processante e tem
em vista a conveniência da instrução criminal", disse.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

APn 857
APn 874
APn 878
RHC 104471
HC 347944

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