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Se a pessoa com foro por prerrogativa de função pratica o crime durante o exercício do cargo e,
antes de ser julgada por esse fato, deixa esse cargo, quem será competente para julgá-la?
Persiste a competência especial por prerrogativa de função ou, com o fim do exercício do cargo,
deverá ser julgada em primeira instância?
O STF entendia que, cometido o crime durante o exercício funcional, mesmo que cessasse o
exercício da função, subsistiria o foro privativo.
Ex: Senador praticou o crime enquanto estava no cargo. Seu foro privativo é o STF. Antes de ser
julgado, acabou seu mandato. Mesmo deixando de ser Senador, continuava sendo julgado pelo
STF.
O STF editou uma súmula afirmando isso:
Súmula 394-STF (de 03/04/1964): Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a
competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício.
O STF, em 25/08/1999, ao julgar o Inq 687 QO, mudou seu entendimento e decidiu que a CF/88
somente garante foro por prerrogativa de função às pessoas que, no momento do julgamento,
estejam no exercício do cargo.
Ex: Senador praticou o crime enquanto estava no cargo. Seu foro privativo é o STF. Antes de ser
julgado, acabou seu mandato. Como deixou de ser Senador, não poderá mais ser julgado pelo
STF, devendo seu processo ser apreciado em 1ª instância, como qualquer outra pessoa.
Com isso, a Súmula 394 foi cancelada.
(...) A tese consubstanciada nessa Súmula não se refletiu na Constituição de 1988, ao menos às
expressas, pois, no art. 102, I, “b”, estabeleceu competência originária do Supremo Tribunal
Federal, para processar e julgar “os membros do Congresso Nacional”, nos crimes comuns. (...)
Em outras palavras, a Constituição não é explícita em atribuir tal prerrogativa de foro às
autoridades e mandatários, que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do
mandato.
STF. Plenário. Inq 687 QO, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 25/08/1999.
3º MOMENTO (DEZ/2002 - SET/2005):
Em 24/12/2002, foi editada a Lei nº 10.628, que tinha como objetivo “ressuscitar” o
entendimento exposto na Súmula 394 do STF.
Essa Lei nº 10.628/2002 alterou a redação do art. 84 do CPP, acrescentando os §§ 1º e 2º com a
seguinte redação:
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns
e de responsabilidade.
§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos
do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a
cessação do exercício da função pública.
§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta
perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade
na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto
no § 1º.
Foi proposta a ADI 2797 contra a Lei nº 10.628/2002 e o STF julgou inconstitucionais os §§ 1º e
2º do art. 84 do CPP, decisão proferida em 15/09/2005.
O Supremo entendeu que a lei ordinária não pode pretender impor, como seu objeto imediato,
uma interpretação da Constituição.
Ademais, essa interpretação dada pela Lei nº 10.628/2002 contraria o que o STF já havia decidido
ao cancelar a Súmula 394. Se fosse admitido que a lei ordinária pudesse inverter a leitura da CF
feita pelo STF seria o mesmo que dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita
ao referendo do legislador (ADI 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em
15/09/2005)
Em outras palavras, quem faz a interpretação da CF/88 é o STF e este já havia decidido que o
Texto Constitucional não admite foro por prerrogativa de função após cessar o cargo.
Não pode o legislador ordinário contrariar essa interpretação dada pelo STF e também não pode a
lei ordinária prever outras hipóteses de foro por prerrogativa de função que não tenham sido
trazidas pela CF.
Ficou decidido o seguinte:
• Crime cometido antes do exercício funcional: tão logo o agente assuma o cargo ou o
Parlamentar seja diplomado, o inquérito ou processo deverá ser remetido ao Tribunal competente.
Caso deixe o cargo sem que o processo tenha sido julgado, este será remetido para a primeira
instância.
• Crime cometido durante o exercício funcional: o agente terá direito ao foro por prerrogativa de
função durante o período em que estiver no exercício do cargo. Caso deixe o cargo sem que o
processo tenha sido julgado, este será remetido para a primeira instância.
O crime de corrupção passiva praticado por Senador da República, se não estiver relacionado com
as suas funções, deve ser julgado em 1ª instância (e não pelo STF). Não há foro por prerrogativa
de função neste caso.
STF. 1ª Turma. Inq 4624 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955).
O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para outras
hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os Deputados Federais e Senadores?
Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no
julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018.
O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos
Tribunais de Contas estaduais:
O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas
dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.
Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos
Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o
exercício do cargo e em razão deste.
STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em
20/06/2018.
Exceção: Desembargadores
A decisão que restringe o foro por prerrogativa de função não se aplica para
desembargadores
Mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções,
ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por
um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador.
É uma espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o foro por prerrogativa de
função.
O STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um
Desembargador (autoridade que, sob o aspecto administrativo, está em uma posição
hierarquicamente superior ao juiz).
A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e
independência) do órgão julgador.
STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018
(Info 639).
Foro por prerrogativa de função e candidato eleito novamente para o mesmo cargo após
passar 4 anos “fora”
Prefeito cometeu o crime durante o exercício do mandato e o delito está relacionado com as suas
funções: a competência para julgá-lo será, em regra, do Tribunal de Justiça.
Se esse Prefeito, antes de o processo terminar, for reeleito para um segundo mandato
(consecutivo e ininterrupto), neste caso, o Tribunal de Justiça continuará sendo competente para
julgá-lo.
Por outro lado, se o agente deixar o cargo de Prefeito e, quatro anos mais tarde, for eleito
novamente Prefeito do mesmo Município, nesta situação a competência para julgar o crime será
do juízo de 1ª instância. A prorrogação do foro por prerrogativa de função só ocorre se houve
reeleição, não se aplicando em caso de eleição para um novo mandato após o agente ter ficado
sem ocupar função pública.
Ex: em 2011, Pedro, Prefeito, em seu primeiro mandato, cometeu o crime de corrupção passiva.
Pedro foi denunciado e passou a responder um processo penal no TJ. Em 2012, Pedro disputou a
campanha eleitoral buscando a reeleição. Contudo, ele perdeu. Com isso, Pedro ficou sem
mandato eletivo. Vale esclarecer que o processo continuou tramitando normalmente no TJ. Em
2016, Pedro concorreu novamente ao cargo de Prefeito do mesmo Município, tendo sido eleito.
Em 01/01/2017, João assumiu como Prefeito por força dessa nova eleição. O processo de Pedro
não será julgado pelo TJ, mas sim pelo juízo de 1ª instância.
STF. 1ª Turma. RE 1185838/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/5/2019 (Info 940).
A jurisprudência, contudo, afirma que nem sempre os atos decisórios serão anulados.
Para o STF e o STJ, os atos decisórios que haviam sido proferidos pelo juízo incompetente podem
ser posteriormente ratificados (validados) pelo juízo competente, quando este receber os autos.
Veja alguns julgados nesse sentido:
Conforme posicionamento hodierno sobre a matéria, este Supremo Tribunal Federal, nos casos de
incompetência absoluta do juízo, admite a ratificação de atos decisórios pelo juízo competente.
STF. 1ª Turma. HC 123465, Rel. Rosa Weber, julgado em 25/11/2014.
Constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao Juízo competente, que
pode ratificar ou não os atos já praticados. Por outro lado, a ratificação dos atos praticados pelo
Juízo incompetente pode ser implícita, ou seja, por meio da prática de atos que impliquem a
conclusão de que o Magistrado validou os referidos atos.
STJ. 5ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1414960/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 20/09/2016.
Esta Corte tem entendimento assente de que, nos casos de incompetência absoluta, há a
possibilidade de ratificação dos atos decisórios pelo Juízo competente.
STJ. 5ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1853262/AC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
13/04/2020.