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Já Nelson Nery Junior sustenta que o princípio do duplo grau de jurisdição é

“garantia fundamental de boa justiça”123


.
É preciso destacar, contudo, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (22-
11-1969), ratificada pelo Brasil (Decreto n. 678, de 6-11-1992), assegura, no art. 8º
(Garantias Judiciais), § 10, a toda pessoa o “direito de recorrer da sentença para juiz ou
tribunal superior”.

Assim, podemos dizer que duplo grau de jurisdição é um direito humano conferido a
toda pessoa de interpor recurso das decisões judiciais para um juiz ou um tribunal
superior. Ademais, em nosso sistema, é também um direito fundamental, já que
recepcionado pelos §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/88. Embora humano e fundamental, o
direito de recorrer não é absoluto.
O STF (HC n. 88.420/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe-032, divulg. 6-6-
2007, publ. 8-6-2007) já deixou assentado que o “acesso à instância recursal superior
consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e
garantias fundamentais (...) Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao
duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de
Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à
promulgação do Código de Processo Penal (...) A incorporação posterior ao
ordenamento brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de
modificar a legislação ordinária que lhe é anterior”.
.
Vale registrar, ainda, que a Súmula 303 do TST também mitiga o princípio do
duplo grau de jurisdição ao desobrigar a remessa necessária ex officio nas
sentenças desfavoráveis às pessoas jurídicas de direito público “quando a
condenação não ultrapassar o valor correspondente a: a) 1.000 (mil) salários
mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
b) 500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as
respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que
constituam capitais dos Estados; c) 100 (cem) salários mínimos para todos os
demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.
6.2. Princípio da irrecorribilidade imediata das decisões
interlocutórias
O princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias é
também chamado de princípio da concentração. De forma diversa do que ocorre
com o processo civil, cujas decisões interlocutórias proferidas no curso do
processo podem ser impugnadas por agravo de instrumento, o direito processual
do trabalho não admite recurso específico contra tais espécies de atos judiciais,
salvo situações muito específicas que serão adiante analisadas.
É dizer, a regra geral reside na irrecorribilidade imediata, por intermédio de
recurso próprio, contra as decisões interlocutórias, como se infere do disposto no
§ 1º do art. 893 da CLT, in verbis:
Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a
apreciação
do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.
Interpretando o preceptivo em causa, o Tribunal Superior do Trabalho editou o
antigo Enunciado n. 214, com redação dada pela Resolução TST n. 121/2003, in
verbis:
Decisão interlocutória. Irrecorribilidade – Nova redação. Na Justiça do Trabalho, as
decisões
interlocutórias somente ensejam recurso imediato quando suscetíveis de impugnação
mediante
recurso para o mesmo Tribunal ou na hipótese de acolhimento de exceção de
incompetência, com a
remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo
excepcionado,
consoante disposto no art. 799, § 2º, da CLT.
Segundo esse entendimento, a decisão interlocutória, no processo do trabalho,
somente empolgaria a interposição imediata de recurso se: a) permitisse recurso
para o mesmo Tribunal, como o agravo regimental da decisão do Juiz Relator
que defere ou indefere liminar; b) acolhesse exceção de incompetência em razão
do lugar (relativa) e remetesse os autos para Tribunal distinto daquele a que se
vincula o juiz prolator da decisão.
Todavia, por força da Resolução TST n. 127/2005, publicada no DJU de 16 de
março de 2005, o Enunciado n. 214 foi convertido na Súmula 214, que criou
mais uma hipótese de cabimento de recurso contra decisões interlocutórias, nos
seguintes termos:
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE – Nova redação. Na Justiça
do Trabalho,
nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso
imediato, salvo
nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou
Orientação
Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação
mediante recurso
para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a
remessa dos autos
para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado,
consoante o disposto
no art. 799, § 2º, da CLT.
Andou bem o TST ao permitir a interposição imediata de recurso de decisões
dos TRTs contrárias às Súmulas ou Orientações Jurisprudenciais. Trata-se de
homenagem aos princípios da economia e celeridade processuais, pois evita que
o processo retorne à Vara do Trabalho quando a decisão atacada (do TRT) esteja
em desconformidade com o entendimento sumulado, reiterado e atual do TST.
Nesse sentido, colhemos um julgado esclarecedor sobre a aplicabilidade da
referida Súmula:
RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA
PELA
RECLAMANTE EM CONTRARRAZÕES. DECISÃO REGIONAL QUE AFASTA A
PRESCRIÇÃO TOTAL E DETERMINA O RETORNO DOS AUTOS À VARA DO
TRABALHO.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECORRIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA
EXCEÇÃO CONTIDA
NA ALÍNEA “A” DA SÚMULA N. 214 DO TST. Consoante entendimento da alínea
“a” da Súmula
214 desta Corte, quando a decisão de Tribunal Regional do Trabalho contraria Súmula
ou Orientação
Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho, é suscetível a interposição imediata
do recurso de
revista, constituindo em uma das hipóteses de exceção à irrecorribilidade imediata das
decisões
interlocutórias. No caso dos autos, embora o Regional tenha afastado a prescrição total e
determinado
o retorno dos autos à origem, o reclamado, nas razões do recurso de revista, sustenta a
existência de
contrariedade à Súmula 294 do TST, pretendendo que seja declarada a prescrição total
do pleito
relativo às diferenças decorrentes da supressão dos anuênios e da diminuição dos
percentuais de
promoção, sob a alegação de que tais parcelas não estão asseguradas por preceito de lei.
Preliminar
rejeitada (...) (TST-RR 123200-82.2004.5.04.0029, j. 1º-12-2010, Rel. Min. Augusto
César Leite de
Carvalho, 6ª T., DEJT 10-12-2010).
Por outro lado, pensamos, data venia, que a Súmula 214 do TST, embora
pareça exaurir o tema, na verdade descuidou de mencionar outras decisões
interlocutórias suscetíveis de interposição imediata de recurso.
Basta lembrar a decisão interlocutória que acolhe preliminar de incompetência
(absoluta) em razão da matéria ou da pessoa. Nesse caso, trata-se de “decisão
interlocutória terminativa do feito”, pois o processo (ou melhor, os autos) é
remetido para outro ramo do Poder Judiciário. A redação primitiva da Súmula
214 encampava corretamente tal entendimento, o qual não foi mais previsto na
nova redação do referido verbete.
De nossa parte, pensamos que o art. 799, § 2º, da CLT, a despeito da nova
redação da Súmula 214, do TST, continua permitindo a interposição imediata de
recurso contra a decisão interlocutória terminativa do feito. Ora, por
interpretação lógica, se é admitido o recurso contra decisão interlocutória que
acolhe exceção de incompetência em razão do lugar e o processo continua
“dentro” da Justiça do Trabalho, com muito mais razão deve ser admitido o
recurso contra decisão que acolhe preliminar, ou declara, de ofício, a
incompetência em razão da matéria ou da pessoa e o processo é remetido para
“fora” da Justiça Especializada.
Outra exceção ao princípio da irrecorribilidade imediata não prevista na nova
redação da Súmula 214 é aquela contida nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei n. 5.584,
de 26 de junho de 1970, ou seja, quando o juiz mantiver o valor da causa fixado
para fins de alçada, poderá a parte formular pedido de revisão126
que será julgado
pelo Presidente do Tribunal ao qual está vinculado o juiz prolator da decisão.
Ademais, não se pode esquecer da possibilidade de interposição imediata do
agravo de instrumento contra decisão (denominada impropriamente “despacho”
no art. 897, b, da CLT) que denega seguimento a recurso. Trata-se, pois, de outra
exceção ao princípio ora focalizado.
Em linha de princípio, portanto, somente na interposição de recurso contra a
decisão final (efeito diferido do recurso ordinário), poderá o recorrente suscitar,
como matéria preliminar de suas razões recursais, todas as decisões
interlocutórias proferidas no curso do processo, desde que tenha manifestado o
seu inconformismo (o conhecido “protesto nos autos”) nos termos do art. 795, in
fine, da CLT, sob pena de preclusão.
Dada a importância dos princípios norteadores das nulidades processuais e sua
relação com o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões
interlocutórias, convém tecermos sobre eles algumas considerações.
6.2.1. Princípio da instrumentalidade das formas
As formas assumem caráter meramente instrumental, não passando de meios
para a consecução dos fins; quando estes são atingidos, não se deve, como regra
geral, o recurso ser manejado com o objetivo de declarar nulidade de ato
processual que tenha atingido os fins do processo, que é o de realizar o direito
material das partes.
Sobre o princípio da instrumentalidade, remetemos o leitor ao Capítulo IX,
item 3.1.
6.2.2. Princípio da preclusão
Trata-se de princípio que pode ser encontrado tanto no CPC (arts. 188 e 278)
quanto na CLT (art. 795), e diz respeito às nulidades relativas ou
anulabilidades127.
Vale dizer, tratando-se de nulidade absoluta decorrente de inobservância de
norma de ordem pública, conhecível, portanto, ex officio pelo juiz, não há lugar
para a preclusão. Dessa forma, questões alusivas a condições da ação ou
pressupostos processuais não se sujeitam à preclusão, podendo ser renovadas (ou
apreciadas de ofício pelo tribunal) no recurso, ainda que não tenham sido
suscitadas pelas partes.
A preclusão pode ser lógica, consumativa e temporal. Dá-se a preclusão lógica
quando a parte pratica ato incompatível com o anteriormente praticado; por
exemplo, a parte que ofereceu exceção de incompetência não poderá suscitar o
conflito de competência (CLT, art. 806; CPC, art. 952).
A preclusão consumativa ocorre, por exemplo, quando a parte apresenta
contestação e, estando no prazo, intenta apresentar nova resposta.
Dá-se a preclusão temporal, que é a mais comum, na hipótese de perda de
prazo para a prática de algum ato processual a cargo da parte.
Há, ainda, outras espécies de preclusão, como já vimos no Capítulo I, item
5.5.7, e no Capítulo IX, item 3.3.
Sobre preclusão, o TST editou as seguintes Súmulas:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO EM RECURSO DE REVISTA.
PRECLUSÃO.
Ocorre preclusão se não forem opostos embargos declaratórios para suprir omissão
apontada em
recurso de revista ou de embargos (Súmula 184).
PREQUESTIONAMENTO. OPORTUNIDADE. CONFIGURAÇÃO: I. Diz-se
prequestionada a
matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente,
tese a respeito.
II. Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso
principal, opor
embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de
preclusão. III.
Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a
qual se omite o
Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração (Súmula
297).
6.2.3. Princípio da transcendência ou prejuízo
O princípio da transcendência, também chamado de princípio do prejuízo,
guarda pertinência temática com as nulidades relativas, uma vez que só devem
ser declaradas em grau recursal se e quando acarretarem manifestos prejuízos
aos direitos fundamentais das partes128.
Trata-se da aplicação da parêmia francesa pas de nullité sans grief (não há
nulidade sem prejuízo).
Entre nós, o princípio da transcendência está consagrado no art. 794 da CLT e
no art. 282, § 1º, do CPC.
Advertimos que não se deve confundir princípio da transcendência com o
pressuposto recursal específico da transcendência no recurso de revista (vide
Capítulo XX, item 3.2.2.4).
6.2.4. Princípio da proteção ou do interesse
O princípio da proteção ou do interesse129
, que é aplicável na hipótese de
nulidade relativa, encontra residência no art. 796, b, da CLT e no art. 276 do
CPC.
À luz do princípio em tela, a nulidade só deve ser decretada quando não for
possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato, sendo certo que, por ser o processo
um meio ético de solução de conflitos, a nulidade não pode ser alegada por quem
lhe deu causa. Afinal, nemo allegans propriam turpitudinem auditur (ninguém
pode beneficiar-se da própria torpeza).
Outras considerações sobre o princípio do interesse, vide Capítulo IX, item
3.5.
6.2.5. Princípio da convalidação
No respeitante ao princípio sob enfoque, a doutrina geralmente indica os arts.
795 da CLT e 278 do CPC.
É de ressaltar, porém, que os referidos dispositivos, como demonstrado no
Capítulo I, item 5.5.7, e Capítulo IX, item 3.3, dizem respeito à preclusão.
Colhe-se, por pertinente, o lapidar ensinamento de Manoel Antonio Teixeira
Filho, para quem:
o princípio da convalidação emana de uma regra processual muito ampla, que se
encontra
disseminada em vários pontos do CPC, de acordo com o qual o silêncio de uma das
partes faz gerar a
aceitação do ato praticado pelo adversário, ou induz à veracidade das alegações feitas
por este. É,
portanto, nessa larga moldura que se encaixa o princípio em análise, com a
singularidade de que,
aqui, o silêncio da parte tem eficácia convalidadora do ato praticado pelo adversário ou
pelo juiz –
atendidas, por certo, as restrições legais, designadamente as que dizem respeito às
normas de ordem
pública. Assim, se a nulidade for relativa, o silêncio da parte a convalidará; se for
absoluta, não130
(grifo nosso).
Um exemplo típico é o da incompetência relativa. Se o réu não oferece, no
prazo legal, a exceção, a competência territorial se convalida, em função de seu
silêncio. Neste caso, o juiz que era territorialmente incompetente para a causa
deixa de sê-lo pela ausência de manifestação do réu ou se esta manifestação
ocorrer serodiamente, ou seja, fora do prazo legal.
6.2.6. Princípio da causalidade, utilidade ou aproveitamento
Por estarem os atos processuais em estado de dependência recíproca, ou seja,
por dependerem uns dos outros, dita o princípio da causalidade, também
chamado de princípio da utilidade ou do aproveitamento, que sempre que
possível serão aproveitados os atos que não foram contaminados pela
invalidação de outro ato.
Assim, se o provimento de um recurso implicar a nulidade de um determinado
ato, os demais atos processuais praticados que puderem ser aproveitados não
serão invalidados.
O princípio em tela está assentado no art. 798 da CLT, como já vimos no
Capítulo IX, item 3.6.
6.3. Princípio da manutenção dos efeitos da sentença
Giza o art. 899 da CLT que os recursos trabalhistas terão efeito meramente
devolutivo. Por essa razão, não há necessidade de o juiz declarar o efeito em que
recebe o recurso para, só então, remetê-lo ao juízo ad quem. No silêncio, pois,
incide a regra legal, em função do que não precisaria o juiz pronunciar o óbvio.
Vê-se, assim, que nos domínios do processo do trabalho a regra é a não
suspensão dos efeitos da sentença. Dito doutro modo, no processo do trabalho a
regra é a permissão para o cumprimento provisório da sentença.
Antes da edição da Lei n. 8.432/92, que alterou a redação do art. 897 da CLT,
era possível o sobrestamento do feito, a critério do juiz, até o julgamento final de
recursos como agravo de instrumento e agravo de petição. Com a nova redação
dada aos parágrafos do art. 897 da CLT, essa possibilidade de “sobrestamento do
feito”, que nada mais era do que uma forma de se dar efeito suspensivo ao
agravo de petição, restou inteiramente afastada, podendo a parte extrair carta de
sentença, e proceder, a qualquer tempo, ao cumprimento (execução) provisório
do julgado (CLT, art. 899) ou a execução definitiva (cumprimento definitivo) das
parcelas incontroversas (CLT, art. 897, § 1º), se for o caso.
6.3.1. Efeito devolutivo
O efeito devolutivo dos recursos, que decorre do princípio dispositivo, é ínsito
aos sistemas jurídicos que adotam o duplo grau de jurisdição. Por efeito
devolutivo deve-se entender a delimitação da matéria submetida à apreciação e
julgamento pelo órgão judicial destinatário do recurso, uma vez que este, como é
cediço, só poderá, em regra, julgar as questões debatidas no processo e que
constem das razões recursais, mediante pedido de nova decisão.
O efeito devolutivo dos recursos, portanto, impede que o juízo ad quem
profira julgamento além, aquém ou fora do contido nas razões recursais. É o que
também ocorre na primeira instância, uma vez que os arts. 141 e 492 do CPC
vedam a sentença ultra, extra ou citra petita.
Percebe-se, então, que o efeito devolutivo também está vinculado ao princípio
da dialeticidade, sobre o qual falaremos no item 6.6 infra.
Não é outro o significado do apotegma latino que consagra o tantum
devolutum quantum appellatum, perfeitamente aplicável ao processo do trabalho,
não colhendo a interpretação literal do disposto no art. 899 da CLT no sentido de
que os recursos trabalhistas, por serem interpostos mediante simples petição, não
necessitariam delimitar as questões impugnadas e o pedido de nova decisão.
Ora, a não delimitação de matéria, ou seja, a ausência de impugnação ao
capítulo da decisão recorrida, pode implicar cerceio do direito de ampla defesa e
do contraditório para o recorrido. Além disso, a inexistência de impugnação
específica e delimitada do capítulo da decisão hostilizada impede verificar quais
matérias estariam ou não cobertas pela coisa julgada, na medida em que as
matérias não impugnadas nos recursos de natureza ordinária (salvo as de ordem
pública) transitam imediatamente em julgado.
O efeito devolutivo pode ser examinado em relação à sua extensão ou à sua
profundidade.
No que concerne à extensão do efeito devolutivo, deve-se verificar a
quantidade de matérias veiculadas no recurso que serão apreciadas e julgadas
pelo órgão ad quem.
A base legal da extensão do efeito devolutivo está consagrada no art. 1.013,
caput, e seu § 1º, do CPC. Vale dizer, o efeito devolutivo em extensão diz
respeito ao conhecimento pelo tribunal das matérias impugnadas ou das
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
Entende-se por capítulo impugnado qualquer decisão pronunciada na
sentença, pois, como lembra Alexandre Freitas Câmara:
A cada decisão proferida no pronunciamento judicial corresponde um capítulo da
sentença (ou, mais
propriamente, um capítulo do pronunciamento, já que este pode não ser exatamente uma
sentença). E
tais capítulos podem ser independentes (como o é, por exemplo, o caso dos capítulos
que julgam
pedidos formulados em um mesmo processo em cumulação simples) ou não (como no
caso em que o
juiz aprecia o pedido principal e, além disso, impõe ao vencido o custo econômico do
processo,
Vale dizer, quanto aos fundamentos do pedido ou da defesa, o tribunal, como
bem advertem Marinoni e Arenhart, “é livre para examinar todos, ainda que não
hajam sido expressamente referidos nas razões do recurso interposto (efeito
devolutivo em profundidade)”132
.
Sobre efeito devolutivo em profundidade, o TST, invocando
equivocadamente, data venia, o § 1º do art. 515 do CPC/73, editou a Súmula
393:
RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. ART.
515, § 1º, DO
CPC. O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º
do art. 515 do
CPC, transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não
examinados
pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões. Não se aplica, todavia, ao
caso de pedido
não apreciado na sentença, salvo a hipótese contida no § 3º do art. 515 do CPC.
Recentemente, em função da entrada em vigor do CPC de 2015, a Súmula 393
do TST foi alterada, passando a ter a seguinte redação:
RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. ART.
1.013, § 1º, do
CPC DE 2015. ART. 515, § 1º, DO CPC de 1973 (nova redação em decorrência do
CPC de 2015,
Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016). I – O efeito devolutivo em
profundidade
do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 1.013 do CPC de 2015 (art. 515, § 1º,
do CPC de
1973), transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não
examinados
pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões, desde que relativos ao
capítulo
impugnado. II – Se o processo estiver em condições, o tribunal, ao julgar o recurso
ordinário, deverá
decidir desde logo o mérito da causa, nos termos do § 3º do art. 1.013 do CPC de 2015,
inclusive
quando constatar a omissão da sentença no exame de um dos pedidos.
Como já vimos, o caput e o § 1º do art. 1.013 do CPC (§ 1º e o caput do art.
515 do CPC/73) dizem respeito ao efeito devolutivo em extensão (quantidade de
matérias), e não em profundidade (qualidade das matérias).
O item I da Súmula 393 do TST manteve a devolutibilidade de todos os
fundamentos da petição inicial e da defesa do réu, ainda que não renovadas em
contrarrazões. Entretanto, esse efeito devolutivo alcançará apenas os capítulos
impugnados expressamente no recurso ordinário. Logo, o tribunal regional não
poderá conhecer de fundamentos da inicial ou da contestação referentes a
capítulos (decisões relativas a pedidos e matérias) que não foram impugnados no
recurso ordinário.
Exemplifiquemos. Se a inicial contém pedidos de condenação do réu em
adicional de insalubridade e horas extras e a sentença julga procedentes ambos
os pedidos. Se o réu, entretanto, interpuser recurso ordinário impugnando apenas
o capítulo da sentença relativo às horas extras, não poderá o TRT apreciar os
fundamentos do capítulo da sentença que deferiu o adicional de insalubridade.
Por outro lado, o item II da Súmula 393 do TST não guarda pertinência com o
preâmbulo da súmula, ou seja, não diz respeito ao efeito devolutivo, e sim ao
efeito expansivo do recurso ordinário (vide item 6.3.7, infra).
Sobre o referido verbete sumular, colhemos alguns julgados, ainda inspirados
no CPC/73:
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. RECURSO ORDINÁRIO.
EFEITO
DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. FUNDAMENTO DA DEFESA E
CONTRARRAZÕES
NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL. RESPONSABILIDADE PELO
PAGAMENTO. Tendo o
Tribunal a quo reformado a sentença para julgar procedentes em parte os pedidos, as
questões afetas
à União trazidas em contestação e renovadas em contrarrazões deveriam ser apreciadas.
A União,
como parte então vencedora, não tinha interesse recursal para atacar a sentença, com
insistência no
fundamento da defesa que não tinha sido acolhido, notadamente sua responsabilização
no pagamento
dos créditos trabalhistas. Assim, tal tema estava dentro da esfera da devolutividade do
recurso
ordinário agitado (como na apelação civil), cabendo ao Tribunal apreciar
expressamente, com a
devida fundamentação (Súmula 393/TST). Não o fazendo, mas se limitando a condenar
o segundo
reclamado, vulnera diretamente o art. 93, IX, da Constituição Federal. Recurso de
revista conhecido e
provido (TST-RR 92000-74.2007.5.04.0733, 6ª T., Rel. Min. Augusto César Leite de
Carvalho, DEJT
8-4-2010).
PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE – ART. 515 DO CPC – NULIDADE DO
JULGADO. O
efeito devolutivo previsto no art. 515 do CPC faz com que seja devolvido ao Tribunal
ad quem o
conhecimento de toda a matéria efetivamente impugnada pelo apelante nas razões de
recurso. O
Recurso Ordinário pode ser utilizado tanto para a correção de injustiças, como para a
revisão e
reexame das provas. A limitação do mérito do recurso, fixada pelo efeito devolutivo,
tem como
consequências: a) a limitação do conhecimento do tribunal, que fica restrito à matéria
efetivamente
impugnada; b) proibição para reforma para pior; c) proibição de inovar em sede de
apelação
(proibição de modificar a causa de pedir ou o pedido). O § 1º do referido dispositivo
legal prevê que
serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e
discutidas no
processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Mesmo que a sentença
não tenha
apreciado todas as questões suscitadas e discutidas pelas partes interessadas, o Recurso
Ordinário
transfere o exame destas questões ao tribunal, não por força do efeito devolutivo, que
exige
comportamento ativo da Recorrente, mas em virtude do efeito translativo do recurso.
Recurso de
Embargos não conhecido (TST-E-RR n. 719685/RS, SBDI-1, Rel. Min. Carlos Alberto
Reis de
Paula, DJ 13-6-2003).
Vê-se que neste último aresto da SBDI-1 do TST há menção tanto ao efeito
devolutivo quanto ao efeito translativo. De fato, o efeito devolutivo em
profundidade pode confundir-se com o efeito translativo, como veremos mais
adiante (vide item 6.3.3, infra).
No que concerne à prescrição arguida em contestação, mas não renovada em
contrarrazões ao recurso ordinário, o TST vem entendendo que o efeito
devolutivo submete automaticamente ao TRT o conhecimento de tal matéria,
independentemente de recurso próprio do réu ou de arguição em contrarrazões. É
o que se infere do seguinte julgado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – PRESCRIÇÃO.
ARGUIÇÃO
EM CONTESTAÇÃO. DEVOLUTIVIDADE. AMPLITUDE. Constatada possível
violação do artigo
515, § 1º, do CPC, merece provimento o Agravo de Instrumento para determinar o
processamento do
Recurso de Revista. II – RECURSO DE REVISTA – PRELIMINAR DE NULIDADE
DO
ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O
Regional
solucionou a controvérsia de forma fundamentada, não se cogitando de negativa de
prestação
jurisdicional. Recurso de Revista não conhecido. PRESCRIÇÃO. ARGUIÇÃO EM
CONTESTAÇÃO. DEVOLUTIVIDADE. AMPLITUDE. Consoante o disposto no art.
515, § 1º, do
CPC e na Súmula 393 do TST, o Recurso Ordinário devolve ao Tribunal a apreciação
de todas as
questões suscitadas na defesa, ainda que não apreciadas pela sentença e não renovadas
em
contrarrazões. Assim, tendo sido fixado pelo Regional que a prescrição foi arguida em
contestação,
não se impõe ao Reclamado, vitorioso, o ônus de reiterar expressamente, na instância
recursal, as
prejudiciais não acolhidas na sentença. Tais questões de qualquer modo refogem à
preclusão e ficam
sujeitas à cognição do Tribunal, em caso de interposição de recurso pela parte
sucumbente na
primeira instância. Recurso de Revista conhecido e provido (...) (TST-RR 129640-
84.1996.5.01.0053, j. 1º-12-2010, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª T., DEJT
10-12-2010).
Outro aspecto que deve ser ressaltado concerne ao fato de que o recurso
recebido apenas no efeito devolutivo permite, desde logo, o cumprimento
provisório (execução provisória) da decisão hostilizada.
Por fim, vale lembrar que o capítulo da sentença que ratifica, concede ou
revoga tutela provisória pode ser impugnado por recurso ordinário (CPC, arts.
1.009, § 3º, 1.013, § 4º).
6.3.2. Efeito suspensivo
Ao contrário do que ocorre no processo civil, em que há inúmeras
possibilidades de concessão de efeito suspensivo à apelação (CPC, art. 1.012),
no processo do trabalho, como dito, os recursos não possuem, em regra, efeito
suspensivo.
Entre as exceções, encontramos a contida no art. 14 da Lei n. 10.192, de 14 de
fevereiro de 2001 (DOU 16-2-2001), segundo o qual o “recurso interposto de
decisão normativa da Justiça do Trabalho terá efeito suspensivo, na medida e
extensão conferidas em despacho do Presidente do Tribunal Superior do
Trabalho”.
Visando à regulamentação da norma acima citada, o TST editou a Resolução
n. 120, de 2 de outubro de 2003 (DJU 9-10-2003), aprovando a Instrução
Normativa n. 24, que prescreve:
I – Ao Presidente do Tribunal Superior do Trabalho é facultada a designação de
audiência de
conciliação relativamente a pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso
ordinário interposto à
decisão normativa da Justiça do Trabalho;
II – Poderá o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, antes de designar audiência
prévia de
conciliação, conceder ao requerido o prazo de 5 (cinco) dias, para, querendo,
manifestar-se sobre o
pedido de efeito suspensivo;
III – O Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria-Geral do
Trabalho, será
comunicado do dia, hora e local da realização da audiência, enquanto as partes serão
notificadas;
IV – Havendo transação nessa audiência, as condições respectivas constarão de ata,
facultando-se ao
Ministério Público do Trabalho emitir parecer oral, sendo, em seguida, sorteado Relator,
que
submeterá o acordo à apreciação da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, na
primeira sessão
ordinária subsequente ou em sessão extraordinária designada para esse fim;
V – O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho poderá submeter o pedido de efeito
suspensivo à
apreciação da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, desde que repute a matéria
de alta
relevância.
É de se registrar que o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho não tem a
faculdade de conceder efeito suspensivo ao recurso de revista, uma vez que o art.
896, § 2º, da CLT, com nova redação dada pela Lei n. 9.756/98, não mais prevê
tal faculdade.
O principal atributo do efeito suspensivo concedido ao recurso é o de adiar os
efeitos da decisão impugnada, não admitindo, portanto, a execução provisória do
julgado.
Em se tratando de efeito suspensivo em recurso ordinário de sentença
normativa, o TST editou a Súmula 279, segundo a qual a “cassação de efeito
suspensivo concedido a recurso interposto de sentença normativa retroage à data
do despacho que o deferiu”.
Além disso, o TST admite a ação cautelar para dar efeito suspensivo a recurso
ordinário interposto de sentença que ratifica a antecipação de tutela. É o que se
vê da Súmula 414, item I, do TST, segundo a qual a “antecipação da tutela
concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de
segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o
meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso”.
Ocorre que o CPC não contém mais ação cautelar. Em seu lugar, existem
apenas as tutelas provisórias, razão pela qual a referida Súmula 414 carece de
cancelamento ou adequação ao Código de Processo Civil de 2015.
O TST não admite, contudo, efeito suspensivo em recurso ordinário interposto
de decisão proferida em mandado de segurança. Nesse sentido é a OJ n. 113 da
SBDI-2/TST, segundo a qual:
É incabível medida cautelar para imprimir efeito suspensivo a recurso interposto contra
decisão
proferida em mandado de segurança, pois ambos visam, em última análise, à sustação
do ato atacado.
Extingue-se, pois, o processo, sem julgamento do mérito, por ausência de interesse de
agir, para
evitar que decisões judiciais conflitantes e inconciliáveis passem a reger idêntica
situação jurídica.
6.3.3. Efeito translativo
Já dissemos que o efeito devolutivo dos recursos, corolário do princípio
dispositivo, impede que o juízo ad quem profira julgamento além, aquém ou fora
do pedido formulado nas razões recursais, a exemplo do que se dá na primeira
instância (arts. 141 e 492 do CPC) quanto à vedação da sentença ultra, extra ou
citra petita. Essas regras são aplicáveis subsidiariamente ao processo do trabalho
(CLT, art. 769; CPC, art. 15).
Cumpre assinalar, no entanto, que o sistema processual pátrio autoriza o
tribunal a decidir questões alheias ao que consta do recurso ou das contrarrazões,
e, ainda assim, não se poderá falar que houve julgamento ultra, citra ou extra
petita, nem violação ao princípio do non reformatio in pejus.
Estamos falando daquelas questões de ordem pública, que devem ser
conhecidas de ofício pelo juiz ou tribunal, a respeito das quais não se opera a
preclusão, como ocorre, por exemplo, com o disposto nos arts. 485, § 3º, e 337,
§ 5º, do CPC (arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC/73).
A translação (ou transferência) dessas questões ao juízo ad quem está
autorizada pelos arts. 1.013, §§ 1º e 2º, do CPC (arts. 515, §§ 1º e 2º, e 516 do
CPC/73), segundo magistério de Nelson Nery Junior133
.
O efeito translativo, semelhantemente ao efeito devolutivo, encontra suporte
jurídico nos arts. 1.013, §§ 1º e 2º, do CPC (arts. 515, §§ 1º e 2º, e 516 do
CPC/73), sendo que ambos concernem às matérias e questões submetidas
automaticamente à cognição do juízo ad quem.
Nesse passo, advertem Marinoni, Arenhart e Mitidiero que:
Independentemente de efetiva impugnação pela parte, restam submetidas ao tribunal,
em face do
efeito translativo, as questões conhecíveis de ofício (por exemplo, arts. 337, § 5º, 485, §
3º, 487, II,
CPC), “todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham
sido
solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado” (art. 1.013, § 1º, CPC) – vale
dizer, ainda
que o magistrado tenha se omitido em apreciá-las em sentença, nada obstante suscitadas
e discutidas
pelas partes no processo, e todos os fundamentos arguidos pelas partes no primeiro grau
de jurisdição
que podem servir para a solução do caso levado a juízo (...) Nesse caso, o tribunal pode
decidir a
respeito sem proibição de reformatio in pejus, já que a matéria é trasladada ao
conhecimento do
tribunal independentemente de qualquer manifestação de vontade da parte134
.
Na esteira do TST, o efeito translativo tem lugar em três situações: questões
conhecíveis de ofício ou de ordem pública; omissão de questões na sentença
embora as partes as tenham suscitado; todos os fundamentos apresentados pelas
partes não enfrentados na sentença. Nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE. EFEITO
TRANSLATIVO.
NULIDADE DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. O efeito translativo recursal, ainda
quando
absorva a devolutividade, revela-se em três situações específicas: devolvem-se ao
tribunal as
questões conhecíveis de ofício ou de ordem pública; as questões das quais o juiz tenha
se omitido no
exame ao proferir sentença, não obstante tenham as partes as suscitado e discutido no
processo
(artigo 515, § 1º, do CPC) e todos os fundamentos aventados pelas partes na instância
ordinária
(artigo 515, § 2º, do CPC). In casu, a parte invoca um direito ou pedido (integração da
ajuda de custo
no salário), o que leva a afastar a tese do efeito translativo do recurso, pois este envolve
questões
levantadas pelas partes. Exegese da Súmula 393 do TST, verbis: “O efeito devolutivo
em
profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC, transfere
automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinado pela
sentença,
ainda que não renovado em contrarrazões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não
apreciado na
sentença”. Recurso de revista não conhecido (TST-RR 121400-40.2005.5.02.0061, Rel.
Min.
Augusto César Leite de Carvalho, 6ª T., DEJT 26-8-2011).
O efeito translativo, que também é uma das manifestações do princípio
inquisitivo, tem lugar, segundo pensamos, apenas nos recursos de natureza
ordinária135
, sendo também inerente à remessa necessária das sentenças proferidas
contra as pessoas jurídicas de direito público (DL n. 779/69, art. 1º, V), pois
estas, salvo nas hipóteses previstas na Súmula 303 do TST, só produzem efeito
depois de confirmadas pelo Tribunal.
A Súmula 393 do TST admite o efeito translativo do recurso ordinário
(embora mencione efeito devolutivo em profundidade) não apenas com relação
às questões de ordem pública. Vale dizer, o TST permite que os fundamentos
jurídicos da defesa, ainda que não renovados em contrarrazões136
, sejam
conhecidos pelo juízo ad quem. É o que ocorre, por exemplo, com a prescrição
suscitada como fundamento da contestação e não renovada em contrarrazões do
recurso ordinário. A Súmula 393, no entanto, não se aplicaria à compensação
não suscitada na contestação, pois tal instituto, a rigor, é autêntico pedido
contraposto do réu em face do autor.
Sobre efeito translativo nos recursos trabalhistas, colacionamos outros
julgados:
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PRECLUSÃO. EFEITO
TRANSLATIVO.
INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. Não cabe ao TST conhecer de arguição de
incompetência
material da Justiça do Trabalho que não tenha sido objeto de oportuna impugnação por
meio do
Recurso de Revista. Agravo a que se nega provimento. ARBITRAMENTO DE
HONORÁRIOS DE
ADVOGADO. NATUREZA PROBATÓRIA. Incabível o recurso de revista para
reexame de fatos e
provas. Inteligência da Súmula n. 126/TST. Agravo a que se nega provimento (TST-
AIRR
1209/2007-006-23-40.2, 5ª T., Rel. Min. Emmanoel Pereira, DJe 10-6-2009).
AGRAVO DE PETIÇÃO. Por força do efeito translativo que emana do art. 516 do
CPC, é de se
conhecer de agravo de petição que, a despeito de ter sido irregularmente recebido pelo
MM. Juiz de
primeiro, demanda o conhecimento de matérias de natureza eminentemente processual
e, portanto, de
ordem pública, cujo conhecimento, ainda que de ofício, é devolvido ao Tribunal ad
quem (TRT 3ª R.,
AP 00100.2000.098.03.00-4, 3ª T., Rel. Juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DO 26-2-
2005).
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO DE DEMANDA JULGADA
IMPROCEDENTE
EM PRIMEIRO GRAU. EFEITO TRANSLATIVO. REFORMATIO IN PEJUS QUE
NÃO SE
RECONHECE. A extinção sem resolução de mérito de feito julgado improcedente pelo
Juízo de
primeiro grau não configura reforma in pejus, visto que, no caso, por força do efeito
translativo, está
o Tribunal Regional obrigado a se pronunciar de ofício sobre matéria de ordem pública.
A
legitimidade das partes trata-se de condição da ação, cujo exame independe de
provocação (artigo
267, VI, § 3º, do Código de Processo Civil). No caso, ante a ausência de
responsabilidade da
sucedida, concluiu o Tribunal Regional pela ilegitimidade passiva ad causam. Agravo
de instrumento
a que se nega provimento (TST-AIRR 116440-97.2006.5.15.0011, Rel. Min. Lelio
Bentes Corrêa, 1ª
T., DEJT 30-9-2011).
ACORDO. NÃO DETERMINAÇÃO DA INCIDÊNCIA DAS CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. ART. 114, § 3º DA CF. Deixando o juízo a quo de determinar a
incidência das
contribuições previdenciárias sobre as parcelas acordadas, caberá ao juízo ad quem,
considerando a
competência estabelecida no § 3º do art. 114 da Constituição Federal, e ao efeito
translativo do
recurso, bem como ao princípio da economia e celeridade processual, determinar a
comprovação das
contribuições sobre as parcelas de natureza salarial. Recurso ordinário conhecido, por
maioria, e nele
provido, por maioria (TRT 24ª R., RO 00944.2003.022.24.00-4, Rel. Juiz Nicanor de
Araújo Lima,
DO 6-7-2004).
EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. Tendo em vista o efeito translativo ínsito ao
recurso
ordinário e a remessa necessária, o E. Colegiado Regional resolveu, por unanimidade,
extinguir o
presente processo sem julgamento do mérito, por manifesta ilegitimidade passiva ad
causam, bem
assim por ausência de interesse processual (TRT 17ª R., RO 0174500-
78.2002.5.17.0001, Pleno, Rel.
Des. Anabella Almeida Gonçalves, Rev. Des. Gerson Fernando da Sylveira Novais,
DEJT 14-10-
2004).
Há entendimento jurisprudencial que confere efeito translativo aos embargos
de declaração e ao agravo de petição, como se vê dos seguintes arestos:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. EFEITO TRANSLATIVO. POSSIBILIDADE DE
ANÁLISE
DE QUESTÕES QUE DIGAM RESPEITO A SUPOSTAS NULIDADES
ABSOLUTAS. Embora os
embargos declaratórios, em regra, só se prestem a análise de alegações de omissão,
obscuridade ou
contradição da decisão, ou ainda de manifesto equívoco acerca de pressupostos
recursais extrínsecos,
o efeito translativo dos recursos permite a análise de questões concernentes a nulidades
absolutas, até
porque tais matérias poderiam ser conhecidas de ofício. Contudo, verificando-se a
inexistência de
qualquer nulidade, deve ser mantida a decisão embargada. Embargos declaratórios
conhecidos e
acolhidos para prestar esclarecimentos adicionais, sem efeito modificativo (TRT-16ª R.,
RO 01420-
2004-001-16-00-4, Rel. Des. José Evandro de Souza, DEJT 15-2-2011).
AGRAVO DE PETIÇÃO. Por força do efeito translativo que emana do art. 516 do
CPC, é de se
conhecer de agravo de petição que, a despeito de ter sido irregularmente recebido pelo
MM. Juiz de
primeiro, demanda o conhecimento de matérias de natureza eminentemente processual
e, portanto, de
ordem pública, cujo conhecimento, ainda que de ofício, é devolvido ao Tribunal ad
quem (TRT 3ª R.,
AP 00100-2000-098-03-00-4, 3ª T., Divinópolis, Rel. Des. Maria Cristina Diniz
Caixeta, j. 26-1-
2005, DJMG 26-2-2005).
6.3.4. Efeito substitutivo
A decisão proferida pelo juízo ad quem substitui a decisão recorrida no que
tiver sido objeto do recurso (CPC, art. 1.008; CPC/73, art. 512).
Segundo José Janguiê Bezerra Diniz:
somente existe efeito substitutivo quando o objeto da impugnação for o error in
judicando. Em se
tratando de error in procedendo, a substitutividade somente ocorrerá se negado
provimento ao
recurso, pois, em sendo provido, anulará a decisão recorrida137
.
No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno leciona que o
efeito substitutivo, contudo, deixa de operar naqueles casos em que a decisão recorrida é
anulada
pelo reconhecimento do error in procedendo. Em tais situações, porque a função do
órgão ad quem é
verdadeiramente rescindente, a sua própria decisão não prevalece sobre a anterior, que
deixa de
existir juridicamente”138
.
Semelhantemente, Daniel Assumpção e Rodrigo Freire:
Ocorrerá efeito substitutivo quando o órgão ad quem: a) conhecer do recurso e negar
provimento,
pelos mesmos fundamentos ou por outros fundamentos; ou b) conhecer do recurso e der
provimento
em razão de error in judicando – a decisão recorrida é tida como injusta devido a uma
má apreciação
do fato ou do direito, motivo pelo qual será reformada, e não anulada139
.
Assim, o efeito substitutivo tem lugar quando o objeto do recurso for o error
in judicando, de modo que haverá efeito substitutivo quando: a) o recurso é
conhecido e provido pelo mérito da causa; b) o recurso é conhecido e não
provido, isto é, o tribunal “mantém” a sentença de mérito pelos mesmos ou por
outros fundamentos da decisão recorrida.
Em outros termos, só haverá efeito substitutivo se – e quando – o órgão
judicial superior conhecer do recurso e, em seguida, apreciar e julgar o mérito da
causa, ainda que tal julgamento se limite a manter integralmente a sentença de
mérito.
Didaticamente, o TST editou a Súmula 192, explicitando, para fins de
cabimento e competência da ação rescisória, a definição de efeito substitutivo,
nos seguintes termos:
I – Se não houver o conhecimento de recurso de revista ou de embargos, a competência
para julgar
ação que vise a rescindir a decisão de mérito é do TRT, ressalvado o disposto no item II.
II – Acórdão rescindendo do TST que não conhece de recurso de embargos ou de
revista, analisando
arguição de violação de dispositivo de lei material ou decidindo em consonância com
súmula de
direito material ou com iterativa, notória e atual jurisprudência de direito material da
SDI (Súmula n.
333), examina o mérito da causa, cabendo ação rescisória da competência do TST.
III – Sob a égide do art. 512 do CPC de 1973, é juridicamente impossível o pedido
explícito de
desconstituição de sentença quando substituída por acórdão do TRT ou superveniente
sentença
homologatória de acordo que puser fim ao litígio.
IV – Na vigência do CPC de 1973, é manifesta a impossibilidade jurídica do pedido de
rescisão de
julgado proferido em agravo de instrumento que, limitando-se a aferir o eventual
desacerto do juízo
negativo de admissibilidade do recurso de revista, não substitui o acórdão regional, na
forma do art.
512 do CPC.
V – A decisão proferida pela SBDI, em agravo regimental, calcada na Súmula n. 333,
substitui
acórdão de Turma do TST, porque emite juízo de mérito, comportando, em tese, o corte
rescisório.
6.3.5. Efeito extensivo
Diz o art. 1.005 e seu parágrafo único do CPC:
Art. 1.005. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se
distintos ou
opostos os seus interesses.
Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor
aproveitará aos
outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns.
O efeito extensivo tem aplicabilidade na hipótese de litisconsórcio unitário,
isto é, aquele que ocorre quando a decisão judicial deve ser uniforme para todos
os litisconsortes.
Pertinente, pois, a observação de Manoel Antonio Teixeira Filho a respeito da
migração da regra do art. 509 e seu parágrafo do CPC/73 (CPC, art. 1.005,
parágrafo único) para o processo do trabalho:
a) sempre que os interesses dos litisconsortes forem distintos, o recurso interposto por
um não
aproveitará aos demais, pois se trata do regime litisconsorcial meramente facultativo
(caput); e
b) o recurso interposto por um dos litisconsortes só beneficiará aos demais se o
litisconsórcio for
unitário, pois a lei se refere ao fato de as defesas apresentadas serem comuns a todos
(parágrafo
único)140
.
De acordo com o item III da Súmula 128 do TST:
Havendo condenação solidária de duas ou mais empresas, o depósito recursal efetuado
por uma delas
aproveita as demais, quando a empresa que efetuou o depósito não pleiteia sua exclusão
da lide.
Assim, se forem colidentes os interesses dos litisconsortes, o recurso
interposto por um deles não aproveita os demais, tal como ocorre quando um
litisconsorte, condenado solidária ou subsidiariamente, pretender a sua exclusão
do processo. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTADO DO RIO JANEIRO (SUCESSOR DE
PREVI/BANERJ
– EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL). RECURSO DE REVISTA.
ADMISSIBILIDADE.
Outra manifestação do efeito regressivo é extraída do art. 332, §§ 3º e 4º, do
CPC (§ 1º do art. 285-A do CPC/73), que dispõe sobre a improcedência liminar
do pedido, também aplicável ao processo laboral (CLT, art. 769; CPC, art. 15; IN
n. 39/2016, art. 7º).
O TST também admite o efeito regressivo nos embargos de declaração, como
se depreende dos seguintes julgados:
RECURSO DE REVISTA. 1. PRELIMINAR. NULIDADE. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. O recorrente não demonstrou ter oposto embargos de declaração,
cujo efeito
regressivo permitiria a correção de eventual omissão pelo próprio órgão prolator da
decisão. Assim, a
ausência de comunicação do vício formal por meio do instrumento processual adequado
acarretou a
preclusão do tema suscitado em recurso de revista, conforme entendimento consagrado
pela Súmula
n. 184. Recurso de revista não conhecido (...) (TST-RR 122100-85.2008.5.01.0207, Rel.
Min.
Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª T., DEJT 31-5-2013).
ACÓRDÃO REGIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA. PRECLUSÃO. 1. Abstendo-se a parte de interpor
embargos de
declaração contra acórdão regional, cujo efeito regressivo permitiria correção de
eventual omissão
pelo próprio órgão prolator da decisão, ocorre a preclusão da ulterior alegação de
negativa de
prestação jurisdicional nas razões do recurso de revista. Aplicação, por analogia, do
entendimento
consagrado na Súmula n. 184 do TST. 2. Agravo de instrumento a que se nega
provimento,
amplamente (TST-AIRR 805-66.2010.5.18.0004, Rel. Min. João Oreste Dalazen, 4ª T.,
DEJT 25-10-
2013).
6.3.7. Efeito expansivo
O efeito expansivo é pouco reconhecido pela doutrina, mas há autores, como
Nelson Nery Junior141
e Cassio Scarpinella Bueno142
, que defendem a sua
existência, especialmente em função do § 3º do art. 515 do CPC/73 (CPC, art.
1.013, § 3º), aplicável ao recurso ordinário previsto no processo do trabalho, por
força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC.
Na verdade, o efeito expansivo do recurso foi significativamente ampliado no
CPC, nos termos dos §§ 3º, 4º e 5º do art. 1.013, in verbis:
(...) § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve
decidir desde
logo o mérito quando:
I – reformar sentença fundada no art. 485;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido
ou da causa
de pedir;
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal,
se possível,
julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo
ao juízo de
primeiro grau.
§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é
impugnável na
apelação.
O item II da Súmula 393 do TST reconhece, implicitamente, a aplicabilidade
do efeito expansivo no recurso ordinário:
(...) II – Se o processo estiver em condições, o tribunal, ao julgar o recurso ordinário,
deverá decidir
desde logo o mérito da causa, nos termos do § 3º do art. 1.013 do CPC de 2015,
inclusive quando
constatar a omissão da sentença no exame de um dos pedidos.
Para estudo mais profundo sobre efeito expansivo do recurso ordinário,
remetemos o leitor ao Capítulo XX, item 2.3.3.
6.3.8. Efeito diferido
Embora pouco estudado na doutrina, o efeito diferido também é aplicável nos
recursos trabalhistas que visam anular decisões interlocutórias proferidas no
processo, mas que não poderiam ser imediatamente objeto de impugnação
recursal.
Tal efeito decorre do princípio da irrecorribilidade imediata das decisões
interlocutórias e encontra-se previsto implicitamente no § 1º do art. 893 da CLT,
segundo o qual: “Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou
Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias
somente em recursos da decisão definitiva”.
Vale dizer, as decisões interlocutórias no processo do trabalho, salvo exceções
já examinadas no item 6.2, supra, somente podem ser impugnadas juntamente
com o recurso que couber (recurso ordinário, nos termos do art. 895 da CLT) da
decisão final (sentença ou acórdão) no processo de conhecimento, como questão
preliminar, desde, é claro, que o recorrente tenha manifestado o seu
inconformismo na audiência ou primeira vez que teve oportunidade de falar nos
autos (CLT, art. 795).
Assim, o recurso ordinário, por exemplo, pode possuir efeito diferido quando
impugnar decisão interlocutória que não seria recorrível imediatamente no
momento em que ocorreu a nulidade alegada em preliminar recursal.
Por essa razão, o TST editou a OJ n. 92 da SBDI-2, que não admite mandado
de segurança contra decisão passível de impugnação por recurso, ainda que este
tenha efeito diferido. No mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA
PETIÇÃO
INICIAL. OJ 92 DA SDI-2 DO C. TST. DECISÃO PASSÍVEL DE REFORMA
MEDIANTE
RECURSO COM EFEITO DIFERIDO. Não se admite mandado de segurança contra
decisão da qual
caiba recurso, nos termos do artigo 5º, II da Lei 12.016/2009 e Orientação
Jurisprudencial n. 92 da
SDI2, do C. TST: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de
reforma
mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido.” Agravo regimental que se
rejeita,
mantendo a decisão agravada que concluiu pelo não cabimento do Mandado de
Segurança à hipótese
e via de consequência indeferiu a petição inicial, com fulcro nos artigos 5º, II e 10º da
Lei n.
12.016/2009, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, nos moldes do art. 267,
inciso I do
CPC. Agravo conhecido e rejeitado (TRT 23ª, AgR 00428.2010.000.23.00-7, Rel. Des.
João Carlos,
Tribunal Pleno, DEJT 3-2-2011).
6.4. Princípio da singularidade, unirrecorribilidade ou unicidade
recursal
O princípio da singularidade, também chamado de princípio da
unirrecorribilidade ou unicidade recursal, não permite a interposição de mais de
um recurso contra a mesma decisão (ou capítulo da mesma decisão). É dizer, os
recursos não podem ser utilizados simultaneamente, mas sim sucessivamente,
obedecendo-se à hierarquia dos órgãos jurisdicionais (graus de jurisdição).
Este princípio constava expressamente do art. 809 do CPC de 1939 e do art.
498 do CPC/73. Todavia, a Lei n. 10.352/2001 deu nova redação ao art. 498 do
CPC/73, passando a admitir a interposição de mais de um recurso contra a
mesma decisão.
O art. 1.031 do CPC prevê expressamente que, na “hipótese de interposição
conjunta de recurso extraordinário e recurso especial, os autos serão remetidos
ao Superior Tribunal de Justiça”. Concluído o julgamento do recurso especial, os
autos serão remetidos ao STF para apreciação do recurso extraordinário, se este
não estiver prejudicado. Se o relator do recurso especial considerar prejudicial o
recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, sobrestará o julgamento e
remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal. Neste caso, se o relator do
recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, rejeitar a prejudicialidade,
devolverá os autos ao STJ para o julgamento do recurso especial.
Cremos que não violam o princípio da unirrecorribilidade as conhecidas
“razões adicionais”, que, em rigor, constituem novo recurso contra nova decisão.
Expliquemo-nos.
Suponhamos que o réu tenha se apressado em interpor recurso ordinário antes
da interposição dos embargos de declaração pelo autor. Se a decisão dos
embargos declaratórios modificar a sentença anteriormente proferida,
acarretando prejuízo ao réu, afigura-se-nos que poderá ele interpor ou aditar
razões adicionais ao recurso anteriormente interposto, pois não seria lógico ou
juridicamente razoável que o exercício regular de um direito (interposição do
recurso ordinário dentro do prazo recursal) redundasse em situação de
desfavorabilidade àquele que o exerceu.
Todavia, o princípio da unirrecorribilidade é violado se a parte interpõe
recurso ordinário e, posteriormente, não havendo modificação da sentença por
meio de embargos declaratórios, avia recurso adesivo ao recurso ordinário
interposto pela outra parte da mesma sentença inalterada. Vale dizer, a
interposição anterior do recurso ordinário implica, para o recorrente, preclusão
consumativa para a interposição posterior de recurso adesivo. Nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO. NÃO
CONHECIMENTO.
PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE OU SINGULARIDADE RECURSAL. Se
a parte já se
utilizou do recurso principal, inadmissível a interposição de recurso adesivo ou
subordinado contra a
mesma decisão, sob pena de ofensa ao princípio da unirrecorribilidade ou singularidade
recursal,
segundo o qual, para cada ato judicial recorrível, existe um único recurso previsto pelo
ordenamento
jurídico positivo, sendo proibida a interposição simultânea ou cumulativa de outro
recurso, com a
finalidade de impugnar o mesmo ato de jurisdição, ante a preclusão consumativa.
Precedentes.
Recurso de revista de que não se conhece (TST-RR 114400-82.2006.5.15.0128, Rel.
Min. Walmir
Oliveira da Costa, 1ª T., DEJT 7-6-2013).
RECURSO ADESIVO SUPERVENIENTE A RECURSO INDEPENDENTE TIDO
POR
DESERTO. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE.
PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. Se ao recurso independente foi denegado seguimento por falta de
pressupostos
extrínsecos, não é dado à parte recorrer adesivamente, ante a preclusão consumativa,
além de ferir o
princípio da unirrecorribilidade. Não pode a parte invocar o prazo especial do art. 500, I,
apenas para
transpor o obstáculo porventura surgido com o esgotamento do prazo normal de
interposição ou falta
de pagamento de custas ou depósito recursal, ou qualquer vício formal que inviabilizou
a
admissibilidade do recurso independente. “... não é recurso adesivo, nem se pode
receber como tal, o
recurso daquele que pura e simplesmente, perdeu a oportunidade de recorrer” (José
Carlos Barbosa
Moreira). O recurso adesivo não constitui, portanto, um expediente de facilitação de
recursos. Bem
ao contrário: visa a diminuir o número de impugnações autônomas. Dentro da teleologia
que inspirou
a adoção do recurso adesivo, não se deve prestigiar o procedimento da parte que, tendo
interposto
sem o devido preparo o recurso ordinário independente, posteriormente reproduz essa
impugnação na
via adesiva. Recurso de revista não conhecido, no particular (...) (TST-RR n. 634739, 4ª
T., Rel. José
Antônio Pancotti, DJ 24-9-2004).
RECURSO ADESIVO – INADMISSIBILIDADE APÓS A INTERPOSIÇÃO DE
RECURSO
AUTÔNOMO. O oferecimento de recurso adesivo, depois da interposição de recurso
autônomo,
equivale à modificação deste, não constituindo variação, mas sim reincidência,
inadmissível em face
do princípio da unirrecorribilidade (TRT 2ª R., RO n. 02865.1999.059.02.00-7, 2ª T.,
Rel. Juiz Luiz
Carlos Gomes Godói, DO 11-5-2004).
RECURSO ORDINÁRIO E ADESIVO. Em face do princípio da unirrecorribilidade
dos recursos e
do instituto da preclusão consumativa, não há como ser conhecido o recurso adesivo
quando a parte
já se utilizou da faculdade de recorrer (TRT 2ª R., RO n. 03609.2002.902.02.00-6, 10ª
T., Rel.
Designada Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, DO 27-8-2002).
6.5. Princípio da conversibilidade ou fungibilidade
O CPC de 1939 admitia a interposição de um recurso em lugar de outro (art.
810). Tal faculdade não foi permitida pelo CPC/73.
Entretanto, seria possível sustentar que, com base no art. 250 do CPC/73 (“o
erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não
possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários”), estaria
permitido o aproveitamento de um recurso inadequado. Esse dispositivo
consagra o princípio da instrumentalidade das formas dos atos processuais, o
qual é reproduzido quase que literalmente no art. 283 do CPC.
No processo laboral, à luz do princípio da simplicidade, a instrumentalidade
das formas dos atos processuais sempre foi adotada, principalmente, pelo fato de
os recursos trabalhistas terem, em geral, o mesmo prazo para interposição (oito
dias, salvo os embargos de declaração, cujo prazo é de cinco dias), prevalecendo,
entretanto, a ressalva da má-fé do recorrente.
Noutro falar, interposto um recurso trabalhista em lugar de outro, dentro do
prazo alusivo ao recurso próprio, não se perde aquele, salvo no caso de evidente
má-fé do recorrente. É o que dispõem a OJ n. 69 da SBDI-2/TST e a Súmula
421, II, do TST.
Contudo, a SBDI-2 editou a OJ n. 152, firmando entendimento de que não há
lugar para a incidência do princípio da fungibilidade na hipótese de erro
grosseiro. Eis o teor da referida OJ 152:
AÇÃO RESCISÓRIA E MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO DE REVISTA
DE
ACÓRDÃO REGIONAL QUE JULGA AÇÃO RESCISÓRIA OU MANDADO DE
SEGURANÇA.
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. ERRO GROSSEIRO NA
INTERPOSIÇÃO DO RECURSO (DJe divulgado em 03, 04 e 05.12.2008). A
interposição de
recurso de revista de decisão definitiva de Tribunal Regional do Trabalho em ação
rescisória ou em
mandado de segurança, com fundamento em violação legal e divergência
jurisprudencial e remissão
expressa ao art. 896 da CLT, configura erro grosseiro, insuscetível de autorizar o seu
recebimento
como recurso ordinário, em face do disposto no art. 895, b, da CLT.
Esse verbete encontra-se em sintonia com a Súmula 425 do TST, pois esta não
mais permite o jus postulandi (CLT, art. 791) nas hipóteses de recursos
endereçados àquela Corte Superior.
6.6. Princípio da dialeticidade ou discursividade
Diz o art. 899, caput, da CLT:
Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo,
salvo as
exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (grifos
nossos)
Esse dispositivo não deve ser interpretado literalmente143
, pois é da índole dos
recursos, mesmo os previstos na CLT, que o recorrente decline as razões de seu
inconformismo com a decisão hostilizada.
Recurso sem fundamentação, ou razões recursais, é o mesmo que recurso
genérico, petição inicial sem causa de pedir (ou breve relato dos fatos) ou
contestação por “negação geral”.
Ademais, como poderia a outra parte – recorrida – exercer plenamente o seu
direito de ampla defesa se o recorrente não indicasse os motivos com que
impugna a decisão recorrida? O jus postulandi e o princípio da simplicidade, que
são infraconstitucionais, não podem olvidar os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa.
A indicação dos capítulos impugnados da decisão recorrida permite saber,
ainda, se outras partes ou capítulos não impugnados transitaram ou não em
julgado. Exemplo: o empregado ajuíza ação postulando os pedidos A, B e C,
sendo que a sentença julga procedente o pedido A e improcedentes os pedidos B
e C. Neste caso, se o recurso interposto pelo empregado não declinar
especificamente o capítulo impugnado, não se poderá identificar se a sentença
transitou em julgado em relação aos pedidos B ou C.
A interpretação literal da lei (CLT, art. 899) poderia endossar, por outro lado, a
prática de recursos meramente procrastinatórios, em detrimento dos postulados
éticos do processo e mesmo da sua celeridade, tão caros ao processo trabalhista.
O princípio ora focalizado, pois, informa que o recurso deve ser discursivo,
dialético. Cabe ao recorrente, portanto, indicar no apelo as partes ou capítulos da
sentença que pretende impugnar e as respectivas razões da impugnação,
possibilitando, assim, ao juízo ad quem a verificação da validade e da justiça da
decisão recorrida.
A não observância pelo recorrente do princípio da dialeticidade implica o não
conhecimento do seu recurso por irregularidade formal.
Colhe-se, a propósito, o magistério de Valentin Carrion:
A interposição dos recursos dispensa formalidades. As razões do inconformismo da
parte são
requisitos para apreciação do mérito e até para o seu recebimento pelo Juízo recorrido
ou simples
conhecimento prefacial pelo Juízo a quo. A interposição “por simples petição” (CLT,
art. 899)
significa não haver necessidade de outras formalidades, como, por exemplo, o “termo
de agravo nos
autos”, que era exigido no CPC de 1939, art. 852, vigente quando promulgada a CLT.
Mas a
fundamentação é indispensável, não só para saber quais as partes da sentença recorrida
que
transitaram em julgado, como para analisar as razões que o Tribunal deverá examinar,
convencendo-
se ou não, para reformar o julgado. O processo é um instrumento técnico; os
injustiçados só têm a
ganhar com seu maior aperfeiçoamento técnico e lógico144
.
No mesmo sentido, Décio Sebastião Daidone, para quem:
simples petição não significa que possa ser apenas por meio de uma peça, apenas
solicitando a
revisão recursal pelo Tribunal ad quem, sem qualquer fundamentação fática ou de
direito. Poderá
haver, sim, uma “simples petição”, mas de encaminhamento das razões recursais, em
que por outro
lado (...) deverá conter toda a matéria e fundamentos do que se pretende revisar145
.
Ademais, há recursos, como os de natureza extraordinária (recurso de revista,
recurso de embargos), que, por serem eminentemente técnicos, exigem até
mesmo que o recorrente aponte o dispositivo de lei que entende violado
literalmente pela decisão recorrida. Nessa linha, é a Súmula 221 do TST. Aliás,
os recursos dirigidos ao TST devem ser subscritos por advogados, consoante
dispõe a Súmula 425 daquela Corte.
De outra parte, parece-nos irrefletida a tese dos que discriminam os recursos
subscritos por advogados, os quais teriam de ser fundamentados, e os subscritos
pela própria parte (jus postulandi), que prescindiriam de fundamentação. Não há
base lógica ou jurídica para tal discrimen.
É importante destacar que o TST editou a Súmula 422, alterada recentemente
para se adequar ao CPC, in verbis:
SÚMULA 422. RECURSO. FUNDAMENTO AUSENTE OU DEFICIENTE. NÃO
CONHECIMENTO (redação alterada, com inserção dos itens I, II e III, Res. 199/2015,
DEJT
divulgado em 24, 25 e 26.06.2015, com errata publicada no DEJT divulgado em
01.07.2015).
I – Não se conhece de recurso para o Tribunal Superior do Trabalho se as razões do
recorrente não
impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que proferida.
II – O entendimento referido no item anterior não se aplica em relação à motivação
secundária e
impertinente, consubstanciada em despacho de admissibilidade de recurso ou em
decisão
monocrática.
III – Inaplicável a exigência do item I relativamente ao recurso ordinário da
competência de Tribunal
Regional do Trabalho, exceto em caso de recurso cuja motivação é inteiramente
dissociada dos
fundamentos da sentença.
O item II da Súmula 422 do TST não admite a aplicação do princípio (que
também é um pressuposto recursal) da dialeticidade em relação à motivação
secundária e impertinente, consubstanciada em despacho de admissibilidade de
recurso ou em decisão monocrática.
Como se infere do item III da Súmula 422 do TST, só se aplicaria o princípio
da dialeticidade: a) aos “recursos para o TST”, isto é, aos recursos de natureza
extraordinária; b) ao recurso ordinário dirigido ao TRT cuja motivação for
inteiramente dissociada dos fundamentos da sentença.
Vê-se, assim, que o item III da Súmula 422 do TST não admite a aplicação do
princípio da dialeticidade nos recursos de natureza ordinária de competência
recursal de TRT, “exceto em caso de recurso cuja motivação é inteiramente
dissociada dos fundamentos da sentença”. Tal ressalva é, seguramente, um
conceito legal indeterminado, cabendo ao Relator, no caso concreto, proceder ao
exame das razões recursais e afirmar se elas são ou não “inteiramente
dissociadas dos fundamentos da sentença”. Mas, neste caso, estaremos diante da
impossibilidade de conhecimento do recurso por “inovação recursal”.
Não se deve olvidar, ainda, que o art. 1.010, II e III, do CPC passou a exigir
que a apelação (equivalente ao recurso ordinário trabalhista) contenha tanto a
exposição do fato e do direito quanto as razões do pedido de reforma ou de
decretação de nulidade da sentença.
Além disso, o item XXVIII do art. 3º da IN n. 39/2016 do próprio TST manda
aplicar ao processo do trabalho o disposto nos “arts. 1.013 a 1.014 (efeito
devolutivo do recurso ordinário – força maior)”.
De outro lado, o item I da Súmula 393 do TST, já “adaptada ao art. 1.013 do
CPC”, adota a teoria da impugnação dos capítulos da sentença atacada por
recurso ordinário, nos seguintes termos:
SÚMULA 393. RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM
PROFUNDIDADE. ART.
1.013, § 1º, DO CPC DE 2015. ART. 515, § 1º, DO CPC DE 1973 (nova redação em
decorrência do
CPC de 2015, Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016).
I – O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do
art. 1.013 do
CPC de 2015 (art. 515, § 1º, do CPC de 1973), transfere ao Tribunal a apreciação dos
fundamentos
da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não renovados em
contrarrazões,
desde que relativos ao capítulo impugnado.
Ora, se o efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário transfere ao
TRT, segundo o item I da Súmula 393 do TST, a apreciação de fundamentos da
inicial ou da defesa, “desde que relativos ao capítulo impugnado”, então salta
aos olhos que para o TST há necessidade de impugnação específica da parte da
sentença atacada pelo recurso ordinário. Em outras palavras, o item I, parte final,
da Súmula 393 do TST exige a dialeticidade em relação ao capítulo impugnado
como pressuposto de admissibilidade do recurso ordinário.
Há, portanto, manifesta contradição entre o item I, parte final, da Súmula 393
e o item III da Súmula 422, ambas do TST.
A jurisprudência dos TRTs, a nosso ver, acertadamente, vem se inclinando,
ainda que sob o enfoque do art. 514, II, do CPC/73, pela rejeição do item III da
Súmula 422 do TST e pela aplicação do princípio da dialeticidade aos recursos
de natureza ordinária, como se observa das seguintes ementas:
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. Não se
conhece de
recurso, pela ausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC,
quando as
razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos
em que fora
proposta. Inteligência da Súmula 422 do C. TST (TRT 17ª R., 0078800-
58.2011.5.17.0131, Rel. DesCláudio Armando Couce de Menezes, DEJT 9-7-2012).
RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. FALTA DE DIALETICIDADE.
Como bem
salientado no parecer emitido pelo Ministério Público do Trabalho, a recorrente não
atacou os
fundamentos da decisão recorrida. Logo, há ofensa ao princípio da dialeticidade (TRT-
1ª R., RO
117320105010471, Rel. Des. Valmir de Araujo Carvalho, 2ª T., DEJT 22-11-2012).
PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. RECURSO
CONHECIDO
PARCIALMENTE. As razões de reforma devem se dirigir ao conteúdo da decisão
impugnada,
apresentando um confronto com sua motivação. Assim, se parte do recurso não
apresenta qualquer
argumento atacando a decisão, não atende ao princípio da dialeticidade e, portanto, deve
ser
conhecido parcialmente (TRT 17ª R., 0004500-21.2011.5.17.0004, 3ª T., Rel. Des.
Carlos Henrique
Bezerra Leite, DEJT 9-11-2011).
RECURSO. NÃO CONHECIMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
DIALETICIDADE.
Vigora no nosso Ordenamento Jurídico, em face da regra contida no inciso II do art. 514
do CPC, o
princípio da dialeticidade dos recursos, segundo o qual cabe ao recorrente infirmar os
fundamentos
de fato e de direito que embasaram a decisão recorrida, possibilitando, assim, a
impugnação da parte
contrária. Tal determinação é extremamente salutar porque além de prestigiar o
princípio
constitucional do contraditório e da ampla defesa, permite ao julgador ad quem aferir de
imediato a
correção, ou não, da sentença farpeada (TRT 5ª R., RO n. 01199.2003.013.05.00-3, 2ª
T., Rel. Juíza
Dalila Andrade, DO 27-4-2004).
AGRAVO DE PETIÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS QUANTO À
MATÉRIA SUJEITA A
REEXAME. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. Ao estabelecer o
art. 899 da
Consolidação das Leis do Trabalho que os recursos serão interpostos por mera petição
não autorizou
a parte a despojá-lo de motivação, ainda que sucinta e singela. O Processo do Trabalho
dispensa
formalismo, considerando que se assenta no princípio finalístico ou da transcendência.
Todavia, não
se pode prescindir dos motivos justificadores do pedido de reexame, para análise do
apelo e
modificação da decisão atacada (TRT 6ª R., AP n. 01674.1996.002.06.00-2, 1ª T., Rel.
Juíza Eneida
Melo Correia de Araújo, DOE 9-3-2005).
RECURSO. ÓBICE AO CONHECIMENTO. FALTA DE DIALETICIDADE. Se ao
interpor o
recurso ordinário a parte não enfrenta os fundamentos expostos na sentença cujo teor
pretende
reformar, enveredando por caminhos tortuosos, incorre em atecnia capaz de inviabilizar
o
conhecimento do apelo. Inteligência da Súmula 422 do c. TST (TRT 1ª R., RO
0146700-
54.2007.5.01.0063, 7ª T., Rel. Des. Rosana Salim Villela Travesedo, DO 17-6-2010).
RECURSO ORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. O princípio da
dialeticidade que
informa os recursos exige que o recorrente impugne expressamente os fundamentos da
decisão
atacada. Não basta ao recorrente pleitear a reforma da decisão agravada com a repetição
dos termos
lançados na peça inaugural ou na defesa, pois deve necessariamente atacar os
fundamentos da
decisão recorrida (inciso II do art. 514 do CPC) a fim de permitir ao órgão colegiado
cotejar os
fundamentos lançados na decisão judicial com as razões contidas no recurso e desse
exame extrair a
melhor solução ao caso concreto. A ausência de impugnação dos fundamentos da
decisão agravada
implica no não conhecimento do recurso, conforme Súmula 422 do c. TST (TRT 2ª R.,
RO
01718.2006.016.02.00-1, 12ª T., Rel. Des. Marcelo Freire Gonçalves, DOESP 24-8-
2007).
PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. PRESSUPOSTO EXTRÍNSECO DE
ADMISSIBILIDADE
RECURSAL. Pelo princípio processual da dialeticidade, a fundamentação, cujo
atendimento
pressupõe necessariamente a argumentação lógica destinada a evidenciar o equívoco da
decisão
impugnada, é pressuposto extrínseco de admissibilidade de qualquer recurso. Como é
cediço, nos
termos do inciso II do art. 514 do CPC e do entendimento cristalizado na Súmula 422
do TST, a parte
deve, nas razões de recurso, atacar os fundamentos da decisão recorrida, apresentando
fundamentação que a infirme, sob pena de desatender ao princípio da dialeticidade
(TRT 3ª R., RO
1377/2009-134-03-00.1, 7ª T., Rel. Des. Marcelo Lamego Pertence, DEJT 23-6-2010).
Recurso ordinário. Não conhecimento do recurso. Ausência de fundamentação.
Princípio da
dialeticidade recursal e princípio da simplicidade. O princípio da simplicidade, previsto
no art. 899
da CLT, somente se aplica à petição de interposição, sendo necessário que o autor
aponte em suas
razões a ilegalidade ou injustiça da decisão recorrida, fundamentando o argumento do
recurso,
possibilitando à instância revisora confrontar as razões do recorrente com as razões da
decisão
recorrida (princípio da dialeticidade). Considerando que o presente recurso não
preenche os
requisitos de admissibilidade quanto à sua regularidade formal, pois não impugnou os
fundamentos
da sentença, inviabilizado está o seu conhecimento (TRT 2ª R., RO SP
00007211720125020303, Rel.
Des. Bianca Bastos, 9ª T., DEJT 6-8-2013).
6.7. Princípio da voluntariedade
O sistema recursal trabalhista também é orientado pelo princípio da
voluntariedade, pois, sendo o recurso, como já frisamos em linhas pretéritas, um
prolongamento do exercício do direito de ação, é óbvio que os tribunais não
poderão, em linha de princípio, apreciar matérias que não foram levadas à sua
cognição pelas partes.
Assim, é preciso que a parte deixe clara a sua intenção de recorrer, que é um
ato processual voluntário. A interposição do recurso, portanto, encerra uma
manifestação do princípio dispositivo em outra fase do processo, que é a fase
recursal. É por essa razão que a remessa ex officio não pode ser, como veremos
no item 8 infra, considerada recurso.
Destarte, não poderá o juízo ad quem conhecer de matérias não agitadas no
recurso, salvo aquelas consideradas de ordem pública a cujo respeito, enquanto
não configurada a res judicata, não tenha operado a preclusão (CPC, art. 485, §
3º, por exemplo).
Os §§ 1º a 3º do art. 1.013 do CPC, no entanto, permitem ao juízo ad quem, na
apelação (e por similitude no recurso ordinário), conhecer de questões suscitadas
e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
relativas ao capítulo impugnado ou de fundamentos contidos no pedido ou na
defesa ou, ainda, apreciar o próprio mérito em algumas hipóteses quando o
processo estiver em condições de imediato julgamento. Trata-se, neste caso, de
aplicação do efeito translativo inerente aos recursos de natureza ordinária.
6.8. Princípio da proibição da reformatio in pejus
O princípio da proibição da reformatio in pejus decorre de dois outros
princípios: duplo grau de jurisdição e dispositivo.
O princípio em epígrafe proíbe que, no julgamento de um recurso, o órgão
judicante superior profira decisão que piore o resultado meritório da demanda
para o recorrente.
Se não houve recurso contra uma parte do decisum desfavorável a um dos
demandantes, tal parte torna-se intangível, isto é, transita em julgado, não
podendo ser atingida pelo julgamento das outras partes que foram devolvidas, no
apelo, ao conhecimento da instância superior.
Esse princípio, todavia, não é adotado expressamente pelo CPC, mas é
largamente aceito pela doutrina e jurisprudência.
Cumpre assinalar que o princípio em tela não tem o condão de alcançar
aquelas questões de ordem pública, conhecíveis de ofício em qualquer tempo e
grau de jurisdição (CPC, art. 485, § 3º). Noutro falar, não há violação ao
princípio em tela quando o tribunal reconhece efeito translativo ao recurso, como
já vimos no item 6.3.3 supra.
À guisa de ilustração, imaginemos a hipótese em que o autor formule pedido
de adicional de produtividade na base de 100%, obtendo sentença meritória de
procedência parcial, ou seja, a Vara do Trabalho defere-lhe apenas 50%.
Irresignado, o autor recorre, pleiteando reforma parcial do julgado. O tribunal,
de ofício ou mediante provocação do recorrido, constata a existência de coisa
julgada em relação ao referido pedido e julga extinto o processo sem resolução
de mérito (CPC, art. 485, V). Essa nova decisão piorou, à evidência, a situação
anterior em que se encontrava o autor. Todavia, não há falar, in casu, em
maltrato ao princípio ora focalizado, pois a matéria relativa à coisa julgada, por
ser de ordem pública, é conhecível de ofício pelo juízo ad quem, nos termos do §
3º do art. 485 do CPC.
Sobre a inaplicabilidade do princípio da proibição da reformatio in pejus
diante de questões de ordem pública, colhe-se o seguinte julgado:
(...) 2. PRINCÍPIO NON REFORMATIO IN PEJUS. TERMO DE CONCILIAÇÃO.
COMISSÃO DE
CONCILIAÇÃO PRÉVIA. VALIDADE. AUSÊNCIA DE RECURSO OBREIRO. O
princípio da
proibição da reformatio in pejus decorre do princípio do dispositivo e também do
tantum devolutum
quantum appellatum, segundo o qual não se pode agravar a situação do recorrente.
Constituem
exceção a esse princípio, aquelas matérias que o Tribunal pode conhecer de ofício,
como as
mencionadas no artigo 301 do CPC, que são de ordem pública. Considerando que o
recurso adesivo
obreiro não manifestou insurgência quanto ao reconhecimento judicial em primeiro grau
acerca da
validade de Termo de Acordo firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia, há
que se manter
essa decisão, estando, por conseguinte, quitadas as parcelas consignadas no aludido
Termo. 3.
Recurso patronal parcialmente conhecido e parcialmente provido; recurso obreiro
conhecido e
provido (TRT 10ª R., RO 00475-2007-017-10-85-0, 2ª T., Rel. Des. Gilberto Augusto
Leitão Martins,
DJ 30-1-2009).
6.9. Princípio da
Os recursos devem estar expressamente previstos em lei, sendo certo que à
União compete legislar privativamente sobre direito processual (CF, art. 22, I).
Logo, somente a lei federal é que pode criar recursos judiciais. Os recursos,
portanto, são numerus clausus, isto é, taxativamente previstos em lei federal.
Daí por que alguns autores sustentam a inconstitucionalidade dos recursos
regimentais, ou seja, aqueles criados por regimentos internos dos tribunais.
O art. 893, caput, da CLT dispõe sobre o elenco dos recursos trabalhistas, a
saber:
I – embargos;
II – recurso ordinário;
III – recurso de revista;
IV – agravo (de instrumento e de petição).
O § 2º do mesmo artigo, porém, prevê o cabimento do recurso extraordinário
para o Supremo Tribunal Federal.
Além desses recursos, há, ainda, os embargos de declaração (CLT, art. 897-A),
o recurso (pedido) de revisão (Lei n. 5.584/70, art. 2º, § 1º) e o agravo
regimental das decisões do Corregedor (CLT, art. 709, § 1º).
Por força do art. 769 da CLT, há o cabimento do recurso adesivo no processo
do trabalho (TST, Súmula 283).
É importante salientar que, não obstante a ampliação da competência da
Justiça do Trabalho por força da EC n. 45/2004, a “sistemática recursal a ser
observada é a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive no
tocante à nomenclatura, à alçada, aos prazos e às competências” (TST, IN n.
27/2005, art. 2º).
Por fim, os §§ 1º e 2º do art. 1º da IN n. 39/2016 do TST (vide ADI 5.516)
autorizam a aplicação do CPC, subsidiária e supletivamente, aos recursos no
processo do trabalho, desde que observado:
a) “em todo caso, o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões
interlocutórias, de
conformidade com o art. 893, § 1º da CLT e Súmula n. 214 do TST”;
b) o prazo de 8 (oito) dias para interpor e contra-arrazoar todos os recursos trabalhistas,
inclusive
agravo interno e agravo regimental (art. 6º da Lei n. 5.584/70 e art. 893 da CLT), exceto
embargos de
declaração (CLT, art. 897-A)

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