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DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO
Ação de improbidade administrativa proposta contra Promotor de Justiça (podendo resultar na
perda do cargo): julgada em 1ª instância; ação civil de perda de cargo de Promotor não
envolvendo improbidade administrativa: julgada pelo TJ

Importante!!!
Ação Civil de perda de cargo de Promotor de Justiça cuja causa de pedir não esteja vinculada
a ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92 deve ser julgada pelo Tribunal de Justiça.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.737.900-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Chegaram indícios no Ministério Público de que João, Promotor de Justiça vitalício, teria praticado crime
no exercício de suas funções.
Diante disso, a Corregedoria do Ministério Público instaurou Processo Administrativo Disciplinar para
apurar o suposto delito.
Após a instrução, foi prolatada decisão no PAD concluindo pela prática do crime e recomendando a
propositura de ação penal contra o referido Promotor.

Neste PAD, o Promotor poderia ter sido demitido? Se um membro do Ministério Público pratica uma
infração disciplinar grave, ele poderá ser condenado, em processo administrativo, à pena de
demissão?
NÃO. Os membros do MP gozam de vitaliciedade e somente podem perder o cargo por sentença judicial
transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, “a”, da CF/88).
Além da CF/88, essa vitaliciedade foi regulamentada pelo art. 38, § 1º da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do MP) e pelo art. 57, XX, da LC 75/93 (Estatuto do MPU). Essas leis preveem que é necessária a
propositura de uma ação civil para a decretação da perda do cargo contra o membro do Ministério
Público que tiver praticado uma infração disciplinar grave.

Processo penal
O Procurador-Geral de Justiça ofereceu denúncia contra João no Tribunal de Justiça.
Ao final do processo, o Promotor foi condenado a uma pena de 2 anos e 3 meses de reclusão.
A pena privativa de liberdade foi substituída por penas restritivas de direito.
A condenação criminal transitou em julgado.

O Tribunal de Justiça, ao condenar o Promotor de Justiça pela prática do crime, poderia ter
determinado a perda do cargo, com base no art. 92, I, “a”, do CP?
NÃO. Relembre o que diz o art. 92, I, “a”, do Código Penal:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos
crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
(...)

A perda do cargo com base no art. 92, I, do CP não pode ser aplicada aos membros do Ministério Público
considerando que eles são regidos por normas previstas na legislação específica:
Segundo o art. 38, § 1º, I, e § 2º da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), a

Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3


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perda do cargo de membro do Ministério Público somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de
ação civil proposta para esse fim. Vale ressaltar, ainda, que essa ação somente pode ser ajuizada pelo
Procurador-Geral de Justiça, quando previamente autorizado pelo Colégio de Procuradores, o que
constitui condição de procedibilidade, juntamente com o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Assim, para que possa ocorrer a perda do cargo do membro do Ministério Público, são necessárias duas
decisões. A primeira, condenando-o pela prática do crime e a segunda, em ação promovida pelo
Procurador-Geral de Justiça, reconhecendo que o referido crime é incompatível com o exercício de suas
funções, ou seja, deve existir condenação criminal transitada em julgado, para que possa ser promovida
a ação civil para a decretação da perda do cargo (art. 38, §2º, da Lei nº 8.625/93).
O art. 92 do Código Penal não se aplica aos membros do Ministério Público condenados criminalmente
porque o art. 38 da Lei nº 8.625/93 disciplina o tema, sendo norma especial (específica), razão pela qual
deve esta última prevalecer em relação à norma geral (Código Penal).
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1409692/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
23/05/2017.

As regras sobre a perda do cargo de membro do Ministério Público estadual estão previstas em norma
especial, qual seja, Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que dispõe que a perda
do referido cargo somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta para esse fim.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.251.621-AM, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2014 (Info 552).

Confira como a legislação especial (Lei nº 8.625/93) tratou sobre o tema:


Art. 38. Os membros do Ministério Público sujeitam-se a regime jurídico especial e têm as
seguintes garantias:
I - vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença
judicial transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público;
III - irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o disposto na
Constituição Federal.
§ 1º O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial
transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos:
I - prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em
julgado;
II - exercício da advocacia;
III - abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos.
§ 2º A ação civil para a decretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral de
Justiça perante o Tribunal de Justiça local, após autorização do Colégio de Procuradores, na
forma da Lei Orgânica.

Repare que o § 2º ainda prevê que a ação civil para a decretação da perda do cargo somente pode ser
ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça quando previamente autorizado pelo Colégio de Procuradores,
o que constitui condição de procedibilidade, juntamente com o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Com efeito, em se tratando de normas legais de mesma hierarquia, o fato de a Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público prever regras específicas e diferenciadas das do Código Penal para a perda de cargo,
em atenção ao princípio da especialidade (lex specialis derogat generali) deve prevalecer o que dispõe a
Lei Orgânica.

Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4


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Como seria se fosse um Procurador da República (membro do MPF)?


Neste caso, a ação civil para perda do cargo deveria ser proposta pelo Procurador-Geral da República,
após autorização do Conselho Superior do MPF. Nesse sentido, confira o inciso XX do art. 57 da LC 75/93
(que versa sobre os membros do MPU):
Art. 57. Compete ao Conselho Superior do Ministério Público Federal:
(...)
XX - autorizar, pela maioria absoluta de seus membros, que o Procurador-Geral da República
ajuíze a ação de perda de cargo contra membro vitalício do Ministério Público Federal, nos casos
previstos nesta lei;

Voltando ao caso concreto: o que deve ser feito agora? João foi condenado criminalmente, mas não
perdeu o cargo no processo criminal. Como ele poderá perder o cargo?
O Procurador-Geral de Justiça deverá, após ser autorizado pelo Colégio de Procuradores, ajuizar ação
civil contra o Promotor pedindo a perda de seu cargo. É o que prevê, como já vimos acima, o § 2º do art.
38 da Lei nº 8.625/93:
Art. 38 (...)
§ 1º O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial
transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos:
I - prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em
julgado;
II - exercício da advocacia;
III - abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos.
§ 2º A ação civil para a decretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral de
Justiça perante o Tribunal de Justiça local, após autorização do Colégio de Procuradores, na
forma da Lei Orgânica.

Onde o PGJ deverá propor essa ação?


No Tribunal de Justiça, conforme determina o § 2º do art. 38.

A situação mudaria se o Promotor de Justiça estivesse em disponibilidade? Se João estivesse em


disponibilidade também teria que se cumprir o § 2º do art. 38, ou seja, seria necessária ação civil de
perda do cargo proposta pelo PGJ no TJ?
SIM. Isso porque o membro do Ministério Público quando colocado em disponibilidade não perde o
vínculo com a Administração Pública, recebendo seus proventos integrais e sendo assegurada a
contagem do tempo de serviço como se em exercício estivesse.
Assim, quando o Promotor é colocado em disponibilidade não há uma perda definitiva do cargo.

A explicação acima feita vale também para os casos de improbidade administrativa?


NÃO. Haveria diferenças. Vou explicar com calma.
De acordo com o § 4º do art. 37 da CF/88, se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa,
estará sujeita às seguintes consequências:
• suspensão dos direitos políticos;
• perda da função pública;
• indisponibilidade dos bens e
• ressarcimento ao erário.

O membro do Ministério Público pode ser processado e condenado por ato de improbidade administrativa?
SIM. É pacífico o entendimento de que o Promotor de Justiça (ou Procurador da República) pode ser
processado e condenado por ato de improbidade administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92.

Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5


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Vimos acima que o membro do MP goza de vitaliciedade e que a Lei nº 8.625/93 e a LC nº 75/93
preveem a necessidade de o PGJ ou PGR ajuizarem ação civil de perda do cargo. Mas e no caso da
improbidade administrativa? O membro do MP pode ser réu em uma ação de improbidade de que
trata a Lei nº 8.429/92 e, ao final, ser condenado à perda do cargo mesmo sem ser adotado o
procedimento da Lei nº 8.625/93 e da LC nº 75/93?
SIM. É possível, no âmbito de ação civil pública de improbidade administrativa, a condenação de
membro do Ministério Público à pena de perda da função pública prevista no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

Mas e a LC nº 75/93 e a Lei nº 8.625/93?


Para o STJ, essas leis não tratam sobre improbidade administrativa e, portanto, nada interferem nas
disposições da Lei nº 8.429/92.
Em outras palavras, existem as ações previstas na LC 75/93 e na Lei nº 8.625/93, mas estas não excluem
(não impedem) que o membro do MP também seja processado e condenado pela Lei nº 8.429/92. Os
dois sistemas convivem harmonicamente. Um não exclui o outro.
“A previsão legal de que o Procurador-Geral de Justiça ou o Procurador-Geral da República ajuizará ação
civil específica para a aplicação da pena de demissão ou perda do cargo, nos casos elencados na lei, não
obsta que o legislador ordinário, cumprindo o mandamento do § 4º do art. 37 da CF, estabeleça a pena
de perda do cargo do membro do MP quando comprovada a prática de ato ímprobo, em ação civil
pública própria para sua constatação.” (REsp 1.191.613-MG).

Quem irá propor a ação de improbidade administrativa contra o membro do MP? Exige-se que seja o
PGJ ou PGR?
NÃO. A ação de improbidade contra o membro do Ministério Público deverá ser proposta pelo Promotor
de Justiça ou Procurador da República, ou seja, pelo membro do MP que atua em 1ª instância.

Legitimidade para ajuizar a ação contra o membro do MP


• Se a ação a ser ajuizada for a da LC 75/93 ou a da Lei nº 8.625/93, nestes casos, a competência é
exclusiva do PGR ou do PGJ.
• Se a ação a ser ajuizada for uma ação de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), esta será
proposta “pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada” (art. 17). Não há, portanto,
competência exclusiva do Procurador-Geral. Percebe-se que o a Lei nº 8.429/92 ampliou a legitimação
ativa.

Dessa forma, não há somente uma única via processual adequada à aplicação da pena de perda do cargo
a membro do MP.

Vimos que a ação civil pela perda do cargo contra o Promotor de Justiça (em nosso exemplo, João)
deverá ser proposta pelo PGJ e a competência para julgá-la é do TJ. Isso vale também para a ação de
improbidade administrativa?
NÃO. Conforme já explicado, se a ação a ser ajuizada for uma ação de improbidade administrativa (Lei nº
8.429/92), esta pode ser proposta pelo Promotor de Justiça e tramitará em 1ª instância.
Assim, se um Promotor de Justiça pratica um ato de improbidade administrativa, outro Promotor de
Justiça irá ajuizar contra ele uma ação de improbidade que será julgada em 1ª instância por um Juiz de
Direito.

O que decidiu o STJ no Info 662:


Ação Civil de perda de cargo de Promotor de Justiça cuja causa de pedir não esteja vinculada a ilícito
capitulado na Lei nº 8.429/92 deve ser julgada pelo Tribunal de Justiça.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.737.900-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

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AÇÃO CIVIL DE PERDA DE CARGO PROPOSTA CONTRA PROMOTOR DE JUSTIÇA


1) Se for uma ação de 2) Se a causa de pedir não estiver vinculada a
improbidade administrativa: ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92:
A ação pode ser proposta por um Promotor de A ação deverá ser proposta pelo Procurador-
Justiça ou pela pessoa jurídica interessada. Geral de Justiça.
A ação será julgada pelo juízo de 1ª instância. A ação deverá ser julgada pelo Tribunal de
Justiça.
É regida pela Lei nº 8.429/92. É regida pela Lei nº 8.625/93.

DIREITO ADMINISTRATIVO

LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
Em ação de desapropriação indireta é cabível
reparação decorrente de limitações administrativas

Imóvel do particular foi incluído em unidade de conservação. Houve, no caso, uma limitação
administrativa. Ele ajuizou ação de desapropriação indireta pedindo indenização.
Mesmo não tendo havido desapropriação indireta, mas sim mera limitação administrativa, o
juiz deverá conhecer da ação e julgar seu mérito.
Devem ser observados os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia da
solução integral do mérito.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.653.169-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

Em que consiste a desapropriação indireta?


A desapropriação indireta ocorre quando o Estado (Poder Público) se apropria do bem de um particular
sem observar as formalidades previstas em lei para a desapropriação, dentre as quais a declaração
indicativa de seu interesse e a indenização prévia.
Trata-se de um verdadeiro esbulho possessório praticado pelo Poder Público.
A desapropriação indireta é também chamada de apossamento administrativo.

O que a pessoa pode fazer caso tenha sofrido uma desapropriação indireta?
• Se o bem expropriado ainda não está sendo utilizado em nenhuma finalidade pública: pode ser proposta
uma ação possessória com o objetivo de que a pessoa mantenha ou retome a posse do bem.
• Se o bem expropriado já está afetado a uma finalidade pública: considera-se que houve fato consumado
e somente restará ao particular ajuizar uma “ação de desapropriação indireta” a fim de ser indenizado.
Nesse sentido é o art. 35 do Decreto-Lei 3.365/41:
Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de
reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação,
julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Ação de desapropriação indireta


A ação de desapropriação indireta é uma ação de indenização proposta contra o Poder Público pelo fato
de ele ter se apossado do bem pertencente a particular sem cumprir as formalidades legais previstas para
os casos de desapropriação.

Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

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