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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

Disciplina: Direito Processual do Trabalho I (DIR044)


Professor: João Gabriel Lopes

Roteiro de Aula – Unidade 3 (Parte I)


JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
A jurisdição pode ser definida como “o poder de que todo juiz é investido pelo Estado
para dizer o direito, nos casos concretos submetidos à sua decisão”1. A jurisdição, no
direito brasileiro, é uma e indivisível. No entanto, a distribuição do seu exercício é efetuada
segundo regras específicas de competência, definida como “atribuição a um órgão
jurisdicional do poder-dever de exercer a jurisdição em situações típicas previstas pelo
ordenamento jurídico”2.
A competência pode ser definida em razão: (1) da matéria; (2) da pessoa; (3) do lugar; (4)
do valor da causa; e (5) das atribuições (conforme o grau de jurisdição, a fase do processo
ou o objeto do juízo).
Como regra geral, as regras de competência material, em razão da pessoa e funcional
possuem natureza absoluta, definindo-se a partir de critérios de ordem pública, de modo
que a incompetência do juízo pode ser cognoscível de ofício, cabendo até mesmo ação
rescisória (art. 966, II, CPC), no caso de descumprimento.
Por outro lado, as regras de competência territorial e em função do valor da causa são
relativas, admitindo-se o seu exercício fora dos limites geográficos ou financeiros
previamente estipulados. Por essa razão, a incompetência deve ser arguida pela parte
interessada, operando-se a preclusão em caso de não realização a tempo e modo.
Os juízes são competentes para analisar e declarar a sua própria competência (princípio
Kompetenz-Kompetenz). Caso reconheçam ser incompetentes, devem remeter ao juízo que

1 GIGLIO, Wagner. Direito processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53.
2 BERNARDES, Felipe. Manual de Direito Processual do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 156.
entendem dever conhecer da ação (translatio judicii). O juízo que recebe o processo também
pode analisar sua própria competência. Caso dois juízes se declarem, relativamente ao
mesmo caso, competentes ou incompetentes para o julgamento da causa, o segundo juízo
que dela conheceu deve instaurar um incidente de conflito de competência, que será
julgado segundo a seguinte regra:
Entre dois juízes de mesma jurisdição territorial trabalhista TRT
Entre juízes de jurisdição trabalhista territorial distinta TST
Entre Justiça do Trabalho e Justiça Comum STJ
Entre o TST e qualquer outro tribunal STF

E se houver pluralidade de pedidos? O juízo ao qual foi distribuída a ação deve julgar o
mérito dos pedidos de competência confirmada e extinguir sem julgamento de mérito os
pedidos de competência denegada.
Convém ressaltar que, nos termos do art. 64, §4º, do CPC, “Salvo decisão judicial em
sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente
até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.
A competência se define no ajuizamento da ação3 (perpetuatio jurisdictionis). Exceções:

• Supressão de órgão jurisdicional (ex.: extinção de vara do trabalho);


• Alteração da competência absoluta (ex.: EC 45/2004 / SV 22/STF);
• Conexão (coincidência de pedidos ou de causa de pedir) ou continência (art. 54,
CPC);
• Risco de decisões contraditórias (art. 55, §3º, CPC);
• Litispendência ou coisa julgada;
• Reiteração de pedido de processo extinto sem julgamento de mérito.

COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO


A essência da jurisdição trabalhista consiste na estipulação de uma relação material entre
uma classe que vive do trabalho e uma classe que é detentora de meios de produção.
Historicamente, à Justiça do Trabalho competia decidir processos cujo conteúdo material
estivesse restrito o direito material do trabalho, caracterizado a partir da relação entre
empregado e empregador. Apenas na hipótese de o legislador prever uma extensão além da
relação empregatícia, seria possível o exercício da jurisdição trabalhista sobre matéria não
trabalhista. Exemplos: contratos de empreitada em que o empreiteiro fosse operário ou
artífice (art. 652, III, CLT), ações entre portuário avulso e OGMO (art. 652, IV, CLT). O
conceito foi traduzido na redação original do art. 114 da Constituição de 1988, o qual
previa que à jurisdição especializada competia julgar “os dissídios individuais e coletivos
entre trabalhadores e empregadores (...) e, na forma da lei, outras controvérsias oriundas da
relação de trabalho”.

3 Art. 43, CPC: Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial,
sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando
suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.
Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, contudo, essa competência foi
significativamente ampliada, como visto em roteiro da unidade anterior, passando a Justiça
do Trabalho a resolver os conflitos que derivem da relação de trabalho em geral,
independentemente da previsão de atos normativos infraconstitucionais.
A competência material é sempre de ordem absoluta.
Relação de trabalho
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;

Relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego (com subordinação, não


eventualidade, pessoalidade e onerosidade) é espécie.
Da leitura do dispositivo, extrai-se que a Justiça do Trabalho é competente para julgar
ações envolvendo toda forma de prestação de serviços de natureza não comercial. O
entendimento majoritário do Judiciário exclui dessa competência as relações regradas pelo
Direito do Consumidor. Nesse sentido, a súmula 363 do STJ, segundo a qual compete à
Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal
contra cliente. A definição de prestador de serviço, de acordo com a jurisprudência
predominante (AREsp 646.466/ES) é dada segundo a teoria do finalismo mitigado, que
abrange o destinatário final de produtos e serviços e aqueles que, embora não sejam
destinatários finais, estejam em situação ode vulnerabilidade em relação ao fornecedor.
Em regra, a relação de trabalho envolve a prestação de serviços por pessoa física. No
entanto, em caso de fraude trabalhista (“pejotização”) ou de prestação por
microempreendedor individual, não há como excluir a incidência do art. 114, I, da
Constituição. Nessa última hipótese, contudo, é de se destacar a jurisprudência ainda
cambaleante sobre o tema.
Inequivocamente, empregados regidos pela CLT devem ter suas demandas contratuais
submetidas à Justiça do Trabalho, mesmo quando se trate de empregados públicos.

• Servidores públicos com regime estatutário: competência da Justiça Comum – STF:


ADI 3395.
Ementa: CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
DO TRABALHO. ART.114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA
CONSTITUCIONAL 45/2004. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL. EXPRESSÃO “RELAÇÃO DE TRABALHO”. INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O
PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES. PRECEDENTES. MEDIDA
CAUTELAR CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. 1. O processo legislativo para edição da Emenda Constitucional
45/2004, que deu nova redação ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal, é, do
ponto de vista formal, constitucionalmente hígido. 2. A interpretação adequadamente
constitucional da expressão “relação do trabalho” deve excluir os vínculos de natureza
jurídico-estatutária, em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não
alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores. 3. Medida Cautelar
confirmada e Ação Direta julgada parcialmente procedente.
(ADI 3395, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em
15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-165 DIVULG 30-06-2020 PUBLIC
01-07-2020)

• Servidores públicos temporários: competência da Justiça Comum..


• Servidores públicos com regime celetista/contratual: competência da Justiça do
Trabalho. Sinalização contrária recente do Supremo Tribunal Federal em caso de
greve:
Ementa: CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS. COMPETÊNCIA PARA O
JULGAMENTO DA LEGALIDADE DE GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS
CELETISTAS. JUSTIÇA COMUM. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO
GERAL. 1. É competência da justiça comum, federal ou estadual, conforme o caso, o
julgamento de dissídio de greve promovida por servidores públicos, na linha do precedente
firmado no MI 670 (Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 30/10/2008). 2. As Guardas Municipais executam
atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de
necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF), pelo que se submetem às
restrições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 654.432 (Rel.
Min. EDSON FACHIN, redator para acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Tribunal Pleno, julgado em 5/4/2017). 3. A essencialidade das atividades desempenhadas
pelos servidores públicos conduz à aplicação da regra de competência firmada pelo
Supremo Tribunal Federal no MI 670, mesmo em se tratando de servidores contratados
pelo Estado sob o regime celetista. 4. Negado provimento ao recurso extraordinário e
fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A Justiça Comum Federal ou Estadual é
competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da
administração direta, autarquias e fundações de direito público”.
(RE 846854, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-022 DIVULG 06-02-2018 PUBLIC 07-02-
2018).

• Contratação irregular na Administração Pública: é de competência da Justiça do


Trabalho decidir causas em que suscitada a contratação irregular de pessoal na
Administração Pública, salvo quando haja regime jurídico único instituído no ente
que contrata irregularmente.
"EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA -
REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.015/2014 - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. ENTE PÚBLICO. CONTRATAÇÃO APÓS A PROMULGAÇÃO DA
ATUAL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONCURSO
PÚBLICO. CONTRATO NULO. A competência para processar e julgar ação movida por
servidor público contratado na vigência da atual Constituição da República, sem prévia
aprovação em concurso, define-se em função do regime jurídico adotado pelo ente público
para seus servidores em geral: se celetista, a competência é da Justiça do Trabalho; se
administrativo/estatutário, da Justiça Comum. No caso dos autos, em que demandado o
Município de Boa Vista do Tupim, a competência para o exame do feito é da Justiça
Comum, já que o regime jurídico adotado no âmbito municipal, segundo se infere do
acórdão embargado, é o estatutário. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-
RR-1114-36.2013.5.05.0201, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator
Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 11/05/2018).

• Dissídios coletivos na Administração Pública: descumprindo a prescrição da


Convenção 98/OIT, o Brasil não instituiu, até o presente momento, mecanismos
de negociação coletiva no setor público. Paralelamente, existe o entendimento
majoritário no sentido de não ser possível a estipulação de cláusulas econômicas
por sentença normativa, na linha do art. 37, X, da Constituição e da Súmula 679 do
STF, segundo a qual a fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser
objeto de convenção coletiva. Mais recentemente, contudo, o TST tem admitido a
estipulação de cláusulas sociais por dissídio coletivo.
"RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO. FUNDAÇÃO. ANÁLISE
DAS CLÁUSULAS SOCIAIS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À ANÁLISE
DAS CLÁUSULAS DE NATUREZA ECONÔMICA. A jurisprudência desta Corte
é no sentido de restringir a legitimidade das entidades de caráter público para figurar
no pólo passivo de dissídio coletivo de natureza econômica. Isso porque as pessoas
jurídicas de direito público integrantes da administração indireta sujeitam-se às regras
constitucionais referentes aos servidores públicos, notadamente a exigência de lei
específica para alteração da remuneração (art. 37, X, CF/88), devendo ser observados,
ainda, os limites dos arts. 39 e 169 da Carta Magna. Ressalte-se que tal entendimento
independe de o regime adotado pela entidade para seus servidores ser celetista ou
estatutário. Entretanto, essa restrição é válida apenas para as cláusulas de conteúdo
econômico, em razão da expressa vedação constitucional, sendo possível a análise das
cláusulas sociais. Recurso ordinário parcialmente provido" (RXOFeRODC-2008000-
03.2005.5.02.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relator Ministro
Mauricio Godinho Delgado, DEJT 20/08/2010).

• Meio ambiente de trabalho: em caso de descumprimento de normas gerais relativas


à saúde, higiene e segurança do trabalho, a competência deve ser da Justiça do
Trabalho, mesmo quando se trate de servidores públicos.
Súmula 736, STF: “Compete à JT julgar as ações que tenham como causa de pedir o
descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos
trabalhadores”.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR AO
PODER PÚBLICO PIAUIENSE A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE
SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DO
INSTITUTO MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de desrespeito
ao decidido na ADI 3.395-MC não verificada, porquanto a ação civil pública em foco
tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas
trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores. 2. Reclamação
improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto.
(Rcl 3303, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2007,
DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-02 PP-
00312)

• Danos pré e pós-contratuais: violações pré e pós-contratuais que guardem relação


com o vínculo de trabalho são “oriundas da relação de trabalho” e, portanto,
devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho. Merece atenção, contudo, a recente
fixação do entendimento relativo a demandas envolvendo concursos públicos para
empresas públicas regidas pela CLT.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
Tema 992. DIREITO DO TRABALHO. DIREITO ADMINISTRATIVO.
DISCUSSÃO SOBRE COMPETÊNCIA. ART. 114, INCISO I, DA CF/88. FASE
PRÉ-CONTRATUAL. 1. Inexistência de relação de trabalho na chamada fase pré-
contratual a atrair a competência da Justiça do Trabalho. 2. Prevalência do caráter
público. Concurso público como ato de natureza administrativa. 3. Fixação da tese:
Compete à Justiça comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-
contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face
da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime
celetista de contratação de pessoal. Recurso extraordinário não provido.
(RE 960429, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
05/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020)

• Previdência complementar fechada: historicamente, a Justiça do Trabalho entendia


que o pacto de previdência complementar fechada era acessório ao contrato de
trabalho e, por isso, deveria permanecer sob sua alçada. Em 2013, contudo, o STF
deslocou a competência à Justiça Comum.
EMENTA Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil –
Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada
contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de
aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao
Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução
deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido
para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda -
Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho,
até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida
sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13). 1. A
competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de
previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito
Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da
Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art.
114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como ocorre no presente caso, o
intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se
adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará
maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se
conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para
o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência
buscando-se o complemento de aposentadoria. 4. Modulação dos efeitos da decisão
para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar,
até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em
que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013). 5.
Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da
prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida
complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que
tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência
privada sem que tenha havido o respectivo custeio.
(RE 586453, Relator(a): ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI,
Tribunal Pleno, julgado em 20/02/2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-
106 DIVULG 05-06-2013 PUBLIC 06-06-2013 EMENT VOL-02693-01 PP-00001)

• Representantes comerciais: também historicamente se reconhecia a competência da


Justiça do Trabalho para dirimir demandas de representantes comerciais
autônomos, mesmo quando não se pleiteava o reconhecimento de vínculo
empregatício. Recentemente, contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que,
não havendo demanda de reconhecimento de vínculo empregatício, as demandas
devem ser julgadas pela Justiça Comum. O precedente faz retornar uma
compreensão que se entendia ultrapassada pela EC 45/2004, que vincula a
competência trabalhista ao direito material do trabalho decorrente da relação de
emprego.
EMENTA: Direito Constitucional e do Trabalho. Repercussão Geral. Contrato de
representação comercial Autônoma, regido pela Lei nº 4.886/65. Não configuração de
relação de trabalho prevista no art. 114, CF. 1. Recurso Extraordinário interposto
contra decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que se alega afronta
ao art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal, com redação dada pela EC
45/2004. Na origem, cuida-se de ação de cobrança de comissões sobre vendas
decorrentes de contrato de representação comercial autônoma, ajuizada pelo
representante, pessoa física, em face do representado. 2. As atividades de
representação comercial autônoma configuram contrato típico de natureza comercial,
disciplinado pela Lei nº 4.886/65, a qual prevê (i) o exercício da representação por
pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter
não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de
negócios mercantis e (ii) a competência da Justiça comum para o julgamento das
controvérsias que surgirem entre representante e representado. 3. Na atividade de
representação comercial autônoma, inexiste entre as partes vínculo de emprego ou
relação de trabalho, mas relação comercial regida por legislação especial (Lei n°
4.886/65). Por conseguinte, a situação não foi afetada pelas alterações introduzidas
pela EC n° 45/2004, que versa sobre hipótese distinta ao tratar da relação de trabalho
no art. 114 da Constituição. 4. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que
toda e qualquer relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja
protegida por meio da relação de trabalho (CF/1988, art. 7º). Precedentes. 5. Ademais,
os autos tratam de pedido de pagamento de comissões atrasadas. O pedido e a causa
de pedir não têm natureza trabalhista, a reforçar a competência do Juízo Comum para
o julgamento da demanda. 6. Recurso extraordinário a que se dá provimento, para
assentar a competência da Justiça comum, com a fixação da seguinte tese:
“Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o
julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e
representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”.
(RE 606003, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO
BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-248 DIVULG 13-10-2020 PUBLIC 14-
10-2020)

Direito de greve
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que envolvam o exercício do direito de
greve, inclusive ações possessórias – interditos proibitórios (tutela inibitória), manutenção
da posse (turbação), reintegração de posse (esbulho) - STF, RE 579.6478, Rel. Min.
Carmen Lúcia; Súmula Vinculante nº 23. O entendimento, no entanto, é restritivo no que
tange aos servidores públicos, inclusive celetistas e temporários, como já destacado no RE
846.854/STF.
Conflitos sindicais
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e
trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

Incluem-se na competência da Justiça do Trabalho:

• Dissídios individuais sindicais: sindicato como substituto processual da categoria,


ou atuando em nome próprio, reivindicando direito seu.
• Dissídios intersindicais não coletivos: questões de representatividade.
• Dissídios intrassindicais: atividades internas (cobrança de mensalidades, convocação
de assembleias, eleições sindicais).
• Dissídios sindicais sobre contribuições sociais: ação de cobrança.
Em casos de sindicatos de servidores públicos, no entanto, a jurisprudência ainda é
vacilante.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA. ELEIÇÃO PARA ESCOLHA DE PRESIDENTE DE
SINDICATO DE SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS ESTATUTÁRIOS.
INCIDÊNCIA DO ART. 114, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPÓTESE
DIVERSA DAQUELA OBJETO DA ADI 3.395/DF. PRECEDENTES DO STJ.
CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DO
TRABALHO, SUSCITANTE.
I. Conflito Negativo de Competência, instaurado entre o Juízo da 1ª Vara do Trabalho
de Tangará da Serra/MT, suscitante, e o Juízo de Direito da 5ª Vara Cível de Tangará
da Serra/MT, suscitado.
II. Na ação objeto do Conflito de Competência, o autor questiona ato que excluíra sua
chapa da eleição para a escolha de presidente do Sindicato dos Servidores Municipais
de Tangará da Serra/MT, submetidos ao regime estatutário. A ação foi ajuizada na
Justiça Estadual, que declinou da competência para a Justiça do Trabalho, ao
fundamento de que "a regulamentação quanto a organização e eleições atinentes aos
sindicatos se encontra inserida/consolidada na CLT, inexistindo quaisquer
regramentos nos estatutos do servidores públicos atinentes a organização sindical, o
que inclusive demonstra a inviabilidade quanto a utilização dos fundamentos contidos
na ADI 3395 para limitar a competência da Justiça Trabalhista no que tange a
conflitos sindicais". Remetidos os autos à Justiça do Trabalho, foi suscitado o presente
Conflito de Competência, ao fundamento de que, "em que pese a EC 45/04 ter,
efetivamente, ampliado a competência desta Justiça Especializada, o STF, por meio da
ADI 3395, excluiu qualquer interpretação que insira na competência especializada as
relações estatutárias".
III. No caso, discute-se, no feito, conflito entre Sindicato e trabalhadores, relativo a
eleição sindical, tema subjacente à representação sindical, tal como previsto no art.
114, III, da CF/88, e não o vínculo jurídico-estatutário entre servidores públicos e o
Poder Público, tampouco os direitos dele decorrentes, afastando-se, pois, a aplicação
do entendimento firmado pelo STF, na ADI 3.395/DF, e a norma do art. 114, I, da
CF/88.
IV. Com efeito, entende o STF que "o inciso III do artigo 114 da Constituição Federal
é firme ao dispor que a competência trabalhista engloba todas 'as ações sobre
representação sindical, ente sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre
sindicatos e empregadores', o que significa que quaisquer demandas envolvendo
sindicatos devem ser interpretadas em sentido amplo, de modo a englobar qualquer
possível desdobramento que ocorra a partir de um dado liame sindical" (STF, RE
503.637/DF, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, DJe de 22/02/2011).
V. Na forma da atual jurisprudência da Primeira Seção do STJ, "a Medida Cautelar
concedida pelo STF na ADI 3395 MC / DF abrange apenas o art. 114, I, da CF/88 e
as causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores na discussão de sua
relação jurídico-administrativa ou estatutária, o que não é o caso dos autos (...)" (STJ,
CC 138.378/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA
SEÇÃO, DJe de 14/09/2015).
VI. Incidência, no caso, do disposto no art. 114, III, da CF/88, segundo o qual
compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações sobre representação
sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e
empregadores".
VII. O caso dos autos não se enquadra, pois, na hipótese tratada pelo Supremo
Tribunal Federal, na ADI 3.395/DF, na qual fora deferida, liminarmente, a tutela
requerida, para o fim de suspender "toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do
art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da
Justiça do Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder
Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou
de caráter jurídico-administrativo".
Nesse sentido: STJ, CC 144.883/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,
PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17/05/2018; CC 138.378/MA, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 14/09/2015;
CC 154.098/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe
de 19/12/2017.
VIII. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de
Tangará da Serra/MT, o suscitante, para o processo e o julgamento da lide.
(CC n. 171.039/MS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em
10/6/2020, DJe de 16/6/2020.)

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.


SINDICATO DOS TRABALHADORES DO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA -
SINDIGOIANIA. ELEIÇÕES SINDICAIS. SINDICATO REPRESENTATIVO
DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS. APLICAÇÃO DO
ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA
ADI-MC 3.395/DF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
1. A norma de competência prevista no art. 114, III, da Constituição Federal não se
aplica a demandas entre sindicato e sindicalizados regidos por normas estatutárias de
direito administrativo (cf. CC 94.825/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 08/09/2008; CC 86387/RS, Rel. Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 10/09/2007, p. 179).
2. Tal entendimento guarda consonância com a decisão do Pretório Excelso no exame
liminar da ADI nº 3395/DF - DJ de 04/02/2005, segundo a qual deve ser afastada a
regra de competência estabelecida no art. 114, III, da Constituição Federal em se
tratando de servidores municipais com vínculo estatutário.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no CC n. 134.824/GO, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira
Seção, julgado em 8/10/2014, DJe de 14/10/2014.)

Mandado de Segurança, Habeas corpus e Habeas data


IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

Compete à Justiça do Trabalho julgar mandados de segurança, habeas corpus e habeas data
quando se trata de matéria trabalhista. As hipóteses de cabimento são as mesmas da Justiça
Comum.
Mandado de segurança: Lei nº 12.016/2009 – ato coator de autoridade pública + direito
líquido e certo + prova pré-constituída.
Habeas corpus – violação à liberdade de locomoção (casos típicos: greve, jogadores de
futebol impedidos de negociar contratos).
Habeas data – acesso à informação pessoal constante de banco de dados público (ex. RAIS,
CAGED).
Ações de indenização por dano moral e material
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação
de trabalho;

Em casos de acidentes de trabalho, é importante ficar atento:


• Ação previdenciária: competência da Justiça Comum Estadual.
• Ação indenizatória: competência da Justiça do Trabalho (SV 22/STF).
Caso interessante é o do dano moral em ricochete, hipótese na qual tem sido reconhecida a
competência material da Justiça do Trabalho.
Penalidades administrativas
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores
pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que tenham como tema a
aplicação de penalidades administrativas pelas autoridades de fiscalização do trabalho,
inclusive execuções, mandados de segurança etc.
Execução de contribuições sociais
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e
seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

Compete à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, de contribuições sociais, desde que


sejam decorrentes das sentenças proferidas pela própria justiça especializada. Tais
contribuições alcançam apenas aquelas diretamente decorrentes de condenação
trabalhista em verbas específicas..
Falência e recuperação judicial
Em caso de decretação de falência ou deferimento de recuperação judicial, a JT é
competente até o fim da fase de liquidação.
Após constituído o crédito, extrai-se certidão para habilitação no juízo universal de falência.
São vedadas constrições patrimoniais pela Justiça do Trabalho.
Outros casos para discussão
Trabalho do preso
• Art. 28 da Lei de Execuções Penais – competência da Justiça Comum – STJ: CC
92851.
Autorização para trabalho infantil, artístico e desportivo
• Previsão do ECA de autorização do Juiz da Vara da Infância e da Juventude.
• STJ: competência da Justiça Comum.
• Matéria sob discussão no STF na ADI 5326.
Profissionais autônomos: representantes comerciais, transportador autônomo de cargas,
motorista autônomo – competência da Justiça do Trabalho?

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