Você está na página 1de 60

FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM


FAMÍLIA E SUCESSÕES

FLAVIA RIBEIRO DE MORAES


SARTORI

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA


UM ESTUDO À LUZ DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E A
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE MULTIPARENTALIDADES.

SÃO PAULO - SP
2019
FLAVIA RIBEIRO DE MORAES SARTORI

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE DO DIREITO DE FAMÍLIA


UM ESTUDO À LUZ DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E A
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE MULTIPARENTALIDADES.

Monografia apresentada à Faculdade Damásio,


como exigência parcial para obtenção do título
de Especialista em Direito de Família e
Sucessões, sob orientação da professora Gisele
Ilana Lenzi.

SÃO PAULO- SP
2019
FLAVIA RIBEIRO DE MORAES SARTORI

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA


UM ESTUDO À LUZ DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E A
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE MULTIPARENTALIDADES.

TERMO DE APROVAÇÃO

Esta monografia apresentada no final do Curso de


Pós-Graduação Lato Sensu em Direito de Família
e Sucessões, na Faculdade Damásio, foi
considerada suficiente como requisito parcial para
obtenção do Certificado de Conclusão. O
Examinado foi aprovado com a nota________.

São Paulo, 01 de novembro de 2019.


Dedico este trabalho a minha mãe Marli, ao meu
pai Luiz (in memorian) a meus irmãos Fabrício,
Ricardo e Luiz Roberto e suas famílias, por todo
apoio e incentivo que me proporcionaram durante
os estudos.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus, por ter me agraciado com vida e saúde todos os dias,
me sustentando com seu amor e sua bondade.
Agradeço a minha preciosa mãe, por toda paciência e incentivo durante a minha
graduação.
Por fim, agradeço a todos os docentes que contribuíram para o ensino e capacitação
dos alunos, ensinado a trilhar caminhos para o sucesso profissional.
“O leite alimenta o corpo; o afeto alimenta a alma”.
Içami Tiba.
RESUMO

O presente trabalho, tem por objetivo principal discorrer sobre as projeções da afetividade no
Direito de Família, com foco nas filiações socioafetivas de parentesco por afinidade e questões
relacionadas às multiparentalidades, com suas limitações e polêmicas, sendo elas: questões de
ordem moral e social, abordando aspectos de identidade na criança e o melhor interesse do
infante, previstos na Constituição Federal, Estatuto da criança e do Adolescente, Enunciados e
Provimentos.
Em virtude de constantes transformações da sociedade, sendo elas culturais, políticas, sociais e
tecnológicas, verificou-se que o Direito de Família sofreu inovações, especificamente no que
diz respeito a questões de paternidade e filiação, possibilitando novos arranjos familiares, dentre
eles, as constantes discussões acerca do reconhecimento voluntário e judicial de parentalidade
(maternidade e paternidade) socioafetiva e questões relacionadas a possibilidade de
multiparentalidade. Em especial, o recente julgado do Supremo Tribunal Federal –STF que, em
sede de Repercussão Geral, analisou a parentalidade socioafetiva e também a possibilidade
jurídica da multiparentalidade. Diante disso, através do método lógico-dedutivo,
fundamentando-se na construção doutrinária, jurisprudencial e normativa, o presente trabalho
analisou o princípio da afetividade no Direito Brasileiro, com enfoque nas famílias
socioafetivas e tipos de multiparentalidades, por meio de artigos jurídicos, doutrinas, revistas
jurídicas, jurisprudência, normas constitucionais e infraconstitucionais será o método de
procedimento específico do trabalho em questão.

Palavras- chave: Afetividade. Família. Filiação. Multiparentalidade. Socioafetividade


ABSTRACT

The present work aims to discuss the projections of affectivity in Family Law, focusing on
socioaffective affiliations of kinship by affinity and issues related to multiparentalities, with
their limitations and controversies, these are: questions of moral and social order, addressing
aspects of identity in the child and the best interest of the infant, provided in the Federal
Constitution, Statute of children and adolescents, Enunciates and Provisions. Due to the
constant transformations of society, being cultural, political, social and technological, it was
found that family law has undergone innovations, specifically with regard to issues of paternity
and affiliation, enabling new family arrangements, among them, the constant discussions about
voluntary and judicial recognition of socioaffective parenting (maternity and paternity) and
issues related to the possibility of multiparenthood. In particular, the recent ruling of the
Supreme Court -STF, which, in the seat of General Repercussion, analyzed socioaffective
parenting and the legal possibility of multiparenthood. Therefore, through the logical-deductive
method, based on doctrinal, jurisprudential and normative construction, the present work
analyzed the principle of affectivity in Brazilian law, focusing on socioaffective families and
types of multi-parentities, through legal articles, doctrines, legal journals, jurisprudence,
constitutional and infraconstitutional rules will be the specific method of procedure of the work
in question.

Keywords: Affectivity. Family. Affiliation. Multiparenthood. Socio-affection


LISTA DE ABREVIATURAS

CC - Código Civil

CF - Constituição Federal

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito das Famílias

MP - Ministério Público

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
2 ESCORÇO HISTÓRICO .................................................................................... 14
2.1 O DIREITO DE FAMÍLIA NO CONTEXTO ATUAL .......................................... 14
2.2 DOS PRINCÍPIOS PROTETIVOS DO DIREITO DE FAMÍLIA ............................ 17
2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana ......................................................................... 17
2.2.2 Solidariedade Familiar ................................................................................... 19
2.2.3 Pluralismo Familiar ....................................................................................... 19
2.2.4 Afetividade..................................................................................................... 21
2.2.5 Princípio do Melhor Interesse da criança ....................................................... 23
2.2.6 Igualdade de filiação ...................................................................................... 24
3 AS FAMÍLIAS E A AFETIVIDADE .................................................................. 26
3.1 AFETIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ............................................... 26
3.2 AFETIVIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .................................................... 27
3.3 AFETIVIDADE NA DOUTRINA BRASILEIRA.................................................. 28
4 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ............................................................................. 31
4.1 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA ................................................................ 31
4.1.1 POSSE DE ESTADO DE FILHO ...................................................................... 32
4.1.2 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO JUDICIAL ............................................ 34
4.2 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO EXTRAJUDICIAL................................... 34
5 MULTIPARENTALIDADE ................................................................................ 36
5.1 ASPECTOS GERAIS ......................................................................................... 36
5.2 PROVIMENTO 63/2017 E 83/2019 ..................................................................... 39
5.3 NOS TRIBUNAIS .............................................................................................. 44
5.4 EFEITOS JURÍDICOS NO DIREITO DE FAMÍLIA ............................................. 47
5.4.1 Alteração do nome e registro da dupla filiação ................................................ 47
5.4.2 Guarda compartilhada e a convivência familiar .............................................. 48
5.4.3 Alimentos ....................................................................................................... 49
5.4.4 Divisão de herança ......................................................................................... 50
5.4.5 Direito previdenciário e securitário ........................................................... .....51
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 53
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 55
12

1 INTRODUÇÃO

A família é reflexo da sociedade na qual está inserida e constantemente sofre por


mudanças estruturais e funcionais. Sabe-se que a concepção clássica de família estava intimamente
atrelada ao matrimônio, vínculos biológicos e registrais.

Ocorre que a nova realidade das famílias apresentou demandas complexas, sem previsões
legislativas, como por exemplo, os parentescos socioafetivos e os casos de multiparentalidades.

Dessa forma, coube ao Direito, se adaptar às grandes mudanças, de forma a corresponder


aos conflitos contemporâneos, e a rediscutir seus próprios métodos interpretativos concedendo a
afetividade grande importância e atribuição jurídica.

Ao tratar do tema, é de conhecimento comum que a Carta Magna, concede especial


proteção as crianças e adolescentes, bem como, trata expressamente de alguns institutos do direito
de família, reconhecendo a igualdade entre os filhos, entre homem e mulher, a união estável como
entidade familiar, a dignidade a outras entidades familiares e declarou o respeito à liberdade no
planejamento familiar.

Assim, os filhos havidos fora da relação matrimonial, possuem o direito de serem


reconhecidos não só pelos pais biológicos, como também por aqueles que venham a exercer relação
parental sobre eles.

Nesse sentido, em virtude de constantes transformações da sociedade, sendo elas culturais,


políticas, sociais e tecnológicas, verificou-se que o Direito de Família sofreu inovações,
especificamente no que diz respeito a questões de paternidade e filiação, possibilitando novos
arranjos familiares.

Dentre eles, as constantes discussões acerca do reconhecimento voluntário e judicial de


parentalidade (maternidade e paternidade) socioafetiva e questões relacionadas a possibilidade de
multiparentalidade.

Hoje, o Brasil conta com o Enunciado n° 622, do Supremo Tribunal Federal que dispõe
sobre a socioafetividade. Contudo ainda há julgamentos, em descompasso com a doutrina
predominante.
13

Diante disso, o presente trabalho abordará pontos relevantes que demonstram a


importância da socioafetividade no Direito Brasileiro, como um breve histórico das relações
familiares, bem como, princípios protetivos do Direito de Família, a afetividade como elemento
identificador dos vínculos familiares e questões gerais acerca da multiparentalidade, como:
conceito, regulamentações, e suas distinções previstas no ordenamento jurídico brasileiro, e por
fim as suas formas de regulamentação, a fim de complementar o entendimento acerca do tema.
14

2 ESCORÇO HISTÓRICO

Em um primeiro momento deste capítulo abordam-se aspectos sociais e culturais da


família nas sociedades tradicionais no Brasil descritas pelo Código Civil de 1916 (mil novecentos
e dezesseis) e a família contemporânea.

2.1 O DIREITO DE FAMÍLIA NO CONTEXTO ATUAL

O Direito como um todo vem sofrendo transformações, sobretudo no Direito de Família,


pois a sociedade passa por constantes transformações sociais.
Até o Código Civil de 1916, a família era tratada como um modelo único, ao qual se
formava somente através do matrimônio, não havendo possibilidade de dissolução de vínculo a não
ser pela morte de um dos cônjuges.

Esse modelo familiar transpessoal não dava qualquer abertura para o reconhecimento da
subjetividade entre os membros familiares e consequentemente, não se falava em afetividade.

A obra de Oscar Joseph de Plácido e Silva traz uma definição conferida a família clássica:

Família: Derivado do latim família, de famel (escravo, doméstico), é geralmente tido, sem
sentido restrito, como a sociedade conjugal. Nesse sentido então, família compreende os
cônjuges e sua progênie. E se constitui, desde logo, pelo casamento, Mas, em sentido lato,
família quer significar todo “conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da
consanguinidade” (Clóvis Bevilaqua). Representa-se, pois, pela totalidade de pessoas que
descendem de um tronco ancestral comum, ou seja, provindas do mesmo sangue,
correspondendo a gens dos romanos e aos genos dos gregos. No sentido constitucional
mais amplo, confunde-se com a expressão “entidade familiar”. É a comunhão familiar,
onde se computam todos os membros de uma mesma família, mesmo daquelas que se
estabeleçam pelos filhos, após a morte dos pais. Na tecnologia do Direito Civil, no entanto,
exprime simplesmente a sociedade conjugal, atendida no seu caráter de legitimidade, que
a distingue de todas as relações jurídicas desse gênero. E, assim, compreende somente a
reunião de pessoas ligadas entre si pelo vínculo de consanguinidade, de afinidade ou de
parentesco, até os limites prefixados em lei. Família. Entre os romanos, além do sentido
de conjunto de pessoas submetidas ao poder de um cidadão independente (homo sui juris),
no qual se compreendiam todos os bens que às mesmas pertencem, era sinônimo de
15

patrimônio, propriamente aplicado aos bens deixados pelo de cujus. E, nesta razão, dava-
se o nome de actio familiae erciscundade à ação de divisão de uma herança.1

A visão jurista clássica sobre família deixa claro a forte influência da igreja, o critério de
consanguinidade entre os membros da entidade e a preocupação central com o patrimônio.
Foi após a Segunda Guerra que a família passou a sustentar de forma crescente a
relevância dos laços afetivos, surgindo disposições infraconstitucionais que atenuaram o
formalismo do Código Civil de 1916, atendendo alguns aspectos pontuais da sociedade, como
exemplo: Estatuto da Mulher Casada (Lei n°4.121/62), a Lei do Divórcio (Lei n° 6.515/77), o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°8.069/90) e posteriormente, leis que admitiram a
União Estável (Lei n° 8.971/94 e Lei n°9.278/96).2
Por isso a partir daí, o conceito de família passou a possuir caráter plural, em decorrência
de passar por constantes transformações sociais, não existindo apenas um modelo de entidade
familiar ou um aspecto de filiação, por exemplo, pois se amolda de acordo com o contínuo
caminhar social.
Ao passar essas mudanças, inclusive em seu conceito, a família sofre influências de ordem
moral (ao se admitir o divórcio e ao tratar das reproduções assistidas), política (na medida em que
o Estado propõe um planejamento familiar) e ainda de natureza econômica (como nas questões
afetas à moradia, desemprego e nível de vida).3
O próprio ordenamento jurídico encontra dificuldades para acompanhar essas alterações
na sociedade que, de algum modo, acarretam consequências ao instituto.
Rodrigo da Cunha Pereira conceitua a família contemporânea da seguinte forma:

Família – [...] Com a Carta Magna, ela deixou sua forma singular e passou a ser plural,
estabelecendo-se aí um rol exemplificativo de constituições de família, tais como o
casamento, união estável e qualquer dos pais que viva com seus descendentes (famílias
monoparentais). Novas estruturas parentais e conjugais estão em curso, como as famílias
mosaicos, famílias geradas por meio de processos artificiais, famílias recompostas,
famílias simultâneas, famílias homoafetivas, filhos com dois pais ou duas mães, parcerias

1
PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho.
23.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. P.567
2
Calderón, Ricardo. Princípio da afetividade no direito de família – 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
3
GLANZ, Semy. A família mutante: sociologia e direito comparado: inclusive o novo Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.664
16

de paternidade, enfim, as suas diversas representações sociais atuais, que estão longe do
tradicional conceito de família, que era limitada à ideia de um pai, uma pai, filhos,
casamento civil e religioso.

A amplitude na conceituação de família, tem seus reflexos na Constituição Federal de


1988, que foi sensível ao novo modelo de família contemporânea, sendo também assentida pelos
tribunais, conforme explana o Ministro Luis Felipe Salomão:

[...] Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família
e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo
familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir um núcleo
doméstico chamado “família”, recebendo todos eles a “especial proteção do Estado”.
Assim, é bem de ver que. Em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito
histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família
e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da
dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional de casamento –
diferentemente do que ocorria com os diplomas superados – deve ser necessariamente
plural, porque os plurais também são famílias e, ademais, não é ele o casamento, o
destinatário da proteção especial do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito
maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo
familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes tanto
desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por
pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com
aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos, 5. O que importa agora,
sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a
“especial proteção do estado”, e é tão somente em razão desse desígnio de especial
proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o
constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico
chamado família. 4

Assim, é possível concluir que a família clássica se formava pela legitimidade e a família
atual é calcada no paradigma da afetividade e comunhão de vida entre seus membros.

4
STJ. Resp 1.183.378/RS. Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em 25.10.2011. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-especial-resp-1183378-rs-2010-0036663-8-stj/inteiro-
teor-21285515> Acesso em 25 de outubro de 2019.
17

2.2 DOS PRINCÍPIOS PROTETIVOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Os princípios são ideias basilares do Direito, sendo aplicáveis a casos em que o juiz não
consiga recorrer à analogia nem aos costumes para solução do conflito. Além disso, orientam o
legislador na elaboração de leis e o aplicador do Direito aos casos, de acordo com cada área de
atuação.
Observa-se o dispositivo do Código de Processo Civil acerca dos princípios: art. 140: o
juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.5
No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à
analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, cabendo ao caso o critério de
proporcionalidade e ponderação.
Nesse sentido, colabora Jorge Reis Novais:

Num quadro de ponderação de bens e da sua estruturação através do princípio da proibição


do excesso, esta garantia pode, quando muito, constituir um elemento de sinalização da
necessidade de preservar no direito fundamental, tanto quanto possível, um conteúdo
essencial, ou seja, um mínimo de conteúdo, objetivo e subjetivo, demarcado
materialmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana e, funcionalmente, pela
natureza dos direitos fundamentais enquanto trunfos contra a maioria. 6

A seguir, expõe-se alguns princípios concernentes ao Direito de Família que são conexos
ao tema do presente trabalho.

2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio regente da Carta Magna, com


previsão artigo 1º, inciso III, objetiva alcançar uma sociedade justa livre e solidária. Assim, em
vista da contemplação do princípio, a Constituição indica medidas para que esse princípio seja
alcançado.

5
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 set 2019.
6
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição.
Coimbra: Coimbra, 2003.
18

Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana encontra-se relacionada ao respeito


consigo mesmo e como cidadão no ambiente de coletividade favorável a exercer seus direitos. 7
O doutrinador Lammêgo Uadi Bulos conceitua a dignidade da seguinte maneira:

[...] um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem [...] pois


seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando
aspectos individuais, coletivos, políticos e sócias do direito à vida, dos direitos pessoais
tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos),
dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais. 8

Por isso, o princípio da dignidade da pessoa humana significa a possibilidade de igualdade


a todas as formas de entidades familiares, garantindo a integridade de cada membro no seu pleno
desenvolvimento pessoal e social.
Flávio Tartuce observa o seguinte:

Como se pode perceber, o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana é o ponto


central da discussão atual do Direito de família, entrando em cena para resolver várias
questões práticas envolvendo as relações familiares. Concluindo, podemos afirmar, que o
princípio da dignidade humana é o ponto de partida do novo Direito de Família. 9

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana, abrange outros Direitos, que são
fundamentais, pois se interligam por uma concepção humanística da sociedade, não podendo ser
dissociados pois é inerente a natureza humana.10
Assim, é possível concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana está
intimamente ligado ao Direito de família, uma vez que as mudanças sociais trouxeram novos
relacionamento afetivos e a liberdade na forma de constituição de entidade familiar e há violação
desse princípio quando se excluem as entidades familiares da tutela constitucional.

7
KAPPLER Kuhn Camila, KONRAD Regina Letícia. O princípio da dignidade da pessoa humana: Considerações
teóricas e implicações práticas. Artigo científico. Centro de ciências humanas e sociais, 2016.p.19
8
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.392
9
TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010 p.5
10
COSTA Martins Surany Ana. Filiação socioafetiva: Uma nova dimensão afetiva das relações parentais. Disponível
em:
<http://www.ibdfam.org.br/artigos/381/Filia%C3%A7%C3%A3o+socioafetiva%3A+Um+nova+dimens%C3%A3o+
afetiva+das+rela%C3%A7%C3%B5es+parentais# > Acesso em 29 de outubro de 2019.
19

2.2.2 Solidariedade Familiar

A solidariedade familiar tem como fundamento o laço de parentesco entre as partes, sendo
portanto uma obrigação natural e de natureza legal, por decorrer de uma determinação imperativa
de lei.
Assim, Maria Berenice Dias afirma:

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos
afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado
da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade a reciprocidade. (...) em se
tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade
e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos
inerentes aos cidadãos em formação.11

É um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, mas além disso,


orienta ajuda mútua entre os membros da entidade familiar em questões financeiras, emocionais e
afetivas. Assim, corresponde ao dever de assistência, fidelidade e colaboração dos familiares.
Bianca C. Massimo explica o seguinte: [...] a família nuclear se caracteriza pelo intenso
vínculo de solidariedade que existe reciprocamente entre seus membros, e que se traduz em direitos
e obrigações de assistência, fidelidade e colaboração por parte dos familiares.12
Assim, espera-se uma cooperação mútua de todos os membros da família, bem como,
ante a inteligência do artigo 227, da Constituição Federal, o Estado, em conjunto com a família e
a sociedade deverão prover e assegurar os direitos do cidadão às crianças e adolescentes.
Nesse sentido, a solidariedade abrange fatores externos e internos. Os fatores externos são
o poder público e a sociedade garantindo os direitos dos entes familiares. Já os fatores internos,
abrangem a obrigação de cada membro da família cooperar uns com os outros.

2.2.3 Pluralismo Familiar

Sabe-se que até pouco tempo atrás, a família patriarcal era exclusivamente constituída
pelo matrimônio do casal e sua dissoluçao somente se dava pelo óbito de um dos cônjuges. Todavia,
o modelo de sociedade tradicional passou mudanças de ordem moral em decorrência das

11
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007,
p.63.
12
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – v.2, la famiglia, le successioni. 4ed. Milano: Giuffré, 2005, p.4
20

transformações sociais vividas ao longo dos anos.


A partir de então, multiplicidade de espécies familiares surgem, se baseando na liberdade
que a dignidade da pessoa humana fornece e estabelecendo vínculos baseados na convivência e
afetividade.
Assim, o conceito de família passa a ser plural e a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 226, incluiu em seu texto novos modelos de famílias em um rol exemplificativo, intituidas
por união estável, as famílias monoparentais, por exemplo. Ainda, trouxe elevada importância as
questões ligadas ao afeto, como essencial a existência humana. Não obstante, o Supremo Tribunal
Federal equiparou a união estável homosexual com a união estável heterosexual.
Nesse sentido, o Ministro Luis Felipe Salomão explica o pluralismo com o advento da
Carta Magna, no texto do Recurso Especial sob o nº 1.183.378 Rio Grande do Sul:

“Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e,
consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo
familiar em que arranjos multifacetadossão igualmente aptos a constituir esse núcleo
doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado".
Assim, é bem de verque, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito
histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família
e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da
dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento -
diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente
plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o
destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um
propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.”13

Pode-se afirmar que prevalece o modelo de família eudemonista, buscando a realização


plena de seus membros, na construção do afeto e respeiro, ligados pela consaguinidade ou não. 14
Assim, o pluralismo familiar ganhou força com o advento da Constituiçao Federal
de 1988, marcado pelo modelo de família pós moderna, formada por múltiplas espécies de
estruturas familiares, devendo ser garantido aos seus membros a dignidade da pessoa humana e a
proteção do Estado.

13
STJ. REsp:2010/0036663-8/ RS, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 25/10/2011,
Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-especial-resp-1183378-rs-2010-
0036663-8-stj/inteiro-teor-21285515>. Acesso em 25 de outubro de 2019.
14
CARDOSO, Adailton de Souza. O pluralismo nas entidades familiares e os novos moldes de família. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/39664/o-pluralismo-nas-entidades-familiares-e-os-novos-moldes-de-familia> acesso
em 29 de outubro de 2019.
21

2.2.4 Afetividade

O afeto pode ser definido como um sentimento de carinho e cuidado estabelecido entre
as pessoas, através de laços criados que se mantém de forma contínua e duradoura.
No campo da psicologica, a afetividade é a suscetibilidade que apresenta diante de
alterações que acontecem no campo exterior e no íntimo do ser, gerando experiências agradáveis e
não agradáveis.15
Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus explica o sentido etimológico da palavra afeto:

Do latim afficere, afectum, e que significa produzir impressão; e também do latim affectus,
que significa tocar, comover o espírito, unir, fixar ou mesmo adoecer. Seu melhor
significado, no entanto, liga-se à noção de afetividade, afeccção, que deriva do latim
afficere ad actio, onde o sujeito se fixa, onde o sujeito se liga.16

Ao prescrever vasto rol de direitos fundamentais, A Constituição Federal Brasileira trouxe


expressamente alguns institutos de família, destacando o que segue: princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente (artigo 227) e no planejamento familiar (artigo 226, § 7ª).
A partir de 1988, é possível sustentar o reconhecimento jurídico da afetividade,
implicitamente, no tecido constitucional brasileiro.
O reconhecimento do afeto com valor de índole constitucional é admitido por Luiz Edson
Fachin, que ao tratar do assunto, assevera o seguinte:

(...) A Constituição de 1988, ao vedar o tratamento discriminatório de filhos, a partir dos


princípios da igualdade e inocência, veio a consolidar o afeto como elemento de maior
importância no que tange ao estabelecimento da paternidade. Foi para a Constituição o
que já estava reconhecido na doutrina e na jurisprudência .17

Além disso, Caio Mário da Silva Pereira se refere a afetividade e seu reconhecimento
constitucional com a seguinte leitura objetiva:

15
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos.3 ed. ver,atual e
amp –São Paulo: Atlas,2017,p.19.
16
BRITO, Rodrigo Toscano de. Situando o Direito de Família entre os princípios da dignidade humana e da
razoável duração do processo. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família e dignidade humana. V CONGRESSO
BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Anais...São Paulo: IOB Thomson, 2006.p.820.
17
FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil: do direito de Família, do direito pessoal, das relações
de parentesco. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.27.
22

O princípio jurídico da afetividade em que pese não estar positivado no texto


constitucional, pode ser considerado princípio jurídico, à medida que seu conceito é
construído por meio de uma interpretação sistemática da Constituição federal (art.5º, §2º
CF) princípio é uma das grandes conquistas advindas da família contemporânea,
receptáculo de reciprocidade de sentimentos e responsabilidades. 18

Assim, o princípio da afetividade está intimamente ligado ao princípio da dignidade da


pessoa humana, entrelaçando-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre
cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica
da família. Paulo Luiz Netto Lôbo ensina:

È o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações


socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter
patrimonial ou biológico.
Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da
evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na
doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais.
O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar o s princípios constitucuionais
fundamentais da dignidade da pessoa humana ( art. 1°, III) e da solidariedade (art3°,I), e
entrlaça-se com os princípios da convicência familiar e da igualdade entre cônjuges,
companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica
da família. A evolução da família “expressa a passagem do fato natural da consaguinidade
para o fato cultural da afinidade” (este no sentido de afetividade).19

Ou seja, a família passa a ser reconhecida como um grupo social essencialmente fundado
nos laços da afetividade, amparada pela noção de dignidade da pessoa humana.
Não obstante, a afetividade encontra-se ligada a ideia de parentesco. Plácido e Silva aduz
o seguinte sobre o assunto:

Derivado do latim popular parentatus, de parens, no sentido jurídico quer exprimir a


relação ou a ligação jurídica existente entre pessoas, unidas pela evidência de fato natural
(nascimento) ou de fato jurídico (casamento, adoção). Nesta razão, embora
originariamente parentesco, a relação entre parentes, traga um sentido de ligação por
consanguinidade, ou aquela que se manifesta entre as pessoas que descendem do mesmo
tronco, no sentido jurídico, o parentesco abrange todas as relações ou nexos entre as
pessoas, provenha do sangue ou não.

Além disso, o Código Civil em seu artigo 1.593, define parentesco como natural ou civil
e que pode ser resultado de consaguinidade ou outros meios.

18
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: família. 22 ed. rev e atual e ampl. Rio de janeiro:
Forense, 2014, p.65-66.
19
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva,2008. P.48.
23

Assim, o afeto é algo que se exterioriza e traz reflexos no mundo jurídico. Para isso, são
considerados alguns elementos essenciais que o afeto gera nas relações, como a autoridade parental
de uma pessoa em relação a outra, e a posse do estado de filho, ou seja, quando a pessoa é tratada
pela família como se filho fosse, bem como quando faz o uso de sobrenome da família e é
reconhecido no meio social como filho.

2.2.5 Princípio do Melhor Interesse da criança

O princípio do melhor interesse além de estabelecer uma diretriz vinculativa para


encontrar as soluções dos conflitos, deve buscar mecanismos eficazes para fazer valer, na prática,
essas mesmas soluções. Por meio da Declaração dos Direitos da criança esse princípio foi
consolidado, estando ele presente também no Código de Menores.
Tem por objetivo nortear o legislador e o aplicador da norma, tendo e vista a prioridade
das necessidades das crianças e adolescentes frente à sociedade, demandando interpretação em sua
aplicação, pois a lei não estabelece de forma específica em quais situações deverá ser aplicado.
A doutrina sustenta que esse princípio é inerente ao da proteção integral, e é utilizado
como critério hermenêutico, devendo observar primordialmente o melhor interesse da criança,
conforme trata o artigo 21 do Decreto nº 99.710/90.
Ensina Tânia da Silva Pereira, de conceitos diversos: um quantitativo, relativo ao maior
interesse da criança, e outro qualitativo, the best interest, traduzido pela doutrina brasileira como
melhor interesse da criança.20
Não obstante, a doutrinadora afirma que se trata de um princípio especial, o qual, a
exemplo dos princípios gerais de direito, deve ser considerado fonte subsidiária na aplicação da
norma.
Logo, sempre que havendo conflito de interesses entre uma criança ou adolescente com
outras pessoas, optar-se-á pelo favorecimento aos menores, por conta da dignidade inerente à sua
condição de pessoa em desenvolvimento, respeitando o princípio do melhor interesse.

20
PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente. Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 46.
24

2.2.6 Igualdade de filiação

A relação paterno filial de constitui com base na convivência familiar das partes,
independente da sua origem.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, cada membro da família lhe foi garantido
proteção. Assim especificamente em seu artigo 227, §6º, a Carta Magna concedeu proteção a toda
prole de um genitor, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, deixando explícito
a igualdade de tratamento entre todos filhos, quer seja os em comum entre os cônjuges, os adotados,
os reconhecidos ou os biológicos que não são frutos do matrimônio.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 2018 (dois mil e dezoito), reconheceu vínculo
socioafetivo após a morte do pretenso genitor, assegurando ao filho socioafetivo todos os direitos
hereditários como se filho biológico fosse, inclusive o direito ao quinhão hereditário:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA -


DIREITO SUCESSÓRIO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE
FILIAÇÃO/PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM -
RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA - VEDAÇÃO
DE DISCRIMINAÇÃO MORAL OU PATRIMONIAL - ASSEGURAÇÃO DOS
DIREITOS HEREDITÁRIOS DECORRENTES DA EVENTUAL COMPROVAÇÃO
DO ESTADO DE FILIAÇÃO - REGRA GERAL: RESERVA DO QUINHÃO
HEREDITÁRIO - EXCEÇÃO: MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL NA FORMA DE
PARTILHA DE BENS - RESPEITO À ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. - De
acordo com a legislação civil, a filiação socioafetiva constitui uma das modalidades de
parentesco civil (artigo 1.583, do CC/02), sendo vedado qualquer tipo discriminação
decorrente desta relação (artigo 1.582, do CC/02), sejam eles de caráter moral ou
patrimonial - Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a paternidade engloba
diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os
direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação (REsp
1618230/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017) - Em regra, a determinação de reserva de
quinhão se mostra medida suficientemente apta a resguardar os interesses dos pretensos
herdeiros até a resolução definitiva da ação na qual se discute o reconhecimento do estado
de filiação (§ 2º, do artigo 628, do CPC/15)- Nas hipóteses em que, excepcionalmente, o
reconhecimento da filiação socioafetiva implicar, por força da ordem de vocação
hereditária (artigo 1.829, do CC/02), substancial modificação na forma da partilha dos
bens, é recomendada a suspensão do inventário em curso (alínea a, do inciso V, do artigo
313, do CPC/15)- No caso, com o eventual acolhimento da pretensão deduzida pelo
pretenso filho socioafetivo, a ordem de vocação hereditária será substancialmente
alterada, irradiando efeitos sobre o desfecho patrimonial do inventário, já que o autor da
herança o teria como ú nico herdeiro (inciso I, do artigo 1.829, do CC/02), o que autoriza
a suspensão do processo de inventário. 21

21
TJ-MG – Agravo de Instrumento: 10024143396489001. Relator: Ana Paula Caixeta, Data de Julgamento:
10/04/0018, Disponivel em: < https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/566624412/agravo-de-instrumento-cv-ai-
10024143396489001-mg?ref=serp > Acesso em 31 de outubro de 2019.
25

Verifica-se nesse princípio equivalência entre os membros da entidade familiar, ao passo


que os pais terão responsabilidades iguais entre todos os filhos, se responsabilizando pelos cuidados
durante toda a vida.
26

3 AS FAMÍLIAS E A AFETIVIDADE

Neste capítulo aborda-se a orientação constitucional federal e o reconhecimento implícito


da afetividade, bem como, a leitura jurídica da afetividade abordada pelo Código Civil de 2002.

3.1 AFETIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em decorrência das transformações sociais, com o advento da Constituição Federal de


1988, consolidou-se uma proteção igualitária a todos os membros da família, sendo os cônjuges,
companheiros e descendentes, uma entidade familiar, independente da forma a qual foi constituída.
Desse modo, Rui Geraldo Viana destaca:

A disciplina legal da família, no estágio atual da civilização, vem procurando enfocar o


casal, noção que está gradativamente sobrepondo-se à de cônjuges, insuficiente para
abarcar todas as entidades familiares. Seja a família advinda ou não do casamento, merece
ela a proteção do Estado22

Nesse sentido, afasta-se do modelo de família embasado apenas no laço matrimonial,


buscando-se sobretudo a individualidade, como um primado do princípio da dignidade do ser
humano.
A partir da Constituição Federal de 1988 se tem uma nova realidade jurídica, por meio da
qual passou a se reconhecer os direitos fundamentais nas relações, trazendo grandes consequências
para o Direito privado, além disso, partir dela, os juristas começaram a aprofundar os estudos sobre
os princípios.
Também tratou expressamente a igualdade entre os filhos (art. 227, §6º), a igualdade entre
homem e mulher (art. 226, §5º), reconheceu a união estável como entidade familiar (art. 226, §3º),
prescreveu o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, entre outros.
Os valores acolhidos na Constituição Federal revelam implicitamente o reconhecimento
do princípio da afetividade no Direito de Família

22
VIANA, Rui Geraldo Camarco. A família In: VIANA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade. (org).
Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.18.
27

Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, a afetividade passou a ser reconhecida


como princípio constitucional e conferindo-lhe guarda constitucional. Ao tratar do tema de
paternidade, Luiz Edson Fachin afirma:

[...] a Constituição de 1988, ao vedar o tratamento discriminatório de filhos, a partir dos


princípios da igualdade e inocência, veio a consolidar o afeto como elemento de maior
importância no que tange ao estabelecimento da paternidade. Foi para a Constituição o
que já estava reconhecido na doutrina, na lei especial e na jurisprudência.

É possível sustentar portanto que a afetividade é princípio dotado de guarda constitucional


e que possui extrema importância nas relações familiares, sendo cada vez mais recorrente sua
menção em diplomas legislativos.

3.2 AFETIVIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Com o advento do Código Civil de 2002, passou-se a dar interpretação hermenêutica em


consonância a principiologia constitucional. No campo do Direito de Família, poucos foram os
avanços percebidos, inclusive na perspectiva do afeto e afetividade, ao qual o legislador citou
algumas vezes direta e indiretamente esses institutos.
Contudo, apesar de tratar tais institutos de forma tímida, a afetividade pode ser
considerada um princípio do Direito de Família a partir do Código de 2002 (dois mil e dois). Tal
fato pode ser percebido, pela leitura do artigo 1.593, quando a legislação faz remissão ao vínculo
natural, civil consanguíneo e de outra origem, claramente se remetendo a vínculos sociológicos.23
O mesmo assunto restou afirmado no Enunciado n° 103, da Primeira Jornada de Direito
Civil:
Enunciado nº103 da I Jornada de Direito Civil: Artigo 1.593: O código Civil
reconhece, no artigo 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente
da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo
parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heterológica relativamente
ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade
socioafetiva fundada na posse do estado de filho. (Grifei).24

23
FACHIIN, Luiz Edson. Do direito de família. Do direito Pessoal. Das relações de parentesco. In: TEIXEIRA, Sálvio
de Figueiredo. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.22)
24
Enunciado 103, da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <
https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734>. Acesso em 27 de outubro de 2019.
28

O posicionamento do enunciado acima, levou diversas decisões judiciais e entendimentos


doutrinários acerca do vínculo socioafetivo. Não obstante, ao mencionar vínculo de outra origem,
o artigo supra citado, faz referência implícita aos vínculos sociológicos.
Além disso, a afetividade também se faz presente no artigo 1.584, §5°, do Código Civil,
quando ao tratar das questões relacionadas a guarda do menor estipulada em favor de terceiros e
recaindo sobre algum membro da família, coloca como pressuposto, a convivência anterior o e
vínculos de afinidade e afetividade existentes entre o menor e o membro da família da qual deterá
a guarda:

Art. 1.584 § 5. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: Se o juiz verificar que
o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa
que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o
grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. 25

Estas disposições presentes no Código Civil demonstram claramente a adoção da


afetividade no ordenamento jurídico brasileiro e a tendência a conferir importância cada vez maior
no que tange as relações familiares, sendo possível afirmar o papel principiológico que a
afetividade tem.

3.3 AFETIVIDADE NA DOUTRINA BRASILEIRA

Por longo período de tempo, a leitura positivista era vista como única fonte da lei. Com
as transformações subjetivas da família ao longo dos anos, percebeu-se o descompasso da lei em
detrimento as mudanças sociais.
Mas, paradigmas sociais ficaram a cargo do Direito tratar de forma adequada. Assim, em
opiniões diversas entre a doutrina e a jurisprudência centravam pela busca por respostas para essa
mudanças sociais no seio familiar.
No Brasil, em 1979, João Baptista Villella foi o primeiro a se atentar a questões
relacionadas a afetividades, sustentando que o parentesco não é restrito a uma questão biológica,
visto que a paternidade em si, é um fenômeno cultural.26

25
BRASIL. Código Civil. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10623700/paragrafo-5-artigo-1584-
da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002> Acesso em 27 de outubro de 2019.
26
VILLELLA, João Baptista. A desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal e Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n.21, p.02, maio de 1979.
29

Para João Baptista Villella:

As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de
caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de
afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento
biológico da paternidade.27

A partir de então, de forma crescente a doutrina passou a sustentar a afetividade como


relevante também na análise da conjugalidade e das demais questões de família.28
Outro doutrinador que contribuiu para construção da afetividade no Direito de Família
Brasileiro, foi o Luiz Edson Fachin em sua primeira obra sobre o tema, no ano de 1992 (mil
novecentos e noventa e dois), desde então defendia a posse do estado de filho como meio de
revelação da filiação socioafetiva.
Colabora Luiz Edson Fachin:

A efetiva revelação paterno –filial requer mais que a natural descendência genética e não
se basta na explicação jurídica dessa informação biológica. Busca-se então, a verdadeira
paternidade. Assim, para além da paternidade biológica e da paternidade jurídica, à
completa integração pai-mãe-filho agrega-se um elemento a mais. Esse outro elemento se
revela na afirmação de que a paternidade se constrói; não é apenas um dado: ela se faz. O
pai já não pode ser apenas aquele que emprestou sua colaboração na geração genética da
criança; também não pode ser aquele a quem o ordenamento jurídico presuntivamente
atribui a paternidade. Ao dizer que a paternidade se constrói, toma lugar de vulto, na
relação paterno-filial, uma verdade socioafetiva, que, no plano jurídico, recupera a noção
da posse de estado de filho.29

Assim, no decorrer de suas obras, Luiz Edson Fachin passou a usar cada vez mais a
afetividade para discorrer sobre temas ligados ao Direito de Família.
Outro doutrinador que assume relevada importância na colaboração dos estudos sobre a
afetividade é Paulo Luiz Netto Lôbo, defendendo-a como fundamento constitucional e como ato
influenciador do Direito de Familia.
Assim, a afetividade foi ganhando força em todo ordenamento, conforme Paulo Luiz Netto
Lôbo traz o seguinte:

A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em


variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da

27
VILLELLA, João Baptista. A desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal e Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n.21, p.413, maio de 1979.
28
VILLELLA, João Baptista. Op cit, p.71-72.
29
FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992.p.160
30

cooperação; b) da concepção eudemonista; c)da funcionalização da família para o


desenvolvimento da personalidade e de seus membros; d)do redirecionamento dos papéis
masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos
da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g)
da primazia do estado da filiação, independentemente da origem biológica ou não
biológica.30

Inúmeros doutrinadores escreveram sobre a afetividade, adotando-a como princípio


contemporâneo no Direito de Família, devendo ser analisada a cada caso concreto
Por outro lado, há uma segunda corrente doutrinária que acolhe a afetividade, levando-a em
consideração, mas não lhe atribui a forma de princípio, dentre esses autores, destaca-se no presente
trabalho, Fábio Ulhoa Coelho, que afirma o seguinte:

A família, no ponto de chegada dessa história de perdas, parece finalmente destinar-se


para sua vocação de espaço de afetividade. Nessa função ela representa uma organização
social insubstituível. Por enquanto. 31

No mesmo sentido, Paulo Nader defende o seguinte:

Em sua formação mais comum- união de casal para uma comunhão de vida -, a família é
uma instituição guiada pela ordem natural das coisas, pela natureza, e temo seu curso
ditado pelo afeto, instinto e razão. A necessidade de desenvolver a afetividade e o sexo
aproxima os casais, proporcionando continuidade da espécie, mas é a razão, associada à
experiência, que os orienta no planejamento da vida e comum, na criação e educação dos
filhos.32

Pode-se concluir que as duas correntes doutrinárias apresentadas possuem grande expressão
no Direito de família. Ambas levam em consideração a afetividade, porém, a segunda corrente,
aqui exemplificada por Fábio Ulhoa Coelho e Paulo Nader, não consideram a afetividade como
princípio do Direito de família.

30
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 1998.p.51-52.
31
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: famílias, sucessões.4 ed.rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.p.20.
32
NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 5ed, ver e atual. Rio de janeiro: Forense, 2011, p.6
31

4 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

Neste capítulo aborda-se os tipos de parentalidades socioafetiva existentes no contexto,


dentre eles, a paternidade e a maternidade, e a configugração da socioafetividade através da posse
de estado de filho, podendo ser reconhecido na esfera judicial ou extrajudicial.

4.1 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

Durante muito tempo a parentalidade estava ligada ao estado de filiação biológico.


Contudo, progressivamente a socioafetividade foi reconhecida, através do afeto que liga as pessoas
umas às outras. Assim, os vínculos socioafetivos podem se dar de diversas formas: adoção, filhos
decorrestes da relação padrasto/madrasta, ou em decorrência até mesmo de reprodução assistida e
a adoção à brasileira, por exemplo.
Há de se ressalvar que a parentalidade pode se desenvolver de duas formas, quer seja pela
maternidade socioafetiva ou a paternidade socioafetiva.
O entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é claro em
relação ao reconhecimento materno socioafetivo, ao declarar o vínculo entre uma tia e os sobrinhos,
a saber:

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. PUBLICAÇÃO OFENSIVA EM REDE SOCIAL. DANOS MORAIS
CONFIGURADOS. QUANTUM. CRITÉRIO DE ARBITRAMENTO.
RECONVENÇÃO. OFENSA RECÍPROCA. NÃO COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA MANTIDA. 1. A publicação em página de rede social
de mensagens difamatórias, desprovidas de provas, com o intuito de denegrir a imagem
da parte autora, configura ato ilícito, passível de indenização. 2. De acordo com a corrente
majoritária contemporânea, a quantificação do dano moral se submete à equidade do
magistrado, o qual arbitrará o valor da indenização com base em critérios razoavelmente
objetivos, analisados caso a caso, devendo observar também os patamares adotados pelo
Tribunal e pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. É improcedente o pedido reconvencional
quando o réu-reconvinte não comprovar a ofensa que o autor-reconvindo teria divulgado
na internet. 4. Os honorários advocatícios devem ser fixados em observância ao art. 85,
§§ 2º, do CPC/15.33

Dessa maneira, a socioafetividade deverá ser provada pelo desejo do reconhecimento de


um filho que biologicamente não pertence à família. Ademais, explica o enunciado 07 do Instituto

33
TJMG - Apelação Cível 1.0342.14.010367-8/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Lincoln, 11ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 10/07/0018, Disponível em:
<https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementaSemFormatacao.jsp?numero=undefined> Acesso em 31 de outubro
de 2019.
32

de Direito de Família –IBDFAM, que a posse de estado de filho pode constituir paternidade e
maternidade.34
Assim, fica evidente que a parentalidade é uma relação desenvolvida através de laços de
afeto, que envolvem a maternidade e a paternidade socioafetiva.

4.1.1 POSSE DE ESTADO DE FILHO

Há diversos precedentes que consolidam o vínculo afetivo como densificador de uma


relação filial.
Os laços de sangue já não são mais suficientes para garantir a verdadeira relação de
parentesco, tendo em vista poder ser uma construção socioafetiva que nasce na “posse de estado
de filho” ou “posse do estado de pai”.35
Belmiro Welter assegura o seguinte:

Não se pode arquitetar diferença jurídica entre o filho biológico e afetivo, porquanto, em
ambos os casos, são reconhecidos como filhos, os quais, são iguais em direitos e
obrigações” (Art.227 Constituição federal e artigo 1.596, do Código Civil). 36

O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. José Carlos Teixeira
Giorgis – no julgamento da Apelação Civil 70008795775, explanou o seguinte:

“A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de


quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz.
Embora o ideal seja a concentração entre as paternidades jurídica, biológica e
socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o desapreço à biologização, mas
atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. Uma de
suas formas é a “posse do estado de filho ‟, que é a exteriorização da condição filial, seja
por levar o nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e
pública. Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde a uma situação que se associa
a um direito ou estado, e que dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de seriedade
à relação aparente. Isso ainda ocorre com o “estado de filho afetivo ‟, que além do nome,
que não é decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada,
cuidada e atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse”. 37

34
IBDFAM. Enunciados do IBDFAM. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-
ibdfam> Acesso em 31 de outubro de 2019.
35
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Parentalidade Socioafetiva: ato que se torna relação jurídica, p.16.
36
WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,
p.94
37
TJ/RS. Apelação Civel 70048610422/RS. Desembargador Jorge Luís Dall Agnol em 13 de julho de 2012. Trecho
Retirado do Acórdão. Disponível em <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21946449/apelacao-civel-ac-
70048610422-rs-tjrs/inteiro-teor-21946450?ref=juris-tabs> Acesso em 25 de outubro de 2019.
33

Assim, são 03 (três) os elementos que caracterizam a posse de estado de filho, a saber:
Tractus – quando a pessoa é tratada pela família como se filho fosse – Nomem – o uso de sobrenome
da família – Fama/ Reputatio – a reputação; notoriedade de ser reconhecido no meio social como
filho.
Com relação ao trato, deve- se observar a relação Pai e filha, em que apesar de inexistir
liame de ordem sanguínea entre as partes, há afeto como elemento aglomerador.
Nesse sentido, o que importa é a aparência, ou seja, a publicidade resultante da situação
de fato, pois revela a posse de todos os elementos indicadores da paternidade socioafetiva.
O Código Civil não trata expressamente sobre a posse de estado de filho, porém traz em
seu artigo 1.605 o seguinte:

Artigo 1605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por
qualquer modo admissível em direito: I - quando houver começo de prova por escrito,
proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II - quando existirem veementes
presunções resultantes de fatos já certos.38

Ainda, o Código Civil ao definir parentesco na redação do artigo 1.593, faz remissão ao
vínculo natural, civil, consanguíneo e de outra origem, envolvendo claramente a possibilidade de
parentesco afetivo.
Tal relação foi reafirmada nos seguintes Enunciados das Jornadas de Direito Civil que
estatuem o seguinte:

Enunciado n°256, da III Jornada de Direito Civil: A posse de estado de filho (parentalidade
socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.
Enunciado n° 339, da IV Jornada de Direito Civil: A paternidade socioafetiva, calcada na
vontade livre, não poder ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho. 39

Depreende-se, portanto, que a lei privilegia situações de fatos já certos que a posse do
estado de filho é plenamente configurada pelos requisitos apresentados.

38
BRASIL. Código Civil. Disponível em:
< https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10622542/artigo-1605-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002>
Acesso em 23 de outubro de 2019.
39
TARTUCE, Flávio. Enunciados CJF. Disponível em: < http://www.flaviotartuce.adv.br/enunciados> Acesso em
25 de outubro de 2019.
34

4.1.2 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO JUDICIAL

O reconhecimento de vínculo entre duas partes se dá através de uma Ação Declaratória de


Reconhecimento de Filiação Socioafetiva, ao qual, constatada sua procedência, inclui-se o nome
dos pais socioafetivos no assento de nascimento, casamento ou óbito do então filho, dando
publicidade e efeito erga omnes dessa parentalidade. Ressalta-se sua natureza declaratória, pois
afirma a existência de uma relação fática, agora na esfera judicial.
Contudo, existem correntes doutrinárias que afirmam que o reconhecimento de vínculo
paterno socioafetivo, deve ser proposta pelo filho, por meio de uma Ação de Investigação de
Paternidade Socioafetiva, ou ainda quando se tratar de reconhecimento de vínculo entre uma
mulher e uma moça, a ação cabível seria Ação Declaratória de Maternidade Socioafetiva.40
Por se tratar de direito fundamental, assegurado constitucionalmente, essas ações possuem
natureza imprescritível e podem ser propostas até post mortem. Além disso, a parentalidade pode
ser reconhecida em Ação de Alimentos, em razão da socioafetividade encontrada entre um padrasto
e um enteado, por exemplo.

4.2 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO EXTRAJUDICIAL

Inúmeros são os casos judiciais de reconhecimento de paternidade e maternidade


socioafetivos, que geram por consequência formalização registral e efeitos jurídicos. Por longo
período de tempo, essa era a única forma de reconhecimento de filiação.
Entretanto, tanto a maternidade, quanto a paternidade, podem ser reconhecidas de forma
irretratável e irrevogável, nas modalidades estabelecidas pelo artigo 1.609, do Código Civil,
conforme abaixo explanado, no caso de reconhecimento de filhos havidos fora do casamento:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será
feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não
haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

40
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos.3 ed. ver,atual e
amp –São Paulo: Atlas,2017,p.101.
35

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior


ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Ou seja, fica claro que a presença do vínculo socioafetivo basta para consubstanciar uma
relação de parentesco entre as pessoas no núcleo familiar. O reconhecimento não pode ser revogado
até mesmo quando é reconhecido por testamento, conforme traz o artigo supra mencionado. Além
disso, se o filho a ser reconhecido for maior de idade, este deverá consentir em ser reconhecido
pelo padrasto ou madrasta.
36

5 MULTIPARENTALIDADE

Neste momento, o presente trabalho apresentará o conceito, reconhecimento jurídico e


casos atuais sobre essa nova modalidade de filiação.

5.1 ASPECTOS GERAIS

Por longo período de tempo, a verdade biológica prevalecia sobre qualquer outro tipo de
vínculo, pois entendia-se que a filiação era fruto do contato sexual entre homem e mulher. A
presunção de paternidade decorriam da crença, da fidelidade e da estabilidade familiar.
Além disso, os filhos havidos entre pais solteiros, eram denominados de filhos naturais,
os filhos havidos fora do casamento, sendo somente um dos genitores casado, eram considerados
filhos ilegítimos e eram lhes tirados o direito de serem reconhecidos e receberem verba alimentar.
Somente os filhos havidos dentro do laço matrimonial eram considerados legítimos.41
Ocorre que, em decorrência das transformações sociais e com o advento da Constituição
de 1988, a doutrina e jurisprudência vêm entendendo pela desbiologização em vista do melhor
interessa da criança e do adolescente, amparado pela Carta Magna e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990, bem como entende-se que o reconhecimento de filiação a qualquer filho,
pode se dar independente do estado civil do genitor.
Assim, o afeto passou a ser elemento identificador das relações familiares, do qual as
entidades familiares se constroem, independentemente da existência de grau de parentesco entre
seus membros.
Diante da possibilidade de multiplicidade de vínculos parentais, nasceu a
multiparentalidade, ou seja, a possibilidade de possuir vínculos de filiação com dois ou mais pais
e/ou duas ou mais mães, sem excluir uns aos outros e respeitando a igualdade de filhos biológicos
e filhos oriundos do afeto.42
Maria Berenice Dias explica a multiparentalidade:

[...] não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. É possível que
pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade ou multiparentalidade, é
necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem
assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos

41
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto. 2º ed. ver e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p.211.
42
Calderón, Ricardo. Princípio da afetividade no direito de família – 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.213.
37

com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede
sucessória.43

Nesse mesmo sentido, Rodrigo da Cunha Pereira define multiparentalidade:

[...] o parentesco constituído por múltiplos pais, isto é, quando o filho estabelece uma
relação de paternidade/maternidade com mais de um pai e/ou com uma mãe. Os casos
mais comuns são os padrastos e madrastas que também se tornam pais/mães pelo exercício
das funções paternas e maternas ou em substituição a eles. A multiparentalidade é comum,
também, nas reproduções medicamente assistidas, que contam com a participação de duas
ou mais pessoas no processo reprodutivo, como por exemplo, quando o material genético
de um homem e uma mulher é gestado no útero de outra mulher. A multiparentalidade, ou
seja, a dupla paternidade/maternidade, tornou-se uma realidade dinâmica jurídica
impulsionada pela dinâmica da vida e pela compressão de que a paternidade e a
maternidade são funções exercidas.44

A pluralidade de vínculos familiares e as demandas fáticas dela advindas resultam na


necessidade de uma legislação específica para tratar sobre a multiparentalidade, pois ela tem sido
construída pela doutrina, jurisprudências e provimentos. Além disso, a multiparentalidade deve ser
proposta na medida em que cada caso concreto indicar que essa é a melhor forma de estabelecer o
melhor interesse e a dignidade das pessoas envolvidas pelo vínculo.
Assim, diante de tantas situações envolvendo a afetividade e a dificuldade dos
interessados no reconhecimento judicial, o Supremo Tribunal Federal em setembro de 2016 (dois
mil e dezesseis), sob relatoria do Ministro Luiz Fux, em sede de Repercussão Geral sob o n° 622,
reconheceu a possibilidade da multiparentalidade no Direito de Família Brasileiro:

Ementa: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e


Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. 53 Paradigma do
casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família:
deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º,
III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito
à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do
ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a
modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares.
União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB).
Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB).
Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla.
Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade.
Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso
a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O
prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria

43
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.385.
44
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015.
p.470-471..
38

jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto


mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser
apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos
preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da
vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema
do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção
baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o
afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo
para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos
parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca
da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual
e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição
individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais
formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos
a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45,
187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas
pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio
da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da
Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-
político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade
de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos
pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte
dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-
AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto,
DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de
consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade
protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar
em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente
exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do
casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de
enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem
equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de
hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela
jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da
interpretação nãoreducionista do conceito de família como instituição que também se
forma 54 por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES
BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica
cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas
quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do
casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela
afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA
conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto
para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural
emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por
sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916
para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e
consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família
(nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da
sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável,
enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade
humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos
vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles
originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro
vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de
ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo
39

conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do


Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao
melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina.
15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao
desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela
jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva
e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos,
ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da
paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega
provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A
paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o
reconhecimento do vínculo de filiação. 45

O recurso discutia sobre a prevalência de uma paternidade biológica nunca vivenciada ou


a prevalência de uma paternidade socioafetiva concretamente vivenciada. A grande questão é que
o Supremo não optou por uma em detrimento da outra, apontou para a possibilidade da coexistência
de ambas, possibilitando a pluralidade de vínculos familiares e até seu reconhecimento em cartório
de Registros Públicos.
Sobre o entendimento do STF, Christiano Cassettari aduz:

Com isso ficou reconhecida pelo STF a existência da multiparentalidade, ao admitir a


concomitância de vínculo de filiação, biológico e afetivo. Por esse motivo esse
entendimento deve ser adotado em todo o país, sem rediscussão do caso já pacificado pelo
STF. Acreditamos, até, que com esse reconhecimento é possível a admissão da
multiparentalidade diretamente no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, sem a
necessidade de ação judicial e advogado, bastando ter a concordância do filho
reconhecido, se maior, ou, se menor, da mãe ou de quem conste no registro. 46

Por isso, o entendimento passa a ser adotado em todo país, aplicando-se no que lhe couber,
a casos semelhantes, trazendo a legalidade à questões relacionadas a multiparentalidades.

5.2 PROVIMENTO 63/2017 E 83/2019

O Estado de Pernambuco, foi o pioneiro a permitir o reconhecimento extrajudicial de


filiação socioafetiva, sem a necessidade de determinação judicial para isso. Essa prática se
disseminou por vários estados do Brasil, contudo, cada ente com suas próprias peculiaridades.

45
STF. Recurso Extraordinário n.º 898060/SC, Tribunal Pleno, Ministro Relator: Luiz Fux, Julgado em: 21/09/2016.
Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4803092> Acesso em 30 de outubro de 2019.
46
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos. 3. ed. Atlas: São
Paulo, 2017, p.260.
40

Por outro lado, haviam entes estaduais sem qualquer previsão sobre o assunto. Em vista
dessa situação de não existir uniformidade nacional sobre o tema, bem como não haver a
possibilidade extrajudicial em alguns entes, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM,
elaborou um pleito sob o n° 0002653-77.2015.2.00.0000, de uniformização e a possibilidade do
reconhecimento de filiação socioafetiva em todo território nacional, destinado a Corregedoria
Nacional de Justiça – CNJ.47
A decisão do CNJ foi baseada no princípio constitucional de igualdade de filiação, na
medida em que já encontra legalidade no reconhecimento paterno filial biológico extrajudicial, o
mesmo também se pode reconhecer no vínculo socioafetivo.
Assim, surgiu o provimento 63/2017 do CNJ, permitindo o reconhecimento extrajudicial,
perante os Cartórios de Registro Civil em todo território, dispondo sobre o reconhecimento
voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva.
Estatui o artigo 10 (dez), do referido provimento:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de


pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas
naturais.
§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável,
somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade,
fraude ou simulação.
§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de
filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.
§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si
nem os ascendentes.
§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser
reconhecido.

O texto acima indica que para o reconhecimento da parentalidade deve-se observar a


relação de afeto entre as pessoas. Assim, em vista de acarretar tanta subjetividade, não cabe ao
registrador deliberar sobre o grau de afetividade entre os interessados. Por esse motivo, o texto traz
em seu caput, a voluntariedade do pai ou mãe socioafetivo, cabendo apenas ao registrador colher
o depoimento das partes, para depois consagrar o registro.

47
CNJ, Pedido de Providências n°0002653-77.2015.2.00.0000.Requerente: Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Disponível em:< http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Decisao%20socioafetividade.pdf>. Acesso em 23 de
outubro de 2019.
41

Além disso, pelo provimento supra citado, a formalização extrajudicial para o registro de
socioafetividade pode ser feita sem restrição etária do reconhecido, bastando a manifestação de
interesse das partes no ato.
Muito se foi criticado o provimento pelos membros do poder judiciário, em vista de se
tratar de interesses de incapazes, defendiam a necessidade de intervenção do Ministério Público
nos processos de reconhecimento, ainda que extrajudiciais, caso contrário abrir-se-ia margem para
processo de “adoção à brasileira”.

Adoção à brasileira é crime, tipificado no artigo 242, do Código Penal, conforme abaixo
transcrito:
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar
recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. 48

A adoção à brasileira consiste no registro de um filho que não possui vínculo biológico
com o adotante. Muitas famílias recorrem a esse tipo de adoção em casos como por exemplo, ao
qual entrega-se uma criança pelos pais biológicos a terceiros, para cria-la. A origem desse tipo de
adoção encontra-se no afeto e pode acontecer de diversas maneiras. As principais normas sobre o
assunto, encontram-se na Lei da Adoção, Estatuto da criança e do Adolescente e no Código Civil.
49

Com o objetivo de adequar o provimento 63/2017, em virtude de muitas críticas


objetivando resguardar o interesse do menor das quais apontavam a necessidade de intervenção do
Ministério Público, bem como a indicação de um estudo psicossocial a ser aplicado caso a caso e
ainda a possibilidade do reconhecimento de filiação socioafetiva sem uma prévia reflexão em
relação as consequências do ato, em 2019 (dois mil e dezenove) o provimento 63/2017, sofreu
alterações em seus artigos, com a edição do provimento 83/2019 do CNJ.

48
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10607822/artigo-242-do-decreto-
lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 > Acesso em 30 de outubro de 2019.
49
Direito de Família na Mídia. STJ. Julgados sobre adoção à brasileira buscam preservar melhor interesse da cr
iança. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/noticias/namidia/15996/Julgados+sobre+ado%C3%A7%C3%A3
o+%C3%A0+brasileira+buscam+preservar+o+melhor+interesse+da+crian%C3%A7a> acesso em 30 de outubro de
2019.
42

O provimento 83/2019, estabelece algumas regras em relação a forma de reconhecimento


de vínculo socioafetivo, complementando e alterando algumas disposições do provimento 63/2017.
Anteriormente, o provimento 63/2017 não apontava qualquer restrição etária em face da
pessoa reconhecida, mas a partir da edição do provimento 83/2019, o artigo 10, passou a conter
nova redação, indicando que apenas pessoas acima de 12 (doze) anos de idade podem se valer do
reconhecimento extrajudicial, desde que haja seu consentimento.50
Estas considerações apontam que menores de 12 (doze anos) necessariamente devem ser
reconhecidas pela via judicial.
Assim, a relação socioafetiva deve ser exteriorizada e provada por meio de fatos
concretos. Isso quer dizer que a relação entre os interessados deverá ser estável, condizente com a
relação filial que pretende formalizar,51 além disso a relação deve ser pública, de modo que a
sociedade já tenha prévio conhecimento dessa relação ao qual as partes pretendem formalizar.
Não obstante, a nova redação trouxe a necessidade das partes comprovarem o vínculo, por
meio de provas, detalhadas a seguir, pelo artigo 10-A, com a seguinte redação:

Artigo 10ª: 1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade


ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de
elementos concretos.
2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem
como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante
do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência;
registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade -
casamento ou união estável - com o ascendente biológico;inscrição como dependente do
requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração
de testemunhas com firma reconhecida.
3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a
impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo
socioafetivo.
4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados
pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento. 52

50
CNJ: Provimento 83/2019. Disponível em < https://www.anoreg.org.br/site/2019/08/15/cnj-publica-provimento-
no-83-que-altera-requisitos-na-paternidade-socioafetiva/> Acesso em 30 de outubro de 2019.
51
CALDERÓN, Ricardo. Primeiras impressões sobre o Provimento 83, do CNJ. Disponível em <
http://www.ibdfam.org.br/noticias/7034/Provimento+do+CNJ+altera+registro+de+filia%C3%A7%C3%A3o+socioaf
etiva+em+cart%C3%B3rios+para+pessoas+acima+de+12+anos > Acesso em 30 de outubro de 2019.
52
CNJ: Provimento 83/2019. Disponível em < https://www.anoreg.org.br/site/2019/08/15/cnj-publica-provimento-
no-83-que-altera-requisitos-na-paternidade-socioafetiva/> Acesso em 30 de outubro de 2019.
43

O artigo deixa claro o rol exemplificativo de prova de afetividade entre as partes,


indicando implicitamente que as relações exteriorizadas deixam vestígios documentais.53
Não obstante, verifica-se no parágrafo 3° que a ausência dessas provas não é fato
impeditivo para o reconhecimento de filiação na esfera extrajudicial, variando de caso a caso.
Ainda, o provimento 83, incluiu um novo parágrafo no artigo 11, do Provimento 63/2017,
tal qual:

Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade


socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério
Público para parecer.
I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo registrador
após o parecer favorável do Ministério Público.
II - Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da paternidade ou
maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente, arquivando-se o
expediente.54

Ou seja, a partir do provimento, é imprescindível o parecer de um membro do ministério


público em relação a formalização da filiação. A necessidade se dá pelo fato de serem
representantes no interesse das crianças e dos adolescentes. Caso seja negativo o parecer
ministerial, o registrador não poderá prosseguir e o pleito e o mesmo será encaminhado à via
judicial.
A última alteração processada, adveio do artigo 14, ao qual o provimento 83/2019 incluiu
mais 02 (dois) parágrafos, a saber:

Artigo 14: O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá


ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas
mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.”
1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou
do materno.
2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial.”

Resta claro o entendimento que pela via extrajudicial somente poderá ser acrescentado em
assento de nascimento o reconhecimento de um ascendente. A pretensão é a desjudicialização de

53
CALDERON, Ricardo. Princípio da afetividade no direito de família. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 173-
174.
54
ANOREG. CNJ publica provimento Provimento 83/2019 que altera requisitos na paternidade socioafetiva.
Disponível em < https://www.anoreg.org.br/site/2019/08/15/cnj-publica-provimento-no-83-que-altera-requisitos-na-
paternidade-socioafetiva/> Acesso em 30 de outubro de 2019.
44

casos mais simples, evitando também a existência de casos de adoção à brasileira. Dessa forma, a
aparição de novo ascendente, além do já reconhecido, demandará um processo pela via
jurisdicional.
Portanto, o reconhecimento de filiação socioafetiva, atrelada a
multiparentalidade/pluriparentalidade, é permitida em todo território nacional, uniformizada pelo
provimento 63/2017 que passou por importante e simbólicas alterações pelo provimento 83/2019.

5.3 NOS TRIBUNAIS

Em 2011 (dois mil e onze), o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a maternidade
socioafetiva de madrasta e enteado, preservando no assento de nascimento, o nome da mãe
biológica do menor:

MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à


memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado
criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art.
1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável
convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma
a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da
família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido. 55

Em 2013, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, representado pelo magistrado


Sérgio Kreuz, em sentença dos Autos sob nº 0038958-54.2012.8.16.0021, optou pelo não
desligamento da família biológica paterna, em atendimento ao princípio do melhor interesse do
menor, em um pleito de adoção em favor do pai socioafetivo com a exclusão do pai biológico,
provado que o próprio adolescente chamava ambos de pai, abaixo um breve trecho da sentença
proferida:

Por fim, é preciso registrar que A. é um felizardo. Num País em que há milhares de
crianças e adolescentes sem pai (a tal ponto que o Conselho Nacional de Justiça, Poder
Judiciário, Ministério Público realizam campanhas para promover o registro de
paternidade), ter dois pais é um privilégio. Dois pais presentes, amorosos, dedicados, de
modo que o Direito não poderia deixar de retratar esta realidade. Trata-se de uma

55
TJ-SP – Apelação: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior,
Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado. Disponível em: < https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22130032/apelacao-apl-64222620118260286-sp-0006422-2620118260286-tjsp>
Acesso em 29 de outubro de 2019.
45

paternidade sedimentada, ao longo de muitos anos, pela convivência saudável, pela


solidariedade, pelo companheirismo, por laços de confiança, de respeito, afeto, lealdade
e, principalmente, de amor, que não podem ser ignorados pelo Direito e nem pelo Poder
Judiciário.56

Em sede de Apelação Cível, o Tribunal do Rio Grande do Sul também reconheceu em


2015 (dois mil e quinze), a multiparentalidade advinda por inseminação heteróloga por casal
homossexual:

APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE MULTIPARENTALIDADE. REGISTRO


CIVIL. DUPLA MATERNIDADE E PATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO DESDE LOGO DO
MÉRITO. APLICAÇÃO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. A ausência de lei para regência de
novos - e cada vez mais ocorrentes - fatos sociais decorrentes das instituições familiares,
não é indicador necessário de impossibilidade jurídica do pedido. É que "quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Caso em que se desconstitui a
sentença que indeferiu a petição inicial por impossibilidade jurídica do pedido e desde
logo se enfrenta o mérito, fulcro no artigo 515, § 3º do CPC. Dito isso, a aplicação dos
princípios da "legalidade", "tipicidade" e "especialidade", que norteiam os "Registros
Públicos", com legislação originária pré-constitucional, deve ser relativizada, naquilo que
não se compatibiliza com os princípios constitucionais vigentes, notadamente a promoção
do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação
(artigo 3, IV da CF/88), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas
à filiação (artigo 227, § 6º, CF), "objetivos e princípios fundamentais" decorrentes do
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, há que se julgar
a pretensão da parte, a partir da interpretação sistemática conjunta com demais princípios
infra-constitucionais, tal como a doutrina da proteção integral o do princípio do melhor
interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90),
bem como, e especialmente, em atenção do fenômeno da afetividade, como formador de
relações familiares e objeto de proteção Estatal, não sendo o caráter biológico o critério
exclusivo na formação de vínculo familiar. Caso em que no plano fático, é flagrante o
ânimo de paternidade e maternidade, em conjunto, entre o casal formado pelas mães e do
pai, em relação à menor, sendo de rigor o reconhecimento judicial da
"multiparentalidade", com a publicidade decorrente do registro público de nascimento.
DERAM PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) 57

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial, através do Ministro


Marco Aurélio, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança manteve somente a filiação
socioafetiva no assento de nascimento da criança, tendo em vista o desinteresse do pai biológico

56
ESTADO DO PARANÁ. Autos: 0038958-54.2012.8.16.0021. Vara da infância e Juventude de Cascavel/PR, em 20
de fevereiro de 2013. Disponível em:< https://leandrolomeu.wordpress.com/2013/03/19/multiparentalidade-uma-
nova-decisao-sobre-a-materia-tjpr/ > Acesso em 30 de outubro de 2019.
57
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70062692876/RS, Oitava Câmara Cível, Relator: José Pedro de
Oliveira Eckert, Julgado em 12/02/2015. Disponível em: <https://tj-
rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/211663570/apelacao-civel-ac-70064909864-rs/inteiro-teor-211663580?ref=juris-
tabs> Acesso em 30 de outubro de 2019.
46

nos cuidados do menor, alegando que a pretensão de multiparentalidade era da genitora com intuito
de atingir suas próprias pretensões:

RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE


SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS.
RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER
AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO
PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM
REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA
SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz respeito
à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica
(multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a
hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo
e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista
do conceito de família surge o debate relacionado à multiparentalidade, rompendo com o
modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o
Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo
a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator
Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: "a paternidade
socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do
vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas
consequências patrimoniais e extrapatrimoniais." 5. O reconhecimento de vínculos
concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem
salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade
responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um
processo em que se discute,de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica
e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a
partir de uma relação de cuidado e afeto,representada pela posse do estado de filho. 6. As
instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade
na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente
o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo
com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar
assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi
ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir
atingir suas pretensões. 7. Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil
ao atingir a maioridade, momento em que poderá avaliar, de forma independente e
autônoma, a conveniência do ato. 8. Recurso especial desprovido.58

Em 2016 (dois mil e dezesseis), o Supremo Tribunal Federal entendeu que o


reconhecimento da paternidade socioafetiva não exime a responsabilidade do pai biológico. Em
sede de Recurso Especial sob o nº 898060/SC, o pai biológico recorreu contra o Acórdão que
estabeleceu sua paternidade, independente do vínculo do menor com o pai socioafetivo, gerando a
repercussão geral 622 já explanada no presente estudo:

58
STJ. Recurso Especial n.º 1674849/RS, Terceira Turma, Ministro: Marco Aurélio Bellizze. Julgado em:
17/04/2018, Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574626052/recurso-especial-resp-1674849-
rs-2016-0221386-0 > Acesso em 29 de outubro de 2019.
47

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL


RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE
PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO
CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL
DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO
CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III,
DA CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à
busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do
ordenamento jurídico - político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a
modelos pré -concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares.
União estável (art. 226, § 3 º, crfb) e família monoparental (art. 226, § 4 º, crfb). Vedação
à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6 º, crfb).
parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla.
Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade.
Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável. 59

Observa-se por fim que o reconhecimento dos vínculos biológicos paternos e maternos
trouxeram a possibilidade jurídica das multiparentalidades e esse fenômeno tem ganhado cada vez
mais respaldo nos tribunais do país.

5.4 EFEITOS JURÍDICOS NO DIREITO DE FAMÍLIA

Neste capítulo serão observados alguns efeitos que a multiparentalidade traz para a vida
dos envolvidos na relação afetiva.

5.4.1 Alteração do nome e registro da dupla filiação

Após o reconhecimento do vínculo afetivo, adiciona-se ao assento de nascimento do


reconhecido, a nova paternidade ou maternidade, formalizando o vínculos das partes. Além disso,
é facultado ao reconhecido adicionar o patronímico de quem o reconheceu.
Uma vez reconhecido filialmente, é considerado como se filho biológico fosse e portanto,
deverá ser observado as restrições para matrimônio, nepotismo e tipos penais.
Assim, no ano de 2017, em virtude do provimento 63/2017, novos modelos de certidão de
nascimento, casamento e óbito foram definidos pelo Conselho Nacional de Justiça, a fim de facilitar
os registros de filiação biológica e afetiva, podendo constar nos campos da filiação os pais
heterossexuais ou homossexuais.

59
STF. Recurso Extraordinário 88.060/SP. Relator Ministro Luiz Fux Data de Julgamento: setembro de 2016.
Disponível em: < https://www.stf.jus.br>arquivo>cmsnoticiaStf>anexo.com.br> Acesso em 30 de outubro de 2019.
48

5.4.2 Guarda compartilhada e a convivência familiar

O sistema jurídico brasileiro reconhece algumas modalidades de guarda, de acordo com


sua finalidade.
A guarda compartilhada surgiu no Brasil com a Lei 11.698/2008, sendo uma categoria de
guarda que responsabiliza conjuntamente os genitores por todos os direitos e deveres concernentes
ao poder familiar dos filhos comuns.60
Acontece que a multiparentalidade pode ser simultânea, quando ambos os pais exercem a
função que lhes cabe ou, temporal, quando um dos genitores faleceu e, no entanto, alguém assumiu
o papel de pai ou de mãe, tornando-se referência para a criança ou adolescente.61
Em 2016 (dois mil e dezesseis) o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu a
guarda ao pai socioafetivo, que convivia com o menor há 05 (cinco) anos, que por sua vez, também
tinha o pai biológico vivo e mantinha relacionamento quinzenalmente. O motivo da decisão do
Tribunal foi influenciada pela ação impetrada pelo pai socioafetivo com o objetivo te obter
a guarda do menor, já que o pai biológico levou a criança para outra cidade após o falecimento da
genitora.62
Assim, quando se há o rompimento de matrimônio entre os genitores que possuem a
guarda fática do menor, há de se observar o princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, em relação a sua moradia, provimentos financeiros, não alienação parental,
permanecer junto a seus irmãos, entre outros fatores. Mas em relação a responsabilidade nos
genitores, ao que tudo indica todos os pais registrados no assento de nascimento do menor, terão
de dividir as responsabilidades. Contudo o tema está carente de jurisprudência ou legislação
específica.

60
MADALENO, Rafael. Guarda Compartilhada: física e jurídica. 4ed. ver, atual e ampl. São Paulo: Thomson
Reuters. Brasil, 2019, p.104
61
BARONI Arerhusa, CABRAL Flávia Kirilos Beckert, CARVALHO Laura Roncaglio. Multiparentalidade:
entenda esse novo conteito. Disponível em < https://direitofamiliar.com.br/multiparentalidade-entenda-esse-novo-
conceito> Acesso em 30 de outubro de 2019.
62
IBDFAM. Decisão do TJ/SP concede guarda a pai socioafetivo. Disponível em
<https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/403598889/decisao-do-tj-sp-concede-guarda-a-pai-socioafetivo> Acesso em
30 de outubro de 2019.
49

5.4.3 Alimentos

A solidariedade familiar tem como fundamento o laço de parentesco entre as partes, sendo
portanto uma obrigação natural e de natureza legal, por decorrer de uma determinação imperativa
de lei. Nesse sentido, a prestação de alimentos decorrente do vínculo de parentesco é oponível, em
primeiro lugar, aos parentes de primeiro grau, em linha reta, obedecida a reciprocidade; em seguida,
aos demais ascendentes, guardada a ordem de sucessão.
Assim, declarada a relação de parentesco, bem como a necessidade do alimentado, à a do
genitor possibilidade de fornecer-lhe alimento, nos termos do artigo 1.696, do Código Civil, devido
o dever recíproco de socorro, guardada a ordem de prioridade estabelecida nos artigos 1.696 e
1.697, do mesmo Código.
Vale ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 227, §6º estabelece a igualdade
entre os filhos havidos o não na constância da relação matrimonial. Por esse motivo o dever de
prestar alimentos em casos de multiparentalidades. Ocorre que o magistrado observara o binômio
necessidade do alimentado e as possibilidades financeiras dos genitores.
O Portal Migalhas explana o assunto:

Ao aferir o quantum que se mostre suficiente para o atender as necessidades dos menores,
de forma compatível com a condição social experimentada pelos seus genitores, os juízes
têm que ter sempre em mente que a condição social, cultural e financeira de ambos os pais
tem que ser sopesada, não podendo prevalecer tão somente a do ascendente que se revele,
no caso concreto, o mais abastado, sob pena de afronta direta ao dispositivo constitucional
que veda o preconceito por origem, raça e qualquer outra forma de discriminação,
incluídas aí a condição social, cultural e financeira7. A mensagem que o Poder Judiciário
tem que passar ao alimentando, através da verba alimentar fixada, é que o que tem valor
não tem, necessariamente, um preço! Que devem ser valorizadas e respeitadas as origens,
os costumes, as crenças e culturas8 de todos os ascendentes. Passar a noção que a grandeza
das pessoas não se mede pelo patrimônio, bens e riquezas, mas sim pelo caráter,
honestidade, dignidade, trabalho, convivência, afeto, presença e convivência familiar,
etc.63

Aplica-se também, no que couber, a Lei 10.741/2013, nos casos em que eventualmente o
filho deverá prestar alimentos aos pais idosos, pela proteção jurídica dessa classe, além disso,

63
MIGALHAS. Direito de Família na mídia: Pensão alimentícia destinada aos filhos – descortinando a figura do
administrador da verba alimentar – obrigações e sanções. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/na-
midia/13382/Pens%C3%A3o+aliment%C3%ADcia+destinada+aos+filhos+%E2%80%93+descortinando+a+figura+
do+administrador+da+verba+alimentar+%E2%80%93+obriga%C3%A7%C3%B5es+e+san%C3%A7%C3%B5es >.
Acesso em 30 de outubro de 2019.
50

conforme dispõe o artigo 229, da Carta Magna, o dever dos filhos maiores o amparo a seus pais,
na velhice, sendo aplicável o dever do filho em prestar alimentos a todos os pais advindos da
multiparentalidade.
Portanto, o arbitramento de pensão alimentícia possui caráter alimentar, não tendo
como objetivo enriquecer o alimentado, é destinado apenas sua manutenção e cabe aos genitores o
dever de presta-los aos filhos, ou o filho prestá-los aos pais, na velhice.

5.4.4 Divisão de herança

Em respeito ao princípio de igualdade na filiação, amparado pela Carta Magna, na redação


do artigo 227, §6º, os filhos das relações multiparentais terão direito a herança de todos os genitores
reconhecidos em seus assentos de nascimentos.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, já se posicionou favorável ao direito
sucessório de filho em relação a paternidade biológica e socioafetiva, com base no artigo
constitucional 227, §6º:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE


FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO.
COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA.
ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO
GERAL. STF. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988
inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente
entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com
repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a
socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos
vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do
direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os
direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O
reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais
ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são
inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da
comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido.64

64
STJ. Recurso Especial 1612830 2016/0204124-4/RS. Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva. Data de
Julgamento: 28/03/2017. Terceira Turma. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/465738570/recurso-especial-resp-1618230-rs-2016-0204124-4/inteiro-
teor-465738580 > Acesso em 30 de outubro de 2019
51

O Julgado acima exposto deixa claro que o relacionamento com o pai registral não obsta
o exercício do direito de uma pessoa na busca por sua verdade genética, bem como lhe é assegurado
o direitos hereditários de ambos os pais.
Zeno Veloso confirma a possibilidade de direito sucessório em relação aos vínculos
biológicos e socioafetivos:

[...] Filho socioafetivo é tão filho quanto o filho biológico, e tem todos os direitos – e
deveres! – de um outro filho, qualquer que seja a natureza da filiação. Por exemplo: um
filho socioafetivo tem pleno direito à herança de seu pai. Mesmo que já tenha recebido,
antes, ou tenha expectativa de receber, futuramente, herança, de um outro parente,
inclusive, de seu pai biológico. É fácil explicar: se o sujeito tem dois pais, com a
paternidade juridicamente estabelecida, terá direito a duas heranças, às heranças de cada
um de seus pais. Aliás, vou mais longe: observada a evolução desta matéria, a pessoa até
poderá ter três (03) pais: um biológico, um registral e um terceiro socioafetivo. O filho,
com certeza, tem aspiração sucessória e será herdeiro de cada um deles, dos três pais que
tem.65

Em relação aos casos de divisão de herança entre ascendentes em caso da morte do filho,
a interpretação legal é de que a herança seja dividida entre a família paterna e a materna em partes
iguais, com base no artigo 1.836, do Código Civil, que dispõe sobre sucessão.
Nesse sentido, é possível concluir que o recebimento de herança em casos de
multiparentalidades possui amparo pela Carta Magna brasileira, possibilitando a um filho, receber
todos os seus direitos provindos da hereditariedade, de todos os pais os quais tiver.

5.4.5 Direito previdenciário e securitário

É certo que as questões ligadas à multiparentalidade causam reflexos não somente na área
de Direito de Família, como também, no Direito Previdenciário. A Lei 8.213 de 1991, em seu artigo
16, dispõe sobre os dependentes do falecido, conforme abaixo exposto:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de


dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual
ou mental ou deficiência grave;
II - os pais
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou
inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

65
VELOSO, Zeno. Requisitos da união estável. O Liberal, Belém do Pará, 06 de maio de 2017.
52

Em relação aos direitos previdenciários, reconhecida a relação socioafetiva ou biológica


e sendo essa reconhecida extrajudicialmente ou judicialmente, configura-se o direito e dever
previdenciário as partes e consequentemente, com o registro de mais de dois pais, o filho poderá
receber duas ou mais pensões por morte de cada genitor que vier a falecer.
53

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão da socioafetividade nas famílias está cada vez ganhando mais força
perante a sociedade, as jurisprudências e a doutrina brasileira. Por longo período de tempo, a
concepção se família se limitava à um conceito tradicional onde os membros eram vinculados
exclusivamente pela consanguinidade, em um modelo familiar patriarcal.
O grande marco histórico na concepção de família se deu com o advento da Constituição
Federal de 1988, que consolidou proteção igualitária a todos os membros da família, independente
da forma a qual fosse constituída, trazendo então implicitamente a realidade afetiva como princípio
constitucional.
Ademais, com o progressivo reconhecimento da afetividade, a filiação socioafetiva passou
a se desenvolver pelos laços de afeto desenvolvidos entre pessoas sem vínculos biológicos, mas
que por meio do vínculos, geravam entre elas, uma relação parental, materna ou paterna,
caracterizada pela presunção da posse de estado de filho. O Brasil conta com o Enunciado n° 622,
do Supremo Tribunal Federal que dispõe sobre a socioafetividade.
Não obstante, diante das transformações trazidas pela Carta Magna, passou-se a integrar
ainda mais os princípios ao Direito de Família. Tal qual, destacam-se princípio da dignidade da
pessoa humana, que significa a possibilidade de igualdade a todas as formas de entidades
familiares, garantindo a integridade de cada membro no seu pleno desenvolvimento pessoal e
social; o princípio da solidariedade familiar, esperando-se uma cooperação mútua de todos os
membros da família; o princípio do pluralismo familiar, baseado na pluralidade de famílias; o
princípio da afetividade, ligado a laços fraternos entre as pessoas; o princípio do melhor interesse,
cujo objetivo é a interpretação do direito, respeitando o melhor interesse da criança e por fim,
princípio da igualdade de filiação, objetivando igualdade de tratamento entre todos filhos do
genitor, independente de como se deu sua concepção.
Assim, o reconhecimento desse vínculos se davam exclusivamente pela esfera judicial,
por intermédio de uma ação declaratória. Hoje, em decorrência da ampla aceitação do afeto como
elemento indicador das relações familiares, em vista do melhor interesse da criança e do
adolescente, amparado pela Carta Magna e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990,
surgiu a possibilidade da multiplicidade de vínculos parentais, podendo ser incluído nos assentos
de nascimentos dois ou mais pais e/ou duas ou mais mães, sem excluir o nome dos pais biológicos,
54

através da via extrajudicial, nacionalmente padronizado pelo provimento 63/2017 e posteriormente


alterado pelo provimento 83/2019.
Assim, reconhecimento dos vínculos biológicos paternos e maternos trouxeram a
possibilidade jurídica das multiparentalidades e esse fenômeno tem ganhado cada vez mais
respaldo nos tribunais do país. Porém, ressalva-se que a parentalidade socioafetiva não exime a
responsabilidade do pai ou mãe biológico, em respeito ao princípio da solidariedade familiar,
Nesse sentido, a multiparentalidade traz para a vida dos envolvidos efeitos jurídicos,
devido a relação de responsabilidade nos genitores, inclusive no que diz respeito à prestação
alimentícia, guarda e convivência familiar, direitos previdenciários e direitos provindos da
hereditariedade.
Por fim, fica evidente que é desvantajoso para a criança, o adolescente e a quem mais for
reconhecido, a privação de ter múltiplos pais, uma vez que reconhecidos, serão solidariamente
responsáveis pelo desenvolvimento e proteção dos membros da entidade familiar. No que tange o
reconhecimento de filho menor, o ato deverá ser munido de responsabilidade, uma vez que a
Constituição Federal prevê expressamente o seu tratamento com absoluta prioridade, bem como
determina sua proteção pela família, Estado e sociedade. Logo, uma vez reconhecido, não haverá
possibilidade jurídica de desfazimento da relação. Por isso, a questão da multiparentalidade ainda
carece de previsão especifica, a fim de evitar adoções à brasileira e possíveis fraudes.
55

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARONI Arerhusa, CABRAL Flávia Kirilos Beckert, CARVALHO Laura Roncaglio.


Multiparentalidade: entenda esse novo conceito. Disponível em <
https://direitofamiliar.com.br/multiparentalidade-entenda-esse-novo-conceito> Acesso em 30 de
outubro de2019.

BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – v.2, la famiglia, le successioni. 4ed. Milano: Giuffré,
2005, p.4.

BRASIL. Código Civil. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10623700/para


grafo-5-artigo-1584-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-
2002> Acesso em 27 de outubro de 2019.

BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a


to2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 setembro de 2019.

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10607822/arti


go-242-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 > Acesso em 30 de outubro de 2019.

BRITO, Rodrigo Toscano de. Situando o Direito de Família entre os princípios da dignidad
e humana e da razoável duração do processo. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
392

CALDERÓN, Ricardo. Primeiras impressões sobre o Provimento 83, do CNJ. Disponível e


m < http://www.ibdfam.org.br/noticias/7034/Provimento+do+CNJ+altera+registro+de+filia%C
3%A7%C3%A3o+socioafetiva+em+cart%C3%B3rios+para+pessoas+acima+de+12+anos > A
cesso em 30 de outubro de 2019.

______. Princípio da afetividade no direito de família. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p
. 173-174.

CARDOSO, Adailton de Souza. O pluralismo nas entidades familiares e os novos moldes d


e família. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/39664/o-pluralismo-nas-entidades-
familiares-e-os-novos-moldes-de-familia> acesso em 29 de outubro de 2019.

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídico


s.3 ed. ver, atual e amp –São Paulo: Atlas,2017, p.101.

______.Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos. 3. ed. Atlas: Sã


o Paulo, 2017, p.260.
56

CNJ. Pedido de Providências n°0002653-77.2015.2.00.0000. Requerente: Instituto Brasileiro


de Direito de Família. Disponível em:
https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Decisao%20socioafetividade.pdf. Acesso em 23 de
outubro de 2019.

ANOREG/BR. CNJ Publica Provimento n° 83 que altera requisitos na Paternidade


Socioafetiva. Disponível em < https://www.anoreg.org.br/site/2019/08/15/cnj-publica-
provimento-no-83-que-altera-requisitos-na-paternidade-
socioafetiva/> Acesso em 30 de outubro de 2019.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: famílias, sucessões.4 ed.rev e atual. São Paulo
: Saraiva, 2011.p.20.

COSTA Martins Surany Ana. Filiação socioafetiva: Uma nova dimensão afetiva das relações
parentais. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/381/Filia%C3%A7%C3%A3o+s
ocioafetiva%3A+Um+nova+dimens%C3%A3o+afetiva+das+rela%C3%A7%C3%B5es+parent
ais# > Acesso em 29 de outubro de 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4º ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p.63.

______. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.385.

Enunciado 103, da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Disponível e


m: < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734>. Acesso em 27 de outubro de 2019.

ESTADO DO PARANÁ. Autos: 0038958-54.2012.8.16-0021. Vara da Infância e Juventude de


Cascavel/PR. Data da Sentença: 20/02/2013. Disponível em:
<https://leandrolomeu.wordpress.com/2013/03/19/multiparentalidade-uma-nova-decisão-sobre-
a-materia-tjpr > Acesso em 30 de outubro de 2019.

FACHIN, Luiz Edson. Do direito de família. Do direito Pessoal. Das relações de parentesco. In
: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Fore
nse, 2008, p.22)

______. Comentários ao novo Código Civil: do direito de Família, do direito pessoal, das rela
ções de parentesco. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.27.

______. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992.p.


160

GLANZ, Semy. A família mutante: sociologia e direito comparado: inclusive o novo Códig
o Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.664
57

IBDFAM. Decisão do TJ/SP concede guarda a pai socioafetivo. Disponível em <https://ibdf


am.jusbrasil.com.br/noticias/403598889/decisao-do-tj-sp-concede-guarda-a-pai-
socioafetivo > Acesso em 30 de outubro de 2019.

______. Direito de Família na Mídia. STJ. Julgados sobre adoção à brasileira buscam prese
rvar melhor interesse da criança. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/noticias/namid
ia/15996/Julgados+sobre+ado%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0+brasileira+buscam+preservar+
o+melhor+interesse+da+crian%C3%A7a> acesso em 30 de outubro de 2019.

______. Enunciados do IBDFAM. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-


ibdfam/enunciados-ibdfam> Acesso em 31 de outubro de 2019.

KAPPLER Kuhn Camila, KONRAD Regina Letícia. O princípio da dignidade da pessoa hu


mana: Considerações teóricas e implicações práticas. Artigo científico. Centro de ciências hum
anas e sociais, 2016.p.19

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva,2008. P.48.

______. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 1998.p.51-52.

MADALENO, Rafael. Guarda Compartilhada: física e jurídica. 4ed. ver, atual e ampl. São
Paulo: Thomson Reuters. Brasil, 2019, p.104

MIGALHAS. Direito de Família na mídia: Pensão alimentícia destinada aos filhos – descorti
nando a figura do administrador da verba alimentar – obrigações e sanções. Disponível em: <ht
tp://www.ibdfam.org.br/noticias/na-
midia/13382/Pens%C3%A3o+aliment%C3%ADcia+destinada+aos+filhos+%E2%80%93+des
cortinando+a+figura+do+administrador+da+verba+alimentar+%E2%80%93+obriga%C3%A7
%C3%B5es+e+san%C3%A7%C3%B5es >. Acesso em 30 de outubro de 2019.

NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 5ed, ver e atual. Rio de janeiro: For
ense, 2011, p.6.

NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autoriza
das pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: família. 22 ed. rev e atual e ampl
. Rio de janeiro: Forense, 2014, p.65-66.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São P


aulo: Saraiva, 2015. p.470-471.

______. Parentalidade Socioafetiva: ato que se torna relação jurídica, p.16.


PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente. Uma proposta interdisciplinar
. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 46.
58

PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho
e Gláucia Carvalho. 23.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. P.567

STF. Recurso Extraordinário 88.060/SP. Relator Ministro Luiz Fux Data de Julgamento: sete
mbro de 2016. Disponível em: < https://www.stf.jus.br>arquivo>cmsnoticiaStf>anexo.com.br>
Acesso em 30 de outubro de 2019.

STJ. Recurso Especial 1612830 2016/0204124-4/RS. Relator: Ministro Ricardo Villas Boas
Cueva. Data de Julgamento: 28/03/2017. Terceira Turma. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/465738570/recurso-especial-resp-1618230-rs-2016-
0204124-4/inteiro-teor-465738580 > Acesso em 30 de outubro de 2019

______.2010/00366638/ RS, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgament


o: 25/10/2011, Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-
especial-resp-1183378-rs-2010-0036663-8-stj/inteiro-teor-
21285515>. Acesso em 25 de outubro de 2019.

______. Recurso Especial n.º 1674849/RS, Terceira Turma, Ministro: Marco Aurélio Bellizze
. Julgado em: 17/04/2018, Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5746260
52/recurso-especial-resp-1674849-rs-2016-0221386-0 > Acesso em 29 de outubro de 2019.

______. Resp 1.183.378/RS. Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em 25.
10.2011. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-
especial-resp-1183378-rs-2010-0036663-8-stj/inteiro-teor-
21285515> Acesso em 25 de outubro de 2019>

TARTUCE, Flávio. Enunciados CJF. Disponível em: < http://www.flaviotartuce.adv.br/enunc


iados> Acesso em 25 de outubro de 2019.

______. Novos princípios do Direito de Família brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010 p.5

TJ/RS. Apelação Civel 70048610422/RS. Desembargador Jorge Luís Dall Agnol em 13 de jul
ho de 2012. Trecho Retirado do Acórdão. Disponível em <https://tj-
rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21946449/apelacao-civel-ac-70048610422-rs-tjrs/inteiro-
teor-21946450?ref=juris-tabs> Acesso em 25 de outubro de 2019.

TJ/MG – Agravo de Instrumento: 10024143396489001. Relator: Ana Paula Caixeta.


Data de Julgamento: 10/04/0018, Disponivel em: <https://tj-
mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/566624412/agravo-de-instrumento-cv-ai-
10024143396489001-mg?ref=serp > Acesso em 31 de outubro de 2019.

______. Apelação Cível 1.0342.14.010367-8/001, Relator: Desembargador Marcos Lincoln, 11ª


Câmara Cível, julgamento em 10/07/2018. Disponível em:
<https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementasemformatacao.jsp/numero=undefined>
Acesso em 31 de outubro de 2019.
59

TJ/SP – Apelação: 64222620118260286 SP, Relator Alcides Leopoldo e Silva Júnior. Data de
Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado. Disponível em:
<https://tjps.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22130032/apelação-apl-64222620118260286-sp-
0006422-2620118260286-tjsp > Acesso em 29 de outubro de 2019.

______. Apelação Cível Nº 70062692876/RS, Oitava Câmara Cível, Relator: José Pedro de Ol
iveira Eckert, Julgado em 12/02/2015. Disponível em: <https://tj-
rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/211663570/apelacao-civel-ac-70064909864-rs/inteiro-teor-
211663580?ref=juris-tabs> Acesso em 30 de outubro de 2019.

VELOSO, Zeno. Requisitos da união estável. O Liberal, Belém do Pará, 06 de maio de 2017.

VIANA, Rui Geraldo Camarco. A família In: VIANA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa M
aria de Andrade. (org). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: R
evista dos Tribunais, 2000, p.18.

VILLELLA, João Baptista. A desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direi


to da Universidade Federal e Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n.21, p.02, m
aio de 1979.

______. João Baptista. A desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da


Universidade Federal e Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n.21, p.413, maio
de 1979.

______. João Baptista. Op cit, p.71-72.

WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família. Porto Alegre: Livrari
a do Advogado, 2009, p.94
60

Você também pode gostar