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DIREITO DE FAMÍLIA II

Autoria: Dóris Ghilardi

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Camila Roczanski
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Bárbara Pricila Franz
Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Priscilla Camargo


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa: UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

G424d

Ghilardi, Dóris

Direito de família II. / Dóris Ghilardi – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

204 p.; il.

ISBN 978-85-53158-39-3

1.Direito de família – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


Da Vinci.

CDD 346.8106
Dóris Ghilardi

Doutora em Ciência Jurídica pela Univali,


com tese aprovada com distinção e louvor (2015);
Mestre em Ciência Jurídica pela Univali - Itajaí (2006);
Formação e aperfeiçoamento pela Escola da Magistratura
- ESMESC - Florianópolis-SC (2002); Graduação em
Direito na Univali, Itajaí (2000). Professora adjunta da
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na área
de Direito Civil; professora convidada permanente da ESA-
SC; ex-professora da Escola da Magistratura de Santa
Catarina (ESMESC); ex-coordenadora do Curso de Pós-
Graduação de Direito de Família e Sucessões do Cesusc;
pesquisadora. Membro da Comissão de Direito de Família
da OAB-SC. Coordenadora científica do IBDFAM-SC.
Autora do livro Economia do Afeto: Análise Econômica
do Direito de Família; coautora do livro de Prática
Jurídica Processual Civil. Co-organizadora da
coletânea de livros de Prática Jurídica, publicada
pela Lumen Juris, e autora de diversos artigos
científicos. Membro do grupo de estudos de
Direito Civil Contemporâneo.
Sumário

APRESENTAÇÃO ....................................................................07

CAPÍTULO 1
Parentesco..............................................................................09

CAPÍTULO 2
Filiação....................................................................................23

CAPÍTULO 3
Adoção.....................................................................................43

CAPÍTULO 4
Do Poder Familiar..................................................................63

CAPÍTULO 5
Regime de Bens.......................................................................81

CAPÍTULO 6
Do Usufruto e da Administração dos Bens dos
Filhos Menores....................................................................117

CAPÍTULO 7
Dos Alimentos.......................................................................127

CAPÍTULO 8
Bem de Família........................................................................157

CAPÍTULO 9
União Estável........................................................................171

CAPÍTULO 10
Tutela e Curatela.................................................................191
APRESENTAÇÃO
O tema a ser abordado no presente livro envolve o Direito de Família, ramo
em constantes transformações que requer especial atenção. O rompimento com
institutos da tradição lapidados há séculos, agora desafiam novas soluções,
ainda carentes de previsão legal. Neste cenário, o afeto foi reconhecido como
importante valor e possibilitou um novo retrato, garantidor da pluralidade de
entidades familiares, promovedor de abertura conceitual, além de repaginar
outros importantes institutos familistas.

A família patriarcal, exclusivamente casamentária, com parentesco definido


e que preconizava a distinção entre os filhos, cede espaço para múltiplas formas
de família, em que o parentesco é remodelado e o direito de filiação ampliado. A
certeza de papéis definidos por cada um dos membros, bem como a estruturação
sólida do passado, são substituídas por incertezas geradas por relações cada
vez mais fluidas e efêmeras, que permitem a união entre pessoas do mesmo
sexo, com mais de duas pessoas, além do convívio mais frequente de filhos de
uniões anteriores com novos parceiros, fazendo exsurgir relações socioafetivas,
possibilitadoras de reconhecimento de simultaneidade de vínculos paterno-filiais,
que criam laços e obrigações jurídicas. Isto tudo em curto espaço de tempo.

Em observância à multiplicidade de experiências que afasta o modelo único


e reivindica novos espaços, conformações e estruturas, impõe-se refletir sobre a
interlocução entre espaço público e privado e suas interferências na construção
de projetos e sentidos de vida de cada um e de cada entidade familiar.

Atentando às constantes mutações, a obra é redigida com base em várias


teorias doutrinárias, entendimentos dos Tribunais, resoluções do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM) e do Conselho de Justiça Federal (CJF).

Com vistas ao atendimento desses critérios, este livro está dividido em 10


capítulos. O primeiro aborda o parentesco, o segundo a filiação e reconhecimento
de filhos, ambos baseados no critério biológico, mas também nas mudanças
ocorridas com a valorização da socioafetividade. O terceiro trata da adoção, o
quarto do poder familiar e o quinto de regime de bens. O sexto capítulo traz a
questão do usufruto e administração dos bens dos menores, o sétimo os alimentos
e questões controvertidas, o oitavo o bem de família. Por fim, os dois últimos
têm como temas a união estável, a tutela e a curatela e todas as suas recentes
mudanças.
C APÍTULO 1
Parentesco

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o parentesco a partir da nova estrutura que engloba a


parentalidade registral, biológica e socioafetiva e todas as implicações
decorrentes dessa mudança.

 Revisar as estruturas de parentesco e a forma de contagem de graus de


parentes.

 Atentar para as mudanças interpretativas que vem promovendo alterações de


concepções e de moldes no parentesco.

 Refletir sobre aspectos polêmicos.


DIREITO DE FAMÍLIA II

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Capítulo 1 PARENTESCO

ConteXtualiZação
Este primeiro
Este primeiro capítulo tratará sobre os elos estabelecidos entre capítulo tratará
determinadas pessoas em razão de seu pertencimento à mesma sobre os elos
entidade familiar. Historicamente tratado como originado do casamento estabelecidos
e de laços biológicos, o parentesco vem sofrendo significativas entre determinadas
pessoas em
alterações.
razão de seu
pertencimento à
O desenvolvimento biotecnológico e científico, a globalização, as mesma entidade
mudanças culturais, as relações mais efêmeras e multifacetadas, a familiar.
valorização do amor e do afeto exigem uma releitura dos institutos. É
fato que a estrutura familiar mudou e com ela o estudo do parentesco precisa se
adaptar para uma compreensão mais abrangente, pluralista e inclusiva.

A doutrina já vem abordando o tema e sistematizando o parentesco


de maneira tríplice: a parentalidade biológica, a parentalidade registral e a
parentalidade socioafetiva, conforme se verá a seguir.

Definição de Parentesco
Parentesco é a caracterização de uma relação jurídica que vincula certas
pessoas de uma mesma família em função dos elos havidos entre si. É o
pertencimento decorrente de relações entre pessoas que integram um grupo
familiar. Contudo não se pode confundir família com parentesco, conceitos que
não se equivalem.

Como advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 540), “enquanto a família é um


grupo formado por pessoas reunidas socialmente, o parentesco diz respeito ao
vínculo natural (o que não significa dizer, necessariamente biológico, podendo ser
afetivo) estabelecido entre determinadas pessoas que podem, ou não, compor um
mesmo núcleo”.

Por exemplo, marido e mulher não são considerados parentes entre si,
assim como os companheiros também não. Eles inauguram uma entidade familiar
conjugal ou de companheirismo, isto é, eles são família, mas não parentes.

Outra situação a ser destacada é a relação entre um pai ou mãe e o filho


havido fora do casamento. Eles são parentes, mas não necessariamente irão
compor o mesmo núcleo familiar.

11
DIREITO DE FAMÍLIA II

A família é representada pelo seu núcleo fundamental, hoje


A família é
considerada aberta, plural, formada a partir de variados modelos. Já o
representada
pelo seu núcleo parentesco, no passado, fundava-se pelos laços biológicos, de adoção
fundamental, hoje e também os laços que uniam marido e mulher (ou companheiros) aos
considerada aberta, parentes do outro.
plural, formada a
partir de variados
modelos.

Definição: Essa noção, contudo, passou a abranger as


situações existenciais baseadas também na socioafetividade, razão
pela qual o parentesco pode ser sustentado como “o vínculo, com
diferentes origens, que atrela determinadas pessoas, implicando
efeitos jurídicos diversos entre as partes envolvidas” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 541).

Parentesco Natural ou Civil


O artigo 1.593 do CC afirma que “o parentesco é natural ou civil,
A leitura que vem
sendo feita é a conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem”. Assim,
de que o Código a leitura que vem sendo feita é a de que o Código Civil permite o
Civil permite o acolhimento de outros vínculos, além dos laços sanguíneos (que se
acolhimento de originam por meio de relações sexuais ou técnicas de reprodução
outros vínculos, assistida) ou por adoção, caso da socioafetividade. O enunciado 103
além dos laços
do CJF, acolhendo essa tese, foi assim redigido:
sanguíneos (que
se originam por
meio de relações
sexuais ou técnicas O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies
de parenstesco civil, além daquele decorrente da adoção,
de reprodução
acolhendo, assim, técnicas de reprodução assistida heteróloga
assistida) ou por relativamente ao pai (ou mãe) que não contribui com seu
adoção, caso da material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada
socioafetividade. na posse do estado de filho.

Ainda o enunciado n. 256 do CJF: “A posse de estado de filho (parentalidade


socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

12
Capítulo 1 PARENTESCO

Portanto, a visão reducionista cedeu espaço para uma


A visão reducionista
compreensão mais inclusiva de parentesco, com a inserção dos cedeu espaço para
laços socioafetivos. Contudo, o art. 1.593 do CC sofre críticas em sua uma compreensão
redação ao distinguir entre o parentesco natural ou consanguíneo e o mais inclusiva de
parentesco civil, por não ser mais justificável qualquer denominação parentesco, com a
discriminatória em com relação aos filhos. Sugere-se, portanto, que se inserção dos laços
socioafetivos.
utilize apenas a denominação parentes, sem qualquer adjetivo.

Linhas e Graus
O vínculo de parentesco é estabelecido em linhas e graus. As linhas são as
ramificações, podendo ser reta ou colateral, também chamada de transversal. Os
graus, por sua vez, equivalem à distância geracional.
Essa organização
Essa organização importa para fins de análise dos efeitos importa para fins
de análise dos
produzidos pelo parentesco, que são de caráter obrigatório, não
efeitos produzidos
podendo ser desfeitos pelas partes. Somente o que extingue os pelo parentesco,
vínculos de parentesco é a adoção. Em princípio, nem a extinção do que são de caráter
poder familiar tem o condão de retirar os efeitos oriundos da relação obrigatório, não
entre pais e filhos, mantendo-se, portanto, a obrigação alimentar, o podendo ser
direito de herança, bem como os impedimentos ao casamento (LÔBO, desfeitos pelas
partes.
2012, p. 209).

Os parentes em linha reta são aqueles que guardam entre si relação


geracional linear; são aqueles que derivam uns dos outros, de acordo com o art.
1.591 do CC. A linha reta é ascendente ou descendente e contempla os avós, os
pais, os filhos, os netos, os bisnetos e assim por diante. Pode bifurcar-se em linha
reta materna e paterna, além de poder ser analisada pelo ângulo da ascendência
(pai, avô, bisavô) ou da descendência (filho, neto, bisneto).

Na linha colateral, encontram-se os parentes que não possuem vínculos de


ascendência ou descendência, mas compartilham o mesmo ancestral, a teor do
art. 1.592 do CC. Também chamada de transversal ou oblíqua. São os irmãos, os
tios, os sobrinhos, os primos, o tio-avô e o sobrinho-neto.

Na linha colateral, classificam-se os irmãos em bilaterais (filhos do mesmo


pai e da mesma mãe) e unilaterais (filhos apenas do mesmo pai ou da mesma
mãe). Essa distinção refletirá no tocante aos efeitos sucessórios (arts. 1.841 a
1.843, ambos do CC).

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DIREITO DE FAMÍLIA II

Contagem de Graus
Na linha reta, a contagem do parentesco inicia-se com o primeiro grau e
continua ilimitadamente, isto é, admite graus ad infinitum, tendo potencialidade de
produção de variados efeitos previstos na lei.

De acordo com o art. 1.594 do CC, “contam-se na linha reta os graus de


parentesco pelo número de gerações (...)”. Assim, entre pais e filhos, há uma
geração; entre avós e netos, duas gerações; entre bisavós e bisnetos, três
gerações; entre trisavô e trineto, quatro gerações, e assim por diante. Pode-se
dizer, ainda, que pais e filhos são parentes em primeiro grau; avós e netos são
parentes em segundo grau etc.

A dica é partir
de você ou de A dica é partir de você ou de alguém que queira descobrir o grau
alguém que queira de parentesco e seguir até encontrar o outro que se deseja.
descobrir o grau de
parentesco e seguir Em que pese a potencialidade de efeitos entre os parentes na
até encontrar o outro linha reta, quanto mais próximo o parentesco, maiores as chances
que se deseja.
de incidência desses efeitos. Para ilustrar, no direito sucessório,
havendo parentes em graus mais próximos, os mais remotos serão excluídos.
Havendo filhos, por exemplo, eles excluirão os netos do direito de herança. Assim
também na obrigação alimentar, havendo pais, a estes incumbirão o dever de
pagar alimentos aos filhos menores, transmitindo-se esta obrigação aos avós,
apenas em caráter subsidiário, nunca diretamente. Por outro lado, a proibição de
casamento prevista no art. 1.521 do CC estende-se a todo e qualquer parentesco
em linha reta.

14
Capítulo 1 PARENTESCO

Figura 1 – Gráfico de Parentesco em linha reta

LINHA PATERNA LINHA MATERNA

Bisavós Bisavós
3º grau Paternos ASCENDENTES
Maternos

2º grau Avós Avós


Paternos Maternos

1º grau Pai Mãe

Você OBS: A linha reta


é ilimitada e o
parentesco se
DESCENDENTES conta a cada
Filhos 1º grau geração

Netos 2º grau

Bisnetos 3º grau

Fonte: Antonio Pedro Videira - JusBrasil

Já no parentesco colateral, a contagem é um pouco mais complexa. O início


da contagem se dá em segundo grau, encerrando-se no quarto grau, ou seja,
os possíveis direitos somente serão reconhecidos até o quarto grau, no máximo.
Contudo, o alcance dos efeitos na linha colateral oscila a depender dos direitos
em pauta.

Para exemplificar as situações previstas no Código Civil, pode-se citar o art.


1.521, inciso IV, que ao tratar sobre os impedimentos do casamento, alcança os
colaterais até o terceiro grau (tio e sobrinhos); o art. 1.697 do CC, por sua vez,
que trata dos alimentos entre colaterais, prevê a possibilidade de cobrança de
alimentos apenas entre irmãos (2º grau); por fim, o art. 1.839 do CC que trata
sobre direito sucessório, na linha colateral, contempla os parentes colaterais até o
quarto grau, na lógica de que o mais próximo exclui o mais remoto.

Não há parente em primeiro grau na linha colateral, porque a contagem


leva em consideração o parente comum. Nas palavras de Lôbo (2012, p. 211), a

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DIREITO DE FAMÍLIA II

contagem na linha colateral “inicia-se a partir de determinada pessoa,


“Inicia-se a partir
subindo-se até o ascendente comum da outra pessoa, daí descendo-
de determinada
pessoa, subindo-se se até esta, para se poder constatar ou não a relação de parentesco”.
até o ascendente
comum da outra Assim, para saber o parentesco entre irmãos, deve-se primeiro
pessoa, daí achar o parente comum na linha reta, para depois chegar até ele.
descendo-se até Exemplo: você, seu pai e seu irmão, o que caracteriza dois graus?
esta, para se
Um entre você e seu pai e outro entre você e seu irmão. Irmãos são,
poder constatar ou
não a relação de portanto, parentes em segundo grau.
parentesco”.
São colaterais em terceiro grau tios e sobrinhos, lembrando que o
parente comum neste caso é o avô. Em quarto grau aparecem os primos, os tios-
avôs e os sobrinhos-netos, que têm como parente comum o bisavô.

Figura 2 – Gráfico de parentesco na linha colateral

Linha Reta

...
Linha Colateral Linha Colateral

Bisavô

4º 2º
Tio Avô Avô

1º 3º
Filho do Tio Avô Pai Tios

2º 4º
Eu Irmãos Primos

1º 3º
Filho Sobrinhos Filho do Primo

2º 4º
Neto Filho do Sobrinho

3º Neto do Sobrinho
Bisneto

...

Fonte: Antonio Pedro Videira - JusBrasil

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Capítulo 1 PARENTESCO

Afinidade
O vínculo
O vínculo conjugal ou de companheirismo reúne os cônjuges ou
conjugal ou de
companheiros entre si, ao passo que a afinidade liga cada um desses companheirismo
individualmente, aos parentes do outro. O art. 1.595 do CC está assim reúne os cônjuges
construído: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do ou companheiros
outro pelo vínculo de afinidade”. entre si, ao passo
que a afinidade liga
cada um desses
Também se dá pela linha reta e colateral. Na linha reta não
individualmente, aos
há limitação de grau, embora na prática apenas se encontrem parentes do outro.
nomenclaturas específicas para os parentes por afinidade na linha reta
em primeiro grau (sogro(a), genro, nora, enteados(as), padrasto e madrasta).

Segundo a
Segundo a construção do Código Civil, que privilegiava os laços
construção do
biológicos, os vínculos por afinidade foram construídos muito mais com Código Civil, que
intuito de estabelecimento de limites de impedimentos de casamento, privilegiava os
do que propriamente criação de direito e deveres. No passado, não laços biológicos,
se cogitava efeitos decorrentes da relação entre padrasto e enteada, os vínculos por
como obrigação alimentar e/ou direito de herança. Ocorre que, com afinidade foram
construídos muito
as novas construções de laços afetivos, pode sim a afinidade gerar
mais com intuito de
direitos e obrigações, basta ser baseada em laços de afeto. estabelecimento
de limites de
O tema ainda é recente e desafia o Judiciário, mas pouco a impedimentos de
pouco começam a surgir decisões estabelecendo deveres a partir casamento, do
do reconhecimento de vínculos socioafetivos entre parentes por que propriamente
criação de direito e
afinidade, caso do padrasto obrigado a prestar alimentos à filha de
deveres.
sua companheira, conforme se extrai de decisão em primeiro grau, da
Comarca de São José-SC, confirmada pelo Tribunal de Justiça, com
trecho assim ementado: “Alimentos à enteada. Possibilidade. Vínculo socioafetivo
demonstrado. Parentesco por afinidade. Forte dependência financeira observada”
(TJ/SC, AI n. 2012.073740-3, 2ª Câmara de Direito Civil, Comarca de São José, j.
04.02.2013).

Ainda não de forma geral, porém em casos concretos, o parentesco por


afetividade começa a também surtir efeitos jurídicos.

Prosseguindo, a contagem de graus na afinidade se dá da mesma forma


que entre os parentes. Recomenda-se agora utilizar a regra do espelho, isto é,
para saber qual o parentesco do seu marido/companheiro com seus pais, basta
saber qual o seu parentesco com os seus pais. Como já foi visto, é de primeiro
grau, portanto, o parentesco do marido/companheiro com os pais da mulher, por

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DIREITO DE FAMÍLIA II

afinidade. Assim também para saber qual o seu parentesco com o irmão do seu
marido/companheiro, basta saber qual o parentesco do marido/companheiro com
o irmão. Viu-se que o parentesco entre irmãos é de segundo grau, razão pela qual
a afinidade entre cunhados também será de segundo grau.

São parentes por afinidade, na linha reta, em primeiro grau: sogro(a), genro,
nora, enteados(as), padrasto e madrasta. São parentes por afinidade, na linha
colateral, em segundo grau, os cunhados(as). A afinidade na linha colateral se
restringe ao segundo grau, não sendo considerado como afim os concunhados ou
os filhos do cunhado.

O parentesco por afinidade em linha reta não se extingue, conforme redação


do parágrafo 2º do art. 1.595 do CC, estando impedidos de casar para sempre ex-
nora e sogro, por exemplo.

Figura 3 – Gráfico de afinidade

Sogro Sogra Sogro Sogra


Afinidade 1º grau Afinidade 1º grau
linha reta ascendente linha reta ascendente

Cunhado (a) Cunhado (a)


Afinidade 2º grau Afinidade 2º grau
linha colateral linha colateral

(sou Genro/Nora) (é Genro/Nora)

EU Casamento CÔNJUGE

Sou Padrasto/ é Padrasto/


Madrasta Madrasta
Afinidade 1º grau Afinidade 1º grau
linha reta descendente linha reta descendente

Enteado (a) Enteado (a)

Fonte: A autora.

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Capítulo 1 PARENTESCO

Efeitos Decorrentes do Parentesco


O parentesco produz efeitos para além do Direito de Família, podendo-se
encontrar reflexos no direito sucessório, como já visto, mas também em outras
áreas, como no direito eleitoral, no direito administrativo, no direito processual e
no âmbito penal.

No Direito de Família, cria obrigação alimentar (art. 1.694 do CC - os parentes


são obrigados a prestar alimentos entre si); impõe impedimentos ao casamento
(art. 1.591 do CC); instaura o poder familiar e reflete no direito de guarda (art.
1.589 do CC).

Já no Direito Processual Civil, o parentesco é considerado para fins de


estabelecimento de impedimentos e suspeição das partes ou advogados com
relação ao juiz da causa (também aplicável ao Promotor de Justiça e demais
serventuários), conforme determina o art. 144 do CPC. Também não podem os
parentes servirem como testemunhas das partes, nem a favor, nem contrariamente
(art. 447 do CPC).

No Direito Eleitoral, o parentesco pode gerar inelegibilidade (art. 14, parágrafo


17 da CRFB/88) e, no Direito Administrativo, as restrições aparecem com relação
à vedação do nepotismo. Nesse sentido, é o teor da Súmula Vinculante n. 13 do
STF:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha


reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para
o exercício de cargo em comissão ou confiança, ou ainda, de
função gratificada na administração pública, compreendidos o
ajuste mediante designações específicas, viola a Constituição
Federal.

No Direito Penal, o parentesco aparece no art. 181 do CP, não sendo


considerado crime contra o patrimônio o praticado por ascendente ou descendente,
seja o parentesco natural ou civil. Ainda o art. 61, II, do CP considera o parentesco
uma circunstância agravante de pena. O Código Penal regula ainda vários crimes
contra a família, como bigamia (art. 236, CP), entre outros, além de um rol de
crimes contra o estado de filiação.

19
DIREITO DE FAMÍLIA II

Atividade de Estudos:

1) Ana, filha de Joaquim, casou-se com Ricardo, que é filho de


Augusto, sendo este irmão de Joaquim. Pergunta-se:

a) Existe parentesco ou afinidade entre Ana e Ricardo?


b) Entre Ana e Augusto?
c) É válido tal casamento segundo o Código Civil?
d) Existe afinidade entre Joaquim e Augusto?
e) O irmão de Ricardo é o que de Ana?

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20
Capítulo 1 PARENTESCO

Algumas ConsideraçÕes
Como se pode perceber, a noção de parentesco é relevante não só para
o Direito Privado, mas também para o Direito Público, produzindo efeitos tanto
de ordem pessoal, quanto de ordem patrimonial. A importância de seu estudo
está diretamente atrelada às mudanças de conceito e abrangência das entidades
familiares, suas novas formações e vínculos.

O reconhecimento do vínculo socioafetivo como nova forma de constituição


de relações de parentesco causa uma série de dúvidas relacionadas à extensão
de efeitos, e vai sendo pouco a pouco delineado por meio das decisões dos
Tribunais.

ReferÊncia
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po-
diwm, 2017.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

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DIREITO DE FAMÍLIA II

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C APÍTULO 2
Filiação

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Revisar o tema da filiação.

 Contextualizar a filiação dentro das novas abordagens da socioafetividade e da


multiparentalidade.

 Compreender as alterações e suas implicações de modo a aplicar o conteúdo


considerando a nova estruturação e suas consequências.

 Apontar aspectos polêmicos e instigar reflexões;


DIREITO DE FAMÍLIA II

24
Capítulo 2 FILIAÇÃO

ConteXtualiZação
Aplica-se ao direito de filiação o princípio da igualdade entre os filhos e o
princípio da vedação de tratamento discriminatório. A Constituição Federal, em
seu artigo 227, parágrafo 6º, terminou com a construção anterior do Código Civil,
que autorizava a distinção entre filhos, privilegiando os oriundos do casamento e
discriminando aqueles concebidos fora da relação conjugal.

Atualmente, portanto, “filhos são filhos, independente da origem”. Tanto que


o Código Civil de 2002 já foi reescrito com base nos novos valores, prevendo em
seu art. 1.596 a igualdade de direitos e qualificações para todos os filhos, havidos
ou não da relação de casamento.

Apesar disso, o Código Civil trata em capítulos separados os filhos oriundos


do casamento e os filhos de outras origens. No capítulo intitulado “Da filiação”
(arts. 1596 a 1606 do CC), trata dos filhos oriundos na constância do casamento;
e no capítulo “Do reconhecimento dos filhos” (arts.1607 a 1617 do CC), trata dos
demais, balizando diferentes realidades fáticas, já que os oriundos do casamento
são privilegiados com a presunção de paternidade.

Entretanto, como adverte Madaleno (2016 p. 486), “a subsistência desse viés


diferenciando os filhos do casamento em contraste com a prole extramatrimonial,
em nada se equipara ao estigmatizante contexto das filiações legítimas e
ilegítimas vigentes até a edição da Constituição Federal de 1988”.

Filiação: Igualdade de Direito e


OBrigaçÕes Sob um ponto de
vista mais técnico,
O conceito de filiação não é tarefa simples, basta ser vivenciada a pode-se dizer
experiência da filiação para que ela possa ser constituída, não sendo que filiação é a
relação de vínculo
mais necessária a geração biológica ou por adoção regular. Sob um
de parentalidade
ponto de vista mais técnico, pode-se dizer que filiação é a relação de estabelecida entre
vínculo de parentalidade estabelecida entre filhos e pais, que não mais filhos e pais, que
pode ser buscada apenas no campo genético, mas também em outras não mais pode
origens, como no simples registro, na adoção ou na socioafetividade. ser buscada
apenas no campo
genético, mas
A concepção de filhos genéticos não se restringe apenas aos
também em outras
oriundos de métodos tradicionais, mas também aos filhos de laboratório, origens, como no
por concepção homóloga (material genético oriundo dos próprios pais) simples registro,
ou heteróloga (material de doador ou doadores anônimos), “barriga de na adoção ou na
socioafetividade.

25
DIREITO DE FAMÍLIA II

aluguel”, ou as mais recentes parcerias de paternidade (pais que se encontram


em ambientes virtuais com a única intenção de gerar filhos). Essa relação atribui
reciprocamente direitos e deveres, consoante previsões legais.

Segundo Farias e Rosenvald (2017, p. 566), para a compreensão do


fenômeno filiatório no mundo contemporâneo, deve-se respirar os ares da
constitucionalidade, sendo possível construir um pensamento de filiação nos
seguintes termos:

A filiação está: (i) vocacionada a não discriminação de


todo e qualquer tipo de filho (esteja contemplado, ou não,
em norma infraconstitucional) e a sua proteção integral,
independentemente de sua origem; (ii) despatrimonializada,
tendendo à afirmação de valores existenciais, muito mais do
que, simplesmente, voltada para a transmissão de herança.

Filiação é um vínculo de parentesco com importância ímpar, responsável por


dar continuidade às famílias e construir os laços mais genuínos de amor, afeto
e cuidado. Também envolve, no mínimo, três relações distintas a depender do
ângulo: filiação pelo ponto de vista do filho; paternidade, do ponto de vista do pai e
maternidade do ponto de vista da mãe. Esse tríplice laço pode ser denominado de
parentalidade, como vem sendo apelidado pela doutrina.

O vínculo de parentalidade (laços entre pais e filhos) pode ser constituído


por meio do registro e ter coincidência com o vínculo consanguíneo e afetivo. Em
outros casos, entretanto, esses laços não serão exercidos por meio da mesma
figura paterna ou materna, podendo haver pluralidade de vínculos.

Portanto, atualmente, há vários critérios de determinação do vínculo parental:

a) Critério biológico: consistente no estabelecimento de vínculos


sanguíneos, isto é, com identidade de material genético. Esse critério
ganhou importância com o exame de DNA, permitindo a determinação
biológica com grau de certeza de até 99,999% de chances de acerto.
Inclusive, foi editada Súmula pelo STJ, de n. 301, que salienta que “em
ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

Atualmente, contudo, o biológico é apenas mais um critério de definição


de filiação, tem sido recentemente considerado em pé de igualdade com o
critério socioafetivo, sem qualquer preponderância de um sobre o outro. Importa
acrescentar, apenas, que o critério biológico pode ser oriundo de método de
concepção tradicional de filhos, como também oriundo de reprodução assistida
homóloga e também de barriga solidária.

26
Capítulo 2 FILIAÇÃO

A reprodução assistida abrange as técnicas de reprodução humana.


Chama-se homóloga quando decorre de manipulação de gametas masculinos e
femininos do próprio casal; chama-se heteróloga quando se utiliza o esperma ou
óvulo de doador(a) fértil; inseminação, quando se implanta o material genético do
homem diretamente no útero da mulher; fertilização “in vitro”, quando é colhido o
material tanto do homem quanto da mulher e a concepção é realizada “in vitro” e
depois inserido o embrião na mulher.

A gestação por substituição é a famosa “barriga de aluguel”, quando o


material genético dos pais é implantado em outra mulher, “barriga solidária” que
gestará a criança.

Por fim, fala-se ainda das parcerias de paternidade, também chamadas


de coparentalidade, são aquelas parcerias feitas por pais que se encontram em
um ambiente virtual, criado especificamente com a finalidade de proporcionar
encontros a pessoas que desejam ter filhos.

b) Critério socioafetivo: é a filiação resultante de vínculos de afeto. Não


está lastreada em vínculos biológicos, mas cimentada no tratamento
recíproco dispendido no cotidiano. Ela é construída aos poucos. João
Batista Villela, em famoso artigo sobre a desbiologização da filiação,
já chamava a atenção de que a filiação não é um fato biológico, mas
cultural, reconhecendo a insuficiência do critério consanguíneo para
reconhecer os vínculos de parentalidade.

Essa nova construção permite a separação entre os conceitos de pai e


genitor. Farias e Rosenvald (2017, p. 614) elaboraram um rol ilustrativo de
situações em que fica evidente a presença do vínculo de afetividade a determinar
o estado de filiação:

(i) na adoção obtida judicialmente; (ii) no fenômeno de


acolhimento de um “filho de criação”, quando demonstrada a
presença da posse de estado de filho; (iii) na chamada adoção
à brasileira (reconhecer voluntariamente como seu um filho
que sabe não ser) (iv) no reconhecimento voluntário ou judicial
da filiação de um filho de outra pessoa (quando um homem,
enganado pela mãe ou por ter sido vencido em processo
judicial, é reconhecido como pai e, a partir daí, cuida desse
filho, dedicando amor e atenção).

A posse de estado de filho mencionada requer a aparência de estado de


filiação, estabelecida num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da
afetividade e exige três critérios para o reconhecimento: a) tratamento de filho; b)
reputação/fama: perante a sociedade, ou seja, as pessoas próximas reconhecem

27
DIREITO DE FAMÍLIA II

o vínculo como sendo de parentalidade; e c) nome: usar o nome da família. Este


último critério exigido pela doutrina tradicional já é refutado atualmente, não sendo
mais exigido na prática, em razão de não ter sentido acolher a socioafetividade
apenas entre membros de uma mesma entidade familiar.

O critério O critério socioafetivo poderá ser utilizado como argumento em


socioafetivo poderá todas as ações que versem sobre filiação, desde a investigação de
ser utilizado como paternidade até a negatória de paternidade. Uma vez constituído o
argumento em vínculo pelo critério da socioafetividade, decorrerão todos os efeitos da
todas as ações filiação, sejam existenciais ou patrimoniais. Portanto, caberá o registro
que versem sobre
duplo na certidão de nascimento, bem como o direito de alimentos e de
filiação, desde a
investigação de herança.
paternidade até
a negatória de Em princípio, reconhecido o vínculo socioafetivo, estariam
paternidade. desconstituídos os vínculos biológicos. Ocorre que a teoria da
multiparentalidade, que já vinha sendo propalada pela doutrina,
inclusive por mim já defendida, em artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de
Direito de Família, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que passou a
admitir a concomitância dos laços genéticos e afetivos.

“A paternidade A tese fixada pelo STF foi: “A paternidade socioafetiva, declarada


socioafetiva, ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo
declarada ou não de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os
em registro público,
efeitos jurídicos próprios” (STF, Ac Tribunal Pleno, RE 898.060/SC,
não impede o
reconhecimento do Repercussão Geral 622, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16).
vínculo de filiação
concomitante O reconhecimento da multiparentalidade, bem como as
baseado na origem consequências advindas a partir de seu acolhimento, ainda precisam
biológica, com os ser melhor refletidos, pairando inúmeras dúvidas sobre o tema,
efeitos jurídicos
questões como se os alimentos deverão ser prestados por ambos
próprios”
os pais ou se caberá duplicidade de direito de herança ainda são
incógnitas, gerando controvérsias entre os autores.

Por enquanto, as questões estão sendo analisadas de acordo com a


casuística. Mesmo nos casos em que se reconhece apenas o vínculo socioafetivo
com o rompimento dos laços biológicos, há pensamentos controvertidos, caso
dos alimentos. Farias e Rosenvald (2017, p. 615) sustentam que, estabelecido o
vínculo socioafetivo, não mais se pode exigir do pai biológico alimentos, herança,
nem pode exercer o poder familiar. Já Madaleno (2016) defende a tese da
paternidade alimentar, entendendo cabível a obrigação ao genitor, quando o pai
socioafetivo não tiver condições de prestá-los.

28
Capítulo 2 FILIAÇÃO

Todavia, entende-se possível ao filho afetivo o pleito de reconhecimento de


origem genética, sem qualquer outro efeito, ou seja, o direito ao reconhecimento
da ancestralidade é tutelado, enquanto a extensão dos direitos patrimoniais, em
regra, é repelida.

Sobre socioafetividade e multiparentalidade, leia: CALDERÓN,


Ricardo. Princípio da afetividade no Direito de Família. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017.

c) Presunção de paternidade: é também um critério jurídico de filiação.


O Código Civil em seu art. 1.597 estabelece as presunções resultantes
do casamento, apesar dos avanços na área genética, que permitem
comprovar a paternidade biológica através do exame de DNA.

A presunção tem fundamento numa época em que apenas a maternidade era


certa, estabelecendo-se a paternidade por meio das presunções, cabendo apenas
ao marido o direito de impugnação de tal paternidade (art. 1.601 do CC). O artigo
está assim redigido:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do


casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e
anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que
falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que
tenha prévia autorização do marido.

O inciso I trata do casamento em que a criança nasce até seis meses


depois da união conjugal. O inciso II leva em consideração um período mais ou
menos correspondente ao tempo máximo gestacional, atribuindo ao ex-marido a
paternidade da criança. Já os incisos III, IV e V contemplam três hipóteses de
gestação provenientes de concepção artificial. As presunções se estabelecem na
fecundação homóloga, que é aquela em que a mulher engravida com esperma
do marido, embora este faleça posteriormente; também no caso de gravidez com
embriões originados com material genético do marido e, por fim, na inseminação
com material de terceiro quando haja autorização prévia do marido.

29
DIREITO DE FAMÍLIA II

Essa presunção não foi estendida à união estável, sendo o


Essa presunção
artigo taxativo ao casamento. Na prática, isso significa que a mãe
não foi estendida à
união estável, sendo de uma criança, nos casos elencados no artigo 1.597 do CC, pode ir
o artigo taxativo ao diretamente ao Cartório Civil e registrar a criança em nome do marido.
casamento. Quando a mulher não for casada, somente conseguirá registrar o nome
do pai, se deste estiver acompanhada.

Prova da filiação: para encerrar o item sobre filiação, importa anotar que o
registro civil é o meio hábil ordinário para estabelecer a parentalidade, devendo
todos os nascimentos serem registrados (Lei 6.015/73, arts. 50 a 66).

Com o registro, a certidão de nascimento passa a comprovar a filiação


(art. 1.603, do CC), gozando de presunção quase que absoluta do vínculo ali
estabelecido, o qual somente poderá ser desconstituído em caso de erro ou
falsidade (art. 1.604, CC).

O legislador deixou claro que, além da certidão de nascimento, a filiação


pode ser comprovada por qualquer outro modo admissível em direito, a teor do
disposto no art. 1.605 do CC, sendo o principal deles a prova pericial de DNA.

Contudo, não se pode olvidar de que a comprovação de origem genética


estabelece a parentalidade biológica, que hoje pode ser afastada se já existente e
comprovada a parentalidade socioafetiva.
A existência e a
comprovação dessa “Sem dúvida, a notoriedade e a exteriorização de uma relação
relação socioafetiva paterno-filial (isto é, posse de estado de filho) decorre de veementes
poderá então ser presunções de fatos já certos” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 569).
regularizada com
o registro civil, A existência e a comprovação dessa relação socioafetiva poderá
podendo, a partir então ser regularizada com o registro civil, podendo, a partir disso,
disso, garantir
garantir todos os direitos e deveres advindos do reconhecimento de
todos os direitos e
deveres advindos do parentalidade.
reconhecimento de
parentalidade.

Do Reconhecimento dos Filhos


O art. 1.607 do Código Civil preconiza que “o filho havido
“O filho havido fora fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou
do casamento pode
separadamente”. O filho que não tenha sido regularmente registrado
ser reconhecido
pelos pais, conjunta por declaração dos pais ou legitimado (art. 52 da Lei n. 6.015/73),
ou separadamente”. pode ser reconhecido posteriormente, a qualquer tempo (antes do
nascimento, em vida ou após a sua morte).

30
Capítulo 2 FILIAÇÃO

Em que pese a igualdade trazida pela Constituição Federal de 1988, que


veda qualquer referência à natureza da filiação, o Código Civil continuou a tratar
a filiação separadamente a depender se o vínculo é oriundo do casamento ou de
relações extraconjugais. O capítulo sobre reconhecimento dos filhos trata desta
segunda situação, que pode decorrer de casais que vivam em união estável, que
tenham um simples namoro ou que não tenham qualquer vínculo.

Como já visto, aos filhos oriundos do casamento prevalece a presunção de


certeza da maternidade da mulher, e a presunção da paternidade, com relação ao
marido, não tendo sentido se falar em reconhecimento.

Em síntese: “enquanto a filiação matrimonial decorre de uma


presunção jurídica, a filiação extramatrimonial é materializada por
meio do reconhecimento de filhos, por ato voluntário ou por decisão
judicial” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 622).

O reconhecimento dos filhos é um direito personalíssimo e irrevogável.


Todavia, se o filho já estiver reconhecido por outra pessoa, será necessário o
ajuizamento de ação judicial para discutir o estado de filiação, já que o registro
estabelece presunção de paternidade ou maternidade ali referidos. Caso acolhido o
pedido, ocorrerá uma retificação de registro civil. Essa presunção somente poderá
ser elidida em caso de erro ou falsidade, segundo termos do art. 1.604 do CC.

O reconhecimento dos filhos pode decorrer de ato voluntário ou de


intervenção judicial.

Reconhecimento voluntário: é o que ocorre sem qualquer constrangimento.


Feito de forma espontânea pelo pai ou pela mãe, ou também por procurador, com
poderes especiais (art. 59, da Lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos). Pode ser
feito conjuntamente pelos pais ou em atos separados (art. 1.607 do CC e art. 26
da Lei 8.069/90 - ECA).

Estabelece o art. 1.609 do CC que, além do registro de nascimento, o


reconhecimento de parentalidade dos filhos havidos fora do casamento também
pode se dar por escritura pública ou instrumento particular, a ser arquivado em
cartório; por testamento ou por manifestação direta e expressa perante o juiz,
ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.

31
DIREITO DE FAMÍLIA II

Percebe-se a esse respeito que o legislador previu várias formas possíveis


para o reconhecimento, no intuito de facilitar o estabelecimento do vínculo de
parentalidade também fora do casamento. Todos esses modos independem de
homologação judicial, produzindo todos os efeitos jurídicos por si só.

Além do mais, o Além do mais, o reconhecimento é ato declaratório que pode ser
reconhecimento feito a qualquer tempo, inclusive antes do nascimento. A doutrina se
é ato declaratório posiciona no sentido de ser possível o reconhecimento de nascituro,
que pode ser feito diante da justificativa de receio por parte do pai, de que algo possa lhe
a qualquer tempo,
acontecer antes do filho nascer, bem como do receio da mãe, de não
inclusive antes do
nascimento. sobreviver ao parto, garantindo, em ambos os casos, os direitos do filho.

Também no caso de o filho já ter falecido é admitido o


reconhecimento, porém, apenas se o filho deixou descendentes. Isso para evitar
que o reconhecimento se dê com intenção de fraudar a partilha, isto é, com
interesse exclusivo de adquirir herança (art. 1.609, parágrafo único, do CC).

Nas palavras de Madaleno (2013, p. 578), “mostra-se imoral um pai pretender


reconhecer o seu filho que deixou de perfilhar em vida, apenas apressando-
se em reconhecê-lo depois de morto para lhe recolher a herança, por vocação
hereditária”.

Farias e Rosenvald (2017, p. 623), por sua vez, trazem interessante ponto
de vista sobre o reconhecimento feito por incapazes. Os autores defendem que
em razão de se tratar de ato jurídico em sentido estrito e não de negócio jurídico,
pode o reconhecimento de filiação ser feito sem assistência do pai ou mãe do
relativamente incapaz. Apenas se o reconhecimento for feito por escritura pública
é que deverá estar assistido, “por conta da solenidade essencial do ato público,
mas não pelo reconhecimento em si”.

Esse posicionamento faz todo o sentido, apesar de vários posicionamentos


contrários. Com relação ao absolutamente incapaz, o reconhecimento somente
será válido se este estiver devidamente representado ou por meio de decisão
judicial, não sendo aceitável que faça sozinho.

Outra questão relevante trata de reconhecimento de filho maior de idade,


caso em que será necessário o seu consentimento (art. 1.614, CC e art. 4 da Lei
8.560/92 - Lei de Investigação de Paternidade) e, se menor, este pode impugná-
lo nos quatro anos que se seguirem à maioridade ou emancipação, “desde que
fundada em falsa filiação ou existente filiação socioafetiva” (CARVALHO, 2015, p.
601).

32
Capítulo 2 FILIAÇÃO

Em caso de recusa do filho maior, Carvalho (2015, p. 602)


entende que se esta for injustificada, caberá ação reivindicatória de
paternidade ou maternidade para o possível reconhecimento. Já Farias
e Rosenvald (2017) posicionam-se no sentido de descaber suprimento
judicial, pouco importando se a recusa é justificada ou não.

Em se tratando de filho menor, não exige a lei qualquer tipo de consentimento.


Contudo, o Conselho Nacional de Justiça baixou o provimento n. 7, dirigido aos
Cartórios de Registro Civil, exigindo a concordância da mãe nesses casos.

O artigo 1.614 do Código Civil, por sua vez, estabelece o prazo decadencial
de quatro anos para o filho menor, que foi reconhecido sem a sua concordância,
impugnar a paternidade, a contar da aquisição da maioridade. Essa ação
impugnatória não precisa ser motivada, basta a alegação da discordância do
reconhecimento. Outra situação
prevista no art.
Outra situação prevista no art. 27 do ECA, que estabelece a 27 do ECA, que
imprescritibilidade do direito ao reconhecimento forçado de paternidade, estabelece a
tutela a qualquer pessoa o direito de buscar o reconhecimento de seus imprescritibilidade
do direito ao
vínculos de parentalidade a qualquer momento, ou seja, não há prazo
reconhecimento
para o ajuizamento de ação investigatória de paternidade. forçado de
paternidade, tutela
Por este artigo também se entende ser imprescritível a negação a qualquer pessoa
da paternidade, ou seja, motivadamente pode o filho pretender o direito de buscar
desfazer o vínculo de filiação constituído no passado, a qualquer o reconhecimento
de seus vínculos
tempo, principalmente na era da socioafetividade, em que a realidade
de parentalidade a
fática pode confrontar a filiação biológica e a socioafetiva. qualquer momento.

O que defendem Farias e Rosenvald (2017, p. 627) é de que não há


incompatibilidade entre as regras do art. 1.614 do Código Civil e o art. 27 do
ECA. O primeiro é aplicável à impugnação de paternidade, sem necessidade de
motivação. Já o segundo permite a constituição ou a negativa de paternidade,
neste último caso, de forma motivada.

Antes de tratar sobre o reconhecimento de filhos de modo judicial, importa


destacar o procedimento de averiguação oficiosa.

33
DIREITO DE FAMÍLIA II

Averiguação oficiosa: a averiguação oficiosa é um procedimento


administrativo, inspirado no direito português. No Brasil, a Lei de Investigação
de Paternidade (Lei n. 8.560/92) previu referido procedimento em seu art. 2º. A
averiguação ocorre toda vez que a mãe sozinha registrar o filho. Caso ela indique
o nome do suposto pai, o oficial do cartório remete ao juiz (da Vara de Registros
Públicos) o procedimento para as devidas providências.

O CNJ editou o provimento n. 016/12, buscando dar maior efetividade ao


procedimento da averiguação oficiosa, com objetivo de atender ao Programa Pai
Presente, nos seguintes termos:

Art. 1º. Em caso de menor que tenha sido registrado apenas


com a maternidade estabelecida, sem obtenção, à época, do
reconhecimento de paternidade pelo procedimento descrito no
art. 2º, caput, da Lei nº 8.560/92, este deverá ser observado, a
qualquer tempo, sempre que, durante a menoridade do filho, a
mãe comparecer pessoalmente perante Oficial de Registro de
Pessoas Naturais e apontar o suposto pai.
Art. 2º. Poderá se valer de igual faculdade o filho maior,
comparecendo pessoalmente perante Oficial de Registro de
Pessoas Naturais.
Art. 3º. O Oficial providenciará o preenchimento de termo,
conforme modelo anexo a este Provimento, do qual constarão
os dados fornecidos pela mãe (art. 1º) ou pelo filho maior (art.
2º), e colherá sua assinatura, firmando-o também e zelando
pela obtenção do maior número possível de elementos para
identificação do genitor, especialmente nome, profissão (se
conhecida) e endereço.
§ 1º. Para indicar o suposto pai, com preenchimento e assinatura
do termo, a pessoa interessada poderá, facultativamente,
comparecer a Ofício de Registro de Pessoas Naturais diverso
daquele em que realizado o registro de nascimento.
§ 2º. No caso do parágrafo anterior, deverá ser apresentada
obrigatoriamente ao Oficial, que conferirá sua autenticidade, a
certidão de nascimento do filho a ser reconhecido, anexando-
se cópia ao termo.
§ 3º. Se o registro de nascimento houver sido realizado na
própria serventia, o registrador expedirá nova certidão e a
anexará ao termo.
Art. 4º. O Oficial perante o qual houver comparecido a pessoa
interessada remeterá ao seu Juiz Corregedor Permanente,
ou ao magistrado da respectiva comarca definido como
competente pelas normas locais de organização judiciária ou
pelo Tribunal de Justiça do Estado, o termo mencionado no
artigo anterior, acompanhado da certidão de nascimento, em
original ou cópia (art. 3º, §§ 2º e 3º).
§ 1°. O Juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a
paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o
suposto pai, independentemente de seu estado civil, para que
se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.

34
Capítulo 2 FILIAÇÃO

§ 2°. O Juiz, quando entender necessário, determinará que a


diligência seja realizada em segredo de justiça e, se considerar
conveniente, requisitará do Oficial perante o qual realizado o
registro de nascimento certidão integral.
§ 3°. No caso do suposto pai confirmar expressamente a
paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida
certidão ao Oficial da serventia em que originalmente feito o
registro de nascimento, para a devida averbação.
§ 4°. Se o suposto pai não atender, no prazo de trinta dias,
a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz
remeterá os autos ao representante do Ministério Público ou
da Defensoria Pública para que intente, havendo elementos
suficientes, a ação de investigação de paternidade.
§ 5°. Nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, é dispensável
o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo
Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa
do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a
criança for encaminhada para adoção.
§ 6°. A iniciativa conferida ao Ministério Público ou Defensoria
Pública não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar
investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da
paternidade.

Resumindo, o oficial remeterá o procedimento ao Juiz, que ouvirá a


mãe e, posteriormente, mandará notificar o suposto pai. Se este reconhecer
voluntariamente o filho, será lavrado termo de reconhecimento. Se o suposto
pai não se manifestar em 30 dias ou se negar a paternidade, o juiz encaminhará
os autos ao Ministério Público, que poderá ajuizar ação de investigação de
paternidade, se tiver elementos suficientes para tanto.

Reconhecimento judicial: caso não tenha ocorrido o reconhecimento


espontâneo de parentalidade, pode o filho socorrer-se do reconhecimento forçado,
por meio de ação judicial. A medida judicial cabível será a Ação de Investigação de
Paternidade ou Maternidade. A doutrina já questiona a terminologia utilizada como
sendo de investigação de paternidade, o que, nas palavras de Dias (2013, p. 345),
caracteriza um “ranço cultural”, já que não é mais condizente com a identificação
plural de vínculos possíveis.

a) Ação de Investigação de Parentalidade: ação cabível para investigar


os vínculos de parentalidade. O procedimento é regulado nos artigos
1.606, 1.615 e 1.616 do Código Civil.

Para Madaleno (2013, p. 589), “o fato gerador da demanda judicial de


reconhecimento coativo da filiação é a eventual negativa do pai ou da mãe em
reconhecer o próprio filho”.

35
DIREITO DE FAMÍLIA II

Já para Farias e Rosenvald (2017, p. 634), na investigação almeja-se o


reconhecimento do estado paterno-filial, não havendo prevalência necessária do
laço biológico ou socioafetivo, podendo ser estabelecido qualquer dos laços, a
depender do caso concreto.

Essa pequena diferença ao expor o fato gerador de referida ação interfere


na maneira de visualizar a legitimidade ativa. Grande parte dos doutrinadores,
incluindo Rolf Madaleno (2016) e Flávio Tartuce (2017), entende ser legitimado
ativo apenas o filho, devidamente representado ou assistido pela mãe ou
responsável, por ser este um direito personalíssimo. Além do Ministério Público,
conforme já visto.

Contudo, há entendimentos no sentido de ampliação dessa legitimidade


exclusiva do filho, conforme se verá a seguir.

Teria legitimidade o nascituro para propor ação de investigação


de paternidade? Grande parte da doutrina sequer toca no assunto.
Tartuce (2017, p. 471) entende que sim, seguindo a teoria
concepcionista. A jurisprudência é bastante dividida acerca dessa
possibilidade, alguns julgados entendem que o nascituro tem sim
legitimidade para estar no polo ativo, e outros no sentido de que
apenas a mãe, nesse caso, é parte legítima.

Tartuce (2017, p. 471) defende, ainda, a possibilidade de


legitimidade ativa à Defensoria Pública, tema ainda recente e em
debate.

Farias e Rosenvald (2017, p. 636-638), seguidos por


entendimentos jurisprudenciais, entendem também ter legitimidade
ativa o pai para investigar a parentalidade com relação ao
filho. Referidos autores não discordam se tratar de um direito
personalíssimo do filho, contudo, entendem também ser possível ao
pai ou a mãe discutirem o estado de filiação. Nesse caso, alegam
que a pretensão deveria ser reconhecida como ação vindicatória.

Na jurisprudência, encontra-se ainda a legitimidade do neto em


propor ação em face dos avós (ação avoenga), ou do sobrinho em
relação aos tios, para investigar o vínculo familiar. Extrai-se do STJ:
“Ação dos netos para identificar a relação avoenga. Precedente da
Terceira Turma reconheceu a possibilidade da ação declaratória para

36
Capítulo 2 FILIAÇÃO

que diga o Judiciário existir ou não a relação material de parentesco


com o suposto avô” (Resp 269/RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter,
DJ 07/05/90 e Resp 603.885/RS 3 Turma, Re. Min. Carlos Alberto
Menezes de Direito, j. 03.03.2005)

A legitimidade passiva, por sua vez, em regra será titularizada pelo pai ou
pela mãe, diante do caráter personalíssimo. Entretanto, com base na ampliação
da legitimação ativa, podem também estar no polo passivo o filho ou os avós, a
depender de quem figura no polo ativo.

Deve ser destacado que a investigatória de parentalidade também cabe no


caso de já existir um pai registral e se estar buscando o reconhecimento de outro
vínculo. Nesse caso, o pai registral deverá constar também no polo passivo, já
que poderá ser atingido pela decisão. Se o juiz entender pela aceitação do pedido
e determinar a retificação do registro civil, com a exclusão do pai registral, esse
deverá ter o direito ao contraditório.

Poderá a decisão, ainda, reconhecer a coexistência de vínculos e determinar


a inclusão de mais um pai ou de mais uma mãe, caso da multiparentalidade. Sobre
essa possibilidade, antes mesmo do STF reconhecê-la já a defendia, deixando
como dica de leitura para quem quiser, em uma análise de um julgado aqui do
TJSC.

GHILARDI, Dóris. A possibilidade de reconhecimento da


multiparentalidade: vínculo biológico X vínculo socioafetivo, uma
análise a partir do julgado da AC n. 2011.027498-4 do TJSC. Revista
Brasileira de Direito da Família. n. 36, Porto Alegre: Magister/
IBDFAM, out.nov. 2013.

Embora no início da análise se tenha mencionado que a ação investigatória


possa ser utilizada tanto para o reconhecimento de vínculo biológico, quanto
afetivo, merece ser destacado um trecho de um acórdão do TJRS, pioneiro no
reconhecimento da ação declaratória de paternidade socioafetiva:

37
DIREITO DE FAMÍLIA II

Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao


reconhecimento. Paternidade afetiva. (...) A paternidade
sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de
escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às
vezes, com quem é fonte geratriz. Embora o ideal seja apenas
a concentração entre as paternidades jurídicas, biológica
e socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o
desapreço à biologização, mas atenção aos novos paradigmas
oriundos da instituição das entidades familiares. (TJRS, AC
70008795775, 7 Câmara de Direito Privado. Rel. José Carlos
Teixeira Gioris, 23.06.2004)

Não há mais, na contemporaneidade, desprezo ao aceite das demandas


socioafetivas, pelo contrário, foram recepcionadas de tal forma que estão a causar
uma verdadeira repaginação do Direito de Família.

Outrossim, o foro competente para tais demandas será, em regra, o de


domicílio do réu (art. 46 do CPC), porém, como geralmente vem cumulada com
pedido de alimentos, entende-se no sentido de que será competente o foro de
domicílio do autor, isto é, do investigando (art. 53, II do CPC). Nesse sentido,
inclusive, foi editada a Súmula 1 do STJ.

Outra questão que importa destaque refere-se à relativização da coisa


julgada, no que tange às ações de investigação de paternidade. Nas ações em
que houve o reconhecimento da paternidade, sem a realização do exame de
DNA, permitir a relativização da coisa julgada causa enorme polêmica entre os
doutrinadores. Contudo, o STJ entende pela possibilidade da relativização em tais
circunstâncias, desde o ano de 2001, ressaltando sempre que se o reconhecimento
se deu sem a produção suficiente de provas, mormente em épocas em que o DNA
não era possível ou pouco conhecido, é permitido rediscutir a questão.

Em tempos de DNA, realizar essa prova pericial é obrigatório? Se houver


negativa, se estabelece a presunção de parentalidade? Após muitas controvérsias,
foi editada a Súmula 301 do STJ, que prescreve: “Em ação de investigatória, a
recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris
tantum de paternidade”.

Reafirmando a Súmula, em 2009 foi editada a Lei 12.004, que introduziu na


Lei 8.560/92 artigo expresso acerca da presunção, nos seguintes termos:

Art. 2. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios


legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para
provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu
em se submeter ao exame de código genético - DNA - gerará
a presunção de paternidade, a ser apreciada em conjunto com
o contexto probatório.

38
Capítulo 2 FILIAÇÃO

Portanto, em resposta às perguntas, percebe-se não ser obrigatória a


realização do exame, porém, a recusa gera presunção relativa, que pode ser
contrariada por outras provas.

Negatória de Paternidade: duas hipóteses de negatória são admitidas pelo


Código Civil, a primeira está localizada no art. 1.601, que confere a legitimidade
exclusiva ao marido de contestar a paternidade dos filhos de sua esposa, em
razão da presunção estabelecida.

Todavia, em complemento, o art. 1.604 do CC salienta que uma vez realizado


o registro civil, só poderá ser impugnado em caso de erro ou falsidade. Portanto,
apenas com base nessas duas situações seria admissível o reconhecimento da
impugnação.

Com relação a esse aspecto, no passado, a ação negatória de paternidade


servia para comprovar a inexistência de vínculo biológico, cujo assento
havia ocorrido mediante vício. Todavia, com o reconhecimento do critério da
socioafetividade, não basta para desconstituir os laços apenas a prova negativa
dos vínculos biológicos, porquanto, uma vez comprovada a existência do liame
afetivo, a negatória não desconstituirá os vínculos de filiação.

A segunda hipótese está prevista no art. 1.614 do CC, conferindo legitimidade


ao filho menor de impugnar a paternidade nos quatro anos que se seguirem a
sua maioridade. Já se frisou anteriormente que este prazo é imprescritível, por se
tratar de uma ação de estado, envolvendo direito personalíssimo.

Contudo, atualmente, também a possibilidade de impugnação de paternidade


por parte do filho não é questão pacífica, provocando intensos debates, tendo
em vista o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, que não autoriza, de
pronto, a desconstituição dos vínculos formados e mantidos ao longo do tempo.

Para que uma ação dessa natureza tenha seu pedido acolhido, precisa ficar
demonstrada a inexistência de qualquer laço entre filho e pai registral.

Denota-se ser o direito de filiação um campo bastante arenoso, mormente


em tempos de realidades plurais, que admitem múltiplos vínculos, devendo os
operadores do Direito de Família estarem atentos e sensíveis a todas essas
novidades, até para que se separe pedidos baseados no afeto, de pedidos com
interesses meramente patrimoniais.

39
DIREITO DE FAMÍLIA II

Atividade de Estudos:

1) Analise a seguinte situação hipotética:

Ana possui um pai registral, que é também o seu pai afetivo.


Contudo, ao completar 18 anos, sua mãe lhe conta que Carlos
não é seu pai biológico. Ana descobre, então, que João é seu pai
biológico e resolve ir atrás dele, curiosa para conhecê-lo. Diante
do caso concreto, responda:

a) Há alguma medida judicial para que Ana possa estabelecer o


vínculo de parentalidade biológica com seu pai genético? Qual
seria a medida mais adequada?

b) Quem são as partes legítimas para figurar nos polos da ação?


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40
Capítulo 2 FILIAÇÃO

Algumas ConsideraçÕes
O direito de filiação sofreu e continua sofrendo mutações significativas. O
reconhecimento da filiação socioafetiva trouxe mais humanismo, ao acolher
vínculos não apenas baseados em origem genética. É fato que os padrões
estabelecidos no passado não comportam mais as estruturas que lhe foram
forjadas e desafiam todo tipo de mudanças.

Questões complicadas passaram a fazer parte do dia a dia do Judiciário


brasileiro, debruçando-se vários estudiosos na busca de alternativas e soluções
para intrincadas questões.

Nesse sentido, o reconhecimento da multiparentalidade apresenta-se como


um importante passo ao reconhecimento de situações coexistenciais múltiplas,
sem a necessidade de exclusão de qualquer delas. Há também que se ter
atenção e aplicar referido instituto apenas quando a realidade fática a comporta e
se apresenta como a melhor solução. A análise de cada caso concreto revelará se
é ou não caso de aplicar a multiparentalidade.

Com efeito, em resumo ao capítulo da filiação, tentou-se trazer ao aluno


a temática específica, abordando de forma pontual todos os seus aspectos,
apresentando os pontos controvertidos, além das novas teorias e visões
defendidas pelos especialistas. Deixaremos como dica de finalização ao capítulo
a sugestão para que o aluno faça uma pesquisa jurisprudencial, no STJ e STF,
sobre esse tema em especial, como forma de aprofundamento. Não deixe de
ler o voto sobre a multiparentalidade (STF, Ac Tribunal Pleno, RE 898.060/SC,
Repercussão Geral 622, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16).

ReferÊncia
CALDERON, Ricardo. Princípio da Afetividade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

CARVALHO, Dimas Messias de. Família. São Paulo: Saraiva, 2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po-
diwm, 2017.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2013.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Família. Rio de Janeiro, Forense Editora, 2017.

41
DIREITO DE FAMÍLIA II

42
C APÍTULO 3
Adoção

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Revisar o instituto da adoção e suas recentes alterações legais.

 Compreender o instituto e suas nuanças jurídicas e sociais

 Analisar a adoção, seus mecanismos legais e alternativas de reformas.

 Apontar os aspectos polêmicos e instigar reflexões.


DIREITO DE FAMÍLIA II

44
Capítulo 3 ADOÇÃO

ConteXtualiZação
Este capítulo abordará a adoção, seus contornos atuais, requisitos para adotar
e ser adotado, além dos efeitos tanto da adoção nacional quanto internacional. Se
no passado a adoção era tratada como um tipo de filiação de segunda classe, ou
uma forma de se solucionar a esterilidade, após a Constituição Federal de 1988
ocorreu uma releitura e valorização da adoção.

Atualmente, a ideia de adoção passa pela oportunização de uma criança,


adolescente ou adulto ser inserido em um núcleo familiar. É uma importante forma
de criação de vínculo de parentalidade, assentada em laços de afeto e tem como
escopo o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Sua regulamentação sofre alterações constantes, estando prevista tanto no


Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90) quanto no Código Civil.
Em 2009, foi promulgada a Lei 12.010, cunhada como Nova Lei de Adoção, que
revogou vários dispositivos do Código Civil (1.620 a 1.629), alterando, também, os
artigos 1.618 e 1.619. Basicamente, hoje, a matéria está legislada pelo ECA, que
também teve vários dispositivos modificados.

Conceito e NatureZa Jurídica


A adoção, para Maria Helena Diniz (2005, p. 484), é:

Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais,


alguém estabelece, independentemente de qualquer relação
de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de
filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa
que, geralmente, lhe é estranha.

Nas palavras de Madaleno (2016, p. 639), “A adoção é sem qualquer dúvida


o exemplo mais pungente da filiação socioafetiva, psicológica e espiritual, porque
sustentada, eminentemente, nos vínculos estreitos e únicos de um profundo
sentimento de afeição”.

“Por certo, a adoção se apresenta como muito mais do que, simplesmente,


suprir uma lacuna deixada pela Biologia. É a materialização de uma relação
filiatória estabelecida pela convivência, pelo carinho, pelos conselhos, pela
presença afetiva, pelos ensinamentos e pelo amor” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 966).

45
DIREITO DE FAMÍLIA II

Quanto a sua natureza jurídica, para Madaleno (2016, p. 640), a natureza


jurídica da adoção não mais é contrato, mas, sim, instituição, já que suas regras
são todas ditadas pelo poder público. Já Tartuce (2017) traz a discussão sobre ser
negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu e conclui defendendo ser majoritário
o entendimento de que a adoção é um ato jurídico stricto sensu, que parece, de
fato, prevalecer entre os doutrinadores.

Segundo preconiza a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, §


6º, “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”. Portanto, como já se viu em matéria de filiação, não mais é
autorizado qualquer tratamento distintivo entre os filhos, independentemente de
sua origem.

Quem Pode ser Adotado e Quem


Pode Adotar
Podem ser adotadas crianças e adolescentes órfãos, abandonadas ou cujos
pais foram destituídos do poder familiar, sendo regida a adoção nestes casos
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Podem, ainda, ser adotados
os maiores de 18 anos, segundo previsão do art. 1.619 do Código Civil, que
determina aplicação no que couber do ECA. Ambas as adoções atualmente
dependerão de decisão judicial, proferida em procedimentos que tramitarão na
Vara da Infância e Juventude, no caso de crianças e adolescentes, ou na Vara da
Família, nos demais casos.

Portanto, Até a entrada em vigor do Código Civil atual, a adoção de maiores


atualmente, é de 18 anos dava-se por mera escritura pública, registrada em cartório.
imprescindível o Portanto, atualmente, é imprescindível o controle jurisdicional em
controle jurisdicional
qualquer tipo de adoção.
em qualquer tipo de
adoção.
Pode-se adotar qualquer pessoa capaz, independentemente do
seu estado civil, desde que tenha idade mínima de 18 anos. Portanto, a adoção
pode ser requerida por pessoa solteira, viúva, casada ou mesmo em união estável.

A adoção por apenas uma pessoa é chamada de unilateral e a adoção


bilateral passou a ser tratada como adoção conjunta. Esta última é tratada pelo
art. 42, parágrafo 2º do ECA, e exige que os adotantes sejam civilmente casados
ou mantenham união estável, com comprovada estabilidade familiar, sendo
necessário o consentimento de ambos.

O parágrafo 4º, do art. 42 do ECA traz uma importante questão sobre a


possibilidade de adoção conjunta no caso de divórcio do casal:
46
Capítulo 3 ADOÇÃO

§ 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-


companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que
acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o
estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do
período de convivência e que seja comprovada a existência de
vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor
da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.

Com relação à adoção por homossexuais, não há qualquer barreira legal


impeditiva. Aliás, a tendência atual é pela aceitação da adoção por casais
homossexuais, apesar do tema ainda suscitar algumas polêmicas.

Com o reconhecimento das uniões homossexuais pelo Supremo Tribunal


Federal, em 2011, como entidades familiares igualáveis às uniões estáveis, difícil
sustentar posicionamento contrário. Deve ser lembrado, ainda, que logo após a
decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 175, que
impede os cartórios brasileiros de se recusarem a converter uniões estáveis
homoafetivas em casamento civil.

Outrossim, o próprio STF, em 2015, teve oportunidade de analisar e manter


decisão autorizando casal homoafetivo a adotar criança. A matéria surgiu por meio
de Recurso Extraordinário n. 846.102 (j. 05.03.2015), após o Ministério Público do
Paraná questionar decisão favorável.

Portanto, sendo possível tanto a união estável, quanto o casamento entre


pessoas do mesmo sexo, já tendo o STJ (Resp 1.540.814/PR) e o STF se
posicionado favoravelmente à adoção nesses casos, o único argumento que
sobra acerca da não possibilidade de adoção por casais homossexuais, refere-se
a argumentos de caráter discriminatório.

Com relação à adoção unilateral do filho do cônjuge ou companheiro:

Quando alguém quiser adotar filho de seu cônjuge (enteado)


ou de seu companheiro e que também não seja filho seu, fará
sozinho a adoção, como adotante único, com o assentimento,
exigido no artigo 45 da Lei 8.069/90 - ECA, do pai ou mãe do
adotando. Este (ou esta) permanecerá com seu vínculo parental
consanguíneo inalterado e comparecerá à adoção apenas como
anuente, sem poder adotar, é claro, filho que já é seu e fica
sendo. O que muda é a relação do parentesco do outro lado, ou
seja, da linha do adotante (TAVARES, 2010, p. 42).

Outro requisito indispensável por quem deseja adotar é a diferença mínima


de idade exigida pela lei entre adotante e adotado, a qual não poderá ser inferior a
16 anos, conforme está previsto no artigo 42 § 3º do ECA.

47
DIREITO DE FAMÍLIA II

No entanto, em virtude do melhor interesse à criança e do adolescente, a


doutrina vem sustentando a flexibilidade da aplicabilidade dessa norma.

A adoção pode ainda ser realizada pelo tutor ou curador, desde que preste
contas de suas administrações e salde eventuais débitos (art. 44, do ECA).

Por sua vez, o art. 45 do ECA exige o consentimento dos pais biológicos,
ou na falta desses, do representante legal do menor, no processo de adoção. O
artigo está assim redigido:

Art. 45, do ECA:

A adoção depende do consentimento dos pais ou do


representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será
dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais
sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder
familiar. § 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos
de idade, será também necessário o seu consentimento.

Segundo Tartuce (2017 p. 496), há dúvidas sobre a necessidade de


consentimento dos pais no caso de adoção de maiores. Dias (2013) conclui ser
dispensável, devendo, contudo, os pais biológicos serem citados.

Outra vedação legal diz respeito à adoção pelos ascendentes ou irmãos


do adotado (art. 42, par. 1, do ECA). Esse requisito, aparentemente contrário e
prejudicial ao menor, é defendido por alguns em virtude das alterações que seriam
provocadas nos graus de parentesco, causando uma verdadeira desordem nas
relações familiares. Nesse caso, havendo interesse por parte dos ascendentes ou
irmãos do menor em mantê-lo sob seus cuidados e proteção, a lei confere a eles o
instituto da tutela ou da guarda, de acordo com cada caso.

Todavia, o STJ já decidiu favoravelmente a adoção de descendente por


ascendente, diante das peculiaridades do caso concreto, na Resp n. 1.448.969/
SC, julgado em 2014. Vale a citação da ementa:

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.


HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR
ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de
neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do
caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de
seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do
adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com
exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu
nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o
adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece
os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como

48
Capítulo 3 ADOÇÃO

irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica


concordaram expressamente com a adoção; não há perigo
de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;
e não havia predominância de interesse econômico na
pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes
por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento
de que, nessa modalidade, havia a predominância do
interesse econômico, pois as referidas adoções visavam,
principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão
em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando
se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos
difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa
modalidade de adoção no argumento de que haveria
quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de
parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre
parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o §
1º do art. 42 do ECA, segundo o qual “Não podem adotar
os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar
que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos
meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando
proteger o adotando em relação a eventual confusão mental
e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais
e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o
interesse da criança e do adolescente, de modo que não
fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas
principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria
no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a
possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja
vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da
aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei
dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”)
e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na interpretação
desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres
individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e
do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-
se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e
da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o §
7º do art. 226 da CF deu ênfase à família, como forma de
garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o
direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da
pessoa humana de forma molecular. É também com base em
tal princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo
em vista se tratar de supraprincípio constitucional. Nesse
contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que
as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar
com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar
subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos
individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração.
Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos
à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula
rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita
do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de
forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça.

49
DIREITO DE FAMÍLIA II

No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção


de neto por avós, mas sim de regularização de filiação
socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria
inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio
da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-SC, Rel.
Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014.

Adoção de nascituro: A questão gera acirrados debates entre os


estudiosos.

Maria Berenice Dias (2013) defende a impossibilidade de


adoção do nascituro, sob o argumento de que em razão da lei exigir
um período de convivência entre adotando e adotante, restaria
inviável no caso dos nascituros. O argumento é reforçado por Farias
e Rosenvald (2017, p. 983), que salientam que “a viabilidade da
adoção por meio da observação de convívio restaria prejudicada, não
sendo possível avaliar as reais vantagens da adoção neste caso”.

Em sentido favorável, Chinellato e Tartuce (2017, p. 506),


aliando-se à teoria concepcionista, defendem que o ordenamento
jurídico tutela essa possibilidade.

Em caso de conflito Estabelecidos os parâmetros sobre quem pode ser adotado e


entre direitos e quem pode adotar, importante inovação foi incluída pela Lei 13.509,
interesses do de 2017, que inseriu o § 3o ao artigo 39 do ECA, prevendo que “em
adotando e de
caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras
outras pessoas,
inclusive seus pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e
pais biológicos, os interesses do adotando”.
devem prevalecer
os direitos e os Em razão dos inúmeros entraves no processo de adoção, a
interesses do manutenção da criança ou adolescente com seus pais biológicos
adotando.
sempre foi defendida como prioritária, o que nem sempre significa ser
o melhor para o adotando. Em razão disso, a inclusão do parágrafo mencionado,
dando primazia aos interesses do adotando, surge como uma importante
mudança.

50
Capítulo 3 ADOÇÃO

ReQuisitos
A adoção, como todo ato jurídico, exige o cumprimento de alguns requisitos
básicos para o seu aperfeiçoamento.

Segundo Madaleno (2016, p. 651), os requisitos dividem-se em subjetivos e


objetivos. Os requisitos subjetivos são: “a) idoneidade do adotando; b) manifesta
vontade de exercer efetivo vínculo de filiação; c) resultar em reais vantagens para
o adotando (ECA, art. 43)”.

Os requisitos objetivos extraídos do ECA são: a) idade mínima de 18


anos do adotante; b) consentimentos dos pais, que será dispensado em caso de
destituição de poder familiar ou de não ser conhecidos; além da concordância do
adotando, se este contar com mais de 12 anos de idade; c) realização de estágio
de convivência; d) cadastro prévio dos pretensos adotantes.

Com relação aos requisitos objetivos, os dois primeiros já foram objeto


de análise no item anterior, razão pela qual se passa direto ao estudo dos dois
últimos.
Estágio de
O estágio de convivência com a criança ou adolescente, segundo convivência
art. 46 do ECA, alterado recentemente pela Lei 13.509/2017, será com a criança
obrigatório, pelo prazo máximo de 90 dias, observadas a idade da ou adolescente,
criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. Estabelecendo o segundo art. 46
do ECA, alterado
parágrafo 2º que este prazo pode ser prorrogado por igual período, ou
recentemente pela
seja, mais 90 dias, mediante decisão fundamentada do juiz. Lei 13.509/2017,
será obrigatório,
“O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando pelo prazo máximo
já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo de 90 dias,
suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição observadas a idade
da criança ou
do vínculo”, reza o § 1o, art. 46, ECA. A ressalva a esta previsão é feita
adolescente e as
logo em seguida, pelo parágrafo 2º, que preconiza que a simples guarda peculiaridades do
de fato não autoriza, por si só, a dispensa do estágio de convivência. caso.

O estágio, que será realizado preferencialmente na comarca de residência da


criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em
qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança
(§ 5o, art. 46, ECA), será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da
Justiça da Infância e da Juventude, e ao final do prazo, será apresentado laudo
fundamentado, que recomendará ou não o deferimento da adoção.

51
DIREITO DE FAMÍLIA II

Acerca do cadastro de adoção, dispõe o art. 50 do ECA que “A autoridade


judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e
adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas
na adoção”.

Esses cadastros de crianças e adolescentes em condições de serem


adotados são organizados em nível nacional e estadual, assim como o cadastro
de pessoas ou casais habilitados à adoção, dinamizando a atividade.

Segundo Rossato e Lépore (2009, p. 55), “trata-se de mecanismo que


possibilita o cruzamento de dados e a rápida identificação de crianças ou
adolescentes institucionalizados. Tal expediente permite, ainda, o intercâmbio de
informações entre comarcas e regiões”.

Com efeito, para poder se inscrever, o interessado precisa satisfazer os


requisitos legais obrigatórios, além de revelar compatibilidade com a adoção e
oferecer ambiente familiar adequado. A inscrição à adoção “será precedida de um
período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da
Justiça da Infância e da Juventude” (§ 3o art. 50 ECA).

Observa-se que o Estatuto reafirma a obrigatoriedade do cadastro, bem como


o rigor a ser seguido pela autoridade judiciária na observação cronológica de
inscrição, contudo, em situações específicas, que atendam ao princípio do melhor
interesse da criança, essa regra deve ser afastada, de acordo com a própria lei.

Nesse sentido, por exemplo, é assegurada prioridade no cadastro a pessoas


interessadas em adotar criança ou adolescente com deficiência, com doença
crônica ou com necessidades específicas de saúde, além de grupo de irmãos (§
15, art. 50 ECA). Percebe-se que essa prioridade vem em benefício a um perfil de
crianças com maiores dificuldades de encontrar um lar.

Outra importante questão trazida pelo Estatuto é a previsão de possibilidade


de adoção por pessoas que não estiverem previamente cadastradas, nos termos
da Lei, nas seguintes situações previstas pelo § 13, do art. 50 do ECA:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;


II - for formulada por parente com o qual a criança ou
adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal
de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que
o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços
de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência
de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou
238 desta Lei.

52
Capítulo 3 ADOÇÃO

Madaleno (2016, p. 649) trata como revolucionário o espírito da Lei de 2009


que alterou o ECA, sobrepondo ao rigor de uma listagem os vínculos já existentes
de afinidade e afetividade, consagrando o dispositivo da institucionalização da
filiação socioafetiva.

Também em aplauso à regra, Farias e Rosenvald (2017, p. 997) manifestam-


se: “em casos específicos, quando já se estabeleceu um forte vínculo entre
o infante e o pretendente à adoção, mostra-se justificável a flexibilização da
exigência de inserção em lista prévia”.

Por fim, segundo Tartuce (2018, p. 505), “a possibilidade da adoção intuitu


personae (aquela em que os pais da criança elegem os pais adotantes) desperta
grandes debates”. No X Congresso Brasileiro do IBDFAM, aprovou-se enunciado
n. 13 com o seguinte teor: “na hipótese de adoção intuitu personae de criança e
de adolescente, os pais biológicos podem eleger os adotantes”. A jurisprudência
é ainda bastante reticente, tratando em muitos casos como adoção dirigida não
amparada pela lei.

Efeitos da Adoção
Com a adoção nasce uma relação de parentesco entre adotante e adotado,
prevendo o art. 41 do ECA que a adoção atribui condição de filho ao adotado, com
os mesmos direitos e deveres.

O vínculo da adoção será constituído por sentença, que será inscrita no


registro civil, com a consignação no nome dos adotantes como pais, bem como de
seus ascendentes. O mandado judicial cancelará o registro original do adotado,
sem qualquer observação sobre a origem do ato.

Portanto, ocorre o desligamento do adotado de seus vínculos biológicos,


salvo os impedimentos matrimoniais. Todavia, importa anotar, neste ínterim, que
com a tese firmada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário 898.060/
SC, que possibilita o reconhecimento simultâneo de vínculos parentais, em
homenagem à multiparentalidade, esse desligamento obrigatório dos vínculos
biológicos na adoção passou a ser questionado. O tema é ainda muito recente e
exige maiores reflexões.

53
DIREITO DE FAMÍLIA II

Sobre este ponto específico, leia: GHILARDI, Dóris. A decisão


do Supremo Tribunal Federal sobre parentalidades simultâneas e a
adoção legal: avanço ou retrocesso? Revista de Direito de Família
e Sucessão, Florianópolis, CONPEDI, 2017. (on-line).

Prosseguindo na análise de efeitos, a sentença que homologa a adoção


conferirá ao adotado o nome do adotante, podendo, ainda, a pedido de qualquer
das partes, modificar também o prenome (art. 47, § 5º, do ECA). Caso a alteração
seja solicitada pelo adotante, será obrigatória a oitiva do adotando que possua
mais de 12 anos (art. 47, § 6o, do ECA).

A lei assegura o direito do adotado de conhecer a sua origem biológica,


bem como obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e
seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos, apenas para fins
genéticos, sem o restabelecimento de qualquer vínculo (art. 48, ECA). Aliás, nem
a morte dos adotantes restabelece o poder familiar dos pais biológicos.

“A busca da ancestralidade é um direito que tem o adotado de conhecer a


sua origem e de buscar informações acerca de sua história, cujo conhecimento é
fundamental na construção de sua personalidade, ou para assegurar a sua saúde”
(MADALENO, 2016, p. 650).

Em razão da igualdade de filiação, portanto, o filho adotivo terá garantido


direito a alimentos, os quais serão devidos reciprocamente entre adotante e
adotado por força de disposição legal (art. 1.694 do CC e 227, da CF). Também
para fins de efeito sucessório, a lei equipara os filhos adotados com os filhos
legítimos, não fazendo qualquer distinção entre eles.

Para encerrar este ponto, não se pode deixar de tocar em importante e


delicada questão. A lei é clara no sentido de que a adoção “é medida excepcional
e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de
manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do
parágrafo único do art. 25 desta Lei” (§ 1o, art. 39 do ECA).

No entanto, na prática, não é o que se percebe, sendo bastante problemática


a questão da devolução de crianças adotadas. Os dados revelam que o
arrependimento dos pais adotantes é uma realidade que vem fazendo peso nas
estatísticas. Segundo dados divulgados pelo Grupo de Pesquisa ReDir, entre

54
Capítulo 3 ADOÇÃO

2016 e 2017, quase 200 crianças adotadas em Santa Catarina foram devolvidas
(g1.globo.com).

É preciso repensar a todo o momento a questão da adoção, para que se


possa efetivamente garantir, às crianças e adolescentes que não têm um lar, a
recolocação em um ambiente de cuidado, amor e carinho.

O Estado não pode tutelar que essas crianças que já foram, na maior
parte das vezes, abandonadas pelos seus pais biológicos sejam, novamente,
abandonadas pelos pais adotivos.

Adoção Internacional
É assim chamada a adoção na qual o pretendente possui residência
habitual em país-parte da Convenção de Haia, relativa à Proteção das Crianças
e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, e deseja adotar criança em
outro país-parte da Convenção. Essa é a nova redação do art. 51, recentemente
alterada pela Lei 13.509, de 2017.

Contudo, a adoção nacional é prioritária, somente sendo possível a adoção


por casal ou pessoa estrangeira se consultados os cadastros, for verificada a
ausência de pretendentes habilitados residentes no país com perfil compatível e
interesse manifesto pela adoção de criança ou adolescente inscrito nos cadastros
existentes (art. 50, § 10, ECA).

Além disso, vários outros requisitos foram estabelecidos, segundo preconiza


o § 1o do art. 51 do ECA, a saber:

A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro


ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar
comprovado:
I - que a colocação em família adotiva é a solução adequada
ao caso concreto;
II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação
da criança ou adolescente em família adotiva brasileira, com
a comprovação, certificada nos autos, da inexistência de
adotantes habilitados residentes no Brasil com perfil compatível
com a criança ou adolescente, após consulta aos cadastros
mencionados nesta Lei;
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este
foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de
desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida,
mediante parecer elaborado por equipe interprofissional,
observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.

55
DIREITO DE FAMÍLIA II

Prevê a lei, ainda, que os brasileiros residentes no exterior terão


Os brasileiros
preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de
residentes no
exterior terão criança ou adolescente brasileiro.
preferência aos
estrangeiros, nos Assim como na adoção nacional, o estágio de convivência na
casos de adoção adoção internacional será obrigatório, com a previsão de prazo mínimo
internacional de 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável
de criança ou
por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada
adolescente
brasileiro. da autoridade judiciária (art. 51, par. 3, do ECA).

Atividade de Estudos:

1) Para este capítulo, proponho uma reflexão acerca do espinhoso


tema da devolução de crianças e adolescentes. Para isso,
colaciono parte das reflexões tecidas em um artigo científico,
intitulado “Devolução de crianças adotadas: uma revisão
integrativa da literatura”, de autoria das psicólogas Jussara Glória
Rossato e Denise Falcke.

“Existem muitas formas de exercer a parentalidade. Uma delas


é por meio da adoção, a qual mobiliza muitos sentimentos, tanto
para os pais quanto para as crianças envolvidas nesse processo.
Pode-se inferir que a adoção de uma criança se assemelha
à gestação de um filho biológico, no sentido da preparação do
sistema para a chegada de um filho e da capacidade subjetiva
dos pais de construírem uma imagem e terem expectativas sobre
o mesmo (OTUKA; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2013;
SOUZA, 2008; ZORNIG, 2010). Sendo assim, gerar um filho
adotivo é pensar no espaço que essa criança irá ocupar no seio
da família adotante. Porém, vale ressaltar que, ao ser levada para
o convívio na família substituta, a criança carrega um histórico
advindo de sua família de origem, que é parte de sua história de
vida. Nesse sentido, existem especificidades que necessitam ser
trabalhadas antes de ser efetivada a adoção.

Uma dessas especificidades é a preparação por parte dos


pretendentes, já que desempenharão um papel fundamental na
vida da criança, o qual exige uma grande demanda de sentimentos
e expectativas. Portanto, entende-se que a adoção não pode ser
associada apenas a um ato de caridade ou compaixão, tampouco

56
Capítulo 3 ADOÇÃO

ser vista como uma compensação de uma incapacidade biológica


(CECÍLIO; SCORSOLINI-COMIN, 2016; COSTA, 2013). A busca
por um filho adotivo requer um longo caminho, que vai além dos
aspectos jurídicos, ou seja, há de se atentar para os aspectos
psicológicos, em especial, ao lugar afetivo que um filho adotado
ocupa, envolvendo significações bem mais complexas e intensa
carga emocional, inclusive permeada por afetos ambivalentes
(OTUKA; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2012).

Desse modo, um aspecto importante a ser considerado


diz respeito à ambiência preparatória para receber a criança.
Nesse espaço, o adotado(a) necessita de condições para que
seu desenvolvimento emocional e psicológico transcorra de
forma saudável. Isso requer dos adotantes muito mais do que
informações e procedimentos para a realização da adoção. Há de
se considerar que, além de oferecer as condições necessárias,
os pais devem construir antes o lugar do filho adotivo em
seu psiquismo, bem como ter disponibilidade emocional para
a construção de vínculos afetivos que se insiram na cadeia
geracional (MACHADO; FÉRES-CARNEIRO; MAGALHÃES,
2015). Conforme afirmam Morelli, Scorsolini-Comin e Santeiro
(2015), os pais adotivos devem se preparar para a parentalidade,
promovendo adaptações ambientais, sociais e psíquicas para a
chegada dos filhos.

Os autores supracitados afirmam que a construção da


parentalidade é um processo contínuo, de modo que refletir
sobre as motivações, fantasias e medos subjacentes dos pais
no processo da adoção é fundamental para compreendê-la
e favorece intervenções de promoção à saúde. Pontuam que
o espaço reservado à criança no psiquismo parental fornece
indícios de como será a interação dessa criança com os membros
da nova família.

É fundamental considerar, conforme propõe Ghirardi (2008),


que o êxito de uma adoção não está somente na agilidade nos
trâmites legais, mas, principalmente, na efetivação do vínculo
afetivo que se estabelece entre as partes. A autora considera
que, para a criança ser acolhida e se tornar parte do imaginário
parental, ela deve ser aceita em sua singularidade. Destaca
ainda que o acolhimento deve vir dos pais adotivos, a partir
da identificação da sua própria capacidade procriadora e pró-
cuidadora, tornando-se capazes de gestar psiquicamente o filho,
a fim de assumi-lo como seu.

57
DIREITO DE FAMÍLIA II

Os procedimentos legais referentes ao processo de adoção


visam assegurar à criança ou adolescente seus direitos em uma
família substituta. A lei que atualmente regulamenta a adoção no
Brasil é a Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, que assegura a
transferência de direitos e deveres de pais biológicos à família
adotiva. Ela complementa a lei de adoção promulgada no ECA
- Estatuto da Criança e Adolescente (BRASIL, 1990), primando
pela ênfase nos vínculos afetivos.

A partir do momento que existe a regularização da adoção,


a criança é inserida no convívio da família substituta, por meio
de um estágio de convivência. O art. 46 do ECA assegura que a
adoção será precedida de um período inicial de convivência do
adotado com a família. A adoção depende, portanto, da adequada
motivação e preparação da família adotiva e da compatibilização
de suas capacidades e características com as necessidades e
peculiaridades da criança (SANTIAGO, 2014).

Quando cumpridas as exigências legais, após o período


de convivência, é instituída a adoção. Contudo, nem mesmo
a efetivação da adoção é uma garantia de que pais e filhos
sejam envolvidos pelo amor e pela aceitação recíproca. Em
muitos casos, inúmeras expectativas, de ambas as partes, são
frustradas. Enfatiza-se, assim, que o fracasso da adoção gera
uma quantidade de sentimentos de difícil manejo, especialmente
nas crianças e/ou adolescentes, pois eles representam a parte
mais frágil da relação estabelecida, vivendo duplamente a
situação de abandono (DIAS, 2005).

Nos Estados Unidos, conforme o Child Welfare Information


Gateway (2012), quando o processo de adoção é interrompido,
após a criança ser inserida em um lar adotivo, mas antes
de finalizado o processo legal, se entende que houve uma
ruptura da adoção (adoption disruption). Já nos casos em que
o relacionamento legal entre pais adotivos e criança adotada é
rompido, voluntária ou involuntariamente, após o processo de
adoção ter sido finalizado legalmente é chamado de dissolução
da adoção (adoption dissolution). Isso resulta no retorno ou
colocação da criança em uma instituição de acolhida ou ainda
inserção em um novo lar adotivo.

No Brasil, a Lei 12.010 considera a adoção como uma ação


irrevogável. Contudo, Santiago (2014) ressalta que, na prática, o

58
Capítulo 3 ADOÇÃO

que se tem visto nos tribunais e órgãos de defesa da criança é


o aumento dos casos de “devolução” dessas crianças ao poder
público, tornando-as órfãs mais de uma vez. A literatura nacional
(GHIRARDI, 2008; GOES, 2014; LEVY; PINHO; FARIA, 2009;
OLIVEIRA, 2010) tem utilizado a nomenclatura “devolução
de crianças adotivas” para se referir aos casos em que houve
rompimento no processo de adoção, seja após o período
de convivência ou com o processo de adoção já legalmente
finalizado. Sendo assim, questiona-se: Por que ocorre a
devolução? Quais os motivos alegados pelos cuidadores? Quais
as consequências desse ato de devolução?

Oliveira (2010, p. 37)) analisa que a devolução de crianças


em caso de adoção “pode ser compreendida como algo da
ordem da não inscrição da criança adotada, uma não posse dela
como filiação do casal, isto é, sem pertencimento, e, portanto,
sem identificação”. A mesma autora reitera a necessidade da
preparação das partes como sendo um fator de relevância para o
sucesso na adoção. Observa que os pretendentes necessitam de
uma preparação específica e que, muitas vezes, não encontram
apoio durante o processo de adoção para tal.

Ghirardi (2008) realizou um estudo sobre a devolução de


crianças adotadas, no qual ressalta alguns fatores de relevância
para a compreensão das dificuldades encontradas no processo
de adoção. Dentre elas, está a dificuldade no estabelecimento do
laço afetivo com a criança.

Apesar do grande número de pesquisas que abordam a


temática da adoção, poucos estudos têm focado na situação de
devolução de crianças. Santiago (2014) assinala que as razões
são as mais variadas possíveis, sendo a principal delas a falta de
adaptabilidade dos pais à criança. Na verdade, a devolução de
crianças torna-se um problema que afeta diretamente a família,
uma vez que danos psicológicos são causados às crianças ou aos
adolescentes, bem como aos pretendentes à adoção, caso ocorra
a interrupção do processo. Em vista dos danos psicológicos que
a devolução de crianças após adoção pode acarretar a todos os
envolvidos, torna-se necessária uma compreensão abrangente
sobre o fenômeno, visando auxiliar autoridades competentes
e órgãos governamentais a lidar com os problemas e as
consequências do ato de devolver uma criança após a adoção.

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DIREITO DE FAMÍLIA II

Com base no texto, quais as principais questões levantadas


para o problema de devolução de crianças e adolescentes?
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Algumas ConsideraçÕes
Com a alteração de concepção de família, modificou-se também a
estrutura de parentesco e as relações de parentalidade. A filiação passou a ser
instrumentalizada, abandonando-se a concepção de função procracional da
família, para dar espaço a outros tipos de vínculos. Não há mais espaço para
distinções, discriminações e preconceitos.

A adoção, portanto, deve ser vista como importante mecanismo de


estabelecimento de laços de parentalidade, com base, primordialmente, no afeto.
Essa ideia foi delineada no capítulo, devendo o aluno estar atento ao fato de que
o tema sofre alterações constantes, diante da delicada questão que é a adoção.
Inclusive, a recentíssima Lei n. 13.509/2017 trouxe inovações mais uma vez.

60
Capítulo 3 ADOÇÃO

ReferÊncia
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Família. São Paulo: Saraiva, 2005.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po-
diwm, 2017.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentário à Lei Nacional


de Adoção. São Paulo: RT, 2009.

TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adoles-


cente. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

61
DIREITO DE FAMÍLIA II

62
C APÍTULO 4
Do Poder Familiar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conceituar poder familiar.

 Verificar quem detém a titularidade, em que consiste o seu conteúdo e exercício,


bem como as formas de extinção, perda e suspensão do poder familiar.
DIREITO DE FAMÍLIA II

64
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

ConteXtualiZação
O presente capítulo tratará sobre o poder familiar, antigo pátrio poder, que se
refere a uma autoridade concedida aos pais sobre os filhos menores, analisando
o seu significado, conteúdo e titularidade. Ao final, será tratado sobre as formas
de extinção e suspensão dessa autoridade.

Ao longo do tempo, esse poder/dever mudou bastante. Na época do Brasil


Colonial, o pai detinha o poder quase que absoluto sobre os filhos, podendo
impingir-lhes correção por meio de castigos moderados.

Com a Constituição Federal de 1988, as diretrizes acerca desse tema foram


alteradas, deixando de lado o patriarcalismo, trazendo a igualdade entre os
pais como uma das novidades. Além disso, a criança e o adolescente também
passaram a ser protegidos de forma mais rigorosa, assegurando a eles o direito
à vida, à integridade, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ao respeito,
entre outros direitos.

Portanto, o poder dos pais foi afastado, para em seu lugar assumirem um
dever de proteção, de cuidado, de convívio com os seus filhos, de forma igualitária.
É o que se verá na sequência.

Conceito de Poder Familiar


Poder familiar é autoridade jurídica que os pais detêm sobre os filhos
menores, no propósito de preservação e promoção dos interesses destes.
Conforme já dito na parte introdutória do capítulo, no pátrio poder, existente no
Código Civil de 1916, o pai o exercia quase que exclusivamente, conferindo-lhe
um poder de mando, de hierarquia.
Atualmente, o
foco central do
Com o abandono do patriarcalismo, a mãe passou a exercer essa poder familiar é o
atribuição em igualdade de condições com o pai, sendo remodelada atendimento do
não só a nomenclatura do instituto, como também a sua finalidade. melhor interesse
Atualmente, o foco central do poder familiar é o atendimento do melhor da criança e do
adolescente e não
interesse da criança e do adolescente e não mais a supremacia da
mais a supremacia
vontade do pai. da vontade do pai.

Poder familiar, expressão substitutiva de pátrio poder (poder do pai),


também já vem sendo criticada. Para Lôbo (2012, p. 295), a nomenclatura atual
não é a mais apropriada, porque mantém a ênfase no poder, cujo termo se mostra
inadequado, por não expressar a verdadeira ligação surgida entre pais e filhos,

65
DIREITO DE FAMÍLIA II

assim como a familiar também dá a ideia equivocada de que qualquer parente


pode exercer o poder familiar.

Vários doutrinadores sugerem outras designações, como autoridade parental,


responsabilidade ou cuidado parental, que estão mais sintonizadas com o espírito
do instituto, que é de atribuir responsabilidade aos pais pelos filhos. Na lei de
alienação parental, a expressão utilizada já é autoridade parental.

Poder familiar ou autoridade familiar é um “regime de cuidado e proteção dos


filhos” (LÔBO, 2012, p. 296). É efeito do elo entre pais e filhos, pouco importando
se os pais vivem juntos ou não.

Percebe-se, portanto, que a mudança de estrutura no instituto não está


somente relacionada com o compartilhamento de poder entre os pais, mas
também e, principalmente, pela valorização da criança e do adolescente como
sujeito de direito, que merece respeito, atenção, carinho e cuidado.

O que se busca com o instituto é assegurar aos filhos menores a integral


formação e proteção, na fase de crescimento e amadurecimento, desempenhando
aos pais um papel fundamental no desenvolvimento da personalidade de sua prole.

Titularidade
Na codificação civil de 1916, o marido era considerado o chefe da família,
exercendo o pai com exclusividade o pátrio poder. A mãe só o exercia como
coadjuvante ou em caso de ausência ou impedimento do pai.

Foi com a edição do estatuto da mulher casada (Lei 4.121/62) que a mãe
começou a exercitar o pátrio poder em conjunto com o marido. Entretanto, em
caso de divergência, prevalecia a vontade do pai.

Somente em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, é que isso


mudou, prevendo expressamente o artigo 226, parágrafo 5, “que os direitos e os
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher”.

Com a edição do Código Civil de 2002, o art. 1.631 passou a prescrever


também essa igualdade, conforme se denota:

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável,


compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento
de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

66
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício


do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer
ao juiz para solução do desacordo (BRASIL, 2002).

Portanto, cabe aos pais a titularidade do poder familiar, pouco Cabe aos pais a
importando o estado civil. A regra é o exercício da coparentalidade, titularidade do poder
isto é, exercício conjunto, tomada de decisões por ambos os pais. Nos familiar, pouco
casos de ruptura da relação, o poder familiar permanece íntegro. Nesse importando o estado
civil.
sentido, é a redação do artigo 1.632: “A separação judicial, o divórcio
e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos
senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os
segundos” (BRASIL, 2002).

No caso de o filho não ser reconhecido pelo pai, o poder familiar No caso de o
será exercido exclusivamente pela mãe. Se, todavia, a mãe não for filho não ser
conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor. reconhecido pelo
pai, o poder familiar
será exercido
Com o divórcio ou a dissolução de união estável surge o instituto da exclusivamente pela
guarda. No passado, em que a guarda como regra era unilateral, ficava mãe. Se, todavia,
fácil identificar a atribuição dos pais, que detinham o poder familiar e a mãe não for
as transformações sofridas em seu exercício, com a guarda exercida conhecida ou capaz
geralmente pela mãe. O guardião chamava para si praticamente todas de exercê-lo, dar-
se-á tutor ao menor.
as decisões diárias relacionadas à vida do filho. Somente questões
mais sérias seriam decididas em conjunto.

Atualmente, distinguir o conteúdo do poder familiar e da guarda compartilhada


não é tarefa simples. Quando, de fato, o compartilhamento da guarda é exercido
em conjunto, ambos os institutos se confundem.

Portanto, poder familiar possui como titulares apenas os pais da criança


ou adolescente. Os avós, os irmãos e demais parentes não são titulares dessa
autoridade parental. Podem ser guardiões ou tutores, mas não detentores de
poder familiar.

ConteÚdo e EXercício
O conteúdo e o
O conteúdo e o exercício do poder familiar abrangem tanto exercício do poder
questões pessoais quanto patrimoniais relacionadas aos filhos familiar abrangem
menores. Conforme Lôbo (2012, p. 302), “os pais não exercem poderes tanto questões
e competências privados, mas direitos vinculados a deveres e cumprem pessoais quanto
patrimoniais
deveres cujos titulares são os filhos”. Exemplifica com a situação de
relacionadas aos
filhos menores.

67
DIREITO DE FAMÍLIA II

que os pais devem dirigir a educação dos filhos e, ao mesmo tempo, assegurá-la,
ou seja, os pais têm o direito e o dever de educar os filhos.

Como dever prioritário e fundamental, devem os genitores,


antes de tudo, assistir seus filhos, no mais amplo e integral
exercício de proteção, não apenas em sua função alimentar,
mas mantê-los sob a sua guarda, segura e companhia, e
zelar por sua integridade moral e psíquica, e lhes conferir
todo o suporte necessário para conduzi-los ao completo
desenvolvimento e independência, devendo-lhes os filhos a
necessária obediência (MADALENO, 2016, p. 693).

Com relação à pessoa dos filhos menores, o artigo 1.634 do CC assim


dispõe:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a


sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que
consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do
art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem
ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem
sua residência permanente para outro município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico,
se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não
puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16
(dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após
essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços
próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002).

O inciso I retrata um dos princípios mais importantes do direito de família, a


convivência familiar, que também está insculpida no artigo 227 da CFRB (BRASIL,
1988), por se entender como o locus mais apropriado para o crescimento e
o desenvolvimento das crianças. Os pais têm o direito e o dever de educar e
criar seus filhos e auxiliá-los em seu pleno desenvolvimento como sujeitos em
formação. A Lei 12.013/2009 alterou o art. 12 da Lei 9.394/96 e passou a prever
a obrigatoriedade de a escola repassar aos pais as informações referentes à vida
escolar do filho.

Ter os filhos sob sua guarda é mais fácil quando os pais convivem e residem
juntos. Quando a realidade não é essa, o exercício da guarda jurídica pode ser
unilateral ou compartilhada, já a guarda física é a possibilidade de ter o filho em

68
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

sua companhia. A guarda está embutida no exercício do poder familiar, sendo


dele destacada quando há ruptura da união dos pais. Em princípio, as decisões
devem ser tomadas em conjunto, eventuais discrepâncias de opiniões, caso não
solucionadas, podem ser resolvidas por meio de intervenção judicial.

Conceder ou negar consentimento para se casarem também é uma atribuição


dos pais, em caso de filhos maiores de 16 e menores de 18 (art. 1.517, CC),
em razão de serem os representantes legais dos filhos. Pode haver interferência
judicial em caso de injusta recusa por parte de ambos, ou no caso de divergência,
em que um concede e o outro não (BRASIL, 2002).

O inciso IV prevê a concessão ou a negativa de consentimento de viagem ao


exterior. Não podem os filhos menores viajarem sem a companhia de ambos os
pais. Se estiverem acompanhados de apenas um dos pais, haverá necessidade
de consentimento expresso do outro. Caso o pai ou a mãe se recuse a autorizar
a viagem internacional, poderá ser tentada a supressão de consentimento, via
judicial.

Ainda nessa linha, cabe ainda aos pais autorizarem ou não os filhos de
mudarem sua residência permanente para outro município. Esse inciso foi
acrescentado com o objetivo de evitar que no caso de ruptura da união dos pais,
o guardião decida se mudar de cidade, sem o consentimento do outro e assim
afastar o filho do convívio. Essa é uma questão bastante delicada na prática, pois
está o genitor guardião autorizado a mudar de cidade, mas para levar o filho,
precisará da concordância do outro genitor, o que nem sempre é possível.

Dentre as funções dos pais, encontra-se, ainda, o direito de eleger um tutor


para assumir os cuidados com relação ao filho em caso de falta dos pais. A
nomeação de tutor pode ser realizada por testamento ou documento autêntico, só
valendo a nomeação se o outro genitor não sobreviver, ou sobrevivo, não puder
exercer o poder familiar.

Por sua vez, incumbe aos pais representar os filhos ou assisti-los no


exercício dos atos da vida civil. A representação é aplicável aos filhos menores de
16 anos. Nesse caso, o representante realiza sozinho os atos da vida do filho. Já
a assistência dá-se para os que estão na faixa etária entre os 16 anos até os 18
anos incompletos, neste caso, os assistidos podem manifestar sua vontade, que
deve ser apenas ratificada pelo assistente.

Podem os pais, outrossim, exigir dos filhos obediência, respeito e serviços


adequados a sua condição e idade. Não mais se permite o autoritarismo, mas o
diálogo e o respeito, devendo os filhos obediência e respeito aos pais.

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DIREITO DE FAMÍLIA II

A criança e o Em 2014 entrou em vigor a Lei da Palmada (Lei 13.010/2014),


adolescente têm alterando dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente. O art.
o direito de serem 18-A do ECA passou a dispor que a criança e o adolescente têm o
criados e educados direito de serem criados e educados sem castigo físico ou tratamento
sem castigo físico cruel ou degradante.
ou tratamento cruel
ou degradante.
Por fim, podem os pais reclamar os filhos de quem injustamente
os detenha: em princípio, a guarda é conjunta dos pais, que devem autorizar que
os filhos estejam na companhia de terceiros. Se não autorizado, é ilegal e para
tanto cabe cautelar de busca e apreensão. Essa medida, que deve ser utilizada
apenas em casos excepcionais, também se aplica ao pai ou mãe não guardião
que se recusa a entregar o filho nos dias e horários previamente estipulados.

Com relação ao patrimônio, compete aos pais até a maioridade ou


emancipação a administração dos bens dos filhos (arts.1.689 e 1.690, CC). Os
pais enquanto no exercício do poder familiar são considerados usufrutuários
(usufruto legal) e administradores dos bens (atos de manutenção, apenas) dos
filhos. Não lhes é permitido alienar, gravar de ônus real os imóveis (hipoteca),
nem contrair obrigações que ultrapassem os limites da administração, salvo por
necessidade ou interesse da prole, mediante prévia autorização judicial.

Se ainda assim os pais não observarem as vedações legais, tais atos de


disposição serão considerados nulos (art. 1.691, parágrafo único do CC). Tartuce
(2017, p. 511), para ilustrar, cita ementa de acórdão do TJSP (AI 589.120.4/9, Rel.
Des. Morato de Andrade, j. Em 18.11.09).

Outrossim, se colidir com o interesse dos pais e filhos, poderá o juiz, a


requerimento do próprio menor ou do Ministério Público, deferir-lhe curador
especial. Por fim, prevê o art. 1.693, do CC, a exclusão do usufruto e da
administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento,


antes do reconhecimento;
II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no
exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos
adquiridos;
III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de
não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;
IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os
pais forem excluídos da sucessão (BRASIL, 2002).

Demonstradas as incumbências dos pais com relação aos filhos, passa-se


agora à análise das situações que provocam a extinção do poder familiar.

70
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

EXtinção
Causas de extinção
De acordo com o artigo 1.635 do Código Civil, são causas do poder familiar: a
de extinção do poder familiar: a morte dos pais ou do filho (inc. I); morte dos pais ou
a emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único (inc. II); a do filho (inc. I); a
maioridade (inc. III), a adoção (inc. IV) e decisão judicial, na forma do emancipação, nos
artigo 1.638 (inc. V) (BRASIL, 2002). termos do art. 5o,
parágrafo único (inc.
II); a maioridade
A morte de ambos os genitores é causa natural de extinção do (inc. III), a adoção
poder familiar, assim como a morte do filho. Todavia, o óbito de apenas (inc. IV) e decisão
um dos genitores faz subsistir o poder familiar exclusivo com relação judicial, na forma do
ao genitor sobrevivente. artigo 1.638

A emancipação de que trata o inc. II do art. 1.635 abrange todas as suas


formas, referindo-se o artigo à emancipação voluntária, realizada pelos pais ou
tutores, mediante instrumento público, no primeiro caso, ou pedido judicial, no
segundo; e também a todos os casos de emancipação legal, caso do casamento,
exercício de emprego público efetivo, colação de grau em curso de ensino
superior, estabelecimento de atividade civil ou comercial ou existência de relação
de emprego, que permita economia própria ao menor.

Completados 18 anos, atinge-se a maioridade, outra causa extintiva do poder


familiar, prevendo o artigo, ainda, a adoção. Aqui há de se fazer uma observação.
A adoção é uma forma de extinção do poder familiar com relação aos pais
biológicos. Contudo, tecnicamente, seja incorreto falar-se da adoção como forma
de extinção, uma vez que será a sentença de destituição que colocará fim ao
poder familiar e não exatamente a adoção.

Por fim, o último inciso menciona a extinção do poder familiar por ato judicial,
nos casos previstos no art. 1.638 do CC, que trata das hipóteses de perda de
poder familiar, que serão tratados na sequência (BRASIL, 2002).

A perda do poder
Perda do Poder Familiar familiar é fruto de
uma avaliação
negativa do
A perda do poder familiar é fruto de uma avaliação negativa do exercício da
exercício da autoridade parental correspondente a uma penalização autoridade parental
imposta aos pais, porém com intuito principal de proteger o filho. As correspondente a
hipóteses estão delineadas no art. 1.638 do CC. uma penalização
imposta aos pais,
porém com intuito
principal de proteger
o filho.

71
DIREITO DE FAMÍLIA II

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a


mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de
adoção (BRASIL, 2002). (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017).

Com relação ao inciso primeiro, somente é causa de perda do poder familiar


o castigo imoderado, abrindo a lei brecha para o castigo, o que tem sido bastante
criticado, principalmente após o advento da Lei da Palmada.

Deixar o filho em abandono, seja física, emocional ou materialmente é


afrontar as garantias constitucionais asseguradas ao menor, como o princípio de
convivência familiar, de cuidado e proteção. Como seres em desenvolvimento,
devem ter o suporte dos pais, caso isso seja desrespeitado, essa conduta pode
configurar crime de abandono material (art. 244 do CPC), intelectual (art. 245 do
CPC), abandono moral (art. 247 do CPC), entre outros crimes (BRASIL, 2015).

Quanto à prática de atos contrários à moral ou aos bons costumes, podem


ser citadas as condutas dos pais que se valem de uso imoderado de bebidas
alcoólicas, uso de drogas e entorpecentes, abusos físicos e sexuais, agressões
aos filhos ou ao outro genitor, entre outras condutas reprováveis e nada saudáveis
aos filhos.

A reiteração de atos que conduzem à suspensão do poder familiar pode


também conduzir à perda do poder familiar. Por último, como novidade recente, a
entrega de forma irregular de filho a terceiros, para fins de adoção, também passa
a configurar como hipótese expressa de perda de poder familiar.

SusPensão
A suspensão do poder familiar está prevista no artigo 1.637 do Código Civil
(BRASIL, 2002) e está assim redigido:

“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,


faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens
dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o
Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada
pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o
poder familiar, quando convenha”.

72
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

Resumindo, percebe-se serem casos de suspensão do poder familiar o


chamado abuso de autoridade decorrente tanto de ausência de cumprimento
dos deveres inerentes aos pais com relação aos filhos, bem como arruinar o
patrimônio destes. Madaleno (2016, p. 708) afirma que:

Os motivos geradores da intervenção judicial para adoção


de posições processuais de salvaguarda dos interesses do
menor não se limitam às hipóteses elencadas no caput do
artigo 1.637 do Código Civil, de abuso de autoridade; de falta
aos deveres paternos em que negligenciam ou se omitem ao
regular cumprimento de suas atribuições, ou pertinente à ruína
ou dilapidação dos bens dos filhos; existindo na casuística
jurisprudencial um sem-número de situações fáticas com risco
de exposição à vida, à saúde, ao lazer, à profissionalização,
à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária dos filhos, assim como fatos capazes de submetê-
los a atos de discriminação, a exploração, a violência, a
crueldade e opressão, abalando fundo, direitos fundamentais
dos menores, postos sob a proteção do poder familiar.

Além da situação de abuso, prescreve ainda o parágrafo único do artigo


mencionado que haverá suspensão também dos pais condenados por sentença
irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Essa previsão já era fonte de críticas e foi alterada pela Lei A redação prevê
que a “condenação
12.962/2014, que acrescentou o parágrafo 2 ao art. 23 do ECA, que
criminal do pai ou
garante a convivência entre presos e seus filhos. A redação prevê que mãe não implicará
a “condenação criminal do pai ou mãe não implicará a destituição do a destituição do
poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso poder familiar,
sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha”. exceto na hipótese
de condenação por
O parágrafo 4 do mesmo artigo 23 do ECA garante outrossim a crime doloso sujeito
à pena de reclusão,
convivência da criança com o pai ou mãe privado de liberdade, por
contra o próprio filho
meio de visitas periódicas. ou filha”.

O objetivo é permitir a manutenção dos laços familiares e favorecer


a ressocialização. O texto garante a permanência do menor em sua família
de origem, que deverá ser incluída em programas oficiais de auxílio, além de
estabelecer procedimentos para assegurar ao preso o direito de defesa em caso
de abertura de processo para perda ou suspensão da autoridade parental.

Acerca da suspensão cabe ainda anotar de que trata de penalidade


temporária, durando o tempo em que se apresentar necessária para a proteção
do menor. Uma vez cessada, retornam os pais ao exercício efetivo da autoridade
parental.

73
DIREITO DE FAMÍLIA II

Por fim, a suspensão pode suspender total ou parcialmente o poder


familiar dos pais, assim como pode ser restrita a apenas um dos filhos.

Atividade de Estudos:

1) Para complementar este capítulo, vale colacionar questão


importante relacionada à alienação parental e implantação de
falsas memórias, como causas a serem ponderadas em ações de
suspensão ou destituição de poder familiar. O trecho em destaque
foi retirado do artigo de Maria Berenice Dias.

A evolução dos costumes, que levou a mulher para fora do


lar, convocou o homem a participar das tarefas domésticas e a
assumir o cuidado com a prole. Assim, quando da separação, o
pai passou a reivindicar a guarda da prole, o estabelecimento da
guarda conjunta, a flexibilização de horários e a intensificação
das visitas.

No entanto, muitas vezes, a ruptura da vida conjugal gera na


mãe sentimento de abandono, de rejeição, de traição, surgindo
uma tendência vingativa muito grande. Quando não consegue
elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um
processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-
cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência
com o filho, quer vingar-se, afastando este do genitor.

Para isso, cria uma série de situações visando dificultar ao


máximo ou a impedir a visitação. Leva o filho a rejeitar o pai, a
odiá-lo. A este processo, o psiquiatra americano Richard Gardner
nominou de “síndrome de alienação parental”: programar uma
criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Trata-
se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O filho
é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao
parceiro. A mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e
também os seus sentimentos para com ele.

A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se


dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos
e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor
alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico,
passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.

74
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

O detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o


outro, assume o controle total. Tornam-se unos, inseparáveis. O
pai passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado
a qualquer preço. Este conjunto de manobras confere prazer ao
alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo
parceiro.

Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas,


inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual. A
narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa
configurar indícios de tentativa de aproximação incestuosa é
o que basta. Extrai-se deste fato, verdadeiro ou não, denúncia
de incesto. O filho é convencido da existência de um fato e
levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente
acontecido. Nem sempre a criança consegue discernir que está
sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi
dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe
consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua
verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas
personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim,
falsas memórias.

Esta notícia, comunicada a um pediatra ou a um advogado,


desencadeia a pior situação com que pode um profissional
defrontar-se. Aflitiva a situação de quem é informado sobre tal
fato. De um lado, há o dever de tomar imediatamente uma atitude
e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira,
traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois
ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não
lhe causou qualquer mal e com quem mantém excelente convívio.

A tendência, de um modo geral, é imediatamente levar o fato


ao Poder Judiciário, buscando a suspensão das visitas. Diante da
gravidade da situação, acaba o juiz não encontrando outra saída
senão a de suspender a visitação e determinar a realização de
estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do que
lhe foi noticiado. Como esses procedimentos são demorados
- aliás, fruto da responsabilidade dos profissionais envolvidos
-, durante todo este período cessa a convivência do pai com o
filho. Nem é preciso declinar as sequelas que a abrupta cessação
das visitas pode trazer, bem como os constrangimentos que as
causam inúmeras entrevistas e testes a que é submetida a vítima
na busca da identificação da verdade.

75
DIREITO DE FAMÍLIA II

No máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada,


na companhia de terceiros, ou no recinto do fórum, lugar que não
pode ser mais inadequado. E tudo em nome da preservação da
criança. Como a intenção da mãe é fazer cessar a convivência, os
encontros são boicotados, sendo utilizado todo o tipo de artifícios
para que não se concretizem as visitas.

O mais doloroso - e ocorre quase sempre - é que o resultado


da série de avaliações, testes e entrevistas que se sucedem
durante anos acaba não sendo conclusivo. Mais uma vez, depara-
se o juiz diante de um dilema: manter ou não as visitas, autorizar
somente visitas acompanhadas ou extinguir o poder familiar;
enfim, manter o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição
de órfão de pai vivo cujo único crime eventualmente pode ter sido
amar demais o filho e querer tê-lo em sua companhia. Talvez, se
ele não tivesse manifestado o interesse em estreitar os vínculos
de convívio, não estivesse sujeito à falsa imputação da prática de
crime que não cometeu.

Diante da dificuldade de identificação da existência ou não


dos episódios denunciados, mister que o juiz tome cautelas
redobradas.

Não há outra saída senão buscar identificar a presença de


outros sintomas que permitam reconhecer que se está frente à
síndrome da alienação parental e que a denúncia do abuso foi
levada a efeito por espírito de vingança, como instrumento para
acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para isso,
é indispensável não só́ a participação de psicólogos, psiquiatras
e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas
também que o juiz se capacite para poder distinguir o sentimento
de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto
de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só
intuito de afastá-lo do genitor.

Em face da imediata suspensão das visitas ou determinação


do monitoramento dos encontros, o sentimento do guardião é de
que saiu vitorioso, conseguiu o seu intento: rompeu o vínculo de
convívio. Nem atenta ao mal que ocasionou ao filho, aos danos
psíquicos que lhe infringiu.

É preciso ter presente que esta também é uma forma de


abuso que põe em risco a saúde emocional de uma criança. Ela

76
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

acaba passando por uma crise de lealdade, pois a lealdade para


com um dos pais implica deslealdade para com o outro, o que
gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar
que foi cúmplice de uma grande injustiça.

A estas questões devem todos estar mais atentos. Não mais


cabe ficar silente diante destas maquiavélicas estratégias que
vêm ganhando popularidade e que estão crescendo de forma
alarmante.

A falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o


beneplácito da Justiça, que, em nome da proteção integral, de
forma muitas vezes precipitada ou sem atentar ao que realmente
possa ter acontecido, vem rompendo vínculo de convivência tão
indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de crianças
em desenvolvimento.

Flagrada a presença da síndrome da alienação parental,


é indispensável a responsabilização do genitor que age desta
forma por ser sabedor da dificuldade de aferir a veracidade dos
fatos e usa o filho com finalidade vingativa. Mister que sinta
que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso reste
evidenciada a falsidade da denúncia levada a efeito. Sem haver
punição a posturas que comprometem o sadio desenvolvimento
do filho e colocam em risco seu equilíbrio emocional, certamente
continuará aumentando esta onda de denúncias levadas a efeito
de forma irresponsável.

Fonte: DIAS, M. B. Síndrome da alienação parental: o que é isso. 2006.


Disponível em: <www.mariaberenice.com.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

Com base no texto, responda se diante de uma denúncia


de alienação parental o melhor para a criança é suspender de
imediato o contato com o outro genitor e como este problema
pode ser minimizado.
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DIREITO DE FAMÍLIA II

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Algumas ConsideraçÕes
O capítulo tratou sobre o poder familiar, que compreende o
É um regime de
cuidado e proteção. exercício de atividades a que os pais se obrigam para com seus
filhos menores. É um regime de cuidado e proteção. Observou-se
que ao longo do tempo esse instituto se alterou drasticamente, acompanhando
as transformações ocorridas na família. Com a queda do patriarcalismo, o poder
familiar passou a ser exercido em igualdade de condições entre o pai e a mãe,
além da proteção e reconhecimento dado aos filhos, enquanto sujeitos de direitos.

O conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos filhos
menores - que demandam atenção, cuidado e proteção - pode sofrer drásticas
consequências, como a perda ou a suspensão da autoridade parental, caso
descumpram com suas atribuições. A aplicação de referidas medidas deve sempre
ser feita com bastante cautela, para não ferir exatamente o que se pretende
proteger: o melhor interesse da criança ou do adolescente.

78
Capítulo 4 DO PODER FAMILIAR

ReferÊncia
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Dis-
ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 13.010, de 23 de junho 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13010.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei 12.962, de 8 de abril de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

______. Lei nº 12.013, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12013.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2012.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

79
DIREITO DE FAMÍLIA II

80
C APÍTULO 5
Regime de Bens

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender os princípios que regem o regime de bens

 Verificar as especificidades de cada regime na teoria e na prática, além de


atentar aos pontos polêmicos que envolvem a temática.

“Não quero dinheiro, quero amor sincero,


isto é o que eu espero

Grito ao mundo inteiro, não quero din-


heiro, eu só quero amar, só quero amar,
só quero amar [...]”.

(TIM MAIA)
DIREITO DE FAMÍLIA II

82
Capítulo 5 REGIME DE BENS

ConteXtualiZação
A comunhão de vida implica também na comunhão de interesses A comunhão de vida
econômicos. O casamento ou a união estável exigem a adoção de um implica também
regime de bens, cujas regras estipulam o tratamento patrimonial que na comunhão
produzirá variados efeitos. de interesses
econômicos.
Não só durante a relação o regime produzirá efeitos, mas
principalmente quando a relação terminar, seja por divórcio, dissolução de união
estável ou morte.

A atual codificação traz a lume quatro regimes distintos: a comunhão


parcial, a comunhão universal, o regime de separação convencional e o regime
de participação final nos aquestos. Além desses quatro regimes que podem ser
livremente eleitos pelos nubentes, a lei prevê ainda um quinto regime, que chama
de separação obrigatória de bens.

O regime de bens pode ser definido como o estatuto de bens das pessoas
casadas ou que vivam em união estável, regulamentando as consequências
patrimoniais entre o casal e terceiros. Para Tartuce (2017, p. 130), “é o conjunto
de regras relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da
entidade familiar, sendo as suas normas, em regra, de ordem privada”.

Neste capítulo, portanto, o assunto é de ordem patrimonial, bastante


importante na prática, e que contemplará os princípios básicos aplicáveis ao
conjunto de bens do casal, a importância e a exigência do pacto antenupcial, a
administração dos bens e temas correlatos, além das especificidades de cada um
dos regimes previstos.

PrincíPios Básicos do Regime de


Bens
Respeito dos
A respeito dos princípios, pode-se extrair da doutrina três princípios princípios, pode-se
extrair da doutrina
primordiais: a liberdade de estipulação, a variedade de regimes e a
três princípios
mutabilidade justificada. Esses, inclusive, são os princípios trazidos por primordiais: a
Madaleno (2016). liberdade de
estipulação, a
Já Tartuce (2017) elenca como princípios, além dos já referidos, variedade de
também o princípio da indivisibilidade dos regimes. regimes e a
mutabilidade
justificada.

83
DIREITO DE FAMÍLIA II

a) Liberdade de estipulação (ou autonomia privada): essa é a regra, a


da autonomia privada. O casal elege o regime de bens mais apropriado
ao seu casamento ou união estável; se, contudo, não eleger o oficial
(parcial de bens), impõe-se a confecção de pacto antenupcial, conforme
preconiza o art. 1.653 do CC (BRASIL, 2002). Essa liberdade de
escolha sofre restrições, caso do art. 1.641 do CC, que impõe o regime
de separação obrigatória de bens para aqueles que se casarem sem
a observância das causas suspensivas (art. 1.641, I do CC) para os
maiores de 70 anos (art. 1.641, II do CC) e para os que dependerem de
suprimento judicial (art. 1.641, III do CC).

b) Variedade de regimes: o Código Civil previu quatro regimes distintos,


porém, autorizou aos nubentes estabelecer novos modelos, misturando
regimes, ou criando um novo, desde que as cláusulas não contrariem
dispositivo legal. O casal deve observar as regras previstas nos art.
1.639 a 1.657 do CC. Para exemplificar, é possível o casal estabelecer
para os bens móveis o regime de separação e para os bens imóveis o
regime de comunhão total ou parcial (BRASIL, 2002).

c) Mutabilidade justificada: esse princípio surgiu com a edição do


Código Civil de 2002, prevendo o artigo 1.639, par. 2 a possibilidade de
alteração de regime no curso do casamento. No Código Civil de 1916
não era permitido. As regras para modificação são: I - pedido formulado
por ambos os cônjuges; II - autorização judicial, em procedimento de
jurisdição voluntária; III - indicação de motivo relevante; IV - inexistência
de prejuízo de terceiros e dos próprios cônjuges (BRASIL, 2002).

Com propósito de não prejudicar terceiros, as Corregedorias


dos Tribunais de Justiça têm editado provimentos, como é o caso do
Provimento 13 da Corregedoria de Justiça de Santa Catarina, que
exige a citação de credores e a publicação de editais.

d) O princípio da indivisibilidade do regime de bens: tratado por Tartuce


(2017, p. 131), significa não ser válido eleger um regime para o marido e
outro para a mulher. Nas palavras do autor, apesar de ser juridicamente
viável “a criação de outros regimes que não estejam previstos em lei, não
é possível fracionar os regimes em relação aos cônjuges”. Lembre-se de

84
Capítulo 5 REGIME DE BENS

que a isto se aplica a exceção no caso de casamento putativo quando


ocorrer a má-fé de um dos cônjuges (1.561 do CC), ou seja, ao cônjuge
de boa-fé se aplicam as regras ao regime de bens eleito e ao cônjuge de
má-fé não, aplicando-se a ele apenas as regras do direito obrigacional
que veda o enriquecimento sem causa (BRASIL, 2002).

Administração e DisPoniBilidade de
Bens
O casamento ou a união estável requer dos cônjuges ou companheiros uma
série de atos de administração de despesas e receitas comuns, além de tarefas e
atos destinados à sustentação e à manutenção do lar. Os atos relacionados com
a economia doméstica podem ser livremente executados por qualquer um dos
cônjuges, em igualdade de condições, independente do regime de bens ou de
vênia conjugal.

O Código Civil tratou de regular nos artigos 1.642 e 1.643 os variados atos
que não dependem de anuência do outro para poderem ser praticados
(BRASIL, 2002). Dispõe o art. 1.642 do CC:

Art. 1.642 Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido


quanto a mulher podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de administração
necessários ao desempenho de sua profissão, com as
limitações estabelecidas no inciso I do art. 1.647;
II - administrar os bens próprios;
III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido
gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem
suprimento judicial;
IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação,
ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com
infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;
V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados
ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que
provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum
destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco
anos;
VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados
expressamente (BRASIL, 2002).

O inciso I autoriza o desempenho de atos vinculados ao exercício da


profissão, facilitando o dia a dia de cada um dos cônjuges. O inciso II permite a
administração do patrimônio próprio, o que não poderia ser diferente. Os incisos
III, IV e V legitimam o consorte prejudicado a promover demanda judicial em face
da conduta do outro, seja para anular negócios não autorizados, seja para reparar

85
DIREITO DE FAMÍLIA II

prejuízos sofridos. Por exemplo, se o marido vender um bem comum do casal


sem autorização da esposa, pode esta pleitear a anulação da venda. Já no caso
de o marido ter dado bem comum para penhora de dívida exclusiva dele, sem a
vênia conjugal, poderá a esposa requerer o levantamento de 50% do bem.

Em caso de Em caso de anulação, o terceiro de boa-fé terá ação regressiva


anulação, o terceiro em face do cônjuge com quem negociou, alcançando o pagamento dos
de boa-fé terá ação
prejuízos apenas os bens particulares deste (art. 1.646 do CC).
regressiva em face
do cônjuge com
quem negociou, O inciso V é fonte de diversas críticas em razão de prever o prazo
alcançando o de cinco anos de separação fática, para cessar a comunhão de bens. Em
pagamento dos tempos de união estável configurável no período de separação fática,
prejuízos apenas este inciso parece estar desatualizado, em rota de colisão com outros
os bens particulares
dispositivos do Código Civil e da Constituição Federal. A separação de
deste.
fato acarreta uma série de consequências jurídicas, não sendo razoável
essa regra. A própria jurisprudência entende que a separação fática coloca fim ao
regime de bens, não sendo mais considerado partilháveis os bens adquiridos após
o desenlace matrimonial. Nesse sentido, é o julgado do STJ, na REsp nº 32.218 de
São Paulo. Nas palavras de Farias e Rosenvald (2017, p. 336):

Não existe nenhum sentido lógico em manter comunicáveis


durante cinco longos anos bens hauridos em plena e
irreversível separação de fato dos cônjuges, facilitando o risco
do enriquecimento ilícito, pois o consorte faticamente separado
poderá ser destinatário de uma meação composta por bens
que não ajudou a adquirir.

Por fim, o inciso VI permite a prática de todo e qualquer ato que não estiver
proibido por lei. As hipóteses elencadas no artigo em comento são complemen-
tadas pelo art. 1.643 do CC que autoriza os consortes, sem anuência do outro, a
comprar as coisas necessárias à economia doméstica (inciso I) e a obter emprés-
timos para possibilitar a aquisição de referidos itens (BRASIL, 2002).

Os atos que dependem do consentimento do consorte estão


A vênia ou
outorga conjugal elencados no artigo 1.647 do CC e abrangem todos os regimes,
é a autorização com exceção do regime de separação convencional (BRASIL, 2002).
dada pelo outro Com relação ao regime de separação obrigatória, há divergências de
cônjuge que, em entendimentos. Maior parte dos doutrinadores, contudo, entende haver
geral, se dá no necessidade de autorização no regime de separação obrigatório, diante
próprio instrumento
da aplicação da Súmula 377 do STF, que determina a partilha dos bens
negocial. Nada
impede, todavia, que adquiridos onerosamente na constância da sociedade conjugal.
o consentimento
seja dado em Antes de detalhar os incisos do artigo 1.647, cumpre deixar claro
instrumento que a vênia ou outorga conjugal é a autorização dada pelo outro cônjuge
autônomo.

86
Capítulo 5 REGIME DE BENS

que, em geral, se dá no próprio instrumento negocial. Nada impede, todavia, que


o consentimento seja dado em instrumento autônomo. Permite, outrossim, o artigo
1.648 do CC (BRASIL, 2002), o suprimento judicial de consentimento, quando for
negado sem justo motivo, ou quando for impossível concedê-lo (art. 74 do CPC),
ou seja, diante de recusa injustificada ou impossibilidade física (permanente ou
temporária) de um dos cônjuges, pode o outro requerer ao juiz o suprimento
(BRASIL, 2015). As causas que exigem outorga estão delineadas no artigo 1.647,
conforme se pode observar.

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos


cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da
separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns,
ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos
filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada
(BRASIL, 2002).

O inciso I veda a alienação ou a hipoteca de bens imóveis, Interessante


não incidindo a regra sobre os bens móveis, independente de valor. anotar também
Interessante anotar também que a outorga é necessária ainda que que a outorga é
necessária ainda
os bens sejam particulares. Caso do regime de comunhão parcial de
que os bens sejam
bens, se um dos cônjuges na constância da união pretender alienar ou particulares.
onerar de ônus real os seus bens imóveis, dependerá na outorga do
outro. A justificativa é apresentada em razão dos frutos dos bens comuns serem
partilháveis, a teor do artigo 1.669 do CC (BRASIL, 2002).

No regime de
Merece ainda consideração o fato de que no regime de
participação final
participação final nos aquestos, a outorga pode ser dispensada no nos aquestos, a
pacto antenupcial, a teor do artigo 1.656 do CC (BRASIL, 2002). outorga pode ser
dispensada no pacto
O inciso II trata de capacidade processual que exige a outorga antenupcial, a teor
do outro cônjuge para pleitear como autor acerca dos bens ou do artigo 1.656 do
CC.
direitos imobiliários. Já no polo passivo será exigida a formação de
litisconsórcio passivo obrigatório pelo casal.

Exigem ainda outorga a prestação de fiança ou aval (inc. III), assim como a
doação de bens comuns ou dos bens que possam integrar futura meação (regime
de participação final nos aquestos), não sendo a doação remuneratória.

Farias e Rosenvald (2017, p. 340) lembram que, além dessas hipóteses


previstas no Código Civil, a Lei de Locação traz mais uma situação de necessidade

87
DIREITO DE FAMÍLIA II

de outorga conjugal, para o proprietário que celebrar contrato de locação por


prazo superior a dez anos.

Por fim, a Lei Maria da Penha, no art. 24, inc. II autoriza o juiz a proibir
temporariamente a celebração de contratos de locação ou de compra e venda de
bens comuns ao casal, a fim de evitar dilapidação de patrimônio.

A não observância da exigibilidade de outorga implica


anulabilidade do negócio jurídico realizado por um dos consortes,
podendo o cônjuge prejudicado fazê-lo no prazo decadencial de dois
anos a contar do término da sociedade conjugal.

A necessidade de outorga é aplicável ou não a quem vive em


união estável? A doutrina é dividida com relação a este aspecto.
Lôbo (2013), por exemplo, defende a necessidade da autorização
do companheiro para a prática dos atos elencados no art. 1.647
do CC. Farias e Rosenvald (2017), em sentido oposto, defendem a
não necessidade, com a justificativa de que se a união estável não
exige registro público, não há como defender o terceiro de eventuais
prejuízos, o que comprometeria a segurança jurídica.

Em cada Estado, as resoluções das Corregedorias estabelecem


regras próprias acerca do tema, algumas exigindo a outorga também
na união estável, caso de Santa Catarina, e outras dispensando, caso
do Paraná. O próprio STJ já se posicionou em ambos os sentidos, o
que também se percebe dos Tribunais inferiores.

Contudo, o novo CPC trouxe regra procedimental exigindo o consentimento


também para os conviventes, no caso de proposição de ação que versar sobre
direitos reais imobiliários (art. 73, parágrafo 3 do CPC) (BRASIL, 2015).

88
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Pacto AntenuPcial
O pacto antenupcial é exigido em todos os regimes, exceto o de comunhão
parcial de bens, considerado regime supletivo. Não havendo convenção ou sendo
ela nula ou ineficaz, também vigorará entre os cônjuges o regime de comunhão
parcial, consoante art. 1.640 do CC (BRASIL, 2002).
Há divergências
quanto à natureza
Atribui-se o nome de pacto antenupcial ao acordo que regulamenta jurídica do pacto,
as regras do regime de bens eleito pelo casal. Há divergências quanto porém, parece
à natureza jurídica do pacto, porém, parece prevalecer atualmente o prevalecer
entendimento de que se trata de negócio jurídico. atualmente o
entendimento de
que se trata de
O pacto exige escritura pública (art. 1.653 do CC), sob pena negócio jurídico.
de nulidade, o qual deve ser devidamente registrado no Cartório de
Imóveis do domicílio dos nubentes, para que tenha eficácia perante terceiros. Já
a eficácia do pacto em si subordina-se a casamento válido, a teor do art. 1.640 do
CC. “Trata-se de negócio celebrado sob condição suspensiva, uma vez que só
começa a produzir efeitos com o casamento” (TARTUCE, 2017, p. 166).

Por exemplo, se o casal dá início aos trâmites do casamento, realiza pacto


antenupcial e elege o regime de separação convencional, mas não se casa
efetivamente; porém, fica vivendo em união estável. Se a relação terminar, aplicar-
se as regras do regime de comunhão parcial (previsto para a união estável), não
produzindo efeitos o pacto.

Contudo, esse entendimento não é uníssono, tanto Madaleno (2016) quanto


Farias e Rosenvald (2017) defendem que o pacto retrata a intenção do casal por
um regime de bens, e não o desejo de casar. Assim, se o casal passar a viver
em união estável após o pacto, deve ser aplicado a eles o regime ali previsto.
Madaleno (2016) baseia-se nos artigos 112 do Código Civil (que prevê que nas
declarações de vontade se atenderá mais à intenção do que ao sentido literal)
e no artigo 170 do CC (que dispõe que se o negócio jurídico nulo contiver os
requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam às partes permitir
supor que o teriam querido) (BRASIL, 2002).

O pacto celebrado por menor tem sua eficácia condicionada à aprovação de


seu representante legal, salvo no caso de regime de separação obrigatória, a teor
do art. 1.654 do CC (que prevê a incidência obrigatória de referido regime, no caso
de menor de 16 anos, em caso de recusa dos pais, suprida por ordem judicial).

89
DIREITO DE FAMÍLIA II

Com relação ao seu conteúdo, percebe-se que a doutrina é


ainda conservadora no tocante aos limites do pacto antenupcial. A
maioria defende a restrição do pacto ao conteúdo exclusivamente
patrimonial. No entanto, uma ala mais jovem já começa a alargar
esses limites de aplicabilidade. Madaleno (2016, p. 720) admite
“disposições de natureza extrapatrimoniais, como convenções de
cunho interpessoal ou relativas às relações paterno-filiais”.

A própria autonomia das partes com relação às questões


patrimoniais vem sendo discutida e estudada, surgindo a possibilidade
de inserção de diversas cláusulas no pacto, por exemplo, a
possibilidade de indenização progressiva, a ser paga por um dos
cônjuges ao outro, a depender do tempo de duração do casamento;
indenização para o caso de traição; compensação patrimonial ao
final, caso a esposa, por exemplo, abra mão de trabalhar para cuidar
dos filhos, e assim por diante.

É certo, porém, que essa autonomia não é ilimitada, sofrendo


restrições pelo artigo 1.655 do CC, que proíbe qualquer cláusula
contrária à disposição absoluta de lei, considerando nula tal previsão.
Por exemplo, seria considerada nula cláusula que privasse a mãe do
poder familiar e da guarda, em caso de ruptura de relacionamento;
ou que dispensa a outorga conjugal nos casos elencados no art.
1.647 do CC; ou, ainda, que afaste o cônjuge da sucessão ou que o
desconsidere como herdeiro necessário.

Fonte: Brasil (2002).

Vistas as regras gerais acerca dos regimes de bens, na sequência, passa-se


a analisar as regras específicas de cada regime em separado.

90
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Regime de Comunhão Parcial de


Bens
O regime de comunhão parcial de bens é considerado o regime supletivo
desde 1977 (Lei nº 6.515). Em outras palavras, é o regime eleito pela codificação
civil quando o casal não eleger regime, se o pacto for declarado nulo ou se for
considerado ineficaz (art. 1.604 do CC). É também o regime que regerá a união
estável quando o casal não optar por outro.

Por ser regime


Por ser regime supletivo, dispensa a confecção de pacto supletivo, dispensa
antenupcial, embora pelas regras da comunhão parcial, seria a confecção de
exatamente o regime que mais teria necessidade de pacto, seja pela pacto antenupcial.
descrição dos bens particulares já existentes ao tempo da celebração
do casamento, seja pelas inúmeras controvérsias existentes, muitas delas
solucionáveis pelo pacto. Apesar de não obrigatório, pode ser adotado pelo casal.

Conceito e estrutura básica do regime: é o regime em que há, em


regra, a comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso na constância
do matrimônio ou da união estável, por um ou por ambos os cônjuges ou
companheiros, preservando o patrimônio pessoal de cada um, adquiridos
anteriormente à união. Em outras palavras, no regime de comunhão parcial de
bens, comunicam-se apenas os bens onerosamente adquiridos na constância
da união. Por essa regra, são considerados bens particulares os já existentes ao
tempo do casamento ou união estável, bem como aqueles advindos na constância
da relação a título gratuito.

Fala-se na existência de possíveis três massas de bens: os bens comuns;


os bens particulares de um dos cônjuges e os bens particulares do outro cônjuge.

Figura 1 – Ilustração da partilha de bens

Fonte: A autora.

91
DIREITO DE FAMÍLIA II

Bens particulares: elenca o artigo 1.659 as situações de bens não


comunicáveis entre o casal.

Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe
sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou
sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes
a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão
em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de
profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas
semelhantes (BRASIL, 2002).

São particulares os bens que cada um possuía ao se casar, os recebidos


por doação ou herança e os sub-rogados em seu lugar. A doação, mesmo que não
tenha cláusula de incomunicabilidade, é considerada bem particular, conforme de-
cidiu o STJ na RESP 1.318.599/SP, julgado em 2013.

Sub-rogação é substituição de um bem por outro. São os bens que


substituem os já existentes no curso do casamento ou união estável, desde, é
claro, que tenham igual valor ou que sejam adquiridos com valores exclusivos
do cônjuge adquirente (inc. II). O excesso se comunica. Exemplo: se o cônjuge
possui um veículo no valor de R$ 30.000,00 e troca por outro de R$ 130.000,00
com rendimentos conjuntos, apenas R$ 30.000,00 se sub-roga, os R$ 100.000,00
restantes são comunicáveis.

As dívidas já existentes antes da união também são consideradas


particulares, bem como as provenientes de ato ilícito, salvo se reverterem em
proveito do casal. Tartuce (2017, p. 171) exemplifica com a seguinte situação:
“se os cônjuges possuem uma fazenda e o marido, em administração, causar um
dano ambiental, haverá responsabilidade solidária do casal, respondendo todos
os seus bens”.

Bens de uso pessoais, como roupas, sapatos, joias, relógios, celulares, livros
e instrumentos de profissão (máquina de costura, livros, bisturis, computadores
pessoais) também são incomunicáveis. Aqui somente são incomunicáveis os
imprescindíveis ao trabalho, bens em grande quantidade ou mesmo valor já
passam a ser considerados comunicáveis.

92
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Já o trabalho pessoal de cada cônjuge, como salário, aposentadoria,


proventos, entre outros, há de se ter cuidado. O inciso é criticado, já que desvirtua
a essência do regime. A interpretação deve ser no sentido de que não se
comunicam os proventos enquanto não gastos, pois se transformados em bens,
estes passam a ser comunicáveis.

Bens comuns: o artigo 1.660 do Código Civil estabelece o rol de bens


considerados comuns ao casal.

Art. 1.660. Entram na comunhão:


I - os bens adquiridos na constância do casamento por título
oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso
de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em
favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de
cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou
pendentes ao tempo de cessar a comunhão (BRASIL, 2002).

O inciso primeiro pressupõe presunção de aquisição conjunta durante a


convivência, não interessando em nome de quem esteja o bem ou quem tenha
pago por ele. Se houver aquisição onerosa durante o casamento, o bem será
repartido meio a meio, ainda que um deles não tenha pago nada por ele, ou tenha
pago apenas uma pequena parte.

Fato eventual é que diz respeito a valores provenientes de jogos, apostas,


loteria, rifas e assim por diante. Os bens adquiridos com dinheiro proveniente de
fato eventual, tenha ou não contribuído o outro cônjuge, terá ele direito à metade.

O inciso terceiro trata das aquisições gratuitas, caso da doação, herança ou


legado que, como regra, nesse regime são considerados bens particulares, mas
caso o patrimônio seja recebido em nome de ambos, também será considerado
bem comum.

Os dois últimos incisos tratam da comunhão das benfeitorias e frutos em bens


particulares. Quis o legislador estabelecer a comunhão dos acessórios, embora o
bem principal seja bem pertencente a um só dos consortes. Há uma presunção
de que as melhorias (caso das benfeitorias) tenham sido realizadas com recursos
de ambos, o que justifica a comunhão. O mesmo entendimento se estende por
analogia às acessões (caso das construções).

93
DIREITO DE FAMÍLIA II

As quotas sociais ou ações de uma empresa também entram como acessões


industriais; se sofrerem incrementos patrimoniais, devem ser repartidos. O
fundo de comércio de uma empresa, constituído de bens materiais e imateriais,
é considerado como fruto, gerando ao outro consorte, não sócio, um direito à
compensação pelo montante investido ou incrementado ao longo da relação.

Sobre a questão societária, pesquise em:


MADALENO, Rolf. Direito de Família. Forense: 2016. p. 779-802.

No último inciso, uma questão interessante tem sido incluída


como fruto civil. É o caso das verbas trabalhistas, que o STJ
reconhece como comunicáveis, desde que provenientes e pleiteadas
durante a constância da união.

Segue a ementa:

Direito Civil e família – Recurso especial. Ação de divórcio.


Partilha dos direitos trabalhistas. Regime de comunhão
parcial de bens. Ao cônjuge casado pelo regime da comunhão
parcial de bens é devida a meação das verbas trabalhistas
pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento.
As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão do contrato
de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando
o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado
após a separação do casal. Recurso especial conhecido e
provido (STJ, REsp 646.529/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
21.06.2005).

No mesmo sentido e da mesma relatora é o julgado da Resp 1.024.169/RS,


julgado em 13/04/2010.

Esse posicionamento não é unânime da doutrina, ecoando vozes em sentido


contrário, entendendo que as verbas trabalhistas não são divisíveis, por serem
bens particulares.

94
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Outra questão divergente são as verbas provenientes


de FGTS. No Tribunal de Justiça de Santa Catarina há os dois
entendimentos.

Segue trecho de acórdão favorável à comunicação das verbas de FGTS.

DIVÓRCIO LITIGIOSO. (...) EXCLUSÃO DA PARTILHA DE


BEM COMPRADO COM VERBAS DE FGTS DA DEMANDADA.
IMPOSSIBILIDADE. Embora as verbas indenizatórias, como
o FGTS, sejam incomunicáveis, nos termos do inciso VI, do
art. 1.659, do Código Civil, é inconteste que o valor foi sacado
na constância do casamento, razão pela qual se admite a sua
partilha, bem como dos bens adquiridos com tal quantia (AC nº
2012.013313-1 Relator: Gilberto Gomes de Oliveira. Segunda
Câmara de Direito Civil. Julgado em: 31/05/2012).

Em sentido contrário, conforme de denota:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS.
INSURGÊNCIA DAS PARTES CONTRA A PARTILHA DO
IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL.
IMÓVEL ADQUIRIDO COM VALORES PROVENIENTES
DE ECONOMIAS GUARDADAS EM CADERNETA DE
POUPANÇA ANTERIOR A CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL
E FGTS DO RÉU. SALDO RESTANTE FINANCIADO PELA
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PARTILHA DO IMÓVEL NA
PROPORÇÃO DE 50% PARA CADA PARTE ASSUMINDO
CONJUNTAMENTE A QUITAÇÃO DA DÍVIDA JUNTO A
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXCLUSÃO DOS VALORES
PAGOS COM RECURSOS EXCLUSIVOS DO RÉU.
RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO
DA AUTORA PREJUDICADO. O valor referente ao FGTS
pertencente a um dos cônjuges não pode ser fruto de partilha
em razão de se tratar de verba indenizatória, devendo ser
excluído da meação, por ser direito personalíssimo, tratando-se
de provento do trabalho pessoal, e, portanto, é incomunicável
(AC nº 2013.046982-6. Rel. Saul Steil. Terceira Câmara de
Direito Civil. Julgado em 17/09/2013).

O STJ posiciona-se no mesmo sentido das verbas trabalhistas, desde que


o fato gerador esteja relacionado à constância da relação. Como se percebe da
Resp 848.660/RS, relatado pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
03/05/2011.

95
DIREITO DE FAMÍLIA II

Conforme conclui Tartuce (2017, p. 175), “em suma, as verbas em si não se


comunicam, pois se enquadram como proventos do trabalho de cada cônjuge.
No entanto, se sacados os valores, haverá comunicação, pois passam a ser
considerados frutos civis”.

Todavia, em 2016, o tema foi julgado novamente pelo STJ, causando


divergência de opiniões, vencida a relatora, prevaleceu, ao final, a
comunicabilidade das verbas de FGTS, não somente no caso de saque, mas
também se não utilizados, comunicada a Caixa Econômica, neste caso, para que
providencie reserva de montante destinado à meação.

[...] O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o


de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro
cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio
comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista
a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço
comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a
contribuição de um dos consortes e do outro não. 5. Assim,
deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS
auferidos durante a constância do casamento, ainda que o
saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à
separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele
direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá
ser comunicada para que providencie a reserva do montante
referente à meação, para que num momento futuro, quando
da realização de qualquer das hipóteses legais de saque,
seja possível a retirada do numerário. 7. No caso sob exame,
entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que
compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a
depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não
controvertem as partes. 8. Recurso especial a que se nega
provimento (STJ, Resp 1.399.199/RS, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, Rel para o Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j.
09.03.2016).

Várias outras questões polêmicas surgem no regime de


comunhão parcial de bens, caso da previdência privada, poupança,
ações ou outros investimentos. Com relação à poupança e outros
investimentos, parece prevalecer entendimento de comunicabilidade
das verbas.

96
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Já no que toca à previdência privada, o tema ainda se encontra bastante


dividido. Pela incomunicabilidade de tais verbas:

Os fundos de pensão foram justamente criados para


oportunizar uma forma complementar ou, às vezes, única de
lograr um recurso futuro ou uma aposentadoria em valores
mais dignos, efetivamente capazes de garantir uma renda de
subsistência, mas estes fundos geralmente são construídos
ao longo dos anos e durante a fase produtiva do investidor.
Tratando-se de fundo de pensão, e tendo exatamente esta
função de segurança futura, não podem ser considerados
como comunicáveis, apenas porque estes investimentos,
enquanto construídos com as periódicas contribuições, pensa
uma vertente doutrinária e jurisprudencial não passar de uma
aplicação financeira (...) (MADALENO, 2016, p. 771-775).

Tartuce e Simão entendem em sentido contrário, defendendo ser possível


comunicar referidas verbas. A jurisprudência também é dividida, sendo comum
encontrar posicionamentos divergentes dentro de um mesmo tribunal, caso de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Regime de Comunhão Universal de


Bens
O regime de comunhão universal de bens era o regime supletivo até a Lei
do Divórcio em dezembro de 1977, que passou a adotar o regime de comunhão
parcial de bens.

A comunhão universal pressupõe a comunhão de todos os bens, presentes


e futuros, inclusive as dívidas (art. 1.667 do CC). Portanto, como regra, todos
os bens pertencem ao casal, incluindo os bens doados ou herdados durante ou
antes do casamento.

Figura 2 –Ilustração partilha de bens

Fonte: A autora.

97
DIREITO DE FAMÍLIA II

Em que pese a regra geral da comunicação quase total dos bens, o artigo
1.668 do CC traz algumas exceções, como se pode observar de sua redação:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:


I - os bens doados ou herdados com a cláusula de
incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro
fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem
de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito
comum;
IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao
outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659 (BRASIL,
2002).

O inciso primeiro excepciona bens doados ou herdados com cláusula


de incomunicabilidade. É exatamente essa cláusula que veda a comunicação
patrimonial. Quando inserida em testamento, a codificação exige justificativa, a
teor do art. 1.848 do CC.

A situação de não comunhão de bens gravados de fideicomisso é lógica


também, uma vez que o instituto é um tipo de substituição testamentária em que o
primeiro herdeiro poderá ser substituído por outro herdeiro (1.951 a 1.960 do CC),
ou seja, o testador elege o fiduciário (primeiro herdeiro) que ficará responsável
pelo bem, já que o fideicomissário (segundo herdeiro) ainda não existe ao tempo
do testamento e abertura da sucessão (BRASIL, 2002).

Consoante redação do art. 1.951 do CC, pode o testador instituir “herdeiros


ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou
legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte,
a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica como
fideicomissário” (BRASIL, 2002).

Assim, o fiduciário terá o dever de entregar o bem ao fideicomissário se ele


vier a existir e se cumprir os eventos previstos para transmissão. Por essa razão,
enquanto o bem permanecer com o fiduciário e ele for casado, referido bem é
incomunicável, já que exerce uma função de intermediação, possuindo
As dívidas apenas uma propriedade resolúvel ou restrita, porquanto a propriedade
como regra são
definitiva restará consolidada nas mãos somente do fideicomissário.
partilháveis, exceto
se provierem
dos aprestos As dívidas como regra são partilháveis, exceto se provierem dos
(preparativos com aprestos (preparativos com o casamento) ou se reverterem em proveito
o casamento) ou comum. Para exemplificar, são incomunicáveis as dívidas “contraídas
se reverterem em para aquisição do imóvel do casal, para a mobília desse imóvel, para
proveito comum o enxoval, para a festa do casamento, entre outras despesas que
interessam a ambos” (TARTUCE, 2017, p. 183).
98
Capítulo 5 REGIME DE BENS

O inciso IV trata das doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao


outro, gravadas com cláusula de incomunicabilidade, sendo uma espécie de desejo
pessoal de que determinado bem permaneça com apenas um dos cônjuges.

O último inciso refere-se aos bens de uso pessoal, livros, instrumentos de


profissão, proventos do trabalho de cada um e pensões em geral, conforme
previsto e comentado no regime de comunhão parcial de bens.

Cabe aqui uma ressalva, novamente, para destacar que a interpretação desse
inciso deve se dar de forma restritiva, sendo considerados como incomunicáveis
apenas os instrumentos de profissão mínimos necessários. Nas palavras de
Madaleno (2016, p. 810):

A avaliação extensiva, inevitavelmente, levaria ao abuso, por


exemplo, daquele médico proprietário de uma clínica com
caros e sofisticados equipamentos, todos eles destinados ao
exercício de sua profissão, como o seriam também os grandes
escritórios de profissionais liberais, como engenheiros,
contadores e advogados, equipados com vastas bibliotecas e
computadores, todos fundamentais à atividade profissional de
seu titular e daqueles que lhe servem por vínculo de trabalho,
diante da infraestrutura atingida com o sucesso e crescimento
da carreira.

Com relação aos proventos, também mais uma vez os doutrinadores tecem
as suas críticas ao inciso, já que o patrimônio da sociedade conjugal é construído
a partir dos recursos de cada cônjuge. Madaleno (2016) chega a chamar de
injusta a previsão legal, justamente no regime de comunhão universal, em que se
comunicam os bens particulares. Alega que teria sido melhor “que o codificador
declarasse comunicáveis os proventos do trabalho ou da indústria dos cônjuges
tanto no regime de comunhão universal como na comunhão limitada de bens, por
se tratar de créditos, sobras ou economias advindas do labor de cada consorte”
(MADALENO, 2016, 811).

Por sua vez, o artigo 1.669 do CC ressalta que os frutos dos


bens enumerados no artigo antecedente são comunicáveis, quando Os frutos dos bens
enumerados no
percebidos ou vencidos durante o casamento. Assim, se a esposa
artigo antecedente
receber do marido um apartamento de doação antes do casamento, são comunicáveis,
com cláusula de incomunicabilidade e este estiver alugado, o valor dos quando percebidos
aluguéis pertencerá aos dois (BRASIL, 2002). ou vencidos durante
o casamento.
As verbas trabalhistas e o FGTS são comunicáveis, segundo
entendimento do STJ, tanto no regime de comunhão parcial, como no regime de
comunhão universal de bens (STJ, Resp 781.384/RS, 4 Turma, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, j. 16.06.2009).
99
DIREITO DE FAMÍLIA II

O artigo 1.670 do CC recomenda que se apliquem ao regime de comunhão


universal de bens as mesmas regras do regime de comunhão parcial, no que
toca à administração dos bens do casal. Portanto, os artigos 1.663, 1.665 e 1.666
aplicam-se também ao regime de comunhão universal (BRASIL, 2002).

Por fim, o artigo 1.671 do CC dispõe que a responsabilidade pessoal de cada


cônjuge para com os credores do outro só encerra quando extinta a comunhão, e
efetuada a divisão do ativo e do passivo conjugal (BRASIL, 2002).

Regime de ParticiPação Final nos


AQuestos
Durante a união O regime de participação final dos aquestos é um regime novo na
vigora o regime Codificação Civil brasileira, vindo a substituir o regime dotal previsto no
de separação Código Civil de 1916. Inspirado na legislação de vários outros países,
total de bens e, como Colômbia, Uruguai, Costa Rica, França, Espanha, encontrou no
após a dissolução, Brasil recepção bastante tímida.
aplicam-se regras
semelhantes
ao regime de Trata-se de regime híbrido, porém com regras próprias. Durante a
comunhão parcial. união vigora o regime de separação total de bens e, após a dissolução,
aplicam-se regras semelhantes ao regime de comunhão parcial.

Encontram-se na doutrina explicações e interpretações distintas acerca de


seu funcionamento. Dúvidas parecem não haver de que durante a união prevalece
a separação patrimonial. No entanto, com a dissolução da união conjugal, distintos
posicionamentos surgem.

Farias e Rosenvald (2017, p. 375) explicam o regime dizendo que “no


instante da dissolução matrimonial (seja por morte ou divórcio), incidem as normas
atinentes à comunhão parcial, comunicando-se os bens adquiridos onerosamente
por cada um durante a constância das núpcias”.

Moraes (2002, p. 353) acrescenta à partilha, além dos bens adquiridos na


constância do casamento, também os bens já existentes antes da união.

Tartuce (2017, p. 187) acrescenta a necessidade de comprovação do esforço


comum, conforme se percebe: “cada cônjuge terá direito a uma participação
daqueles bens para os quais colaborou para a aquisição, devendo provar o
esforço para tanto”.

100
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Chinelato (2004, p. 367-368) anota que haverá ao final, não direito à meação
dos bens, mas participação nos ganhos ou lucros auferidos por um cônjuge
quanto aos seus bens particulares. Para Madaleno (2016, p. 821):

Cuida-se, em realidade, de um regime de separação de bens,


no qual cada consorte tem a livre e independente administração
do seu patrimônio pessoal, dele podendo dispor quando for bem
móvel e necessitando da outorga do cônjuge se imóvel (salvo
dispensa em pacto antenupcial para os bens particulares - CC,
art. 1.656). Apenas na hipótese de ocorrer a dissolução da
sociedade conjugal será verificado o montante dos aquestos
levantados à data de cessação da convivência (CC, art. 1.683)
e entenda-se como convivência fática ou jurídica o que cessar
primeiro, e cada cônjuge participará dos ganhos obtidos pelo
outro a título oneroso na constância do casamento, mas [...]
“não haverá, em momento algum, massa comum de bens”.

Segundo o artigo 1.672 do CC, caberá ao cônjuge, à época da dissolução


da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título
oneroso, na constância do casamento (BRASIL, 2002). O artigo esclarece que só
entram na partilha os bens adquiridos a título oneroso, na constância da união,
prevalecendo o entendimento de que estes bens podem ser tanto os adquiridos
individualmente por cada cônjuge, como também os adquiridos em conjunto.

Essa última afirmação ganha força com o artigo 1.674 do CC, que elenca o
que deverá ficar de fora do montante dos aquestos:

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal,


apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma
dos patrimônios próprios:
I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se
sub-rogaram;
II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou
liberalidade;
III - as dívidas relativas a esses bens.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se
adquiridos durante o casamento os bens móveis (BRASIL,
2002).

Ao longo do casamento, cada um administra livremente seu patrimônio,


podendo dele dispor, mas ao levantar-se o montante dos aquestos, poderá ser
computado o valor das doações feitas sem a necessária autorização do outro (art.
1.675 do CC), assim como será incorporado ao monte o valor dos bens alienados
em detrimento da meação, se não preferir reivindicá-los (BRASIL, 2002).

Grande parte da doutrina defende que o direito à partilha final não será sobre
os bens, mas sobre o saldo patrimonial. Preconiza o art. 1.682 do CC que este
direito não admite renúncia.

101
DIREITO DE FAMÍLIA II

Para exemplificar a situação:

Suponha que no início da relação o marido tem um patrimônio originário de


R$ 1.000.000,00; já no final da união seu patrimônio é de R$ 1.700.000,00; já a
esposa possuía um patrimônio inicial de R$ 500.000,00 e ao término da relação
seu patrimônio totaliza R$ 800.000,00. Considerando que todos os bens foram
adquiridos onerosamente, ela terá direito a R$ 350.000,00 e ele a R$ 150.000,00,
compensando os créditos, ela fará jus à percepção do montante de R$ 200.000.00.

Figura 3 –Ilustração partilha de bens

Antes do Casamento Depois do Casamento

Você ELE/ELA Você ELE/ELA

Novos bens
são divididos
Apenas na
Dissolução

Fonte: A autora.

Com relação às dívidas contraídas após o casamento, somente o cônjuge


que a fez responderá por ela, salvo prova de que reverteu em proveito do casal
(art. 1.677 do CC). Já o artigo 1.686 do CC estabelece que as dívidas de um
dos cônjuges, quando superiores a sua meação, não obrigam ao outro (BRASIL,
2002). Razão pela qual Lôbo (2013) ressalta que o regime de participação final
nos aquestos associa os cônjuges nos ganhos e não nas perdas.

Em geral, a doutrina aponta o regime como um regime complexo, que


deixa muitas dúvidas. É fato que o regime não encontrou muitos adeptos, tendo
pouquíssima aplicação prática.

Regime de SeParação de Bens


O regime de separação convencional de bens é o regime em que não há
comunhão de bens. Cada um possui o seu próprio patrimônio. É o regime mais
simples de todos, tanto que o Código Civil o disciplinou em apenas dois artigos.

É o único regime que dispensa outorga conjugal (art. 1.647 do CC), uma vez
que todo o patrimônio é considerado bem particular, podendo seu titular livremente
administrá-lo, aliená-lo ou gravá-lo de ônus real (art. 1687 do CC).

102
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Figura 4 –Ilustração partilha de bens


Antes do Casamento Depois do Casamento

Você ELE/ELA Você ELE/ELA

Fonte: A autora.

O artigo 1.688 do CC dispõe que apesar da separação patrimonial, ambos os


cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção de
seus rendimentos e bens, salvo estipulação em contrário (BRASIL, 2002).

Neste regime, nada impede que o casal crie comunhão patrimonial, para
tanto, em se tratando de bens imóveis, basta registrá-los em nome de ambos,
criando um condomínio. Se, contudo, esse cuidado não foi tomado, é preciso
provar o esforço comum. É o que se percebe do julgado do STJ:

O regime jurídico da separação de bens voluntariamente


estabelecido é imutável e deve ser observado, admitindo-se,
todavia, excepcionalmente, a participação patrimonial de um
cônjuge sobre bem do outro, se efetivamente demonstrada, de
modo concreto, a aquisição patrimonial pelo esforço comum,
caso dos autos, em que uma das fazendas foi comprada
mediante permuta com cabeças de gado que pertenciam ao
casal (Resp, 286.514/SP, 4 Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho
Junior, j. 02.08.2007).

Não seria admissível a não permissão de comunicação patrimonial, quando


há, de fato, a participação do outro na aquisição, reforma ou melhoramentos de
bens. Isso infringiria, inclusive, a prática que veda o enriquecimento sem causa.

A seguir será tratado do regime de separação obrigatório, que é imposto em


determinadas situações, não sendo de livre escolha do casal.

Regime de SeParação OBrigatÓria de


Bens
O regime de separação obrigatória de bens, previsto pelo art. 1.641 do CC, é
imposto pela lei, em três hipóteses distintas, a saber:

103
DIREITO DE FAMÍLIA II

I- das pessoas que contraírem o casamento com inobservância


das causas suspensivas da celebração do casamento;
II- da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III- de todos os que dependerem, para casar, de suprimento
judicial (BRASIL, 2002).

Os argumentos para Os argumentos para a restrição giram em torno da proteção dos


a restrição giram em cônjuges ou até mesmo como forma de sanção. A primeira situação
torno da proteção descrita pelo artigo que abrange as causas suspensivas é caso
dos cônjuges ou até
típico de sanção para evitar confusão patrimonial. Já as outras duas
mesmo como forma
de sanção. situações geram muitas controvérsias.

No inciso I, conforme anotado, o objetivo é evitar confusão patrimonial para


quem decide se casar com a inobservância das causas suspensivas, previstas no
art. 1.523 do CC. É o caso da viúva que pretende se casar novamente, sem ter
feito o inventário e partilhado os bens do falecido marido; ou da pessoa divorciada,
que ainda não fez a partilha dos bens.

Em ambos os casos, antes de resolver as questões patrimoniais, o casamento


só é possível se o regime for o da separação obrigatória, sendo nula a eleição de
qualquer outro regime.

O inciso III envolve a proteção dos incapazes. O Código Civil permite o


casamento aos que possuem entre 16 anos e 18 anos, mediante autorização
dos pais, garantida a liberdade de escolha do regime. No entanto, quando há
necessidade de suprimento judicial, diante da negativa dos pais, ou de menores
de 16 anos em caso de gravidez, há imposição do regime de separação obrigatória
de bens.

A preocupação do legislador parece ter nítido caráter de proteção patrimonial.


Contudo, desde a edição do Código Civil de 2002, é possível ao casal requerer
judicialmente a alteração do regime, caso queiram, após atingida a maioridade,
minorando, desta forma, os efeitos da imposição legal, em que pese toda a
burocracia exigida para a modificação.

O caso mais controvertido do regime é do inciso II, que se dá


pela limitação da idade máxima para escolha do regime, que já foi de
50 anos para mulheres e 60 anos para homens, no Código de 1916,
igualando para 60 anos, no Código de 2002, alterado em 2010, para
70 anos.

104
Capítulo 5 REGIME DE BENS

A principal alegação para a previsão legal é a intenção de


proteger o patrimônio do idoso e de sua família de possíveis golpes
do baú (CARVALHO, 2015, p. 290).

Analisando com atenção o inciso II, parece a restrição partir de


pelo menos três pressupostos: a) existência de patrimônio do maior
de 70 anos; b) suposição de evidente má-fé do outro cônjuge e c)
redução de capacidade do septuagenário.

O primeiro deles é rebatido por Gagliano e Pamplona Filho


(2016, p. 325), que aduzem que, se assim o fosse, “essa risível
justificativa resguardaria, em uma elitista perspectiva legal, uma
pequena parcela de pessoa abastadas, apenando, em contrapartida,
um número muito maior de brasileiros”.

O segundo pressuposto parte da presunção da má-fé do outro


nubente, o que se entende descabido, já que o contrário deveria ser
tutelado. Ora, na dúvida, a prioridade deve ser a presunção da boa-
fé, cabendo, na análise do caso concreto, a prova da má-fé, sob pena
de se subverter a lógica imposta pelo próprio Código Civil, pautado
na exigibilidade de conduta entre as partes segundo os critérios de
lealdade e confiança.

Se o medo é efetivamente o golpe do baú, deveriam todos os


casamentos sofrerem a limitação do regime, pois casamentos por
interesse não são exclusivos dos maiores de 70 anos.

Com a finalidade de revidar o terceiro argumento, importa trazer


a lume o regime de capacidade, construção jurídica em que se elegem
regras e restrições, para distinguir quem pode ser considerado apto a
exercer, por si só, os atos da vida civil.

Por sua vez, o estabelecimento de diferentes hipóteses de


incapacidade leva em consideração a presença “de limitações ao
livre exercício da plena aptidão para praticar atos jurídicos” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017b, p. 334). Tais restrições devem ter razões
justificáveis e ser sempre previstas em caráter excepcional.

Atento a isso e, em razão da nova ordem de valores, o


ordenamento jurídico brasileiro recentemente revisitou o tema
e reformulou o regime de incapacidades, buscando garantir a
inclusão do sujeito com deficiência, preservando a sua autonomia
e assegurando o exercício de todos os direitos e liberdades (Lei
13.146/15 - Estatuto da Pessoa com Deficiência).

105
DIREITO DE FAMÍLIA II

Em outras palavras, a alteração de cunho humanista prioriza o


sujeito, traz uma noção mais personalizada da deficiência, provoca
a ampliação das formas de proteção, ao mesmo tempo em que
reduz as situações limitadoras. Passa, então, o sujeito portador de
deficiência a ser considerado como capaz, até que se comprove a
existência de alguma limitação que lhe reduza a capacidade.

Transportados estes conhecimentos à restrição etária, impositiva


do regime de separação obrigatória, percebe-se que o legislador
presume, como regra, o maior de 70 anos como alguém incapaz de
eleger o seu próprio regime de casamento.

Farias e Rosenvald (2017 p. 310-311) assim se posicionam:

Sem dúvida, é um absurdo caso de presunção absoluta de


incapacidade decorrente da senilidade, afrontando os direitos
e garantias constitucionais; violando, ainda, a dignidade do
titular e razoabilidade entre a finalidade almejada pela norma
e valores por ela comprometidos. Trata-se de uma indevida e
injustificada interdição compulsória parcial, para fins nupciais.

Madaleno (2005, p. 190-191), sobre a regra proibitiva,


manifesta-se no sentido de que ninguém pode ser discriminado em
razão do sexo ou da idade, como se fossem causas naturais de
incapacidade civil, até mesmo porque fere os princípios da igualdade
e da liberdade.

A razão do tratamento restritivo, conforme já dito, parece


pressupor como regra a vulnerabilidade do idoso, protegendo seu
provável patrimônio. Porém, questiona-se se a vulnerabilidade no
caminho da harmonização de interesses é critério hábil a ponto de
servir como elemento de restrição e diferenciação?

Parece desarrazoado e discriminatório o dispositivo 1647, II, do


Código Civil, que reduz a autonomia do idoso como sujeito, “em nítida
violação aos princípios constitucionais”, além de estabelecer uma
restrição que a própria Constituição não fez (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 335).

Fonte: A autora.

106
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Ora, estabelecer uma regra restritiva em razão da idade máxima Estabelecer uma
regra restritiva
despreza não só a singularidade dos sujeitos, como fere o princípio da
em razão da
igualdade, importando em preconceito e desrespeito ao idoso, além de idade máxima
construir histórias de exclusão da cidadania (PEREIRA, 2010). despreza não só
a singularidade
Ademais, a regra cria a desarrazoada situação de não permitir ao dos sujeitos, como
septuagenário a livre escolha do regime de bens de seu casamento, em fere o princípio
da igualdade,
prol ou em detrimento de seu par eleito. Em contrapartida, o autoriza
importando em
a dar continuidade à frente de seus negócios, a integrar a Câmara preconceito e
de Deputados, do Senado Federal, ou a concorrer à Presidência da desrespeito ao
República e gerenciar toda uma nação. idoso, além de
construir histórias
Não se desconsidera o fato de que, efetivamente, possa o idoso de exclusão da
cidadania.
estar com a sua capacidade de discernimento comprometida, devendo,
neste caso, a família tomar as providências cabíveis para a restrição legal de seus
atos. Do contrário, não há razões para impedi-lo de livremente optar pelo modelo
de regime que considera mais adequado.

Se o casamento lhe é permitido, as normas patrimoniais a reger a sua


relação, como regra, não deveriam sofrer ingerências desnecessárias. Até porque,
é cediço que a intervenção estatal no Direito das Famílias deve ser mínima,
prevalecendo a autonomia privada, na busca por tornar cada vez mais limitadas
as imposições e moldes, em geral invasivos.

Somente se justificam as regras interventivas quando excepcionalmente


servirem como meios de garantia de realização existencial ou de proteção de seus
membros. Caso contrário, devem ser consideradas como indevidas, tendo em
vista que a nova roupagem adquirida pelas relações familiares não mais aceita as
ingerências estatais desmedidas.
Enunciado nº 125
da I Jornada de
O Enunciado nº 125 da I Jornada de Direito Civil, da CJF, propõe
Direito Civil, da CJF,
a revogação da norma, por entender ser ela inconstitucional e propõe a revogação
preconceituosa, posicionamento seguido por grande parte da doutrina. da norma, por
Nos tribunais também se encontram julgados, entendendo pela entender ser ela
inconstitucionalidade do inciso II do art. 1.641 do CC (TJRS, 7 Câmara inconstitucional e
Civil, AC 700004348769, 2003, Rel. Maria Berenice Dias; TJSP, AC preconceituosa,
posicionamento
0075124/2-00, 2 Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cezar Peluso, 98).
seguido por grande
parte da doutrina.
(IN) aplicação do regime de separação obrigatória à união
estável: se a previsão legal em discussão suscita grandes divergências, afirmando
vários autores de que a norma é inconstitucional, longe está de ser pacífica a sua
aplicação aos casos de união estável.

107
DIREITO DE FAMÍLIA II

Não há previsão
expressa da Não há previsão expressa da incidência do regime de separação
incidência do regime obrigatória de bens à união estável, instituto marcado pela informalidade.
de separação Gagliano e Pamplona Filho (2016, p. 324) manifestam-se no sentido
obrigatória de bens de incompleta impossibilidade de extensão da restrição ao instituto da
à união estável. união estável, em razão de traduzir limitação à autonomia privada, não
comportando qualquer interpretação ampliativa, extensiva ou analógica.
Já o Superior
Tribunal de Justiça Já o Superior Tribunal de Justiça (2017) vem entendendo pela
(2017) vem aplicação da regra, de modo a não criar distinções em relação ao
entendendo pela casamento (STJ, AREsp 252676, Min. Rel. Antônio Carlos Ferreira,
aplicação da regra,
publicado em 24/03/2017; Resp 1341784, Min. Rel. Luis Filipe Salomão,
de modo a não
criar distinções publicado em 09/08/2016).
em relação ao
casamento. Outra discussão digna de registro envolve a aplicabilidade do
regime obrigatório aos casamentos precedidos de união estável. Veloso
Outra discussão (1997) e Farias e Rosenvald (2017) engrossam o coro dos doutrinadores
digna de registro que defendem que deve ser excepcionada a imposição prevista no art.
envolve a 1.641, II do CC, nas situações em que o casamento seja precedido de
aplicabilidade do
união estável, iniciada com idade inferior a 70 anos.
regime obrigatório
aos casamentos
precedidos de união Nesse sentido, o enunciado 261, da IV Jornada de Direito Civil, foi
estável. assim ementado: “Art. 1.641: a obrigatoriedade do regime da separação
de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o
“Art. 1.641: a casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade”
obrigatoriedade (BRASIL, 2002).
do regime da
separação de O Tribunal de Justiça de Santa Catarina autorizou a alteração do
bens não se
regime de bens, em caso de casamento precedido de união estável,
aplica a pessoa
maior de sessenta conforme se observa da ementa a seguir:
anos, quando o
casamento for APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO
VOLUNTÁRIA – MODIFICAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL
precedido de união
DE BENS - SENTENÇA QUE DECLAROU EXTINTO O
estável iniciada PROCESSO POR AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA
antes dessa idade”. AÇÃO - LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA PLEITEAR
A RESPECTIVA ALTERAÇÃO, QUE ENCONTRARIA
RESPALDO NO ART. 1.639, § 2°, DO CC - MATRIMÔNIO
CONTRAÍDO QUANDO OS INSURGENTES POSSUÍAM
MAIS DE 60 (SESSENTA) ANOS DE IDADE - SEPARAÇÃO
OBRIGATÓRIA DE BENS - PRETENDIDA MODIFICAÇÃO
PARA O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL -
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL E
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONCLUSÃO DE QUE
A IMPOSIÇÃO DE REGIME DE BENS AOS IDOSOS SE
REVELA INCONSTITUCIONAL - AFRONTA AO PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - LEGISLAÇÃO
QUE, CONQUANTO REVESTIDA DE ALEGADO CARÁTER

108
Capítulo 5 REGIME DE BENS

PROTECIONISTA, MOSTRA-SE DISCRIMINATÓRIA -


TRATAMENTO DIFERENCIADO EM RAZÃO DE IDADE -
MATURIDADE QUE, PER SE, NÃO ACARRETA PRESUNÇÃO
DA AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA
DOS ATOS DA VIDA CIVIL - NUBENTES PLENAMENTE
CAPAZES PARA DISPOR DE SEU PATRIMÔNIO COMUM
E PARTICULAR, ASSIM COMO PARA ELEGER O REGIME
DE BENS QUE MELHOR ATENDER AOS INTERESSES
POSTOS - NECESSIDADE DE INTERPRETAR A LEI DE
MODO MAIS JUSTO E HUMANO, DE ACORDO COM
OS ANSEIOS DA MODERNA SOCIEDADE, QUE NÃO
MAIS SE IDENTIFICA COM O ARCAICO RIGORISMO
QUE PREVALECIA POR OCASIÃO DA VIGÊNCIA DO
CC/1916, QUE AUTOMATICAMENTE LIMITAVA A VONTADE
DOS NUBENTES SEXAGENÁRIOS E DAS NOIVAS
QUINQUAGENÁRIAS - ENUNCIADO N° 261, APROVADO
NA III JORNADA DE DIREITO CIVIL, QUE ESTABELECE
QUE A OBRIGATORIEDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO
DE BENS NÃO SE APLICA QUANDO O CASAMENTO É
PRECEDIDO DE UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE
OS CÔNJUGES COMPLETAREM 60 (SESSENTA) ANOS
DE IDADE - HIPÓTESE DOS AUTOS (AC 2011.057535-0
Relator: Luiz Fernando Boller; Quarta Câmara de Direito Civil;
julgado em: 01/12/2011, grifo nosso).

O STJ, em 2016, também já se manifestou no sentido de autorizar casamento


sem a adoção do regime de separação obrigatória (STJ, Resp, 1318282, Min. Rel.
Maria Isabel Gallotti, publicado em 07/12/2016).

Diante do exposto, percebe-se que a discussão envolvendo o regime


obrigatório ainda está envolta em muitas discussões e divergências, caso da
Súmula 377 do STF, objeto do item a seguir tratado.

Súmula 377 do STF:

O Código Civil de 1916, priorizando a comunhão de bens,


trazia a seguinte previsão legal: “Art. 259. Embora o regime não seja
o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os
princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância
do casamento”.

O dispositivo, conforme se observa, determinava a comunhão


dos aquestos, nas situações em que o pacto antenupcial não os
excluísse expressamente, ou seja, embora eleito o regime de
separação, não se aplicava a incomunicabilidade dos bens adquiridos
na constância do casamento, a título oneroso.

109
DIREITO DE FAMÍLIA II

As divergências quanto à aplicabilidade do previsto no caput


do art. 259, ao regime obrigatório, foi a razão principal da edição da
Súmula 377, pelo Supremo Tribunal Federal, em abril de 1964.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, surge o debate


sobre a produção de efeitos da Súmula 377, uma vez que não há
mais dispositivo correspondente ao antigo 259 do Código anterior.
Resolvida está a questão em relação ao regime de separação
convencional, que não mais prevê qualquer comunicabilidade
patrimonial, exceto quando as partes assim desejarem.

Com relação ao regime de separação obrigatória, a doutrina


e os Tribunais divergem desde então. Vários doutrinadores
defendem a revogação da Súmula, caso de Francisco José Cahali,
que se manifesta nos seguintes termos: “ao deixar o novo Código
de reproduzir a nefasta disposição que se continha no art. 259 do
Código revogado, a Súmula 377 do STF, originada na interpretação
daquela previsão, deixará de ter aplicação”.

Segue justificando que a partir do novo Código, o regime de


separação obrigatória passa a ser um regime de efetiva separação
patrimonial, com a exceção dos bens adquiridos mediante
comprovado esforço comum dos cônjuges, decorrendo daí uma
sociedade de fato sobre o patrimônio, que justificaria a partilha
quando da dissolução.

Colocações no sentido de que uma vez revogada a lei, estaria


a Súmula automaticamente também revogada, não parece aqui
ser aplicável e nem ter resolução tão simplória, até porque, os que
defendem a aplicabilidade da Súmula pautam-se num argumento
importante e consistente que resulta da análise do Projeto do Código
Civil, que teria como redação o seguinte teor: “É obrigatório o regime
da separação de bens no casamento, sem a comunhão de aquestos”.

Ocorre que a Câmara dos Deputados retirou a última parte, sob


o fundamento de que os aquestos devem se comunicar, conforme
teor da Súmula 377, “em exegese que se afeiçoa à evolução do
pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa (...)”.

A justificativa é bem clara no sentido da continuidade de


aplicação da Súmula, constando de forma expressa a vontade dos
legisladores, quando da decisão de retirada do texto que previa a
incomunicabilidade dos aquestos.

110
Capítulo 5 REGIME DE BENS

O enriquecimento sem causa acabou virando o principal


argumento tanto para os defensores, entre eles Rolf Madaleno e
Flávio Tartuce, quanto para os que se manifestam contrariamente à
manutenção da Súmula, caso de José Simão e Mário Delgado.

Na jurisprudência parece prevalecer o entendimento de


aplicação da Súmula 377 do STF, que culmina por transformar o
regime de separação obrigatório, em espécie de regime de comunhão
parcial.

Fonte: A autora.

Outra questão polêmica sobre a aplicabilidade da Súmula diz respeito à


necessidade da prova do esforço comum, se presumida ou não. A doutrina e a
jurisprudência são bastante controvertidas acerca do assunto.

Julgados do STJ no sentido da necessidade da prova do esforço comum:


STJ, Resp 646.259/RS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão. J. 22.06.2010; Resp
123.633/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr, j. 17.03.09. Julgados do STJ pela
desnecessidade da prova de esforço comum: Resp 1.090.722, Rel. Min. Massami
Uyeda, j. 02.03.10; Resp 1.008.684/RJ, Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 24.04.12.

Em que pese as divergências, atualmente parece prevalecer a tese no STJ,


que afasta a necessidade da prova do esforço comum.

Por fim, ainda envolvendo a aplicação da Súmula, em 2016


surgiu outro debate intrigante, qual seja a possibilidade ou não de
afastamento da Súmula por meio de pacto antenupcial nos casos
dos cônjuges que sofrem a imposição do regime da separação
obrigatória de bens.

Zeno Veloso lançou a dúvida entendendo possível o afastamento


sumular, por não ser conteúdo de ordem pública, seguido por outros
civilistas como Flávio Tartuce, Mário Delgado e José Simão, por
acreditarem ser um correto exercício da autonomia privada, que só
amplia o regime de separação obrigatória, já que nada do patrimônio
será partilhado, sendo uma verdadeira separação total de bens.

111
DIREITO DE FAMÍLIA II

Para aprofundar este último ponto, pesquise:


VELOSO, Zeno. Casal quer afastar a Súmula 377. [s.d.].
Disponível em: <flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/333986024/
casal-quer-afastar-a-sumula-377-artigo-de-zeno-velozo>.Acesso em:
25 jun. 2018.

Com isso, encerra-se regime de bens e como conteúdo de fixação sugere-se


uma atividade de partilha.

Atividade de Estudos:

1) Analise a situação a seguir:

Maria Luiza Siqueira e Alberto de Albuquerque casaram-se em


maio de 2006. Maria Luiza possuía um veículo ao casar no valor de
R$ 50.000,00. Alberto possuía um veículo também no valor de R$
50.000,00, além de um imóvel no valor de R$ 150.000,00. Durante a
união, Maria Luiza recebeu uma herança no valor de R$ 100.000,00.
O casal adquiriu durante o casamento um imóvel no valor de R$
300.000,00. Alberto, que sempre jogava na loteria, ganhou no
último final de ano um prêmio de R$ 500.000,00, que investiu em
uma lancha de R$ 250.000,00, além de outro imóvel no valor de R$
250.000,00. Há dois meses, o casal decidiu terminar a união.

Diante do enunciado, elabore a divisão patrimonial, conforme as


regras do regime de comunhão parcial de bens prevista no Código Civil,
identificando os bens particulares de cada cônjuge e os bens comuns.
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_______________________________________________________
_______________________________________________________
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_______________________________________________________
_______________________________________________________

112
Capítulo 5 REGIME DE BENS

Sobre afeto e patrimônio no Direito de Família, pesquise:


GHILARDI, Dóris. Economia do afeto: análise econômica aplicada
ao Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

Algumas ConsideraçÕes
Este capítulo tratou da parte patrimonial das relações familiares. Sempre que
um casal decidir se casar ou viver em união estável, deverá eleger um regime de
bens que regerá o patrimônio do casal, estabelecendo regras para a partilha de
bens em caso de divórcio, dissolução de união estável ou morte.

O regime de bens também importa para as negociações patrimoniais ao


longo do casamento com relação a terceiros, em caso de alienação ou oneração
real, se há ou não necessidade de autorização do outro cônjuge.

Com efeito, a escolha do regime deveria ser realizada pelo casal de forma
a eleger o regime mais adequado para a realidade de cada casal, levando em
consideração as convicções, o patrimônio, a profissão, entre outros aspectos.
A confecção consciente do pacto antenupcial poderia evitar muitos problemas
futuros entre o casal.

A união conjugal é uma comunhão de afetos, mas também de interesses e


patrimônio. O aspecto patrimonial é inerente às relações de casamento e união
estável. Regimes de comunhão ou de separação não significam mais ou menos
afeto, apenas uma decisão para reger os bens e dívidas do casal.

Vistos todos os regimes e suas regras específicas, percebe-se que a maior


polêmica reside no regime imposto pelo legislador, o regime de separação
obrigatória, principalmente o inciso II, do art. 1.641 do CC e a Súmula 377 do STF.
Buscando esclarecer as dúvidas de maior relevância, espero que o material tenha
contribuído para o aprendizado não só teórico, mas também prático.

113
DIREITO DE FAMÍLIA II

ReferÊncias
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Di-
sponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 13.010, de 23 de junho 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13010.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei 12.962, de 8 de abril de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

______. Lei nº 12.013, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12013.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

CAHALI, Francisco José. A súmula 377 e o novo Código Civil e a mutabilidade


do regime de bens. ANO. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/
artigosc/Cahali_s377.doc>. Acesso em: 27 jun. 2018.

CARVALHO, Dimas de Messias. Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2015.

114
Capítulo 5 REGIME DE BENS

CHINELATO, Silmara Juny. Comentários aos artigos do Código Civil. AZEVE-


DO, Antônio Junqueira (coord.) Comentários ao Código Civil. Parte Especial do
Direito de Famíia. São Paulo: Saraiva, 2004.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte


geral e LINDB. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2017a.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Família. Salvador: Jus Podivm,


2017b.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Curso de Direito de


Família. São Paulo: Saraiva, 2016.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges. In: PEREIRA, Rodrigo


da Cunha. Direito de família e novo Código Civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2005.

MORAES, Bianca Mota de. Comentário ao art. 1.672 do Código Civil. In: LEITE,
Heloísa Maria Daltro (Coord.). O novo Código Civil do Direito de Família. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2002.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

VELOSO, Zeno. Regimes Matrimoniais de Bens. In: PEREIRA. Rodrigo da Cunha


(coordenador). Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey,
1997.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. TJSC. AC 2011.057535-0


Relator: Luiz Fernando Boller; Quarta Câmara de Direito Civil; julgado
em: 01/12/2011.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ, AREsp 252676, Min. Rel. Antônio Car-
los Ferreira, publicado em 24/03/2017.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ Resp 1341784, Min. Rel. Luis Filipe
Salomão, publicado em 09/08/2016.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ. Resp, 286.514/SP, 4 Turma, Rel. Min.


Aldir Passarinho Junior, j. 02.08.2007).

115
DIREITO DE FAMÍLIA II

116
C APÍTULO 6
Do Usufruto e da Administração dos
Bens dos Filhos Menores

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o instituto chamado de usufruto legal e as situações em que se


aplica, diferenciando-o do usufruto convencional.

 Verificar a extensão e limites dos poderes de administração conferido aos pais


sobre os bens dos filhos menores.
DIREITO DE FAMÍLIA II

118
Capítulo 6 DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS
FILHOS MENORES

ConteXtualiZação
Este capítulo tratará sobre o exercício do usufruto e da administração dos
bens pertencentes aos filhos menores, dos limites impostos pela legislação, bem
como das consequências em caso de divergência de interesses entre pais e filhos.

No Código Civil de 1916, este tema estava tratado juntamente ao pátrio poder
(atual poder familiar). No Código Civil de 2002, a matéria foi deslocada. O Livro de
Direito de Família foi estruturado em duas partes: primeiro trata sobre os direitos
pessoais e depois sobre os direitos patrimoniais.

EXercício do Usufruto e da
Administração
Usufruto é instituto de direito real, consistente no poder de usufruir da coisa,
podendo beneficiar-se dos frutos que a coisa produz, sendo constituído por meio
de registro público.

Contudo, o usufruto aqui tratado é uma exceção, já que tem previsão


legal e constitui-se pelo simples preenchimento dos seguintes requisitos: a)
filhos menores; b) existência de patrimônio em nome desses filhos; c) pais no
exercício do poder familiar. Com isso, os pais são automaticamente considerados
usufrutuários e administradores dos bens.
Tanto o pai como
a mãe exercem
Tanto o pai como a mãe exercem referidas funções em igualdade referidas funções
de condições, desde que estejam no exercício do poder familiar. em igualdade de
Portanto, os pais devem decidir em comum as questões relativas aos condições, desde
filhos e a seus bens; em caso de divergência, poderá qualquer deles que estejam no
exercício do poder
recorrer ao juiz para a solução necessária.
familiar.

Outrossim, compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, representar


os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a
maioridade ou serem emancipados (art. 1.690).

Por todas essas razões, caso os filhos venham a titularizar a propriedade de


bens, que normalmente são adquiridos por doações dos próprios pais aos filhos,
ou decorrentes de direito de herança dos pais ou dos avós aos menores, os pais
automaticamente serão responsáveis pela gerência. Há de se acrescentar que
nada impede, todavia, que a aquisição se dê de qualquer outro modo.

119
DIREITO DE FAMÍLIA II

Além da administração dos bens dos filhos menores, os pais,


Além da
segundo redação do art. 1.689, inc. I, podem reter os rendimentos
administração dos
bens dos filhos dos filhos, ficando ainda dispensados de prestar contas. A justificativa
menores, os pais, para os pais poderem usufruir dos rendimentos dos bens dos filhos
segundo redação é apontada por Pereira (2004, p. 242-243), pelo fato do usufruto
do art. 1.689, inc. compensar os pais pelos encargos decorrentes do exercício do poder
I, podem reter os familiar. A lei permite que usufruam, mas se os pais preferirem, podem
rendimentos dos
conservá-los ou reinvestir os rendimentos em nome dos filhos.
filhos, ficando ainda
dispensados de
prestar contas. O que deve estar claro é que os pais somente estão autorizados
a utilizarem os frutos para compensarem com as despesas geradas
pelos filhos, ou seja, o dinheiro deve ser empregado com os próprios filhos, com
despesas de criação e educação.

Nas palavras de Peluzo (2013, p. 1.914), as rendas geradas pelos bens dos
infantes “compensam-se com as despesas que o pai deve efetuar com a criação
e a educação dos filhos e harmonizam-se com a ideia de que se trata de uma
comunidade doméstica, em que há compartilhamento de receita e despesas”.

Atos Que UltraPassam a SimPles


Administração
O Código Civil estabelece alguns limites aos pais, que não podem
O Código Civil
alienar, ou gravar de ônus real (hipoteca) os imóveis dos filhos, nem
estabelece alguns
limites aos pais, contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da
que não podem simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da
alienar, ou gravar de prole, mediante prévia autorização do juiz (art. 1.691 do CC).
ônus real (hipoteca)
os imóveis dos Caso os pais desrespeitem a regra prevista no art. 1.691 do
filhos, nem contrair,
Código Civil, excedendo seu poder de mera administração, seus atos
em nome deles,
obrigações que são considerados nulos, podendo alegá-los os filhos, herdeiros ou por
ultrapassem os representante legal, consoante parágrafo único do mesmo dispositivo.
limites da simples
administração. Madaleno (2016, p. 873) afirma que a “administração visa
unicamente à preservação dos bens e interesses econômicos da prole,
enquanto ela for menor e incapaz, sem importarem na diminuição do patrimônio dos
filhos, impondo, compreensivelmente, restrições ao poder de disposição dos pais”.

Muitas vezes, os pais registram os bens em nome dos filhos e se esquecem


de que, com isso, estão tornando os bens, como regra, inalienáveis, pelo menos
até que atinjam a maioridade. No entanto, a regra é protetiva e visa salvaguardar
o patrimônio dos menores.
120
Capítulo 6 DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS
FILHOS MENORES

A permissão de venda ou de gravar de ônus reais os imóveis dos filhos


somente é possível por ordem judicial, se comprovada necessidade ou evidente
interesse da prole. Exemplo de necessidade poderia ser o acometimento do filho
de grave doença, com tratamento dispendioso, não tendo os pais condições de
pagar o tratamento com recursos próprios.

Como exemplo de evidente interesse, poderia ser citado o caso do bem


do menor que venha sofrendo deterioração ou desvalorização, e surja uma
interessante proposta de permuta, com outro bem em área mais valorizada ou
com proposta de edificação, com chances reais de trazer rendimento ao menor.

Conflitos de Interesses e Bens


EXcluídos do Usufruto
Por fim, caso
Por fim, caso ocorra colidência de interesses entre pais e filho, a ocorra colidência
requerimento deste ou do Ministério Público o juiz dará curador especial, de interesses
que se encarregará da defesa dos interesses do menor. A função de entre pais e filho, a
curador será exercida por advogado nomeado pelo juiz, incumbindo a requerimento deste
tarefa em geral aos membros da Defensoria Pública, conforme previsão ou do Ministério
Público o juiz dará
da Lei Complementar nº 80/94.
curador especial.

De acordo com redação do artigo 1.693 do Código Civil, excluem-


se do usufruto e da administração dos pais:

I) Os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do


reconhecimento.
II) Os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de
atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos.
III) Os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem
usufruídos, ou administrados pelos pais.
IV) Os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem
excluídos da sucessão.

Como regra, todos os bens dos filhos menores encontram-se sob a


administração e usufruto dos pais, exceto o rol acima apresentado. Portanto,
está excluído de referido exercício o pai que não reconheceu filho havido fora
do casamento. Não teria sentido a lei atribuir a suposto pai a administração de
bens de um filho que sequer foi reconhecido como tal. A finalidade do usufruto
e administração não é beneficiar os pais, mas, sim, assegurar o patrimônio dos
filhos, enquanto não tenham capacidade para isso.

121
DIREITO DE FAMÍLIA II

A segunda hipótese trata da exclusão da administração dos pais, de bens


adquiridos pelo próprio filho, com recursos deste. Ora, se o filho maior de 16 anos
já estiver empregado e recebendo dinheiro suficiente para adquirir bens, também
será considerado responsável pela administração de referido patrimônio, ainda
que sob a supervisão dos pais.

A doação feita aos menores também pode conter cláusula desautorizando os


pais a exercerem a administração de referidos bens. O doador pode muito bem
ter motivos para não querer que os pais sejam usufrutuários ou administradores,
afastando-os da gerência e nomeando outros parentes ou pessoas de confiança
para exercerem a função.

Pode ainda ser excluído apenas um dos pais ou excluídos de apenas uma
das funções, como somente da administração ou somente do usufruto. Trata-se
de um ato de autonomia privado do doador em benefício do patrimônio doado.

Por último, o inciso IV do art. 1.693 do Código Civil exclui da administração


os pais que foram excluídos da sucessão por deserdação ou indignidade (arts.
1.814, 1.961 e 1.962 do CC). Tanto na deserdação quanto na indignidade, os
filhos são excluídos da sucessão, o que não impede os netos de receberem a
cota que aos pais caberia. Não teria sentido excluir os pais, mas mantê-los como
administradores ou usufrutuários de tais bens.

Vistas todas as regras patrimoniais acerca da administração e usufruto dos


bens dos filhos menores, cabe ainda dizer que referidas funções terminam com
a extinção do poder familiar. A suspensão do poder familiar também é causa de
impedimento de exercício de administração e usufruto.

Atividade de Estudos:

1) Como atividade propõem-se a leitura de um interessante acórdão


na íntegra, julgado recentemente pelo STJ, tendo como relator o
Ministro Marco Aurélio Bellize, na Resp 1623098, de 23/03/2018,
como uma exceção do dever dos pais de prestarem contas
enquanto na administração e usufruto dos bens dos filhos.

Em tese, os pais podem utilizar os frutos gerados pelos bens


dos filhos, para compensarem com as despesas advindas da
criação e educação dos menores. Entretanto, sempre em prol

122
Capítulo 6 DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS
FILHOS MENORES

destes. Se comprovado que o dinheiro não foi empregado com os


filhos, poderá configurar abuso de direito.

Sobre esse assunto, segue a ementa. Se possível, ler o


acórdão todo disponível na página do Superior Tribunal de
Justiça.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE


CONTAS. DEMANDA AJUIZADA PELO FILHO EM DESFAVOR
DA MÃE, REFERENTE À ADMINISTRAÇÃO DE SEUS BENS,
POR OCASIÃO DE SUA MENORIDADE (CC, ART. 1.689, I E II).
CAUSA DE PEDIR FUNDADA EM ABUSO DE DIREITO. PEDIDO
JURIDICAMENTE POSSÍVEL. CARÁTER EXCEPCIONAL.
INVIABILIDADE DE RESTRIÇÃO DO ACESSO AO JUDICIÁRIO.
RECURSO DESPROVIDO.

1. A questão controvertida neste feito consiste em saber se, à luz do


CPC/1973, o pedido formulado pelo autor, ora recorrido, de exigir
prestação de contas de sua mãe, na condição de administradora
de seus bens por ocasião de sua menoridade, é juridicamente
possível.

2. O pedido é juridicamente possível quando a pretensão deduzida


se revelar compatível com o ordenamento jurídico, seja por existir
dispositivo legal que o ampare, seja por não encontrar vedação
legal. Precedente.

3. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são


usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm
a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade,
nos termos do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil.

4. Por essa razão, em regra, não existe o dever de prestar contas


acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor,
durante o exercício do poder familiar, porquanto há presunção
de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a
manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de
moradia, alimentação, saúde, vestuário, educação, entre outros.

5. Ocorre que esse munus deve ser exercido sempre visando


atender ao princípio do melhor interesse do menor, introduzido
em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção
integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual

123
DIREITO DE FAMÍLIA II

deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da


norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional
aos seus contornos. Assim, o fato de os pais serem usufrutuários
e administradores dos bens dos filhos menores, em razão do
poder familiar, não lhes confere liberdade total para utilizar, como
quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes
pertence.

6. Partindo-se da premissa de que o poder dos pais, com relação


ao usufruto e à administração dos bens de filhos menores, não é
absoluto, deve-se permitir, em caráter excepcional, o ajuizamento
de ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de
pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício
desse poder, como ocorrido na espécie.

7. Com efeito, inviabilizar, de plano, o ajuizamento de ação de


prestação de contas nesse tipo de situação, sob o fundamento de
impossibilidade jurídica do pedido para toda e qualquer hipótese,
acabaria por cercear o direito do filho de questionar judicialmente
eventual abuso de direito de seus pais, no exercício dos encargos
previstos no art. 1.689 do Código Civil, contrariando a própria
finalidade da norma em comento (preservação dos interesses do
menor).

8. Recurso especial desprovido.

Por qual motivo, no julgado destacado, o STJ entendeu ser


um caso que permitiria o pedido do filho de prestação de contas?
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124
Capítulo 6 DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS
FILHOS MENORES

Algumas ConsideraçÕes
Este capítulo tratou da questão patrimonial dos bens dos filhos, observando-
se caber aos pais detentores do poder familiar, também a administração e o
usufruto do patrimônio pertencente aos menores. Como se trata de um ônus aos
pais para proteger os bens dos filhos, fica vedada a alienação e oneração real,
salvo quando houver comprovada necessidade ou evidente interesse da prole,
com autorização judicial, sob pena de nulidade. O único benefício aos pais é
poder usufruir dos rendimentos dos bens dos filhos.

ReferÊncia
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Di-
sponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
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1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
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1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

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de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
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______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

125
DIREITO DE FAMÍLIA II

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Direito de Família.


Rio de Janeiro: Forense, 2004.

PELUZO, Cesar (coordenador). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudên-


cia. 7. ed. Barueri, SP: Manole, 2013.

126
C APÍTULO 7
Dos Alimentos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Revisar o conceito, natureza jurídica e classificação.

 Compreender a extensão da verba alimentar, os casos em que se aplica, os


pressupostos de concessão e como se valora.

 Revisar e saber distinguir as ações judiciais correspondentes para o seu


implemento, revisão e execução.

Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?


A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte,
A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer...
(Titãs, Comida, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito)
DIREITO DE FAMÍLIA II

128
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

ConteXtualiZação
Os alimentos são decorrentes das relações familiares e são pautados na
solidariedade e na dignidade da pessoa humana. Todos devem ter direito a uma
vida digna, apresentando-se o instituto dos alimentos como uma das principais
traduções do princípio da solidariedade.

Quando um dos membros da entidade familiar não tiver condições de


sustentar a si próprio, a verba alimentar surge como uma obrigação de auxílio e
assistência, visando a garantir a subsistência.

Conceito, NatureZa Jurídica e


Classificação dos Alimentos
Os alimentos compreendem tudo aquilo que é necessário para
Os alimentos
uma existência digna, como sustento, habitação, vestuário, educação,
compreendem
lazer, educação, saúde e criação. Tem, pois, um sentido bem tudo aquilo que é
abrangente, abarcando prestações diversas inerentes à satisfação das necessário para
necessidades vitais de quem não tem condições de provê-las sozinho. uma existência
digna, como
Nas palavras de Madaleno (2016, p. 881), “os alimentos estão sustento, habitação,
vestuário, educação,
relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever
lazer, educação,
de amparo dos parentes, cônjuges e conviventes, uns em relação aos saúde e criação.
outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles
em situação social e econômica desfavorável”.

Os alimentos, via de regra, fundam-se na relação familiar, mas possuem


normas de ordem pública, “ao menos nas relações verticais entre maiores versus
menores e incapazes” (MADALENO, 2016, p. 882).
Podem os parentes,
os cônjuges ou
Para Tartuce (2017, p. 541), “os alimentos estão muito mais companheiros pedir
fundamentados na solidariedade familiar do que na própria relação de uns aos outros os
parentesco, casamento ou união estável”. alimentos de que
necessitem para
O artigo 1.694 do Código Civil é a base da obrigação alimentar, viver de modo
compatível com
estando assim redigido: “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges
a sua condição
ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem social, inclusive
para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
para atender às necessidades de sua educação” (BRASIL, 2002). necessidades de
sua educação.

129
DIREITO DE FAMÍLIA II

Quanto à natureza jurídica alimentar, a doutrina utiliza distintos critérios. Para


Farias e Rosenvald (2017, p. 707), a natureza é de direito da personalidade, “pois
se destinam a assegurar a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa
humana”.

Diniz (2016) aponta a natureza dos alimentos como sendo mista - uma mescla
de caráter pessoal e patrimonial. Já para Madaleno (2016, p. 883), a natureza dos
alimentos depende da sua destinação: naturais, quando servirem tão somente
à sobrevivência do alimentando, e civis, quando destinados à “manutenção da
condição social do credor de alimentos, incluindo a alimentação propriamente dita,
o vestuário, a habitação, o lazer e necessidades de ordem intelectual e moral”.

Com relação à classificação, a doutrina apresenta diversas modalidades


de alimentos. Neste material, porém, será seguida a classificação conforme
apresentada por Tartuce (2017), com algumas pequenas modificações.

a) Quanto às fontes, os alimentos podem decorrer da lei, de convenção, ou


do ato ilícito.

Os alimentos decorrentes de lei são os que se inserem no Direito de Família


e são oriundos do parentesco, ou em decorrência de casamento ou união estável.

Os alimentos convencionais são os fixados em contrato, testamento ou


legado. Decorrem da autonomia da parte, sem que haja obrigação de prestá-los.

Por fim, os alimentos decorrentes de ato ilícito são aqueles oriundos da


responsabilidade civil. Por exemplo, quando alguém é responsável pela morte de
um pai de família, deverá prestar alimentos indenizatórios aos seus familiares.
Está previsto no artigo 948, II do CC.

Neste material, contudo, será tratado somente dos alimentos decorrentes de


lei - os alimentos familiares.

b) Quanto à extensão, os alimentos podem ser classificados em naturais


ou civis, conforme tratados por Madaleno (2016), segundo a natureza.
Os naturais visam somente ao indispensável à sobrevivência da pessoa,
como saúde, alimentação, moradia e vestuário. Os alimentos naturais
tinham suas raízes na ideia da culpa. Com a Emenda Constitucional
66/2010, que encerrou essa discussão, há quem diga que deixaram de
existir. Já os civis são mais abrangentes e incluem outras verbas. Em
regra, os alimentos são devidos dessa forma.

130
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

c) Quanto ao tempo, os alimentos podem ser classificados em alimentos


pretéritos e futuros. Pretéritos são os alimentos anteriores ao ingresso
da ação de alimentos e por isso não podem mais serem cobrados, já que
devidos apenas a partir da propositura da ação. Já os futuros são os que
ainda não venceram, também chamados de pendentes.

Contudo, os alimentos pretéritos também podem dizer respeito aos alimentos


já vencidos e que ainda podem ser executados, mas, neste caso, só mediante
expropriação de bens. Dentro dessa classificação, inserem-se os atuais, que
seriam os alimentos que podem ser cobrados, sob pena de prisão e protesto (art.
528 do CPC).

d) Quanto à forma de pagamento, os alimentos podem ser próprios/in


natura ou impróprios. Os alimentos in natura são os alimentos pagos
por meio de alimentação, hospedagem, vestuário, entre outros. Já os
alimentos impróprios são aqueles pagos em espécie.

e) Quanto à finalidade, os alimentos podem ser provisórios ou definitivos.


Os provisórios são os alimentos fixados em decisão interlocutória,
liminarmente, dentro do processo de alimentos proposto pelo rito da
Lei 5.478/68. São frutos de cognição sumária, fundados no parentesco,
casamento ou união estável.

A doutrina apontava ainda os alimentos provisionais, fixados nas ações


cautelares. No entanto, com a entrada em vigor no novo CPC, segundo Madaleno
(2016, p. 893), não há mais sentido em tecer distinções entre alimentos provisórios
e provisionais, quando ambas as instituições antecipam alimentos. São também
provisórios os alimentos fixados ou reivindicados em tutela provisória ou
antecipada, seja ela antecedente ou incidental.

Os alimentos definitivos são os fixados em decisão de que não caiba mais


recurso, englobando a homologação de acordo. Fala-se também de alimentos
temporários, que são os alimentos fixados por período determinado. Como os
cabíveis em favor de ex-cônjuge ou companheiro.

Características
A obrigação alimentar apresenta diversas características específicas,
merecendo tecer alguns comentários acerca de cada uma delas.

131
DIREITO DE FAMÍLIA II

a) Direito personalíssimo: os alimentos são fixados em prol de determinada


pessoa, por isso são considerados intuitu personae. Em outras palavras,
O vínculo entre pode-se dizer que o vínculo entre alimentante e alimentando é pessoal e
alimentante e intransferível, pois se destina a preservar a integridade física e psíquica
alimentando de quem os percebe, não podendo ser repassado a outrem. Tanto que
é pessoal e
são fixados levando em consideração as características pessoais de
intransferível.
quem os recebe.

O artigo 1.700 do CC prevê, todavia, a possibilidade de transmissão da


obrigação alimentar aos herdeiros do devedor, norma que causa inúmeras
controvérsias e será tratada no próximo item (BRASIL, 2002).

b) Transmissibilidade: art. 1.700 do CC prevê que a obrigação alimentar


se transmite aos herdeiros do devedor. Tratando-se de obrigações
personalíssimas, não deveriam ser transmitidas (BRASIL, 2002).

Há várias polêmicas dentro da transmissibilidade, que podem


ser assim divididas: i) a transmissão se dá apenas com relação às
prestações vencidas e não pagas ou também se transmite a obrigação
alimentar em si; ii) transmissão nos limites das necessidades do
reclamante e dos recursos da pessoa obrigada ou nos limites da
herança; iii) o direito alimentar é estendido aos parentes, cônjuges e
companheiros, ou será prioritariamente endereçado ao cônjuge.

Para ilustrar alguns posicionamentos, cita-se Farias e Rosenvald


(2016) que sustentam que o alimentando só pode se habilitar como
credor a receber seus alimentos se ele próprio não for herdeiro. O
STJ já se manifestou em sentido contrário, admitindo que herdeiros
recebam alimentos. Madaleno (2016, p. 902), por sua vez, pondera

Se o alimentando também for herdeiro, deverá ser ao menos


procedida a devida e oportuna compensação dos alimentos
pagos antes da partilha dos bens inventariados, para não haver
duplo favorecimento do credor alimentar, isso se o seu quinhão
hereditário já não for suficiente para exclui-lo antecipadamente
do estado de necessidade e da condição de dependente
alimentar.

Ainda para Madaleno (2016, p. 903), “a transmissão da obrigação


alimentar não pode extrapolar a esfera hereditária, para recair sobre

132
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

o patrimônio pessoal de cada sucessor”. A obrigação alimentar


seria proporcional ao quinhão de cada herdeiro e estão sujeitos a
sofrer revisão caso necessário. Defende, ainda, serem possíveis de
transmissão não só os alimentos vencidos, como também a própria
obrigação alimentar.

Para Farias e Rosenvald (2017), a transmissão da obrigação


alimentar só será viável se existirem bens na herança que produzam
frutos, por ser o direito de herança garantia constitucional.

c) Irrenunciabilidade: prevê o art. 1.707 serem os alimentos


irrenunciáveis, ou seja, o credor alimentício pode até não O credor alimentício
pode até não
pleitear o seu direito a alimentos, mas não pode renunciá-
pleitear o seu direito
los. Com relação ao parentesco, isso sempre foi pacífico, a alimentos, mas
porém com relação aos cônjuges houve muitas divergências. não pode renunciá-
A Súmula nº 379 do STJ proibia a renúncia de alimentos no los.
desquite. Mais tarde, o STJ passou a entender possível a
renúncia por parte do cônjuge.

Atualmente, o tema ainda suscita algumas divergências, mas parece ser


entendimento dominante a possibilidade de o cônjuge renunciar o seu direito,
inclusive, com previsão no pacto antenupcial. O Enunciado nº 236 das Jornadas
de Direito Civil do CJF está assim redigido: “É válida e eficaz a renúncia por
ocasião do divórcio ou dissolução de união estável. A irrenunciabilidade do direito
a alimentos é admitida enquanto subsista vínculo do Direito de Família”.

Há também a Súmula nº 336 do STJ (2007): “a mulher que renunciou aos


alimentos na separação tem direito a pensão previdenciária por morte do ex-
marido, comprovada a necessidade econômica superveniente”.

Há também interpretações bem distintas sobre a possibilidade


de revogação de renúncia, ou melhor, caso o cônjuge renuncie, é
possível pleitear mais adiante pensão? Sobre isso encontra-se
posicionamentos em ambos os sentidos. Há aqueles que acham
absurdo o ex-cônjuge anos após o divórcio pleitear alimentos. Por
outro lado, encontram-se os defensores dessa possibilidade, como
também é possível encontrar uma corrente intermediária, para
quem essa possibilidade é apenas palpável em casos excepcionais,

133
DIREITO DE FAMÍLIA II

por exemplo, do ex-cônjuge ter sido acometido de doença grave e


encontrar-se em situação de penúria, cabendo nesse caso o pleito
de alimentos, mesmo que tenha sido anteriormente renunciado.

Há três projetos de lei em andamento pretendendo alterar o art.


1.707 do CC, todos eles defendendo praticamente a mesma coisa: a
possibilidade de renunciar os alimentos no divórcio e na dissolução
de união estável.

Fonte: Brasil (2002).

d) Irrepetibilidade: uma vez pagos, os alimentos são irrestituíveis.


Uma vez pagos,
Trata-se de exceção à restituição de pagamento indevido, no propósito
os alimentos são
irrestituíveis. de proteger o credor de alimentos. Entretanto, essa característica
muitas vezes causa injustiças, principalmente quando devida entre
ex-cônjuges ou parentes maiores e capazes. Em razão de inúmeras
situações assim, essa característica em situações excepcionais deveria
ser relativizada, caso comprovado o desrespeito ao princípio da boa-fé
objetiva e ao enriquecimento sem causa. Uma situação para exemplificar
pode ser a pensão paga a ex-cônjuge que contrai nova união, mas a
esconde para não deixar de receber a pensão, ou ainda, a situação de
filho maior que começa a trabalhar e não comunica o fato ao devedor de
alimentos.

e) Imprescritibilidade: o direito a alimentos não prescreve. No entanto,


uma vez constituída a obrigação, na hipótese de o devedor não pagar
e o credor exigir o seu cumprimento, o prazo prescricional é de dois
anos (art. 206, parágrafo 2 do Código Civil). Em outras palavras, não
há prazo para a propositura de ação de alimentos. Já a execução deve
ser ajuizada dentro do prazo de dois anos da fixação alimentar. Caso a
pensão seja devida a credor menor, não se pode olvidar de que não corre
prescrição entre descendentes e ascendentes durante o poder familiar.

f) Divisibilidade dos alimentos: a obrigação alimentar é considerada como


divisível e não solidária, segundo art. 1.698 do CC. Em outras palavras,
A obrigação
significa dizer que cabe ao credor cobrar de cada devedor a sua parte,
alimentar é
considerada como não podendo eleger apenas um para cobrar a dívida toda. Por exemplo,
divisível e não quando o pedido de alimentos é feito aos avós, deveria o credor ajuizar
solidária. a ação com relação a todos os avós. Isso não significa que todos
deverão pagar a mesma coisa, já que a pensão é fixada com base nos
recursos de cada um.
134
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Todavia, em regra, como a criança encontra-se com a mãe, normalmente a


ação é ajuizada em face apenas dos avós paternos, subentendendo-se que os
avós maternos já auxiliem nas despesas do menor.

Exceção a essa regra é encontrada no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03,


art. 12), que prevê o pagamento solidário da dívida quando quem precisa dos
alimentos é o idoso. Assim, o pai ou a mãe poderia escolher qualquer dos filhos,
por exemplo, para cobrar integralmente a pensão de que necessita.

g) Os alimentos também não podem ser cedidos,


A titularidade do
compensados ou penhorados: A titularidade do beneficiário beneficiário não
não pode ser transferida nem cedida a outrem. Nem cessão pode ser transferida
gratuita, nem onerosa. Também não podem ser compensados nem cedida a
com outros créditos (art. 1.707 do CC). Dessa forma, não outrem.
pode o pai, por exemplo, compensar a pensão com agrados
ou presentes dados aos filhos. Todavia, alguns julgados são encontrados,
aplicando a possibilidade de compensação em situações específicas,
como o pai que pagará a mensalidade escolar diretamente ao Colégio
e pretendia compensar o crédito, como numa espécie de adiantamento
de pensão. (TJ/RS, AI nº 70.017.279.555, Des. Rel. Ricardo Ruschel, j.
29/11/2006).

Os alimentos
Os alimentos também não são passíveis de penhora. A também não são
impenhorabilidade restringe-se ao crédito atual, já as prestações passíveis de
passadas, vencidas e não pagas, podem perder seu caráter de dívida penhora.
necessária para a sobrevivência, perdendo o caráter de impenhorável.

OBrigação Alimentar e Direito a


Alimentos: PressuPostos
Segundo Tartuce (2017, p. 549), “a obrigação alimentar e o correspondente
direito a alimentos têm características únicas, que os distinguem de todos os
outros direitos e obrigações”.

No item anterior foram vistas as inúmeras características que moldam os


alimentos. Neste momento serão detalhados os pressupostos que incidem na
prestação alimentar.

Primeiramente, deve-se distinguir dever e obrigação alimentar, como fazem


alguns doutrinadores. De acordo com Farias e Rosenvald (2016, p. 728):

135
DIREITO DE FAMÍLIA II

A obrigação alimentícia ou obrigação de sustento (de


manutenção) consiste na fixação de alimentos com base no
poder familiar imposto, de maneira irrestrita, aos pais (biológicos
ou afetivos). Naturalmente, como se funda no poder familiar, é
ilimitada. A outro giro, o dever alimentar, ou de prestar alimentos,
é obrigação recíproca entre cônjuges, companheiros, parceiros
homoafetivos e entre demais parentes (que não sejam pai e
filho), em linha reta ou colateral, exprimindo a solidariedade
familiar existente entre eles.
Obrigação alimentar
se dá na relação Resumindo, obrigação alimentar se dá na relação entre pais e
entre pais e filhos filhos durante o poder familiar, e o dever alimentar decorre das demais
durante o poder
relações, como é o caso dos alimentos entre ex-cônjuges. Na obrigação
familiar, e o dever
alimentar decorre alimentar se faz presente a presunção de necessidade, eis que os pais
das demais são responsáveis pelo sustento e criação dos filhos menores.
relações, como é o
caso dos alimentos Já no dever alimentar é preciso comprovar a necessidade
entre ex-cônjuges. alimentar para que tal verba seja devida.

Em perspectiva geral, o dever de prestar assistência deveria ser do Estado,


porém, por vários motivos, essa incumbência foi transferida para a família,
responsável pelo sustento de seus entes. Caso isso não ocorra espontaneamente,
são devidos os alimentos. Tanto que o artigo 6 da Constituição Federal (BRASIL,
1988) assim prevê: “São direitos social a educação, a saúde, a alimentação,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”.

O direito a alimentos Portanto, o direito a alimentos decorre dos vínculos familiares,


decorre dos
mas também do casamento e da união estável, razão pela qual agora
vínculos familiares,
mas também do se passará a estudar em separado as possibilidades de percepção
casamento e da alimentícia.
união estável.

Alimentos Decorrentes do
Parentesco
Segundo o art. 1.696 do CC, a obrigação alimentar é recíproca entre
parentes. No entanto, é preciso distinguir as diversas regras existentes com
relação ao parentesco, a iniciar pelos alimentos entre pais e filhos.

136
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

a) Alimentos entre pais e filhos Enquanto o filho


encontra-se sob
Enquanto o filho encontra-se sob o poder familiar, a obrigação o poder familiar,
dos pais decorre do dever de sustento (1.634, 1.694 e 1.696 do CC a obrigação dos
pais decorre do
e 226 da CF). Durante o poder familiar não há obrigação de provar
dever de sustento.
a necessidade e dependência alimentar, cujos pressupostos são Durante o poder
presumidos. A necessidade só precisará ser justificada para definir o familiar não há
quantum. obrigação de provar
a necessidade
Portanto, para que um filho menor tenha direito a alimentos, basta e dependência
alimentar, cujos
comprovar a relação de parentesco, independentemente da origem.
pressupostos são
O vínculo pode ser tanto biológico, quanto oriundo da adoção, como presumidos.
também da socioafetividade.

Alargado o conceito de filiação, que passou a admitir vínculos distintos, não


seria lógico que os efeitos decorrentes fossem tratados de modo distinto. Nessa
ordem de ideias, a socioafetividade, capaz de estabelecer vínculo paterno-filial,
também é elemento gerador de obrigação alimentar. É, inclusive, o teor do
Enunciado nº 341, das Jornadas de Direito Civil, assim disposta: “Para os fins
do artigo 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador da obrigação
alimentar”.

Quanto às causas extintivas, merece menção o fato de que a emancipação


voluntária não será uma causa extintiva da obrigação alimentar, como também
não o é a perda ou destituição do poder familiar. Nessa linha, o posicionamento
de Farias e Rosenvald (2017, p. 744): “mesmo suspenso ou destituído do poder
familiar, continua o pai obrigado a contribuir para o sustento do filho (ainda que
em concorrência com o tutor ou guardião)”.

A cessação se dá com a maioridade, porém não é automática. Deve o


alimentante, nos próprios autos da ação de alimentos ou em ação exoneratória,
comprovar que seu filho não possui mais necessidade de receber os alimentos, a
teor da Súmula 358 do STJ: “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que
atingiu a maioridade está sujeito a decisão judicial, mediante contraditório, ainda
que nos próprios autos”.

Para que a pensão seja mantida a partir da maioridade é preciso comprovar a


necessidade. Em outras palavras, caso o alimentando esteja frequentando curso
técnico ou universitário e que não consiga prover sozinho a sua subsistência, não
poderá ser o credor exonerado. Nesse sentido, inclusive, julgado de 2016 do STJ,
na Resp. nº 1.587.280/RS.

137
DIREITO DE FAMÍLIA II

A obrigação alimentar presumida se converte em dever de sustento que


não cessa automaticamente, mas que sujeita o alimentando a provar a sua
necessidade. Caso fique comprovada, esse dever de prestação alimentar
se estende até os 24 ou 25 anos, ou até que o alimentando finalize seu curso
superior, de acordo com inúmeras decisões judiciais.

Outra situação relevante é o pleito alimentar do filho exercido quando já tiver


atingido a maioridade. Nesse caso, caberia tal pedido em três hipóteses: a) filhos
maiores e incapazes; b) filhos maiores e capazes que estão em formação escolar
técnica ou universitária e c) aos filhos maiores e capazes que não sejam capazes
de se autossustentar.

Em todas essas situações a necessidade deverá ser comprovada para que o


pedido possa ter êxito.

b) Alimentos entre tios, sobrinhos, primos e parentes afins

O art. 1.696 do CC prescreve serem recíprocos os alimentos entre pais e


filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros. Tal redação é completada pelo art.
1.697 do CC, que aduz que na falta dos ascendentes, cabe a obrigação aos
descendentes, guardada a ordem de sucessão, e, faltando estes, aos irmãos.

Percebe-se, portanto, que o Código estabelece uma ordem de prioridade na


busca pelos alimentos. Recaindo a obrigação nos parentes mais próximos em
linha reta primeiro, para só na falta deles, atingir os colaterais.

Pela redação legal só caberia o pleito alimentar na linha colateral entre


irmãos, sejam germanos ou unilaterais, ou seja, irmãos com idênticos pais e
mães, ou irmãos apenas por parte paterna ou materna.

A doutrina diverge na interpretação desse artigo, se taxativo ou


meramente exemplificativo. Veloso (2003, p. 28) defende que “a lista
de parentes obrigados a prestar alimentos é exaustiva, não cabendo
o pedido em relação aos parentes mais distantes”.

Dias (2006, p. 48), por sua vez, defende “a possibilidade de


extensão do pedido a todos os parentes, incluindo os de terceiro e
quarto graus”.

138
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Na realidade, pelo Código Civil, os alimentos estão restritos aos


parentes colaterais de segundo grau, sendo entendimento majoritário
o de que não se pode alargar essa obrigação para além dos irmãos.

Todavia, essa discussão vai ainda mais além, sugerindo alguns


doutrinadores a extensão dessa obrigação também aos parentes
afins, caso de Farias e Rosenvald (2016). Neste caso, contudo,
é ainda mais difícil tal pleito, existindo posicionamentos bem
contundentes em desfavor dessa possibilidade.

c) Alimentos prestados em favor do ascendente

A obrigação alimentar é recíproca entre ascendentes e descendentes. Nas


situações em que o ascendente não possuir condições de arcar sozinho com a
sua mantença, seja por doença ou em razão de receber recursos insuficientes,
poderão os descendentes serem obrigados a prestar-lhes alimentos.

Inclusive, o Estatuto do Idoso, em seu art. 12, estabelece ser a obrigação


alimentar nessa hipótese, uma obrigação solidária.

d) Alimentos entre avós e netos

Essa obrigação, também chamada de alimentos avoengos, é uma Essa obrigação,


obrigação subsidiária e complementar. Dito de outra maneira, os avós também chamada
de alimentos
só poderão ser acionados caso comprovado que os pais não tenham
avoengos, é
condições de atender as necessidades dos filhos integralmente. uma obrigação
subsidiária e
Portanto, os alimentos avoengos possuem caráter excepcional, complementar.
somente se justificando caso os pais não se façam presentes (caso de
morte ou ausência, por exemplo), ou não possuam condições de prover o sustento
do filho ou não possam prover integralmente. É o que se percebe de decisões
recorrentes do STJ:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS.


OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA.
RESPONSABILIDADE COMPLEMENTAR E SUBSIDIÁRIA,
SEMPRE CONDICIONADA À EXISTÊNCIA DE
NECESSIDADE DOS NETOS E DE POSSIBILIDADE DA
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS PELOS AVÓS. REQUISITOS
NÃO OBSERVADOS. REQUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS
FATOS E REVALORAÇÃO DAS PROVAS. POSSIBILIDADE.

139
DIREITO DE FAMÍLIA II

1- Ação distribuída em 14/09/2010. Recurso especial interposto


em 12/08/2014 e atribuído à Relatora em 25/10/2016. 2- Os
propósitos recursais consistem em definir se houve negativa
de prestação jurisdicional e se a condenação dos avós ao
pagamento da pensão alimentícia aos netos observou, na
hipótese, a existência de efetiva necessidade das menores
em conjunto com a real possibilidade de os avós cumprirem
a referida obrigação. 3- Ausentes os vícios do art. 535, I e
II, do CPC/73, não há que se falar em negativa de prestação
jurisdicional ou em vício de fundamentação no acórdão
recorrido. (...). 5- Na hipótese, o acórdão recorrido, apontando
expressamente os fatos e as provas que lhe formaram o
convencimento, não observou que a obrigação alimentar
avoenga, de caráter sempre complementar e subsidiário, não
poderia ser imputada a quem, reconhecidamente, sequer
reunia condições de subsistência por si só, dependendo de
auxílio material dos filhos para sobreviver dignamente. 6-
Recurso especial conhecido e provido (REsp 1698643 / SP,
Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, 10/04/2018) (grifos
nossos).

Com efeito, não é possível pleitear alimentos diretamente aos avós, mas
somente depois de comprovada a inexistência ou impossibilidade do pai. É
necessário, antes de chegar aos avós, exaurir as tentativas de cobrança em
relação aos pais. O Enunciado nº 342 das Jornadas de Direito Civil foi assim
formulado:

Observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós


somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em
caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não solidário,
quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-
lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentandos
serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-
financeiro dos seus genitores.

Interessante ponderação é colocada na parte final do enunciado. A fixação


dos alimentos avoengos não deverá observar a capacidade financeira dos avós.
O parâmetro é o nível financeiro dos pais.

Em razão de se tratar de obrigação não solidária, não poderá, em tese, ser


cobrados os alimentos em sua inteireza de apenas um dos avós, mas sim de cada
um a parte correspondente as suas possibilidades. O que se vê na prática é que,
normalmente, são acionados apenas os avós paternos. Nesse caso, é possível
que estes chamem ao processo os demais avós.

Todavia, conforme exposto por Madaleno (2016, p. 987), trata-se de situação


de litisconsórcio passivo obrigatório e não facultativo, embora maior parte da
doutrina e jurisprudência a tratem como caso de litisconsórcio facultativo.

140
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Em fevereiro de 2011, o STJ, na Resp 958.513/SP, tendo como relator o Min.


Aldir Passarinho Júnior, defendeu também a tese do litisconsórcio necessário.

Alimentos Entre EX-CÔnJuges e EX-


ComPanheiros
Dever de mútua assistência é atribuído aos cônjuges quando do casamento.
Assim a obrigação alimentar tem fundamento no dever de cuidado e na
solidariedade previstos tanto no art. 3, I da CF, como no art. 1.704 do CC.

Durante a coabitação não se fala em alimentos, mas deve ser assistencial de


um com relação ao outro, tanto no sentido material como moral. Após a ruptura da
relação é que tem incidência de alimentos nos casos em que restar comprovada
a real necessidade.

No passado, os alimentos entre cônjuges eram comuns, dada a estrutura


patriarcal da família, em que normalmente apenas o homem trabalhava fora e
sustentava sozinho as despesas do lar. Com a transformação da família, a fixação
dos alimentos entre cônjuges diminuiu drasticamente.

Como bem expõe Madaleno (2016, p. 997), são cabíveis alimentos somente
em situações excepcionais:

[...] reservada a pensão alimentícia para casos pontuais de real


necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro
realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco
de oportunidades de trabalho, talvez devido à sua idade, ou
por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a
alimentos quando os filhos ainda são pequenos e dependem
de atenção materna.

Importa ainda lembrar de que antes da Emenda Constitucional 66/2010, a


culpa era elemento essencial na ruptura conjugal, incidindo inclusive na questão
alimentar. Num primeiro momento, a lei do divórcio (art. 19, Lei 6.515/77) previa o
não cabimento de alimentos ao cônjuge culpado. A alteração se deu com o Código
Civil de 2002 que manteve a culpa, mas no parágrafo único do art. 1.704 do CC
manteve o crédito alimentar, porém, restrito às necessidades de sobrevivência do
cônjuge.

Contudo, se no passado era comum fixar os alimentos na ruptura da relação


conjugal por período indeterminado, atualmente, os alimentos passaram a ter a
característica da transitoriedade, ou seja, são fixados por período preestabelecido,

141
DIREITO DE FAMÍLIA II

entendido como tempo suficiente para o retorno ao mercado de trabalho


Os alimentos
ou autossustento e autonomia financeira. É, inclusive, o que se extrai
passaram a ter a
característica da dos julgados do STJ. Segue ementa da Terceira Turma:
transitoriedade,
ou seja, são
fixados por período PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ART.
preestabelecido, 535 DO CPC. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. ALIMENTOS
entendido como TRANSITÓRIOS DEVIDOS ENTRE EX-COMPANHEIROS.
(...) 2. Entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, desfeitos os
tempo suficiente
laços afetivos e familiares, a obrigação de pagar alimentos
para o retorno ao é excepcional, de modo que, quando devidos, ostentam,
mercado de trabalho ordinariamente, caráter assistencial e transitório, persistindo
ou autossustento apenas pelo prazo necessário e suficiente ao soerguimento
e autonomia do alimentado, com sua reinserção no mercado de trabalho
financeira. ou, de outra forma, com seu autossustento e autonomia
financeira. 3. As exceções a esse entendimento se verificam,
por exemplo, nas hipóteses em que o ex-parceiro alimentado
não dispõe de reais condições de reinserção no mercado de
trabalho e, de resto, de readquirir sua autonomia financeira. É
o caso de vínculo conjugal desfeito quando um dos cônjuges
ou companheiros encontra-se em idade já avançada e, na
prática, não empregável, ou com problemas graves de saúde,
situações não presentes nos autos. Precedentes de ambas
as Turmas de Direito Privado desta Corte. 4. Os alimentos
transitórios - que não se confundem com os alimentos
provisórios - têm por objetivo estabelecer um marco final
para que o alimentando não permaneça em eterno estado de
dependência do ex-cônjuge ou ex-companheiros, isso quando
lhe é possível assumir sua própria vida de modo autônomo.
5. Recurso especial provido em parte. Fixação de alimentos
transitórios em quatro salários mínimos por dois anos a
contar da publicação deste acórdão, ficando afastada a multa
aplicada com base no art. 538 do CPC (REsp 1454263 /
CE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 2015) (grifos nossos).

O período de fixação dos alimentos transitórios tem girado, segundo a


jurisprudência, em torno de dois anos. Percebe-se que há muitas decisões que
fixam em período ainda inferior, como seis meses ou um ano, mas dificilmente
encontram-se julgados com prazo superior a um biênio.

Os casos excepcionais, em que os alimentos entre ex-cônjuges ou ex-


companheiros são fixados por período indeterminado, como bem se extrai do
julgado, são as hipóteses em que um dos cônjuges já se encontra em idade
avançada ou com problemas de saúde, dificultando ou impossibilitando o
retorno ou o ingresso no mercado de trabalho, prejudicando a possibilidade de
autossustento.

142
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Alimentos Gravídicos
A Lei n. 11.804/2008 criou uma nova modalidade de alimentos, chamada de
alimentos gravídicos, dando força à teoria concepcionista, garantindo a prestação
alimentar desde a concepção e não apenas do nascimento.

Os alimentos gravídicos destinam-se a cobrir as despesas do período de


gravidez, incluindo verbas referentes à alimentação especial, exames, assistência
médica, medicamentos, entre outras necessidades (art. 2 da Lei).
Se o juiz se
O pedido é feito pela gestante (legitimidade ativa), que deve convencer das
provas juntadas,
comprovar indícios da paternidade do devedor alimentar. Se o juiz se
deferirá os alimentos
convencer das provas juntadas, deferirá os alimentos que incidirão que incidirão da
da concepção até o parto, quando serão convertidos em pensão concepção até o
alimentícia em favor do menor. parto, quando serão
convertidos em
Os indícios devem ser fortes suficientes ao convencimento pensão alimentícia
em favor do menor.
da suposta paternidade e poderão ser demonstrados por meio
de fotografias, bilhetes ou outros escritos, mensagens, provas
testemunhais, entre outros. No entanto, como serão fixados em sede de cognição
sumária, não pode haver muito rigorismo, em razão da dificuldade de produção
probatória nesse momento. No caso de rompimento de sociedade conjugal, haverá
presunção de paternidade do ex-marido, assim como no caso de inseminação ou
fertilização.

OBJeto e Montante das OBrigaçÕes


A verba alimentar será fixada de acordo com a proporção das A verba alimentar
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada será fixada de
(§ 1o, art. 1.694 do CC), segundo o famoso binômio necessidade/ acordo com a
possibilidade, ou como preferem outros, do trinômio necessidade/ proporção das
necessidades do
possibilidade/razoabilidade (BRASIL, 2002).
reclamante e dos
recursos da pessoa
Essa quantificação mensal será fixada por acordo judicial obrigada.
ou extrajudicial ou por sentença. Também poderá ser fixada
provisoriamente em decisão interlocutória e destina-se a atender às necessidades
do alimentando, englobadas as verbas habitacionais, alimentares, de educação,
saúde, vestuário e lazer.

Compreende, portanto, tudo o que for indispensável para cobrir o sustento


do alimentando, cujo montante deve ser apurado em cada caso em particular.

143
DIREITO DE FAMÍLIA II

Entretanto, quanto maior for a possibilidade de quem presta, maior será a pensão
fixada e vice e versa.

O montante fixado poderá incidir em percentual sobre os ganhos


O montante fixado
poderá incidir em do alimentante, quando este tiver renda certa, ou então, poderá ser
percentual sobre fixado em percentual sobre o salário mínimo nos demais casos.
os ganhos do
alimentante, quando Em situações de renda fixa, como o empregado privado ou
este tiver renda servidor público, é comum fixar a pensão em percentual sobre sua
certa, ou então,
renda líquida, entendida assim a renda bruta, descontadas as verbas
poderá ser fixado
em percentual sobre obrigatórias do Imposto de Renda e Previdência. Nesse caso, os
o salário mínimo nos alimentos incidirão sobre o 13º salário, férias, adicionais e horas extras.
demais casos. Nas hipóteses de fixação em salário mínimo não haverá incidência de
pensão sobre essas verbas.

A decisão que fixa alimentos pode ser alterada sempre que houver situação
que autorize a sua majoração ou redução, ou seja, havendo alteração das
condições econômicas de qualquer das partes, a pensão pode ser revista.

Os alimentos podem ser fixados como alimentos intuitu familiae ou intuitu


personae. Os primeiros são aqueles fixados para todo o grupo familiar, sem
identificar ou determinar a quota de cada membro. O propósito da fixação dos
alimentos intuitu familiae é exatamente manter o valor original da pensão, não
havendo, em tese, redução do valor, com a exoneração da pensão em relação
a um dos alimentandos, ou seja, a cessação alimentar com relação a um dos
alimentandos faz acrescer a sua quota aos demais beneficiários.

Já os alimentos intuitu personae, mais comuns, a verba alimentar é fixada


separadamente para cada um dos membros da entidade familiar.

A verba alimentar pode ser paga em dinheiro ou in natura, pagando o


alimentante verbas como escola, plano de saúde, IPTU e condomínio de
residência do alimentando, entre outras despesas pontuais (art. 1.701 do CC).

Não se pode deixar de tratar sobre os alimentos compensatórios, ainda


que não tenham previsão legal. Nas palavras de Madaleno (2016, p. 1022), o
propósito da verba compensatória é:

Indenizar por algum tempo ou não o desequilíbrio econômico


causado pela repentina redução do padrão socioeconômico
do cônjuge desprovido de bens e meação, sem pretender a
igualdade econômica do casal que desfez sua relação, mas

144
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos de súbita


indigência social, causada pela ausência de recursos pessoais,
quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas
que deixaram de aportar com o divórcio.

Com efeito, a pensão compensatória destina-se ao Com efeito,


restabelecimento do desequilíbrio econômico, tendo caráter de verba a pensão
indenizatória e não alimentar. Por essa razão, em tese, não caberia compensatória
prisão pelo não pagamento dos alimentos compensatórios. destina-se ao
restabelecimento
do desequilíbrio
A fixação dos alimentos compensatórios pode se dar em prestação
econômico, tendo
única, parcelada ou vitalícia ou ainda pela entrega de bens, visando caráter de verba
sempre à harmonização econômica do casal. Para a valoração, deve indenizatória e não
ser levado em conta não as necessidades de subsistência, como na alimentar.
pensão alimentícia, mas corrigir a desproporção patrimonial existente
por ocasião do divórcio.

Contudo, como no Brasil esses alimentos compensatórios ou compensação


econômica, como sugere Madaleno (2016), não estão previstos no ordenamento,
ainda geram grande confusão, carecendo de mais estudos e aprofundamento,
até para que diretrizes sejam fixadas. Atualmente não é fácil conseguir a fixação
de alimentos compensatórios, existindo vários julgados que defendem o seu não
cabimento.

Os alimentos compensatórios não devem ser confundidos com


os alimentos ressarcitórios que surgem em razão da administração
unilateral dos bens conjugais comuns. Por exemplo, se por ocasião
da partilha, o marido ficou responsável pela gerência da empresa
comum do casal, podem ser fixados alimentos ressarcitórios (devidos
em razão dos lucros gerados).

Exatamente para que o outro cônjuge, privado do acesso


e fruição de bem comum, possa ter garantidos os frutos de
patrimônio que também é seu. Esses alimentos ressarcitórios serão
compensados na partilha futura.

145
DIREITO DE FAMÍLIA II

AsPectos Gerais SoBre Ação de


Alimentos
A ação de alimentos possui um procedimento especial previsto na Lei
5.478/68 e destina-se a buscar satisfazer a verba alimentar de quem dela esteja
precisando. As questões procedimentais também são reguladas pelo CPC, caso
da competência, prevista no art. 53, inciso II, que dispõe ser no domicílio ou
residência do alimentando.

Para Farias e Rosenvald (2016, p. 776), o foro competente é “definido no


instante da triangulação do processo, o que ocorre com a citação do réu. Por isso,
modificação superveniente de residência, no curso do procedimento, é irrelevante
para fins procedimentais, não alterando a competência que se firmou”.

Nesse sentido, inclusive é a orientação jurisprudencial (STJ, CC 19.782/PR,


julgado em 1998).

A legitimidade ativa é do credor de alimentos. No caso de o credor ser menor,


deverá estar devidamente representado ou assistido, a depender da incapacidade.
O Ministério Público também detém capacidade postulatória em favor dos
menores e dos idosos. Conforme já se viu, na ação de alimentos gravídicos a
legitimidade é da mulher grávida.

A legitimidade passiva, por sua vez, incumbe ao devedor de alimentos, que


em geral será o pai. No entanto, também podem estar no polo passivo os avós, a
mãe, os irmãos, os filhos, a depender de quem esteja figurando no polo ativo.

Quanto ao procedimento, é importante destacar que como em qualquer outra


ação, devem ser observados os requisitos do art. 319 do CPC, devendo-se atentar
que o valor da causa na ação de alimentos corresponde à soma de 12 prestações
mensais pleiteadas pelo autor (art. 290, III do CPC) (BRASIL, 2015).

No despacho inicial da ação de alimentos, poderá o juiz conceder os alimentos


provisórios, exigindo-se para tanto, prova pré-constituída do vínculo de parentesco,
ou de casamento ou união estável, a depender de quem os está pleiteando.

A citação do réu será para cientificação da existência do processo, bem como


da fixação dos alimentos provisórios e comunicação do dia e hora da audiência.
Como a lei não estabelece prazo para defesa, o juiz poderá fixá-lo livremente.
Destarte, a defesa poderá ser apresentada na própria audiência e, posteriormente,
depender do que for fixado.

146
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

A presença do Ministério Público será obrigatória nos casos que envolver


menores ou incapazes (art. 698 do CPC).

Após produção probatória, o juiz fixará os alimentos definitivos, podendo


manter o valor dos provisórios, aumentá-los ou reduzi-los, conforme os elementos
de convicção existentes no processo.

Os alimentos fixados em sentença retroagem à data da citação, podendo ser


executada a diferença se for estabelecido valor maior, consoante teor da Súmula
277 do STJ. Caso o valor seja reduzido, os alimentos não poderão ser devolvidos,
de acordo com a característica alimentar da irrepetibilidade.

Ação de Revisão de Alimentos


A decisão que fixa alimentos não faz coisa julgada material,
A decisão que
podendo ser revista a qualquer tempo. Comprovada a mudança da
fixa alimentos não
situação fática, justifica-se o pedido (art. 505, I do CPC). faz coisa julgada
material, podendo
A revisão serve tanto para majorar o valor fixado anteriormente, ser revista a
como para reduzi-lo. Para tanto, deverá restar comprovada alteração qualquer tempo.
no cenário em que os alimentos foram deferidos, comprovando a
mudança econômica de quem os paga ou a alteração econômica de
quem os recebe.

Por exemplo, se o devedor mudou de emprego e passou a ganhar um


valor bem superior do que estava recebendo anteriormente, poderá a pensão
ser majorada. Já se as necessidades de o credor aumentarem em razão de
acometimento de doença com tratamento dispendioso, há também que se
verificar se o aumento da pensão poderá ser suportado pelo devedor para que
tenha cabimento.

Interessante questão foi recentemente julgada pelo STJ, que entendeu pela
possibilidade de revisar o valor da verba alimentar, fazendo incidir na base de
cálculo do quantum alimentar a participação dos lucros por parte do devedor.

RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, "a", da CRFB/88) -


AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - AÇÃO
DE OFERTA DE ALIMENTOS - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
E RESULTADOS - INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO
DA VERBA ALIMENTAR - ACRÉSCIMO PATRIMONIAL
DECORRENTE DO CONTRATO DE TRABALHO, APTO AO
INCREMENTO DA POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE.
INSURGÊNCIA DO AUTOR/DEVEDOR. Hipótese: definir se a

147
DIREITO DE FAMÍLIA II

participação nos lucros e resultados integra a base de cálculos


dos alimentos, fixados, em sede de ação de oferta de alimentos,
no equivalente a 20% do salário líquido do demandante. 1.
Ausência de violação ao artigo 535, inciso II, do Código de
Processo Civil de 1973, na medida em que o aresto estadual
se encontra devida e suficientemente fundamentado, apenas
tendo adotado tese contrária à pretensão declinada pela parte
ora recorrente. 2. O título executivo, ao fornecer os parâmetros
para sua interpretação, dispôs como base de cálculo o salário
líquido, esse entendido como os valores brutos auferidos pelo
empregado, subtraídos apenas os descontos da previdência
e do imposto de renda. Ao se proceder à leitura da sentença,
infere-se que o termo salário foi utilizado como equivalente às
expressões rendimentos e ganhos. 2.1 A verba recebida a título
de participação nos lucros objetiva estimular a produtividade
do empregado, pois esse terá seus vencimentos ampliados
na medida em que produza mais, tratando-se, portanto, de
rendimento decorrente da relação de emprego. Desse modo,
a circunstância de a referida verba, nos termos do art. 7º,
inc. XI, CRFB/88 não poder ser considerada para efeito de
incidência de ônus sociais, trabalhistas, previdenciários, não
impede que seja considerada como base de cálculo para se
aferir o quantum devido a título de alimentos. Precedentes. 2.2
Assim, para fins de apuração do valor relativo aos alimentos,
deve ser reconhecida a natureza salarial/remuneratória
da verba em questão, porquanto inegavelmente implica
acréscimo em uma das variáveis do binômio da prestação
alimentar, isto é, na possibilidade do alimentante, devendo
os valores auferidos a tal título integrar a base de cálculo da
prestação alimentar. 3. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO
(REsp 1561097 / RJ, Rel. Min. Lázaro Guimarães (convocado),
4 Turma, 6/2/2018).

A questão procedimental da revisional segue os mesmos padrões da ação de


alimentos, sendo regida pela lei de alimentos e pelo CPC.

EXecução de Alimentos
O novo Código de Processo Civil trouxe uma série de novidades para a parte
de execução de alimentos. Uma das discussões existentes no passado girava
em torno da possibilidade ou não de executar títulos extrajudiciais. Essa questão
restou superada, estando atualmente prevista essa possibilidade nos artigos 911
a 913 do CPC (BRASIL, 2015).

Podem, portanto, os alimentos serem fixados em títulos extrajudiciais, como a


escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento
particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas; o instrumento de
transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela

148
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou


mediador credenciado por tribunal (art. 784 do CPC) (BRASIL, 2015).
Que para os títulos
Outra questão que causava polêmica era no tocante à judiciais caberá
possibilidade de cumprimento de sentença de alimentos. Isso também cumprimento
foi solucionado, estando claramente previsto que para os títulos de sentença e
judiciais caberá cumprimento de sentença e somente para os títulos somente para os
extrajudiciais descumpridos é que se utilizará a execução de alimentos. títulos extrajudiciais
descumpridos é
que se utilizará
Novidades também surgiram no que diz respeito às medidas a execução de
executivas a serem impostas ao devedor de alimentos. O artigo 528 do alimentos.
CPC prevê o cumprimento de sentença sob pena de prisão e protesto.
O caput do artigo e seus parágrafos 1 e 3 estão assim dispostos:

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene


ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão
interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do
exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para,
em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a
impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1o Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue
o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente
justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará
protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que
couber, o disposto no art. 517.
§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa
apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar
o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a
prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses (BRASIL, 2015).

O protesto era medida não prevista no CPC anterior, embora já viesse


sendo timidamente aplicado por alguns juízes. Outra medida que não consta
especificamente na parte da execução de alimentos, mas que também é aplicável
pela leitura do art. 782, § 3º do CPC é a negativação do nome do devedor de
alimentos nos cadastros de inadimplentes.

O STJ inclusive já firmou posicionamento nesse sentido, conforme se


pode perceber pela leitura dos Recursos Especiais nº 1655259/2017; Resp
1469102/2016 e Resp 1533206/2015. A premissa nº 2 da jurisprudência em
teses, edição 65/2016 do STJ foi assim ementada: “na execução de alimentos, é
possível protesto (art. 526, § 3, do NCPC) e a inscrição do nome do devedor nos
cadastros de proteção ao crédito.

Por sua vez, o parágrafo 8 do artigo 528 do CPC salienta que o cumprimento
de sentença ou decisão pode ser feito, desde logo, nos termos do disposto no

149
DIREITO DE FAMÍLIA II

Título II, Capítulo III (cumprimento de sentença por quantia certa), que remete
ao cumprimento de sentença sob pena de expropriação, não sendo nesse caso
admissível a prisão.

O artigo 523 do CPC que prevê o procedimento do cumprimento


Se optar pelo de sentença por quantia certa contra devedor solvente prevê a
disposto no artigo intimação do devedor para pagar o débito em 15 dias, e se não ocorrer
523 do CPC, o pagamento voluntário, o débito será acrescido de multa de 10% e
poderá cobrar
honorários de advogado de 10%.
todas as parcelas
atrasadas, desde
que não atingidas Cabe ao credor escolher qual procedimento quer utilizar. Se optar
pela prescrição, pelo disposto no artigo 523 do CPC, poderá cobrar todas as parcelas
para que o devedor atrasadas, desde que não atingidas pela prescrição, para que o devedor
pague sob pena de pague sob pena de penhora e multa.
penhora e multa.

Já se optar pelo procedimento do artigo 528 do CPC, as parcelas


As parcelas que que autorizam o pedido de prisão civil do alimentante são apenas as
autorizam o pedido que correspondem até três prestações anteriores ao ajuizamento da
de prisão civil do execução, incluindo as que vencerem no curso do processo (parágrafo
alimentante são
7 do artigo 528 do CPC) (BRASIL, 2015).
apenas as que
correspondem até
três prestações O parágrafo 4 do art. 528 estabelece que a prisão será cumprida
anteriores ao em regime fechado, o que é ponto de crítica na doutrina. Percebe-
ajuizamento da se claramente que a finalidade nesse caso é coercitiva. A prisão
execução, incluindo só alcançará o objetivo se coagir o devedor a pagar os alimentos,
as que vencerem no
porquanto se o decreto prisional for decretado, a pensão dificilmente
curso do processo.
será paga (BRASIL, 2015).

Em recente julgado do STJ, confirmou-se que o regime fechado é regra,


não podendo ser aleatoriamente afastada, mas tão-somente em situações
excepcionais. Extrai-se da ementa:

[...] a finalidade da prisão civil do devedor de alimentos é a


coação para o cumprimento da obrigação. Assim, não há motivo
para se afastar a regra de que a prisão civil seja cumprida
em regime fechado, salvo em excepcionalíssimas situações,
tais como a idade avançada ou a existência de problemas de
saúde do paciente, que inspirem cuidados médicos que restem
inviabilizados no cárcere" (STJ Resp 1557248/MS, Min. Villas
Bôas Cuêva, j. 06/02/2018).

O artigo 529 do CPC prevê uma importante medida satisfativa, que é


possibilidade de desconto em folha do devedor de alimentos das prestações
alimentares. Isso garante o recebimento da pensão pelo credor (BRASIL, 2015).

150
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

O artigo está assim disposto: “Art. 529. Quando o executado for funcionário
público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação
do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da
importância da prestação alimentícia” (BRASIL, 2015).

Uma importante inovação traz o parágrafo 3 do artigo citado, permitindo o


desconto não só das prestações futuras, mas também das prestações atrasadas,
em montante que pode chegar a 50% dos ganhos líquidos do devedor.

A praxe do desconto em folha já existia, mas, em geral, dificilmente se


viam descontos superiores a 30%. Esse patamar foi elevado, só não podendo
ultrapassar 50% do rendimento líquido, o que vem como uma novidade em prol do
credor de alimentos.

Outras medidas alternativas a serem utilizadas no cumprimento de sentença


ou na execução de alimentos são a constituição de capital, a fixação de astreintes
e medidas um pouco mais drásticas, como o bloqueio de cartão de crédito, a
apreensão da carteira de motorista ou passaporte.

Com relação à constituição de capital, há previsão expressa no artigo 533


do CPC, porém para os alimentos indenizatórios. Por analogia, poderiam muito
bem ser utilizados também para os alimentos do Direito de Família, conforme
sustentam alguns autores, caso de Madaleno (2016).

Exemplo de aplicabilidade seria quando o devedor deixa seu emprego para


criar relação informal de trabalho ou quando dissimula vínculos inferiores de
trabalho. Nesses casos poderia ser pleiteada a constituição. Se o pedido não tiver
sido formulado na petição inicial, cabe a qualquer momento, por meio de tutela de
urgência (art. 300 do CPC).

A constituição de capital poderá ser feita com bloqueio de verbas rescisórias


ou de FGTS, imóveis ou aplicações financeiras; bloqueios de verbas e FGTS já vem
sendo aplicados pelos tribunais. É o que se extrai da ementa de julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO


AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO DE
ALIMENTOS. PENHORA DO FUNDO DE GARANTIA POR
TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. POSSIBILIDADE.
(...)
2. Este Tribunal preconiza a possibilidade de penhora
de conta vinculada do FGTS e PIS em se tratando de
ação de execução de alimentos, por envolver a própria
subsistência do alimentado e a dignidade da pessoa
humana.
3. Agravo regimental não provido (STJ, AgRg Resp
1427836/SP, 24/04/2014).
151
DIREITO DE FAMÍLIA II

Com relação às astreintes, estas têm previsão expressa para obrigações


de entregar (art. 806, par. 1 do CPC) e nas obrigações de fazer e de não fazer
(art. 814 do CPC). A pergunta é se também seriam cabíveis nas obrigações de
pagar quantia certa. Pela redação do art. 139, IV do CPC, que concede ao juiz o
poder geral de efetivação de medidas judiciais, a resposta, em tese, é afirmativa.
Por esta leitura, podem ser as astreintes fixadas cumulativamente com a pena
de prisão, como também com a pena de expropriação patrimonial. Todavia, essa
possibilidade é nova e dependerá de análise de decisões futuras (BRASIL, 2015).

Por fim, as medidas alternativas de suspensão de carteira


de habilitação; suspensão de passaporte; bloqueio de cartão de
crédito; proibição de participar de concursos e licitações; bloqueio
de créditos de programas de resgates estão sendo causa de muitas
controvérsias.

Também pela redação do art. 139, IV do CPC, que permite


ao juiz determinar as medidas que entender necessárias para o
cumprimento da obrigação é que se abre, em tese, a possibilidade.
Ocorre que são consideradas medidas pessoais e que, portanto,
deveriam ser evitadas.

Dentre todas as dívidas civis, a que talvez tenha uma brecha


para sua aplicabilidade, seja exatamente a pensão alimentícia, pois é
a única que permite uma penalidade ainda mais grave: a prisão civil
do devedor.

O tema certamente precisa ser melhor estudado, pensado


em todas as suas consequências, pois sempre que os direitos
fundamentais são feridos, a questão ganha maior relevo.

Já começaram a surgir decisões pelo país. Em primeiro grau


as medidas restritivas estão sendo aplicadas, porém, os Tribunais
mais reticentes, em sua maioria, têm reformado os julgados que
autorizaram tais medidas.

Fonte: A autora.

152
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Para ilustrar, colaciona-se dois julgados, um do Tribunal de Justiça do


Paraná, que não trata especificamente de ação de alimentos, mas que traz uma
fundamentação interessante, e outro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul. O primeiro deixa bem claro que as medidas não serão aplicadas em qualquer
caso, mas apenas aos devedores contumazes:

Não se tratam de mecanismos destinados aos devedores que


não têm mais condições para honrar qualquer compromisso
financeiro ou os que passam por dificuldades financeiras
momentâneas e podem atrasar alguns pagamentos, mas sim
àqueles chamados ‘devedores profissionais’, que conseguem
blindar seu patrimônio contra os credores com o objetivo de não
serem obrigados a pagar os débitos” (TJPR, Rel. Des. Themis
de Almeida Furquim – AC. 0041463- 42.2016.8.16.0000).

Já o julgado do Tribunal gaúcho é específico sobre alimentos e entendeu


não ser possível a aplicação das medidas restritivas, por não existir relação causal
entre a dívida alimentar e a suspensão da carteira de motorista.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE


EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA
CNH. DESCABIMENTO.
Inexiste relação causal entre uma "dívida de alimentos", e
uma determinação de "suspensão da CNH", razão pela qual
se projeta que tal medida pode não ter impacto relevante em
coagir o executado a pagar o que deve. Precedentes.
RECURSO DESPROVIDO (Agravo de Instrumento Nº
70075121467, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em
11/09/2017).

Com efeito, tais restrições não poderão ser aplicadas de forma desmedida
e nem em larga escala. Em casos específicos, em que está evidente que o
devedor pode, diante de referidas medidas, ser coagido ao pagamento da dívida
- principal escopo da medida -, desde que devidamente fundamentada, restrições
específicas podem surtir o efeito pretendido. Antes do decreto prisional, por que
não uma suspensão de CNH ou bloqueio de cartão de crédito?

Este é um tema para se refletir.

Pesquise:
UZTARROZ, Daniel. Retirar a CNH do Devedor de Alimentos.
2018. In genjuridico.com.br, acesso em junho de 2018.

153
DIREITO DE FAMÍLIA II

Atividade de Estudos:

1) Quais foram as novas alternativas trazidas pelo CPC na tentativa


de dar maior efetividade à cobrança dos alimentos?
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Algumas ConsideraçÕes
Os alimentos, por estarem vinculados a uma verba subsistencial que assegura
uma vida digna, permitem medidas drásticas para assegurar o seu cumprimento.
No direito civil, a única previsão de prisão é exatamente a que se refere ao
devedor de alimentos, e é assim, pois no balanço entre os direitos fundamentais
de liberdade e de subsistência, este último prepondera. Os alimentos alimentam
o corpo, mas também alimentam a alma e são fundamentais para o dia a dia
daqueles que não conseguem por si só se manter.

154
Capítulo 7 DOS ALIMENTOS

Com base nisso tudo, percebe-se que a legislação acabou de ser alterada,
trazendo novas possibilidades para garantir o seu pagamento. O tema sobre
alimentos é extenso e muito importante, não só teórica como também prática,
merecendo atenção especial.

Verbas distintas integram e compõem a pensão alimentícia, que tem


características próprias, como ser personalíssima, impenhorável e irrepetível.
Permite revisão e pode ser fixada desde logo. Pode ser compensatória, duradoura
ou temporária. Mudanças são sentidas de acordo com as mudanças das próprias
famílias, sua constituição, papéis e arranjos.

Apesar das alterações, muitas coisas ainda precisam melhorar de modo


a ser assegurado com efetividade que o credor de alimentos tenha garantido o
seu direito.

ReferÊncia
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Di-
sponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 13.010, de 23 de junho 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13010.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei 12.962, de 8 de abril de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

______. Lei nº 12.013, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12013.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

155
DIREITO DE FAMÍLIA II

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

CARVALHO, Dimas de Messias. Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.

______. Síndrome da alienação parental: o que é isso. 2006. Disponível em:


<www.mariaberenice.com.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Família. São Paulo: Saraiva, 2016.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Família. Salvador: Jus Podivm,


2017.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2013.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, TJPR, AI n. 0041463- 42.2016.8.16.0000,


Rel. Des. Themis de Almeida Furquim, 14 Câmara Cível, j. 22/02/2017.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. TJRS, AI nº 70.017.279.555,


Des. Rel. Ricardo Ruschel, j. 29/11/2006.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. TJRS. Agravo de Instru-


mento nº 70075121467, Sétima Câmara Cível, Relatora: Liselena Schifino Robles
Ribeiro, Julgado em 11/09/2017.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ, na Resp. nº 1.587.280/RS, julgado em


2016.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ Resp n. 1557248/MS, Min. Villas Bôas


Cuêva, j. 06/02/2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ, REsp n. 1454263 / CE, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, j. 2015 .

156
C APÍTULO 8
Bem de Família

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Esclarecer as diferenças e semelhanças entre bem de família voluntário e legal.

 Aplicar o regramento do bem de família.


DIREITO DE FAMÍLIA II

158
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

ConteXtualiZação
Neste capítulo será tratado sobre a proteção do bem de família, tanto do
convencional quanto do legal. Essa proteção visa assegurar o patrimônio
mínimo, em clara tendência de valorização da pessoa humana, garantida
constitucionalmente.

No Código Civil de 1916, esse tema era tratado na Parte Geral do Código
Civil, deslocado no atual para o Livro de Direito de Família. Em verdade, a
proteção é dirigida à pessoa humana e não especificamente ao ente familiar, tanto
que o STJ reconhece que o imóvel em que reside pessoa solteira é protegido pela
impenhorabilidade legal (Súmula 364 do STJ).

Em outras palavras, o objetivo da impenhorabilidade, objetivando assegurar


o direito à moradia, prioriza a pessoa independente de seu estado civil, se solteiro,
casado, viúvo ou em união estável. Enfim, o tema será abordado, buscando
esclarecer as principais distinções e aplicações acerca do instituto em comento.

Bem de Família Convencional ou


Voluntário
O ordenamento jurídico brasileiro trata sobre o bem de família legal e do bem
de família convencional. O primeiro é tratado pela Lei 8.009/90 e o segundo pelo
Código Civil, artigos 1.711 a 1.722 (BRASIL, 2002).

No momento, será tratado o bem de família convencional instituído


com o propósito de ampliar o objetivo do bem de família legal, coexistindo
harmonicamente os dois institutos.

Assim, importa anotar que o conceito de família aqui é bem abrangente,


podendo ser agraciada pela instituição do bem de família voluntário qualquer
estrutura familiar, seja a sua vinculação decorrente de laços sanguíneos ou
afetivos, hetero ou homossexual.

Sua instituição poderá ser feita pelos cônjuges, por qualquer membro da
entidade familiar ou por terceiro, mediante escritura pública ou testamento, não
podendo ultrapassar um terço do patrimônio líquido de quem o estabelece, a teor
do art. 1.711 do CC.

Caso a instituição seja feita por terceiros, o casal precisa aceitar


expressamente, sob pena de não produzir efeitos.

159
DIREITO DE FAMÍLIA II

Quanto aos limites, Quanto aos limites, de modo distinto do bem de família legal, o
de modo distinto do convencional apresenta restrição para a instituição do bem de família,
bem de família legal,
não permitindo ultrapassar um terço do patrimônio líquido de seus
o convencional
apresenta restrição instituidores, verificável no momento da instituição, ou por ocasião da
para a instituição abertura da sucessão se a instituição se deu por testamento.
do bem de família,
não permitindo Tal limitação se dá por meio de critério eminentemente subjetivo do
ultrapassar um legislador, inviabilizando muitas vezes a sua instituição nas famílias de
terço do patrimônio
baixa renda que normalmente não possuem outro patrimônio, exceto a
líquido de seus
instituidores. casa de moradia.

Dando continuidade ao estudo, o art. 1.712 do CC exige que a instituição do


bem de família convencional recaia sobre bem imóvel residencial, urbano ou rural,
incluindo seus acessórios, além de valores mobiliários, cuja renda seja aplicada
na conservação do imóvel (BRASIL, 2002).

A possibilidade de inclusão de valores mobiliários constitui importante


novidade, mas sofre algumas restrições, por exemplo, não pode exceder o valor
do próprio prédio, conforme dispõe o art. 1.713 do CC. Para não deixar dúvidas,
cita-se o artigo em sua inteireza:

Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos


no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio
instituído em bem de família, à época de sua instituição.
§ 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente
individualizados no instrumento de instituição do bem de
família.
§ 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição
como bem de família deverá constar dos respectivos livros de
registro.
§ 3o O instituidor poderá determinar que a administração
dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira,
bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva
renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos
administradores obedecerá às regras do contrato de depósito
Além da instituição (BRASIL, 2002).
do bem de família
convencional
dever ser feita Além da instituição do bem de família convencional dever
obrigatoriamente ser feita obrigatoriamente por escritura pública ou testamento,
por escritura pública independentemente do valor do imóvel, deverá ainda ser registrada
ou testamento, no Cartório de Registro do local do imóvel (art. 1.714 do CC). Assim,
independentemente os efeitos da instituição só iniciam a partir da inscrição no registro
do valor do imóvel,
imobiliário.
deverá ainda ser
registrada no
Cartório de Registro Obedecidas todas as regras, o imóvel escolhido torna-se
do local do imóvel. inalienável e impenhorável, exceto nos casos elencados no art. 1.715
do CC:
160
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas


posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos
relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas
neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio,
como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para
sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem
outra solução, a critério do juiz (BRASIL, 2002).

Portanto, a proteção do bem de família não prevalecerá nas dívidas com as


seguintes origens, conforme bem exposto por Tartuce (2017, p. 639): “a) dívidas
anteriores a sua constituição, de qualquer natureza; b) dívidas posteriores,
relacionadas com tributos relativos ao prédio, caso do IPTU (obrigações propter
rem ou ambulatórias); c) despesas de condomínio (outra típica obrigação propter
rem ou ambulatórias), mesmo posteriores à instituição”.

Tartuce (2017, p. 639) afirma que fora desse rol pode ser arguida ilicitude
por fraude à lei imperativa, o que depende de análise de caso concreto, citando
como exemplo a instituição de bem de família por devedor de alimentos. Em suas
palavras:

O devedor de alimentos que constitui bem de família voluntário,


antes do inadimplemento da dívida, visando de forma
premeditada à proteção de imóvel determinado, o que não
pode prevalecer. Como se nota, a previsão da exceção dos
alimentos consta apenas da Lei 8.009/1990, e não do Código
Civil de 2002, o que abre margem para manobras jurídicas
indesejadas. A penhora deve ser admitida, pois a proteção teve
como objetivo fraudar a norma de ordem pública que consagra
o dever alimentar, no caso o art. 1.694 do CC.

Estabelece o artigo 1.717 do CC que o imóvel que sofrer a instituição do


bem de família não pode ser alienado sem o consentimento dos interessados e
seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. Como interessados tem-
se os membros da entidade familiar que devem apresentar justo motivo para a
alienação, cuja possibilidade passará pelo crivo judicial.

A teor do art. 1.719 do CC, “comprovada a impossibilidade da manutenção do


bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento
dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o
constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público” (BRASIL, 2002).

Cabível, portanto, a dissolução do bem de família por decisão judicial. Por


sua vez, o art. 1.722 do CC traz hipótese de dissolução automática em caso de
morte de ambos os cônjuges e maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à
curatela.

161
DIREITO DE FAMÍLIA II

Se o casal tiver filhos menores ou incapazes, mesmo falecendo os pais, a


instituição do bem de família perdurará até que todos atinjam a maioridade, o que
vem complementado pelo art. 1.716 do CC.

Importa anotar que Importa anotar que a dissolução da sociedade conjugal, seja por
a dissolução da divórcio, morte, anulação ou nulidade do casamento ou união estável,
sociedade conjugal, não colocará fim ao bem de família, já que este é possível independente
seja por divórcio, do estado civil do sujeito.
morte, anulação
ou nulidade do
casamento ou No que diz respeito à administração, cabe como regra aos
união estável, não cônjuges, passando ao filho mais velho, em caso de morte dos pais.
colocará fim ao bem Para isso, precisará ter mais de 18 anos. Se tiver menos idade, a
de família. administração passará ao tutor (art. 1.720, CC).

Referido instituto não tem grande aplicabilidade prática, tendo em vista a sua
restrição patrimonial, mas, principalmente, em decorrência do instituto do bem de
família legal, que incide de maneira automática, não exigindo gastos com escritura
pública ou testamento.

Outro inconveniente do instituto convencional é que tem como características


a sua inalienabilidade, além da impenhorabilidade, o que o torna bastante restrito
à comercialização.

Em razão disso, o projeto do Estatuto das Famílias do IBDFAM (Instituto


Brasileiro de Direito de Família) suprime o instituto em sua proposta.

Bem de Família Legal


A Lei 8.009/90 disciplina as regras para o bem de família legal, prevendo já
em seu artigo 1º que o imóvel residencial estará protegido de qualquer dívida,
salvo hipóteses legais (art. 3º da Lei) que serão vistas posteriormente.

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade


familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo
de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel
sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as
benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos,
inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a
casa, desde que quitados. (BRASIL, 1990)

162
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

Conforme já dito anteriormente, a proteção não é só do imóvel da família, mas


do próprio sujeito, por isso que a finalidade da Lei é garantir subsistência mínima
e o direito constitucional de moradia para qualquer pessoa, em atendimento à
dignidade do sujeito.

A impenhorabilidade, em regra, somente se aplica se o imóvel for A impenhorabilidade,


utilizado para residência ou moradia permanente da entidade familiar, em regra, somente
se aplica se o
de acordo com o art. 5º da Lei. Contudo, se o casal ou a família tiverem
imóvel for utilizado
vários imóveis utilizados como residência, “a impenhorabilidade recairá para residência ou
sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse moradia permanente
fim, no Registro de Imóveis” (Parágrafo único, art. 5º da Lei n. 8009/90). da entidade familiar.

Com efeito, será protegido o único imóvel do casal de qualquer tipo de dívida
(salvo as previstas no art. 3º da Lei), em tese, se nele fixarem residência. Se mais
de um for utilizado para essa finalidade, a proteção recairá sobre o de menor valor.

O STJ, contudo, vem entendendo que a impenhorabilidade se


aplica, ainda que o imóvel esteja alugado, se o aluguel servir para
gerar frutos que possibilitem à família a residir em outro bem alugado,
conforme ementa a seguir:

[...] Penhora de imóvel. Bem de Família. Locação a terceiros.


Renda que serve de aluguel de outro que serve de residência
ao núcleo familiar. Constrição. Impossibilidade, Lei 8.009/1990,
art. 1. Exegese. Súmula 7-STJ. A Orientação predominante
no STJ é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na
Lei 8.009/1990 se estende ao único imóvel do devedor, ainda
que este se ache locado a terceiros, por gerar frutos que
possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado
[...] (STJ, AGA 385692/RS, 4 Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho
Junior, j. 09.04.2002).

O tema, inclusive, está sumulado desde 2012 pela Súmula 486


do STJ, com redação semelhante ao acima indicado. A premissa
também se aplica caso o único imóvel do devedor estiver em
usufruto, servindo de moradia para outro ente familiar que não o
próprio devedor.

163
DIREITO DE FAMÍLIA II

Nessa linha de interpretação extensiva ao bem de família, também já


entendeu o STJ que “o fato do terreno se encontrar desocupado ou não edificado
são circunstâncias que sozinhas não obstam a qualificação do imóvel como bem
de família, devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída” (tese
nº 10, jurisprudência em teses, Edição nº 44).

Na análise do julgado em que assim foi decidido, havia uma peculiaridade, já


que os proprietários tiveram que desocupar o terreno, em razão de dano provocado
por terceiro que o tornou inabitável. Na situação em concreto se protegeu “um
direito à moradia potencial, que se encontra dormente no momento da discussão
da penhora, mas que pode voltar a ter incidência concreta a qualquer momento”
(TARTUCE, 2017, p. 644).

No tocante ao valor
do imóvel, o STJ No tocante ao valor do imóvel, o STJ reiteradas vezes tem se
reiteradas vezes tem manifestado no sentido de ser isso irrelevante para o reconhecimento
se manifestado no da impenhorabilidade do bem de família. Sustenta referido Tribunal que
sentido de ser isso a Lei somente exige que o imóvel sirva de moradia permanente, não
irrelevante para o particularizando a classe, o valor, ou se é um imóvel simples ou de alto
reconhecimento da
padrão. Também nas exceções previstas no art. 3º da Lei 8.009/90,
impenhorabilidade
do bem de família. nenhuma alusão se encontra a referidos critérios.

Contudo, é preciso ficar atento ao art. 4º da lei de impenhorabilidade,


que prevê que “não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-
se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência
familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga”. (BRASIL, 1990)

Tal redação é complementada pelo § 1º do art. 3º da Lei, que autoriza o juiz,


neste caso, “a transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou
anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme
a hipótese”. (BRASIL, 1990)

Percebe-se que a norma pune o devedor que age em evidente má-fé. Em


punição também a este tipo de comportamento, o STJ, em 2012, entendeu não
prevalecer a impenhorabilidade nas situações em que o devedor aliena todos os
seus imóveis, com exceção do bem de família, no claro intuito de lesar os seus
credores. Extrai-se do voto:

Não há, em nosso sistema jurídico, norma que possa ser


interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé.
Todas as disposições jurídicas, notadamente as que confiram
excepcionais proteções, como ocorre com a Lei 8.009/90,
só têm sentido se efetivamente protegerem as pessoas que
se encontram na posição prevista pelo legislador. Permitir

164
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma


disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover
uma injustiça na situação concreta (...) (STJ, Resp, 1.299.580/
RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.03.2012).

Logo após, em 2014, outro julgado da Min. Nancy afastou a impenhorabilidade


na hipótese em que os devedores, visando proteger o seu imóvel de moradia,
transferem o mesmo para o filho menor, também em evidente fraude à execução
(STJ, Resp 1.364.509/RS, j. 10/06.2014).

Em continuidade ao tema, são também impenhoráveis os bens


A proteção contida
móveis que guarnecem a residência (parágrafo único, art. 1 da Lei). na Lei nº 8.009/1990
Nesse sentido, esclarece a premissa nº 03 da Jurisprudência em alcança não apenas
teses do STJ, edição 44, que “A proteção contida na Lei nº 8.009/1990 os imóveis da
alcança não apenas os imóveis da família, mas também os bens família, mas também
móveis indispensáveis à habitabilidade de uma residência e os os bens móveis
indispensáveis à
usualmente mantidos em um lar comum”.
habitabilidade de
uma residência
Portanto, em princípio, fogão, geladeira, televisão, cozinha, e os usualmente
dormitórios, máquina de lavar roupa, por exemplo, são considerados mantidos em um lar
impenhoráveis, a não ser que existam em duplicidade, caso em que a comum.
regra poderá ser excepcionada (STJ, AgRg no Resp 606.301/RJ, rel.
Min. Raul Araújo, j. 27/08/2013).

Já com relação ao imóvel rural, disciplina o § 2º do art. 4, da Lei em destaque


que neste caso “a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os
respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI da Constituição, à
área limitada como pequena propriedade rural”.

Por fim, cabe mencionar as exceções previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/90


que trata sobre a possibilidade de penhora do bem de família, artigo que já sofreu
reformas, conforme se pode perceber de sua leitura:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo


de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra
natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência
e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado
pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado
à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos
e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos,
sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre
união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que
ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº
13.144 de 2015)

165
DIREITO DE FAMÍLIA II

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e


contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato
de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991) (BRASIL, 1990)

São exceções, portanto, da regra da impenhorabilidade atualmente:

a) a dívida decorrente de financiamento à construção ou aquisição do


próprio imóvel;
b) a dívida alimentar, ressalvados os direitos do coproprietário;
c) dívidas fiscais do próprio imóvel, incluídas as obrigações propter rem, no
caso, as dívidas decorrentes de condomínio, consoante confirmação do
STF (STF, RE 439.003/SP, Rel. Min. Eros Graus, j. 2007);
d) dívida garantida por hipoteca, quando o imóvel foi oferecido em garantia
pelo próprio dono do imóvel. Essa previsão legal tem sido afastada pelo
STJ nos casos de pequena propriedade rural (STJ, Resp 1.115.265/RS,
Rel Min. Sidnei Beneti, j. 24.04.2012) e também se a hipoteca é oferecida
para garantir dívida de empresa individual (STJ, AgRg no Ag 597.243/
GO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 2002), por exemplo;
e) se o bem de família foi adquirido como produto do crime ou para
execução de sentença penal condenatória de ressarcimento, indenização
ou perdimento de bens;
f) dívida decorrente de prestação de fiança em contrato de locação de
imóvel urbano. Esta última situação sofre constantes críticas da doutrina,
que a entendem como inconstitucional. Se o devedor principal tem o seu
bem protegido, como pode o fiador não poder salvaguardar o seu? Essa
questão, nos Tribunais, todavia, ganha outro contorno. Julgado pelo
plenário do STF, em 2006, a questão, por maioria de votos, foi entendida
como constitucional (STF, RE 407688/SP, Rel. Min. Cesar Peluso, j.
08.02.2006).

É válida a penhora Mesmo após essa decisão, os Tribunais inferiores continuaram a


de bem de família divergir, porém, em 2015 o STJ sumulou a questão, conforme se extrai
pertencente a fiador
da Súmula nº 549 “É válida a penhora de bem de família pertencente a
de contrato de
locação. fiador de contrato de locação”.

166
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

Importante questão diz respeito à possibilidade ou não de


renúncia da regra da impenhorabilidade do bem de família. Dois
posicionamentos são encontrados acerca do tema. Uma das
correntes sustenta que se o devedor oferecer o seu imóvel de
moradia para penhora, no processo executivo, e depois vier a opor
embargos alegando impenhorabilidade, os embargos devem ser
rejeitados. Os argumentos passam pela vedação de comportamento
contraditório, aplicação da regra de que ninguém pode se beneficiar
da própria torpeza, além de que há possibilidade de renúncia da
proteção prevista na Lei 8.009/90, pois se trata de direito disponível,
sendo um justo e legal exercício de autonomia privada.

Por outro lado, a outra corrente defende não ser possível a


renúncia, por envolver direito fundamental que é o direito à moradia,
devendo os embargos serem acolhidos.

A questão foi resolvida pelo STJ, que na edição nº 44 da


Jurisprudência em Teses, na premissa nº 17, assim entendeu: “a
impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública,
razão pela qual não admite renúncia pelo titular”.

Denota-se que a principal razão da proteção do bem de família


vincula-se à proteção constitucional do mínimo existencial, do direito
de moradia, visando a assegurar a dignidade da pessoa humana.

Atividade de Estudos:

1) Como atividade de revisão, aponte um resumo esquemático de


semelhanças e distinções sobre o bem de família convencional e
legal.
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167
DIREITO DE FAMÍLIA II

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Algumas ConsideraçÕes
A finalidade do bem de família, instituto protetivo da moradia, conforme
exposto, é fortalecer o direito ao teto familiar (MADALENO, 2016, p. 1096). O
legislador privilegiou, em detrimento do pagamento de inúmeras dívidas, a
impenhorabilidade do bem de família, visando assegurar a habitação não só da
família, como também da pessoa solteira.

A restrição prevista compreende não só o imóvel, como também os móveis


que o guarnecem, ou no caso do bem de família convencional, também o fundo
patrimonial proveniente de valores mobiliários, cuja renda deverá ser aplicada na
conservação e sustento da família (art. 1.712 do CC).

Essas regras eventualmente podem sofrer limitações, seja em decorrência


de previsão legal, ou por meio de interpretação no sentido de não favorecer o
devedor que se utiliza de evidente má-fé.

O tema ainda está envolto em algumas discussões, conforme visto, que


exigem maiores reflexões, que cabem a todos nós, estudiosos e aplicadores do
Direito.

168
Capítulo 8 BEM DE FAMÍLIA

ReferÊncia
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Di-
sponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 13.010, de 23 de junho 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13010.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei 12.962, de 8 de abril de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

______. Lei nº 12.013, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12013.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po-
diwm, 2016.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2017.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF, RE n. 407688/SP, Rel. Min. Cesar Peluso,


j. 08.02.2006. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

169
DIREITO DE FAMÍLIA II

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STF, RE n. 439.003/SP, Rel. Min. Eros Graus, j.


2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ, Resp n. 1.115.265/RS, Rel Min. Sidnei


Beneti, j. 24.04.2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ, AgRg no Ag 597.243/GO, Rel. Min.


Fernando Gonçalves, julgado em 2002. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ, AgRg no Resp 606.301/RJ, rel. Min.


Raul Araújo, j. 27/08/2013. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 jun.
2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ, Resp n. 1.364.509/RS, j. 10/06.2014).


Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 25 jun. 2018.

170
C APÍTULO 9
União Estável

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Delimitar o instituto da união estável e seus requisitos.

 Analisar os aspectos pessoais e patrimoniais, atentar para as questões


controvertidas e decisões recentes.

 Verificar os contratos de união estável e ações correspondentes.


DIREITO DE FAMÍLIA II

172
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

ConteXtualiZação
As uniões estáveis sempre existiram, mas durante muito tempo eram
invisíveis ao Direito, forçando aos seus integrantes buscarem as soluções diante
da ruptura dos relacionamentos, com base no direito obrigacional.

Foi somente com a Constituição Federal de 1988 (art. 226, parágrafo 3º) que
passaram a ser tuteladas e protegidas pelo mundo jurídico, estando em pé de
igualdade com o casamento como forma de constituir família.

Atualmente, a união estável cumpre um papel de relevo, aumentando cada


vez mais o número de relações informais. Em que pese terem sido albergadas
pela legislação, muitas celeumas giram em torno do tema, principalmente
relacionadas aos seus aspectos patrimoniais, decorrentes do término da relação,
seja em vida ou por morte.

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, portanto, você terá os


seguintes objetivos de aprendizagem: delimitar o instituto da união estável e seus
requisitos, analisar os aspectos pessoais e patrimoniais, atentar para as questões
controvertidas e decisões recentes, além de verificar os contratos de união estável
e ações correspondentes.

AsPectos Gerais
Antes de iniciar a análise sobre a união estável atualmente, importa tecer
algumas considerações gerais sobre o instituto no passado e, para isso, a
abordagem do concubinato se revela obrigatória.

As relações entre pessoas casadas e solteiras eram tratadas como


concubinatos. O concubinato, que tinha uma leitura pejorativa e que na sua
literalidade significava “dormir com”, considerada como uma comunhão de leito,
remetia à ideia de relações espúrias, proibidas, as típicas relações dos amantes,
condenadas pela sociedade e pelo Direito.

Contudo, também recebiam essa denominação as relações entre pessoas


separadas faticamente (o casamento era considerado indissolúvel nessa época),
solteiras ou viúvas que acabam assumindo compromissos informais.

Por essa razão, a doutrina passou a distinguir o concubinato em puro e


impuro, sendo o concubinato puro as relações entre pessoas sem impedimentos
para o casamento e o concubinato impuro as relações entre pessoas impedidas
de se casar.

173
DIREITO DE FAMÍLIA II

Todavia, como essas relações tornavam-se cada vez mais presentes e


muitas questões eram levadas ao Judiciário, alguns direitos patrimoniais foram
reconhecidos, porém, baseados no enriquecimento sem causa, ou seja, eram
tratadas como sociedades fáticas.

Várias súmulas foram editadas, caso da Súmula 35 do STF, de 1963, que


reconheceu o direito à pensão previdenciária para quem conseguisse comprovar
a união fática com o falecido, em relação de concubinato puro. A Súmula está
assim redigida: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina
tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia
impedimento para o matrimônio”.

Logo após, em 1964, outras duas matérias foram sumuladas, uma delas
com reconhecimento da dissolução judicial da sociedade fática e partilha de
bens, adquiridos pelo esforço comum (Súmula 380), e a outra reconhecendo
que a “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à
caracterização do concubinato” (Súmula 382).

Somente em 1988, Somente em 1988, com a promulgação da Constituição, é


com a promulgação que o concubinato puro passou a ser designado de união estável,
da Constituição, é
reconhecendo-o como entidade familiar, disciplinado pela Lei nº
que o concubinato
puro passou a ser 8.971/94, pela Lei nº 9.278/96 e, por fim, pelo Código Civil. Já as
designado de união relações entre pessoas impedidas de se casar continuaram sendo
estável. chamadas de concubinato (art. 1.727 do CC), sem extensão de direitos.

A Lei nº 8.971/1994 identificou os requisitos para a configuração da união


estável, reconhecendo como tal a união de pessoas solteiras, separadas
judicialmente, divorciadas ou viúvas, com convivência de no mínimo cinco anos
ou existência de prole. Reconheceu ainda o direito dos companheiros à partilha
de bens, alimentos e sucessões.

Em 1996, outra lei foi editada, a Lei nº 9.278, que alterou os requisitos e
passou a exigir convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma
mulher, com o objetivo de constituir família, ou seja, derrubou o requisito temporal
de no mínimo cinco anos, bastante criticado, mas não revogou em sua inteireza a
Lei anterior.

Em 2003, com a edição do Código Civil, a regulamentação da união


estável passou a ser tratada pelos artigos 1.723 a 1.727 do CC, mantendo os
mesmos requisitos da Lei de 1996, regendo o direito sucessório o artigo 1.790,
recentemente declarado inconstitucional pelo STF (RE 878.694/MG), conforme se
verá mais adiante.

174
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

ReQuisitos Para Configuração e


PressuPostos
O artigo 1.723 do
O artigo 1.723 do Código Civil aduz ser reconhecida como
Código Civil aduz
entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada ser reconhecida
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com como entidade
o objetivo de constituição de família. Exige o seu parágrafo, em familiar a união
complemento ao caput, a ausência de impedidos para o casamento. estável entre
Far-se-á, então, uma análise de todos os requisitos em separado. homem e mulher,
configurada
na convivência
a) União entre homem e mulher: apesar do artigo 1.723 do CC
pública, contínua
estar assim redigido, houve uma reinterpretação conforme e duradoura e
a Constituição, no julgamento da ADIn 4.277/2010 (STF, estabelecida com
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 5.5.2010), para o objetivo de
admitir a caracterização da união estável entre pessoas do constituição de
mesmo sexo, reconhecendo-lhes efeitos gerais. A partir dessa família.
decisão, a união estável pode ser reconhecida tanto entre
casais heteros ou homossexuais, devendo-se reler o artigo e A união estável pode
dizer que o requisito exige apenas união entre pessoas, sem ser reconhecida
tanto entre
se importar com a questão da sexualidade.
casais heteros ou
homossexuais.
b) Publicidade: a lei exigiu que a união deve ser pública,
conhecida, notória. Em geral, as entidades familiares não têm razão para
viverem no anonimato, na clandestinidade. A lei visa proteger os núcleos
que se comportam como se casados fossem, pois a intenção do casal
deve ser conviver efetivamente com o objetivo de constituir família. Tanto
que publicidade não significa que não possam ter discrição.

c) Estabilidade: a relação para ser reconhecida como união estável


deve se prolongar no tempo, para que seja possível verificar a sua
estabilidade. Apesar de não existir requisito temporal mínimo, é certo que
dependerá de tempo para se caracterizar como entidade familiar, o que
será verificado de modo casuístico e juntamente aos demais requisitos
exigidos. Importa para o relacionamento a qualidade e não o tempo de
duração.

d) Continuidade: assim como a estabilidade, a continuidade também


requer tempo mínimo de convivência, a fim de se poder reconhecer a
solidez do vínculo entre o casal. Desse modo, a continuidade requer
permanência da relação e não uma união cheia de interrupções, de idas
e vindas. Percebe-se que esses requisitos são todos subjetivos e que,
portanto, podem ser relativizados a depender da situação.

175
DIREITO DE FAMÍLIA II

e) Com objetivo de constituir família: o ânimo de constituir família é o


principal requisito de caracterização de união estável. É exatamente este
requisito que distingue uma união estável de um namoro, por exemplo.
Segundo a doutrina, na união estável, o objetivo é atual, presente, o casal
já vive como se casados fossem; já no namoro qualificado, o objetivo de
constituir família é futuro e, portanto, não decorrem os efeitos de uma
entidade familiar. Segundo Farias e Rosenvald (2016, p. 475):

Sem dúvidas, é fundamental a existência de uma comunhão


de vidas no sentido material e imaterial, em correspondência e
similitude ao casamento. É uma troca de afetos e uma soma de
objetivos comuns, de diferentes ordens, solidificando o caráter
familiar da relação.

É fato que a prova do objetivo de constituir família não é fácil,


principalmente quando um dos conviventes discorda de sua existência, como
também não é simples a configuração da união estável quando sobre ela o casal
diverge. Por isso, a configuração deve levar em conta a somatória de fatores
exigidos pela lei para a sua caracterização.

f) Além desses elementos, a inexistência de impedimento é outro fator a


ser considerado. O parágrafo único do art. 1.723 é categórico ao afirmar
Os impedimentos que não constituirá união estável se ocorrerem os impedimentos do art.
são as proibições
1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
ao casamento e
também à união casada se achar separada de fato ou judicialmente. Os impedimentos
estável. são as proibições ao casamento e também à união estável.

Desse modo, não podem viver em união estável os ascendentes


A única situação com os descendentes (qualquer que seja o parentesco - natural ou
de impedimento civil); os afins em linha reta; os irmãos e os demais colaterais até o
ao casamento
terceiro grau; e o companheiro sobrevivente com o condenado por
que autoriza o
reconhecimento de homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu convivente.
união estável é o da
pessoa separada de A única situação de impedimento ao casamento que autoriza
fato, reconhecendo o reconhecimento de união estável é o da pessoa separada de fato,
o afeto como reconhecendo o afeto como importante fator de constituição familiar.
importante fator de
constituição familiar.
Caso esteja presente qualquer dos demais impedimentos, restará
caracterizado o concubinato, previsto no art. 1.727 do CC, que não é
considerado entidade familiar e nem garante qualquer direito aos seus integrantes
(BRASIL, 2002).

176
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

Com respeito ao impedimento de reconhecimento de


união estável quando presentes as causas impeditivas, é de se
ressaltar as divergências que pairam acerca da (im)possibilidade
de reconhecimento dos efeitos decorrentes da união estável na
existência de simultaneidade familiar.

De fato, pode ocorrer a união estável putativa quando um


dos membros da relação desconhece que o outro possui causa
impeditiva, por já ter outra relação, que pode ser casamentária ou
oriunda de união estável. Nesses casos, discute-se se é ou não
possível reconhecer os direitos de partilha de bens, herança, entre
outros.

Julgados, reconhecendo a possibilidade de extensão de efeitos,


já podem ser encontrados em vários Tribunais, caso do Tribunal do
Rio Grande do Sul, conforme se denota da ementa:

Reconhecimento de união dúplice. Precedentes


jurisprudenciais. Meação (triação). Os bens adquiridos
na constância da união dúplice são partilhados entre a
esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se
transmuda em triação pela duplicidade de uniões (TJ/
RS, AC. 8 Cam Cível, Des. Ruy Portanova, j. 2005).

Também do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

[...] Embora seja predominante, no âmbito do Direito


de Família, o entendimento da inadmissibilidade
de se reconhecer a dualidade de uniões estáveis
concomitantes, é de se dar proteção jurídica a ambas
as companheiras em comprovado o estado de
recíproca putatividade quanto ao duplo convívio com o
mesmo varão, mostrando-se justa a solução que alvitra
a divisão de pensão derivada do falecimento dele e
da terceira mulher com quem fora casado (TJSC, AC
2009.041434-7, rel. Des. Eládio Torreto Rocha, j. 11.11).

Assim como estes, outros tantos em sentido contrário são


facilmente localizados. Na doutrina sustentam a possibilidade de
reconhecimento de uniões simultâneas Farias e Rosenvald (2016),
Dias (2013), entre outros tantos autores. Já em sentido oposto,
Madaleno (2016), Veloso (2013) etc.

177
DIREITO DE FAMÍLIA II

O tema continua polêmico e sem um posicionamento específico.

Para maiores esclarecimentos sobre o tema, leia Rolf Madaleno


(2018, p. 1179-1190) - Direito de Família, que traz ambos os
posicionamentos com riqueza de detalhes, assim como variadas
decisões jurisprudenciais, no capítulo em que aborda a união estável,
item concubinato e relações paralelas.

A coabitação é outro elemento apontado por alguns como requisito de


configuração. O artigo 1.723 do CC não exige a residência conjunta. Para
Madaleno (2016, p. 1129), a convivência pressupõe como regra a coabitação,
e complementa que “mesmo que pudesse ser admitida a ausência da moradia
conjunta, mas tão somente como exceção, nunca como regra geral”.

Já para Farias e Rosenvald (2017, p. 491), não há exigência de coabitação,


citando como argumento a Súmula 382 do STF, que dispensa a moradia sob o
mesmo teto para configuração do concubinato.

Independente do Independente do posicionamento, na prática, a coabitação é


posicionamento, elemento importante quando existente divergência entre o casal sobre a
na prática, a existência ou não de união estável. Muito mais simples a comprovação
coabitação é quando o casal reside no mesmo endereço.
elemento importante
quando existente
Com efeito, a verificação da união estável exige análise conjunta
divergência entre
o casal sobre a de todos os fatores considerados, os objetivos e os subjetivos. O
existência ou não de comportamento do casal, as suas atitudes e a existência de comunhão
união estável. de vidas.

Deveres e Direitos dos ComPanheiros


Assim como no casamento, a união estável também irradia efeitos tanto de
ordem pessoal como patrimonial. Portanto, para fins didáticos, será efetuado o
estudo em separado.

178
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

a) Efeitos Pessoais

O artigo 1.724 do Código Civil elenca os deveres e direitos Relações


pessoais entre
entre os companheiros e dispõe que as relações pessoais entre
os companheiros
os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e obedecerão
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. aos deveres de
lealdade, respeito
A doutrina aponta a inexistência de simetria entre os deveres e assistência, e de
exigidos no casamento e na união estável, que, de fato, não são guarda, sustento e
educação dos filhos.
exatamente iguais, mas parecidos. O casamento, por exemplo, exige
fidelidade, a união estável requer lealdade.

Para Pereira (2003, p. 101), “a fidelidade é espécie do gênero lealdade”. Já


Madaleno (2016, p. 1149) complementa e anota que “ser fiel ou leal é corresponder
à confiança do parceiro; a lealdade vai além do compromisso de fidelidade afetiva,
abrange um amplo dever de respeito e de consideração devida mutuamente entre
os companheiros, no propósito de perpetuarem a sua relação afetiva”.

No passado, a quebra dos deveres impostos aos cônjuges resultava em


penalidades, como a possibilidade de separação, quando imputada a culpa
ao outro cônjuge. No entanto, após a Emenda Constitucional 66/2010, não há
mais penalidades aplicáveis. Na união estável, a previsão de sanções pelo
descumprimento dos deveres nunca existiu. Portanto, o desrespeito a qualquer
dos deveres do casamento ou da união estável, na atualidade, restringe-se ao
plano pessoal do casal que pode optar por terminar a relação.

Respeito é dever moral existente em qualquer relação. É o mínimo que se


pode esperar de duas pessoas que decidem viver como família. Já a assistência
é dever recíproco entre o casal e abrange todas as esferas, tanto material, quanto
moral e espiritual.

A assistência material ao longo da relação é a obrigação diária de assumir


conjuntamente os encargos financeiros do lar e da família; se eventualmente a
relação vier a se dissolver, a possibilidade de pleitear alimentos, caso se façam
necessários.

A assistência moral e espiritual consiste no constante apoio prestado ao outro,


no compartilhamento de alegrias, tristezas, doenças, momentos de dificuldade. É
um verdadeiro dever de solidariedade, de proteção e respeito mútuo.

A guarda, sustento e educação dos filhos são impostos aos pais em


decorrência do poder familiar, independentemente dos vínculos existentes entre
os pais. O dever de criar e de educar é inerente às funções paternas e maternas,
como já se viu no capítulo específico.
179
DIREITO DE FAMÍLIA II

• Estado Civil: Diferente do casamento, na união estável não há ainda


um estado civil específico, continuando o casal a se declarar como
Diferente do solteiro, viúvo ou divorciado, a depender de seu estado anterior. Há
casamento, na
em tramitação o projeto de Lei nº 1.179/03, que acrescenta o par. 3º ao
união estável não
há ainda um estado artigo 1723: “os companheiros adotarão o estado civil de conviventes”.
civil específico, O Código de Processo Civil também inovou e exigiu como requisito da
continuando o petição inicial (art. 319) que se identifique no estado civil a existência
casal a se declarar de união estável.
como solteiro, viúvo
ou divorciado, a
• Nome: No passado, a adoção do patronímico do marido, pela mulher,
depender de seu
estado anterior. era obrigatória. Com a Constituição Federal de 1988, que trouxe
a igualdade entre os cônjuges e alteração dos valores da própria
sociedade, qualquer um dos dois pode, se quiser, adotar o patronímico
do outro. Isso, inclusive, já perdeu importância para muitos, que preferem
manter os seus nomes de solteiro.

No casamento, a opção é feita no procedimento de habilitação, diretamente


no Cartório. Na união estável, não há previsão sobre a adoção do sobrenome do
outro, no Código Civil, porém, a lei de registros públicos, Lei 6.015/73, alterada
desde 1975, admite à companheira o acréscimo do patronímico do companheiro.
O procedimento de escolha, nesse caso, somente é possível, segundo redação
legal, por meio de decisão judicial, em ação de retificação.

É um assunto que merece atualização e possibilidade de ser requerido


diretamente em Cartório. O STJ já decidiu pela possibilidade do pedido quando do
reconhecimento da união estável em juízo.

É sabido que as possibilidades de alteração de nome dentro


da legislação nacional são escassas, ocorrendo, no mais
das vezes, flexibilização jurisprudencial da vetusta Lei
6.015/73, em decorrência do transcurso de quase quatro
décadas, entremeado pelo advento do divórcio e por nova
Constituição que, em muitos aspectos, fixou balizas novas
para os relacionamentos interpessoais - como a igualdade
entre os sexos dentro da relação familiar - e ainda, reconheceu
a existência de novos institutos, v.g. a união estável, na qual
se enquadra o relacionamento vivenciado pela recorrente nos
últimos trinta anos” (STJ, no Recurso Especial nº 1.206.656-
GO, rel. Min. Nancy Andrighi).

Já em São Paulo, no ano de 2014, houve suscitação de dúvida pelo Cartorário


ao juiz corregedor que entendeu a viabilidade do acréscimo do sobrenome apenas
por decisão judicial. Inconformados, o casal que pretendia que a companheira
acrescentasse o seu sobrenome, recorreu ao TJSP, que entendeu cabível o pleito
do casal, via escritura pública. Extrai-se do voto do relator:

180
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

Não se vislumbra por qual motivo se deva tratar de forma di-


ferente, sob esse aspecto, o registro de uma sentença de re-
conhecimento de união estável e o registro de uma escritura
pública de união estável. Se o Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que cabe a alteração do sobrenome quando do reco-
nhecimento de união estável, fazendo-o por equiparação ao
casamento, parece claro que também cabe essa alteração por
meio de escritura pública (voto não localizado, informação reti-
rada do site do IBDFAM: <www.ibdfam.org.br>).

Terminada a análise dos efeitos pessoais, passa-se agora aos efeitos


patrimoniais.

b) Efeitos patrimoniais

As entidades consideradas como família possuem projeção de efeitos


pessoais, mas também projeção de consequências econômicas. Alguns efeitos
se manifestam quando da dissolução da sociedade conjugal em vida e outros pela
dissolução por morte.

O primeiro efeito que merece destaque é no tocante ao regime


de bens. O artigo 1.725 do CC estabelece que “na união estável, Na união estável,
salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações salvo contrato
escrito entre os
patrimonais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens”.
companheiros,
(BRASIL, 2002) aplica-se
às relações
Pela redação, percebe-se a aplicação automática do regime de patrimonais, no que
comunhão parcial, com exceção dos casos em que o casal adota couber, o regime de
regularmente por meio de contrato escrito outro regime. comunhão parcial
de bens.
Conforme já visto, o regime de comunhão parcial pressupõe a
comunhão dos bens adquiridos na constância da relação a título oneroso, sem
necessidade de comprovação de esforço comum, pelo contrário, a colaboração
se presume.

Dito de outra forma, aplica-se à união estável o regime de comunhão parcial


de bens, sem qualquer distinção em relação ao casamento. O regime é o mesmo,
com todas as regras e exceções previstas.

Como bem autoriza o artigo, as partes podem livremente eleger outro regime,
desde que o façam por meio de contrato de convivência.

Há várias questões controvertidas no que diz respeito ao regime de bens.

181
DIREITO DE FAMÍLIA II

A imposição do regime de separação de bens, prevista no artigo


1.641 do CC, aplica-se à união estável?

A doutrina é bastante divergente, porém entendimento majoritário parece


ser no sentido de não aplicação. É o que defendem Renata Barbosa de Almeida
(2010), Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2017), Paulo Lôbo (2012)
e Maria Berenice Dias (2017). A jurisprudência, apesar de dividida, já parece ser
majoritária no sentido oposto, de imposição do regime obrigatório também às
uniões estáveis. Ver mais sobre esta questão no capítulo sobre regime de bens,
item específico sobre regime de separação obrigatória de bens.

Aplica-se à união estável a obrigatoriedade de outorga para


disposição dos bens, prestação de aval ou fiança, conforme exigido
pelo artigo 1.647 do CC para as pessoas casadas?

De fato, considerando que a união estável é uma união


de fato, sem a necessidade de registros públicos,
não há como vincular terceiros, motivo pelo qual a
outorga não pode ser exigida em nome da proteção do
adquirente de boa-fé, resolvendo-se o problema entre
os companheiros, através da responsabilidade civil.
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 506).

Em sentido oposto, porém minoritário, defendendo a


necessidade de outorga também na união estável, tem-se Maria
Berenice Dias (2017) e Paulo Lôbo (2012).

No STJ a questão ainda não se encontra pacificada, sendo


possível encontrar julgados em ambos os sentidos.

O novo CPC, todavia, regulou a matéria e determinou em seu


art. 73, par. 3º que se aplica à união estável a regra do caput do
referido artigo, que exige a outorga para a propositura de ação que
verse sobre direito real imobiliário, exceto se casados sob o regime
de separação total de bens.

182
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

As Corregedorias estaduais, diante da dificuldade de


interpretação, baixam provimentos para que os Cartórios sigam
um mesmo direcionamento quando das confecções de escrituras
públicas. O de Santa Catarina, por exemplo, por meio do Provimento
nº 06/2003, exige em seu artigo 3, a anuência em caso de união
estável, quando um deles pretenda alienar ou gravar de ônus real
bens imóveis.

Os efeitos em decorrência da morte fogem a este material,


mas importa recordar que recentemente o STF reconheceu como
inconstitucional o art. 1.790 do CC que tratava sobre a sucessão
da morte do companheiro. A partir de então, o direito sucessório,
também para as pessoas que vivam em união estável, será regulado
pelo art. 1.829 do CC (STF, RE 878.694/MG, Rel. Min. Luis Roberto
Barroso, j. 2016).

Contrato de ConvivÊncia Entre


ComPanheiros
A união estável é uma união livre e informal em sua essência. Em razão disso,
não há necessidade de formalização. Nesse aspecto, configura-se a principal
diferença em relação ao casamento. Contudo, podem as partes, se quiserem,
formalizá-la por meio de contrato de convivência.

Esse contrato dispensa formalidades, podendo ser celebrado por instrumento


público ou particular, a qualquer tempo. Sendo ato de autonomia privada, podem
os conviventes elegerem qualquer outro regime para regular a sua relação.

É de se ressalvar que a união estável não se configura com a É de se ressalvar


que a união estável
formalização do contrato, mas sim pelo preeenchimento dos requisistos,
não se configura
conforme já exposto na parte inicial deste capítulo. O contrato serve com a formalização
muito mais como meio de prova da união e regulamentação de do contrato,
questões patrimoniais. mas sim pelo
preeenchimento dos
Assim como no casamento, podem os conviventes alterar as requisistos.
regras dos regimes, desde que não considerados de ordem pública, sob pena de
nulidade, podendo misturar regimes, ou criar regras próprias.

183
DIREITO DE FAMÍLIA II

Todavia, para que o regime eleito possa produzir efeitos perante terceiros
é fundamental que tal contrato seja averbado junto à Matrícula dos Imóveis
existentes ou futuramente adquiridos.

Contrato de namoro: um tópico que merece ser destacado diz respeito ao


namoro qualificado, que pressupõe relacionamento sério, mas sem o objetivo de
constituir família, embora viajem juntos, frequentem diversos locais juntos e até
mesmo dormem um na casa do outro.

O contrato nesse caso serve para afastar a incidência de regras patrimoniais


e deixar claro que a relação existente não configura uma união estável.

Todavia, a discussão travada é se tal contrato produz efeitos jurídicos


conforme desejado, ou se não possui o condão de por si só afastar as regras da
união estável. Para Madaleno (2016, p. 1179):

Nenhuma validade terá um precedente contrato de namoro


firmado entre um par afetivo que tencione evitar efeitos jurídicos
de sua relação de amor, porque seus efeitos não decorrem
de contrato em si, mas do comportamento socioafetivo que o
casal desenvolver, pois, se com o tempo eles alcançaram no
cotidiano a sua mútua satisfação, como se fossem marido e
mulher e não mais apenas namorados, expondo sua relação
com as características do artigo 1.723 do Código Civil, então
de nada serviu o contrato preventivo de namoro e que nada
blinda se a relação se transmudou em uma inevitável união
estável, pois diante dessas evidências melhor teria sido que
tivessem firmado logo um contrato de convivência modelado
no regime da completa separação de bens.

Como dito acima, o tema é polêmico e divide opiniões.

Conversão de União Estável em


Casamento
Prevê o art. 226, par. 3º da CF que a lei facilitará a conversão da união
estável em casamento. Por sua vez, o artigo 1.726 do CC preconiza que “a união
estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros
ao juiz e assento no Registro de Imóveis”.

Assim, observa-se ser possível converter a união estável em casamento por


meio de pedido que passará pelo crivo judicial e posterior assento no Cartório de
Registro de Imóveis.

184
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

Farias e Rosenvald (2017) sugerem a inconstitucionalidade do artigo,


em razão de afronta ao texto constitucional, que determinou a facilitação da
conversão, porém o Código Civil tornou o procedimento mais complexo ao exigir
pedido dirigido ao juiz.

De fato, casar é mais simples do que converter a união estável em


casamento. Ambas necessitam passar pela fase de habilitação, mas enquanto o
pedido de casamento segue o trâmite todo de modo administrativo, a conversão
tem necessidade de ser dirigida ao Judiciário, tornando o procedimento mais
custoso e difícil.

Algumas corregedorias estaduais regulamentaram a conversão como


procedimento administrativo, caso de São Paulo (prov. nº 25/2005).

Na conversão de união estável em casamento, os efeitos


retroagem à data de início da união estável?

Doutrinadores como Farias e Rosenvald (2017) e Madaleno


(2018) entendem que sim, inclusive apontam a retroatividade dos
efeitos como uma das vantagens da conversão. Por exemplo, se o
casal optar por um regime distinto da comunhão parcial, em tese,
para esses autores, o regime retroage.

Há quem entenda que não, caso de Renata Barbosa de Almeida,


Walsir Rodrigues Júnior (2010) e Paulo Lôbo, 2012), que argumentam
que a retroação dos efeitos pode comprometer a segurança jurídica
em relação a terceiros. Para exemplificar, o Provimento 190/2009, da
Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, determina que
a habilitação precisa passar por aprovação judicial e caso queiram
retroagir a data, deverá o juiz autorizar.

185
DIREITO DE FAMÍLIA II

AsPectos Gerais SoBre as AçÕes de


Reconhecimento e Dissolução de
União Estável
Dúvidas não existem mais de que a competência para julgar as ações de
reconhecimento e dissolução de união estável é da Vara de Família ou Sucessões
se a dissolução decorrer da morte de um dos companheiros.

Quanto à competência territorial, disciplina o novo CPC, em seu art. 53, que
é competente o foro: “I - para a ação de divórcio, [...] ou dissolução de união
estável: a) de domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do
casal, caso não haja filho incapaz; c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes
residir no antigo domicílio do casal” (BRASIL, 2002).

A regra terminou com o foro privilegiado da mulher, prevendo apenas tutela


especial, em prol do interesse de incapaz. Assim como nas ações de divórcio,
aplica-se também na dissolução de união estável o segredo de justiça.

Como regra, a união estável somente será reconhecida quando o casal


pretender a sua dissolução, por isso, em geral, as ações declaratórias são de
reconhecimento e dissolução de união estável.

Na mesma ação, portanto, deverá a parte interessada ou ambos, no caso de


ação consensual, primeiro comprovarem a existência da união estável, para só
então pleitearem os efeitos decorrentes da dissolução, como partilha de bens e
alimentos.

O CPC, em seu art. 733, prevê a extinção consensual extrajudicial da união


estável, por escritura pública, se não houver filhos menores ou incapazes, e no
art. 732 determinando a aplicação, no que couber, das disposições relativas à
homologação do divórcio, restando as ações contenciosas previstas pelos art.
693 e seguintes do CPC (BRASIL, 2015).

186
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

Atividade de Estudos:

1) Apesar das muitas semelhanças, é de se recordar as distinções


que ainda existem em relação ao casamento e união estável.
Faça um quadro comparativo sobre o casamento e a união
estável.
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187
DIREITO DE FAMÍLIA II

Algumas ConsideraçÕes
A união estável, conforme visto, passou de sociedade fática, regida pelo
Direito das Obrigações, para entidade familiar, no mesmo nível de igualdade que
o casamento.

Apesar de ser instituto livre, sem formalidades, se parece cada vez mais
com o casamento, principalmente agora em que o direito sucessório passou a
ser tratado da mesma forma. De fato, são institutos que inauguram uma entidade
familiar, mas tratá-los de modo igual em praticamente todos os aspectos é
esvaziar o seu conteúdo.

No passado as pessoas viviam em uniões livres por falta de opção ou dinheiro,


em geral. Hoje, as pessoas escolhem viver em união estável. Mais liberdade,
porém, deveria ser concedida a quem opta por viver sem as formalidades do
casamento.

Contudo, a tendência é a de que todos os aspectos que ainda se encontram


hoje polêmicos, em breve sejam solucionados e, ao que parece, as regras
aplicáveis ao casamento também passarão a reger a união estável.

Resta a dúvida de se isso é um avanço em prol da igualdade ou um retrocesso


que afronta diretamente a autonomia privada e permite cada vez mais ingerência
do Estado na vida particular dos casais.

ReferÊncia
ALMEIDA, Renata Barbosa; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito Civil:
familias. Rio de Janeiro: Lum Juris, 2010

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Di-


sponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 13.010, de 23 de junho 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança
e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou
de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13010.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

188
Capítulo 9 UNIÃO ESTÁVEL

______. Lei 12.962, de 8 de abril de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de


1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
ança e do adolescente com os pais privados de liberdade. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/L12962.htm>. Acesso em:
25 jun. 2018.

______. Lei nº 12.013, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 12 da Lei no 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, determinando às instituições de ensino obrigatorie-
dade no envio de informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus
filhos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/
lei/l12013.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso
em: 25 jun. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica


da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4121.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Famílias. Salvador: Jus Po-
diwm, 2016.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2012.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2016.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janei-


ro: Forense, 2003.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família. Rio de Janeiro: Gen Editora, 2017.

189
DIREITO DE FAMÍLIA II

190
C APÍTULO 10
Tutela e Curatela

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Estudar as noções gerais de tutela.

 Verificar os casos de aplicação e suas modalidades.

 Analisar a curatela e seus meandros, bem como a tomada de decisão apoiada.


DIREITO DE FAMÍLIA II

192
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

ConteXtualiZação
O Direito de Família trata do denominado direito assistencial, que visa à
proteção pessoal e patrimonial de pessoas determinadas, por meio do instituto da
tutela e da curatela. O tema sofreu recente alteração pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, Lei nº 13.146/2015, que revogou uma série de artigos do Código Civil.

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, outras alterações


ocorreram, havendo projeto de Lei já em trâmite (PL nº 757/2015) para adequar o
CPC ao EPD.

Da Tutela
Os filhos menores são postos em tutela, conforme previsto no Os filhos menores
artigo 1.728 do CC, em duas situações: I - com o falecimento dos pais, são postos em
ou sendo estes julgados ausentes; II - em caso de os pais decaírem do tutela.
poder familiar.

A tutela pode ser conceituada, portanto, como “uma medida assistencial,


tendente a substituir a autoridade parental, com o escopo de proteger a criança
ou adolescente, obstando que a ausência de uma pessoa para exercer o poder
familiar possa prejudicá-la” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 872).
Esse encargo
pressupõe
Esse encargo pressupõe assistência, representação e assistência,
administração do patrimônio e da pessoa da criança ou adolescente, representação e
com escopo de proteção. administração do
patrimônio e da
pessoa da criança
O art. 1.729 do CC prevê três distintas espécies de tutela, a saber,
ou adolescente, com
testamentária, a tutela legítima e dativa. escopo de proteção.

Será testamentária quando o tutor for nomeado pelos pais, em disposição


de última vontade, ou seja, por meio de testamento. Além do testamento, a tutela
também pode ser estabelecida pelos pais, sozinhos ou em conjunto, através
de instrumento público ou particular. No entanto, essa nomeação somente terá
eficácia se os pais, ao tempo da morte, estavam no exercício do poder familiar.
Caso os pais tenham cada um nomeado um tutor diferente, caberá ao juiz indicar
qual deles exercerá o munus.

A tutela será legítima quando recair sobre parentes consanguíneos do menor.


Estabelece o art. 1.731 do CC que na falta de tutor nomeado pelos pais, a tutela
recairá sobre um parente na seguinte ordem: I – aos ascendentes, preferindo o de

193
DIREITO DE FAMÍLIA II

grau mais próximo ao mais remoto; II – aos colaterais até o terceiro grau. Críticas
são tecidas à redação do artigo que menciona apenas os parentes consanguíneos,
como sugerem Farias e Rosenvald (2017, p. 877) em uma leitura ampliativa para
contemplar também os parentes socioafetivos.

O juiz deverá, na O juiz deverá, na indicação, atentar ao melhor interesse do menor,


indicação, atentar podendo eleger o parente que considerar mais apto ao exercício da
ao melhor interesse função.
do menor, podendo
eleger o parente
que considerar mais Por fim, a tutela dativa recairá em pessoa estranha à família do
apto ao exercício da menor, na falta de tutor testamentário ou legítimo, como também nas
função. situações de menor em abandono.

Interessante anotar que o ECA prevê em seu art. 28, par. 1 e 2, que o menor
será ouvido sempre que possível.

Em razão da importância da função de tutor, há uma série de requisitos


considerados para a verificação da aptidão de nomeação como tal. O art. 1.735
do CC apresenta um rol de pessoas impedidas de exercê-la, como: I - aqueles
que não tiverem a livre administração de seus bens; II - aqueles que, no momento
de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com
o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais,
filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor; III - os inimigos do menor,
ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da
tutela; IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra
a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; V - as pessoas de
mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias
anteriores; VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa
administração da tutela.

Por sua vez, o art. 1.736 do CC apresenta um rol de pessoas aptas a se


excusar da nomeação de tutor, caso das mulheres casadas; dos maiores de
60 anos; daqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos; os
impossibilitados por enfermidade; aqueles que habitarem longe do lugar onde se
haja de exercer a tutela; aqueles que já exercerem tutela ou curatela e os militares
em serviço. Em complemento, o art. 1.737 do CC autoriza a quem não for parente
a não obrigatoriedade do exercício da tutela, se houver parente no local capaz de
exercê-la.

O exercício da tutela O exercício da tutela é temporário e mais restritivo do que o poder


é temporário e mais familiar. O prazo previsto pelo Código Civil é de dois anos, podendo o
restritivo do que o tutor, se quiser, prorrogar por mais tempo. Exemplos de restrição são
poder familiar. a impossibilidade de emancipação do menor, permitida aos pais, não

194
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

recaindo sobre os tutores o direito ao usufruto dos bens do tutelado. Dentre as


funções do tutor estão incumbências dirigidas em relação ao menor, assim como
ao seu patrimônio.

O exercício da tutela com relação ao tutelado permite ao tutor agir praticamente


como se pai ou mãe fosse. O art. 1.740 do CC estabelece três funções, a saber:
a) direção da sua educação, defesa do menor e prestação de alimentos, conforme
seus haveres e condições; b) requerer ao juiz que providencie correção, quando
necessário; e c) adimplir com os deveres cabíveis aos pais. A segunda situação
permite ao tutor corrigir os erros do tutelado, evidente que não por meio de
castigos severos ou cruéis, nos mesmos moldes dos pais e, se necessário, diante
de situação de maior gravidade, requeira ao juiz uma alternativa.

Com relação ao patrimônio, ao tutor é permitido administrar os bens do


tutelado, agindo sempre em proveito deste, sob a inspeção do juiz. No art. 1.747
encontram-se os atos que lhe são permitidos sem autorização judicial (exemplo,
representar ou assistir ao menor, receber rendas e pensões do menor) e no art.
1.748 aqueles que somente são possíveis mediante prévia autorização do juiz
(por exemplo, pagamento de dívidas, venda de imóveis e retirada de dinheiro de
estabelecimento bancário - (art. 1.754)).

Por fim, há atos que são totalmente proibidos ao tutor, não podendo ser
praticados nem com autorização judicial, caso da aquisição de bens móveis
ou imóveis pertencentes ao menor pelo próprio tutor ou por interposta pessoa;
disposição dos bens do menor a título gratuito ou constituir-se cessionário de
crédito ou direito, contra o menor.
Por tudo isso é
Por tudo isso é que o tutor deverá prestar contas a cada dois que o tutor deverá
anos, quando cessar o exercício da tutela ou quando o juiz entender prestar contas a
cada dois anos,
conveniente.
quando cessar
o exercício da
Por derradeiro, a extinção da tutela pode ocorrer pela superveniência tutela ou quando
do prazo de dois anos, pela emancipação ou maioridade ou inserção do o juiz entender
menor em outra família, caso da adoção, por exemplo. conveniente.

Da Curatela
A curatela destina-se a proteger as pessoas consideradas incapazes de
se autodeterminar patrimonialmente falando. A concepção de incapacidade
foi revisitada pela Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com
Deficiência (EPD).

195
DIREITO DE FAMÍLIA II

Há muito discutia-se sobre a incapacidade e sua finalidade, que deve ter


como vetor principal a proteção daquele que não possui aptidão civil, e não
uma forma de exclusão, ou punição. Nesse contexto, a noção de deficiência foi
significativamente alterada.

Antes de se analisar as alterações, importa frisar de que enquanto a tutela


destina-se à proteção da criança ou adolescente, a curatela direciona-se aos
maiores, porém incapazes, em decorrência de causa transitória ou permanente,
que lhes impede de exprimir sua vontade, resultante de embriaguez habitual ou
vício de tóxico e prodigalidade (artigo 1.767 do CC).
Com efeito, antes
do EPD havia Com efeito, antes do EPD havia direta correlação entre deficiência
direta correlação e incapacidade. Após o seu advento, as hipóteses de incapacidade
entre deficiência e foram redifinidas. Os deficientes passam a ser considerados capazes
incapacidade. Após para todos os atos existenciais e patrimoniais. A nova redação do art.
o seu advento, 3º do CC, que trata da incapacidade absoluta, passou a considerar
as hipóteses de
apenas os menores de 16 anos como tal, retirando os deficientes de
incapacidade foram
redifinidas. seu rol.

Já da redação do art. 4º, foram suprimidos os incisos II e III (pessoas


com deficiência mental, além dos excepcionais sem desenvolvimento mental
completo); passando o inciso III a ter nova redação: aqueles que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade. Para que reste
claro, cita-se a redação antiga e a original:

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira


de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por
legislação especial.

Atualmente, o artigo está assim redigido:

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à


maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada
por legislação especial.

196
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

Dentro dessa nova sistematização de incapacidades, uma pessoa Dentro dessa nova
com deficiência pode estar impossibilitada de manifestar a sua vontade, sistematização de
seja de forma transitória ou absoluta. Exclusivamente nessas situações incapacidades,
poderá ser considerada absolutamente incapaz, exigindo a curatela. uma pessoa com
deficiência pode
Vale a citação do artigo 84 do EPD:
estar impossibilitada
de manifestar a
Art. 84 a pessoa com deficiência tem assegurado
o direito ao exercício de sua capacidade em
sua vontade, seja
igualdade de condições com as demais pessoas. de forma transitória
Quando necessário será a pessoa com deficiência ou absoluta.
submetida a curatela. Exclusivamente
[...] nessas situações
Par. 3: a definição de curatela de pessoa com poderá ser
deficiência constitui medida protetiva extraordinária, considerada
proporcional às necessidades e às circunstâncias absolutamente
de cada caso e durará o menor tempo possível.
incapaz, exigindo a
curatela.

Como bem advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 923), “a causa


incapacitante, nessa hipótese, não reside na patologia ou no estado psíquico,
mas na impossibilidade de exteriorizar à vontade”.

Por seu turno, o reconhecimento da incapacidade decorre de


O reconhecimento
dois critérios: o etário e o psicológico. O primeiro é de fácil verificação, da incapacidade
eis que trata de um critério objetivo. Abaixo de 16 anos, considera- decorre de dois
se sujeito absolutamente incapaz (art. 3 do CC) e entre 16 anos e 18 critérios: o etário e o
anos, o Código Civil considera o sujeito como relativamente incapaz psicológico.
(art. 4 do CC).

O critério subjetivo, de caráter psicológico, exige a comprovação por meio


judicial da causa incapacitante. Isso se dá dentro da ação de curatela. Antes do
advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência fala-se em ação de interdição,
corretamente deixada de lado, por seu caráter exclusivo. Encontram-se sujeitos
ao critério psicológico aqueles que por causa transitória ou permanente não
puderem exprimir a sua vontade, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os
pródigos.

Ação de curatela: é o mecanismo judicial posto à disposição para o


reconhecimento da causa incapacitante de um sujeito, com vistas à sua proteção
e não para atender aos interesses de terceiros, parentes ou não.

Ao reconhecer a incapacidade, deve o juiz fixar os limites da curatela, com


base em laudos psicológicos e oitiva do Ministério Público, atendendo sempre
às necessidades do sujeito. Em outras palavras, é possível dizer que a medida
deverá ser proporcional ao grau de incapacidade, podendo a curatela ser mais ou
menos abrangente a depender da situação concreta do curatelando.
197
DIREITO DE FAMÍLIA II

O curador poderá ser um simples assistente, em outros casos, um verdadeiro


representante, podendo essas tarefas serem moduladas num mesmo caso, a
depender da atividade a ser exercida e das exigências do caso em concreto.

Assim, deverá
o magistrado Assim, deverá o magistrado estar atento para conservar a
estar atento autonomia do curatelando para a prática dos atos de natureza
para conservar existencial, relacionados aos direitos de personalidade, sexualidade,
a autonomia do planejamento familiar, voto, trabalho, entre outros, sempre que viável.
curatelando para a Portanto, poderá a curatela ser total ou parcial.
prática dos atos de
natureza existencial,
relacionados Nesse sentido, inclusive, é o teor da redação do art. 85 do Estatuto
aos direitos de da Pessoa com Deficiência: “a curatela afetará tão somente os atos
personalidade, relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”. Nas
sexualidade, palavras de Farias e Rosenvald (2017, p. 939):
planejamento
familiar, voto,
trabalho, entre Atente-se, de todo o modo, que o regime de curatela, a partir
outros, sempre que da nova sistemática imposta pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, é limitado, restrito a determinados atos, com
viável.
vistas a que não se retire da pessoa curatelada (com, ou sem
deficiência, mas que não pode exprimir vontade) a liberdade
de autodeterminação existencial. É dizer: a curatela há de ser
A curatela há de ser compreendida como medida protetiva específica, abrangendo
compreendida como atos para os quais o curatelado não consiga exercer de per si
medida protetiva a individualidade.
específica.
O procedimento de curatela está previsto nos artigos 747 a 758 do
CPC atual, como um procedimento especial de jurisdição voluntária. Além disso,
o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência também tratou da questão proce-
dimental, causando fortes divergências doutrinárias. O estatuto é lei posterior ao
CPC, mas entrou em vigor em janeiro de 2016, enquanto o CPC entrou em vigor
em março de 2016. A dúvida reside em saber se uma revogou a outra ou se am-
bas serão aplicadas de modo conciliado. Por enquanto é o que está prevalecendo,
exigindo muita atenção dos aplicadores, na verificação de qual delas traz normas
de maior proteção ao incapaz, em cada um dos aspectos, em verdadeiro trabalho
de interpretação.

No que toca à legitimidade ativa para a ação de curatela, temos um impasse


gerado pela existência de duas regras distintas, a tratar da mesma situação.
Segundo art. 747 do CPC, são legitimados ativos a) o cônjuge ou companheiro;
b) os parentes ou tutores; c) o representante da entidade em que se encontra
abrigado o curatelando e d) o Ministério Público. Pelo Código Civil, art. 1.768,
alterado pelo EPD, também tem legitimidade a própria pessoa curatelada
(BRASIL, 2015).

198
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

A competência será o lugar de domicílio ou residência do


A sentença de
curatelando. A petição inicial, por sua vez, deve comprovar a curatela produz
legitimidade do autor, especificando os fatos incapacitantes, além da efeitos não
comprovação por meio de laudo médico em que conste a condição do retroativos.
curatelando. (art. 750 do CPC) A sentença de curatela produz efeitos
não retroativos, ou seja, ex nunc, assim, os atos praticados anteriormente à
sentença são considerados válidos pela maior parte da doutrina.

Outrossim, é cabível o levantamento da curatela na hipótese de cessar a


causa que a determinou (art. 756 do CPC).

Há uma previsão específica no Código Civil relacionada à curatela do


nascituro (art. 1.779 do CC), que possui cabimento quando o pai falecer e a
mulher grávida não estiver no exercício do poder familiar ou estiver interditada,
nesse caso, o seu curador será também do nascituro.

Tomada de Decisão APoiada


Na análise da teoria da capacidade e incapacidade, percebe-se situações
de pessoas com algum grau de deficiência psíquica, física ou intelectual, como
das pessoas com síndrome de Down, que podem necessitar de uma atenção
diferenciada, com aplicação de medida que preserve a sua capacidade civil.

Com esse objetivo, criou-se um novo instituto, chamado de Tomada de Decisão


Apoiada (TDA), prevista no art. 1.783-A do Código Civil, destinado a esses casos.

TDA é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege


pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos
e que gozem de sua confiança, para prestar-lhes apoio na tomada
de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e
informações necessários para que possa exercer a sua capacidade.

O estabelecimento
de TDA não
O estabelecimento de TDA não restringe a capacidade, sendo restringe a
exercida apenas em atos específicos, em que o sujeito que a pleiteou capacidade, sendo
será coadjuvado pelos apoiadores eleitos, caso dos cegos, pessoas exercida apenas em
atos específicos,
atingidas por AVC etc.
em que o sujeito
que a pleiteou será
coadjuvado pelos
apoiadores eleitos.

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DIREITO DE FAMÍLIA II

O procedimento encontra-se nos parágrafos do art. 1.783-A do Código Civil,


que exige a apresentação dos limites de apoio, bem como do prazo da TDA,
conforme se percebe:

§ 1o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a


pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar
termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os
compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência
do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses
da pessoa que devem apoiar (Incluído pela Lei nº 13.146, de
2015) (Vigência).
§ 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido
pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das
pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste
artigo (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência).
§ 3o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de
decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar,
após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o
requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio (Incluído pela
Lei nº 13.146, de 2015).
§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade
e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja
inserida nos limites do apoio acordado (Incluído pela Lei nº
13.146, de 2015).
§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação
negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o
contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em
relação ao apoiado (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015).
§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou
prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a
pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o
Ministério Público, decidir sobre a questão (Incluído pela Lei nº
13.146, de 2015).
§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão
indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a
pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao
Ministério Público ou ao juiz (Incluído pela Lei nº 13.146, de
2015).
§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e
nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse,
outra pessoa para prestação de apoio (Incluído pela Lei nº
13.146, de 2015).
§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o
término de acordo firmado em processo de tomada de decisão
apoiada (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015).
§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua
participação do processo de tomada de decisão apoiada,
sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz
sobre a matéria (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015).
§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber,
as disposições referentes à prestação de contas na curatela
(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (BRASIL, 2015).

200
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

Percebe-se, portanto, uma repaginação no instituto da teoria da incapacidade,


cuja intenção foi proteger a pessoa humana e limitar a incapacidade apenas às
situações em que a pessoa realmente não possa exprimir a sua vontade. Embora
o objetivo seja nobre, críticas também são tecidas às reformas.

Caso da fluência dos prazos prescricionais e decadenciais. A partir do EPD,


os deficientes, agora considerados capazes, de modo geral, terão fluindo contra si
os prazos extintivos previstos nos art. 198 e 208 do CC. Referidos prazos somente
não correm contra os absolutamente incapazes, como os deficientes serão, no
máximo, considerados como relativamente incapazes ou sujeitos ao TDA, não
mais estarão protegidos.

Outra crítica é feita com relação à invalidação dos atos. Agora como
relativamente incapazes, os atos por eles praticados não mais serão considerados
nulos, mas anuláveis, produzindo efeitos até a anulação ou se convalidando, caso
não se ingresse com o pedido anulatório.

O tema ainda é novo e sofrerá, com o passar do tempo, ajustes e


reinterpretações. Por ora, para que não sejam prejudicados os deficientes com
visível incapacidade, alguns estudiosos já apontam a possibilidade de aplicar
no caso concreto soluções de ampliação interpretativa, aplicando a teoria da
nulidade, assim como da não ocorrência da prescrição, quando comprovado ser a
solução mais correta.

Atualmente, a teoria da capacidade/incapacidade pode ser assim


representada:

a) pessoas sem deficiência, reputadas como de capacidade plena, podem


exercer livremente todos os atos da vida civil, tanto patrimoniais como
pessoais;

b) pessoas sem deficiência, consideradas como absolutamente incapazes


(menores de 16 anos), que não tenham pais, ou nos casos em que estes
forem destituídos do poder familiar, serão colocadas em tutela;

c) pessoas com deficiência, mas que possam exprimir a sua vontade.


Nesses casos podem se valer da tomada de decisão apoiada,
estabelecendo os limites e prazos para o auxílio a ser prestado pelos
apoiadores. Atos praticados em conjunto com os apoiadores;

d) pessoas com deficiência, viciados em tóxicos, ébrios habituais ou


pródigos que tenham a capacidade reduzida, podem se utilizar da
curatela, que se dará com a fixação de limites, em geral, apenas de

201
DIREITO DE FAMÍLIA II

caráter negocial, preservando o caráter pessoal. Somente nos casos


de maior gravidade poderá ser estabelecido com limitações também
a essa área. Assim, os atos restritos somente poderão ser praticados
validamente pelos curadores. Já os demais atos podem ser praticados
pelas pessoas com incapacidade, sem qualquer problema, como o voto,
o casamento, entre outros.

A matéria está regulada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que alterou
parte dos dispositivos do Código Civil e também pelo novo CPC, ainda causando
divergências com relação a qual das regulamentações será observada.

Atividade de Estudos:

1) Levando em consideração que este conteúdo sofreu recentes


reformulações, com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, aponte as principais alterações no tocante à
curatela e seus limites.
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202
Capítulo 10 TUTELA E CURATELA

Algumas ConsideraçÕes
A capacidade civil pressupõe aptidão para o exercício dos atos da vida civil.
Já a incapacidade é graduada e divide-se em absoluta e relativa, a depender
do grau de incapacitação. Pode decorrer de critério etário ou psicológico. Essa
matéria sofreu revisitação com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, modificando
significativamente seu conteúdo.

Em razão de critério etário, os absolutamente incapazes são os menores de


16 anos, já os relativamente incapazes estão os que se situam entre 16 anos
e 18 anos incompletos. Por sua vez, em decorrência do critério psicológico,
passaram a existir apenas os relativamente incapazes, que são aqueles que por
causa transitória ou permanente não puderem exprimir a sua vontade, os ébrios
habituais, os viciados em tóxicos e os pródigos. Essas pessoas são consideradas
incapazes em razão de sua inaptidão para conduzirem suas vidas de forma
autônoma e gerirem sozinhas os seus bens.

Para os absolutamente incapazes será dada tutela, para os relativamente


incapazes a curatela, quando necessário. O tutor desempenha funções
semelhantes aos pais, porém, de forma um pouco mais restritiva. Já a curatela
será dada de forma excepcional, somente em benefício daqueles que dela
precisam, no intuito de proteção e amparo, e não para salvaguardar interesses de
familiares ou terceiros, ou seja, a curatela passou a ser tratada como medida de
exceção, proporcional às necessidades do curatelando, sendo restrita aos atos de
natureza negocial ou patrimonial, sem afetar os direitos de ordem pessoal.

ReferÊncia
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203
DIREITO DE FAMÍLIA II

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1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da cri-
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