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Escola de Direito
Dezembro de 2023
Índice
Introdução ............................................................................................................................ 2
1. A evolução do conceito de família....................................................................................... 3
2. A mutação do conceito de infância tendo em consideração a criança ........................................ 4
3. A criança enquanto sujeito de direitos ................................................................................. 6
4. O Direito de audição e de participação da criança em Portugal ................................................ 7
5. Jurisprudência................................................................................................................ 9
Conclusão .......................................................................................................................... 11
Bibliografia.......................................................................................................................... 11
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Introdução
O presente trabalho tem como principal objetivo a elaboração de uma reflecção crítica sobre
os conceitos abordados durante as lições da Unidade Curricular “Da infância e dos Direitos”,
nomeadamente, o conceito de família, infância, criança, direitos, proteção e participação. Ora, a
abordagem destes diferentes conceitos não será feita de modo individual nem estanque, na
medida que estes estão interligados e relacionados entre si.
Neste sentido, procuramos fazer uma compreensão da infância como uma fase essencial da
vida da criança. Assim, a criança emerge como um sujeito de direitos, dotada de autonomia e
dignidade, cujas necessidades e perspetivas merecem ser consideradas de maneira integral. Ora,
na atualidade todos os instrumentos jurídicos internos e internacionais reconhecem a criança
como um sujeito de direitos, tal como plasmado na Convenção sobre os Direitos da Criança. Desta
forma, pretendemos analisar as inovações trazidas por esta Convenção para a concretização dos
direitos da criança, nomeadamente quanto ao seu direito de participação e de audição.
Pretendemos analisar se o que está consagrado, relativamente a estes direitos específicos de
participação e de audição, é de facto cumprido pelos Tribunais no decorrer dos processos judiciais.
Neste seguimento, pretendemos analisar situações reais, recorrendo à jurisprudência, e verificar
se o direito de audição e de participação da criança é real e se está ou não a ser cumprido.
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1. A evolução do conceito de família
No Código Civil não temos uma definição do conceito de família, não obstante, este
diploma legal diz-nos quais são as fontes das relações familiares no seu artigo 1576º, sendo elas
o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção. Ora, aqui pode-nos interessar para a discussão
em apreço o conceito de casamento e o de parentesco, que estão intrinsecamente ligados ao
conceito de família. Ora, nos termos do artigo 1577º o casamento trata-se de “um contrato
celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão
de vida”. E, nos termos do art.1578º do Código Civil, o conceito de parentesco é definido como
“o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de
ambas procederem de um progenitor comum”. Podemos concluir que a visão clássica deste
diploma legal relativamente ao conceito de família se baseia em vínculos biológicos e matrimoniais.
No entanto, sabemos que, atualmente, a família é muito mais do que isto. Vivemos num mundo
onde este conceito é cada vez mais elástico e inclusivo, deixando aos poucos as conceções
tradicionais, onde era exigida uma grande persistência na manutenção das relações familiares,
como por exemplo, o casamento.
Em oposição ao que acontecia no passado, hoje observamos que a sociedade está mais
preocupada com o individuo singular ao invés da estabilidade familiar. Isto deve-se muito ao
desenvolvimento da sociedade. Não raras vezes os sujeitos colocam à frente o desenvolvimento
pessoal e profissional do que a constituição de uma família, sendo pais cada vez mais tarde. No
passado, as famílias alargadas e com muito filhos eram sinónimo de mais riqueza, no sentido em
que havia mais pessoas no seio familiar que podiam contribuir para o sustento da casa. Desta
forma, as crianças eram desejadas, mas vistas como um “mini-adulto”, ajudando na gestão
familiar. Hoje, com aumento do custo do nível de vida, com a formação profissional e escolar cada
vez mais exigente e necessária, prolongada pelo tempo, com a necessidade e a ânsia de progredir
na carreira verificamos que a constituição de uma família é deixada para segundo plano ou
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constituindo um plano mais tardio na vida das famílias. Hoje temos menos crianças e concluímos
isso a cada ano que passa, na medida em que a taxa bruta de natalidade tem vindo a diminuir
ano após ano.
Por outro lado, com a evolução social vemos que têm vindo a existir novos tipos de famílias
a par da família nuclear/ tradicional constituída por pai, mãe e filhos. Desta forma, tem havido um
grande aumento das famílias monoparentais, onde apenas existe um pai ou uma mãe. A par deste
tipo, tem surgido também um acréscimo excecional das famílias reconstituídas, devendo-se ao
elevado número de divórcios em Portugal, sendo que na sequência de uma nova união onde já
existem filhos, surge aqui a presença da figura do padrasto ou da madrasta.
Em suma, não é possível encontrar uma definição estanque para o conceito de família, na
medida em que este, apesar de ter ainda traços tradicionais, concluímos que no seu cerne as
relações familiares vão-se alterando ao longo do tempo, tendo em conta as mutações sociais e
culturais que ocorrem na sociedade.
Tal como o conceito de família, também o conceito de criança passou por uma metamorfose
ao longo dos séculos, tendo de se adaptar e moldar às transformações sofridas a nível social e
cultural da humanidade. Assim, o que compreendemos hoje como “infância” trata-se do produto
de um desenvolvimento complexo que espelha as mudanças nas perceções individuais dos
cidadãos e também das organizações que compõem a nossa sociedade.
No passado, a infância era, não raras vezes, subsumida pela vida adulta, uma vez que as
crianças eram consideras um “mini-adulto”, sendo pequenos aprendizes com a função de
aprender o mais rápido possível os valores e os conhecimentos dos adultos e da comunidade em
que a família estava inserida. Os filhos tinham de se submeter às vontades dos pais, sendo que
as crianças não tinham os mesmos direitos do que os adultos. Neste contexto, para estas crianças,
a infância era fase que passava muito rápido, não tendo estas tempo para brincar o suficiente,
vendo esta possibilidade ser deixada para trás mais depressa do que o realmente desejado, à
medida que as responsabilidades aumentavam precocemente.
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No entanto, com o advento de vários movimentos filosóficos e sociais que ocorreram
durante o Iluminismo e o Romantismo, a perceção da criança e da finalidade na sociedade
começou a alterar. Neste seguimento, a infância começou a ser tida como uma fase deveras
importante para o desenvolvimento e formação da criança, na qual a educação e o afeto dos pais
eram cruciais. Aqui falamos da era da “criança-rei” onde esta era o centro da relação familiar,
onde a sua opinião era tida em conta. Já no século XX este conceito continuou a sofrer alterações
e a evoluir progressivamente por forma a dar resposta às mudanças que se faziam sentir na
sociedade. O desenvolvimento da psicologia infantil, chefiado por autores como Piaget e Freud
deu um grande contributo para uma melhor compreensão e um entendimento mais completo das
complexidades do desenvolvimento infantil. Começaram a surgir organizações a nível internacional
em busca da proteção dos direitos do Homem, incluindo aqui também os direitos da criança.
Atualmente, o século XXI encara a infância como uma fase única e valiosa na vida da
criança, sendo que as sociedades contemporâneas procuram encontrar um equilíbrio entre a
proteção da inocência infantil e, por outro lado, o estímulo do desenvolvimento autónomo. A
tecnologia tem aqui um papel ativo, na medida em que veio introduzir novas formas de
aprendizagem e interação na infância, no entanto, não podemos descurar que têm existido vários
problemas com a exposição das crianças e a segurança online. Cremos que tem de haver aqui
uma utilização ponderada e consciente do uso das tecnologias na infância das crianças.
Claro está que esta abordagem que fizemos acerca da evolução do conceito da infância é
vista de um prisma ocidental, considerado privilegiado tendo em conta outras culturas. Não
podendo descurar que existem e sempre vão existir crianças que vivem em situações de pobreza
extrema, que são maltratadas, que passam fome e miséria, etc., sendo que nesses casos estas
crianças acabam por não ter sequer infância. Desta forma, não podemos ignorar que estas
realidades existem.
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3. A criança enquanto sujeito de direitos
Ora, esta caminha iniciou-se sobretudo no século XVIII, marcado pela Revolução Francesa
e pela promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. Assim, a
Declaração dos Direitos do Homem foi o grande instrumento impulsionador dos movimentos de
defesa e proteção do povo, incluindo aqui as crianças. No entanto, a criança era vista como um
sujeito carente de proteção, mas não como um sujeito de direitos. Por conseguinte, o Século XIX
conduz normas que “visam a proteção e o desenvolvimento das crianças, considerando a sua
dignidade e necessidade de proteção jurídica especial, devido à sua fragilidade e dependência”1
No entanto, foi o século XX que impulsionou a concretização destes direitos, sendo este o
século de afirmação dos Direitos da Criança. Ora, o primeiro documento internacional que teve
por objetivo a proteção destes direitos foi a Declaração de Genebra de 1924, onde se previa o
bem estar das crianças, o normal desenvolvimento, alimentação, saúde e proteção contra a
exploração2. Embora isto estivesse tipificado o certo é que as diretrizes da Declaração não eram
vinculativas e não foram apreendidas por grande parte dos Estados-Membros. Posteriormente,
surgiu também a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e a Declaração dos
Direitos da Criança de 1959. Já após a 2º Guerra Mundial a ONU (Organização das Nações Unidas)
veio apresentar uma recomendação para que a Declaração dos Direitos das Crianças fosse
atualizada, sendo então criada a UNICEF (United Nations International Children´s Emergency
Fund)3.
1
VIANNA, Silvana Correa – A Audição da Criança na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, P 19.
2 ALBUQUERQUE, Catarina – Os direitos da Criança: as Nações Unidas, A Convenção e o Comité, in Portal do
Ministério Público, Gabinete de Documentação e Direito Comparado, P 1.
3 UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância. http://nacoesunidas.org/agencia/unicef/
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Não obstante, é a Convenção sobre os Direitos da Criança o documento jurídico
internacional mais completo e crucial para o reconhecimento dos direitos da criança, “reafirmando
no seu Preâmbulo os princípios fundamentais já enunciados na Convenção de Genebra e na
Declaração sobre os Direitos da Criança”. 4
Desta forma, quando a lei permite que a criança seja ouvida e que a mesma participe nos
assuntos que a ela lhe afetam significa reconhecê-la como um verdadeiro sujeito de direitos, tendo
a mesma o direito a falar, a expressar a sua opinião e, ainda, a ser escutada, por forma a envolver-
se ativamente nos processos judiciais. Ora, por forma a realizar este direito é, por outro lado, tido
em consideração a idade da criança, o seu nível de desenvolvimento, a sua maturidade e
4 VIANNA, Silvana Correa – A Audição da Criança na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, P 38.
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discernimento, isto é, é necessário aferir a capacidade da criança para compreender a situação e
conseguir perceber a sua opinião. Assim, tal como é mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça5 “se antes da entrada em vigor da Lei nº 141/2015 se exigia que o tribunal ouvisse as
crianças com mais de 12 anos e, quanto àquelas que tivessem idade inferior, ponderasse a sua
maturidade e justificasse a decisão de não as ouvir – salvo se a criança tivesse uma idade em que
é notória essa falta de maturidade, naturalmente –, após a sua entrada em vigor
essa ponderação não pode deixar de se revelar na decisão – continuando a ser dispensada quando
for notório que a baixa idade da criança não a permite ou aconselha”.
5
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de dezembro de 2016, Processo nº268/12.0TBMGL.C1.S1,
disponível em www.dgsi.pt., consultado em 02/12/2023.
6
General Comment nº12 (2009, The right of the child to be heard, disponível em G0943699.pdf, consultado em
02.12.2023.
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adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”. E o artigo 5º contém uma série de
números e de alíneas que concretizam regras para a execução da audição da criança nos
processos tutelares cíveis.
5. Jurisprudência
Analisando a mais recente jurisprudência verificamos que, não raras vezes, os Tribunais
proferem sentenças onde há preterição de formalidades, nomeadamente, quanto ao direito de
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audição e de participação da criança, sendo este um direito fundamental, reconhecido tanto a
nível interno como a nível internacional, como já mencionado e explicado supra. Desta forma,
vamos analisar alguma desta jurisprudência!
Assim, a par destes dois acórdãos temos muitos outros onde verificamos que, na realidade, o
direito de audição da criança acaba por não ser exercido na prática, sendo que muitas vezes não
há sequer uma justificação fundamentada pelo juiz acerca da não audição da criança. É imperioso
mudarmos esta mentalidade!
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Conclusão
Concluindo, a evolução do conceito de infância ao longo dos séculos permite-nos refletir sobre
a importante mutação da sociedade, reconhecendo a criança como um sujeito de direitos. Sendo
que a consolidação do princípio da audição e participação da criança, tanto no contexto nacional
como no internacional, constitui um marco importante na promoção do superior interesse da
criança e na garantia dos seus direitos fundamentais.
Não obstante, após o aqui exposto constata-se uma desconexão entre a teoria jurídica e a
prática nos tribunais, evidenciando desafios substanciais na implementação efetiva destes
princípios. Sendo que a falta de formação adequada dos magistrados para lidar com questões que
envolvam a audição e a participação da criança nos processos judiciais acaba por comprometer a
aplicação plena dos direitos destes. Desta forma, parece-nos imperativo um esforço contínuo na
formação e na sensibilização dos profissionais do sistema judiciário, por forma a estes
compreenderem a importância crucial da audição da criança nos processos judiciais que a ela
digam respeito. Além do mais, é também crucial incentivar a criação de espaços adaptados e
seguros para que as crianças se sintam confortáveis a dar a sua opinião, livre de qualquer coação.
Bibliografia
DIAS, Cristina Araújo, BARROS, João Nuno, CRUZ, Rossana Martingo - Regime Geral do
Processo Tutelar Cível: anotado, Almedina, 2021
Manual da Audição da Criança – Direito a ser ouvida – Assessoria Técnica aos Tribunais
– Área Tutelar Cível; Versão 01 – janeiro 2017.
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RIBEIRO, Alcina Costa – O Direito de Participação e Audição da Criança No Ordenamento
Jurídico Português, in Data Venia, Revista Jurídica Digital, nº4, dezembro de 2015.
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