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HISTÓRIA DA INFÂNCIA, FAMÍLIA E MULTICULTURALISMO

Professor Dr. Rômulo Terminelis da Silva


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DISCIPLINA: HISTÓRIA DA INFÂNCIA,


FAMÍLIA E MULTICULTURALISMO

Professor Dr. Rômulo Terminelis da Silva, Ph.D, Pós-doutor.

BOA VISTA
2022
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História da Infância, Família e Multiculturalismo.


1.ª Edição, 2022
Autoria: Prof. Dr.º Rômulo Terminelis da Silva

Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil


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CIP-Brasil. Catalogação na fonte

Silva, Rômulo Terminelis da.

História da Infância, Família e Multiculturalismo- Boa Vista: Editora


FACETEN, 2022. P40.

1. Educação 2. Educação Multicultural


I. Título II. Faculdades de Educação, Ciência e Teologia do
Norte de Roraima.

Bibliotecária Responsável:
Rosimeyre Lima Silva CRB-11/1178 CDD 370.196
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................5
1.1 O CONCEITO DE INFÂNCIA NO DECORRER DA HISTÓRIA...............................6
A INFÂNCIA NOS DIAS DE HOJE.................................................................................9
1.2.1 CULTURA E RELATIVISMO CULTURAL............................................................11
1.3 MULTICULTURALIDADE.......................................................................................12
1.3.1 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL..........................................................................12
1.3.2 ESCOLA MULTICULTURAL............................................................................... 13
1.3.3 EDUCADORES MULTICULTURAIS...................................................................14
1.3.4 A FAMÍLIA E A COMUNIDADE EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL
..................................................................................................................................... 15
2 A LDB E A HISTÓRIA DA INFÂNCIA, FAMÍLIA E MULTICULTURALISMO............15

2.1 O MULTICULTURALISMO E SUA POLISSEMIA DE SIGNIFICADOS.................17

2.2 HISTÓRIA DO MULTICULTURALISMO................................................................18

2.3 A ESCOLA E A PLURALIDADE CULTURAL........................................................20

2.4 AS AÇÕES ESCOLARES E POLÍTICAS...............................................................23

3 ELEMENTOS EMERGENTES DA PESQUISA DE EDUCAÇÃO INFANTIL............27

3.1 DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICOS E MÚLTIPLAS CULTURAS...................29

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E INFÂNCIA.............................................................31

3.3 A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E AS FORMAÇÕES


SOCIOCULTURAIS........35

3.4 OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A INTERCULTURALIDADE NO


TRABALHO PEDAGÓGICO........................................................................................38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................39
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APRESENTAÇÃO

Seja bem-vindo (a), caro (a) aluno (a)!


Parabéns pela sua decisão de transformação, pois
isso também mostra o quanto você está
compromissado em contribuir com a transformação
da igreja e da sociedade onde você está inserido.
A FACETEN estará acompanhando você durante
todo este processo, pois “os homens se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem simples, completa e de rápida
assimilação, contribuindo para o seu desenvolvimento bíblico, teológico e ministerial,
para desenvolver competências e habilidades e aplicar os conceitos, fundamentos e
prática na sua área ministerial, possibilitando você atuar em favor do Reino de Deus
com mais excelência.
Nosso objetivo com este material é levar você a aprofundar-se no conteúdo,
possibilitar o desenvolvimento da sua autonomia em busca de outros conhecimentos
necessários para a sua formação bíblica, teológica e ministerial. Portanto, nossa
distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize todos os materiais didáticos e recursos pedagógicos que
disponibilizamos para você. Acesse regularmente a Área do Aluno, participe no grupo
online com o tutor online que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e
auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com
tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica.
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HISTÓRIA DA INFÂNCIA, FAMÍLIA E MULTICULTURALISMO

1 A ESCOLA MULTICULTURAL, O PLURALISMO DAS FAMÍLIAS E AS


CRIANÇAS

Se olharmos ao redor, percebemos que a sociedade se tornou uma


sociedade multicultural. Essa realidade existe em nossas escolas e tem levado a
mudanças no sistema educacional. As escolas multiculturais abraçam e defendem a
diversidade das famílias e comunidades dos alunos, constroem-se para acolher
crianças de todas as culturas e oferecem oportunidades iguais para todos. Como o
multiculturalismo é tema de projetos curricular em vária escolas, e há crianças de
diferentes nacionalidades em sala de aula, daí a importância de se aprofundar esse
assunto, com o objetivo de explorar diferentes tipos de culturas para mostrar às
crianças que pessoas são pessoas e as diferenças raciais e culturais que existem
entre elas devem ser respeitadas.
As atividades centram-se na exploração dos continentes, especificando
alguns desses países e explorando as suas características, nomeadamente
alimentação, língua, habitação e vestuário. A escola multicultural e o pluralismo
das famílias e as crianças será sempre uma temática importante no cenário da
educação e no convívio social.

1.1 O CONCEITO DE INFÂNCIA NO DECORRER DA HISTÓRIA

“A fascinação pelos anos da infância, um fenômeno relativamente recente”


(HEYWOOD, 2004, p.13), fez com que o conceito de infância sofresse alterações
significativas ao longo da história. Compreender o que foram esses conceitos,
analisando a infância do ponto de vista histórico, pode nos revelar muito sobre a sua
situação nos dias atuais.
Até o século XII, as condições gerais de higiene e saúde eram muito
precárias, o que tornava o índice de mortalidade infantil muito alto.
7

Pode-se apresentar um argumento contundente para demonstrar que a


suposta indiferença com relação à infância nos períodos medieval e moderno
resultou em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Os bebês
abaixo de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador, com os pais
considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um “
pobre animal suspirante”, que tinha tantas probabilidades de morrer com
pouca idade. (HEYWOOD, 2004, p.87)

E, ainda assim, as crianças que conseguiam atingir uma certa idade não
possuíam identidade própria, só vindo a tê-la quando conseguissem fazer coisas
semelhantes àquelas realizadas pelos adultos, com as quais estavam misturadas.
Sendo assim, dos adultos que lidavam com as crianças não era exigida nenhuma
preparação. Tal atendimento contava com as chamadas criadeiras, amas de leite ou
mães mercenárias.

Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de


“paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida,
enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam
com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se
ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar
desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo
a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato
(ÁRIES,1981, p.10).

Vale ressaltar também que o tratamento dado a uma criança do sexo


masculino era, em muitos casos, diferente do tratamento recebido por uma criança do
sexo feminino, pois “as meninas costumavam ser consideradas como o produto de
relações sexuais corrompidas pela enfermidade, libertinagem ou a desobediência a
uma proibição” (HEYWOOD, 2004, p.76). E sendo assim, a celebração do nascimento
de uma criança se diferenciava de acordo com o sexo da mesma. Um exemplo é a
Bretanha do século XIX, em que a chegada de uma criança do sexo masculino era
saudada com três badaladas de um grande sino, enquanto a chegada de uma criança
do sexo feminino era saudada com apenas duas badaladas e de um sino pequeno.
Até mesmo na arte a infância foi ignorada. “Até por volta do século XII, a arte
medieval desconhecia a infância ou não tentava representa-la. É difícil crer que essa
ausência se devesse à incompetência ou a falta de habilidade. É mais provável que
não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ÁRIES,1981, p.50). Sendo que até
o fim do século XVIII, não existem crianças caracterizadas por sua expressão
particular, sendo retratadas então como homens de tamanho reduzido.
8

Não se tem notícia de camponeses ou artesãos registrando suas histórias de


vida durante a Idade média, e mesmo os relatos dos nobres de nascimento ou
dos devotos não costumavam demonstrar muito interesse pelos primeiros
anos de vida (...). De forma semelhante, durante o período moderno na
Inglaterra, as crianças estiveram bastante ausentes na literatura, fossem o
drama elizabetano ou os grandes romances do século XVIII. A criança era, no
máximo, uma figura marginal em um mundo adulto. ( HEYWOOD, 2004, p.10)

No século XIII, atribuíram-se à criança modos de pensar e sentimentos


anteriores à razão e aos bons costumes. Cabia aos adultos desenvolver nelas o
caráter e a razão. No lugar de procurar entender e aceitar as diferenças e
semelhanças das crianças, a originalidade de seu pensamento, pensava-se nelas
como páginas em branco a serem preenchidas, preparadas para a vida adulta.

A descoberta da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII,


quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial,
“uma espécie de quarentena”, antes que pudessem integrar o mundo dos adultos”
( HEYWOOD, 2004, p.23). Fazendo assim com que as crianças deixassem de ser
misturadas aos adultos. Essa quarentena foi a escola, que substituiu a aprendizagem
como meio de comunicação.

Trata-se um sentimento inteiramente novo: os pais se interessavam pelos


estudos dos seus filhos e os acompanhavam com solicitude habitual nos
séculos XIX e XX, mas outrora desconhecida. (...) A família começou a se
organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal importância que a criança
saiu de saiu de seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê – la ou
substituí – la sem uma enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida
muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor
cuidar dela (ÁRIES,1981, p.12).

A mudança de paradigma no que se refere ao conceito de infância está


diretamente ligada com o fato de que as crianças eram consideradas adultos
imperfeitos. Sendo assim, essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse.
“Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que
as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si
sós” ( HEYWOOD, 2004, p.10).
Como pudemos perceber, a maneira como a infância é vista atualmente é
conseqüência das constantes transformações pelas quais passamos, e que é de
extrema importância nos darmos conta destas transformações para compreendermos
a dimensão que a infância ocupa atualmente. “Este percurso (esta história), por outro
lado, só foi possível porque também se modificaram na sociedade as maneiras de se
9

pensar o que é ser criança e a importância que foi dada ao momento específico da
infância” (BUJES, 2001, p.13)
1.2 A INFÂNCIA NOS DIAS DE HOJE

Uma infância que requer “especialistas” não é, certamente, uma infância


qualquer, mas sim, uma que supostamente necessita de um séquito de
“conhecedores para lhe revelar sua verdade”. Assim, a noção de infância na
modernidade se articula dentro de uma política de verdades, amparada pela
autoridade do saber de seus porta vozes. (CIRINO apud CASTRO, 1999,
p.24)

A maneira como a infância é vista atualmente é mostrado no Referencial


Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasília, 1998), que vem afirmar que “as
crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres que
sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio”. Sendo assim, durante o
processo de construção do conhecimento, “as crianças se utilizam das mais diferentes
linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses
originais sobre aquilo que procuram desvendar”. Este conhecimento constituído pelas
crianças “é fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação”.
Ainda convém salientar que:

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e


estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus
profissionais. Embora os conhecimentos derivados da psicologia,
antropologia, sociologia, medicina, etc. possam ser de grande valia para
desvelar o universo infantil apontando algumas características comuns da ser
das crianças, elas permanecem únicas em sua individualidades e diferenças
(Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998, p.22).

A partir do momento em que alcançou – se uma consciência sobre a


importância das experiências da primeira infância1, foram criadas várias políticas e
programas que visassem promover e ampliar as condições necessárias para o
exercício da cidadania das crianças, que por sua vez, passaram a ocupar lugar de
destaque na sociedade.
No Brasil temos, atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9394, que ressaltou a importância da educação infantil tornando-a
primeira etapa da educação básica, em seu título II, art. 2º nos mostra que:

A educação dever da família e do estado inspirada nos princípios de liberdade


e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

1 A primeira infância a qual me refiro diz respeito às crianças de 0 a 6 anos.


10

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e


sua qualificação para o trabalho.

Esta citação encontra respaldo no art. 4º, IV que diz: “o dever do Estado com
educação escolar pública está efetivado mediante a garantia de (...) atendimento
gratuito em creches e pré-escolas as crianças de zero a seis anos de idade”.
Houve também a criação do Conselho da Criança e do Adolescente, no ano
1990, que:

Explicitou melhor cada um dos direitos da criança e do adolescente bem como


os princípios que devem nortear as políticas de atendimento. Determinou
ainda a criação dos Conselhos da Criança e do adolescente e dos Conselhos
Tutelares. Os primeiros devem traçar as diretrizes políticas e os segundos
devem zelar pelo respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, entre
os quais o direito à educação, que para as crianças pequenas incluirá o direito
a creches e pré-escolas. ( CRAIDY, 2001, p.24)

Na visão de muitos autores a criação do Conselho da Criança e do


Adolescente é vista como um marco no diz respeito ao reconhecimento e valorização
da infância por parte das políticas públicas.
Torna-se relevante citar também o Plano Nacional de Educação (PNE), que
em consonância com os princípios da Educação para Todos, estabelece metas
relevantes de expansão e de melhoria da qualidade da educação infantil. A atuação,
nesse sentido, tem como objetivo concretizar as metas estabelecidas no PNE e
incentivar estados e municípios a elaborem seus planos locais de educação,
contemplando neles a educação infantil ressaltando assim a importância destinada à
infância na sociedade atual.
Diante de tantos avanços sobre a “evolução” do conceito de infância visto
neste trabalho, ainda restam muitas dúvidas sobre o tratamento dado às crianças nos
dias atuais. De acordo com os dados do IBGE, cerca de somente 9% das crianças de
zero a três anos frequentam creches, e 52% das crianças de quatro a seis anos
frequentam pré-escolas. Estes dados vêm nos mostrar que apesar dos programas e
políticas públicas criadas para assistir a infância ainda existem muitas crianças fora
das salas de aula.
Resta também, nos questionarmos sobre a qualidade da educação oferecida
para estas crianças dentro das creches e pré-escolas, visto que a origem das mesmas
tinha por objetivo atender somente a população carente o que significou em muitas
11

situações atuar de forma compensatória para sanar as supostas faltas e carências


das e crianças e suas famílias.

Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para


várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve,
principalmente, assumir as especificidades da educação infantil e rever
concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as
responsabilidades da sociedade e o papel do estado diante das crianças
pequenas. (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998,
p.17).

Fazendo –se necessária, mais uma vez, uma avaliação sobre os nossos
conceitos no que se refere à infância.

1.2.1 Cultura e Relativismo Cultural

A palavra cultura significa cultivar e vem do latim colere. Na filosofia é o


conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza e o
comportamento natural. Em biologia a cultura é uma criação de ordens para certos
acabamentos. Em antropologia a cultura são os paradigmas compreendidos e
amplificados pelo Ser Humano. A cultura corresponde a uma estrutura independente
de conhecimentos, representações, valores, regras formais e/ou informais, crenças,
mitos e modelos de comportamento.
Se tivéssemos nascido noutro continente, ou há mais de duzentos anos, a
nossa cultura seria diferente. A cultura muda no espaço e no tempo e isso faz refletir
sobre a relatividade de fenómenos naturais. A cultura restringe-se a duas concepções,
sendo que uma é mais restrita que identifica a cultura com o saber transmitido pelas
instituições e valorizado por um grupo particular, enquanto a outra concepção é
extensiva e entende a cultura como sendo um conjunto de produções humanas. Para
Clanet (1990)a cultura é:

Um conjunto de sistemas de significação próprios a um grupo ou a um


subgrupo, conjunto de significações preponderantes que apareceu como
valores e dão nascimento a regras e a normas que o grupo conserva e se
esforça de transmitir e pelas quais ele se particulariza, se diferencia dos
grupos vizinhos (1990, p.16).

A cultura é um meio de comunicação e um elemento harmonizador entre


as interações concretas e o indivíduo. Todos os indivíduos são ensinados a pensar
12

e a agir de forma idêntica aos membros da comunidade a que pertencem, para


que este possa formar uma identidade cultural. Simultaneamente, a cultura é um
elemento mediador e diferenciador do diálogo entre culturas. O significado de
cultura é um conjunto de crenças, conhecimentos e tradições compartilhados entre
uma sociedade e difundidas através de gerações.
O relativismo cultural é uma teoria segundo a qual os diferentes tipos de
culturas compõem entidades separadas de contornos aceitáveis, ou seja, desiguais e
que não se comparam nem são proporcionais entre si. Este promove a coesão social
e a tolerância entre desiguais sociedades o que leva as pessoas a serem seres
multiculturais.

1.3 MULTICULTURALIDADE

A Multiculturalidade é reconhecida como sendo uma identidade cultural


individual que se constrói através de diálogos coletivos e através do respeito mesmo
existindo diferenças culturais e/ou política, ou seja, é a existência de seres humanos
com certas normas e hábitos culturais diversificados dentro do mesmo espaço. A
Multiculturalidade é o reconhecimento das diferenças de cada pessoa. Para Hall
(2003) o termo multicultural é qualificativo e:

Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade


apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades
culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo
em que retêm algo de sua identidade original (2003, p.52).

A Multiculturalidade é um termo que descreve a existência de excessivas


culturas numa cidade e/ou país, sem que uma nenhuma delas seja predominante. Isto
implica diferentes níveis de mudanças envolvendo assim toda a comunidade, para
que se possa combater tanto o racismo como outras formas de discriminação na
escola e/ou na sociedade.
O principal objetivo da Multiculturalidade é conservar as características
particulares de cada grupo, a promoção da interação e o respeito entre
diferentes culturas garantindo assim a igualdade para todos.
13

1.3.1 Educação multicultural

Cortesão (1993) refere que a educação multicultural é o conhecimento de


diversas culturas num espaço. Já na opinião de Foral (1989) este tipo de educação
esforça-se na criação de um meio onde possa existir grande diversidade de culturas
e/ou etnias para que possa existir uma igualdade de direitos a nível de educação.
Para Cardoso (1996) o conceito de educação multicultural:

É um conjunto de estratégias organizacionais, curriculares e pedagógicas ao


nível do sistema, de escola e de classe, cujo objetivo é promover a
compreensão e tolerância entre indivíduos de origens étnicas diversas
através da mudança de percepções e atitudes com base em programas
curriculares que expressem a diversidade de culturas e estilos de vida (1996,
p.9).

A educação multicultural implica o respeito pelo desenvolvimento pessoal das


crianças, assim como a intervenção dos pais nos programas escolares e a utilização
de vários materiais e recursos educativos.
A Multiculturalidade educacional deve: proporcionar uma diversidade de
conhecimentos e de processos de ensino adequados à diversidade cultural, linguística
e de estilos de aprendizagem; ser antirracista; ter um ambiente físico com estratégias
e interações que reflitam e acolham uma diversidade de opiniões da comunidade;
promover a qualidade de relações multiculturais de forma a todas as crianças terem
os mesmos direitos; ter como base uma pedagogia crítica que dá voz aos alunos e os
envolve nos processos de descoberta e aprendizagem; focar a mudança de atitudes;
e ser um meio reflexivo de concretização da justiça social articulando a teoria, a
reflexão e a prática.

1.3.2 Escola multicultural

A escola deve organizar-se de forma multicultural, envolvendo nos seus


órgãos os pais e a comunidade educativa, criando assim projetos multiculturais que
unam os esforços de todos os intervenientes importantes no processo educativo das
crianças. Como referi anteriormente este tipo de educação implica a intervenção, para
além das crianças e do educador, de outros agentes exteriores à sala, tal como os
14

pais. Implica que o ambiente da escola seja favorável à diversidade e que os


currículos, as interações e as estratégias sejam ajustados a todas as crianças,
proporcionando-lhes assim uma igualdade de oportunidades educativas.
Para Meirinho (2009) a Multiculturalidade é um tema muito atual na sociedade
e no contexto escolar, nomeadamente na Europa. As turmas são, cada vez mais,
compostas por elementos de culturas diversas, por isso interessa levantar problemas
e procurar caminhos no sentido de que todos compreendam melhor os fenómenos
educativos. A escola deve prevenir falhas de interpretação cultural ou manifestações
de racismo no contato com as minorias étnicas.
A escola é o elemento fundamental na educação de comunidades, é um
centro comunitário onde se desenvolvem planificações futuras. É na mistura de
diversas culturas que se educa para uma educação multicultural diversificada e
socialmente coesa. Quero com isto afirmar que é necessário existir uma escola
multicultural para se formar uma educação multicultural.
Para Cardoso (1996) a escola multicultural passa por quatro fases distintas:
1º. Estabelecer e promover mudanças multiculturais;
2º. Especificar os objetivos e as metodologias para o processo de mudança;
3º. Divulgar o projeto da escola e procurar que os professores adiram; 4º.
Promover formações no domínio da educação multicultural.

1.3.3 Educadores multiculturais

Nos princípios gerais das OCEPE (1997) estão consignados alguns dos
objetivos da Educação Pré-Escolar consignados na Lei-Quadro da Educação Pré-
Escola, Lei nº5/97 de 10 de Fevereiro, sendo eles: promover o desenvolvimento
pessoal e social da criança com base em experiências de vida democrática numa
perspectiva de educação para a cidadania; fomentar a inserção das crianças em
grupos sociais diversos no respeito pela pluralidade de culturas; incutir
comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diferenciadas;
despertar o pensamento crítico; e incentivar a participação das famílias no processo
educativo e estabelecer relações de efetiva colaboração com a comunidade.
O educador cultural incentiva as suas crianças a adquirir gosto pelo
conhecimento, pela pesquisa e pelo belo. Um bom educador deve desenvolver
práticas pedagógicas que possam sensibilizar as crianças para a Multiculturalidade e
15

para a reflexão através da observação dos diferentes mundos culturais. O educador


multicultural deve ter espírito aberto e aceitar a complexidade; ser imparcial e não ter
preconceitos; saber escutar e respeitar perspectivas distintas; ter em atenção as
alternativas que existem; questionar-se quanto às possibilidades de erro e procurar
razões para os problemas; e refletir sobre a forma de melhorar o que existe
anteriormente.

1.3.4 A família e a comunidade educativa na educação multicultural

Nos dias de hoje viver numa sociedade multicultural não basta, é necessário
compreender este novo tipo de sociedade. É preciso aprender a viver nela e a viver
com ela. É do interesse de todos que o ensino das diferentes culturas seja comum às
crianças, ajudando-as a um alargar do universo cultural, pondo de lado o
etnocentrismo que teima em manter-se na sociedade, nas nossas escolas e no
jardim-de-infância.
A família é um elemento principal para a educação das crianças, os pais têm
de conhecer, selecionar e contribuir ativamente no que desejam para o futuro dos
filhos. Para concluir pode afirmar-se que o papel fundamental dos educadores é
desenvolver a interação entre a escola e a família, tornando isso como um papel
fundamental para o desenvolvimento e sucesso escolar das crianças. Segundo
Chalita (2001), a família tem como responsabilidade “formar o caráter, de educar para
os desafios da vida, de perpetuar valores éticos e morais” (2001, p.14).

2 A LDB E A HISTÓRIA DA INFÂNCIA, FAMÍLIA E MULTICULTURALISMO

Multiplicam-se na atualidade pesquisas sobre a infância e educação infantil,


abordando questões sob os mais diversos pontos de vista. Uma dessas questões trata
da relação entre infância e cultura, do ponto de vista da diversidade sociocultural. As
políticas educacionais estão incorporando cada vez mais estudos sobre cultura,
multicultura e educação intercultural, ou seja, há um reconhecimento de que vivemos
numa sociedade caracterizada pela diversidade cultural e de que a escola não pode
deixar de trabalhar nessa perspectiva.
16

Essa tendência, no entanto, parece estar mais centrada na educação


fundamental, média e superior. Essa mesma preocupação não ocorre com a mesma
intensidade no âmbito da educação infantil. Por isso, mesmo que as pesquisas
estejam avançando significativamente nesse campo, muitas escolas de educação
infantil não incorporam em seus projetos político-pedagógicos e nas suas práticas
cotidianas as contribuições do multiculturalismo e da educação intercultural.
As reflexões que serão feitas no presente texto resultam, em parte, do
desenvolvimento de um projeto de pesquisa sobre a intercultura a partir de escolas de
educação infantil. Nesse temática procurou-se investigar como as diferenças
socioculturais são trabalhadas em escolas de educação infantil e de que forma elas
estão sendo incorporadas aos seus projetos político-pedagógicos. Dentro dessa
preocupação mais ampla, procurando identificar os preconceitos e as práticas
discriminatórias se manifestam entre crianças e como elas são trabalhadas
pedagogicamente. Procuramos também analisar como os professores compreendem
e trabalham a diversidade cultural e a educação intercultural em suas práticas de sala
de aula.
A educação infantil, enquanto política pública, ganhou mais evidência
com a aprovação da LDB em 1996. Até então eram poucas as pesquisas abordando
essas questões, entre as quais a de Kramer (2001), publicada inicialmente em 1992.
Com a aprovação da LDB, em 1996, a educação infantil se expandiu
significativamente, embora esse crescimento quantitativo em termos de escolas e de
crianças atendidas nem sempre vem acompanhado de um processo qualitativo de
reflexão, de elaboração crítica e consistente de projetos político-pedagógicos,
condição para fazer frente aos grandes desafios existentes na realidade.
A LDB de 1996, art. 29, reconhece que a educação infantil se constitui na
“primeira etapa da educação básica” e tem por finalidade “o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade”. Ora, para dar conta
dessa formação global é necessário um conjunto de ações articuladas e bem
fundamentadas teórica, metodológica e pedagogicamente.
A escola multicultural e o pluralismo das famílias e as crianças será
sempre uma temática importante no cenário da educação e no convívio social, ajuda
a revelar que, para atender à crescente demanda, muitas iniciativas privadas, mas
também públicas, encontram dificuldades para dar conta das exigências legais e
17

pedagógicas. De um modo geral, criam-se novas escolas de educação infantil,


contratam-se professoras, muitas vezes em caráter precário, ou seja, sem concurso
ou seleção, organiza-se uma infraestrutura mínima com alguns brinquedos e um
parquinho. A proliferação de escolas sem as mínimas condições político-pedagógicas
e, por vezes, também físicas, compromete uma educação integral e de qualidade
exigida pela legislação. Esse modo de encarar a educação infantil parece derivar de
uma ideia simplista de que para trabalhar com crianças qualquer iniciativa serve.
Procurando analisar essas questões, o presente texto inicia sistematizando
alguns elementos que emergiram da pesquisa e depois faz um confronto com as
discussões teóricas sobre intercultura e educação intercultural. Considerando que
serão apontados alguns desafios da educação infantil na perspectiva da diversidade
sociocultural e da construção de uma sociedade plural e democrática.
Considerando a sociedade heterogênea quanto a gênero, raça, religião,
“deficiências”, padrões culturais e outros. Dessas diferenças surgem conflitos, porque
a sociedade e a escola padronizaram uma cultura e raça como a correta e a euro
americana e branca. Proporcionando direitos desiguais de sobrevivência e ação
individual no espaço vivido. Gerando-se nesse contexto histórico, conflitos dos
subalternos em busca de seu reconhecimento e respeito ao seu modo de ser pensar
e agir. Neste sentido a proposta desse apostilado aborda o que é multiculturalismo,
onde surgiu como se processa e desafios para a superação dos impasses gerados
por essa pluralidade cultural.

2.1 O MULTICULTURALISMO E SUA POLISSEMIA DE SIGNIFICADOS

O termo multiculturalismo possui uma polissemia de significados; com o


estudo do artigo de Flávia Pansini e Miguel Nenevé que citaram Silva (2007)
Entendemos que o multiculturalismo se refere a estudos voltados para as diferentes
culturas espalhadas nos lugares do mundo, objetivando a partir da aprendizagem a
importância de cada cultura a fim de evitar os conflitos sociais. Podendo também estar
voltado à política, quando os grupos como negros, índios, mulheres e outros
reivindicam perante as autoridades políticas seus direitos e deveres como cidadãos.
O multiculturalismo é um movimento social surgido nos estados unidos e tem
como objetivos principais: a luta pelos direitos civis dos grupos dominados, excluídos
18

por conta de não pertence a uma cultura e classe social considerada superior a euro
americana, branco, letrado, masculino, heterossexual e cristão. A formação de um
currículo escolar que aborde essa questão ensinando os alunos a “não terem
preconceitos e discriminações, já que a escolar e um espaço de socialização”.
O multiculturalismo só ganhou pulso e força a nível estadunidense e mundial,
pois os grupos silenciados num primeiro momento, não calaram sua voz se uniram
nos movimentos negro, feminista, homossexuais, e a luta dos deficientes. Hoje o
assunto interessa o currículo escolar e aos políticos. Relataremos para exemplificação
o que tem acontecido de eventos no Brasil e no mundo tratado da temática e os
desafios para a justiça social
Ainda falaremos como o currículo escolar e o educador são fundamentais no
assunto e quando se contradizem quando as práticas curriculares segregam as
crianças negras e a formação universitária não prepara de forma eficaz os
profissionais da educação a tratarem da diversidade em suas aulas.
O não reconhecimento e respeito a identidades culturais diferentes das
nossas criam atritos; quando olhamos para determinado grupo social e vemos esses
com mais direitos do que o nosso, principalmente as questões econômicas já que
precisamos de oportunidades para aprender e se desenvolver como ser social e
profissional. E por isso que Paulo Freire defende que o fim maior da educação deve
ser desenvolvido a partir do diálogo e da consciência, onde as pessoas podem lutar
por sua liberdade, contra a máquina opressora do capitalismo.
Escolhemos o tema devido à necessidade individual de convivência com o
próximo, sabendo das nossas diferenças, buscamos entender o multiculturalismo para
aprendermos a interagir e respeitar os diferentes grupos sociais de forma harmoniosa
e influenciar como futuro educador, nossos alunos a tais práticas, minimizando os
preconceitos e conflitos no ambiente escolar e consequentemente social.

2.2 HISTÓRIA DO MULTICULTURALISMO

O movimento multiculturalista se inicia no final do século XIX nos Estados


Unidos com a ação principal do movimento negro para combater a discriminação
racial no país e lutar pelos seus direitos civis.
19

Segundo SILVA e BRANDIM (2008:56) “Os precursores do multiculturalismo


foram professores, doutores afro-americanos, docentes universitários na área dos
estudos sociais que trouxeram por meio de suas obras, questões sociais, políticas e
culturais de interesse para os afrodescendentes”. Esses precursores foram essenciais
para que no século XX por meio de novos intelectuais o tema se voltasse também à
educação.
Na década de 90 algumas universidades estadunidenses aderem ao
movimento e que com as pressões populares ganham força e espaço com a criação
de políticas pública em todas as esferas do poder público no que concerne a
oportunidades educacionais iguais aos grupos sociais favorecidos daquele país.
O pós-modernismo que defende a valorização da pluralidade cultural no seu
discurso curricular ajuda o fortalecimento dos estudos multiculturais nos anos 80 e 90.
Hoje na contemporaneidade o tema é influenciado pela globalização, com os
intercâmbios culturais fala-se de uma hegemonia cultural o que tem causado
problemas sociais.
Segundo McLaren (1997 apud PANSINI E MENEZES, 2008, P. 35) há pelo
menos quatro tendências de multiculturalismo enquanto projeto político: O
multiculturalismo conservador, multiculturalismo humanista liberal, multiculturalismo
liberal de esquerda e multiculturalismo crítico e de resistência, visão esta última do
qual se diz partidário o próprio autor.
O multiculturalismo conservador ou empresarial e aquele que pretender
construir uma cultura comum o que faz com que a partir desse princípio negue a
diversidade existente e construída há séculos e que nos leva a entende sua defesa a
uma cultura padrão a branca. Nesse contexto desmotiva os grupos dominados em
suas lutas a seu capital cultural.
Esse tipo de visão conservadora (...) “mesmo quando reconhece outras
culturas assenta-se sempre na incidência, na prioridade a uma língua normalizada- e,
portanto, é um multiculturalismo que de fato não permite que haja um reconhecimento
efetivo das outras culturas’’. (SOUZA SANTOS, 2003, P 12).
“A vertente Humanista liberal por ingenuidade ou idealismo ressalta a
existência de uma igualdade natural entre as diversas etnias, sem se preocupar em
evidenciar a falta de oportunidades iguais em termos sociais e educacionais” (SILVA
E BRADIN, 2008, P.63). Sem levar à risca a realidade social do sistema econômico
capitalista se valendo de seus próprios argumentos. Fala-se da criação de uma
20

organização econômica mais igualitária daí dizer que todos somos capazes de
competir e vencer no mundo.
O multiculturalismo liberal de esquerda defende a diversidade cultural, Pansini
e Nenevé quando citam McLaren compreendemos que o fim desse tipo de vertente é
se focar mais nas diferenças e respeita-las esquecendo-se que elas são formadas nas
pessoas pela interação do meio social em que convivem sendo negativa a tendência
a elitizar outros grupos ao mesmo tempo em que deixa de lado a participação de
outros grupos nas discussões multiculturais.
O multiculturalismo critico ou de resistência é o que podemos considerar mais
voltados aos anseios dos movimentos multiculturais conforme Silva e Bradim (2008):

O multiculturalismo critico levanta a bandeira da pluralidade de identidades


culturais, a heterogeneidade como marca de cada grupo e opõe-se à
padronização e uniformização definidas pelos grupos dominantes. Celebrar o
direito á diferença nas relações sociais como forma de assegurar a
convivência pacifica e tolerante entre os indivíduos caracteriza o
compromisso com a democracia e a justiça social, em meios às relações de
poder em que tais diferenças são construídas. Conceber, enfim, o
multiculturalismo numa perspectiva crítica e de resistência pode contribuir
para desencadear e fortalecer ações articuladas a uma pratica social
cotidiana em defesa da diversidade cultural, da vida humana, acima de
qualquer forma discriminatória, preconceituosa ou excludente. (2008, p.64)

2.3 A ESCOLA E A PLURALIDADE CULTURAL

A escola é um sistema aberto que faz parte da superestrutura social formada


por diversas instituições como: a igreja, família, meios de comunicação; faz parte do
ambiente escolar crianças pertencentes a classes sociais, costumes, aspectos físicos
e culturais diferentes que estão em processo de aprendizagem.
De acordo com Menezes (2012):

(...) Ao contemplarmos as relações raciais dentro do espaço escolar


questionarmos até que ponto ele está sendo coerente com a sua função
social quando se propõe a ser um espaço que preserva a diversidade cultural,
responsável pela promoção da equidade. Sendo assim, aguardamos
mecanismos que devam possibilitar um aprendizado sistematizado
favorecendo a ascensão profissional e pessoal de todos os que usufruem os
seus serviços.
21

A escola atende aos padrões dominantes das classes consideradas superiores,


os brancos euros americanos essa cultura e ensinada e os que dela não fazem parte
ou não se adéquam são excluídos vemos isso no dia a dia quando os grupos
inferiores índios e negros sofrem, são insultados no espaço escolar, e dificilmente
vemos algum negro ocupado um posto elevado na sociedade.
Como coloca Menezes: “a escola pode ser um espaço de disseminação quanto
um meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito”. A escola dissemina o
preconceito quando em seus currículos aplicados, métodos de ensino, apresentação
de imagens caricatas negras em cartazes ou livros didáticos e através da linguagem
não verbal desprezam a cultura dos grupos não dominantes, a exemplo quando falam
só da escravidão negra e não valoriza a cultura dessa raça.
O docente passa a ser um disseminado do problema quando pela linguagem
não verbal não mantém contato físico com as crianças negras, o que demonstra
rejeição a elas por sua cor e condição social da qual fazem parte causando-lhe
sofrimento. “A sua dor não é reconhecida, havendo uma aparente falta de
acolhimento por parte de pessoas autorizadas (educadores), que silenciam ou se
omitem em face de uma situação de discriminação. Tal postura denuncia a
banalização do preconceito e a conivência dos profissionais com ele” (Romão,
2001)
Quanto à diminuição do preconceito, o que não e tão fácil a exemplo do Brasil
aonde a exclusão dos negros, índios vem desde a colonização portuguesa. O que
pode ser feito e incorporar nos currículos das instituições formadoras de professores a
temática multicultural seja as instituições públicas ou privadas. O educador que tem
papel na formação de identidades pode segundo Moreira (2001, p. 49 apud PANSINI
E NENEVÉ, 2008, P.41) a ideia e que o professor reflexivo preserve a preocupação
com os aspectos políticos, sociais e culturais em que se insere sua pratica, leve em
conta todos os silêncios e discriminações que se manifestam na sala de aula, bem
como amplie o espaço de discussão de sua atuação.
Focalizamos a etnia negra, tendo em vista que o multiculturalismo se iniciou
como movimento por esse grupo racial. A exclusão deles começa desde a infância
dentro das escolas por possuírem características físicas e costumes diferentes; de
acordo com pesquisas, feitas com crianças elas se sentem oprimidas pelos seus
colegas, pois são chamadas de “feias, fedorentas, cabelo duro, preta”, ou seja, são
22

desvalorizados seus atributos individuais o que influencia na sua formação identitária


porque nesse período da vida seu caráter esta sendo formado.
O preconceito racial e a discriminação fazem com que aos índios e, em
especial aos negros se mantenham em uma situação marginal e excluída sem a
assistência devida dos órgãos responsáveis, eles tornam-se alheios ao exercício de
cidadania, sem condições de crescer intelectual e profissionalmente.
Nessa direção MENEZES(2012) destaca:

O preconceito racial cria uma ação perversa que desencadeia estímulos dolorosos
e retira do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-o a
utilizar mecanismos defensivos das mais diversas ordens, contra a identidade ou o
pensamento persecutório que o despersonaliza e o enlouquece. Nessa
perspectiva, é fortalecida a ideia de dominação de grupos que se julgam mais
adiantados, legitimando os desequilíbrios e desintegrando a dignidade dos grupos
dominados.

Na escola os educandos não conseguem relacionar ou praticar os conteúdos


ensinados a sua realidade fora da escola, pois a maioria deles fazem parte dos
grupos inferiores, daí a importância do professor ter criatividade e levar seus alunos a
refletir e investigar as questões relacionadas a vida e cultura dos grupos mais
próximos a sua vida, tendo autonomia em seu ensino e deixando um pouco de lado
as práticas colonizadoras.
Devido aos padrões de branqueamento muitas crianças negras querem ser
brancas e incorporam em suas atitudes os costumes deles porque estes são incluídos
na sociedade nos aspectos econômicos políticos e sociais e culturais. Como relatam
pesquisas feitas com crianças negras, que demonstra isso muito bem quando uma
garota diz: eu gostaria de dormir e acordar branca e de cabelo liso, essa fala
demonstra o seu sofrimento porque vem sofrendo preconceitos por colegas de classe,
elas têm acesso a matricula e sala de aula exceto as atividades escolares com êxito e
aceitação, daí resulta em sua reprovação, e quando adultos sua indignação ou
silenciamento por sua condição de vida.
Na verdade o que seria necessário era “uma formação cultural deve voltada
para sua realidade local de modo que os educadores possam romper com tais
práticas possibilitando aos educadores” afirmar suas tradições culturais e recuperar
suas histórias reprimidas” (Bhabha, 1998, p. 29).
23

Os movimentos sociais conquistaram na constituição brasileira


de1988 admissão do nosso pluralismo étnico. Os efeitos são observados na
educação no campo da produção artística, sobretudo da literatura fala-se em “escrita
feminina”, em “vozes negras”, homoerótico etc. Nessa linha de raciocínio a cultura
torna-se instrumento de definição de políticas de inclusão social - as "políticas
compensatórias" ou as "ações afirmativas" - que tomam os diversos setores da vida
social. Cotas para minorias, educação bilíngue, programas de apoio aos grupos
marginalizados, ações antirracistas e antidiscriminatórias são experimentadas em
toda parte.
Para Romão (2001), a reversão desse quadro será possível pelo
reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças étnicas, investindo na
busca de estratégias que atendam às necessidades especificas de alunos negros,
incentivando-os e estimulando-os nos níveis cognitivo, cultural, físico. O processo
educativo pode ser uma via de acesso ao resgate da autoestima, da autonomia e das
imagens distorcidas, pois a escola é ponto de encontro e de embate das diferenças
étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e prevenir o processo de
exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças negras.
É impossível viver na escola e na sociedade sem se relaciona com pessoas
diferentes de nós, não somos melhores do que nenhuma raça somos iguais às
diferenças não devem ser vistas como barreiras e sim como o complemento de nossa
existência e aprendizado. Mais uma vez coloco a participação dos docentes no
sentido de comprometimento a estuda o multiculturalismo e respeita a bagagem
cultural de seus alunos.
Daí citaram que a “leitura crítica que ser realiza nos cursos de formação deve
ser entendida como uma interseção da linguagem, da cultura, do poder, e da história”.
(McLaren e Giroux,2000)
A manifestação do multiculturalismo nas análises educacionais, de fato trouxe
desafios muito importantes às investigações sobre o conhecimento, e com isso abriu
possibilidades para se pensar em práticas curriculares e de formação docente que
pode ser voltadas à construção de identidades discente e docente multiculturalmente
comprometidas com o ensino/aprendizagem, visando assim promover o respeito à
diferença e à pluralidade cultural.
24

2.4 AS AÇÕES ESCOLARES E POLÍTICAS

A problemática multicultural tem sido um tema discutido principalmente na


pedagogia e no currículo com um intuito de solucionar os conflitos que dela surgem, já
que a mesma abrange gênero, sexualidade, cultura. Também de entidades políticas
do mundo inteiro. Temos observado a inserção do assunto nos debates, literatura,
eventos conferencias, teses e dissertações, que são respostas as vozes dos
diferentes movimentos sociais que lutam pelos seus direitos e legitimidades
Ainda nesse contexto apoiado – nos em SILVA e BRADIM, nas universidades
CANDAU (1997) reafirma o crescimento, nos últimos anos, de encontros, seminários
e congressos abordando temas relativos à globalização, pluralismo cultural,
identidades sociais e culturais etc. O marco para o início dos debates nos foros
educacionais universitários deu-se numa das reuniões anuais da ANPED. Ela relata
que, “(...) em 1995, pela primeira vez, foi realizada uma sessão especial sobre o tema
multiculturalismo e universidade. Os participantes fomos testemunhas das reticências
e reservas que o tema suscitou no debate” (Ibid,: 241)
Na área educacional muitos estudos têm sido formulados na tentativa de criar
um currículo que busque os interesses dos não pertencentes aos padrões
dominantes, assim: “Nos parâmetros curriculares nacionais – PCN (BRASIL,1997)
consta que o Brasil tem participado de eventos importantes, como a Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em Jostiem, na Tailândia, em 1990,
convocada por organizações como a UNESCO, UNICEF e Banco Mundial”.(SILVA e
BRADIM,P. 59, 2008).
Conforme Santos e Queiroz (2007):

Somente no início do século XXI e que podemos perceber uma significativa mudança,
posto que várias instituições do ensino superior começaram a adotar as denominadas
ações afirmativas para negros e indígenas, com ênfase no sistema de cotas. E, desde
2003, há a obrigatoriedade das temáticas história e cultura do negro no Brasil nos
currículos escolares, sancionada através da Lei 10.639. (SANTOS E QUEIROZ,2007)

“No contexto educacional as práticas que se engajaram a despeito do


multiculturalismo são:” Nos parâmetros curriculares nacionais – PCN (BRASIL, 1997)
consta que o Brasil tem participado de eventos importantes, como a Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em Jostiem, na Tailândia, em 1990,
25

convocada por organizações como a UNESCO, UNICEF e Banco Mundial”. (SILVA e


BRADIM, P. 59, 2008)
O movimento negro no Brasil só ganhou força nos anos 50 porque eles
tomaram atitudes eficazes como: fim do isolamento dos movimentos brasileiros em
relação aos movimentos de libertação racial em outros países. Os congressos e
conferencias pan-africanas irão possibilitar trocas de informações visando a
conscientização do valor da cultura negra e a libertação do complexo de inferioridade
em relação ás culturas branca; a criação de organizações de reivindicação do
movimento negro no país, a exemplo da Associação dos Negros Brasileiros (ANB),
Convenção Nacional do Negro Brasileiro (CNNB), União Nacional dos Homens de Cor
(UNHC), a criação do Teatro Experimental Negro (TEM); a atuação de organizações
internacionais, como a ONU.
Nos parâmetros curriculares nacionais – PCN (BRASIL, 1997) consta que o
Brasil tem participado de eventos importantes, como a Conferência Mundial de
Educação para Todos, realizada em Jostiem, na Tailândia, em 1990, convocada por
organizações como a UNESCO, UNICEF e Banco Mundial”. (SILVA e BRADIM, P. 59,
2008).
Quanto às ações políticas SILVA e BRADIM relatam que devido as pressões
populares multiculturais e as teorias críticas e pós – criticas, as próprias organizações
internacionais de defesa dos direitos humanos firma o compromisso de promover uma
educação para a cidadania baseada no respeito a diversidade cultural, visando a
superação das discriminações e preconceitos. CANDAU (1997) menciona a
conferência mundial sobre políticas culturais, promovida pela UNESCO, em 1982, no
México, cujo papel é o de contribuir para a aproximação entre os povos e uma melhor
compreensão entre as pessoas.
A propósito a ONU e suas agências especializadas, sobretudo a UNESCO,
impulsionarão os países membros a elaborar garantias jurídico-institucionais para
proteger as vidas de grupos culturalmente dominados (SILVA e BRADIM, 2008)
O multiculturalismo e a educação estão intimamente ligados, porque ao
mesmo tempo em que a escola ensina as pluralidades culturais ela segrega os que
não fazem parte daquele padrão aceitável pelo seu sistema educacional. Quando em
seus ensinamentos morais pregam o respeito à tolerância ao próximo ela segrega
dando num mesmo espaço maiores oportunidades de expressão e atenção aos
brancos.
26

Daí a s discussões, e os inúmeros estudos voltados às multiculturalidades,


sendo que abrangem não apenas um grupo social mais várias vítimas do preconceito,
exclusão social, discriminação juntamente com as manifestações desses grupos
oprimidos, o olhar governamental e a instituição escolar se preocupam em criar
mecanismos que silencie ou minimize os conflitos das diferenças. No sentido político
ouvimos mais discursos, sem grandes repercussões concretas.
Como argumenta SILVA e BRADIM o problema ameaça todos,
indistintamente (dominados e dominantes, pobres e ricos, negros e brancos, mulheres
e homens), independente de classe ou grupo social. Para isso traçam metas, definem
propostas e promovem eventos (fóruns e conferencias), a fim de manter sob controle
os antagonismos sociais e culturais.
Vimos no subtítulo ações escolares e políticas que a ONU, por exemplo, tem
dado sua contribuição ao tema para combater as discriminações e preconceitos assim
como os espaços acadêmicos de formação de professores onde constatamos a
necessária intervenção do professor nessas questões.
Torna-se urgente uma educação verdadeiramente democrática, que inclua a
diversidade cultural, para que este processo aconteça é necessário o convívio
multicultural que implica respeito ao outro, diálogo com os valores do
outro. Propomos a realização eficaz de mudanças nos sistemas educacionais
enquanto espaços monoculturais, através do desenvolvimento de atitudes, projetos
curriculares e ideias pedagógicas, que sejam sensíveis à emergência do
multiculturalismo.
O professor deve ser crítico reflexivo, humano; Questionado o que ele vai
ensinar aos seus alunos e propor reformas pedagógicas já que ele e o mediador do
conhecimento, ouvindo seus alunos quanto a suas dificuldades, incentivar trabalhos
que levem os mesmos a pesquisa sua realidade local, humano quando não despreza
um aluno que não pertence ao padrão cultural aceito, ele deve ser um profissional
com todas essas competências e não apenas aquele que sabe do conteúdo, mas que
com sua bagagem teórica ensine a viver neste mundo capitalista.
Queremos, sobretudo a ação das autoridades políticas com projetos, leis mais
eficazes que inclua a diversidade dando chances para que tenham seus direitos
atendidos, pois estes vem lutando há muito tempo pelo seu valor e dignidade. Isso é
possível mesmo sabendo que a globalização parece querer cria apenas uma cultura
27

algo que jamais acontecera, pois a Multiculturalidade estar presente antes dos
avanços tecnológicos.
Propomos que esses assuntos estejam presentes no processo ensino –
aprendizagem desde as primeiras series do ensino básico, na formação de
professores enfim concordamos com Silva e Bradim: “Defendemos o multiculturalismo
crítico para quem as diferenças não têm um fim em si, mas situam-se num contexto
de lutas por mudança social, contrapondo- se ao ideário neoliberal e a globalização
econômica e cultural vigente, como expressões legitimas do modelo capitalista
opressor”.
Contudo somos a favor do multiculturalismo crítico, entendendo que o respeito
à vida humana, diversidade cultural e essencial para a construção de um mundo de
paz, como futuro educador vemos na instituição escolar uma força maior que nos
conduzirá a esse processo de justiça social e democracia. Nessa vertente é
necessário o avanço de pesquisas teóricas e práticas envolvida na formação de
identidades e pluralidades culturais.

3 ELEMENTOS EMERGENTES DA PESQUISA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A escola não se constitui num fenômeno isolado do contexto sociocultural,


econômico, político e religioso. Essa tem sido a orientação teórica da pesquisa que
procurou entender as escolas de educação infantil numa visão de totalidade.
Trabalhamos na perspectiva de que a escola está articula com a sociedade e, por
isso, é permeada por contradições e conflitos (CURY, 1979). Mais do que isso, o
estudo de escolas de educação infantil exige a mediação de referenciais que deem
conta do particular (local) articulado aos processos globais, ou seja, das relações
entre o todo e as partes (KOSIK, 1985) e também como essas relações se constroem
e se transformam historicamente.
A pesquisa realizada com professores que atuam em escolas de educação
infantil, a análise de projetos político-pedagógicos dessas escolas e a realização de
entrevistas com pais, crianças e professores nos ajudaram a visualizar melhor um
conjunto de questões que são fundamentais para o aprofundamento do tema proposto
para o presente texto. Pretendemos, portanto, identificar algumas dessas questões
para, num segundo momento, analisá-las à luz das discussões sobre cultura e
educação intercultural.
28

Uma primeira constatação feita foi de que muitas escolas de educação infantil
elaboram seus projetos político-pedagógicos simplesmente para atender as
exigências legais. Em geral, um tópico desses projetos diz respeito à caracterização
(contextualização) da realidade. Chama atenção que em praticamente todos os
documentos analisados não há uma referência explícita às questões socioculturais.
Essa preocupação deveria ser ainda maior na região pesquisada porque
existem muitos grupos étnico-culturais, ou seja, há nesse contexto inúmeros aspectos
e questões que dizem respeito à diversidade sociocultural que passam
desapercebidas pelas escolas. Nesse contexto, discute-se a questão do referencial
teórico que orienta a leitura da realidade pela escola como um todo e pelos
professores individualmente. Pelo que se pode observar, grande parte dos
professores nem se dá conta de que a diversidade sociocultural é uma realidade e,
por isso, encontram dificuldades para discutir e enfrentar problemas de preconceitos e
práticas discriminatórias. Isso nos faz pensar com Valla (1996), quando diz que a
“crise de interpretação é nossa”.
Há muitas dificuldades para apreender e analisar a realidade dentro de uma
perspectiva de totalidade onde as questões de natureza cultural e intercultural se
fazem presente. Desvelar esses processos exige uma visão crítica sobre a dinâmica
das culturas, de como elas se constituíram historicamente e de como se relacionam
no tempo presente. Sem um trabalho criterioso de investigação dessas questões, fica
muito difícil propor qualquer projeto de educação intercultural. Evidentemente que
esse trabalho de investigação da realidade precisa ser feito de forma sistemática,
criteriosa e coletiva. Quando isso não ocorre, a escola trabalha pressupondo que
todas as crianças sejam iguais.
O problema, como diz Saviani (1989, p. 82), é pressupor uma igualdade como
ponto de partida que não existe. “A educação é uma atividade que supõe uma
heterogeneidade real e uma homogeneidade possível; uma desigualdade no ponto de
partida e uma igualdade no ponto de chegada”.
Uma segunda questão que emergiu da pesquisa está relacionada às
condições e à localização econômico-espacial das escolas de educação infantil e das
creches. De um modo geral, as escolas localizadas nos centros das cidades têm
melhores condições de infraestrutura, disponibilidade de brinquedos, as professoras
têm uma melhor formação acadêmica e são frequentadas por crianças brancas. Numa
proporção inversa, as creches e escolas de educação infantil existentes nas periferias
29

das cidades são, em geral, precárias e atendem mais às crianças negras ou mestiças.
Elas possuem condições físicas mais limitadas e atendem a um público mais amplo.
Dificilmente essas instituições são de iniciativa privada, realidade inversa
daquela existente nos centros das cidades. Essa constatação põe em evidência um
problema histórico e estrutural da sociedade brasileira, herdado da sociedade colonial
e escravocrata. As relações coloniais entre a casa grande e a senzala ganham novas
formatações, mas não desapareceram totalmente. Muitas creches e escolas
existentes nas periferias abrigam mais crianças do que as condições físicas permitem
a fim de atender, por vezes, interesses e pressões políticas e troca de votos.
Identificamos também problemas com a língua e os dialetos. Sendo uma região
colonizada por diferentes grupos étnicos e culturais, a língua de origem e os dialetos
são, em geral, falados no âmbito das famílias. É evidente que essas influências,
especialmente os sotaques característicos, acompanham as crianças. Há escolas de
educação infantil que proíbem as crianças de falarem o dialeto e censuram quando
falam com sotaque. Em vista disso, fazem um trabalho no sentido de padronizar a
pronúncia da língua portuguesa.
Essa questão é fundamental para o debate sobre a cultura e também sobre a
identidade. Na medida em que a criança é coagida a se expressar na modalidade
padrão da língua portuguesa, vai perdendo suas próprias raízes e também sua
identidade étnica e cultural. Reproduz-se, mesmo que de um modo mais sutil, os
procedimentos adotados pelo Estado Novo (1937-1945), que proibiu expressamente a
fala de outra língua que não fosse a portuguesa. A diversidade linguística cede lugar
ao padrão cultural, em geral, associado à cultura dominante. Bagno (2004, p. 15)
questiona de uma forma veemente o mito da unidade linguística no Brasil. A respeito
diz:

Esse mito é prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira


diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma
linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os brasileiros,
independentemente da sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação
socioeconômica, de seu grau de escolarização, etc.

Um outro leque de questões que emergiram da pesquisa trata dos preconceitos


e discriminações. Pelo que identificamos, poucas escolas conseguem problematizar e
discutir com as crianças as práticas de discriminação, de racismo e de preconceitos.
Expressões como “negro é negro”; “negro não presta”; “melhor casar com um católico
30

ruim do que com um evangélico”, “baleia” quando se trata de crianças obesas, etc.
Essas são algumas das expressões utilizadas para descriminar. O problema é que, de
um modo geral, essas expressões são usadas de forma espontânea e, por isso, não
são questionadas pelos professores. Alguns alunos que sofrem essas agressões
reagem, mas, na maioria das vezes, o silêncio predomina. A análise feita por Bagno
(2004, p. 75) ajuda a entender esses processos.

Mas os preconceitos, como bem sabemos, impregnam-se de tal maneira na


mentalidade das pessoas que as atitudes preconceituosas se tornam parte
integrante do nosso próprio modo de ser e de estar no mundo. É necessário
um trabalho lento, continuo e profundo de conscientização para que se
comece a desmascarar os mecanismos perversos que compõem a mitologia
do preconceito.

3.1 DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICOS E MÚLTIPLAS CULTURAS

Num contexto onde se entrecruzam múltiplas culturas, as brincadeiras


também podem ganhar diferentes coloridos. No trabalho de análise do contexto,
poderiam emergir inúmeros elementos relativos às brincadeiras que as crianças
desenvolvem em seus contextos familiares e sociais. Como a contextualização é
precária em praticamente todos os projetos político-pedagógicos analisados, essas
práticas não ganham visibilidade. Em alguns momentos desses projetos são feitas
referências aos saberes das crianças.

O problema, no entanto, é que nos desdobramentos pedagógicos, essa


preocupação desaparece. Daí, ao invés do trabalho valorizar as brincadeiras do ponto
de vista pedagógico e socializador, incentivam-se atividades que levam à competição
e à violência. A observação de uma professora dá o tom dessa discussão: “Já a
atitude de alguns pais entristece os professores, pois além de não incentivarem,
proíbem os filhos de participarem, chegando ao extremo de comprarem medalhas
para dizer que o filho é vencedor”. Outras observações feitas por professores dão
conta de que as práticas de discriminação têm uma base familiar. Nesse processo
competitivo, observou-se uma forte influência da mídia televisiva, especialmente de
programas que trabalham na lógica da disputa, da violência e da negação das
diferenças e do outro.
31

Um outro aspecto identificado pela pesquisa diz respeito ao trabalho das


escolas com as datas comemorativas. Em primeiro lugar, predomina uma confusão
entre os conceitos de cultura e folclore e, em segundo lugar, essas atividades ficam
descoladas de qualquer processo pedagógico. É comum a interrupção das atividades
previstas nas programações para a comemoração de alguma data ou de algum herói.
É a festa da páscoa com os coelhinhos, o dia das mães, o dia do índio, etc.
Muitas escolas recriam essas datas de uma forma romantizada e descontextualizada.
O dia do índio é, talvez, o exemplo mais elaborado dessa romantização. As crianças
se pintam para imitar os primeiros habitantes do Brasil e não se faz nenhum trabalho
no sentido de historicizar alguns aspectos da cultura desses sujeitos e muito menos
de que eles ainda continuam sobrevivendo como índios ou como mestiços e que
estão presentes em determinadas escolas.
Nesse processo, há uma substituição da noção de cultura pela de folclore
como se ambas tivessem o mesmo sentido. A cultura, como desenvolveremos mais
adiante, perpassa a totalidade da existência material e espiritual (valores), portanto,
constitui modos de vida. A noção de folclore está mais associada ao conceito
romântico de cultura, no sentido de idealização de práticas e costumes do passado.
Para finalizar esse conjunto de questões identificadas pela pesquisa, pode-se
destacar um problema que está ganhando dimensões importantes na prática das
escolas de educação infantil. Trata-se da influência de religiões de base pentecostal
no comportamento das crianças, que são proibidas de brincar, de dançar, de cantar e
de jogar bola. Esses procedimentos, exigidos pelas igrejas, contam com o apoio dos
pais e criam sérios obstáculos para as escolas que, em geral, não conseguem
vislumbrar saídas. De que forma isso interfere na formação e no desenvolvimento
dessas crianças? Como fica a socialização se as crianças precisam se isolar da
convivência para respeitar os princípios da religião?

Essas são, em linhas gerais e de forma sintética, as questões mais relevantes


observadas pela pesquisa e que dizem respeito ao tema do presente texto. Há,
portanto, um quadro amplo que se apresenta com desafios para a educação
intercultural os quais remetem a problemas epistemológicos, políticos, éticos e
pedagógicos. Esse leque de questões possibilita dimensionar as suas implicações no
trabalho cotidiano das escolas.
Como pensar efetivamente numa educação intercultural no quadro desses desafios?
32

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E INFÂNCIA

Ao problematizarmos a educação intercultural estamos, na realidade,


adentrando para um campo complexo que trata da educação, da cultura e das
relações entre culturas; portanto, diz respeito a processos pedagógicos. Mesmo sendo
complexas e desafiadoras, essas questões precisam ser postas com muita seriedade,
especialmente num país que tem uma formação étnica e cultural muito diversificada.
Uma rápida olhada para a história das políticas educacionais nos permite ver que as
questões da diversidade cultural, multiculturalismo e intercultura não chegavam a ser
postas.
Muito recentemente elas começaram a ser problematizadas e foram
ganhando visibilidade. Uma das razões dessa ausência está vinculada ao processo
histórico brasileiro e às relações construídas entre os grupos étnico-culturais, ou seja,
a hegemonia da cultura dominante conseguiu ofuscar a diversidade, as relações de
dominação, de discriminação e de preconceitos.
Por se tratar de um debate que vem ganhando maior relevância nas últimas
décadas, os conceitos de multiculturalismo, educação intercultural e diversidade
cultural são, por vezes, utilizados como sinônimos. Pesquisas sobre multiculturalismo
têm evidenciado que o próprio conceito é complexo e possui significados muito
distintos. A partir das pesquisas de Kincheloe e Steimberg (1999), Candau (2002) e
Hall (2003a, p. 51-100), não se pode falar de multiculturalismo no singular. Kincheloe
e Steimberg (1999, p. 25), por exemplo, classificam o debate atual sobre
multiculturalismo em cinco tendências: conservadora, liberal, pluralista,
essencialista de esquerda e multiculturalismo teórico (crítico). Segundo Fleuri
(2003, p. 19), o “termo multicultural tem sido utilizado como categoria descritiva,
analítica, sociológica ou histórica, para indicar uma realidade de convivência entre
diferentes grupos culturais num mesmo contexto social”. Ainda, spara Fleuri (2002,
p.132), “o multiculturalismo reconhece que cada povo e cada grupo social desenvolve
historicamente uma identidade e uma cultura próprias. Considera que cada cultura é
válida em si mesma, na medida em que corresponde às necessidades e às opções de
uma coletividade”.
Para Todd (2000, p. 371-372),

O multiculturalismo possui, na sua essência, a ideia, ou ideal, de uma


coexistência harmônica entre grupos étnica ou culturalmente diferentes em
33

uma sociedade pluralista. (...) Na educação, por exemplo, o multiculturalismo


direciona as escolas para um currículo que incorpore matérias de diferentes
culturas e provê a celebração de festividades, religiosas ou não, como forma
de alimentar a consciência das diferenças culturais e de promover relações
positivas entre estudantes.

As pesquisas sobre o multiculturalismo reconhecem a existência de múltiplos


grupos étnico-culturais e a possibilidade de conviverem harmonicamente. Mais do que
isso, esses grupos construíram suas identidades ao longo da história, mesmo que em
determinados momentos não tenham sido reconhecidos pelos grupos dominantes. O
multiculturalismo, no entanto, encontra dificuldades ao propor alternativas para a
superação das discriminações existentes. Não basta reconhecer e afirmar a diferença.
É preciso avançar no sentido de propor um diálogo efetivo visando à superação das
práticas discriminatórias e dos guetos culturais que se constituem, às vezes, para
legitimar as desigualdades sociais.
A educação intercultural vai além do multiculturalismo na medida em que
busca caminhos para a superação das discriminações existentes nas sociedades. A
intercultura reconhece que as sociedades são multiétnicas e culturalmente plurais
e, por isso, propõe uma pedagogia dialógica que seja capaz de fazer frente às
tendências que polarizam e excluem culturas e grupos étnico-culturais. Além disso,
reconhece que a diversidade não é empecilho, mas possui potencialidade para a
superação das discriminações, ou seja, a diferença é possibilidade de crescimento
quando trabalhada de forma crítica e pedagogicamente numa perspectiva dialógica.
Segundo Fleuri (2003, p. 41),

O que nós estamos aqui chamando de intercultura refere-se a um campo


complexo em que se entretecem múltiplos sujeitos sociais, diferentes
perspectivas epistemológicas e políticas, diversas práticas e variados
contextos sociais. Enfatizar o caráter relacional e contextual (inter) dos
processos sociais permite reconhecer a complexidade, a polissemia, a fluidez
e a relacionalidade dos fenômenos humanos e culturais. E traz implicações
importantes para o campo da educação.

O reconhecimento da diversidade sociocultural é um pressuposto da


educação intercultural. No entanto, há de se ter o cuidado para não justificar o
discurso dominante que busca legitimar suas práticas com base na diferença. Não se
pode pensar na diferença isolando os sujeitos dos seus contextos socioculturais,
políticos e econômicos, ou seja, é preciso ter cuidado para não cair nas ciladas da
diferença, conforme o título do livro de Pierucci (2000).
34

Num contexto de crescente globalização, que não se limita apenas ao


econômico, é fundamental não perder de vista os inúmeros elementos que intervêm
na formação sociocultural dos diferentes grupos sociais, bem como nas práticas
pedagógicas escolares e nos espaços educativos familiares e grupais. Além disso,
não se pode desconsiderar a influência que a mídia, particularmente a televisiva,
exerce na formação da cultura infantil em relação ao lúdico, às brincadeiras, à
aprendizagem e ao conhecimento, à convivência e à socialização.
Os textos que compõem a obra organizada por Fieltzen e Carlisson (2002)
ajudam a aprofundar essas questões. Os múltiplos elementos que se entrecruzam no
cotidiano da criança intervêm na sua formação e as escolas precisam dar conta desse
amplo espectro de interferências que se fazem presente cotidianamente. Nesse
processo, evidencia-se uma tensão que não é fácil de resolver. Trata-se da ação da
mídia e da sociedade de consumo que buscam a padronização, enquanto a educação
intercultural procura fortalecer as diferentes identidades culturais numa perspectiva
dialógica, ou seja, trata-se da formação para a autonomia das crianças no sentido de
se assumirem como sujeitos, de um lado e, de outro, as resistências impostas pelo
contexto social local e global que dificulta a autonomia e a emancipação.
Como pensar na tradição se grande parte das crianças é socializada sem a
mediação dos pais e da família? É evidente que a socialização não depende apenas
pela família, mas ela tem um papel fundamental. Essas questões são postas por
Walter Benjamin (2002) quando discute a história dos brinquedos e das rupturas
provocadas pela indústria cultural que produz brinquedos em escala comercial e
propõe outras mediações que não aqueles familiares ou do grupo social imediato.
Antigamente, diz Benjamin (2002, p. 92), os brinquedos eram produzidos no ambiente
familiar e de acordo com as condições socioeconômicas das famílias, mas hoje,
“quanto mais a industrialização avança, tanto mais decididamente o brinquedo se
subtrai da família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças, mas
também aos pais”.
A educação intercultural trabalha, portanto, na perspectiva de reconhecer e
fortalecer as diferentes identidades, pessoal e social, construindo processos de
cooperação, de respeito e de solidariedade. A identidade é compreendida a partir das
múltiplas manifestações, construções e reconstruções históricas.
Ao discutimos a educação infantil, não podemos deixar de problematizar a
questão da identidade, na medida em que está se depara com a tensão entre a
35

padronização e a construção de uma identidade própria. Nessa disputa as tradicionais


brincadeiras e os processos lúdicos criativos vão sendo substituídos por novas formas
de brincar, de dançar, de criar e de ver o mundo. Os riscos dessa tendência é que a
criança assuma uma identidade que não é construção própria, mas derivada de
estímulos externos (BROUGÈRE, 2004).
As discussões propostas por Kishimoto (1998) também ressaltam a
importância das brincadeiras e a necessidade de uma concepção pedagógica crítica
que ajude no desenvolvimento da criança. O desenvolvimento integral e a formação
da identidade na criança precisam estar articulados com propostas político-
pedagógicas claras e consistentes. Como já foi observado, esse é um dos problemas
dos projetos político pedagógicos das escolas de educação infantil.
A pesquisa realizada por Fantin (2000) evidencia como é importante a relação
entre cultura e brincadeira e de como essa relação ajuda no desenvolvimento da
criança e na construção da sua identidade. Por isso, ela diz: “Pensar o brincar implica
necessariamente pensar a criança que brinca, e pensar a criança que brinca implica
pensar também todo o contexto sociocultural em que acontece a brincadeira” (p. 13).
As transformações que estão se processando na atualidade tendem a romper com a
tradição e a isolar a criança dos seus contextos sócio-históricos. O conceito de
tradição, no entanto, precisa ser bem definido visto que existem diferentes
significados. Para Hall (2003b, p. 259), a tradição “é um elemento vital da cultura, mas
ela tem pouco a ver com a mera persistência das velhas formas. Está muito mais
relacionada às formas de associação e articulação dos elementos”.
Com base nas reflexões daquele autor, podemos pensar a tradição na
perspectiva do emergente, do residual e do incorporado. Nessa mesma linha de
reflexão, Williams (1979, p. 126) diz: "Como estamos sempre considerando relações
dentro do processo cultural, as definições do emergente, bem como do residual, só
podem ser feitas em relação com um sentido pleno do dominante". Não podemos,
portanto, desconsiderar os elementos oriundos da tradição, sob pena de romper com
a perspectiva de totalidade.
O século XXI terá de enfrentar um duplo desafio: de um lado, a afirmação das
identidades e, de outro, a tendência à padronização. A lógica do mercado trabalha
com uma concepção linear de tempo voltado para o futuro concebido com expressão
do desenvolvimento, do progresso e da modernização. Para afirmar essa perspectiva
os grupos dominantes buscam de todas as formas, segundo Benjamin (1994, p. 222-
36

232), desqualificar o passado e as tradições. A educação intercultural precisa romper


com essa visão linear de tempo, ou seja, precisa reconhecer que não há um único
tempo, mas diferentes temporalidades que se entrecruzam no tempo presente.
O desafio da educação intercultural é o de dar conta das três dimensões
acima apontadas para não negar o passado e nem as tradições. Qualquer sociedade
ou grupo sociocultural que negar suas raízes históricas fica exposto à manipulação.
Quanto menos profundas as raízes de uma árvore mais facilmente ela fica à mercê
dos ventos e pode sucumbir. Os processos culturais seguem uma lógica muito
parecida com essa.
A educação infantil precisa perguntar pelas formas como a família e a escola
podem aprofundar as relações com o passado, de que forma a criança incorpora
novos valores no tempo presente e de como constrói as sínteses desses processos,
originando novas práticas e valores. Desconsiderar uma dessas dimensões significa
não dar conta de uma formação integral.

3.3 A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E AS FORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS

A educação intercultural é desafiada a analisar as formações socioculturais


envolvendo diferentes grupos étnicos e culturais, bem como as relações e
transformações que ocorreram historicamente. Esse trabalho é fundamental para se
compreender a constituição das diferentes infâncias. Para se efetivar, no entanto,
exige uma pedagogia crítica de base dialógica. Esse diálogo precisa ser estabelecido
tanto em relação às experiências do passado quanto às transformações ocorridas. A
valorização do passado, no entanto, não se dá na perspectiva romântica, que
concebia o passado como um reservatório de valores naturais e genuínos. Como diz
Hall (2003b, p. 262), “não existem culturas inteiramente isoladas e
paradigmaticamente fixadas”. No horizonte da educação intercultural, as identidades
pessoais e sociais são concebidas como resultantes de lutas, embates e confrontos
entre valores construídos e ressignificados pelos diferentes grupos étnico-culturais e
pelas classes sociais.
A intervenção pedagógica precisa dar conta dos entrelaçamentos entre os
múltiplos fatores que intervêm nas práticas socioculturais e educativas e que podem
contribuir para o crescimento dos sujeitos envolvidos. Essa compreensão é apontada
por Hall quando diz que "o essencial em uma definição da cultura popular são as
37

relações que colocam a 'cultura popular' em uma tensão contínua (de relacionamento,
influência e antagonismo) com a cultura dominante” (2003b, p. 257). As tensões e
diferenças não podem ser desconsideradas ou negadas no contexto da educação
intercultural. Elas permanecem, embora sejam tratadas pedagogicamente visando ao
crescimento de todos.
As diferenças não podem se constituir em impedimentos para o crescimento
das culturas. Longe de hierarquizar culturas ou de classificá-las em superiores e
inferiores, a educação intercultural reconhece que todas as culturas possuem
elementos significativos e podem contribuir para a qualificação e o crescimento
individual e coletivo.
A educação intercultural pressupõe uma compreensão da cultura que seja
capaz de dar conta dos elementos historicamente construídos, bem como das suas
transformações, e de uma pedagogia baseada no diálogo. Para superar a dicotomia
entre escola e realidade é fundamental um duplo movimento: em primeiro lugar,
produzir um conhecimento sobre o contexto da escola e, segundo, a opção por uma
pedagogia que seja capaz de estabelecer uma relação dialógica entre as distintas
experiências. O que efetivamente se entende por diálogo? Derivado do grego, a
palavra diálogo é composta por dia, que significa “dividindo, separando, um com ou
contra o outro, por um lado e por outro, o que se coloca em campos distintos”, e por
logos, que significa linguagem e, por extensão, discurso ou fala sobre algo. Assim,
diálogo pode ser definido pedagogicamente como uma mediação que envolve
necessariamente sujeitos distintos, predispostos a estabelecerem relações de
intercâmbio, visando a mudanças, transformações e ao crescimento de todos os
sujeitos envolvidos. O diálogo somente é possível onde houver diferença e, ao mesmo
tempo, abertura dos sujeitos.
Quando o diálogo for negado, a tendência é de que os grupos dominados
(oprimidos) fiquem silenciados. Não é por acaso que Freire (1981) insiste na
necessidade do diálogo como mediação pedagógica para a superação das relações
de opressão. Através dele, é possível explicitar as diferenças e, dessa forma, abrem-
se perspectivas para a superação das relações de dominação. O desafio do diálogo
entre diferentes grupos étnicos e culturais é um dos grandes desafios para a
educação intercultural. Uma das tendências é de que os oprimidos ao afirmarem suas
identidades resistam ao próprio diálogo, fechando-se em si mesmos sob os mais
diferentes argumentos.
38

Há que se insistir, no entanto, em criar condições para o diálogo,


especialmente na escola, um espaço privilegiado para tanto. No caso da educação
infantil, se fazem presentes diferentes infâncias com seus valores, concepções de
mundo, modos de vida, tanto aqueles herdados da tradição quanto aqueles
incorporados e reconstruídos historicamente nos diferentes contextos e espaços onde
as crianças vivem e convivem. Daí a possibilidade de se falar efetivamente em
diferentes infâncias. Felizmente essa discussão tem avançado significativamente nos
últimos anos com importantes pesquisas sobre a história da infância no Brasil, entre
as quais, pode-se destacar as de Del Priore (2004); Kuhlmann Jr. (2004); Corazza
(2004) e Freitas (2003).
Em suas pesquisas, Fleuri (1998; 2002a; 2002b) evidencia a complexidade
que envolve a educação intercultural. O reconhecimento de que a realidade é
complexa, no entanto, não é suficiente. É necessário estudar e conhecer melhor a
realidade da infância e de como as questões socioculturais e de identidade se fazem
presente no mundo das crianças e também qualificar as mediações pedagógicas que
devem ser condensadas nos projetos político-pedagógicos. O grande desafio é como
pensar a formação de novas gerações que sejam capazes de se constituir
efetivamente em sujeitos emancipados, na perspectiva apontada por Freire na
pedagogia do oprimido. Para tanto, as escolas de educação infantil têm um papel
fundamental.
A partir das questões desenvolvidas no texto, são vários os questionamentos
e desafios que ficam para a educação infantil numa perspectiva intercultural. Uma
delas é o reconhecimento de que não existe uma cultura única e nem apenas uma
infância. São múltiplas temporalidades que se entrecruzam no espaço da educação e
da cultura infantil. A escola precisa se munir de recursos teóricos e pedagógicos para
fazer frente à diversidade sociocultural e econômica das crianças. Os projetos político-
pedagógicos têm de dar conta dos múltiplos elementos oriundos da tradição e do
contexto atual que interferem na formação e na cultura das crianças.
Um segundo grande desafio é o de reconhecer os direitos da criança, na
perspectiva de Dallari e Korczak (1986), de uma educação para a cidadania e para a
solidariedade. Nesse processo, a educação intercultural precisa enfrentar de modo
radical os valores difundidos pela sociedade de consumo e pela televisão, que
estimulam a concorrência e a competição. A infância é propícia para a constituição de
valores e de princípios. A recuperação do sentido originário de cultura como cultivo da
39

terra (WILLIAMS, 1969) pode contribuir para o desenvolvimento da infância e da


educação intercultural. Ao cultivar a terra, o agricultor acredita na potencialidade do
crescimento das sementes que semeia. Os primeiros dias e semanas de vida da
planta são fundamentais para o desenvolvimento, daí o cuidado necessário. Esse
significado de cultura traz duas importantes implicações: em primeiro, que toda cultura
se desenvolve sobre uma base material e, em segundo, que toda a cultura passa por
transformações.

3.4 OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A INTERCULTURALIDADE NO


TRABALHO PEDAGÓGICO

Um dos desafios da educação infantil é aprofundar a perspectiva intercultural


no seu trabalho pedagógico. Para tanto, é imprescindível o conhecimento da realidade
das crianças, seus modos de vida, valores, comportamentos, etc. Sem o trabalho
Educacional, os projetos político-pedagógicos tendem a não desempenhar suas
funções. Além do conhecimento da diversidade sociocultural das crianças e suas
famílias, a escola precisa construir uma pedagogia capaz de estabelecer relações
dialógicas entre as diferenças. O diálogo se apresenta como a possibilidade de
superação das discriminações e das práticas de exclusão que se fazem presente no
espaço escolar da educação infantil e na sociedade como um todo. Não basta
introduzir novos recursos pedagógicos sem uma proposta fundamentada na educação
intercultural para a qual todos podem crescer se houver predisposição para o diálogo.
40

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