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PROPOSTA PEDAGÓGICA
Cecilia Goulart 1
Bartolomeu Campos de Queirós, em seu livro Para criar passarinho, diz o seguinte:
E se pensarmos que essa gaiola do tamanho do mundo é a escola? Como podemos fazer para
que nossas crianças apreendam o universo, respirem o azul e o infinito por todos os lados?
Como podemos abrir espaços para que voem, conhecendo novas possibilidades de entender o
mundo, novos modos de aprender, experimentando suas asas, suas potencialidades e seu
poder criador? Para bem ensinar as crianças, nós também, professores, temos que
experimentar as nossas asas, sempre – parafraseando o poeta escritor –, não abrindo mão de
nossa capacidade de crescer profissionalmente e ensinar-aprender cada vez mais e melhor.
Um professor que não tem medo de voar abre espaços de vôo para seus alunos.
Diferentemente do vôo das crianças da história A menina que aprendeu a voar, de Ruth
Rocha3 – uma estratégia para fugir da opressão e da chatice da professora, Dona Isolda –, as
crianças podem ir à escola para voar, fazendo novas descobertas, inventando novas
brincadeiras, conhecendo novas histórias, aprendendo novas linguagens, ampliando, enfim, a
(b) o modo como nos relacionamos e interagimos com as crianças e demais membros da
comunidade escolar;
Esses itens acima, entre outros elementos, tudo isso “faz” uma escola. Como temos feito as
nossas escolas?
Com o Ensino Fundamental de nove anos, nós, professores, estamos vivendo a necessidade e
a oportunidade de refletir e agir para conceber novas perspectivas para a realidade escolar.
Fica muito difícil pensar a escola – hoje mais do que nunca – fora de suas relações com o
mundo, um mundo em ebulição, com sociedades altamente heterogêneas, como a nossa. Há
pessoas de todos os tipos, com histórias, condições sociais, etnias, crenças e religiões, desejos,
necessidades e lutas diferenciados, criando tempos e espaços de incertezas, e também de
As mudanças políticas, sociais, culturais e religiosas, entre outros muitos tipos de mudança
que o mundo vive, globalmente e localmente, envolvem novas subjetividades e formas de ser,
de pensar, de viver, de se informar, de solucionar problemas e de se relacionar que, muitas
vezes, introjetamos e mal percebemos, outras vezes reagimos a elas e, outras vezes mais,
trabalhamos por elas, de forma deliberada ou não.
Se compararmos, por exemplo, o cotidiano de uma mulher, de uma mãe ou de uma criança de
hoje com o de uma mulher, mãe ou criança de 50 anos atrás, veremos permanências, mas
muitas mudanças. Novas questões, novos desejos e novos conhecimentos vêm determinando
novas identidades como formas de ser e de agir em relação às ações mais simples, desde o
modo de preparar um alimento, até ações mais complexas, como conhecer lugares distantes
(hoje, sem sair da cadeira...), ter o diagnóstico de um problema de saúde e tantas outras.
Assim é que, como cidadãos do mundo, experimentamos confortos e desconfortos,
expectativas, aflições, alegrias, perplexidades e tensões. E, como cidadãos dos lugares onde
moramos e vivemos, também experimentemos diferentes vivências, sensações e emoções.
Nem sempre são as mesmas, mas existem em qualquer espaço e nos afetam de modos
variados.
Como, então, conceber a escola, seus espaços, tempos e conteúdos, nesse tempo de uma
avalanche de informações orais, escritas e imagéticas, de valores redimensionados, renovados
e mesmo transgredidos, de conhecimentos sofisticados? Como manter a escola aberta para o
mundo? Como inseri-la socialmente, fazendo com que as informações, os conhecimentos, os
valores, no contexto de questões sociais e individuais, entrem na discussão da escola, tanto
quanto a escola deve se esparramar para fora dela, gerando um movimento de revisão de
conhecimentos e práticas em que a experiência humana ganhe novos sentidos?
A proposta desse programa é conversar sobre o Ensino Fundamental de nove anos e novas
possibilidades de pensar a escola, levando em conta as especificidades das crianças das
séries/anos escolares iniciais. Essa conversa tem três eixos como base principal: (a) a infância
e as infâncias; (b) os processos de ensino-aprendizagem; (c) o trabalho com a linguagem oral
e escrita e com as demais linguagens, considerando a pluralidade da escola e sua organização
em torno de crianças, que nos desafiam de várias maneiras.
Por falar em desafio de crianças, vejam, por exemplo, a história que o cineasta Humberto
Mauro conta a respeito de um de seus filhos, em entrevista ao médico e escritor Pedro Bloch 4,
há mais de quarenta anos, em 1964, quando muitos pais ainda falavam de cegonhas com as
crianças:
O primeiro grande aprendizado para nós e para as crianças é o aprendizado das semelhanças e
das diferenças; pelo reconhecimento da pluralidade humana, esse aprendizado nos leva ao
respeito ao próximo. É muito difícil voar e aprender novos vôos quando não somos
respeitados em nossas especificidades; é muito difícil respeitar quando sentimos que olham
para nós e não nos vêem, mas vêem um projeto de pessoa e de criança, uma ilusão, uma
construção estereotipada, que nós não somos. Uma criança é alguém que já tem uma história
singular, já tem tradição, já tem identidade. Suas formas de agir sobre o mundo se dão
principalmente através de brincadeiras, como ações culturalmente contextualizadas. É aí que
ela se expõe, digere o mundo em que vive, com facilidades e dificuldades. Na brincadeira, a
criança experimenta e expressa sua compreensão do mundo. E, como espaço de valores, é
também um espaço de poder.
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As crianças precisam de tempo para brincar entre elas, definindo tipos de brincadeira, papéis,
tempos, regras e normas. A escola das crianças de 6 a 10 anos, principalmente, não pode
negligenciar esse ponto. As atividades livres são tão importantes quanto as dirigidas, não só
para brincar, mas para a escolha de um livro, escolha de um colega de trabalho ou brincadeira,
definição da organização de uma atividade, das cores para usar num desenho, entre muitas
outras possibilidades. Essas decisões têm relevância para a construção da segurança interna,
da autonomia e da responsabilidade da criança.
No contexto em questão, a palavra ganha relevo porque está presente em todas as situações de
nossas vidas, de maneiras variadas. A palavra é conhecimento, sentimento, valor, arte, poesia,
ilusão. Venha de onde e de quem vier, a palavra está sempre carregada da história dos
homens, dos tempos e dos espaços. Por isso, a fala de nossas crianças é tão importante e por
isso também devemos abrir-lhes espaço na escola para que assumam suas histórias, abram
suas asas.
Da palavra falada para a palavra escrita, um pulo. Ambas povoam nossas casas, nossas
cidades, a TV, remexendo a nossa curiosidade e gerando um esforço de compreensão pelas
crianças sobre o que significam e como significam. Essa experiência da criança acontece no
contexto de muitas outras formas de expressão que circulam na sociedade de variadas formas:
a música, o desenho, a fotografia, os quadrinhos, o cinema, o teatro, a dança, a pintura,
abrindo muitas possibilidades de reconhecimento e de alargamento dos seus saberes. E
As diferentes produções artísticas e culturais produzidas pelo homem, aqui incluídas todas as
manifestações populares, constituem possibilidades diferenciadas de diálogo com o mundo,
oferecendo novas formas de expressão e de inteligibilidade, compreensão e relação com a
vida. A dimensão complexa do desenvolvimento e da constituição das crianças, como sujeitos
sociais, deve fazer parte do planejamento escolar, gerando atividades em que possam
continuar construindo as suas histórias, compreendendo e se apropriando da história e de
conhecimentos criados pelos seres humanos, ao longo dos séculos: debatendo, desenhando,
brincando, lendo, escrevendo, pesquisando, conversando, perguntando, dançando,
dramatizando, vivenciando, enfim, novas formas de ampliar o mundo.
O espaço da escola e da sala de aula deve visar à formação de pessoas letradas, não no sentido
estrito de aprender a ler e a escrever, mas no sentido da participação no mundo letrado, com a
compreensão da história, dos significados e dos valores dos elementos construídos nesse
mundo. Um espaço, portanto, de muitas conversas e discussões em torno de leituras variadas
e de produções vinculadas ao mundo da cultura escrita. Conversas, leituras e escritas das
crianças e dos professores. O que marca uma sociedade letrada são livros, jornais, filmes e
outros tantos materiais, mas também todas as formas de expressão e conhecimento do mundo
que se desenvolveram, principalmente, com o crescimento do uso da escrita.
Mas como conversar, ler e escrever sem saber? Muitas vezes, nossas crianças não têm esses
tipos de experiências em sua vida privada, é preciso atentar para isso. É no cotidiano da
escola, aproveitando situações relatadas pelas crianças, objetos, histórias, sentimentos, que
vamos provocando e explorando conversas e possibilidades de atividades de matizes
diversificados. É no contato com materiais escritos que, com a mediação de um
professor/leitor/escritor mais experiente, a criança vai buscando compreender o sentido do
que está escrito e também desejando se expressar nessa linguagem:
Considerando que as crianças nascem em sociedades letradas, em que a língua escrita ocupa
grande parte dos espaços sociais e da vida das pessoas, mesmo de quem não é alfabetizado,
essa modalidade de linguagem, desde muito cedo, entra na vida social de cada um de nós,
embora com intensidades e valores diferenciados. É comum que crianças bem pequenas
peguem algum objeto e um papel e comecem a simular escritas. Do mesmo jeito, seguram
livros e revistas e simulam leituras. Fazem desenhos e escritas no chão dos quintais, na areia
de praias e rios, e têm prazer nessas ações, revelando interesse nessa aprendizagem. É
importante, então, que o acesso à escrita, de múltiplas formas, seja franqueado às crianças na
Educação Infantil e no Ensino Fundamental.
A prática pedagógica que alfabetiza e letra não dissocia a aprendizagem da escrita, isto é, do
princípio alfabético da língua, da entrada na cultura escrita, ou seja, do acesso a suas
produções, sejam elas textos ou outras formas de expressão. Considerando, entretanto, as
Referências bibliográficas:
BORBA, Angela M. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: Ensino
Fundamental de nove anos – Orientações para a inclusão de crianças de seis
anos de idade. MEC/SEF, 2006.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=183&Itemid=22
1.
Disponível em:
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=183&Itemid=22
1.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=183&Itemid=22
1.
Notas:
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa
Gerência de Criação e Produção de Arte
Email: salto@tvebrasil.com.br
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
Rua da Relação, 18, 4º andar. Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Novembro 2006